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Cybelle Caroni
COMO SER PROFESSOR DE CRIANAS DE 1 A 2 ANOS?
UM OLHAR CRTICO-REFLEXIVO SOBRE UMA REALIDADE VIVIDA
Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do grau de ttulo de Mestre pelo Programa de Ps Graduao em Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Villela Pereira
Porto Alegre
2011
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Cybelle Caroni
COMO SER PROFESSOR DE CRIANAS DE 1 A 2 ANOS?
UM OLHAR CRTICO-REFLEXIVO SOBRE UMA REALIDADE VIVIDA
Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do grau de ttulo de Mestre pelo Programa de Ps Graduao em Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Aprovada em 14 de janeiro de 2011.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Marcos Villela Pereira PUCRS
__________________________________________
Prof. Dr. Gabriel de Andrade Junqueira Filho - UFRGS
_________________________________________
Prof. Dr. Maria Ins Corte Vitria PUCRS
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Dedico esta dissertao minha famlia, pelas minhas presenas-ausncias.
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Agradecimentos
Ao Marcos, meu orientador e amigo, pela parceria, por me questionar e me
desacomodar nesta caminhada, bem como me acompanhar na minha formao.
Maria Ins pelas contribuies na banca.
Ao Gabriel pelas partilhas e sugestes.
A Capes pela bolsa de estudos.
Aos professores da Graduao e do Programa de Ps-Graduao em Educao da
PUCRS pelo incentivo.
Direo, Coordenao da Educao Infantil e a todos os colegas do Colgio
Santa Ins pelo apoio.
Rosana pelas conversas e aprendizagens.
s Irms Isabel Suzana e Snia, Dbora e a todos os que de alguma forma me
ajudaram.
s crianas e suas famlias, pois sem eles esta pesquisa no seria possvel.
Aos meus pais e minha sobrinha por tudo que representam.
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Resumo
Como ser/tornar-se professor de crianas de 1 a 2 anos? No intuito de responder a este questionamento e pesquisar como que a minha experincia - o que eu vivo - transforma-se em saber experiencial - no que eu sei -, analisei os registros escritos dirios e avaliaes - feitos de 2004, quando iniciei a docncia na primeira turma de Classe Beb de uma escola particular do municpio de Porto Alegre, a 2010. As primeiras investigaes giraram em torno do aprofundamento terico das ideias sobre o saber, atravs dos estudos de Clermont Gauthier e Maurice Tardif, e sobre a experincia, atravs de Hans-Georg Gadamer, Jorge Larrosa e Marie-Christine Josso. Acreditando que a escrita uma das formas de pensar, refletir e promover auto-formao docente, agrego as ideias de John Dewey e Miguel Zabalza base terica desta dissertao. Partindo dos estudos destes autores, fao uma anlise textual discursiva, ancorada na minha prtica docente, onde reconheo que a teoria e a prtica se complementam. A teoria me d subsdios para enfrentar situaes inusitadas que a prtica provoca, mas ela depende da prtica para poder existir.
Palavras-chave: Educao infantil. Experincia. Saber experiencial. (Auto)Formao docente.
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Abstract
How is it to become a teacher of 1 - 2 years old children? In the aim of answering this question and research how my own experience what I live becomes an experiential knowledge what I know -, I analized written reports - diaries and evaluations from 2004, when I iniciated teaching in the first Baby Class of a private school in the city of Porto Alegre, up to 2010. The first investigations refered to theoretical deepening of ideas about knowledge, through the studies of Clermont Gauthier and Maurice Tardif, and about experience, through Hans-Georg Gadamer, Jorge Larrosa and Marie-Christine Josso. Believing that writing is one of the ways to think, reflect and promote teacher self-learning, I add the ideas of John Dewey and Miguel Zabalza to the theoretical basis of the dissertation. Starting with the studies of such authors, I make a discourse analysis, based on my own teaching practice, where I recognize that theory and practice complement each other. Theory gives subsidy to face unusual situations aroused by practice, but it also depends on practice to exist.
Keywords: Early childhood education. Experience. Experiential knowledge.Teacher (self) learning.
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SUMRIO
INTRODUO....................................................................................................... 08
1 A MINHA PERSPECTIVA TERICA DE/EM EDUCAO.................... 10 1.1 A EDUCAO.......................................................................................... 10 1.2 A EDUCAO E O LUGAR DA PRIMEIRA INFNCIA........................... 12 1.3 O CUIDAR E O EDUCAR........................................................................ 20
2 OS SABERES E A EXPERINCIA......................................................... 23
3 O PENSAMENTO E A REFLEXO......................................................... 33
4 A (MINHA) EXPERINCIA...................................................................... 42
5 OS INDICADORES.................................................................................. 47 5.1 A CONSTRUO DO VNCULO E A TEORIA DO APEGO.................... 47 5.1.1 A adaptao: uma experincia.............................................................. 50 5.1.2 O estabelecimento de elos e da confiana com a famlia: sua postura na visitao, na sala de aula e na despedida................. 54 5.1.3 As reaes da criana na chegada e na sada: modos de posicionar-se frente aos adultos responsveis e ao professor........ 62 5.2 O CHORO: UMA FORMA DE COMUNICAO...................................... 64 5.2.1 O choro de sofrimento........................................................................... 71 5.2.2 O choro de brabeza................................................................................ 77 5.2.3 O desenvolvimento da linguagem verbal............................................ 81 5.3 AS MENSAGENS DO SIM E DO NO: LIMITES E JULGAMENTOS..... 86 5.3.1 O meu! e algumas regras que costumo estabelecer................... 97 5.3.2 O No (dito e mostrado) pelas crianas, para os adultos e para as outras crianas......................................................................103 5.3.3 O Sim como forma de aceitar e pedir limites...................................111 5.4 O REGISTRO...........................................................................................113 5.4.1 A observao..........................................................................................114 5.4.2 As entrevistas com os pais: modos de conhecer...............................116 5.4.3 As planilhas............................................................................................119 5.4.3.1 As planilhas do incio do ano: formas de conhecimento e adaptao.............................................................................................120 5.4.3.2 As planilhas semanais...,,,.......................................................................125 5.4.4 O (meu) registro das observaes.......................................................131 5.4.5 A (minha) escrita....................................................................................143 5.4.5.1 O todo na coletiva e o detalhamento na individual..................................143 5.4.5.2 As mudanas ocorridas na trajetria.......................................................147 5.4.5.3 A escrita que me revela e que revela repertrios das crianas...............149
CONSIDERAES FINAIS..................................................................................152
REFERNCIAS.....................................................................................................156
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INTRODUO
Vrias pesquisas e estudos (ERIKSON, 1976; WINNICOTT, 1992; SHORE,
2000; BOWLBY, 2002; BRASIL, 2001, 2006a, 2006b; FALK, 2004; GOLSE, 2004;
POST & HOHMANN, 2004; PIAGET, 2007) comprovam que os primeiros anos de
vida de uma criana so fundamentais para que ela tenha um crescimento e um
desenvolvimento sadio. Sabendo da importncia das primeiras relaes, que ... as
experincias - positivas e negativas - que as crianas tm nos primeiros anos de
vida, ajudam a formar os seus crebros adultos (SHORE, 2000, p. 55) e
acreditando que as crianas j nascem competentes, surgiram, na minha trajetria
como estudante, pedagoga e ouvinte, vrios questionamentos sobre a prtica
pedaggica com crianas de 1 a 2 anos, sobre a formao dos profissionais, como
eu, que trabalham diretamente com essa faixa etria: Que professores temos sido e
produzido?, Como temos interpretado o vivido? Que conhecimentos e atitudes
tm esses profissionais que trabalham com esta faixa etria que to cheia de
peculiaridades?, Como a experincia ajuda na construo de saberes especficos
para trabalhar com bebs e crianas pequenas?
Foram vrias questes envolvendo a formao do professor, at eu mesma
me perguntar como eu me tornei professora. Diante disso, pretendo, nesta
dissertao, fazer uma anlise crtico-reflexiva sobre a minha realidade, sobre a
minha experincia de vida com crianas dessa faixa etria.
O principal foco a ser trabalhado nesta dissertao, portanto, a tentativa de
responder questo Como ser/tornar-se professor de crianas de 1 a 2 anos?,
baseada na reflexo dos saberes construdos na minha experincia docente com
crianas desta faixa etria. No intuito de responder a este questionamento e
pesquisar como que a minha experincia - o que eu vivo - transforma-se em saber
experiencial no que eu sei -, analisei os registros escritos dirios e avaliaes -
feitos de 2004, quando iniciei a docncia na primeira turma de Classe Beb de uma
escola particular do municpio de Porto Alegre, em 2010.
Segundo Roque Moraes (2007, p. 15), toda leitura feita a partir de alguma
perspectiva terica, seja esta consciente ou no. Baseada nesta citao, trago no
primeiro captulo, intitulado A minha perspectiva terica de/em educao, a minha
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perspectiva terica, deixando-a clara ao leitor. Ao mesmo tempo em que a
complemento, trazendo o lugar da Educao Infantil no Brasil (estudos e
documentos legais) e os conceitos de Educao e do binmio Cuidar e Educar.
Para tentar responder questo Como a minha experincia ajuda na
construo de saberes especficos para trabalhar com crianas pequenas?, busco,
no segundo captulo, Os saberes e a experincia, as ideias de Clermont Gauthier e
Maurice Tardif e de Hans-Georg Gadamer, Jorge Larrosa e Marie-Christine Josso,
para falar sobre os saberes e a experincia, respectivamente.
Em O pensamento e a reflexo, terceiro captulo, parto do pressuposto de que
a linguagem escrita um importante fator para a reflexo. Antes, porm, de adentrar
na reflexo, atravs dos dirios de Miguel Zabalza, falo sobre a relao da
linguagem e do pensamento, atravs, principalmente, de Gabriel Junqueira Filho e
de John Dewey.
A (minha) experincia, quarto captulo, refere-se construo da minha
docncia, ancorada, principalmente, na prtica e em estudos realizados na escola
em que atuo. Refiro-me somente ao meu local de trabalho, porque iniciei a prtica
antes de ter suportes tericos mais aprofundados sobre o desenvolvimento infantil,
sobre as concepes de criana e infncia, culturas infantis, leis, planejamento e
assim por diante.
