como domar uma lÍngua selvagem

14
8/13/2019 COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM http://slidepdf.com/reader/full/como-domar-uma-lingua-selvagem 1/14 !"#$%&'( #$ *$+%"( #" ,-- . /'((012 /034(5' #" 67&84" 9'%+484$(": & '  ;<: 9= ><?@;A<: >AA< "#$ COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM I  – GLORIA ANZALDUÁ Traduzido por:  Joana Plaza Pinto Karla Cristina dos Santos Revisão da Tradução: Viviane Veras  “Nós vamos ter que controlar sua língua”, o dentista disse, arrancando todo o metal da minha boca. Os pedacinhos prateados estatelam e tilintam na cuspideira. Minha boca é uma veta madre . i O dentista está limpando minhas raízes. Eu sinto uma baforada de mau cheiro quando arquejo. “Eu não posso tampar este dente agora, você ainda está drenando”, ele diz. “Nós vamos ter que fazer alguma coisa com a sua língua”, eu escutei a elevação raivosa na sua voz. Minha língua retém-se, empurrando pra fora os tufos de algodão, repelindo as brocas, as longas agulhas nas. “Eu nunca tinha visto nada tão forte ou tão resistente”, ele diz. E eu penso, como você doma uma língua selvagem, adestra-a para car quieta, como você a refreia e põe sela? Como você faz ela se submeter? “Quem disse que privar um povo de sua língua é menos violento do que guerrear?” – Ray Gwyn Smith 1 E % &' ('&)*+ ,' -'* .'/0 10(02,+ '-.023+( 2+ *'4*'5+ 6 + 7%' '*0 &+859+ (9$"B CDE$%0F"&G  2:+ /+-80 ,5-8+; 9+(8' .0*0 + <=>54+; 7%' = + -'% (%/0*?@ I want you to speak English . Pra encontrar bom trabalho tem que saber hablar el inglés bien. O que vale toda a sua educação se você fala inglés  com um 1 SMITH, Gwyn Ray. Moorland is cold country , livro não publicado.

Upload: osmundopinho

Post on 04-Jun-2018

280 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

Page 1: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 114

$amp( $ $+( -- ((012 034(5 67amp84 9+484$( amp lt 9= gtltAlt gtAAlt $

COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEMI ndash

GLORIA ANZALDUAacute

Traduzido por

Joana Plaza Pinto

Karla Cristina dos Santos

Revisatildeo da Traduccedilatildeo Viviane Veras

ldquoNoacutes vamos ter que controlar sua liacutenguardquo o dentista disse arrancandotodo o metal da minha boca Os pedacinhos prateados estatelam e tilintam nacuspideira Minha boca eacute uma veta madre i

O dentista estaacute limpando minhas raiacutezes Eu sinto uma baforada de maucheiro quando arquejo ldquoEu natildeo posso tampar este dente agora vocecirc aindaestaacute drenandordquo ele diz

ldquoNoacutes vamos ter que fazer alguma coisa com a sua liacutenguardquo eu escutei aelevaccedilatildeo raivosa na sua voz Minha liacutengua reteacutem-se empurrando pra fora os

tufos de algodatildeo repelindo as brocas as longas agulhas 1047297nas ldquoEu nunca tinhavisto nada tatildeo forte ou tatildeo resistenterdquo ele diz E eu penso como vocecirc domauma liacutengua selvagem adestra-a para 1047297car quieta como vocecirc a refreia e potildeesela Como vocecirc faz ela se submeter

ldquoQuem disse que privar um povode sua liacutengua eacute menos violento do que guerrearrdquondash Ray Gwyn Smith1

E amp (amp)+ - 0 10(02+ -023+( 2+ 45+ 6 + 7 0 amp+859+

(9$B CDE$0FampG

2+ +-80 5-8+ 9+(8 00 + lt=gt54+ 7 = + - (0

ldquoI want you to speak English Pra encontrar bom trabalho tem que saberhablar el ingleacutes bien O que vale toda a sua educaccedilatildeo se vocecirc fala ingleacutes com um

1 SMITH Gwyn Ray Moorland is cold country livro natildeo publicado

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 214

306Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

lsquoaccentrsquo rdquo diria minha matildee morti1047297cada porque eu falava inglecircs como uma me-xicana Na Pan American University eu e todos os estudantes chicanos fomosobrigados a pegar duas disciplinas de praacutetica oral de liacutengua O propoacutesito delas

livrar-nos de nossos sotaques Ataques agrave forma de expressatildeo de algueacutem com o intento de censurar

satildeo violaccedilotildees agrave Primeira Emenda El Anglo con cara de inocente nos arrancoacute

la lengua Liacutenguas selvagens natildeo podem ser domadas elas podem apenas serdecepadas

Superando a tradiccedilatildeo do silecircncio

As 1047297 xiadas cuspimos a escuridatildeo

Lutando contra nossa proacutepria sombra

o silecircncio nos sepulta

Em boca cerrada no entran moscas ldquoEm boca fechada natildeo entra moscardquo eacuteum ditado que eu ouvia sempre quando era crianccedila Ser faladeira era ser umafofoqueira e uma mentirosa falar demais Muchachitas bien criadas garotas

bem comportadas natildeo respondem Eacute uma falta de respeito responder agrave matildee ouao pai Eu me lembro de um dos pecados que eu tive que contar ao padre noconfessionaacuterio numa das poucas vezes em que eu fui me confessar responderagrave minha matildee hablar parsquo rsquotraacutes repelar Bocuda respondona fofoqueira boca-grande questionadora leva-e-traz satildeo todos signos para quem eacute malcriada Naminha cultura todas essas palavras satildeo depreciativas se aplicadas a mulheresndash eu nunca as ouvi aplicadas a homens

A primeira vez que ouvi duas mulheres uma porto-riquenha e umacubana dizerem a palavra ldquonosotrasrdquo 1047297quei chocada Eu nem sabia que essapalavra existia Chicanas usam ldquonosotrosrdquo sejamos machos ou fecircmeas Somosprivadas do nosso feminino pelo plural masculino A linguagem eacute um discursomasculino

E nossas liacutenguas 1047297caramsecas o deserto

secou nossas liacutenguas enoacutes esquecemos como falar

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 307

ndashIrena Klep1047297sz2

Mesmo nossa proacutepria gente outros falantes do espanhol nos quieren po-

ner candados en la boca Eles nos conteriam com seu montatildeo de regras deacademia

Oyeacute como ladra el lenguaje de la frontera

Quien tiene boca se equivoca

ndash Ditado mexicano

ldquoPochoii traidor cultural ao falar inglecircs vocecirc estaacute falando a liacutengua doopressor vocecirc estaacute arruinando a liacutengua espanholardquo eu tenho sido acusada porvaacuterios latinos e latinas O espanhol chicano eacute considerado de1047297ciente pelospuristas e pela maioria dos latinos uma mutilaccedilatildeo do espanhol

Mas o espanhol chicano eacute uma liacutengua fronteiriccedila que se desenvolveunaturalmente Mudanccedila evolucioacuten enriquecimiento de palabras nuevas por in-

vencioacuten o adopcioacuten tem criado variantes do espanhol chicano uma nova lin-

guagem Un lenguaje que corresponde a un modo de vivir O espanhol chicanonatildeo eacute incorreto eacute uma liacutengua viva

Para um povo que natildeo eacute espanhol nem vive em um paiacutes no qual o es-panhol eacute a primeira liacutengua para um povo que vive num paiacutes no qual o inglecircseacute a liacutengua predominante mas que natildeo eacute anglo para um povo que natildeo podese identi1047297car inteiramente nem com o espanhol padratildeo (formal castelhano)nem com o inglecircs padratildeo que recurso lhe resta senatildeo criar sua proacutepria liacutenguaUma liacutengua com a qual eles possam conectar sua identidade capaz de comu-nicar as realidades e valores verdadeiros para eles mesmos ndash uma liacutengua comtermos que natildeo satildeo nem espantildeol ni ingleacutes mas ambos Noacutes falamos um patoaacuteuma liacutengua bifurcada uma variaccedilatildeo de duas liacutenguas

O espanhol chicano surgiu da necessidade de os chicanos se identi1047297ca-rem como um povo distinto Noacutes precisaacutevamos de uma liacutengua com a qual

2 KLEPFISZ Irema Di rayze aheym Te Journey Home In KAYEKANTROWITZ Me-lanie KLEPFISZ Irena (Ed) Te Tribe of Dina a Jewish womenrsquos anthology MontpelierVT Sinister Wisdom 29301986 p 49

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 414

308Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

pudeacutessemos nos comunicar uns com os outros uma liacutengua secreta Para al-guns de noacutes a liacutengua eacute uma terra natal mais proacutexima do que o sudoeste ndash poismuitos chicanos vivem hoje no meio-oeste e no leste E porque somos um

povo complexo heterogecircneo noacutes falamos muitas liacutenguas Algumas das liacuten-guas que falamos satildeo

1 Inglecircs padratildeo2 Inglecircs de trabalhadores com giacuterias3 Espanhol padratildeo4 Espanhol mexicano padratildeo

5 Dialeto espanhol norte-mexicano6 Espanhol chicano (Texas Novo Meacutexico Arizona e Califoacuternia tecircmvariaccedilotildees regionais)

7 Tex-Mex iii

8 Pachuco (chamado caloacute )

Minhas liacutenguas ldquocaseirasrdquo satildeo as liacutenguas que eu falo com minha irmatilde emeus irmatildeos com meus amigos e amigas Elas satildeo as cinco uacuteltimas listadas

com 6 e 7 sendo as mais proacuteximas do meu coraccedilatildeo Da escola da miacutedia oudas situaccedilotildees de emprego eu peguei o inglecircs padratildeo e de trabalhadores comgiacuterias Da Mamagrande Locha e de ler as literaturas espanhola e mexicana eupeguei o espanhol padratildeo e o espanhol mexicano padratildeo Com os receacutem-che-gados imigrantes mexicanos e braceros iv eu aprendi o dialeto espanhol norte-mexicano Com mexicanos eu tento falar tanto o espanhol mexicano padratildeoquanto o dialeto norte-mexicano Dos meus pais e dos chicanos que moramno Valley eu peguei o espanhol chicano texano que eu falo com minha matildeemeu irmatildeo mais novo (que casou com uma pessoa mexicana e que raramentemistura espanhol com inglecircs) tias e parentes mais velhos

Com chicanas do Novo Meacutexico ou Arizona eu teimo em falar um poucode espanhol chicano mas frequentemente elas natildeo entendem o que eu estoufalando Com a maior parte das chicanas da Califoacuternia eu falo inteiramenteem inglecircs (a natildeo ser que eu esqueccedila) Quando me mudei pela primeira vezpara Satildeo Francisco eu disparava a falar alguma coisa em espanhol deixando-

as embaraccediladas sem querer Com frequecircncia eacute apenas com outra chicana teja-na que eu posso falar livremente

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 514

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 309

Palavras distorcidas do inglecircs satildeo conhecidas como anglicismos ou po-

chismos O pocho eacute um mexicano anglicizado ou um americano de origem me-xicana que fala espanhol com um sotaque caracteriacutestico dos norte-americanos

e que distorce e reconstroacutei a liacutengua de acordo com a in1047298uecircncia do inglecircs3Tex-Mex ou Spanglish eacute mais natural para mim Eu posso mudar do inglecircspara o espanhol na mesma sentenccedila ou na mesma palavra Com minha irmatildee meu irmatildeo Nune e com contemporacircneos chicanos tejanos eu falo Tex-Mex

Das crianccedilas e das pessoas da minha idade eu peguei o pachuco Pachuco (a liacutengua dos zoot suiters v ) eacute uma liacutengua de rebeliatildeo ao mesmo tempo contrao espanhol padratildeo e contra o inglecircs padratildeo Eacute uma liacutengua secreta Adultos

da cultura e estranhos natildeo podem entendecirc-la Eacute uma mistura de giacuterias tantodo inglecircs quanto do espanhol Ruca signi1047297ca garota ou mulher vato signi1047297carapaz ou cara chale signi1047297ca natildeo simoacuten signi1047297ca sim churo eacute certeza falar eacute periquiar pigionear signi1047297ca sarrarvi que gacho signi1047297ca que nerdy ponte aacutegui-

la signi1047297ca cuidado morte eacute chamada la pelona Por falta de praacutetica e por natildeoter outros com quem falar eu perdi a maior parte da minha liacutengua pachuco

Espanhol chicano

Depois de 250 anos de colonizaccedilatildeo espanhola e inglesa chicanos desen-volveram diferenccedilas signi1047297cativas no espanhol que a gente fala Noacutes derruba-mos duas vogais adjacentes numa uacutenica siacutelaba e agraves vezes mudamos a tocircnicaem certas palavras como maiacutezmaiz cohetecuete Omitimos certas consoantesquando elas aparecem entre vogais ladolao mojadomojao Chicanos do suldo Texas pronunciam f como j como em jue ( fue ) Chicanos usam ldquoarcaiacutes-mosrdquo palavras que natildeo existem mais na liacutengua espanhola palavras que forammudadas A gente diz semos truje haiga ansina e naiden Noacutes conservamoso j ldquoarcaicordquo como em jalar que deriva de um h mais antigo (o francecircs halar ou o germacircnico halon que desapareceu no espanhol padratildeo no seacuteculo XVI)mas que ainda eacute encontrado em vaacuterios dialetos regionais tal como aquele fa-lado no sul do Texas (Devido agrave geogra 1047297a chicanos do Valley do sul do Texasforam afastados linguisticamente de outros falantes de espanhol Tendemos ausar palavras que os espanhoacuteis trouxeram da Espanha medieval A maioria dos

3 ORTEGA R C Dialectologiacutea del barrio Trad Hortencia S Alwan Los Angeles CA R COrtega Publicher amp Bookseller 1977 p 132

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 614

310Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

colonizadores espanhoacuteis no Meacutexico e no sudoeste veio de Extremadura ndash Her-naacuten Corteacutes foi um deles ndash e Andaluzia Os andaluzes pronunciam ll como um y e o d deles tende a ser absorvido por vogais adjacentes tirado torna-se tirao

Eles trouxeram el lenguaje popular os dialetos e os regionalismos4

Chicanos e outros falantes de espanhol tambeacutem trocam ll por y e z pors 5 Noacutes omitimos siacutelabas iniciais dizendo tar para estar toy para estoy hora para ahora (os cubanos e porto-riquenhos tambeacutem omitem letras iniciais dealgumas palavras) Tambeacutem omitimos as siacutelabas 1047297nais tal como pa em para O y intervocaacutelico o ll como em tortilla ella botella eacute substituiacutedo por tortia ou tortiya ea botea Noacutes acrescentamos uma siacutelaba adicional no comeccedilo de

certas palavras atocar para tocar agastar para gastar Algumas vezes vamosdizer lavaste las vacijas outras vezes lavates (substituindo a terminaccedilatildeo verbalates por aste )

Noacutes usamos anglicismos palavras emprestadas do inglecircs bola de ball carpeta de carpet maacutechina de lavar (em vez de lavadora ) de washing machine

A giacuteria do Tex-Mex criada pelo acreacutescimo de um som do espanhol no iniacutecioou no 1047297m de uma palavra em inglecircs como cookiar para cook watchar parawatch parkiar para park e rapiar para rape eacute o resultado das pressotildees sobre os

falantes de espanhol para se adaptarem ao inglecircsNatildeo usamos a palavra vosotrosas ou as formas verbais que a acompa-

nham Natildeo dizemos claro (para signi1047297car yes ) imagiacutenate ou me emociona anatildeo ser quando pegamos o espanhol das latinas de um livro ou numa sala deaula Outros grupos de falantes de espanhol estatildeo passando por um desenvol-vimento igual ou similar em seu espanhol

Terrorismo linguiacutestico

Deslenguadas Somos los del espantildeol de 1047297 ciente Somos seu pesadelo linguiacutestico suaaberraccedilatildeo linguiacutestica sua mestizaje linguiacutestica o sujeito da sua burla Porque fa-lamos com liacutenguas de fogo noacutes somos culturalmente cruci1047297cados Racialmenteculturalmente e linguisticamente somos hueacuterfanos ndash noacutes falamos uma liacutengua oacuterfatilde

4 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS Eduardo COHEN Andrew D BELTRAMO Anthony F El

lenguaje de los Chicanos regional and social characteristics of language used by Mexican Americans Arlington VA Center for Applied Linguistics 1975 p 395 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS p xvii

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 714

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 311

Chicanas que cresceram falando o espanhol chicano internalizaram a crenccedilade que noacutes falamos um espanhol pobre Ilegiacutetimo uma liacutengua bastarda Noacutes usa-mos nossas diferenccedilas linguiacutesticas umas contra as outras porque internalizamos

o modo como nossa liacutengua tem sido usada contra noacutes pela cultura dominanteFeministas chicanas frequentemente esquivam-se umas das outras com sus-

peita e hesitaccedilatildeo Durante muito tempo eu natildeo pude entender isso Entatildeo me deiconta Estar proacutexima de uma outra chicana eacute como olhar no espelho Noacutes temosmedo do que vamos ver laacute Pena Vergonha Baixa auto-estima Na infacircncia nosdisseram que nossa liacutengua estaacute errada Ataques repetidos agrave nossa liacutengua nativa di-minuem nosso sentido de self Os ataques continuam ao longo das nossas vidas

Chicanas sentem-se desconfortaacuteveis falando espanhol com latinas te-mendo sua censura A liacutengua das latinas natildeo eacute proscrita nos paiacuteses delas Elasestiveram imersas durante toda uma vida na sua liacutengua nativa geraccedilotildees seacutecu-los nos quais o espanhol era a primeira liacutengua ensinada na escola escutada noraacutedio e na TV e lida nos jornais

Se uma pessoa chicana ou latina tem baixa estima por minha liacutengua nati-va ela tambeacutem tem uma baixa estima por mim Frequentemente com mexica-nas e latinas noacutes vamos falar inglecircs como uma liacutengua neutra Mesmo entre chi-

canas tendemos a falar inglecircs em festas e conferecircncias No entanto ao mesmotempo temos medo de que a outra vaacute pensar que noacutes estamos agringadas porquenatildeo falamos o espanhol chicano Oprimimos umas agraves outras testando o chicanoumas das outras disputando quem eacute a ldquoverdadeirardquo chicana quem fala comochicano Natildeo haacute uma liacutengua chicana assim como natildeo haacute uma experiecircncia chi-cana Uma chicana monoliacutengue cuja primeira liacutengua eacute o inglecircs ou o espanhol eacutetatildeo chicana quanto aquela que fala diversas variantes do espanhol Uma chicanado Michigan ou Chicago ou Detroit eacute tatildeo chicana quanto uma chicana do sudo-este O espanhol chicano eacute tatildeo diverso linguisticamente quanto regionalmente

Proacuteximo do 1047297m do seacuteculo falantes do espanhol vatildeo abranger o maior grupominoritaacuterio nos EUA um paiacutes onde estudantes no ensino meacutedio e faculdades satildeoencorajados a assistis aulas de francecircs porque o francecircs eacute considerado mais ldquocultordquoMas para uma liacutengua se manter viva precisa ser usada 6 Perto do 1047297m deste seacuteculoo inglecircs e natildeo o espanhol seraacute a liacutengua materna da maioria dos chicanos e latinos

6

KLEPFISZ Irena Secular Jewish Identity Yidishkayt in America In KAYEKANTRO- WITZ Melanie KLEPFISZ Irena (Ed) Te Tribe of Dina a Jewish womenrsquos anthologyMontpelier VT Sinister Wisdom 29301986 p 43