No ltimo captulo, Os indicadores, apresento quatro indicadores vnculo,
choro (como comunicao), sim e no e registro selecionados para, a partir
deles, trazer pequenos recortes, na forma de excertos extrados dos dirios e das
avaliaes, sobre a minha trajetria como docente. Saliento que, neste captulo,
trarei outros tericos que embasam minha prtica, que me acompanham e com
quem travo dilogos, revelando, assim, como penso e o motivo pelo qual atuo da
maneira que atuo. Trago-os, portanto, como forma de elucidao e no com a
finalidade de estud-los.
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1 A MINHA PERSPECTIVA TERICA DE/EM EDUCAO
Revelar a minha perspectiva terica em educao o cerne deste captulo,
onde abordarei tambm o que alguns tericos brasileiros e estrangeiros pensam
sobre a educao, alm de explorar os rumos da educao brasileira, em especial a
educao infantil, foco de minha atuao e fonte de minha pesquisa. A partir disso,
trarei minhas crenas e maneiras de pensar e estar com crianas de 1 a 2 anos,
faixa etria com a qual trabalho, exercendo minha docncia em uma instituio da
rede privada de ensino, confessional catlica, de Porto Alegre.
1.1 A EDUCAO
Pergentino Pivatto (2007) relata, em seu artigo Viso de homem na educao
e o problema da humanizao, uma preocupao com a definio de educao, a
qual no possui um campo terico prprio e consistente, percorrendo outras
reas/cincias para definir o ser humano e a humanizao.
O autor refere-se ao mosaico de vises de educao, que, na verdade,
transmitido aos estudantes como sendo uma verdade nica, sem realmente
questionarem (professores e estudantes) qual a concepo de humano que a
educao tem ou deveria ter. Tudo (re)passado para os alunos sem o uso de uma
criticidade ou reflexo crtica a respeito do seu verdadeiro valor. So vrios pedaos
de teorias sem, por vezes, ter um fio condutor.
Acredito, contudo, que precisaramos dessas reas para encontrar uma
resposta adequada sobre o que seria o humano e a humanizao (sem
reducionismos e limitaes). Se trabalharmos pensando numa totalidade, num ser
completo, cujas potencialidades seriam desenvolvidas, precisaramos de todas
essas reas (algumas talvez com um peso maior que outras) para encontrarmos
respostas e ter, enfim, uma viso mais clara sobre esta questo, o que no fcil de
se fazer!
Augusto Prez Lindo (2010, p.55), depois de tambm abordar esta
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complexidade - e, de acordo com Cabanas (2002), esta polissemia - do conceito de
educao, tomando como base diferentes conceitos feitos ao longo do tempo, traz
sua definio de educao como sendo
[...] una actividad bio-psico-social en la que mediante el linguaje, las informaciones y las actitudes se procura formar individuos capaces de construir conocimientos, valores estticos, morales y competncias para integrarse en una sociedad, resguardar la vida y alcanzar su plena autonoma. (LINDO, 2010, p.55).
Educao um termo complexo que foi conceituado, como podemos ver, de
diversas maneiras ao longo da nossa histria, como os autores acima citados o
fazem. No entanto, Augusto Prez Lindo (2010) condensa vrios conceitos e cria um
mais completo para e na atualidade. Levando em considerao os dias atuais, onde
as informaes so dadas em tempo real e numa velocidade estonteante, onde tudo
rpido, inclusive a vida, que passa a significar quantidade de coisas a fazer e no
qualidade de coisas a serem feitas, nos revela uma educao que dada quase
toque de caixa. No h tempo para observar, sentir, cheirar, ver o outro e a si
mesmo, cuidar do si para cuidar do outro (FOUCAULT, 1991), ter experincia, como
Jorge Larrosa (2002) postula. Resgatar estes momentos tm sido discutido por
tericos em diversas partes do mundo.
A sociedade do conhecimento, onde a noo de competncia predomina e
passa a governar a estratgia de gesto da informao, ou seja, o conhecimento
(PEREIRA, 2009, p.13) passa a se sobressair sociedade de informao, onde a
quantidade de informaes e o domnio do contedo bastam por si s. Por isso,
acredito que o conceito dado por Augusto Prez Lindo engloba, por enquanto, as
nuances da educao atual.
As mudanas ocorridas na sociedade so reveladas na escola, assim como o
que acontece na escola interfere, de alguma forma, na sociedade. Isto quer dizer
que a educao no neutra, como nos passa a Teoria Crtica, cujos pensadores
enfatizam que a escola uma agncia de transformao social, que [...] serve para
construir as subjetividades, as percepes, as relaes sociais. Socializa o
indivduo: transforma-o de acordo com os desejos e as necessidades da sociedade
(BERTRAND, 2001, p. 174). O que vem ao encontro dos estudos de Pierre
Bourdieu, terico francs, que diz que a escola um local de reproduo e seleo,
utilizada para manter a classe dominante (BERTRAND, 2001).
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Em outra poca, ao contrrio, pensou-se na educao como uma tbua de
salvao. Era a partir dela que se irradiaria uma modificao da sociedade. As
crianas passaram a ser instrudas pela cpia, memria, repetio, obedincia. Era
o modelo tradicional de ensino, onde o professor prope/impe seu conhecimento e
o contedo ao aluno, motivando-o indiretamente e com sanes (CABANAS, 2002.)
Esse modo de ensinar ainda persiste e insiste em aparecer nas escolas
atualmente, mesmo passando pelas rpidas mudanas sociais e tecnolgicas das
quais falei anteriormente. O grande problema que muitos de ns, professores e
pais (muitos que, alis, no aceitam mudanas) fomos ensinados nesta perspectiva
e encontramos dificuldades em mudar a postura diante do novo, que assusta,
dificulta, desequilibra.
Como reinventar o dar aula? Conseguiremos fazer isso? Esta pergunta,
pretendo responder ao longo do texto.
1.2 A EDUCAO E O LUGAR DA PRIMEIRA INFNCIA NO BRASIL
Vrios estudiosos brasileiros, Silvio Romero (1901), Miguel Couto (1927), M.
Bomfim (1932), Jos Verssimo (1985), A de Almeida Oliveira (2004), Jos Liberato
Barroso (2005), os escolanovistas, entre outros, independente de suas convices
ou ideais (que divergem dos meus, por vezes), j relatavam, em/sobre outra poca,
a falta de estrutura educacional, a dificuldade em fazer reformas educacionais, a
falta de instruo do povo brasileiro, a despreocupao com a instruo e com a
reflexo, a falta de ideias transformadas em atos, a preocupao pela formao dos
mestres e pelo ensino obrigatrio e leigo etc.
Embora tenhamos avanos e recuos nos dias de hoje, pode-se perceber, em
algumas das falas destes e de outros tericos brasileiros de sculos passados, uma
certa sintonia com a atualidade. Em pleno sculo XXI, ainda temos preocupaes
com a educao. Na verdade, num mundo de rpidas mudanas e com novas
tecnologias aparecendo diariamente, acredito que sempre haver preocupao a
este respeito. Acredito tambm que os princpios e valores, to apregoados naquela
poca, esto sendo distorcidos ou esquecidos atualmente. Precisamos de um
equilbrio: nada de exageros, mas tambm sem deixar nada cair no esquecimento.
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Algumas conquistas foram feitas ao longo dos anos, aps o movimento
escolanovista. A partir de 1930, h uma fase de otimismo pedaggico, onde o
discurso era: No basta criar escolas, temos que mud-la! Temos que acompanhar
e conhecer o aluno. J em 1937, por exemplo, so estabelecidas normas para a
educao do trabalhador, como manter creche (ou jardim de infncia) para filhos de
mulheres em servio.1
As creches2 eram locais onde os filhos de pessoas com baixa renda ficavam e
onde se cuidava da sade, da alimentao e da higiene das crianas ao contrrio da
pr-escola3 que (j) atendia a populao mais abastada. Nas dcadas de 1970 e
1980, o processo de urbanizao do pas,... somado a uma maior participao da
mulher no mercado de trabalho e presso dos movimentos sociais, levou a uma
expanso do atendimento educacional... (BRASIL, 2006b, p. 8). Assim, a partir
deste contexto, as crianas pequenas de famlias da classe mdia e alta tambm
passaram a ser atendidas nas creches.
A histria da Educao Infantil brasileira teve conquistas mais recentes perto
da nossa histria como nao. No entanto, embora haja muitos estudos, tudo ainda
muito novo e, em 2006, 18 anos aps a Constituio, o documento Poltica
Nacional de Educao Infantil: pelo direito das crianas de zero a seis educao
continua constatando que a educao das crianas de at 3 anos assume ora [...]
uma funo predominantemente assistencialista, ora de carter compensatrio e ora
um carter educacional nas aes desenvolvidas. (BRASIL, 2006b, p.8).
Reforando esta ideia, em recente artigo, Sandra Regina S. Richter e Maria
Carmem S. Barbosa (2010, p. 89-90) nos revelam um panorama no to diferente
trazido no Relatrio de pesquisa: Mapeamento e anlise das propostas pedaggicas
municipais para a Educao Infantil:
Em nosso pas (BRASIL, 2009), podemos encontrar basicamente trs modalidades curriculares na especificidade da creche: a) listagem de aes educativas espelhadas no Ensino Fundamental, sustentadas na fragmentao das reas do conhecimento, b) aes de vigilncia ou acelerao do desenvolvimento infantil com base nas etapas evolutivas,
1 Anotaes de aula dos dias 06 e 20 de outubro de 2009. Disciplina Educao Brasileira Anlise
Contextual, ministrada Prof. Dr. Maria Helena Camara Bastos. Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
2 Denominao dada s instituies que atendiam crianas de 0 a 3 anos, no modificando aps a
Constituio de 1988. 3 Denominao dada para o atendimento de crianas de 4 a 6 anos.
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c) aes voltadas prioritariamente para atendimento s necessidades bsicas das crianas. Essas trs modalidades curriculares apontam para pedagogias adultocntricas, higienistas e escolarizadoras nas quais no h lugar para o reconhecimento dos bebs e das crianas pequenas como seres linguageiros, ativos e interativos. (RICHTER, BARBOSA, 2010, p. 89-90).
Alm deste modelo de currculo, os profissionais no so valorizados. Muitas
vezes ouvi, o que chamo de mxima, a frase: para que estudar tanto para cuidar de
beb? Na prtica, ainda h uma cultura sobre somente ter cuidados com as crianas
at trs anos, embora j se pense no educar e no cuidar (binmio inseparvel ao
falarmos, principalmente, da faixa etria de 0 a 3 anos e que trataremos
posteriormente), assim como tambm, passou-se a pensar num professor
qualificado4 para elas, desde a Constituio de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional LDB, de 1996. Desde a promulgao destas leis, muitos
documentos surgiram a partir de estudos e pesquisas (e muita discusso!) para
servirem de apoio e para orientarem as instituies brasileiras de educao infantil,
no intuito de se alcanar uma educao de qualidade, que procure atender da
melhor forma possvel as crianas brasileiras.
Em 2009, foi redigido outro documento, intitulado Indicadores da Qualidade
na Educao Infantil, que deve servir como instrumento para a auto avaliao das
instituies de educao infantil, pensando sempre nesta questo da qualidade,
como objetivo principal. E um dos indicadores da qualidade na educao infantil
justamente a formao dos professores5.
Nesse documento foram definidas sete dimenses fundamentais, cada uma
contendo os indicadores de qualidade, num [...] trabalho colaborativo que envolveu
diversos grupos em todo o pas [...]. (BRASIL, 2009, p. 15).
1. Dimenso Planejamento Institucional, cujos indicadores so: proposta
pedaggica consolidada, planejamento, acompanhamento e avaliao e registro
da prtica educativa,
2. Dimenso Multiplicidade de Experincias e Linguagens, cujos indicadores
4 A formao docente exigida na LDB, Art. 62: a formao de docente para atuar na
educao bsica far-se- em nvel superior, em curso de licenciatura, de graduao plena, em universidades e institutos superiores de educao, admitida, como formao mnima para o exerccio do magistrio na educao infantil e nas quatro primeiras sries do ensino fundamental, a oferecida em nvel mdio, na modalidade Normal. 5 A meta do Plano Nacional de Educao PNE (BRASIL, 2001) que, at 2010, 70% dos
professores tenham formao de nvel superior, o que revelaria a melhora na qualidade da educao infantil.
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mostram como a criana constri autonomia e como ela se relaciona com os
ambientes natural e social,
3. Dimenso Interaes, que diz respeito dignidade e ao ritmo das crianas,
4. Dimenso Promoo da Sade, onde se encontram os aspectos relativos
responsabilidade pela alimentao saudvel das crianas e higiene,
5. Dimenso Espaos, Materiais e Mobilirios, que devem ser variados e
acessveis, favorecendo as experincias das crianas,
6. Dimenso Formao e Condies de Trabalho das Professoras e demais
Profissionais, que diz respeito formao dos professores,
7. Dimenso Cooperao e Troca com as Famlias e Participao na Rede de
Proteo Social, que diz respeito aos direitos da famlia.
Muitas so as informaes (re)passadas na busca pela qualidade, como os
indicadores acima elencados, mas eles ainda servem somente como parmetros,
como um apoio, apenas orientando as instituies. O problema que
[...] os bebs, porque no podem ainda deslocar-se com autonomia, no falam a nossa lngua, no permanecem imveis e quietos para ouvirem lies, interrogam a escola e o currculo, exigindo a abertura a outras possibilidades de planejar, organizar e avaliar o cotidiano da creche. (RICHTER, BARBOSA, 2010, p.90).
O que nos leva a descobrir formas (ainda no to claras para alguns) de
educar e cuidar destas crianas. Sabemos e/ou conhecemos as leis (ou onde
encontr-las), aprendemos o que necessrio para termos essa to buscada
qualidade na educao infantil. A nossa qualificao, inclusive, faz parte dos
indicadores de qualidade. Mas ser que utilizamos esses conhecimentos
diariamente? Como estamos educando e cuidando das nossas crianas?
No PNE (BRASIL, 2001) reforada a ideia de que os cursos, que formam
professores de Educao Infantil, precisam dar ateno formao humana, j que
trabalhamos diretamente com emoes, com sentimentos, com pessoas que esto
desenvolvendo-se e esto vidas por conhecer o mundo.
Conhecendo as crianas (como se desenvolvem, como e quem so, o que
fazem, gostam, necessitam, querem, precisam), que podemos preparar o
professor, que diante de sua reflexo (crtica) ajudar na (sua) construo e na
busca por mais qualidade de ensino e, qui, de infncia.
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Para conhecer esta criana, o educador tem que escut-la. O educador que
escuta, aprende a difcil lio de transformar o seu discurso, s vezes necessrio, ao
aluno, em uma fala com ele. (FREIRE, 2007, p. 113) Temos que aprender a
escutar. Escutar os professores e as crianas que, no meu caso, ainda no falam
por meio de palavras, pois trabalho com a faixa etria de 1 a 2 anos.
Exero minha docncia em uma instituio da rede privada de ensino,
confessional catlica, de Porto Alegre. Escola em que estudei desde a pr-escola,
na dcada de 70, at a finalizao do Ensino Mdio6, na dcada de 80. Participei,
portanto, de dois momentos distintos de sua histria, seja como aluna, seja como
professora.
Como docente, participei da reviso de importantes concepes do Projeto
Poltico-Pedaggico (2000 2004), tendo como base informaes de diferentes
tericos, como Paulo Freire, Jean Piaget, Antoni Zabala, Csar Coll, Fernando
Hernndez, Lev Vygotsky e Henri Wallon, que possibilitaram fazer anlises de base
filosfica, sociolgica, epistemolgica, psicolgica e pedaggica. Estas anlises
ajudaram nas definies do para que ensinar, o que ensinar, como e quando
ensinar. Pensando na concepo de bebs que tanto o colgio quanto eu
possumos, acrescento para quem ensinar.
Atravs dos Projetos Didticos, desde a Educao Infantil at o Ensino Mdio,
buscou-se uma coerncia na conduo dos processos de ensino e de aprendizagem
e na organizao dos conhecimentos escolares, feita por conceitos. Na Educao
Infantil, por noes [...] que possibilitam a construo dos conceitos em cada rea
do conhecimento [...]. (PP 2006 - 2010, 2006, p. 51).
Pensa-se, portanto, em formar crianas e jovens na sua totalidade,
oportunizando que o aluno tambm seja agente do processo educativo e sujeito de
sua prpria aprendizagem, sendo capaz de construir conhecimento, atravs de uma
formao crtica e participativa, para agir de acordo com os princpios da educao
crist.
Esta viso vem, como falamos acima, desde a Educao Infantil, que
considera, entre outras coisas: os primeiros anos de vida da criana
importantssimos para o desenvolvimento da capacidade motora, de emoes e da
inteligncia; a criana inteira (possibilidade de desenvolvimento de forma integral);
6 A denominao dada na poca (1984) era Segundo Grau, modificando, posteriormente, com a
Constituio de 1988, para Ensino Mdio.
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o relacionamento adulto/criana como base de todo o trabalho; a participao da
criana no processo de aprendizagem; os conhecimentos construdos previamente
por elas; os saberes que elas tm necessidade de aprender e o aprofundamento
terico do educador, assim como sua [...].sensibilidade para cuidar, ensinar e
aprender com as crianas [...]. (PP 2006-2010, 2006. p. 59)
Para elaborar a Proposta Pedaggica da Educao Infantil do Colgio e
chegar a este currculo diferenciado, o corpo docente partiu de reflexes feitas sobre
a proposta pedaggica anterior (2001) e por estudos crticos e aprofundados do
Referencial Curricular para a Educao Infantil MEC e de obras de autores como
Miguel Zabalza, Bassedas, Huguet e Sol e Edwards (CAIRUGA & COSTA, 2001).
Alm destes, foram feitos novos estudos sobre a organizao curricular, sobre a
autonomia e sobre o desenvolvimento do beb, embasados em referenciais da
psicologia, como T. Berry Brazelton, Daniel Stern, D, W. Winnicott, Jonh Bowlby e
Cramer.
Sabendo que as experincias concretas e as aes so preponderantes para
a construo dos conhecimentos que se estruturou este currculo baseado em
Campos de Experincia (O Eu e os outros; O corpo e o movimento; Os sons, a
oralidade e o letramento; As coisas, o tempo e a natureza; O espao, a ordem, a
medida; Mensagens, formas e meios de expresso), que se referem s reas do
conhecimento, e Experincias Essenciais (que seriam os contedos) de cada nvel.
A partir das experincias que as crianas podem realizar, do que elas sabem
sobre o tema e do que querem aprender sobre o mesmo, que surgem os Projetos
como forma de organizar a prtica pedaggica da Educao Infantil7. Alm dos
projetos e de suas respectivas atividades, as aulas tambm so organizadas atravs
de situaes de aprendizagem, como as sequncias didticas (para
desenvolvimento e sistematizao de importantes contedos que no aparecem no
projeto) e atividades permanentes (que so repetidas de forma sistemtica).
Ao apresentar as bases tericas e as concepes do Projeto Poltico
Pedaggico da instituio em trabalho, inevitavelmente, falo das minhas
concepes, porque trabalho neste Colgio, entre outras coisas, por ter afinidades
com os tericos que embasam a prtica dos professores. So ideias que
7 Texto elaborado com base no Projeto Poltico Pedaggico do Colgio e no Relatrio Final da
Prtica de Ensino, realizado na Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, para a disciplina de Prtica de Ensino. Orientadora: Prof. Ms. Beatriz Kulisz.
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compartilho, principalmente, com relao ao desenvolvimento e aprendizagens das
crianas de 1 a 2 anos.
Alm do que j foi dito anteriormente sobre a concepo de criana que se
tem no Colgio, penso nela (criana) como um ser competente que, mesmo antes
de nascer, j faz trocas com o meio em que vive. As suas relaes com o meio so
importantes na medida em que podem instig-la e desafi-la a ser mais
independente, por exemplo. Alm disso, vejo o espao como um terceiro educador,
tal como pensa Loris Malaguzzi (RABITTI, 1999), influenciado pelas ideias de
Vygotsky (EDWARDS, GANDINI & FORMAN, 1999).
Para poder entender a criana desta faixa etria, busco respaldo terico nas
principais teorias das perspectivas do desenvolvimento humano, quais sejam a
Psicanaltica: a psicossexual de Freud e a psicossocial de Erikson; a Cognitiva:
Teoria cognitiva de estgios de Piaget (com nfase nos processos mentais internos);
a Etolgica: Teoria da vinculao de Bowlby e Ainsworth; e a Contextual: Teoria
sociocultural de Vygotsky (O desenvolvimento da criana afetado pela interao do
adulto). (PAPALIA, OLDS & FELDMAN, 2001, p. 19), perspectivas a que me remeto
para tentar entender e explicar a fase pela qual meus alunos passam (ou passaram)
e ainda iro passar. Busco respostas para dvidas que surgem ao tratar com esta
faixa etria cheia de sutilezas.