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 814

312Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

Assim se vocecirc quer mesmo me ferir fale mal da minha liacutengua A identi-dade eacutetnica e a identidade linguiacutestica satildeo unha e carne ndash eu sou minha liacutenguaEu natildeo posso ter orgulho de mim mesma ateacute que possa ter orgulho da minha

liacutengua Ateacute que eu possa aceitar como legiacutetimas o espanhol chicano texanoo Tex-Mex e todas as outras liacutenguas que falo eu natildeo posso aceitar a minhaproacutepria legitimidade Ateacute que eu esteja livre para escrever de maneira biliacutenguee permutar idiomas sem ter sempre que traduzir enquanto eu ainda tiver quefalar inglecircs ou espanhol quando preferiria falar Spanglish e enquanto eu tiverque me acomodar aos falantes de inglecircs ao inveacutes de eles se acomodarem amim minha liacutengua seraacute ilegiacutetima

Eu natildeo vou mais sentir vergonha de existir Eu vou ter minha voz indiacutegenaespanhola branca Eu vou ter minha liacutengua de serpente ndash minha voz de mulherminha voz sexual minha voz de poeta Eu vou superar a tradiccedilatildeo de silecircncio

Meus dedosSe movem furtivos contra sua palma Como mulheres em toda parte eu falo em coacutedigo ndash Melanie KayeKantrowitz7

ldquoVistasrdquo corridos y comida minha liacutengua nativa

Nos anos 1960 eu li meu primeiro romance chicano Era City of Night de John Rechy um gay texano 1047297lho de pai escocecircs e matildee mexicana Por diaseu 1047297quei chocada que um chicano pudesse ter escrito e sido publicado Quan-do eu li I Am Joaquiacuten8 eu 1047297quei surpresa por ver impresso um livro biliacutenguede um chicano Quando vi poesia escrita em Tex-Mex pela primeira vez umsentimento de pura alegria revelou-se em mim Eu senti como se a gente re-almente existisse como um povo Em 1971 quando comecei a ensinar inglecircspara estudantes chicanos no ensino meacutedio eu tentava complementar os textosexigidos com trabalhos de chicanos mas fui repreendida e proibida de fazerisso pelo diretor Ele alegava que se esperava que eu ensinasse literatura inglesa

7 KAYE KANTROWITZ Melanie Sign In We speak in code poems and others writings

Pittsburgh PA Motherroot Publications Inc 1980 p 858 GONZALES Rodolfo I am Joaquiacuten Yo soy Joaquiacuten New York NY Bantam Books 1972Foi publicado pela primeira vez em 1967

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 914

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 313

e ldquoamericanardquo Com o risco de ser demitida 1047297z meus alunos jurarem segredo eentrei de mansinho em contos chicanos poemas uma peccedila Na universidadeenquanto trabalhava no meu doutorado tive que ldquodiscutirrdquo com um orien-

tador depois do outro semestre apoacutes semestre antes que me fosse permitidotornar a literatura chicana uma aacuterea de foco

Mesmo antes de ler livros de chicanos ou mexicanos foram os 1047297lmesmexicanos que eu via no drive-in ndash na noite de terccedila especial a um doacutelar porcarro ndash que me deram um sentido de pertencimento ldquoVaacutemonos a las vistas rdquominha matildee chamava e todas(os) noacutes ndash avoacute irmatildeos irmatildes e primos ndash nos es-premiacuteamos dentro do carro Noacutes devoraacutevamos sanduiacuteches de patildeo branco com

queijo e mortadela enquanto assistiacuteamos Pedro Infante em romances melo-dramaacuteticos como Nosostros los pobres o primeiro 1047297lme ldquorealmenterdquo mexicano(que natildeo era uma imitaccedilatildeo de 1047297lmes europeus) Eu me lembro de ver Cuando

los hijos se van e supor que todos os 1047297lmes mexicanos enfatizavam o amor queuma matildee tem por seus 1047297lhos e o que os 1047297lhos e 1047297lhas ingratos sofrem quandonatildeo satildeo dedicados agraves suas matildees Eu me lembro dos ldquofaroestesrdquo musicais de Jorge Negrete e Miguel Aceves Mejiacutea Quando assistia a 1047297lmes mexicanos eutinha uma sensaccedilatildeo de regresso ao lar assim como de alienaccedilatildeo Pessoas que

valiam alguma coisa natildeo iam a 1047297lmes mexicanos ou bailes nem sintonizavamseus raacutedios em muacutesicas de bolero rancherita e corrido

Todo o tempo em que eu estava crescendo havia muacutesica nortentildea cha-mada algumas vezes de muacutesica da fronteira do norte do Meacutexico ou muacutesicaTex-Mex ou muacutesica chicana ou muacutesica de cantina (bar) Eu cresci ouvindoconjuntos bandas de trecircs ou quatro instrumentos formadas por muacutesicos popu-lares tocando guitarra bajo sexto bateria e acordeatildeo que os chicanos tomaramemprestado dos imigrantes alematildees que tinham vindo para o centro do Texase para o Meacutexico plantar e construir cervejarias No Rio Grande Valley Steve Jordan e Little Joe Hernaacutendez eram populares e Flaco Jimeacutenez era o rei doacordeatildeo Os ritmos da muacutesica Tex-Mex eram os da polca tambeacutem adaptadosdos alematildees que por sua vez o tomaram emprestado dos tchecos e boecircmios

Eu me lembro das tardes quentes e uacutemidas quando corridos ndash canccedilotildees deamor e morte sobre as fronteiras texanas-mexicanas ndash reverberavam dos ampli1047297ca-dores baratos das cantinas locais e entravam 1047298utuando pela janela do meu quarto

Os corridos se tornaram pela primeira vez amplamente usados ao longo dafronteira do sul do TexasMeacutexico durante o mais antigo con1047298ito entre chicanos e

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1014

314Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

anglos Os corridos satildeo normalmente sobre heroacuteis mexicanos que realizaram accedilotildeesde valentia contra os opressores anglos A canccedilatildeo de Pancho Villa ldquoLa cucarachardquo eacute a mais famosa Os corridos de John F Kennedy e sua morte satildeo ainda muito

populares no Valley Os chicanos mais velhos lembram-se de Lydia Mendonzauma das maiores cantoras de corrido da fronteira que foi chamada de la Gloria

de Tejas Sua canccedilatildeo ldquoEl tango negrordquo cantada durante a Grande Depressatildeo fezdela uma cantora do povo Os corridos mais comuns narravam os cem anos dehistoacuteria da fronteira tanto trazendo notiacutecias de eventos como entretendo Essesmuacutesicos populares e canccedilotildees populares satildeo nossos principais criadores de mitosculturais e eles 1047297zeram nossas vidas difiacuteceis parecerem suportaacuteveis

Eu cresci com um sentimento ambivalente em relaccedilatildeo agrave nossa muacutesica Ocountry do oeste e o rock-and-roll tinham mais status Nos anos 50 e 60 paraos chicanos minimamente escolarizados e agringados havia uma sensaccedilatildeo devergonha de ser pego ouvindo nossa muacutesica Contudo eu natildeo podia impedirmeu peacute de bater ao som da muacutesica natildeo podia parar de cantarolar as palavrasnem esconder de mim mesma a euforia sentida quando eu a ouvia

Existem maneiras mais sutis de internalizarmos identi1047297caccedilatildeo especial-mente nas formas de imagens e emoccedilotildees Para mim a comida e certos cheiros

estatildeo ligados agrave minha identidade agrave minha terra natal Fumaccedila de lenha subin-do em espiral num imenso ceacuteu azul fumaccedila de lenha perfumando as roupasda minha matildee a pele dela O fedor do estrume de vaca e as manchas amarelasno chatildeo o estampido de uma espingarda 22 e o cheiro forte de cordite Queijobranco caseiro crepitando numa panela derretendo dentro de uma tortilhafechada O menudovii quente e picante da minha irmatilde Hilda o chile colorado tornando-o mais intensamente vermelho pedaccedilos de panza e canjica 1047298utuan-do por cima Meu irmatildeo Carito assando fajitas viii no quintal Mesmo agora ea 3000 milhas de laacute eu posso ver minha matildee temperando o bife a carne deporco e a carne de veado com chile Minha boca saliva com a lembranccedila dostamales ix quentes e fumegantes que eu estaria comendo se estivesse em casa

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo

ldquoIdentidade eacute o centro essencial de quem

somos como indiviacuteduos a experiecircnciaconsciente do self internordquo

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1114

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 315

ndash Kaufman9

Nosostros los chicanos temos um peacute em cada lado das fronteiras De um

lado somos constantemente expostos ao espanhol dos mexicanos do outrolado escutamos a reclamaccedilatildeo incessante dos anglos para que esqueccedilamos nossaliacutengua Entre noacutes natildeo dizemos nosotros los americanos ou nosotros los espantildeoles ou nosotros los hispanicos Dizemos nosostros los mexicanos (por mexicanos natildeoqueremos dizer ldquocidadatildeos do Meacutexicordquo natildeo estamos falando de uma identidadenacional mas sim racial) Noacutes distinguimos entre mexicanos del otro lado emexicanos de este lado No fundo dos nossos coraccedilotildees a gente acredita que ser

mexicano natildeo tem nada a ver com o paiacutes em que a gente vive Ser mexicano eacuteum estado da alma ndash natildeo da mente nem da cidadania Nem aacuteguia nem serpen-te mas as duas E como o oceano nenhum animal respeita fronteiras

Dime con quien andas y te direacute quien eres (Diz-me com quem andas e te direi quem eacutes) ndash Ditado mexicano

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo te diraacute ldquoSoy mexicanardquo Meusirmatildeos e minha irmatilde dizem o mesmo Eu algumas vezes responderei ldquosoy mexi-

canardquo e outras vezes direi ldquosoy chicana rdquo ou ldquosoy tejanardquo Mas eu me identi1047297queicomo ldquorazardquo antes de ter me identi1047297cado como ldquomexicanardquo ou ldquochicanardquo

Como uma cultura nos chamamos espanhoacuteis quando nos referimos a noacutesmesmos como um grupo linguiacutestico e quando nos intimidamos Eacute entatildeo queesquecemos nossos genes indiacutegenas predominantes Noacutes somos 70 ou 80indiacutegenas10 Noacutes nos chamamos hispacircnicos11 ou hispano-americanos ou latino-americanos ou latinos quando nos ligamos a outros povos falantes do espanhol dohemisfeacuterio ocidental e quando nos intimidamos Nos chamamos mexicano-ame-ricanos12 para dizer que natildeo somos nem mexicanos nem americanos mas mais o

9 KAUFMAN Gershen Shame the power of caring Cambridge MA Schenkman BooksInc 1980 p 68

10 CHAVEacuteZ p 88-9011 ldquoHispacircnicordquo eacute derivado de Hispanis (Espantildea um nome dado agrave Peniacutensula Ibeacuterica em tempos

antigos quando era parte do impeacuterio romano) e eacute um termo utilizado pelo governo dosEUA para facilitar lidar conosco nos documentos12 O tratado de Guadalupe Hidalgo criou o mexicano-americano em 1848

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 2: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 214

306Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

lsquoaccentrsquo rdquo diria minha matildee morti1047297cada porque eu falava inglecircs como uma me-xicana Na Pan American University eu e todos os estudantes chicanos fomosobrigados a pegar duas disciplinas de praacutetica oral de liacutengua O propoacutesito delas

livrar-nos de nossos sotaques Ataques agrave forma de expressatildeo de algueacutem com o intento de censurar

satildeo violaccedilotildees agrave Primeira Emenda El Anglo con cara de inocente nos arrancoacute

la lengua Liacutenguas selvagens natildeo podem ser domadas elas podem apenas serdecepadas

Superando a tradiccedilatildeo do silecircncio

As 1047297 xiadas cuspimos a escuridatildeo

Lutando contra nossa proacutepria sombra

o silecircncio nos sepulta

Em boca cerrada no entran moscas ldquoEm boca fechada natildeo entra moscardquo eacuteum ditado que eu ouvia sempre quando era crianccedila Ser faladeira era ser umafofoqueira e uma mentirosa falar demais Muchachitas bien criadas garotas

bem comportadas natildeo respondem Eacute uma falta de respeito responder agrave matildee ouao pai Eu me lembro de um dos pecados que eu tive que contar ao padre noconfessionaacuterio numa das poucas vezes em que eu fui me confessar responderagrave minha matildee hablar parsquo rsquotraacutes repelar Bocuda respondona fofoqueira boca-grande questionadora leva-e-traz satildeo todos signos para quem eacute malcriada Naminha cultura todas essas palavras satildeo depreciativas se aplicadas a mulheresndash eu nunca as ouvi aplicadas a homens

A primeira vez que ouvi duas mulheres uma porto-riquenha e umacubana dizerem a palavra ldquonosotrasrdquo 1047297quei chocada Eu nem sabia que essapalavra existia Chicanas usam ldquonosotrosrdquo sejamos machos ou fecircmeas Somosprivadas do nosso feminino pelo plural masculino A linguagem eacute um discursomasculino

E nossas liacutenguas 1047297caramsecas o deserto

secou nossas liacutenguas enoacutes esquecemos como falar

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 307

ndashIrena Klep1047297sz2

Mesmo nossa proacutepria gente outros falantes do espanhol nos quieren po-

ner candados en la boca Eles nos conteriam com seu montatildeo de regras deacademia

Oyeacute como ladra el lenguaje de la frontera

Quien tiene boca se equivoca

ndash Ditado mexicano

ldquoPochoii traidor cultural ao falar inglecircs vocecirc estaacute falando a liacutengua doopressor vocecirc estaacute arruinando a liacutengua espanholardquo eu tenho sido acusada porvaacuterios latinos e latinas O espanhol chicano eacute considerado de1047297ciente pelospuristas e pela maioria dos latinos uma mutilaccedilatildeo do espanhol

Mas o espanhol chicano eacute uma liacutengua fronteiriccedila que se desenvolveunaturalmente Mudanccedila evolucioacuten enriquecimiento de palabras nuevas por in-

vencioacuten o adopcioacuten tem criado variantes do espanhol chicano uma nova lin-

guagem Un lenguaje que corresponde a un modo de vivir O espanhol chicanonatildeo eacute incorreto eacute uma liacutengua viva

Para um povo que natildeo eacute espanhol nem vive em um paiacutes no qual o es-panhol eacute a primeira liacutengua para um povo que vive num paiacutes no qual o inglecircseacute a liacutengua predominante mas que natildeo eacute anglo para um povo que natildeo podese identi1047297car inteiramente nem com o espanhol padratildeo (formal castelhano)nem com o inglecircs padratildeo que recurso lhe resta senatildeo criar sua proacutepria liacutenguaUma liacutengua com a qual eles possam conectar sua identidade capaz de comu-nicar as realidades e valores verdadeiros para eles mesmos ndash uma liacutengua comtermos que natildeo satildeo nem espantildeol ni ingleacutes mas ambos Noacutes falamos um patoaacuteuma liacutengua bifurcada uma variaccedilatildeo de duas liacutenguas

O espanhol chicano surgiu da necessidade de os chicanos se identi1047297ca-rem como um povo distinto Noacutes precisaacutevamos de uma liacutengua com a qual

2 KLEPFISZ Irema Di rayze aheym Te Journey Home In KAYEKANTROWITZ Me-lanie KLEPFISZ Irena (Ed) Te Tribe of Dina a Jewish womenrsquos anthology MontpelierVT Sinister Wisdom 29301986 p 49

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 414

308Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

pudeacutessemos nos comunicar uns com os outros uma liacutengua secreta Para al-guns de noacutes a liacutengua eacute uma terra natal mais proacutexima do que o sudoeste ndash poismuitos chicanos vivem hoje no meio-oeste e no leste E porque somos um

povo complexo heterogecircneo noacutes falamos muitas liacutenguas Algumas das liacuten-guas que falamos satildeo

1 Inglecircs padratildeo2 Inglecircs de trabalhadores com giacuterias3 Espanhol padratildeo4 Espanhol mexicano padratildeo

5 Dialeto espanhol norte-mexicano6 Espanhol chicano (Texas Novo Meacutexico Arizona e Califoacuternia tecircmvariaccedilotildees regionais)

7 Tex-Mex iii

8 Pachuco (chamado caloacute )

Minhas liacutenguas ldquocaseirasrdquo satildeo as liacutenguas que eu falo com minha irmatilde emeus irmatildeos com meus amigos e amigas Elas satildeo as cinco uacuteltimas listadas

com 6 e 7 sendo as mais proacuteximas do meu coraccedilatildeo Da escola da miacutedia oudas situaccedilotildees de emprego eu peguei o inglecircs padratildeo e de trabalhadores comgiacuterias Da Mamagrande Locha e de ler as literaturas espanhola e mexicana eupeguei o espanhol padratildeo e o espanhol mexicano padratildeo Com os receacutem-che-gados imigrantes mexicanos e braceros iv eu aprendi o dialeto espanhol norte-mexicano Com mexicanos eu tento falar tanto o espanhol mexicano padratildeoquanto o dialeto norte-mexicano Dos meus pais e dos chicanos que moramno Valley eu peguei o espanhol chicano texano que eu falo com minha matildeemeu irmatildeo mais novo (que casou com uma pessoa mexicana e que raramentemistura espanhol com inglecircs) tias e parentes mais velhos

Com chicanas do Novo Meacutexico ou Arizona eu teimo em falar um poucode espanhol chicano mas frequentemente elas natildeo entendem o que eu estoufalando Com a maior parte das chicanas da Califoacuternia eu falo inteiramenteem inglecircs (a natildeo ser que eu esqueccedila) Quando me mudei pela primeira vezpara Satildeo Francisco eu disparava a falar alguma coisa em espanhol deixando-

as embaraccediladas sem querer Com frequecircncia eacute apenas com outra chicana teja-na que eu posso falar livremente

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 514

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 309

Palavras distorcidas do inglecircs satildeo conhecidas como anglicismos ou po-

chismos O pocho eacute um mexicano anglicizado ou um americano de origem me-xicana que fala espanhol com um sotaque caracteriacutestico dos norte-americanos

e que distorce e reconstroacutei a liacutengua de acordo com a in1047298uecircncia do inglecircs3Tex-Mex ou Spanglish eacute mais natural para mim Eu posso mudar do inglecircspara o espanhol na mesma sentenccedila ou na mesma palavra Com minha irmatildee meu irmatildeo Nune e com contemporacircneos chicanos tejanos eu falo Tex-Mex

Das crianccedilas e das pessoas da minha idade eu peguei o pachuco Pachuco (a liacutengua dos zoot suiters v ) eacute uma liacutengua de rebeliatildeo ao mesmo tempo contrao espanhol padratildeo e contra o inglecircs padratildeo Eacute uma liacutengua secreta Adultos

da cultura e estranhos natildeo podem entendecirc-la Eacute uma mistura de giacuterias tantodo inglecircs quanto do espanhol Ruca signi1047297ca garota ou mulher vato signi1047297carapaz ou cara chale signi1047297ca natildeo simoacuten signi1047297ca sim churo eacute certeza falar eacute periquiar pigionear signi1047297ca sarrarvi que gacho signi1047297ca que nerdy ponte aacutegui-

la signi1047297ca cuidado morte eacute chamada la pelona Por falta de praacutetica e por natildeoter outros com quem falar eu perdi a maior parte da minha liacutengua pachuco