Assim, na busca por aportes tericos para embasar minha prtica (a prtica e
a teoria sempre andam juntas, de especial maneira para mim, que assumi turma no
mesmo ano - 2004 - em que reingressava na faculdade. J tinha duas graduaes e
especializao), fui apresentada ainda a outros estudiosos que me acompanham
nesta caminhada. Alm dos citados acima, outros trazem pesquisas mais recentes
sobre a Primeira Infncia, como Bernard Golse e Victor Guerra; alm de estudos de
Daniel Stern, Ren Spitz, Rima Shore e Wallon. So pediatras, psiclogos,
neurocientistas, psicanalistas, enfim, que estudavam ou estudam sobre o
desenvolvimento do beb e de crianas de at 3 anos. Estudos e teorias importantes
que me ajudam a conhecer/entender meu aluno; que me trazem respaldo para uma
concepo de infncia e de criana em que acredito. Cada um traz novidades
(devidamente comprovadas) de seu tempo, de acordo com sua perspectiva terica,
com importantes informaes e contribuies para entendermos um pouco mais
sobre as crianas, para melhor ajud-las neste processo de construo de si,
adequando, assim, diferentes atividades (de projetos) e/ou situaes de
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aprendizagem para a faixa etria em que se encontram.
Trabalho com vida, por isso quero formar crianas mais afetivas, que
respeitem o outro e que sejam ao mesmo tempo mais independentes (no
individualistas), levando em considerao ainda que [...] a inteligncia e a
afetividade so indissociveis [...] (PIAGET, 2007, p. 22).
Para tanto, tenho que ter respeito por elas e atitudes coerentes entre
falar/fazer/agir, porque sou um espelho para elas: assim como aprendo com as
crianas, elas aprendem comigo. Deixo minhas marcas nelas, assim como elas
deixam as suas em mim (um pouco do pragmatismo de Charles Sanders Peirce):
uma das maneiras de conhec-las e escut-las, respeitando, assim, o ritmo de cada
uma, o jeito de ser e estar de cada uma.
Trabalhar com elas significa um reinventar o tipo de educao que recebi.
Para modificar aquela educao tradicional da dcada de 70, estudei, pesquisei,
observei, tive experincias com faixas etrias diferentes que me deram sustentao.
Como disse Loris Malaguzzi (EDWARDS, GANDINI & FORMAN, 1999, p. 97), em
uma entrevista, [...] uma teoria legtima se lida com problemas que emergem da
prtica da educao e que podem ser solucionados pelos educadores. A tarefa da
teoria ajudar, para que os professores entendam melhor a natureza de seus
problemas. Desta forma, a prtica torna-se um meio necessrio para o sucesso da
teoria.[...]
Algumas das teorias que busquei at o momento, como a de Piaget, Freud e
Bolwby, foram pioneiras, trazendo importantes contribuies e motivando outras
pesquisas mais completas. Segundo o prof. Dr. Juan Jos Mourio Mosquera, todas
as teorias so incompletas. Uma teoria importante tem que merecer crticas e, por
isso mesmo, persiste. As problemticas so fundamentas por seu valor. A teoria
cognitiva de Piaget, por exemplo, leva em conta somente os processos mentais,
sem considerar a cultura em que a criana est inserida.8
Acredito, portanto, numa criana ativa, competente, sensvel, que precisa de
apoio (emocional) para fazer suas exploraes e descobertas; numa criana que
constri conhecimento atravs da experincia, que protagonista de sua
aprendizagem; numa criana aprende a partir de atividades e situaes de
8 Anotaes de aula do dia 23 de novembro de 2010. Disciplina: Teoria da Educao, ministrada
pelo prof. Dr. Juan Jos Mourio Mosquera. Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
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aprendizagem que tenham significado para ela, que aprende atravs de conexes
(esquemas mentais) que esto na sua base (BORGHI, 1998); numa criana que
interage com o meio desde beb (o que depende de suas relaes com este meio
que a cerca).
Posso dizer que tenho como base o socio-interacionismo e/ou socio-
construtivismo. Saliento que, dependendo do autor, utiliza-se um termo ou outro
para falar das teorias de Vygotsky e de Piaget,s respectivamente. Yves Bertrand
utiliza o termo scio-histrica para falar da teoria de Vygotsky e o termo
psicognitivas para falar de Piaget. J Jos Maria Quintana Cabanas utiliza os termos
cognitivismo para falar de Piaget e Vygotsky e construtivismo para Piaget.
Independente da utilizao ou no de termos, tenho certeza do que quero e fao
dentro da sala de aula, como venho demonstrando nas minhas falas at aqui.
O que fao buscar, em outras teorias, respaldo ou mais recursos para lidar
com meus alunos. Segundo Patrcia Fernanda Carmen Kebach,
O professor construtivista, assim, deve ter noes bsicas de psicologia do desenvolvimento e metodologia clnica
9, em termos de observao e anlise
das situaes observadas, para tornar-se um pesquisador de suas prprias aes docentes e das aes discentes, procurando melhor sua prtica pedaggica. (KEBACH, 2010, p. 147).
Travo, portanto, um dilogo entre as neurocincias, a educao, a psicanlise
e a psicologia. Talvez, as relaes que fao no tenham sentido, mas elas esto de
acordo com minha formao. Inclusive, gosto muito da ideia trazida pela psicologia
positiva: viver aprender atravs da sensibilidade, to importante para se trabalhar
com esta faixa etria.
1.3 O CUIDAR E O EDUCAR
Como vimos, as pesquisas sobre a Primeira Infncia ainda esto
configurando-se, pois s a partir da Constituio de 1988 que a Educao Infantil
9 De acordo com a autora, Piaget provavelmente no teria realizado uma teoria sobre o
desenvolvimento intelectual (epistemologia gentica) sem um mtodo de investigao que lhe proporcionasse as observaes empricas que realizou. Chamou-o de mtodo clnico (ou crtico). (KEBACH, 2010, p. 44).
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passou a ser reconhecida e includa na Educao Bsica. Uma [...] nova concepo
de criana como criadora, capaz de estabelecer mltiplas relaes, sujeito de
direitos, um ser scio-histrico, produtor de cultura e nela inserido[...] est
emergindo (BRASIL, 2006b, p. 8). Isso tambm reforado nos Parmetros
Nacionais de Qualidade para a Educao Infantil (BRASIL, 2006a, v.1, p. 14), que
dizem que [...] embora dependente do adulto para sobreviver, a criana um ser
capaz de interagir num meio natural, social e cultural desde beb [...].
Com essa nova concepo, foi proposta [...] nova funo para as aes
desenvolvidas com as crianas, envolvendo dois aspectos indissociveis: educar e
cuidar[...] (BRASIL, 2006b, p. 8)
O Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil RCNEI
(BRASIL,1998), outro documento de referncia que tem orientaes pedaggicas
para se alcanar a qualidade das prticas educativas, faz a distino do que cuidar
e do que educar, salientando tambm a indissociabilidade desses dois termos na
educao infantil. Assim, temos que
Educar significa, portanto, propiciar situaes de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relao interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude bsica de aceitao, respeito e confiana, e o acesso, pelas crianas, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educao poder auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriao e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estticas e ticas, na perspectiva de contribuir para a formao de crianas felizes e saudveis. (BRASIL, 1998, p. 23).
E cuidar [...] valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado um
ato em relao ao outro e a si prprio que possui uma dimenso expressiva e
implica procedimentos especficos. (BRASIL,1998, p.24). Para se ter um
desenvolvimento integral, ento, necessrio ter cuidados relacionais (dimenso
afetiva), cuidados com os aspectos biolgicos do corpo e cuidados com a sade
(BRASIL,1998).
O que tem acontecido, porm, que cuidar e educar continuam distantes das
escolas. Como abordei acima, [...] as discusses acerca do pensar propor e
criticar os currculos no chegaram aos estabelecimentos que cuidam e educam
os bebs. (RICHTER, BARBOSA, 2010, p. 89).
Esta preocupao e estas discusses, no entanto, no so somente feitas no
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Brasil. Miguel Zabalza (1998, p. 39), por exemplo, fala sobre o dilema entre
cuidados (care) e educao (education):
Em alguns pases europeus a temtica da Educao Infantil estabelecida mais na direo do care (um tipo de servio assistencial s famlias para que os pais e as mes possam trabalhar sem precisar ficar preocupados com seus filhos que recebem assistncia de pessoal especializado) do que da education (orientado a intervenes especificamente dirigidas procura do desenvolvimento global das crianas). (ZABALZA, 1998, p. 40)
O autor se posiciona frente a este dilema e concordo com ele quando fala que
os professores [...] no so mes/pais substitutos para atender s crianas
enquanto os seus trabalham [...] e que nossa profisso est [...] vinculada a
potencializar, reforar e multiplicar o desenvolvimento equilibrado da criana [...].
(ZABALZA, 1998, p.40). No entanto, para chegar a este desenvolvimento
equilibrado, tenho que ter alguns cuidados tambm, principalmente com as crianas
de at trs anos. Cuidados com alimentao, cuidados corporais e com o bem-estar
das crianas (A higiene nasal importante para a criana respirar bem, o que
favorece a fala, por exemplo e, nesta faixa etria, a aquisio da fala muito
importante), cuidados atenciosos (retomarei este termo no decorrer desta
dissertao). Todos so momentos pelos quais os vnculos iniciam e so reforados
diariamente. O toque (colo, abrao), o olhar e a escuta na, para e da criana so
momentos de afeto, imprescindvel na Primeira Infncia, se levarmos em conta que
a afetividade e as aprendizagens so termos indissociveis.
Falo, portanto, do cuidado com o outro, do cuidado como uma forma
(tambm) de ensino e de aprendizagem e no simplesmente de assistir a criana.
Assim, enquanto cuido, educo; enquanto educo, cuido.
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2 OS SABERES E A EXPERINCIA
O desenvolvimento dos primeiros anos de vida muito importante, pois so a
base das estruturas mentais e psquicas que so constitudas nesse perodo. O meu
papel de professora de crianas de 1 a 2 anos deve ser o de proporcionar
experincias que as envolvam, que as desafiem sempre e que as faam usar e
abusar dos seus sentidos e do seu corpo. Sabendo disso, que tipo de atividades
e/ou situaes de aprendizagem estou oferecendo ao meu aluno? Onde, como e
quando aprendo a lidar com as diferenas e desafios que esta faixa etria me
provoca?