Espanhol chicano

Depois de 250 anos de colonizaccedilatildeo espanhola e inglesa chicanos desen-volveram diferenccedilas signi1047297cativas no espanhol que a gente fala Noacutes derruba-mos duas vogais adjacentes numa uacutenica siacutelaba e agraves vezes mudamos a tocircnicaem certas palavras como maiacutezmaiz cohetecuete Omitimos certas consoantesquando elas aparecem entre vogais ladolao mojadomojao Chicanos do suldo Texas pronunciam f como j como em jue ( fue ) Chicanos usam ldquoarcaiacutes-mosrdquo palavras que natildeo existem mais na liacutengua espanhola palavras que forammudadas A gente diz semos truje haiga ansina e naiden Noacutes conservamoso j ldquoarcaicordquo como em jalar que deriva de um h mais antigo (o francecircs halar ou o germacircnico halon que desapareceu no espanhol padratildeo no seacuteculo XVI)mas que ainda eacute encontrado em vaacuterios dialetos regionais tal como aquele fa-lado no sul do Texas (Devido agrave geogra 1047297a chicanos do Valley do sul do Texasforam afastados linguisticamente de outros falantes de espanhol Tendemos ausar palavras que os espanhoacuteis trouxeram da Espanha medieval A maioria dos

3 ORTEGA R C Dialectologiacutea del barrio Trad Hortencia S Alwan Los Angeles CA R COrtega Publicher amp Bookseller 1977 p 132

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 614

310Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

colonizadores espanhoacuteis no Meacutexico e no sudoeste veio de Extremadura ndash Her-naacuten Corteacutes foi um deles ndash e Andaluzia Os andaluzes pronunciam ll como um y e o d deles tende a ser absorvido por vogais adjacentes tirado torna-se tirao

Eles trouxeram el lenguaje popular os dialetos e os regionalismos4

Chicanos e outros falantes de espanhol tambeacutem trocam ll por y e z pors 5 Noacutes omitimos siacutelabas iniciais dizendo tar para estar toy para estoy hora para ahora (os cubanos e porto-riquenhos tambeacutem omitem letras iniciais dealgumas palavras) Tambeacutem omitimos as siacutelabas 1047297nais tal como pa em para O y intervocaacutelico o ll como em tortilla ella botella eacute substituiacutedo por tortia ou tortiya ea botea Noacutes acrescentamos uma siacutelaba adicional no comeccedilo de

certas palavras atocar para tocar agastar para gastar Algumas vezes vamosdizer lavaste las vacijas outras vezes lavates (substituindo a terminaccedilatildeo verbalates por aste )

Noacutes usamos anglicismos palavras emprestadas do inglecircs bola de ball carpeta de carpet maacutechina de lavar (em vez de lavadora ) de washing machine

A giacuteria do Tex-Mex criada pelo acreacutescimo de um som do espanhol no iniacutecioou no 1047297m de uma palavra em inglecircs como cookiar para cook watchar parawatch parkiar para park e rapiar para rape eacute o resultado das pressotildees sobre os

falantes de espanhol para se adaptarem ao inglecircsNatildeo usamos a palavra vosotrosas ou as formas verbais que a acompa-

nham Natildeo dizemos claro (para signi1047297car yes ) imagiacutenate ou me emociona anatildeo ser quando pegamos o espanhol das latinas de um livro ou numa sala deaula Outros grupos de falantes de espanhol estatildeo passando por um desenvol-vimento igual ou similar em seu espanhol

Terrorismo linguiacutestico

Deslenguadas Somos los del espantildeol de 1047297 ciente Somos seu pesadelo linguiacutestico suaaberraccedilatildeo linguiacutestica sua mestizaje linguiacutestica o sujeito da sua burla Porque fa-lamos com liacutenguas de fogo noacutes somos culturalmente cruci1047297cados Racialmenteculturalmente e linguisticamente somos hueacuterfanos ndash noacutes falamos uma liacutengua oacuterfatilde

4 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS Eduardo COHEN Andrew D BELTRAMO Anthony F El

lenguaje de los Chicanos regional and social characteristics of language used by Mexican Americans Arlington VA Center for Applied Linguistics 1975 p 395 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS p xvii

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 714

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 311

Chicanas que cresceram falando o espanhol chicano internalizaram a crenccedilade que noacutes falamos um espanhol pobre Ilegiacutetimo uma liacutengua bastarda Noacutes usa-mos nossas diferenccedilas linguiacutesticas umas contra as outras porque internalizamos

o modo como nossa liacutengua tem sido usada contra noacutes pela cultura dominanteFeministas chicanas frequentemente esquivam-se umas das outras com sus-

peita e hesitaccedilatildeo Durante muito tempo eu natildeo pude entender isso Entatildeo me deiconta Estar proacutexima de uma outra chicana eacute como olhar no espelho Noacutes temosmedo do que vamos ver laacute Pena Vergonha Baixa auto-estima Na infacircncia nosdisseram que nossa liacutengua estaacute errada Ataques repetidos agrave nossa liacutengua nativa di-minuem nosso sentido de self Os ataques continuam ao longo das nossas vidas

Chicanas sentem-se desconfortaacuteveis falando espanhol com latinas te-mendo sua censura A liacutengua das latinas natildeo eacute proscrita nos paiacuteses delas Elasestiveram imersas durante toda uma vida na sua liacutengua nativa geraccedilotildees seacutecu-los nos quais o espanhol era a primeira liacutengua ensinada na escola escutada noraacutedio e na TV e lida nos jornais

Se uma pessoa chicana ou latina tem baixa estima por minha liacutengua nati-va ela tambeacutem tem uma baixa estima por mim Frequentemente com mexica-nas e latinas noacutes vamos falar inglecircs como uma liacutengua neutra Mesmo entre chi-

canas tendemos a falar inglecircs em festas e conferecircncias No entanto ao mesmotempo temos medo de que a outra vaacute pensar que noacutes estamos agringadas porquenatildeo falamos o espanhol chicano Oprimimos umas agraves outras testando o chicanoumas das outras disputando quem eacute a ldquoverdadeirardquo chicana quem fala comochicano Natildeo haacute uma liacutengua chicana assim como natildeo haacute uma experiecircncia chi-cana Uma chicana monoliacutengue cuja primeira liacutengua eacute o inglecircs ou o espanhol eacutetatildeo chicana quanto aquela que fala diversas variantes do espanhol Uma chicanado Michigan ou Chicago ou Detroit eacute tatildeo chicana quanto uma chicana do sudo-este O espanhol chicano eacute tatildeo diverso linguisticamente quanto regionalmente

Proacuteximo do 1047297m do seacuteculo falantes do espanhol vatildeo abranger o maior grupominoritaacuterio nos EUA um paiacutes onde estudantes no ensino meacutedio e faculdades satildeoencorajados a assistis aulas de francecircs porque o francecircs eacute considerado mais ldquocultordquoMas para uma liacutengua se manter viva precisa ser usada 6 Perto do 1047297m deste seacuteculoo inglecircs e natildeo o espanhol seraacute a liacutengua materna da maioria dos chicanos e latinos

6

KLEPFISZ Irena Secular Jewish Identity Yidishkayt in America In KAYEKANTRO- WITZ Melanie KLEPFISZ Irena (Ed) Te Tribe of Dina a Jewish womenrsquos anthologyMontpelier VT Sinister Wisdom 29301986 p 43

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 814

312Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

Assim se vocecirc quer mesmo me ferir fale mal da minha liacutengua A identi-dade eacutetnica e a identidade linguiacutestica satildeo unha e carne ndash eu sou minha liacutenguaEu natildeo posso ter orgulho de mim mesma ateacute que possa ter orgulho da minha

liacutengua Ateacute que eu possa aceitar como legiacutetimas o espanhol chicano texanoo Tex-Mex e todas as outras liacutenguas que falo eu natildeo posso aceitar a minhaproacutepria legitimidade Ateacute que eu esteja livre para escrever de maneira biliacutenguee permutar idiomas sem ter sempre que traduzir enquanto eu ainda tiver quefalar inglecircs ou espanhol quando preferiria falar Spanglish e enquanto eu tiverque me acomodar aos falantes de inglecircs ao inveacutes de eles se acomodarem amim minha liacutengua seraacute ilegiacutetima

Eu natildeo vou mais sentir vergonha de existir Eu vou ter minha voz indiacutegenaespanhola branca Eu vou ter minha liacutengua de serpente ndash minha voz de mulherminha voz sexual minha voz de poeta Eu vou superar a tradiccedilatildeo de silecircncio

Meus dedosSe movem furtivos contra sua palma Como mulheres em toda parte eu falo em coacutedigo ndash Melanie KayeKantrowitz7

ldquoVistasrdquo corridos y comida minha liacutengua nativa

Nos anos 1960 eu li meu primeiro romance chicano Era City of Night de John Rechy um gay texano 1047297lho de pai escocecircs e matildee mexicana Por diaseu 1047297quei chocada que um chicano pudesse ter escrito e sido publicado Quan-do eu li I Am Joaquiacuten8 eu 1047297quei surpresa por ver impresso um livro biliacutenguede um chicano Quando vi poesia escrita em Tex-Mex pela primeira vez umsentimento de pura alegria revelou-se em mim Eu senti como se a gente re-almente existisse como um povo Em 1971 quando comecei a ensinar inglecircspara estudantes chicanos no ensino meacutedio eu tentava complementar os textosexigidos com trabalhos de chicanos mas fui repreendida e proibida de fazerisso pelo diretor Ele alegava que se esperava que eu ensinasse literatura inglesa

7 KAYE KANTROWITZ Melanie Sign In We speak in code poems and others writings

Pittsburgh PA Motherroot Publications Inc 1980 p 858 GONZALES Rodolfo I am Joaquiacuten Yo soy Joaquiacuten New York NY Bantam Books 1972Foi publicado pela primeira vez em 1967

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 914

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 313

e ldquoamericanardquo Com o risco de ser demitida 1047297z meus alunos jurarem segredo eentrei de mansinho em contos chicanos poemas uma peccedila Na universidadeenquanto trabalhava no meu doutorado tive que ldquodiscutirrdquo com um orien-

tador depois do outro semestre apoacutes semestre antes que me fosse permitidotornar a literatura chicana uma aacuterea de foco

Mesmo antes de ler livros de chicanos ou mexicanos foram os 1047297lmesmexicanos que eu via no drive-in ndash na noite de terccedila especial a um doacutelar porcarro ndash que me deram um sentido de pertencimento ldquoVaacutemonos a las vistas rdquominha matildee chamava e todas(os) noacutes ndash avoacute irmatildeos irmatildes e primos ndash nos es-premiacuteamos dentro do carro Noacutes devoraacutevamos sanduiacuteches de patildeo branco com

queijo e mortadela enquanto assistiacuteamos Pedro Infante em romances melo-dramaacuteticos como Nosostros los pobres o primeiro 1047297lme ldquorealmenterdquo mexicano(que natildeo era uma imitaccedilatildeo de 1047297lmes europeus) Eu me lembro de ver Cuando

los hijos se van e supor que todos os 1047297lmes mexicanos enfatizavam o amor queuma matildee tem por seus 1047297lhos e o que os 1047297lhos e 1047297lhas ingratos sofrem quandonatildeo satildeo dedicados agraves suas matildees Eu me lembro dos ldquofaroestesrdquo musicais de Jorge Negrete e Miguel Aceves Mejiacutea Quando assistia a 1047297lmes mexicanos eutinha uma sensaccedilatildeo de regresso ao lar assim como de alienaccedilatildeo Pessoas que

valiam alguma coisa natildeo iam a 1047297lmes mexicanos ou bailes nem sintonizavamseus raacutedios em muacutesicas de bolero rancherita e corrido

Todo o tempo em que eu estava crescendo havia muacutesica nortentildea cha-mada algumas vezes de muacutesica da fronteira do norte do Meacutexico ou muacutesicaTex-Mex ou muacutesica chicana ou muacutesica de cantina (bar) Eu cresci ouvindoconjuntos bandas de trecircs ou quatro instrumentos formadas por muacutesicos popu-lares tocando guitarra bajo sexto bateria e acordeatildeo que os chicanos tomaramemprestado dos imigrantes alematildees que tinham vindo para o centro do Texase para o Meacutexico plantar e construir cervejarias No Rio Grande Valley Steve Jordan e Little Joe Hernaacutendez eram populares e Flaco Jimeacutenez era o rei doacordeatildeo Os ritmos da muacutesica Tex-Mex eram os da polca tambeacutem adaptadosdos alematildees que por sua vez o tomaram emprestado dos tchecos e boecircmios

Eu me lembro das tardes quentes e uacutemidas quando corridos ndash canccedilotildees deamor e morte sobre as fronteiras texanas-mexicanas ndash reverberavam dos ampli1047297ca-dores baratos das cantinas locais e entravam 1047298utuando pela janela do meu quarto

Os corridos se tornaram pela primeira vez amplamente usados ao longo dafronteira do sul do TexasMeacutexico durante o mais antigo con1047298ito entre chicanos e

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1014

314Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

anglos Os corridos satildeo normalmente sobre heroacuteis mexicanos que realizaram accedilotildeesde valentia contra os opressores anglos A canccedilatildeo de Pancho Villa ldquoLa cucarachardquo eacute a mais famosa Os corridos de John F Kennedy e sua morte satildeo ainda muito

populares no Valley Os chicanos mais velhos lembram-se de Lydia Mendonzauma das maiores cantoras de corrido da fronteira que foi chamada de la Gloria

de Tejas Sua canccedilatildeo ldquoEl tango negrordquo cantada durante a Grande Depressatildeo fezdela uma cantora do povo Os corridos mais comuns narravam os cem anos dehistoacuteria da fronteira tanto trazendo notiacutecias de eventos como entretendo Essesmuacutesicos populares e canccedilotildees populares satildeo nossos principais criadores de mitosculturais e eles 1047297zeram nossas vidas difiacuteceis parecerem suportaacuteveis

Eu cresci com um sentimento ambivalente em relaccedilatildeo agrave nossa muacutesica Ocountry do oeste e o rock-and-roll tinham mais status Nos anos 50 e 60 paraos chicanos minimamente escolarizados e agringados havia uma sensaccedilatildeo devergonha de ser pego ouvindo nossa muacutesica Contudo eu natildeo podia impedirmeu peacute de bater ao som da muacutesica natildeo podia parar de cantarolar as palavrasnem esconder de mim mesma a euforia sentida quando eu a ouvia

Existem maneiras mais sutis de internalizarmos identi1047297caccedilatildeo especial-mente nas formas de imagens e emoccedilotildees Para mim a comida e certos cheiros

estatildeo ligados agrave minha identidade agrave minha terra natal Fumaccedila de lenha subin-do em espiral num imenso ceacuteu azul fumaccedila de lenha perfumando as roupasda minha matildee a pele dela O fedor do estrume de vaca e as manchas amarelasno chatildeo o estampido de uma espingarda 22 e o cheiro forte de cordite Queijobranco caseiro crepitando numa panela derretendo dentro de uma tortilhafechada O menudovii quente e picante da minha irmatilde Hilda o chile colorado tornando-o mais intensamente vermelho pedaccedilos de panza e canjica 1047298utuan-do por cima Meu irmatildeo Carito assando fajitas viii no quintal Mesmo agora ea 3000 milhas de laacute eu posso ver minha matildee temperando o bife a carne deporco e a carne de veado com chile Minha boca saliva com a lembranccedila dostamales ix quentes e fumegantes que eu estaria comendo se estivesse em casa

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo

ldquoIdentidade eacute o centro essencial de quem

somos como indiviacuteduos a experiecircnciaconsciente do self internordquo

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1114

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 315

ndash Kaufman9

Nosostros los chicanos temos um peacute em cada lado das fronteiras De um

lado somos constantemente expostos ao espanhol dos mexicanos do outrolado escutamos a reclamaccedilatildeo incessante dos anglos para que esqueccedilamos nossaliacutengua Entre noacutes natildeo dizemos nosotros los americanos ou nosotros los espantildeoles ou nosotros los hispanicos Dizemos nosostros los mexicanos (por mexicanos natildeoqueremos dizer ldquocidadatildeos do Meacutexicordquo natildeo estamos falando de uma identidadenacional mas sim racial) Noacutes distinguimos entre mexicanos del otro lado emexicanos de este lado No fundo dos nossos coraccedilotildees a gente acredita que ser

mexicano natildeo tem nada a ver com o paiacutes em que a gente vive Ser mexicano eacuteum estado da alma ndash natildeo da mente nem da cidadania Nem aacuteguia nem serpen-te mas as duas E como o oceano nenhum animal respeita fronteiras

Dime con quien andas y te direacute quien eres (Diz-me com quem andas e te direi quem eacutes) ndash Ditado mexicano

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo te diraacute ldquoSoy mexicanardquo Meusirmatildeos e minha irmatilde dizem o mesmo Eu algumas vezes responderei ldquosoy mexi-

canardquo e outras vezes direi ldquosoy chicana rdquo ou ldquosoy tejanardquo Mas eu me identi1047297queicomo ldquorazardquo antes de ter me identi1047297cado como ldquomexicanardquo ou ldquochicanardquo

Como uma cultura nos chamamos espanhoacuteis quando nos referimos a noacutesmesmos como um grupo linguiacutestico e quando nos intimidamos Eacute entatildeo queesquecemos nossos genes indiacutegenas predominantes Noacutes somos 70 ou 80indiacutegenas10 Noacutes nos chamamos hispacircnicos11 ou hispano-americanos ou latino-americanos ou latinos quando nos ligamos a outros povos falantes do espanhol dohemisfeacuterio ocidental e quando nos intimidamos Nos chamamos mexicano-ame-ricanos12 para dizer que natildeo somos nem mexicanos nem americanos mas mais o

9 KAUFMAN Gershen Shame the power of caring Cambridge MA Schenkman BooksInc 1980 p 68

10 CHAVEacuteZ p 88-9011 ldquoHispacircnicordquo eacute derivado de Hispanis (Espantildea um nome dado agrave Peniacutensula Ibeacuterica em tempos

antigos quando era parte do impeacuterio romano) e eacute um termo utilizado pelo governo dosEUA para facilitar lidar conosco nos documentos12 O tratado de Guadalupe Hidalgo criou o mexicano-americano em 1848

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 3: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 307

ndashIrena Klep1047297sz2

Mesmo nossa proacutepria gente outros falantes do espanhol nos quieren po-

ner candados en la boca Eles nos conteriam com seu montatildeo de regras deacademia

Oyeacute como ladra el lenguaje de la frontera

Quien tiene boca se equivoca

ndash Ditado mexicano

ldquoPochoii traidor cultural ao falar inglecircs vocecirc estaacute falando a liacutengua doopressor vocecirc estaacute arruinando a liacutengua espanholardquo eu tenho sido acusada porvaacuterios latinos e latinas O espanhol chicano eacute considerado de1047297ciente pelospuristas e pela maioria dos latinos uma mutilaccedilatildeo do espanhol

Mas o espanhol chicano eacute uma liacutengua fronteiriccedila que se desenvolveunaturalmente Mudanccedila evolucioacuten enriquecimiento de palabras nuevas por in-

vencioacuten o adopcioacuten tem criado variantes do espanhol chicano uma nova lin-

guagem Un lenguaje que corresponde a un modo de vivir O espanhol chicanonatildeo eacute incorreto eacute uma liacutengua viva

Para um povo que natildeo eacute espanhol nem vive em um paiacutes no qual o es-panhol eacute a primeira liacutengua para um povo que vive num paiacutes no qual o inglecircseacute a liacutengua predominante mas que natildeo eacute anglo para um povo que natildeo podese identi1047297car inteiramente nem com o espanhol padratildeo (formal castelhano)nem com o inglecircs padratildeo que recurso lhe resta senatildeo criar sua proacutepria liacutenguaUma liacutengua com a qual eles possam conectar sua identidade capaz de comu-nicar as realidades e valores verdadeiros para eles mesmos ndash uma liacutengua comtermos que natildeo satildeo nem espantildeol ni ingleacutes mas ambos Noacutes falamos um patoaacuteuma liacutengua bifurcada uma variaccedilatildeo de duas liacutenguas

O espanhol chicano surgiu da necessidade de os chicanos se identi1047297ca-rem como um povo distinto Noacutes precisaacutevamos de uma liacutengua com a qual

2 KLEPFISZ Irema Di rayze aheym Te Journey Home In KAYEKANTROWITZ Me-lanie KLEPFISZ Irena (Ed) Te Tribe of Dina a Jewish womenrsquos anthology MontpelierVT Sinister Wisdom 29301986 p 49

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 414

308Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

pudeacutessemos nos comunicar uns com os outros uma liacutengua secreta Para al-guns de noacutes a liacutengua eacute uma terra natal mais proacutexima do que o sudoeste ndash poismuitos chicanos vivem hoje no meio-oeste e no leste E porque somos um

povo complexo heterogecircneo noacutes falamos muitas liacutenguas Algumas das liacuten-guas que falamos satildeo

1 Inglecircs padratildeo2 Inglecircs de trabalhadores com giacuterias3 Espanhol padratildeo4 Espanhol mexicano padratildeo

5 Dialeto espanhol norte-mexicano6 Espanhol chicano (Texas Novo Meacutexico Arizona e Califoacuternia tecircmvariaccedilotildees regionais)

7 Tex-Mex iii

8 Pachuco (chamado caloacute )

Minhas liacutenguas ldquocaseirasrdquo satildeo as liacutenguas que eu falo com minha irmatilde emeus irmatildeos com meus amigos e amigas Elas satildeo as cinco uacuteltimas listadas

com 6 e 7 sendo as mais proacuteximas do meu coraccedilatildeo Da escola da miacutedia oudas situaccedilotildees de emprego eu peguei o inglecircs padratildeo e de trabalhadores comgiacuterias Da Mamagrande Locha e de ler as literaturas espanhola e mexicana eupeguei o espanhol padratildeo e o espanhol mexicano padratildeo Com os receacutem-che-gados imigrantes mexicanos e braceros iv eu aprendi o dialeto espanhol norte-mexicano Com mexicanos eu tento falar tanto o espanhol mexicano padratildeoquanto o dialeto norte-mexicano Dos meus pais e dos chicanos que moramno Valley eu peguei o espanhol chicano texano que eu falo com minha matildeemeu irmatildeo mais novo (que casou com uma pessoa mexicana e que raramentemistura espanhol com inglecircs) tias e parentes mais velhos

Com chicanas do Novo Meacutexico ou Arizona eu teimo em falar um poucode espanhol chicano mas frequentemente elas natildeo entendem o que eu estoufalando Com a maior parte das chicanas da Califoacuternia eu falo inteiramenteem inglecircs (a natildeo ser que eu esqueccedila) Quando me mudei pela primeira vezpara Satildeo Francisco eu disparava a falar alguma coisa em espanhol deixando-

as embaraccediladas sem querer Com frequecircncia eacute apenas com outra chicana teja-na que eu posso falar livremente

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 514

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 309

Palavras distorcidas do inglecircs satildeo conhecidas como anglicismos ou po-

chismos O pocho eacute um mexicano anglicizado ou um americano de origem me-xicana que fala espanhol com um sotaque caracteriacutestico dos norte-americanos

e que distorce e reconstroacutei a liacutengua de acordo com a in1047298uecircncia do inglecircs3Tex-Mex ou Spanglish eacute mais natural para mim Eu posso mudar do inglecircspara o espanhol na mesma sentenccedila ou na mesma palavra Com minha irmatildee meu irmatildeo Nune e com contemporacircneos chicanos tejanos eu falo Tex-Mex

Das crianccedilas e das pessoas da minha idade eu peguei o pachuco Pachuco (a liacutengua dos zoot suiters v ) eacute uma liacutengua de rebeliatildeo ao mesmo tempo contrao espanhol padratildeo e contra o inglecircs padratildeo Eacute uma liacutengua secreta Adultos

da cultura e estranhos natildeo podem entendecirc-la Eacute uma mistura de giacuterias tantodo inglecircs quanto do espanhol Ruca signi1047297ca garota ou mulher vato signi1047297carapaz ou cara chale signi1047297ca natildeo simoacuten signi1047297ca sim churo eacute certeza falar eacute periquiar pigionear signi1047297ca sarrarvi que gacho signi1047297ca que nerdy ponte aacutegui-

la signi1047297ca cuidado morte eacute chamada la pelona Por falta de praacutetica e por natildeoter outros com quem falar eu perdi a maior parte da minha liacutengua pachuco

Espanhol chicano

Depois de 250 anos de colonizaccedilatildeo espanhola e inglesa chicanos desen-volveram diferenccedilas signi1047297cativas no espanhol que a gente fala Noacutes derruba-mos duas vogais adjacentes numa uacutenica siacutelaba e agraves vezes mudamos a tocircnicaem certas palavras como maiacutezmaiz cohetecuete Omitimos certas consoantesquando elas aparecem entre vogais ladolao mojadomojao Chicanos do suldo Texas pronunciam f como j como em jue ( fue ) Chicanos usam ldquoarcaiacutes-mosrdquo palavras que natildeo existem mais na liacutengua espanhola palavras que forammudadas A gente diz semos truje haiga ansina e naiden Noacutes conservamoso j ldquoarcaicordquo como em jalar que deriva de um h mais antigo (o francecircs halar ou o germacircnico halon que desapareceu no espanhol padratildeo no seacuteculo XVI)mas que ainda eacute encontrado em vaacuterios dialetos regionais tal como aquele fa-lado no sul do Texas (Devido agrave geogra 1047297a chicanos do Valley do sul do Texasforam afastados linguisticamente de outros falantes de espanhol Tendemos ausar palavras que os espanhoacuteis trouxeram da Espanha medieval A maioria dos

3 ORTEGA R C Dialectologiacutea del barrio Trad Hortencia S Alwan Los Angeles CA R COrtega Publicher amp Bookseller 1977 p 132

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 614

310Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

colonizadores espanhoacuteis no Meacutexico e no sudoeste veio de Extremadura ndash Her-naacuten Corteacutes foi um deles ndash e Andaluzia Os andaluzes pronunciam ll como um y e o d deles tende a ser absorvido por vogais adjacentes tirado torna-se tirao

Eles trouxeram el lenguaje popular os dialetos e os regionalismos4

Chicanos e outros falantes de espanhol tambeacutem trocam ll por y e z pors 5 Noacutes omitimos siacutelabas iniciais dizendo tar para estar toy para estoy hora para ahora (os cubanos e porto-riquenhos tambeacutem omitem letras iniciais dealgumas palavras) Tambeacutem omitimos as siacutelabas 1047297nais tal como pa em para O y intervocaacutelico o ll como em tortilla ella botella eacute substituiacutedo por tortia ou tortiya ea botea Noacutes acrescentamos uma siacutelaba adicional no comeccedilo de

certas palavras atocar para tocar agastar para gastar Algumas vezes vamosdizer lavaste las vacijas outras vezes lavates (substituindo a terminaccedilatildeo verbalates por aste )

Noacutes usamos anglicismos palavras emprestadas do inglecircs bola de ball carpeta de carpet maacutechina de lavar (em vez de lavadora ) de washing machine

A giacuteria do Tex-Mex criada pelo acreacutescimo de um som do espanhol no iniacutecioou no 1047297m de uma palavra em inglecircs como cookiar para cook watchar parawatch parkiar para park e rapiar para rape eacute o resultado das pressotildees sobre os

falantes de espanhol para se adaptarem ao inglecircsNatildeo usamos a palavra vosotrosas ou as formas verbais que a acompa-

nham Natildeo dizemos claro (para signi1047297car yes ) imagiacutenate ou me emociona anatildeo ser quando pegamos o espanhol das latinas de um livro ou numa sala deaula Outros grupos de falantes de espanhol estatildeo passando por um desenvol-vimento igual ou similar em seu espanhol

Terrorismo linguiacutestico

Deslenguadas Somos los del espantildeol de 1047297 ciente Somos seu pesadelo linguiacutestico suaaberraccedilatildeo linguiacutestica sua mestizaje linguiacutestica o sujeito da sua burla Porque fa-lamos com liacutenguas de fogo noacutes somos culturalmente cruci1047297cados Racialmenteculturalmente e linguisticamente somos hueacuterfanos ndash noacutes falamos uma liacutengua oacuterfatilde

4 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS Eduardo COHEN Andrew D BELTRAMO Anthony F El

lenguaje de los Chicanos regional and social characteristics of language used by Mexican Americans Arlington VA Center for Applied Linguistics 1975 p 395 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS p xvii

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 714

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 311

Chicanas que cresceram falando o espanhol chicano internalizaram a crenccedilade que noacutes falamos um espanhol pobre Ilegiacutetimo uma liacutengua bastarda Noacutes usa-mos nossas diferenccedilas linguiacutesticas umas contra as outras porque internalizamos

o modo como nossa liacutengua tem sido usada contra noacutes pela cultura dominanteFeministas chicanas frequentemente esquivam-se umas das outras com sus-

peita e hesitaccedilatildeo Durante muito tempo eu natildeo pude entender isso Entatildeo me deiconta Estar proacutexima de uma outra chicana eacute como olhar no espelho Noacutes temosmedo do que vamos ver laacute Pena Vergonha Baixa auto-estima Na infacircncia nosdisseram que nossa liacutengua estaacute errada Ataques repetidos agrave nossa liacutengua nativa di-minuem nosso sentido de self Os ataques continuam ao longo das nossas vidas

Chicanas sentem-se desconfortaacuteveis falando espanhol com latinas te-mendo sua censura A liacutengua das latinas natildeo eacute proscrita nos paiacuteses delas Elasestiveram imersas durante toda uma vida na sua liacutengua nativa geraccedilotildees seacutecu-los nos quais o espanhol era a primeira liacutengua ensinada na escola escutada noraacutedio e na TV e lida nos jornais

Se uma pessoa chicana ou latina tem baixa estima por minha liacutengua nati-va ela tambeacutem tem uma baixa estima por mim Frequentemente com mexica-nas e latinas noacutes vamos falar inglecircs como uma liacutengua neutra Mesmo entre chi-

canas tendemos a falar inglecircs em festas e conferecircncias No entanto ao mesmotempo temos medo de que a outra vaacute pensar que noacutes estamos agringadas porquenatildeo falamos o espanhol chicano Oprimimos umas agraves outras testando o chicanoumas das outras disputando quem eacute a ldquoverdadeirardquo chicana quem fala comochicano Natildeo haacute uma liacutengua chicana assim como natildeo haacute uma experiecircncia chi-cana Uma chicana monoliacutengue cuja primeira liacutengua eacute o inglecircs ou o espanhol eacutetatildeo chicana quanto aquela que fala diversas variantes do espanhol Uma chicanado Michigan ou Chicago ou Detroit eacute tatildeo chicana quanto uma chicana do sudo-este O espanhol chicano eacute tatildeo diverso linguisticamente quanto regionalmente

Proacuteximo do 1047297m do seacuteculo falantes do espanhol vatildeo abranger o maior grupominoritaacuterio nos EUA um paiacutes onde estudantes no ensino meacutedio e faculdades satildeoencorajados a assistis aulas de francecircs porque o francecircs eacute considerado mais ldquocultordquoMas para uma liacutengua se manter viva precisa ser usada 6 Perto do 1047297m deste seacuteculoo inglecircs e natildeo o espanhol seraacute a liacutengua materna da maioria dos chicanos e latinos

6

KLEPFISZ Irena Secular Jewish Identity Yidishkayt in America In KAYEKANTRO- WITZ Melanie KLEPFISZ Irena (Ed) Te Tribe of Dina a Jewish womenrsquos anthologyMontpelier VT Sinister Wisdom 29301986 p 43

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 814

312Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

Assim se vocecirc quer mesmo me ferir fale mal da minha liacutengua A identi-dade eacutetnica e a identidade linguiacutestica satildeo unha e carne ndash eu sou minha liacutenguaEu natildeo posso ter orgulho de mim mesma ateacute que possa ter orgulho da minha

liacutengua Ateacute que eu possa aceitar como legiacutetimas o espanhol chicano texanoo Tex-Mex e todas as outras liacutenguas que falo eu natildeo posso aceitar a minhaproacutepria legitimidade Ateacute que eu esteja livre para escrever de maneira biliacutenguee permutar idiomas sem ter sempre que traduzir enquanto eu ainda tiver quefalar inglecircs ou espanhol quando preferiria falar Spanglish e enquanto eu tiverque me acomodar aos falantes de inglecircs ao inveacutes de eles se acomodarem amim minha liacutengua seraacute ilegiacutetima

Eu natildeo vou mais sentir vergonha de existir Eu vou ter minha voz indiacutegenaespanhola branca Eu vou ter minha liacutengua de serpente ndash minha voz de mulherminha voz sexual minha voz de poeta Eu vou superar a tradiccedilatildeo de silecircncio

Meus dedosSe movem furtivos contra sua palma Como mulheres em toda parte eu falo em coacutedigo ndash Melanie KayeKantrowitz7

ldquoVistasrdquo corridos y comida minha liacutengua nativa

Nos anos 1960 eu li meu primeiro romance chicano Era City of Night de John Rechy um gay texano 1047297lho de pai escocecircs e matildee mexicana Por diaseu 1047297quei chocada que um chicano pudesse ter escrito e sido publicado Quan-do eu li I Am Joaquiacuten8 eu 1047297quei surpresa por ver impresso um livro biliacutenguede um chicano Quando vi poesia escrita em Tex-Mex pela primeira vez umsentimento de pura alegria revelou-se em mim Eu senti como se a gente re-almente existisse como um povo Em 1971 quando comecei a ensinar inglecircspara estudantes chicanos no ensino meacutedio eu tentava complementar os textosexigidos com trabalhos de chicanos mas fui repreendida e proibida de fazerisso pelo diretor Ele alegava que se esperava que eu ensinasse literatura inglesa

7 KAYE KANTROWITZ Melanie Sign In We speak in code poems and others writings

Pittsburgh PA Motherroot Publications Inc 1980 p 858 GONZALES Rodolfo I am Joaquiacuten Yo soy Joaquiacuten New York NY Bantam Books 1972Foi publicado pela primeira vez em 1967

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 914

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 313

e ldquoamericanardquo Com o risco de ser demitida 1047297z meus alunos jurarem segredo eentrei de mansinho em contos chicanos poemas uma peccedila Na universidadeenquanto trabalhava no meu doutorado tive que ldquodiscutirrdquo com um orien-

tador depois do outro semestre apoacutes semestre antes que me fosse permitidotornar a literatura chicana uma aacuterea de foco

Mesmo antes de ler livros de chicanos ou mexicanos foram os 1047297lmesmexicanos que eu via no drive-in ndash na noite de terccedila especial a um doacutelar porcarro ndash que me deram um sentido de pertencimento ldquoVaacutemonos a las vistas rdquominha matildee chamava e todas(os) noacutes ndash avoacute irmatildeos irmatildes e primos ndash nos es-premiacuteamos dentro do carro Noacutes devoraacutevamos sanduiacuteches de patildeo branco com

queijo e mortadela enquanto assistiacuteamos Pedro Infante em romances melo-dramaacuteticos como Nosostros los pobres o primeiro 1047297lme ldquorealmenterdquo mexicano(que natildeo era uma imitaccedilatildeo de 1047297lmes europeus) Eu me lembro de ver Cuando

los hijos se van e supor que todos os 1047297lmes mexicanos enfatizavam o amor queuma matildee tem por seus 1047297lhos e o que os 1047297lhos e 1047297lhas ingratos sofrem quandonatildeo satildeo dedicados agraves suas matildees Eu me lembro dos ldquofaroestesrdquo musicais de Jorge Negrete e Miguel Aceves Mejiacutea Quando assistia a 1047297lmes mexicanos eutinha uma sensaccedilatildeo de regresso ao lar assim como de alienaccedilatildeo Pessoas que

valiam alguma coisa natildeo iam a 1047297lmes mexicanos ou bailes nem sintonizavamseus raacutedios em muacutesicas de bolero rancherita e corrido

Todo o tempo em que eu estava crescendo havia muacutesica nortentildea cha-mada algumas vezes de muacutesica da fronteira do norte do Meacutexico ou muacutesicaTex-Mex ou muacutesica chicana ou muacutesica de cantina (bar) Eu cresci ouvindoconjuntos bandas de trecircs ou quatro instrumentos formadas por muacutesicos popu-lares tocando guitarra bajo sexto bateria e acordeatildeo que os chicanos tomaramemprestado dos imigrantes alematildees que tinham vindo para o centro do Texase para o Meacutexico plantar e construir cervejarias No Rio Grande Valley Steve Jordan e Little Joe Hernaacutendez eram populares e Flaco Jimeacutenez era o rei doacordeatildeo Os ritmos da muacutesica Tex-Mex eram os da polca tambeacutem adaptadosdos alematildees que por sua vez o tomaram emprestado dos tchecos e boecircmios

Eu me lembro das tardes quentes e uacutemidas quando corridos ndash canccedilotildees deamor e morte sobre as fronteiras texanas-mexicanas ndash reverberavam dos ampli1047297ca-dores baratos das cantinas locais e entravam 1047298utuando pela janela do meu quarto

Os corridos se tornaram pela primeira vez amplamente usados ao longo dafronteira do sul do TexasMeacutexico durante o mais antigo con1047298ito entre chicanos e

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1014

314Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

anglos Os corridos satildeo normalmente sobre heroacuteis mexicanos que realizaram accedilotildeesde valentia contra os opressores anglos A canccedilatildeo de Pancho Villa ldquoLa cucarachardquo eacute a mais famosa Os corridos de John F Kennedy e sua morte satildeo ainda muito

populares no Valley Os chicanos mais velhos lembram-se de Lydia Mendonzauma das maiores cantoras de corrido da fronteira que foi chamada de la Gloria

de Tejas Sua canccedilatildeo ldquoEl tango negrordquo cantada durante a Grande Depressatildeo fezdela uma cantora do povo Os corridos mais comuns narravam os cem anos dehistoacuteria da fronteira tanto trazendo notiacutecias de eventos como entretendo Essesmuacutesicos populares e canccedilotildees populares satildeo nossos principais criadores de mitosculturais e eles 1047297zeram nossas vidas difiacuteceis parecerem suportaacuteveis

Eu cresci com um sentimento ambivalente em relaccedilatildeo agrave nossa muacutesica Ocountry do oeste e o rock-and-roll tinham mais status Nos anos 50 e 60 paraos chicanos minimamente escolarizados e agringados havia uma sensaccedilatildeo devergonha de ser pego ouvindo nossa muacutesica Contudo eu natildeo podia impedirmeu peacute de bater ao som da muacutesica natildeo podia parar de cantarolar as palavrasnem esconder de mim mesma a euforia sentida quando eu a ouvia