Munida de conhecimento terico, adquirido de vrias maneiras, como na
universidade, em livros e/ou cursos, necessrio para minha prtica, na sala de
aula, em contato com meu aluno, que vou aprender a utilizar meu aprendizado, as
informaes que me deram ou as que busquei de diferentes modos (lendo, ouvindo
relatos, observando...) para, enfim, tornar-me uma professora. Mas ser que isto
to simples? Como os saberes da teoria podem me ajudar na prtica? Que saberes
so esses , afinal?
Partindo destas indagaes, trago algumas informaes sobre os saberes a
partir, principalmente, dos estudos de Maurice Tardif e Clermont Gauthier, tendo
como principal objetivo compreender o processo de constituio do saber
experiencial. Em seguida, fao o mesmo com relao ao termo experincia,
explorando mais as ideias trazidas por Marie-Christine Josso, Jorge Larrosa e Hans-
Georg Gadamer.
De acordo com Clermont Gauthier (2006, p. 332) a questo do saber dos
professores um assunto de pesquisa recente, mas que pelo menos h alguns
anos, parece desenvolver-se rapidamente. Na poca em que foi realizada sua
pesquisa (anterior a 1998, quando da primeira edio de seu livro), estavam sendo
feitas as primeiras pesquisas sobre este assunto. E, talvez por isso, alguns
autores/pesquisadores utilizavam-se de diferentes nomenclaturas e conceitos para
falar sobre esses saberes, que so adquiridos ao longo da vida, na universidade,
nos livros, em diversas situaes (GAUTHIER, 2006, TARDIF, 2005) ou so
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necessrios para tornar-se um bom profissional (FREIRE, 2007). Gauthier continua
trazendo esta questo quando fala que essa preocupao com o saber se encontra
em pesquisas muito diversas: pesquisas, por exemplo, sobre repertrio de
conhecimentos do ensino, sobre o pensamento dos professores, sobre a
profissionalizao, sobre o professor especialista, sobre o prtico reflexivo ou ento
sobre as competncias. (GAUTHIER, 2006, p. 333) O que vem ao encontro do que
Maurice Tardif revela10:
A partir de 1980, a questo do saber dos professores fez surgir dezenas de milhares de pesquisas no mundo anglo-saxo e, mais recentemente, na Europa. Ora, essas pesquisas empregam teorias e mtodos bastante variados e propem as mais diversas concepes a respeito do saber dos professores. (TARDIF, 2002, p. 10).
Partindo deste pressuposto, MauriceTardif apresenta sua prpria perspectiva
terica. Segundo ele,
[...] no mbito dos ofcios e profisses, [...] o saber sempre o saber de algum que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer. Alm disso, o saber no uma coisa que flutua no espao: o saber dos professores o saber deles e est relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experincia de vida e com a sua histria profissional, com as suas relaes com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola. (TARDIF, 2002, p. 11)
Neste sentido, para esse autor, o saber docente se compe, na verdade, de
vrios saberes provenientes de diferentes fontes (TARDIF, 2005, p. 33), atribuindo,
ento, [...] noo de 'saber' um sentido amplo que engloba os conhecimentos, as
competncias, as habilidades (ou aptides) e as atitudes dos docentes, ou seja,
aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e de saber-ser [...].
(TARDIF, 2002, p. 60).
Esses saberes, ainda segundo esse autor, classificam-se em:
1. Saberes da formao profissional que so formados pelo [...] conjunto de
saberes transmitidos pelas instituies de formao de professores (escolas
normais ou faculdades de cincias da educao). (TARDIF, 2002, p. 36).
2. Saberes disciplinares que so os [...] saberes sociais definidos e
selecionados pela instituio universitria. Estes saberes integram-se igualmente
10
Utilizo a 2 edio do livro de Tardif, portanto, suas palavras so anteriores a 2002.
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25
prtica docente atravs da formao (inicial e contnua) dos professores nas
diversas disciplinas oferecidas pela universidade.(TARDIF, 2002, p. 38).
3. Saberes curriculares que [...] correspondem aos discursos, objetivos,
contedos e mtodos a partir dos quais a instituio escolar categoriza e
apresenta os saberes sociais por ela definidos (programas escolares objetivos,
contedos, mtodos) [...]. (TARDIF, 2002, p. 38).
4. Saberes experienciais que so saberes especficos do professor e que,
portanto, no so provenientes de instituies ou currculos (no so
sistematizados em doutrinas). So baseados no trabalho cotidiano do professor e
no conhecimento de seu meio. Esses saberes brotam da experincia e so por
ela validados. Eles incorporam-se experincia individual e coletiva sob a forma
de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser. (TARDIF, 2002, p.
39).
Dentre todos os saberes adquiridos ao longo da vida, na universidade, nos
livros, em diversas situaes (GAUTHIER, 2006, TARDIF, 2005), o saber
experiencial (TARDIF, 2002, GAUTHIER, 2006) o saber adquirido pela prtica do
trabalho e pela socializao profissional (TARDIF, 2005, p. 63).
Os saberes experienciais
[...] so saberes prticos (e no da prtica: eles no se superpem prtica para melhor conhec-la, mas se integram a ela e dela so partes constituintes enquanto prtica docente) e formam um conjunto de representaes a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profisso e sua prtica cotidiana em todas as suas dimenses. Eles constituem, por assim dizer, a cultura docente em ao. (TARDIF, 2002, p. 49)
O docente, nas suas (redes de) interaes com outras pessoas, trabalha com
vida, trabalha num [...] contexto onde o elemento humano determinante e
dominante e onde esto presentes smbolos, valores, sentimentos, atitudes, que so
passveis de interpretao e deciso que possuem, geralmente, carter de
urgncia. (TARDIF, 2002, p.50). O professor precisa ter habilidade e capacidade de
lidar com momentos como este, momentos que no esto em livros ou currculos,
mas que dependem de outros saberes deste professor (que deve mobilizar seus
conhecimentos, adquiridos em diversas fontes), que dependem de quem ele (do
ser - sua histria, sua cognio, suas expectativas...) e do que ele faz (do agir), para
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serem resolvidos de imediato (TARDIF, 2002).
Clermont Gauthier (2006, p.24) tambm refora esta ideia da importncia dos
outros saberes na prtica docente, ou seja, o saber experiencial precisa dos outros
saberes, no podendo representar a totalidade do saber docente. Este autor
refere-se ainda ao saber experiencial como algo que
[...] precisa ser alimentado, orientado por um conhecimento anterior mais formal que pode servir de apoio para interpretar os acontecimentos e inventar solues novas. Por conseguinte, em sua prtica, o docente no pode adquirir tudo por experincia. Ele deve possuir tambm um corpus de conhecimento que o ajudaro a ler a realidade e a enfrent-la. (GAUTHIER, 2006, p.24)
A classificao dos saberes (necessrios para ensinar), feita por Gauthier
(2006), segue praticamente a mesma linha de Tardif (2002). Gauthier (2006) fala dos
saberes disciplinar, curricular, das cincias da educao, experiencial e da ao
pedaggica (este como sendo o saber experiencial tornado pblico e testado
atravs de pesquisas realizadas em sala de aula - p. 33). No entanto, ao falar
sobre o saber experiencial, este autor diz que a experincia e o hbito esto
intimamente relacionados (GAUTHIER, 2006, p. 32). Para ele, [...] aprender
atravs de suas prprias experincias significa viver um momento particular (...).
Essa experincia torna-se ento 'a regra' e, ao ser repetida, assume muitas vezes a
forma de uma atividade de rotina. (GAUTHIER, 2006, p. 32-33).
Neste sentido, trazendo as ideias sobre a experincia que irei explorar no
prximo captulo, no concordo com Gauthier (2006) quando ele utiliza este termo
denotando hbito, rotina, costume. Ao contrrio da ideia deste autor, a experincia
relaciona-se mudana e reflexo que decorre de uma nova e/ou inusitada
situao. A experincia incide diretamente sobre a ao do sujeito, tornando-a mais
adequada para a resoluo de um problema que se apresenta face determinada
situao. A experincia e, por conseguinte, o saber experiencial no se bastam,
necessitando dos outros saberes para que sejam completados.
Atravs deste saber experiencial, segundo Tardif (2002), tambm posso
avaliar outros saberes que esto incorporados prtica. Neste sentido,
[...] a prtica pode ser vista como um processo de aprendizagem atravs do qual os professores retraduzem sua formao e a adaptam profisso, eliminando o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem relao com a
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realidade vivida e conservando o que pode servir-lhes de uma maneira ou de outra. A experincia provoca, assim, um efeito de retomada crtica (retroalimentao) dos saberes adquiridos antes ou fora da prtica profissional. Ela filtra e seleciona os outros saberes, permitindo assim aos professores reverem seus saberes, julg-los e avali-los e, portanto, objetivar um saber formado de todos os saberes retraduzidos e submetidos ao processo de validao constitudo pela prtica cotidiana. (TARDIF, 2002, p. 53)
Assim sendo, o saber experiencial no pode estar desarticulado dos outros
saberes, uma vez que apresentam uma relao de interdependncia. Face a todos
estes aspectos levantados, me pergunto: como a experincia se transforma em
saber? A reflexo sobre a prtica, atravs da escrita, seria um dos meios de se
conseguir transformar a experincia em saber? Essa talvez seja a questo mais
importante, para a qual provavelmente nunca alcance uma resposta definitiva. Antes
de persegui-las, pretendo retomar/pensar a ideia de experincia, a partir dos escritos
de Jorge Larrosa, de Christine Josso e Hans-Georg Gadamer.
O termo experincia, por exemplo, s vezes utilizado como sinnimo de
vivncia, de prtica, de experimento e, ao ler os autores acima citados, outro sentido
foi sendo delineado.
Foi um mergulho num mundo nem to desconhecido, mas que passou a fazer
muito mais sentido. Enquanto lia, relia, pensava, tomava posse de argumentos,
ideias, desafios.