Existem maneiras mais sutis de internalizarmos identi1047297caccedilatildeo especial-mente nas formas de imagens e emoccedilotildees Para mim a comida e certos cheiros

estatildeo ligados agrave minha identidade agrave minha terra natal Fumaccedila de lenha subin-do em espiral num imenso ceacuteu azul fumaccedila de lenha perfumando as roupasda minha matildee a pele dela O fedor do estrume de vaca e as manchas amarelasno chatildeo o estampido de uma espingarda 22 e o cheiro forte de cordite Queijobranco caseiro crepitando numa panela derretendo dentro de uma tortilhafechada O menudovii quente e picante da minha irmatilde Hilda o chile colorado tornando-o mais intensamente vermelho pedaccedilos de panza e canjica 1047298utuan-do por cima Meu irmatildeo Carito assando fajitas viii no quintal Mesmo agora ea 3000 milhas de laacute eu posso ver minha matildee temperando o bife a carne deporco e a carne de veado com chile Minha boca saliva com a lembranccedila dostamales ix quentes e fumegantes que eu estaria comendo se estivesse em casa

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo

ldquoIdentidade eacute o centro essencial de quem

somos como indiviacuteduos a experiecircnciaconsciente do self internordquo

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1114

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 315

ndash Kaufman9

Nosostros los chicanos temos um peacute em cada lado das fronteiras De um

lado somos constantemente expostos ao espanhol dos mexicanos do outrolado escutamos a reclamaccedilatildeo incessante dos anglos para que esqueccedilamos nossaliacutengua Entre noacutes natildeo dizemos nosotros los americanos ou nosotros los espantildeoles ou nosotros los hispanicos Dizemos nosostros los mexicanos (por mexicanos natildeoqueremos dizer ldquocidadatildeos do Meacutexicordquo natildeo estamos falando de uma identidadenacional mas sim racial) Noacutes distinguimos entre mexicanos del otro lado emexicanos de este lado No fundo dos nossos coraccedilotildees a gente acredita que ser

mexicano natildeo tem nada a ver com o paiacutes em que a gente vive Ser mexicano eacuteum estado da alma ndash natildeo da mente nem da cidadania Nem aacuteguia nem serpen-te mas as duas E como o oceano nenhum animal respeita fronteiras

Dime con quien andas y te direacute quien eres (Diz-me com quem andas e te direi quem eacutes) ndash Ditado mexicano

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo te diraacute ldquoSoy mexicanardquo Meusirmatildeos e minha irmatilde dizem o mesmo Eu algumas vezes responderei ldquosoy mexi-

canardquo e outras vezes direi ldquosoy chicana rdquo ou ldquosoy tejanardquo Mas eu me identi1047297queicomo ldquorazardquo antes de ter me identi1047297cado como ldquomexicanardquo ou ldquochicanardquo

Como uma cultura nos chamamos espanhoacuteis quando nos referimos a noacutesmesmos como um grupo linguiacutestico e quando nos intimidamos Eacute entatildeo queesquecemos nossos genes indiacutegenas predominantes Noacutes somos 70 ou 80indiacutegenas10 Noacutes nos chamamos hispacircnicos11 ou hispano-americanos ou latino-americanos ou latinos quando nos ligamos a outros povos falantes do espanhol dohemisfeacuterio ocidental e quando nos intimidamos Nos chamamos mexicano-ame-ricanos12 para dizer que natildeo somos nem mexicanos nem americanos mas mais o

9 KAUFMAN Gershen Shame the power of caring Cambridge MA Schenkman BooksInc 1980 p 68

10 CHAVEacuteZ p 88-9011 ldquoHispacircnicordquo eacute derivado de Hispanis (Espantildea um nome dado agrave Peniacutensula Ibeacuterica em tempos

antigos quando era parte do impeacuterio romano) e eacute um termo utilizado pelo governo dosEUA para facilitar lidar conosco nos documentos12 O tratado de Guadalupe Hidalgo criou o mexicano-americano em 1848

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 4: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 414

308Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

pudeacutessemos nos comunicar uns com os outros uma liacutengua secreta Para al-guns de noacutes a liacutengua eacute uma terra natal mais proacutexima do que o sudoeste ndash poismuitos chicanos vivem hoje no meio-oeste e no leste E porque somos um

povo complexo heterogecircneo noacutes falamos muitas liacutenguas Algumas das liacuten-guas que falamos satildeo

1 Inglecircs padratildeo2 Inglecircs de trabalhadores com giacuterias3 Espanhol padratildeo4 Espanhol mexicano padratildeo

5 Dialeto espanhol norte-mexicano6 Espanhol chicano (Texas Novo Meacutexico Arizona e Califoacuternia tecircmvariaccedilotildees regionais)

7 Tex-Mex iii

8 Pachuco (chamado caloacute )

Minhas liacutenguas ldquocaseirasrdquo satildeo as liacutenguas que eu falo com minha irmatilde emeus irmatildeos com meus amigos e amigas Elas satildeo as cinco uacuteltimas listadas

com 6 e 7 sendo as mais proacuteximas do meu coraccedilatildeo Da escola da miacutedia oudas situaccedilotildees de emprego eu peguei o inglecircs padratildeo e de trabalhadores comgiacuterias Da Mamagrande Locha e de ler as literaturas espanhola e mexicana eupeguei o espanhol padratildeo e o espanhol mexicano padratildeo Com os receacutem-che-gados imigrantes mexicanos e braceros iv eu aprendi o dialeto espanhol norte-mexicano Com mexicanos eu tento falar tanto o espanhol mexicano padratildeoquanto o dialeto norte-mexicano Dos meus pais e dos chicanos que moramno Valley eu peguei o espanhol chicano texano que eu falo com minha matildeemeu irmatildeo mais novo (que casou com uma pessoa mexicana e que raramentemistura espanhol com inglecircs) tias e parentes mais velhos

Com chicanas do Novo Meacutexico ou Arizona eu teimo em falar um poucode espanhol chicano mas frequentemente elas natildeo entendem o que eu estoufalando Com a maior parte das chicanas da Califoacuternia eu falo inteiramenteem inglecircs (a natildeo ser que eu esqueccedila) Quando me mudei pela primeira vezpara Satildeo Francisco eu disparava a falar alguma coisa em espanhol deixando-

as embaraccediladas sem querer Com frequecircncia eacute apenas com outra chicana teja-na que eu posso falar livremente

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 514

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 309

Palavras distorcidas do inglecircs satildeo conhecidas como anglicismos ou po-

chismos O pocho eacute um mexicano anglicizado ou um americano de origem me-xicana que fala espanhol com um sotaque caracteriacutestico dos norte-americanos

e que distorce e reconstroacutei a liacutengua de acordo com a in1047298uecircncia do inglecircs3Tex-Mex ou Spanglish eacute mais natural para mim Eu posso mudar do inglecircspara o espanhol na mesma sentenccedila ou na mesma palavra Com minha irmatildee meu irmatildeo Nune e com contemporacircneos chicanos tejanos eu falo Tex-Mex

Das crianccedilas e das pessoas da minha idade eu peguei o pachuco Pachuco (a liacutengua dos zoot suiters v ) eacute uma liacutengua de rebeliatildeo ao mesmo tempo contrao espanhol padratildeo e contra o inglecircs padratildeo Eacute uma liacutengua secreta Adultos

da cultura e estranhos natildeo podem entendecirc-la Eacute uma mistura de giacuterias tantodo inglecircs quanto do espanhol Ruca signi1047297ca garota ou mulher vato signi1047297carapaz ou cara chale signi1047297ca natildeo simoacuten signi1047297ca sim churo eacute certeza falar eacute periquiar pigionear signi1047297ca sarrarvi que gacho signi1047297ca que nerdy ponte aacutegui-

la signi1047297ca cuidado morte eacute chamada la pelona Por falta de praacutetica e por natildeoter outros com quem falar eu perdi a maior parte da minha liacutengua pachuco

Espanhol chicano

Depois de 250 anos de colonizaccedilatildeo espanhola e inglesa chicanos desen-volveram diferenccedilas signi1047297cativas no espanhol que a gente fala Noacutes derruba-mos duas vogais adjacentes numa uacutenica siacutelaba e agraves vezes mudamos a tocircnicaem certas palavras como maiacutezmaiz cohetecuete Omitimos certas consoantesquando elas aparecem entre vogais ladolao mojadomojao Chicanos do suldo Texas pronunciam f como j como em jue ( fue ) Chicanos usam ldquoarcaiacutes-mosrdquo palavras que natildeo existem mais na liacutengua espanhola palavras que forammudadas A gente diz semos truje haiga ansina e naiden Noacutes conservamoso j ldquoarcaicordquo como em jalar que deriva de um h mais antigo (o francecircs halar ou o germacircnico halon que desapareceu no espanhol padratildeo no seacuteculo XVI)mas que ainda eacute encontrado em vaacuterios dialetos regionais tal como aquele fa-lado no sul do Texas (Devido agrave geogra 1047297a chicanos do Valley do sul do Texasforam afastados linguisticamente de outros falantes de espanhol Tendemos ausar palavras que os espanhoacuteis trouxeram da Espanha medieval A maioria dos

3 ORTEGA R C Dialectologiacutea del barrio Trad Hortencia S Alwan Los Angeles CA R COrtega Publicher amp Bookseller 1977 p 132

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 614

310Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

colonizadores espanhoacuteis no Meacutexico e no sudoeste veio de Extremadura ndash Her-naacuten Corteacutes foi um deles ndash e Andaluzia Os andaluzes pronunciam ll como um y e o d deles tende a ser absorvido por vogais adjacentes tirado torna-se tirao

Eles trouxeram el lenguaje popular os dialetos e os regionalismos4

Chicanos e outros falantes de espanhol tambeacutem trocam ll por y e z pors 5 Noacutes omitimos siacutelabas iniciais dizendo tar para estar toy para estoy hora para ahora (os cubanos e porto-riquenhos tambeacutem omitem letras iniciais dealgumas palavras) Tambeacutem omitimos as siacutelabas 1047297nais tal como pa em para O y intervocaacutelico o ll como em tortilla ella botella eacute substituiacutedo por tortia ou tortiya ea botea Noacutes acrescentamos uma siacutelaba adicional no comeccedilo de

certas palavras atocar para tocar agastar para gastar Algumas vezes vamosdizer lavaste las vacijas outras vezes lavates (substituindo a terminaccedilatildeo verbalates por aste )

Noacutes usamos anglicismos palavras emprestadas do inglecircs bola de ball carpeta de carpet maacutechina de lavar (em vez de lavadora ) de washing machine

A giacuteria do Tex-Mex criada pelo acreacutescimo de um som do espanhol no iniacutecioou no 1047297m de uma palavra em inglecircs como cookiar para cook watchar parawatch parkiar para park e rapiar para rape eacute o resultado das pressotildees sobre os

falantes de espanhol para se adaptarem ao inglecircsNatildeo usamos a palavra vosotrosas ou as formas verbais que a acompa-

nham Natildeo dizemos claro (para signi1047297car yes ) imagiacutenate ou me emociona anatildeo ser quando pegamos o espanhol das latinas de um livro ou numa sala deaula Outros grupos de falantes de espanhol estatildeo passando por um desenvol-vimento igual ou similar em seu espanhol

Terrorismo linguiacutestico

Deslenguadas Somos los del espantildeol de 1047297 ciente Somos seu pesadelo linguiacutestico suaaberraccedilatildeo linguiacutestica sua mestizaje linguiacutestica o sujeito da sua burla Porque fa-lamos com liacutenguas de fogo noacutes somos culturalmente cruci1047297cados Racialmenteculturalmente e linguisticamente somos hueacuterfanos ndash noacutes falamos uma liacutengua oacuterfatilde

4 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS Eduardo COHEN Andrew D BELTRAMO Anthony F El

lenguaje de los Chicanos regional and social characteristics of language used by Mexican Americans Arlington VA Center for Applied Linguistics 1975 p 395 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS p xvii

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 714

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 311

Chicanas que cresceram falando o espanhol chicano internalizaram a crenccedilade que noacutes falamos um espanhol pobre Ilegiacutetimo uma liacutengua bastarda Noacutes usa-mos nossas diferenccedilas linguiacutesticas umas contra as outras porque internalizamos

o modo como nossa liacutengua tem sido usada contra noacutes pela cultura dominanteFeministas chicanas frequentemente esquivam-se umas das outras com sus-

peita e hesitaccedilatildeo Durante muito tempo eu natildeo pude entender isso Entatildeo me deiconta Estar proacutexima de uma outra chicana eacute como olhar no espelho Noacutes temosmedo do que vamos ver laacute Pena Vergonha Baixa auto-estima Na infacircncia nosdisseram que nossa liacutengua estaacute errada Ataques repetidos agrave nossa liacutengua nativa di-minuem nosso sentido de self Os ataques continuam ao longo das nossas vidas

Chicanas sentem-se desconfortaacuteveis falando espanhol com latinas te-mendo sua censura A liacutengua das latinas natildeo eacute proscrita nos paiacuteses delas Elasestiveram imersas durante toda uma vida na sua liacutengua nativa geraccedilotildees seacutecu-los nos quais o espanhol era a primeira liacutengua ensinada na escola escutada noraacutedio e na TV e lida nos jornais

Se uma pessoa chicana ou latina tem baixa estima por minha liacutengua nati-va ela tambeacutem tem uma baixa estima por mim Frequentemente com mexica-nas e latinas noacutes vamos falar inglecircs como uma liacutengua neutra Mesmo entre chi-

canas tendemos a falar inglecircs em festas e conferecircncias No entanto ao mesmotempo temos medo de que a outra vaacute pensar que noacutes estamos agringadas porquenatildeo falamos o espanhol chicano Oprimimos umas agraves outras testando o chicanoumas das outras disputando quem eacute a ldquoverdadeirardquo chicana quem fala comochicano Natildeo haacute uma liacutengua chicana assim como natildeo haacute uma experiecircncia chi-cana Uma chicana monoliacutengue cuja primeira liacutengua eacute o inglecircs ou o espanhol eacutetatildeo chicana quanto aquela que fala diversas variantes do espanhol Uma chicanado Michigan ou Chicago ou Detroit eacute tatildeo chicana quanto uma chicana do sudo-este O espanhol chicano eacute tatildeo diverso linguisticamente quanto regionalmente

Proacuteximo do 1047297m do seacuteculo falantes do espanhol vatildeo abranger o maior grupominoritaacuterio nos EUA um paiacutes onde estudantes no ensino meacutedio e faculdades satildeoencorajados a assistis aulas de francecircs porque o francecircs eacute considerado mais ldquocultordquoMas para uma liacutengua se manter viva precisa ser usada 6 Perto do 1047297m deste seacuteculoo inglecircs e natildeo o espanhol seraacute a liacutengua materna da maioria dos chicanos e latinos

6

KLEPFISZ Irena Secular Jewish Identity Yidishkayt in America In KAYEKANTRO- WITZ Melanie KLEPFISZ Irena (Ed) Te Tribe of Dina a Jewish womenrsquos anthologyMontpelier VT Sinister Wisdom 29301986 p 43

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 814

312Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

Assim se vocecirc quer mesmo me ferir fale mal da minha liacutengua A identi-dade eacutetnica e a identidade linguiacutestica satildeo unha e carne ndash eu sou minha liacutenguaEu natildeo posso ter orgulho de mim mesma ateacute que possa ter orgulho da minha

liacutengua Ateacute que eu possa aceitar como legiacutetimas o espanhol chicano texanoo Tex-Mex e todas as outras liacutenguas que falo eu natildeo posso aceitar a minhaproacutepria legitimidade Ateacute que eu esteja livre para escrever de maneira biliacutenguee permutar idiomas sem ter sempre que traduzir enquanto eu ainda tiver quefalar inglecircs ou espanhol quando preferiria falar Spanglish e enquanto eu tiverque me acomodar aos falantes de inglecircs ao inveacutes de eles se acomodarem amim minha liacutengua seraacute ilegiacutetima

Eu natildeo vou mais sentir vergonha de existir Eu vou ter minha voz indiacutegenaespanhola branca Eu vou ter minha liacutengua de serpente ndash minha voz de mulherminha voz sexual minha voz de poeta Eu vou superar a tradiccedilatildeo de silecircncio

Meus dedosSe movem furtivos contra sua palma Como mulheres em toda parte eu falo em coacutedigo ndash Melanie KayeKantrowitz7

ldquoVistasrdquo corridos y comida minha liacutengua nativa

Nos anos 1960 eu li meu primeiro romance chicano Era City of Night de John Rechy um gay texano 1047297lho de pai escocecircs e matildee mexicana Por diaseu 1047297quei chocada que um chicano pudesse ter escrito e sido publicado Quan-do eu li I Am Joaquiacuten8 eu 1047297quei surpresa por ver impresso um livro biliacutenguede um chicano Quando vi poesia escrita em Tex-Mex pela primeira vez umsentimento de pura alegria revelou-se em mim Eu senti como se a gente re-almente existisse como um povo Em 1971 quando comecei a ensinar inglecircspara estudantes chicanos no ensino meacutedio eu tentava complementar os textosexigidos com trabalhos de chicanos mas fui repreendida e proibida de fazerisso pelo diretor Ele alegava que se esperava que eu ensinasse literatura inglesa

7 KAYE KANTROWITZ Melanie Sign In We speak in code poems and others writings

Pittsburgh PA Motherroot Publications Inc 1980 p 858 GONZALES Rodolfo I am Joaquiacuten Yo soy Joaquiacuten New York NY Bantam Books 1972Foi publicado pela primeira vez em 1967

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 914

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 313

e ldquoamericanardquo Com o risco de ser demitida 1047297z meus alunos jurarem segredo eentrei de mansinho em contos chicanos poemas uma peccedila Na universidadeenquanto trabalhava no meu doutorado tive que ldquodiscutirrdquo com um orien-

tador depois do outro semestre apoacutes semestre antes que me fosse permitidotornar a literatura chicana uma aacuterea de foco

Mesmo antes de ler livros de chicanos ou mexicanos foram os 1047297lmesmexicanos que eu via no drive-in ndash na noite de terccedila especial a um doacutelar porcarro ndash que me deram um sentido de pertencimento ldquoVaacutemonos a las vistas rdquominha matildee chamava e todas(os) noacutes ndash avoacute irmatildeos irmatildes e primos ndash nos es-premiacuteamos dentro do carro Noacutes devoraacutevamos sanduiacuteches de patildeo branco com

queijo e mortadela enquanto assistiacuteamos Pedro Infante em romances melo-dramaacuteticos como Nosostros los pobres o primeiro 1047297lme ldquorealmenterdquo mexicano(que natildeo era uma imitaccedilatildeo de 1047297lmes europeus) Eu me lembro de ver Cuando

los hijos se van e supor que todos os 1047297lmes mexicanos enfatizavam o amor queuma matildee tem por seus 1047297lhos e o que os 1047297lhos e 1047297lhas ingratos sofrem quandonatildeo satildeo dedicados agraves suas matildees Eu me lembro dos ldquofaroestesrdquo musicais de Jorge Negrete e Miguel Aceves Mejiacutea Quando assistia a 1047297lmes mexicanos eutinha uma sensaccedilatildeo de regresso ao lar assim como de alienaccedilatildeo Pessoas que

valiam alguma coisa natildeo iam a 1047297lmes mexicanos ou bailes nem sintonizavamseus raacutedios em muacutesicas de bolero rancherita e corrido