Pensando, refletindo, fazendo esse movimento de duas vias, o ir e vir da
prtica e teoria e vice-versa, gerando uma transformao interna, que a
experincia vai se concretizando. Alis, Marie-Christine Josso deixa claro que
vivncia no experincia, ao dizer que [...] vivemos uma infinidade de transaes,
de vivncias, estas vivncias atingem o status de experincia a partir do momento
que fazemos um certo trabalho reflexivo sobre o que passou e sobre o que foi
observado, percebido, sentido. (JOSSO, 2004, p. 48), portanto, [...] o primeiro
momento de transformao de uma vivncia em experincia inicia-se quando
prestamos ateno no que se passa em ns e/ou na situao na qual estamos
implicados, pela nossa simples presena. (JOSSO, 2004, p. 73).
Alm disso,
[...] a experincia pode tornar-se em tal a posteriori de um acontecimento, de uma situao, de uma interao, o trabalho de reflexo sobre o que se
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passou, mas uma atividade qualquer tambm experincia desde que o sujeito se conceda os meios de observar, no decorrer da atividade, o que se passa e reflita sobre o que esta observao lhe traz como informao sobre a atividade empreendida. Em outras palavras, uma experincia uma ao
refletida a priori ou a posteriori. (JOSSO, 2004, p. 143).
medida que vou me construindo como profissional, vou aumentando meu
conhecimento a respeito do fazer dirio, das conexes entre teoria e prtica e vice-
versa, vou vivenciando momentos e experienciando outros tantos. Vou acumulando
dados, tendo diferentes posturas e aes em diferentes momentos e situaes ao
longo de minha vida. Vou comparando a minha realidade com realidades de vidas
distintas, conversando, debatendo, ouvindo, pensando. Vou tecendo minha vida,
transformando-me e construindo minha professoralidade (PEREIRA, 1996). assim
que mantemos e reforamos nosso capital experiencial, espcie de tesouro de
sobrevivncia para uma multiplicidade de circunstncias. (JOSSO, 2004, p.45).
Para chegar a ter esse capital experiencial, tenho que significar o que
aprendo ou conheo. A experincia tem que ter um sentido. o par
experincia/sentido que Jorge Larrosa (2004) utiliza para pensar na educao sob
outro ponto de vista. Alis, o ato de pensar, segundo este autor, [...] sobretudo dar
sentido ao que somos e ao que nos acontece. (2002, p. 21) S posso passar pela
experincia quando paro, penso, escuto, tenho ateno e pacincia, quando dou
sentido ao que me acontece, me modifica ou transforma. Neste sentido, no vejo
como a experincia possa ser igualada ao hbito, como Gauthier (2006) postula, j
que experincia
[...] requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinio, suspender o juzo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ao, cultivar a ateno e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentido, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter pacincia e dar-se tempo e espao. (LARROSA, 2002, p. 24)
O que , segundo o autor, muito difcil nos dias de hoje, pois [...] somos
sujeitos ultra-informados, transbordantes de opinies e super-estimulados, mas
tambm sujeitos cheios de vontade e hiperativos. (LARROSA, 2002, p. 24)
Vivenciamos os momentos, mas no os experienciamos.
Concordo com o autor e lembro que, para trabalhar com bebs e com
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29
crianas pequenas (de at trs anos), o tempo valioso. Estas caractersticas da
experincia, trazidas por Larrosa, so essenciais no trabalho com a Primeira
Infncia. Para conhecer e aprender sobre esta faixa etria, tenho que observar,
escutar, cultivar a ateno, abrir os olhos e os ouvidos, enfim, (quase) tudo deve ser
feito com vagar. A rapidez deve estar presente nos momentos de conflitos entre as
crianas e em momentos que necessitem certa urgncia, como quando se
machucam.
Voltando a Larrosa (2002), estar informado sobre algo no significa ter tido
uma experincia, pois a informao e o saber (no sentido de estar informado)
seriam uma obsesso do sujeito moderno e que no levam a uma mudana no ser
humano.
O sujeito da informao sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informao, o que mais o preocupa no ter bastante informao, cada vez sabe mais, cada vez est melhor informado, porm, com essa obsesso pela informao e pelo saber (mas saber no no sentido de sabedoria, mas no sentido de estar informado), o que consegue que nada lhe acontea. (LARROSA, 2002, p. 22).
No seu artigo Notas sobre a experincia e o saber da experincia, Larrosa
comenta que
[...] seguramente todos j ouvimos que vivemos numa sociedade de informao. E j nos demos conta de que esta estranha expresso funciona s vezes como sinnimo de sociedade do conhecimento ou at mesmo de sociedade de aprendizagem. No deixa de ser curiosa a troca, a intercambialidade entre os termos informao, conhecimento e aprendizagem. Como se o conhecimento se desse sob a forma de informao, e como se aprender no fosse outra coisa que no adquirir e processar informao [...]. (2002, p. 22).
Para esclarecer estas expresses ou termos, pensando nesta crtica feita por
Larrosa, trago o artigo A hegemonia da prtica e a globalizao da educao
superior (2009), de Marcos Villela Pereira. A transio, pela qual o mundo passa, de
uma sociedade de informao, onde o domnio do contedo ou a quantidade de
informao por si s bastavam, para uma sociedade do conhecimento, onde [...] a
noo de competncia predomina e passa a governar a estratgia de gesto da
informao, ou seja, o conhecimento [...] fato (PEREIRA, 2009, p.13). Assim, [...]
o conhecimento se define pela gesto da informao [...]. (PEREIRA, 2009, p. 3). E
o que importa [...] saber como saber algo, como alcanar e manejar a
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informao [...]. (PEREIRA, 2009, p. 2). Tenho que adquiri-la, interpret-la, analis-
la e comunic-la (POZO, 2007).
Nessa perspectiva, poderia ter a experincia, porque estaria pensando e
analisando o vivido. Estaria me construindo, construindo minha subjetividade e
minha professoralidade.
Ao parar, pensar, buscar referncias anteriores (outras vivncias, outras
experincias, aportes tericos, discusses, universidades etc.), torno uma situao
significativa e passo a ter mais subsdios para enfrentar desafios dirios.
Para passar por uma experincia, segundo Jorge Larrosa, tenho que ser um
sujeito que se defina
[...] por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata-se, porm, de uma passividade anterior oposio entre ativo e passivo, de uma passividade feita de paixo, de padecimento, de pacincia, de ateno, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial. (LARROSA, 2002, p. 24)
Abertura para o novo, para o desconhecido. Tenho que me expor para
experimentar. O sujeito da experincia tem algo desse ser fascinante que se expe
atravessando um espao indeterminado e perigoso, pondo-se nele prova e
buscando nele sua oportunidade, sua ocasio. (LARROSA, 2002, p. 25) E medida
que eu vou experimentando e experenciando, vou me formando e transformando.
Retomo: o que transforma uma vivncia em experincia a nossa tomada de
conscincia do que foi vivido. (JOSSO, 2004)
Para Hans-Georg Gadamer (2008), a experincia s vlida enquanto no
contestada por uma nova experincia O fato de que a experincia seja vlida
enquanto no contradita por uma nova experincia [...] caracteriza evidentemente
a essncia geral da experincia. (GADAMER, 2008, p. 458).
A experincia no se repete. Posso passar por uma situao similar, mas vou
responder de forma diferenciada, porque terei repertrio, terei um saber anterior, que
me far agir de outra maneira. Saberei manejar a informao. Neste sentido, serei
uma experimentada, ou seja, serei aquela pessoa que passou pela experincia e
que poder passar novamente por outra, j que a pessoa a quem chamamos
experimentada no somente algum que se tornou o que atravs das
experincias, mas tambm algum que est aberto a experincias. (GADAMER,
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31
2008, p. 465).
De acordo com Gadamer (2008), reflito com a experincia, e esta reflexo me
conduz ao discernimento (caracterstica do homem experimentado). Discernindo,
pondero minhas atitudes, confronto-me com meus (pr)conceitos, podendo mud-
los.
Discernimento mais que conhecimento desse ou daquele estado de coisas. Contm sempre um retorno de algo em que estvamos presos por cegueira. Nesse sentido, implica sempre um momento de autoconhecimento e representa um aspecto necessrio do que chamamos experincia num sentido autntico. Discernimento algo a que se chega. (GADAMER, 2008, p. 466)
O discernimento me leva a fazer algo diferente. Leva-me a uma abertura e
no a uma certeza.
O sujeito que se depara com a finitude, [...] a verdadeira experincia aquela
na qual o homem se torna consciente de sua finitude. (GADAMER, 2008, p. 467),
se d conta que no pode retornar, repetir uma experincia.
Experincia que, por sua vez, no nasce naturalmente, segundo Foucault
(2009). Tanto para este autor, quanto para Gadamer (2008), a experincia desloca o
conhecimento, produz a diferena, nascendo pela interveno do outro.
necessria a presena desse outro porque me sinaliza outra forma de existir, ele
interfere no meu olhar sobre o mundo.
Durante meu caminho, provvel que eu tenha algumas dificuldades, entre
elas, a diversidade de interpretaes possveis dadas a uma determinada situao
ou a minha prpria mudana de ponto de vista (sobre alguma situao), que
acontece pelas transformaes pelas quais vou passando ao longo de minha vida. A
minha essncia, porm, no muda. Vou agregando a ela informaes e
conhecimentos, que vo sendo adquiridas atravs do tempo, das interaes, de
novos saberes e de novas experincias. As minhas perspectivas, portanto, que
vo sendo mudadas e acrescentadas ao meu jeito de ser e estar no mundo. Nada
ou vem pronto! Vou me construindo, me conhecendo, errando e acertando, ao longo
da vida.
Mas para que uma experincia seja considerada formadora, necessrio falarmos sob o ngulo da aprendizagem, em outras palavras, essa experincia simboliza atitudes, comportamentos, pensamentos, saber-fazer, sentimentos que caracterizam a subjetividade e identidades. (JOSSO, 2004,
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p. 47-48)
Como saber se aprendi e se transformei minha experincia em saber?
Quando algo novo acontece e no dou a devida importncia ou no lhe dou
um sentido, ele passa sem deixar resqucios ou fica gravado na lembrana como
algo longnquo, aguardando para ser reativado, para ser lembrado (s vezes,
vagamente) quando acontece algo parecido novamente. Ele no havia me
provocado mudanas ou novas aprendizagens at ento. Ao me desequilibrar
(PIAGET, 2007) com algo novo e passar a analisar e refletir, tomando conscincia
do que aconteceu ou do que foi vivido, passarei a conhecer e a entender o novo, me
reequilibrando novamente e ressignificando o que foi aprendido.