Todo o tempo em que eu estava crescendo havia muacutesica nortentildea cha-mada algumas vezes de muacutesica da fronteira do norte do Meacutexico ou muacutesicaTex-Mex ou muacutesica chicana ou muacutesica de cantina (bar) Eu cresci ouvindoconjuntos bandas de trecircs ou quatro instrumentos formadas por muacutesicos popu-lares tocando guitarra bajo sexto bateria e acordeatildeo que os chicanos tomaramemprestado dos imigrantes alematildees que tinham vindo para o centro do Texase para o Meacutexico plantar e construir cervejarias No Rio Grande Valley Steve Jordan e Little Joe Hernaacutendez eram populares e Flaco Jimeacutenez era o rei doacordeatildeo Os ritmos da muacutesica Tex-Mex eram os da polca tambeacutem adaptadosdos alematildees que por sua vez o tomaram emprestado dos tchecos e boecircmios

Eu me lembro das tardes quentes e uacutemidas quando corridos ndash canccedilotildees deamor e morte sobre as fronteiras texanas-mexicanas ndash reverberavam dos ampli1047297ca-dores baratos das cantinas locais e entravam 1047298utuando pela janela do meu quarto

Os corridos se tornaram pela primeira vez amplamente usados ao longo dafronteira do sul do TexasMeacutexico durante o mais antigo con1047298ito entre chicanos e

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1014

314Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

anglos Os corridos satildeo normalmente sobre heroacuteis mexicanos que realizaram accedilotildeesde valentia contra os opressores anglos A canccedilatildeo de Pancho Villa ldquoLa cucarachardquo eacute a mais famosa Os corridos de John F Kennedy e sua morte satildeo ainda muito

populares no Valley Os chicanos mais velhos lembram-se de Lydia Mendonzauma das maiores cantoras de corrido da fronteira que foi chamada de la Gloria

de Tejas Sua canccedilatildeo ldquoEl tango negrordquo cantada durante a Grande Depressatildeo fezdela uma cantora do povo Os corridos mais comuns narravam os cem anos dehistoacuteria da fronteira tanto trazendo notiacutecias de eventos como entretendo Essesmuacutesicos populares e canccedilotildees populares satildeo nossos principais criadores de mitosculturais e eles 1047297zeram nossas vidas difiacuteceis parecerem suportaacuteveis

Eu cresci com um sentimento ambivalente em relaccedilatildeo agrave nossa muacutesica Ocountry do oeste e o rock-and-roll tinham mais status Nos anos 50 e 60 paraos chicanos minimamente escolarizados e agringados havia uma sensaccedilatildeo devergonha de ser pego ouvindo nossa muacutesica Contudo eu natildeo podia impedirmeu peacute de bater ao som da muacutesica natildeo podia parar de cantarolar as palavrasnem esconder de mim mesma a euforia sentida quando eu a ouvia

Existem maneiras mais sutis de internalizarmos identi1047297caccedilatildeo especial-mente nas formas de imagens e emoccedilotildees Para mim a comida e certos cheiros

estatildeo ligados agrave minha identidade agrave minha terra natal Fumaccedila de lenha subin-do em espiral num imenso ceacuteu azul fumaccedila de lenha perfumando as roupasda minha matildee a pele dela O fedor do estrume de vaca e as manchas amarelasno chatildeo o estampido de uma espingarda 22 e o cheiro forte de cordite Queijobranco caseiro crepitando numa panela derretendo dentro de uma tortilhafechada O menudovii quente e picante da minha irmatilde Hilda o chile colorado tornando-o mais intensamente vermelho pedaccedilos de panza e canjica 1047298utuan-do por cima Meu irmatildeo Carito assando fajitas viii no quintal Mesmo agora ea 3000 milhas de laacute eu posso ver minha matildee temperando o bife a carne deporco e a carne de veado com chile Minha boca saliva com a lembranccedila dostamales ix quentes e fumegantes que eu estaria comendo se estivesse em casa

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo

ldquoIdentidade eacute o centro essencial de quem

somos como indiviacuteduos a experiecircnciaconsciente do self internordquo

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1114

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 315

ndash Kaufman9

Nosostros los chicanos temos um peacute em cada lado das fronteiras De um

lado somos constantemente expostos ao espanhol dos mexicanos do outrolado escutamos a reclamaccedilatildeo incessante dos anglos para que esqueccedilamos nossaliacutengua Entre noacutes natildeo dizemos nosotros los americanos ou nosotros los espantildeoles ou nosotros los hispanicos Dizemos nosostros los mexicanos (por mexicanos natildeoqueremos dizer ldquocidadatildeos do Meacutexicordquo natildeo estamos falando de uma identidadenacional mas sim racial) Noacutes distinguimos entre mexicanos del otro lado emexicanos de este lado No fundo dos nossos coraccedilotildees a gente acredita que ser

mexicano natildeo tem nada a ver com o paiacutes em que a gente vive Ser mexicano eacuteum estado da alma ndash natildeo da mente nem da cidadania Nem aacuteguia nem serpen-te mas as duas E como o oceano nenhum animal respeita fronteiras

Dime con quien andas y te direacute quien eres (Diz-me com quem andas e te direi quem eacutes) ndash Ditado mexicano

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo te diraacute ldquoSoy mexicanardquo Meusirmatildeos e minha irmatilde dizem o mesmo Eu algumas vezes responderei ldquosoy mexi-

canardquo e outras vezes direi ldquosoy chicana rdquo ou ldquosoy tejanardquo Mas eu me identi1047297queicomo ldquorazardquo antes de ter me identi1047297cado como ldquomexicanardquo ou ldquochicanardquo

Como uma cultura nos chamamos espanhoacuteis quando nos referimos a noacutesmesmos como um grupo linguiacutestico e quando nos intimidamos Eacute entatildeo queesquecemos nossos genes indiacutegenas predominantes Noacutes somos 70 ou 80indiacutegenas10 Noacutes nos chamamos hispacircnicos11 ou hispano-americanos ou latino-americanos ou latinos quando nos ligamos a outros povos falantes do espanhol dohemisfeacuterio ocidental e quando nos intimidamos Nos chamamos mexicano-ame-ricanos12 para dizer que natildeo somos nem mexicanos nem americanos mas mais o

9 KAUFMAN Gershen Shame the power of caring Cambridge MA Schenkman BooksInc 1980 p 68

10 CHAVEacuteZ p 88-9011 ldquoHispacircnicordquo eacute derivado de Hispanis (Espantildea um nome dado agrave Peniacutensula Ibeacuterica em tempos

antigos quando era parte do impeacuterio romano) e eacute um termo utilizado pelo governo dosEUA para facilitar lidar conosco nos documentos12 O tratado de Guadalupe Hidalgo criou o mexicano-americano em 1848

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 5: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 514

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 309

Palavras distorcidas do inglecircs satildeo conhecidas como anglicismos ou po-

chismos O pocho eacute um mexicano anglicizado ou um americano de origem me-xicana que fala espanhol com um sotaque caracteriacutestico dos norte-americanos

e que distorce e reconstroacutei a liacutengua de acordo com a in1047298uecircncia do inglecircs3Tex-Mex ou Spanglish eacute mais natural para mim Eu posso mudar do inglecircspara o espanhol na mesma sentenccedila ou na mesma palavra Com minha irmatildee meu irmatildeo Nune e com contemporacircneos chicanos tejanos eu falo Tex-Mex

Das crianccedilas e das pessoas da minha idade eu peguei o pachuco Pachuco (a liacutengua dos zoot suiters v ) eacute uma liacutengua de rebeliatildeo ao mesmo tempo contrao espanhol padratildeo e contra o inglecircs padratildeo Eacute uma liacutengua secreta Adultos

da cultura e estranhos natildeo podem entendecirc-la Eacute uma mistura de giacuterias tantodo inglecircs quanto do espanhol Ruca signi1047297ca garota ou mulher vato signi1047297carapaz ou cara chale signi1047297ca natildeo simoacuten signi1047297ca sim churo eacute certeza falar eacute periquiar pigionear signi1047297ca sarrarvi que gacho signi1047297ca que nerdy ponte aacutegui-

la signi1047297ca cuidado morte eacute chamada la pelona Por falta de praacutetica e por natildeoter outros com quem falar eu perdi a maior parte da minha liacutengua pachuco

Espanhol chicano

Depois de 250 anos de colonizaccedilatildeo espanhola e inglesa chicanos desen-volveram diferenccedilas signi1047297cativas no espanhol que a gente fala Noacutes derruba-mos duas vogais adjacentes numa uacutenica siacutelaba e agraves vezes mudamos a tocircnicaem certas palavras como maiacutezmaiz cohetecuete Omitimos certas consoantesquando elas aparecem entre vogais ladolao mojadomojao Chicanos do suldo Texas pronunciam f como j como em jue ( fue ) Chicanos usam ldquoarcaiacutes-mosrdquo palavras que natildeo existem mais na liacutengua espanhola palavras que forammudadas A gente diz semos truje haiga ansina e naiden Noacutes conservamoso j ldquoarcaicordquo como em jalar que deriva de um h mais antigo (o francecircs halar ou o germacircnico halon que desapareceu no espanhol padratildeo no seacuteculo XVI)mas que ainda eacute encontrado em vaacuterios dialetos regionais tal como aquele fa-lado no sul do Texas (Devido agrave geogra 1047297a chicanos do Valley do sul do Texasforam afastados linguisticamente de outros falantes de espanhol Tendemos ausar palavras que os espanhoacuteis trouxeram da Espanha medieval A maioria dos

3 ORTEGA R C Dialectologiacutea del barrio Trad Hortencia S Alwan Los Angeles CA R COrtega Publicher amp Bookseller 1977 p 132

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 614

310Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

colonizadores espanhoacuteis no Meacutexico e no sudoeste veio de Extremadura ndash Her-naacuten Corteacutes foi um deles ndash e Andaluzia Os andaluzes pronunciam ll como um y e o d deles tende a ser absorvido por vogais adjacentes tirado torna-se tirao

Eles trouxeram el lenguaje popular os dialetos e os regionalismos4

Chicanos e outros falantes de espanhol tambeacutem trocam ll por y e z pors 5 Noacutes omitimos siacutelabas iniciais dizendo tar para estar toy para estoy hora para ahora (os cubanos e porto-riquenhos tambeacutem omitem letras iniciais dealgumas palavras) Tambeacutem omitimos as siacutelabas 1047297nais tal como pa em para O y intervocaacutelico o ll como em tortilla ella botella eacute substituiacutedo por tortia ou tortiya ea botea Noacutes acrescentamos uma siacutelaba adicional no comeccedilo de

certas palavras atocar para tocar agastar para gastar Algumas vezes vamosdizer lavaste las vacijas outras vezes lavates (substituindo a terminaccedilatildeo verbalates por aste )

Noacutes usamos anglicismos palavras emprestadas do inglecircs bola de ball carpeta de carpet maacutechina de lavar (em vez de lavadora ) de washing machine

A giacuteria do Tex-Mex criada pelo acreacutescimo de um som do espanhol no iniacutecioou no 1047297m de uma palavra em inglecircs como cookiar para cook watchar parawatch parkiar para park e rapiar para rape eacute o resultado das pressotildees sobre os

falantes de espanhol para se adaptarem ao inglecircsNatildeo usamos a palavra vosotrosas ou as formas verbais que a acompa-

nham Natildeo dizemos claro (para signi1047297car yes ) imagiacutenate ou me emociona anatildeo ser quando pegamos o espanhol das latinas de um livro ou numa sala deaula Outros grupos de falantes de espanhol estatildeo passando por um desenvol-vimento igual ou similar em seu espanhol

Terrorismo linguiacutestico

Deslenguadas Somos los del espantildeol de 1047297 ciente Somos seu pesadelo linguiacutestico suaaberraccedilatildeo linguiacutestica sua mestizaje linguiacutestica o sujeito da sua burla Porque fa-lamos com liacutenguas de fogo noacutes somos culturalmente cruci1047297cados Racialmenteculturalmente e linguisticamente somos hueacuterfanos ndash noacutes falamos uma liacutengua oacuterfatilde

4 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS Eduardo COHEN Andrew D BELTRAMO Anthony F El

lenguaje de los Chicanos regional and social characteristics of language used by Mexican Americans Arlington VA Center for Applied Linguistics 1975 p 395 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS p xvii

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 714

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 311

Chicanas que cresceram falando o espanhol chicano internalizaram a crenccedilade que noacutes falamos um espanhol pobre Ilegiacutetimo uma liacutengua bastarda Noacutes usa-mos nossas diferenccedilas linguiacutesticas umas contra as outras porque internalizamos

o modo como nossa liacutengua tem sido usada contra noacutes pela cultura dominanteFeministas chicanas frequentemente esquivam-se umas das outras com sus-

peita e hesitaccedilatildeo Durante muito tempo eu natildeo pude entender isso Entatildeo me deiconta Estar proacutexima de uma outra chicana eacute como olhar no espelho Noacutes temosmedo do que vamos ver laacute Pena Vergonha Baixa auto-estima Na infacircncia nosdisseram que nossa liacutengua estaacute errada Ataques repetidos agrave nossa liacutengua nativa di-minuem nosso sentido de self Os ataques continuam ao longo das nossas vidas

Chicanas sentem-se desconfortaacuteveis falando espanhol com latinas te-mendo sua censura A liacutengua das latinas natildeo eacute proscrita nos paiacuteses delas Elasestiveram imersas durante toda uma vida na sua liacutengua nativa geraccedilotildees seacutecu-los nos quais o espanhol era a primeira liacutengua ensinada na escola escutada noraacutedio e na TV e lida nos jornais

Se uma pessoa chicana ou latina tem baixa estima por minha liacutengua nati-va ela tambeacutem tem uma baixa estima por mim Frequentemente com mexica-nas e latinas noacutes vamos falar inglecircs como uma liacutengua neutra Mesmo entre chi-

canas tendemos a falar inglecircs em festas e conferecircncias No entanto ao mesmotempo temos medo de que a outra vaacute pensar que noacutes estamos agringadas porquenatildeo falamos o espanhol chicano Oprimimos umas agraves outras testando o chicanoumas das outras disputando quem eacute a ldquoverdadeirardquo chicana quem fala comochicano Natildeo haacute uma liacutengua chicana assim como natildeo haacute uma experiecircncia chi-cana Uma chicana monoliacutengue cuja primeira liacutengua eacute o inglecircs ou o espanhol eacutetatildeo chicana quanto aquela que fala diversas variantes do espanhol Uma chicanado Michigan ou Chicago ou Detroit eacute tatildeo chicana quanto uma chicana do sudo-este O espanhol chicano eacute tatildeo diverso linguisticamente quanto regionalmente

Proacuteximo do 1047297m do seacuteculo falantes do espanhol vatildeo abranger o maior grupominoritaacuterio nos EUA um paiacutes onde estudantes no ensino meacutedio e faculdades satildeoencorajados a assistis aulas de francecircs porque o francecircs eacute considerado mais ldquocultordquoMas para uma liacutengua se manter viva precisa ser usada 6 Perto do 1047297m deste seacuteculoo inglecircs e natildeo o espanhol seraacute a liacutengua materna da maioria dos chicanos e latinos

6

KLEPFISZ Irena Secular Jewish Identity Yidishkayt in America In KAYEKANTRO- WITZ Melanie KLEPFISZ Irena (Ed) Te Tribe of Dina a Jewish womenrsquos anthologyMontpelier VT Sinister Wisdom 29301986 p 43

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 814

312Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

Assim se vocecirc quer mesmo me ferir fale mal da minha liacutengua A identi-dade eacutetnica e a identidade linguiacutestica satildeo unha e carne ndash eu sou minha liacutenguaEu natildeo posso ter orgulho de mim mesma ateacute que possa ter orgulho da minha

liacutengua Ateacute que eu possa aceitar como legiacutetimas o espanhol chicano texanoo Tex-Mex e todas as outras liacutenguas que falo eu natildeo posso aceitar a minhaproacutepria legitimidade Ateacute que eu esteja livre para escrever de maneira biliacutenguee permutar idiomas sem ter sempre que traduzir enquanto eu ainda tiver quefalar inglecircs ou espanhol quando preferiria falar Spanglish e enquanto eu tiverque me acomodar aos falantes de inglecircs ao inveacutes de eles se acomodarem amim minha liacutengua seraacute ilegiacutetima

Eu natildeo vou mais sentir vergonha de existir Eu vou ter minha voz indiacutegenaespanhola branca Eu vou ter minha liacutengua de serpente ndash minha voz de mulherminha voz sexual minha voz de poeta Eu vou superar a tradiccedilatildeo de silecircncio

Meus dedosSe movem furtivos contra sua palma Como mulheres em toda parte eu falo em coacutedigo ndash Melanie KayeKantrowitz7

ldquoVistasrdquo corridos y comida minha liacutengua nativa

Nos anos 1960 eu li meu primeiro romance chicano Era City of Night de John Rechy um gay texano 1047297lho de pai escocecircs e matildee mexicana Por diaseu 1047297quei chocada que um chicano pudesse ter escrito e sido publicado Quan-do eu li I Am Joaquiacuten8 eu 1047297quei surpresa por ver impresso um livro biliacutenguede um chicano Quando vi poesia escrita em Tex-Mex pela primeira vez umsentimento de pura alegria revelou-se em mim Eu senti como se a gente re-almente existisse como um povo Em 1971 quando comecei a ensinar inglecircspara estudantes chicanos no ensino meacutedio eu tentava complementar os textosexigidos com trabalhos de chicanos mas fui repreendida e proibida de fazerisso pelo diretor Ele alegava que se esperava que eu ensinasse literatura inglesa

7 KAYE KANTROWITZ Melanie Sign In We speak in code poems and others writings

Pittsburgh PA Motherroot Publications Inc 1980 p 858 GONZALES Rodolfo I am Joaquiacuten Yo soy Joaquiacuten New York NY Bantam Books 1972Foi publicado pela primeira vez em 1967

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 914

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 313

e ldquoamericanardquo Com o risco de ser demitida 1047297z meus alunos jurarem segredo eentrei de mansinho em contos chicanos poemas uma peccedila Na universidadeenquanto trabalhava no meu doutorado tive que ldquodiscutirrdquo com um orien-

tador depois do outro semestre apoacutes semestre antes que me fosse permitidotornar a literatura chicana uma aacuterea de foco

Mesmo antes de ler livros de chicanos ou mexicanos foram os 1047297lmesmexicanos que eu via no drive-in ndash na noite de terccedila especial a um doacutelar porcarro ndash que me deram um sentido de pertencimento ldquoVaacutemonos a las vistas rdquominha matildee chamava e todas(os) noacutes ndash avoacute irmatildeos irmatildes e primos ndash nos es-premiacuteamos dentro do carro Noacutes devoraacutevamos sanduiacuteches de patildeo branco com

queijo e mortadela enquanto assistiacuteamos Pedro Infante em romances melo-dramaacuteticos como Nosostros los pobres o primeiro 1047297lme ldquorealmenterdquo mexicano(que natildeo era uma imitaccedilatildeo de 1047297lmes europeus) Eu me lembro de ver Cuando

los hijos se van e supor que todos os 1047297lmes mexicanos enfatizavam o amor queuma matildee tem por seus 1047297lhos e o que os 1047297lhos e 1047297lhas ingratos sofrem quandonatildeo satildeo dedicados agraves suas matildees Eu me lembro dos ldquofaroestesrdquo musicais de Jorge Negrete e Miguel Aceves Mejiacutea Quando assistia a 1047297lmes mexicanos eutinha uma sensaccedilatildeo de regresso ao lar assim como de alienaccedilatildeo Pessoas que

valiam alguma coisa natildeo iam a 1047297lmes mexicanos ou bailes nem sintonizavamseus raacutedios em muacutesicas de bolero rancherita e corrido