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3 O PENSAMENTO E A REFLEXO
Pensar pr em ordem um assunto, com o fim de descobrir o que significa ou indica. (DEWEY, 1979, p. 244).
Neste captulo tomo a linguagem escrita como importante fator para a
reflexo. Antes de adentrarmos na reflexo propriamente dita, falo sobre a
observao, a escrita e a relao da linguagem e do pensamento.
Existem diferentes pontos de vista quanto a esta relao. Sobre isto, John
Dewey diz que [...] embora a linguagem no seja pensamento, necessria ao
pensamento e comunicao. (1979, p. 227). Ele ressalta que
[...] a linguagem inclui muito mais que palavras orais ou escritas. Gestos, figuras, monumentos, imagens visuais, movimentos dos dedos tudo que seja empregado, intencional ou artificialmente, como um sinal, , logicamente, linguagem. Afirmar que a linguagem necessria ao pensamento afirmar que os sinais so necessrios. (DEWEY, 1979, p. 228)
O pensamento trabalha com seus significados, e estes, segundo esse autor,
[...] para serem aprendidos, devem estar incorporados a existncias sensveis e
particulares. (1979, p. 228).
Tenho que fixar sentidos s significaes, j que as coisas so privadas de
sentido, prendendo-as a uma existncia fsica. E [...] essas existncias,
especialmente escolhidas para fixar e transmitir os significados, so os smbolos.
(DEWEY, 1979, p. 228). Os gestos, os sons, as formas escritas ou impressas, so
existncias estritamente fsicas, mas seu valor inerente est propositadamente
subordinado ao valor que adquirem como representantes de um sentido. (DEWEY,
1979, p. 229).
Ao (re)ler este trecho, penso na minha prtica. Como entender os significados
das pistas que as crianas me do? Tenho que conhecer meu aluno, mas como?
Para isso, a meu ver, a observao e o registro so necessrios, para ver
cada aluno na sua individualidade, saber suas necessidades, acompanhar seu
desenvolvimento e proporcionar novas vivncias e experincias, visando seu
crescimento.
Atravs da observao e da escuta atenta e cuidadosa s crianas, podemos
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encontrar uma forma de realmente enxerg-las e conhec-las. Ao faz-lo, tornamo-
nos capazes de respeit-las pelo que elas so e pelo que elas querem dizer.
(GANDINI, EDWARDS, COLS, 2002, p. 152)
Tenho que enxergar se esta criana est conseguindo se desenvolver, se no
est sofrendo, se est feliz, se est bem. Tenho que estar atenta a ela, e s
observando-a que vou ver, nos menores gestos, as dicas, as pistas que nos do.
Ela consegue alimentar-se, dormir, brincar, teve ou tem alguma reao fsica - como
doenas seguidas -, qual sua postura frente ao ambiente da sala de aula e frente s
exploraes, consegue interagir? Estas so algumas, entre tantas, questes a
serem observadas e registradas e que serviro como base para conhec-las e me
conhecer, para eu planejar a rotina, futuros projetos, modos de intervenes e assim
por diante. Tenho que identificar (ou tentar) em cada movimento, gesto, atitude ou
olhar, um significado que me passado.
O meu grande desafio, ento, me alfabetizar, ler este sujeito-leitor to
pequeno e grandioso ao mesmo tempo, saber escut-lo, como afirma Paulo Freire,
pois [...] escutando que aprendemos a falar com eles. (1996, p.113). A dvida :
Como isto feito?
Segundo Gabriel Junqueira (2005), antes das crianas chegarem escola, no
incio do ano, a professora no os conhece e planeja o seu trabalho inicial a partir do
que sabe sobre a faixa etria e sobre os dados coletados nas anamneses e nas
suas fotos, por exemplo. Esse primeiro momento chamado pelo autor de Parte
Cheia. Cheia de professora que tem que esperar pelo seu aluno com algo planejado,
pensado para ele. Num segundo momento, medida que os alunos se conhecem,
conhecem a professora e a professora a eles, o grupo vai se formando, vo surgindo
as interaes, as parcerias, as identificaes. Esse o momento chamado de Parte
Vazia.
Vazia dos conhecimentos da professora sobre aquelas crianas em particular, seus alunos e alunas, que se produziro e sero produzidos mais um pouco em sua infncia, escolaridade e humanidade pelas interaes que passaro a estabelecer com os colegas da turma e com a professora, intermediados pelos contedos-linguagens da parte cheia do planejamento esboado pela professora ou professor. (JUNQUEIRA FILHO, 2005, p. 24)
A professora continuar, durante todo o ano assim, [...] a conhec-los, pelas
trocas de leituras e dilogos produzidos entre ambos na convivncia cotidiana do
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grupo, e nessa convivncia [...] que ela ter elementos para chegar aos
contedos mais significativos da vida daquelas crianas e problematiz-los junto a
elas. (JUNQUEIRA FILHO, 2005, p.13). Conhecendo as crianas, portanto,
conheo os [...] temas, os assuntos, os contedos significativos s crianas
aqueles que elas 'querem porque precisam' saber [...]. (JUNQUEIRA FILHO, 2005,
p.27).
Um dos modos de fazer essa escuta e essa leitura de sujeitos observar e
registrar. Observar e registrar. Tenho que pensar no que escrevo, traduzir o que as
crianas esto querendo, esto precisando, esto pedindo, questionar: ser que
estou fazendo as intervenes corretas?
Aqui retomo a questo da escrita como uma linguagem, um dos modos de dar
sentido/significado ao que foi vivido. Os smbolos surgiram para dar um sentido ao
que vemos, ouvimos, passamos. Pensando, a partir desta premissa, posso significar
as diversas situaes, emoes, sentimentos que vivencio a partir da escrita. Ela
um dos modos de (re)pensar o vivido, pois medida que vou escrevendo, vou
revendo e revivendo aquilo que j passou, vou qualificando minhas produes, me
organizando, dando significado ao acontecido (DEWEY, 1979).
Segundo Michel Foucault (1991), a escrita uma forma ou ferramenta de
aprendizagem e de produo de si mesma. uma das tcnicas de cuidado de si.
Alm da escuta e dos retornos sobre si, Foucault fala da escrita, como uma tcnica
para me conhecer melhor (Por que fao o que fao e no fao o que no fao?) e,
posteriormente, me governar. Ao escrever, retomo o vivido e dou significado a ele,
mas antes de tudo, passo a me conhecer melhor a partir das escolhas que fao, me
apropriando do meu modo de ser e agir. Passo a me dar conta das minhas
convices, que sero (ou podero ser) reestruturadas cada vez que mudam as
circunstncias.
Marie-Christine Josso diz que
[...] enquanto durante a narrativa oral da histria encontra-se com facilidade as palavras para relatar o vivido, quando se tem quem nos escute, a passagem ao escrito, sendo um processo solitrio, parece reintroduzir a opacidade no pensar nossa histria. (JOSSO, 2004, p. 173).
Assim, refletindo, escrevendo minhas impresses, ideias, angstias, certezas,
memrias, vou me conhecendo e tornando a vida ou o vivido mais significativo, me
tornando mais consciente do que fao, o que tambm enfatizado por Miguel
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Zabalza (2004). Para esse autor, escrever um dirio, por exemplo, um meio em
que posso dialogar comigo mesma. O dirio
[...] cumpre um papel importante como elemento de expresso de vivncias e emoes. Escrever sobre si mesmo traz consigo a realizao dos processos a que antes nos referimos: racionaliza-se a vivncia ao escrev-la (o que tinha uma natureza emocional ou afetiva, passa a ser, alm disso, natureza cognitiva, tornando-se assim mais manejvel), reconstri a experincia, com isso dando a possibilidade de distanciamento e de anlise e, no caso de desej-lo, se facilita a possibilidade de socializar a experincia, compartilhando-a... (ZABALZA, 2004, p. 18)
O dar-me conta das coisas que fao e como fao muito importante para
minha vida, para minha caminhada como educadora. A confiana em mim mesma e
nos meus atos ser o resultado do autoconhecimento pelo qual irei inevitavelmente
alcanando com esse dilogo entre o que passou e o que ficou nessa experincia.
A escrita considerada lugar de experincia: [...] la escritura, si no es sino la
realizacin de un programa terico, deja escapar su vocacin autntica, que consiste
em ser el lugar de uma experiencia, un intento. (GROS, 2002, p. 480)
Para Alejandra Medina Moreno,
A leitura e a escrita, alm de um conjunto de mecanismos para identificar ou produzir sons, letras e palavras, so atos de mobilizao da inteligncia que permeiam o acesso do leitor a um vasto mundo de significados e, ao mesmo tempo, ajudam-no a desenvolver suas capacidades intelectuais mais complexas para 'ler o mundo'. Enfrentar um texto implica no apenas decodificar, mas tambm ativar conhecimentos e experincias do leitor, estabelecer relaes, antecipar seu contedo, formular hipteses, realizar
inferncias, perguntar-se, elaborar respostas. (2006, p. 12/13)
Interpretando, refletindo sobre nossas observaes, vou dando significado s
aes, ao meu fazer dirio e ao das crianas tambm. Essa ideia compartilhada
por John Dewey, que diz que [...] por meio do pensamento, igualmente, que o
homem aperfeioa, combina sinais artificiais para indicar-lhe, antecipadamente,
consequncias e, ao mesmo tempo, modos de consegui-las ou evit-las. (1979, p.
27)
Preciso conhec-las, indo alm do que sei e do que est colocado sobre ela
(sobre o desenvolvimento humano, culturas infantis, concepes de criana, etc.) na
teoria. Segundo Gabriel Junqueira (2005, p. 45), tenho que aceitar o desafio de
conhec-la como signo, linguagem atravs da observao e do registro.
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A criana deixa rastros, pistas sobre ela mesma. Ela l o mundo, l a si
mesma e ao professor (como ele , que roupa veste...), transmitindo esse
conhecimento e as relaes que fizer, atravs de suas produes, do seu jeito de
ser. Eu, que tambm leio o mundo, me leio e leio a criana (seu jeito, como entra na
sala, suas caractersticas, suas produes...), sou quem selecionar as coisas do
mundo que ela precisa saber para se desenvolver e se produzir, transmitindo isso
para meu aluno. Ns dois, meu aluno e eu, portanto, somos sujeitos-leitores, porque
lemos os outros, o mundo e nos lemos e, ao mesmo tempo, somos objetos de
conhecimento. Essas leituras vo sendo feitas aos poucos, vou construindo
diariamente esses conhecimentos.
Caber a mim, entre outras coisas, dar qualidade na interao com meu aluno
e aprender a conhec-lo, para saber, entre outras coisas, quem ele , o que sabe, o
que seria importante saber, o que quer saber, se est com dificuldades e quais.
Conhecer a criana e produzir significaes no tarefa fcil. A reflexo um
meio de se conseguir isso e o seu resultado uma descoberta feita no dia-a-dia e a
cada ano, uma qualificao da e na prtica, que me enriquece e me mune de
conhecimento sobre a complexidade e a diversidade que tenho na minha sala de
aula. Cada aluno diferente, tem uma famlia diferente, com estmulos e
necessidades diversas, inserido numa sociedade em constante mudana. E, por isso
tambm, [...] a professoralidade um estado em risco de desequilbrio permanente
[...]. (PEREIRA, 2002, p. 32). As mudanas so constantes e eu vivo no meio desse
turbilho de informaes e mudanas rpidas, procurando sempre melhorar minha
prtica e estudar para no ficar para trs.
Como disse Ceclia Meireles (2001, p. 113) [...] os educadores aprendem
sempre... So estudantes permanentes, tanto melhores quanto mais estudam,
porque o crebro de substncia especial, que se oxida com a inrcia [...]. Nada
melhor que ler e escrever, se ler e se escrever, para (se) entender, aprender,
mudar e transformar (-se), melhorando a prtica e, qui, a prpria vida. um
movimento contnuo (e necessrio), [...] um movimento dinmico, dialtico, entre o
fazer e o pensar sobre o fazer. (...) pensando criticamente a prtica de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a prxima prtica. (FREIRE, 2007, p. 38-39). Assim,
poderemos entender ou melhorar toda essa dinmica de sala de aula (e do mundo).
Como diz Paulo Freire, [...] a prxis [...] reflexo e ao dos homens sobre
o mundo para transform-lo. (2005, p. 42). Este autor utiliza-se do termo prxis,
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cuja origem d-se no campo marxista, para falar da questo da conscientizao das
massas, pois atravs da prtica (esse movimento de ao e reflexo) que o
homem se libertaria da opresso, se conscientizaria, nesse movimento de ao-
reflexo-ao, do seu estado de oprimido para poder libertar-se, pensando no
mundo e agindo sobre ele para transform-lo (FREIRE, 2005). Para ele, [...] a ao
s humana quando, mais que um puro fazer, um quefazer, isto , quando
tambm no se dicotomiza da reflexo. (FREIRE, 2005, p. 44). O quefazer , ento,
[...] teoria e prtica. reflexo e ao. (FREIRE, 2005, p. 141).
Esse movimento de ao-reflexo-ao sobre o mundo, sobre a sala de aula
e sobre o meu fazer dirio que vai me transformando (ou formando) ao longo do
tempo (do professor de ontem para o de hoje e o de amanh e assim
sucessivamente).
No momento em que comea a refletir, forosamente comea a observar, a
fim de inventariar as condies. Algumas dessas observaes so feitas pelo uso
direto dos sentidos, outras pela lembrana das observaes previamente feitas pela
prpria pessoa ou por outras. (DEWEY, 1979, p. 107). As lembranas de outros
momentos, de situaes, de atitudes tomadas frente a um desafio, vo vindo
tona, vo me trazendo mais e novas formas de pensar e agir. Vou me
transformando (no numa mudana total, mas vou agregando conhecimentos e/ou
diferentes perspectivas) e diferentes prticas vo delineando-se.
Escrever, portanto, me faz colocar as ideias em ordem, me faz refletir, me
remete a diferentes instncias que iro me ajudar na construo do meu
conhecimento e da minha docncia. Assim, [...] os dirios de aula, as biografias, os
documentos pessoais em geral (e tambm outras formas de documentao, como
gravaes em vdeo) constituem recursos valiosos de 'pesquisa-ao' capazes de
instaurar o crculo da melhoria de nossa atividade como professores. (ZABALZA,
2004, p. 27)
Os dirios, segundo Miguel Zabalza, so um recurso para se chegar ao
pensamento do professor. Alm disso, uma forma de documentao, pois [...] o
que antes eram ideias, experincias, atividades, impresses etc (quer dizer,
realidades nem sempre visveis e de fcil acesso) se transformam, por meio da
documentao, em realidades visveis, acessveis e que suportam a anlise. (2004,
p. 141)
Com a (auto)reflexo e a anlise das experincias pelas quais passei, ento,
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transformo minha prtica. Posso conhecer melhor meu aluno, proporcionando
atividades adequadas ao seu desenvolvimento e aprendizado, e me conhecer,
qualificando o meu fazer dirio, minha docncia.
Marie-Christine Josso (2004, p. 60), ao tratar das narrativas de vida, traz esta
questo, nos revelando que
[...] o processo auto-reflexivo, que obriga a um olhar retrospectivo e prospectivo, tem que ser compreendido como uma atividade de auto-interpretao crtica e de tomada de conscincia da relatividade social, histrica e cultural dos referenciais interiorizados pelo sujeito e, por isso mesmo, constitutivos da dimenso cognitiva da sua subjetividade. (JOSSO, 2004, p. 60).
O certo que
[...] o sujeito no nasce pronto, ele nasce como sujeito aberto com capacidade criadora para interagir de forma original com as circunstncias que o atingem. Na prtica criativa de interao, a subjetividade vai construindo os contornos de sua personalidade especfica. (RUIZ, 2004, p. 113).
A subjetividade [...] se auto-constitui pela prtica do prprio sujeito [...], que
dar um sentido ao que se passou com ele, dando, inevitavelmente, um valor ao que
foi vivido (RUIZ, 2004, p. 114). Cada pessoa, ento, ter uma [...] forma singular e
pessoal de vivenciar os valores. (RUIZ, 2004, p. 115). O sujeito dar um sentido ao
que foi vivido, de acordo com as interaes que faz com o mundo, de acordo com
sua forma de ver e de enfrentar o mundo, de acordo com suas referncias que
orientam sua prtica, de acordo com como ele [...] se faz a si mesmo atravs da sua
prtica (do seu modo de vida). (RUIZ, 2004, p. 118). Assim, O sujeito s existe na
medida em que interage com o mundo valorando permanentemente tudo o que toca
com sua existncia. (RUIZ, 2004, p. 115).
Na minha caminhada, portanto, vou me (re)formando, me (re)constituindo,
podendo mudar minhas perspectivas sobre as coisas medida em que penso/reflito
sobre o vivido.
Esta mudana necessria para crescermos como pessoa, como ser
humano em busca de um tornar-se mais humano. O modo como penso e atuo em
um determinado tempo pode (e normalmente !) diferente do que j havia
feito/pensado. um aprendizado constante sobre a vida e sobre mim mesma feito
nesse caminhar, nesse processo de formao constante.
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Neste processo, entretanto, posso no saber se as atitudes tomadas foram as
mais corretas para aquele momento. H vrias situaes na vida em que me
pergunto se aquelas atitudes, palavras e/ou reaes poderiam ter sido diferentes.
Isto ocorre quando tenho [...] um olhar de suspeita sobre a realidade, sobre as
coisas, sobre ns mesmos [...]. (PEREIRA, 2008, p. 1).
Como pensar e saber que nosso pensamento (e ao) ou est correto?
Humberto Maturana (apud SANTOS, 2004, p. 127) fala da questo do erro,
mas no como fracasso, como normalmente visto pela educao tradicional, e,
sim, como uma oportunidade de mudana:
No castiguemos nossas crianas por serem, ao corrigir suas aes. No desvalorizemos nossas crianas em funo daquilo que no sabem, valorizemos seu saber. Guiemos nossas crianas na direo de um fazer (saber) que tenha relao com seu mundo cotidiano. Convidemos nossas crianas a olhar o que fazem e, sobretudo, no as levemos a competir. (MATURANA apud SANTOS, 2004, p.127).
A incerteza anda lado a lado com o conhecimento. Irei pensar e agir de modo
diferente, mas com mais subsdios ou ainda mais manejo de e na vida, ao longo de
minha prpria vida. Sou um ser diferente, nico, assim como todas as outras
pessoas, com princpios e valores que vo me (re)construindo constantemente
diante das minhas interaes com a vida, do modo como me porto ou utilizo todo o
meu repertrio de conhecimentos frente aos desafios dirios e frente s atitudes,
aos valores, aos princpios... do outro.
Pensar e pensar.
Pensar significa pensar algo, pensar alguma coisa: uma idia, um objeto, algum, um sentimento, um lugar. E pensar alguma coisa submeter essa coisa a um certo modo de ver, a um certo modo de compreender, reduzir essa coisa a um conceito, a uma perspectiva. Desse ponto de vista, pensar , de certa maneira, simplificar: o contedo do pensamento uma simplificao da infinita variedade de possibilidades que o mundo. [...] Pensar , assim, reduzir a variedade unidade, simplificar a diversidade. (PEREIRA, 2008, p. 3)
Simplificar a diversidade no significa no pensar em outras possibilidades de
pensamento (ou aes). Tenho que pensar e [...] viver ... perguntando como poderia
ter sido... se tivesse pensado (ou agido) de outra(s) forma(s). (PEREIRA, 2008, p.
9) No sou dona da verdade, mas fao escolhas a partir das minhas convices. O
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que fao, fao ancorada em convices, em verdades a partir da minha experincia.
Tenho, sim, certezas e incertezas que se modificam ao longo de minha vida
medida que vou tendo novas e mais experincias, medida que penso e reflito
sobre elas. (GADAMER, 2008)
A escrita, portanto, uma grande aliada, porque pode me ajudar a refletir.
No s pensar numa determinada situao, mas refletir sobre ela, para entender os
momentos e pensar em estratgias para manejar os acontecimentos do dia dentro
de uma sala com crianas pequenas. As trocas tornam-se cheias de significado.
Para John Dewey
Um simples perpassar de idias ou sugestes pensar, mas no pensar reflexivo, no observao e pensamento dirigidos a uma concluso aceitvel [...]. Temos pensamento reflexivo apenas quando a sucesso to controlada que se torna uma sequncia ordenada, rumo a uma concluso, que contm a fora intelectual das idias precedentes. E 'fora intelectual' significa fora de dar a uma idia valor de crena, de torn-la digna de crdito. (DEWEY, 1979, p.54-