Todo o tempo em que eu estava crescendo havia muacutesica nortentildea cha-mada algumas vezes de muacutesica da fronteira do norte do Meacutexico ou muacutesicaTex-Mex ou muacutesica chicana ou muacutesica de cantina (bar) Eu cresci ouvindoconjuntos bandas de trecircs ou quatro instrumentos formadas por muacutesicos popu-lares tocando guitarra bajo sexto bateria e acordeatildeo que os chicanos tomaramemprestado dos imigrantes alematildees que tinham vindo para o centro do Texase para o Meacutexico plantar e construir cervejarias No Rio Grande Valley Steve Jordan e Little Joe Hernaacutendez eram populares e Flaco Jimeacutenez era o rei doacordeatildeo Os ritmos da muacutesica Tex-Mex eram os da polca tambeacutem adaptadosdos alematildees que por sua vez o tomaram emprestado dos tchecos e boecircmios

Eu me lembro das tardes quentes e uacutemidas quando corridos ndash canccedilotildees deamor e morte sobre as fronteiras texanas-mexicanas ndash reverberavam dos ampli1047297ca-dores baratos das cantinas locais e entravam 1047298utuando pela janela do meu quarto

Os corridos se tornaram pela primeira vez amplamente usados ao longo dafronteira do sul do TexasMeacutexico durante o mais antigo con1047298ito entre chicanos e

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1014

314Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

anglos Os corridos satildeo normalmente sobre heroacuteis mexicanos que realizaram accedilotildeesde valentia contra os opressores anglos A canccedilatildeo de Pancho Villa ldquoLa cucarachardquo eacute a mais famosa Os corridos de John F Kennedy e sua morte satildeo ainda muito

populares no Valley Os chicanos mais velhos lembram-se de Lydia Mendonzauma das maiores cantoras de corrido da fronteira que foi chamada de la Gloria

de Tejas Sua canccedilatildeo ldquoEl tango negrordquo cantada durante a Grande Depressatildeo fezdela uma cantora do povo Os corridos mais comuns narravam os cem anos dehistoacuteria da fronteira tanto trazendo notiacutecias de eventos como entretendo Essesmuacutesicos populares e canccedilotildees populares satildeo nossos principais criadores de mitosculturais e eles 1047297zeram nossas vidas difiacuteceis parecerem suportaacuteveis

Eu cresci com um sentimento ambivalente em relaccedilatildeo agrave nossa muacutesica Ocountry do oeste e o rock-and-roll tinham mais status Nos anos 50 e 60 paraos chicanos minimamente escolarizados e agringados havia uma sensaccedilatildeo devergonha de ser pego ouvindo nossa muacutesica Contudo eu natildeo podia impedirmeu peacute de bater ao som da muacutesica natildeo podia parar de cantarolar as palavrasnem esconder de mim mesma a euforia sentida quando eu a ouvia

Existem maneiras mais sutis de internalizarmos identi1047297caccedilatildeo especial-mente nas formas de imagens e emoccedilotildees Para mim a comida e certos cheiros

estatildeo ligados agrave minha identidade agrave minha terra natal Fumaccedila de lenha subin-do em espiral num imenso ceacuteu azul fumaccedila de lenha perfumando as roupasda minha matildee a pele dela O fedor do estrume de vaca e as manchas amarelasno chatildeo o estampido de uma espingarda 22 e o cheiro forte de cordite Queijobranco caseiro crepitando numa panela derretendo dentro de uma tortilhafechada O menudovii quente e picante da minha irmatilde Hilda o chile colorado tornando-o mais intensamente vermelho pedaccedilos de panza e canjica 1047298utuan-do por cima Meu irmatildeo Carito assando fajitas viii no quintal Mesmo agora ea 3000 milhas de laacute eu posso ver minha matildee temperando o bife a carne deporco e a carne de veado com chile Minha boca saliva com a lembranccedila dostamales ix quentes e fumegantes que eu estaria comendo se estivesse em casa

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo

ldquoIdentidade eacute o centro essencial de quem

somos como indiviacuteduos a experiecircnciaconsciente do self internordquo

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1114

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 315

ndash Kaufman9

Nosostros los chicanos temos um peacute em cada lado das fronteiras De um

lado somos constantemente expostos ao espanhol dos mexicanos do outrolado escutamos a reclamaccedilatildeo incessante dos anglos para que esqueccedilamos nossaliacutengua Entre noacutes natildeo dizemos nosotros los americanos ou nosotros los espantildeoles ou nosotros los hispanicos Dizemos nosostros los mexicanos (por mexicanos natildeoqueremos dizer ldquocidadatildeos do Meacutexicordquo natildeo estamos falando de uma identidadenacional mas sim racial) Noacutes distinguimos entre mexicanos del otro lado emexicanos de este lado No fundo dos nossos coraccedilotildees a gente acredita que ser

mexicano natildeo tem nada a ver com o paiacutes em que a gente vive Ser mexicano eacuteum estado da alma ndash natildeo da mente nem da cidadania Nem aacuteguia nem serpen-te mas as duas E como o oceano nenhum animal respeita fronteiras

Dime con quien andas y te direacute quien eres (Diz-me com quem andas e te direi quem eacutes) ndash Ditado mexicano

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo te diraacute ldquoSoy mexicanardquo Meusirmatildeos e minha irmatilde dizem o mesmo Eu algumas vezes responderei ldquosoy mexi-

canardquo e outras vezes direi ldquosoy chicana rdquo ou ldquosoy tejanardquo Mas eu me identi1047297queicomo ldquorazardquo antes de ter me identi1047297cado como ldquomexicanardquo ou ldquochicanardquo

Como uma cultura nos chamamos espanhoacuteis quando nos referimos a noacutesmesmos como um grupo linguiacutestico e quando nos intimidamos Eacute entatildeo queesquecemos nossos genes indiacutegenas predominantes Noacutes somos 70 ou 80indiacutegenas10 Noacutes nos chamamos hispacircnicos11 ou hispano-americanos ou latino-americanos ou latinos quando nos ligamos a outros povos falantes do espanhol dohemisfeacuterio ocidental e quando nos intimidamos Nos chamamos mexicano-ame-ricanos12 para dizer que natildeo somos nem mexicanos nem americanos mas mais o

9 KAUFMAN Gershen Shame the power of caring Cambridge MA Schenkman BooksInc 1980 p 68

10 CHAVEacuteZ p 88-9011 ldquoHispacircnicordquo eacute derivado de Hispanis (Espantildea um nome dado agrave Peniacutensula Ibeacuterica em tempos

antigos quando era parte do impeacuterio romano) e eacute um termo utilizado pelo governo dosEUA para facilitar lidar conosco nos documentos12 O tratado de Guadalupe Hidalgo criou o mexicano-americano em 1848

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 6: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 614

310Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

colonizadores espanhoacuteis no Meacutexico e no sudoeste veio de Extremadura ndash Her-naacuten Corteacutes foi um deles ndash e Andaluzia Os andaluzes pronunciam ll como um y e o d deles tende a ser absorvido por vogais adjacentes tirado torna-se tirao

Eles trouxeram el lenguaje popular os dialetos e os regionalismos4

Chicanos e outros falantes de espanhol tambeacutem trocam ll por y e z pors 5 Noacutes omitimos siacutelabas iniciais dizendo tar para estar toy para estoy hora para ahora (os cubanos e porto-riquenhos tambeacutem omitem letras iniciais dealgumas palavras) Tambeacutem omitimos as siacutelabas 1047297nais tal como pa em para O y intervocaacutelico o ll como em tortilla ella botella eacute substituiacutedo por tortia ou tortiya ea botea Noacutes acrescentamos uma siacutelaba adicional no comeccedilo de

certas palavras atocar para tocar agastar para gastar Algumas vezes vamosdizer lavaste las vacijas outras vezes lavates (substituindo a terminaccedilatildeo verbalates por aste )

Noacutes usamos anglicismos palavras emprestadas do inglecircs bola de ball carpeta de carpet maacutechina de lavar (em vez de lavadora ) de washing machine

A giacuteria do Tex-Mex criada pelo acreacutescimo de um som do espanhol no iniacutecioou no 1047297m de uma palavra em inglecircs como cookiar para cook watchar parawatch parkiar para park e rapiar para rape eacute o resultado das pressotildees sobre os

falantes de espanhol para se adaptarem ao inglecircsNatildeo usamos a palavra vosotrosas ou as formas verbais que a acompa-

nham Natildeo dizemos claro (para signi1047297car yes ) imagiacutenate ou me emociona anatildeo ser quando pegamos o espanhol das latinas de um livro ou numa sala deaula Outros grupos de falantes de espanhol estatildeo passando por um desenvol-vimento igual ou similar em seu espanhol

Terrorismo linguiacutestico

Deslenguadas Somos los del espantildeol de 1047297 ciente Somos seu pesadelo linguiacutestico suaaberraccedilatildeo linguiacutestica sua mestizaje linguiacutestica o sujeito da sua burla Porque fa-lamos com liacutenguas de fogo noacutes somos culturalmente cruci1047297cados Racialmenteculturalmente e linguisticamente somos hueacuterfanos ndash noacutes falamos uma liacutengua oacuterfatilde

4 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS Eduardo COHEN Andrew D BELTRAMO Anthony F El

lenguaje de los Chicanos regional and social characteristics of language used by Mexican Americans Arlington VA Center for Applied Linguistics 1975 p 395 HERNANDEacuteZ-CHAVEacuteS p xvii

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 714

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 311

Chicanas que cresceram falando o espanhol chicano internalizaram a crenccedilade que noacutes falamos um espanhol pobre Ilegiacutetimo uma liacutengua bastarda Noacutes usa-mos nossas diferenccedilas linguiacutesticas umas contra as outras porque internalizamos

o modo como nossa liacutengua tem sido usada contra noacutes pela cultura dominanteFeministas chicanas frequentemente esquivam-se umas das outras com sus-

peita e hesitaccedilatildeo Durante muito tempo eu natildeo pude entender isso Entatildeo me deiconta Estar proacutexima de uma outra chicana eacute como olhar no espelho Noacutes temosmedo do que vamos ver laacute Pena Vergonha Baixa auto-estima Na infacircncia nosdisseram que nossa liacutengua estaacute errada Ataques repetidos agrave nossa liacutengua nativa di-minuem nosso sentido de self Os ataques continuam ao longo das nossas vidas

Chicanas sentem-se desconfortaacuteveis falando espanhol com latinas te-mendo sua censura A liacutengua das latinas natildeo eacute proscrita nos paiacuteses delas Elasestiveram imersas durante toda uma vida na sua liacutengua nativa geraccedilotildees seacutecu-los nos quais o espanhol era a primeira liacutengua ensinada na escola escutada noraacutedio e na TV e lida nos jornais

Se uma pessoa chicana ou latina tem baixa estima por minha liacutengua nati-va ela tambeacutem tem uma baixa estima por mim Frequentemente com mexica-nas e latinas noacutes vamos falar inglecircs como uma liacutengua neutra Mesmo entre chi-

canas tendemos a falar inglecircs em festas e conferecircncias No entanto ao mesmotempo temos medo de que a outra vaacute pensar que noacutes estamos agringadas porquenatildeo falamos o espanhol chicano Oprimimos umas agraves outras testando o chicanoumas das outras disputando quem eacute a ldquoverdadeirardquo chicana quem fala comochicano Natildeo haacute uma liacutengua chicana assim como natildeo haacute uma experiecircncia chi-cana Uma chicana monoliacutengue cuja primeira liacutengua eacute o inglecircs ou o espanhol eacutetatildeo chicana quanto aquela que fala diversas variantes do espanhol Uma chicanado Michigan ou Chicago ou Detroit eacute tatildeo chicana quanto uma chicana do sudo-este O espanhol chicano eacute tatildeo diverso linguisticamente quanto regionalmente

Proacuteximo do 1047297m do seacuteculo falantes do espanhol vatildeo abranger o maior grupominoritaacuterio nos EUA um paiacutes onde estudantes no ensino meacutedio e faculdades satildeoencorajados a assistis aulas de francecircs porque o francecircs eacute considerado mais ldquocultordquoMas para uma liacutengua se manter viva precisa ser usada 6 Perto do 1047297m deste seacuteculoo inglecircs e natildeo o espanhol seraacute a liacutengua materna da maioria dos chicanos e latinos

6

KLEPFISZ Irena Secular Jewish Identity Yidishkayt in America In KAYEKANTRO- WITZ Melanie KLEPFISZ Irena (Ed) Te Tribe of Dina a Jewish womenrsquos anthologyMontpelier VT Sinister Wisdom 29301986 p 43

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 814

312Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

Assim se vocecirc quer mesmo me ferir fale mal da minha liacutengua A identi-dade eacutetnica e a identidade linguiacutestica satildeo unha e carne ndash eu sou minha liacutenguaEu natildeo posso ter orgulho de mim mesma ateacute que possa ter orgulho da minha

liacutengua Ateacute que eu possa aceitar como legiacutetimas o espanhol chicano texanoo Tex-Mex e todas as outras liacutenguas que falo eu natildeo posso aceitar a minhaproacutepria legitimidade Ateacute que eu esteja livre para escrever de maneira biliacutenguee permutar idiomas sem ter sempre que traduzir enquanto eu ainda tiver quefalar inglecircs ou espanhol quando preferiria falar Spanglish e enquanto eu tiverque me acomodar aos falantes de inglecircs ao inveacutes de eles se acomodarem amim minha liacutengua seraacute ilegiacutetima

Eu natildeo vou mais sentir vergonha de existir Eu vou ter minha voz indiacutegenaespanhola branca Eu vou ter minha liacutengua de serpente ndash minha voz de mulherminha voz sexual minha voz de poeta Eu vou superar a tradiccedilatildeo de silecircncio

Meus dedosSe movem furtivos contra sua palma Como mulheres em toda parte eu falo em coacutedigo ndash Melanie KayeKantrowitz7

ldquoVistasrdquo corridos y comida minha liacutengua nativa

Nos anos 1960 eu li meu primeiro romance chicano Era City of Night de John Rechy um gay texano 1047297lho de pai escocecircs e matildee mexicana Por diaseu 1047297quei chocada que um chicano pudesse ter escrito e sido publicado Quan-do eu li I Am Joaquiacuten8 eu 1047297quei surpresa por ver impresso um livro biliacutenguede um chicano Quando vi poesia escrita em Tex-Mex pela primeira vez umsentimento de pura alegria revelou-se em mim Eu senti como se a gente re-almente existisse como um povo Em 1971 quando comecei a ensinar inglecircspara estudantes chicanos no ensino meacutedio eu tentava complementar os textosexigidos com trabalhos de chicanos mas fui repreendida e proibida de fazerisso pelo diretor Ele alegava que se esperava que eu ensinasse literatura inglesa

7 KAYE KANTROWITZ Melanie Sign In We speak in code poems and others writings

Pittsburgh PA Motherroot Publications Inc 1980 p 858 GONZALES Rodolfo I am Joaquiacuten Yo soy Joaquiacuten New York NY Bantam Books 1972Foi publicado pela primeira vez em 1967

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 914

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 313

e ldquoamericanardquo Com o risco de ser demitida 1047297z meus alunos jurarem segredo eentrei de mansinho em contos chicanos poemas uma peccedila Na universidadeenquanto trabalhava no meu doutorado tive que ldquodiscutirrdquo com um orien-

tador depois do outro semestre apoacutes semestre antes que me fosse permitidotornar a literatura chicana uma aacuterea de foco

Mesmo antes de ler livros de chicanos ou mexicanos foram os 1047297lmesmexicanos que eu via no drive-in ndash na noite de terccedila especial a um doacutelar porcarro ndash que me deram um sentido de pertencimento ldquoVaacutemonos a las vistas rdquominha matildee chamava e todas(os) noacutes ndash avoacute irmatildeos irmatildes e primos ndash nos es-premiacuteamos dentro do carro Noacutes devoraacutevamos sanduiacuteches de patildeo branco com

queijo e mortadela enquanto assistiacuteamos Pedro Infante em romances melo-dramaacuteticos como Nosostros los pobres o primeiro 1047297lme ldquorealmenterdquo mexicano(que natildeo era uma imitaccedilatildeo de 1047297lmes europeus) Eu me lembro de ver Cuando

los hijos se van e supor que todos os 1047297lmes mexicanos enfatizavam o amor queuma matildee tem por seus 1047297lhos e o que os 1047297lhos e 1047297lhas ingratos sofrem quandonatildeo satildeo dedicados agraves suas matildees Eu me lembro dos ldquofaroestesrdquo musicais de Jorge Negrete e Miguel Aceves Mejiacutea Quando assistia a 1047297lmes mexicanos eutinha uma sensaccedilatildeo de regresso ao lar assim como de alienaccedilatildeo Pessoas que

valiam alguma coisa natildeo iam a 1047297lmes mexicanos ou bailes nem sintonizavamseus raacutedios em muacutesicas de bolero rancherita e corrido

Todo o tempo em que eu estava crescendo havia muacutesica nortentildea cha-mada algumas vezes de muacutesica da fronteira do norte do Meacutexico ou muacutesicaTex-Mex ou muacutesica chicana ou muacutesica de cantina (bar) Eu cresci ouvindoconjuntos bandas de trecircs ou quatro instrumentos formadas por muacutesicos popu-lares tocando guitarra bajo sexto bateria e acordeatildeo que os chicanos tomaramemprestado dos imigrantes alematildees que tinham vindo para o centro do Texase para o Meacutexico plantar e construir cervejarias No Rio Grande Valley Steve Jordan e Little Joe Hernaacutendez eram populares e Flaco Jimeacutenez era o rei doacordeatildeo Os ritmos da muacutesica Tex-Mex eram os da polca tambeacutem adaptadosdos alematildees que por sua vez o tomaram emprestado dos tchecos e boecircmios

Eu me lembro das tardes quentes e uacutemidas quando corridos ndash canccedilotildees deamor e morte sobre as fronteiras texanas-mexicanas ndash reverberavam dos ampli1047297ca-dores baratos das cantinas locais e entravam 1047298utuando pela janela do meu quarto

Os corridos se tornaram pela primeira vez amplamente usados ao longo dafronteira do sul do TexasMeacutexico durante o mais antigo con1047298ito entre chicanos e

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1014

314Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

anglos Os corridos satildeo normalmente sobre heroacuteis mexicanos que realizaram accedilotildeesde valentia contra os opressores anglos A canccedilatildeo de Pancho Villa ldquoLa cucarachardquo eacute a mais famosa Os corridos de John F Kennedy e sua morte satildeo ainda muito

populares no Valley Os chicanos mais velhos lembram-se de Lydia Mendonzauma das maiores cantoras de corrido da fronteira que foi chamada de la Gloria

de Tejas Sua canccedilatildeo ldquoEl tango negrordquo cantada durante a Grande Depressatildeo fezdela uma cantora do povo Os corridos mais comuns narravam os cem anos dehistoacuteria da fronteira tanto trazendo notiacutecias de eventos como entretendo Essesmuacutesicos populares e canccedilotildees populares satildeo nossos principais criadores de mitosculturais e eles 1047297zeram nossas vidas difiacuteceis parecerem suportaacuteveis

Eu cresci com um sentimento ambivalente em relaccedilatildeo agrave nossa muacutesica Ocountry do oeste e o rock-and-roll tinham mais status Nos anos 50 e 60 paraos chicanos minimamente escolarizados e agringados havia uma sensaccedilatildeo devergonha de ser pego ouvindo nossa muacutesica Contudo eu natildeo podia impedirmeu peacute de bater ao som da muacutesica natildeo podia parar de cantarolar as palavrasnem esconder de mim mesma a euforia sentida quando eu a ouvia

Existem maneiras mais sutis de internalizarmos identi1047297caccedilatildeo especial-mente nas formas de imagens e emoccedilotildees Para mim a comida e certos cheiros

estatildeo ligados agrave minha identidade agrave minha terra natal Fumaccedila de lenha subin-do em espiral num imenso ceacuteu azul fumaccedila de lenha perfumando as roupasda minha matildee a pele dela O fedor do estrume de vaca e as manchas amarelasno chatildeo o estampido de uma espingarda 22 e o cheiro forte de cordite Queijobranco caseiro crepitando numa panela derretendo dentro de uma tortilhafechada O menudovii quente e picante da minha irmatilde Hilda o chile colorado tornando-o mais intensamente vermelho pedaccedilos de panza e canjica 1047298utuan-do por cima Meu irmatildeo Carito assando fajitas viii no quintal Mesmo agora ea 3000 milhas de laacute eu posso ver minha matildee temperando o bife a carne deporco e a carne de veado com chile Minha boca saliva com a lembranccedila dostamales ix quentes e fumegantes que eu estaria comendo se estivesse em casa

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo

ldquoIdentidade eacute o centro essencial de quem

somos como indiviacuteduos a experiecircnciaconsciente do self internordquo

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1114

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 315

ndash Kaufman9

Nosostros los chicanos temos um peacute em cada lado das fronteiras De um

lado somos constantemente expostos ao espanhol dos mexicanos do outrolado escutamos a reclamaccedilatildeo incessante dos anglos para que esqueccedilamos nossaliacutengua Entre noacutes natildeo dizemos nosotros los americanos ou nosotros los espantildeoles ou nosotros los hispanicos Dizemos nosostros los mexicanos (por mexicanos natildeoqueremos dizer ldquocidadatildeos do Meacutexicordquo natildeo estamos falando de uma identidadenacional mas sim racial) Noacutes distinguimos entre mexicanos del otro lado emexicanos de este lado No fundo dos nossos coraccedilotildees a gente acredita que ser

mexicano natildeo tem nada a ver com o paiacutes em que a gente vive Ser mexicano eacuteum estado da alma ndash natildeo da mente nem da cidadania Nem aacuteguia nem serpen-te mas as duas E como o oceano nenhum animal respeita fronteiras

Dime con quien andas y te direacute quien eres (Diz-me com quem andas e te direi quem eacutes) ndash Ditado mexicano

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo te diraacute ldquoSoy mexicanardquo Meusirmatildeos e minha irmatilde dizem o mesmo Eu algumas vezes responderei ldquosoy mexi-

canardquo e outras vezes direi ldquosoy chicana rdquo ou ldquosoy tejanardquo Mas eu me identi1047297queicomo ldquorazardquo antes de ter me identi1047297cado como ldquomexicanardquo ou ldquochicanardquo

Como uma cultura nos chamamos espanhoacuteis quando nos referimos a noacutesmesmos como um grupo linguiacutestico e quando nos intimidamos Eacute entatildeo queesquecemos nossos genes indiacutegenas predominantes Noacutes somos 70 ou 80indiacutegenas10 Noacutes nos chamamos hispacircnicos11 ou hispano-americanos ou latino-americanos ou latinos quando nos ligamos a outros povos falantes do espanhol dohemisfeacuterio ocidental e quando nos intimidamos Nos chamamos mexicano-ame-ricanos12 para dizer que natildeo somos nem mexicanos nem americanos mas mais o

9 KAUFMAN Gershen Shame the power of caring Cambridge MA Schenkman BooksInc 1980 p 68

10 CHAVEacuteZ p 88-9011 ldquoHispacircnicordquo eacute derivado de Hispanis (Espantildea um nome dado agrave Peniacutensula Ibeacuterica em tempos

antigos quando era parte do impeacuterio romano) e eacute um termo utilizado pelo governo dosEUA para facilitar lidar conosco nos documentos12 O tratado de Guadalupe Hidalgo criou o mexicano-americano em 1848

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 7: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 714

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 311

Chicanas que cresceram falando o espanhol chicano internalizaram a crenccedilade que noacutes falamos um espanhol pobre Ilegiacutetimo uma liacutengua bastarda Noacutes usa-mos nossas diferenccedilas linguiacutesticas umas contra as outras porque internalizamos

o modo como nossa liacutengua tem sido usada contra noacutes pela cultura dominanteFeministas chicanas frequentemente esquivam-se umas das outras com sus-

peita e hesitaccedilatildeo Durante muito tempo eu natildeo pude entender isso Entatildeo me deiconta Estar proacutexima de uma outra chicana eacute como olhar no espelho Noacutes temosmedo do que vamos ver laacute Pena Vergonha Baixa auto-estima Na infacircncia nosdisseram que nossa liacutengua estaacute errada Ataques repetidos agrave nossa liacutengua nativa di-minuem nosso sentido de self Os ataques continuam ao longo das nossas vidas

Chicanas sentem-se desconfortaacuteveis falando espanhol com latinas te-mendo sua censura A liacutengua das latinas natildeo eacute proscrita nos paiacuteses delas Elasestiveram imersas durante toda uma vida na sua liacutengua nativa geraccedilotildees seacutecu-los nos quais o espanhol era a primeira liacutengua ensinada na escola escutada noraacutedio e na TV e lida nos jornais

Se uma pessoa chicana ou latina tem baixa estima por minha liacutengua nati-va ela tambeacutem tem uma baixa estima por mim Frequentemente com mexica-nas e latinas noacutes vamos falar inglecircs como uma liacutengua neutra Mesmo entre chi-

canas tendemos a falar inglecircs em festas e conferecircncias No entanto ao mesmotempo temos medo de que a outra vaacute pensar que noacutes estamos agringadas porquenatildeo falamos o espanhol chicano Oprimimos umas agraves outras testando o chicanoumas das outras disputando quem eacute a ldquoverdadeirardquo chicana quem fala comochicano Natildeo haacute uma liacutengua chicana assim como natildeo haacute uma experiecircncia chi-cana Uma chicana monoliacutengue cuja primeira liacutengua eacute o inglecircs ou o espanhol eacutetatildeo chicana quanto aquela que fala diversas variantes do espanhol Uma chicanado Michigan ou Chicago ou Detroit eacute tatildeo chicana quanto uma chicana do sudo-este O espanhol chicano eacute tatildeo diverso linguisticamente quanto regionalmente

Proacuteximo do 1047297m do seacuteculo falantes do espanhol vatildeo abranger o maior grupominoritaacuterio nos EUA um paiacutes onde estudantes no ensino meacutedio e faculdades satildeoencorajados a assistis aulas de francecircs porque o francecircs eacute considerado mais ldquocultordquoMas para uma liacutengua se manter viva precisa ser usada 6 Perto do 1047297m deste seacuteculoo inglecircs e natildeo o espanhol seraacute a liacutengua materna da maioria dos chicanos e latinos

6

KLEPFISZ Irena Secular Jewish Identity Yidishkayt in America In KAYEKANTRO- WITZ Melanie KLEPFISZ Irena (Ed) Te Tribe of Dina a Jewish womenrsquos anthologyMontpelier VT Sinister Wisdom 29301986 p 43

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 814

312Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

Assim se vocecirc quer mesmo me ferir fale mal da minha liacutengua A identi-dade eacutetnica e a identidade linguiacutestica satildeo unha e carne ndash eu sou minha liacutenguaEu natildeo posso ter orgulho de mim mesma ateacute que possa ter orgulho da minha

liacutengua Ateacute que eu possa aceitar como legiacutetimas o espanhol chicano texanoo Tex-Mex e todas as outras liacutenguas que falo eu natildeo posso aceitar a minhaproacutepria legitimidade Ateacute que eu esteja livre para escrever de maneira biliacutenguee permutar idiomas sem ter sempre que traduzir enquanto eu ainda tiver quefalar inglecircs ou espanhol quando preferiria falar Spanglish e enquanto eu tiverque me acomodar aos falantes de inglecircs ao inveacutes de eles se acomodarem amim minha liacutengua seraacute ilegiacutetima

Eu natildeo vou mais sentir vergonha de existir Eu vou ter minha voz indiacutegenaespanhola branca Eu vou ter minha liacutengua de serpente ndash minha voz de mulherminha voz sexual minha voz de poeta Eu vou superar a tradiccedilatildeo de silecircncio

Meus dedosSe movem furtivos contra sua palma Como mulheres em toda parte eu falo em coacutedigo ndash Melanie KayeKantrowitz7

ldquoVistasrdquo corridos y comida minha liacutengua nativa

Nos anos 1960 eu li meu primeiro romance chicano Era City of Night de John Rechy um gay texano 1047297lho de pai escocecircs e matildee mexicana Por diaseu 1047297quei chocada que um chicano pudesse ter escrito e sido publicado Quan-do eu li I Am Joaquiacuten8 eu 1047297quei surpresa por ver impresso um livro biliacutenguede um chicano Quando vi poesia escrita em Tex-Mex pela primeira vez umsentimento de pura alegria revelou-se em mim Eu senti como se a gente re-almente existisse como um povo Em 1971 quando comecei a ensinar inglecircspara estudantes chicanos no ensino meacutedio eu tentava complementar os textosexigidos com trabalhos de chicanos mas fui repreendida e proibida de fazerisso pelo diretor Ele alegava que se esperava que eu ensinasse literatura inglesa

7 KAYE KANTROWITZ Melanie Sign In We speak in code poems and others writings

Pittsburgh PA Motherroot Publications Inc 1980 p 858 GONZALES Rodolfo I am Joaquiacuten Yo soy Joaquiacuten New York NY Bantam Books 1972Foi publicado pela primeira vez em 1967

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 914

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 313

e ldquoamericanardquo Com o risco de ser demitida 1047297z meus alunos jurarem segredo eentrei de mansinho em contos chicanos poemas uma peccedila Na universidadeenquanto trabalhava no meu doutorado tive que ldquodiscutirrdquo com um orien-

tador depois do outro semestre apoacutes semestre antes que me fosse permitidotornar a literatura chicana uma aacuterea de foco

Mesmo antes de ler livros de chicanos ou mexicanos foram os 1047297lmesmexicanos que eu via no drive-in ndash na noite de terccedila especial a um doacutelar porcarro ndash que me deram um sentido de pertencimento ldquoVaacutemonos a las vistas rdquominha matildee chamava e todas(os) noacutes ndash avoacute irmatildeos irmatildes e primos ndash nos es-premiacuteamos dentro do carro Noacutes devoraacutevamos sanduiacuteches de patildeo branco com

queijo e mortadela enquanto assistiacuteamos Pedro Infante em romances melo-dramaacuteticos como Nosostros los pobres o primeiro 1047297lme ldquorealmenterdquo mexicano(que natildeo era uma imitaccedilatildeo de 1047297lmes europeus) Eu me lembro de ver Cuando

los hijos se van e supor que todos os 1047297lmes mexicanos enfatizavam o amor queuma matildee tem por seus 1047297lhos e o que os 1047297lhos e 1047297lhas ingratos sofrem quandonatildeo satildeo dedicados agraves suas matildees Eu me lembro dos ldquofaroestesrdquo musicais de Jorge Negrete e Miguel Aceves Mejiacutea Quando assistia a 1047297lmes mexicanos eutinha uma sensaccedilatildeo de regresso ao lar assim como de alienaccedilatildeo Pessoas que

valiam alguma coisa natildeo iam a 1047297lmes mexicanos ou bailes nem sintonizavamseus raacutedios em muacutesicas de bolero rancherita e corrido

Todo o tempo em que eu estava crescendo havia muacutesica nortentildea cha-mada algumas vezes de muacutesica da fronteira do norte do Meacutexico ou muacutesicaTex-Mex ou muacutesica chicana ou muacutesica de cantina (bar) Eu cresci ouvindoconjuntos bandas de trecircs ou quatro instrumentos formadas por muacutesicos popu-lares tocando guitarra bajo sexto bateria e acordeatildeo que os chicanos tomaramemprestado dos imigrantes alematildees que tinham vindo para o centro do Texase para o Meacutexico plantar e construir cervejarias No Rio Grande Valley Steve Jordan e Little Joe Hernaacutendez eram populares e Flaco Jimeacutenez era o rei doacordeatildeo Os ritmos da muacutesica Tex-Mex eram os da polca tambeacutem adaptadosdos alematildees que por sua vez o tomaram emprestado dos tchecos e boecircmios

Eu me lembro das tardes quentes e uacutemidas quando corridos ndash canccedilotildees deamor e morte sobre as fronteiras texanas-mexicanas ndash reverberavam dos ampli1047297ca-dores baratos das cantinas locais e entravam 1047298utuando pela janela do meu quarto

Os corridos se tornaram pela primeira vez amplamente usados ao longo dafronteira do sul do TexasMeacutexico durante o mais antigo con1047298ito entre chicanos e

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1014

314Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

anglos Os corridos satildeo normalmente sobre heroacuteis mexicanos que realizaram accedilotildeesde valentia contra os opressores anglos A canccedilatildeo de Pancho Villa ldquoLa cucarachardquo eacute a mais famosa Os corridos de John F Kennedy e sua morte satildeo ainda muito

populares no Valley Os chicanos mais velhos lembram-se de Lydia Mendonzauma das maiores cantoras de corrido da fronteira que foi chamada de la Gloria

de Tejas Sua canccedilatildeo ldquoEl tango negrordquo cantada durante a Grande Depressatildeo fezdela uma cantora do povo Os corridos mais comuns narravam os cem anos dehistoacuteria da fronteira tanto trazendo notiacutecias de eventos como entretendo Essesmuacutesicos populares e canccedilotildees populares satildeo nossos principais criadores de mitosculturais e eles 1047297zeram nossas vidas difiacuteceis parecerem suportaacuteveis

Eu cresci com um sentimento ambivalente em relaccedilatildeo agrave nossa muacutesica Ocountry do oeste e o rock-and-roll tinham mais status Nos anos 50 e 60 paraos chicanos minimamente escolarizados e agringados havia uma sensaccedilatildeo devergonha de ser pego ouvindo nossa muacutesica Contudo eu natildeo podia impedirmeu peacute de bater ao som da muacutesica natildeo podia parar de cantarolar as palavrasnem esconder de mim mesma a euforia sentida quando eu a ouvia

Existem maneiras mais sutis de internalizarmos identi1047297caccedilatildeo especial-mente nas formas de imagens e emoccedilotildees Para mim a comida e certos cheiros

estatildeo ligados agrave minha identidade agrave minha terra natal Fumaccedila de lenha subin-do em espiral num imenso ceacuteu azul fumaccedila de lenha perfumando as roupasda minha matildee a pele dela O fedor do estrume de vaca e as manchas amarelasno chatildeo o estampido de uma espingarda 22 e o cheiro forte de cordite Queijobranco caseiro crepitando numa panela derretendo dentro de uma tortilhafechada O menudovii quente e picante da minha irmatilde Hilda o chile colorado tornando-o mais intensamente vermelho pedaccedilos de panza e canjica 1047298utuan-do por cima Meu irmatildeo Carito assando fajitas viii no quintal Mesmo agora ea 3000 milhas de laacute eu posso ver minha matildee temperando o bife a carne deporco e a carne de veado com chile Minha boca saliva com a lembranccedila dostamales ix quentes e fumegantes que eu estaria comendo se estivesse em casa

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo

ldquoIdentidade eacute o centro essencial de quem

somos como indiviacuteduos a experiecircnciaconsciente do self internordquo

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1114

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 315

ndash Kaufman9

Nosostros los chicanos temos um peacute em cada lado das fronteiras De um

lado somos constantemente expostos ao espanhol dos mexicanos do outrolado escutamos a reclamaccedilatildeo incessante dos anglos para que esqueccedilamos nossaliacutengua Entre noacutes natildeo dizemos nosotros los americanos ou nosotros los espantildeoles ou nosotros los hispanicos Dizemos nosostros los mexicanos (por mexicanos natildeoqueremos dizer ldquocidadatildeos do Meacutexicordquo natildeo estamos falando de uma identidadenacional mas sim racial) Noacutes distinguimos entre mexicanos del otro lado emexicanos de este lado No fundo dos nossos coraccedilotildees a gente acredita que ser

mexicano natildeo tem nada a ver com o paiacutes em que a gente vive Ser mexicano eacuteum estado da alma ndash natildeo da mente nem da cidadania Nem aacuteguia nem serpen-te mas as duas E como o oceano nenhum animal respeita fronteiras

Dime con quien andas y te direacute quien eres (Diz-me com quem andas e te direi quem eacutes) ndash Ditado mexicano

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo te diraacute ldquoSoy mexicanardquo Meusirmatildeos e minha irmatilde dizem o mesmo Eu algumas vezes responderei ldquosoy mexi-

canardquo e outras vezes direi ldquosoy chicana rdquo ou ldquosoy tejanardquo Mas eu me identi1047297queicomo ldquorazardquo antes de ter me identi1047297cado como ldquomexicanardquo ou ldquochicanardquo

Como uma cultura nos chamamos espanhoacuteis quando nos referimos a noacutesmesmos como um grupo linguiacutestico e quando nos intimidamos Eacute entatildeo queesquecemos nossos genes indiacutegenas predominantes Noacutes somos 70 ou 80indiacutegenas10 Noacutes nos chamamos hispacircnicos11 ou hispano-americanos ou latino-americanos ou latinos quando nos ligamos a outros povos falantes do espanhol dohemisfeacuterio ocidental e quando nos intimidamos Nos chamamos mexicano-ame-ricanos12 para dizer que natildeo somos nem mexicanos nem americanos mas mais o

9 KAUFMAN Gershen Shame the power of caring Cambridge MA Schenkman BooksInc 1980 p 68

10 CHAVEacuteZ p 88-9011 ldquoHispacircnicordquo eacute derivado de Hispanis (Espantildea um nome dado agrave Peniacutensula Ibeacuterica em tempos

antigos quando era parte do impeacuterio romano) e eacute um termo utilizado pelo governo dosEUA para facilitar lidar conosco nos documentos12 O tratado de Guadalupe Hidalgo criou o mexicano-americano em 1848

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 8: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 814

312Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

Assim se vocecirc quer mesmo me ferir fale mal da minha liacutengua A identi-dade eacutetnica e a identidade linguiacutestica satildeo unha e carne ndash eu sou minha liacutenguaEu natildeo posso ter orgulho de mim mesma ateacute que possa ter orgulho da minha

liacutengua Ateacute que eu possa aceitar como legiacutetimas o espanhol chicano texanoo Tex-Mex e todas as outras liacutenguas que falo eu natildeo posso aceitar a minhaproacutepria legitimidade Ateacute que eu esteja livre para escrever de maneira biliacutenguee permutar idiomas sem ter sempre que traduzir enquanto eu ainda tiver quefalar inglecircs ou espanhol quando preferiria falar Spanglish e enquanto eu tiverque me acomodar aos falantes de inglecircs ao inveacutes de eles se acomodarem amim minha liacutengua seraacute ilegiacutetima

Eu natildeo vou mais sentir vergonha de existir Eu vou ter minha voz indiacutegenaespanhola branca Eu vou ter minha liacutengua de serpente ndash minha voz de mulherminha voz sexual minha voz de poeta Eu vou superar a tradiccedilatildeo de silecircncio

Meus dedosSe movem furtivos contra sua palma Como mulheres em toda parte eu falo em coacutedigo ndash Melanie KayeKantrowitz7

ldquoVistasrdquo corridos y comida minha liacutengua nativa

Nos anos 1960 eu li meu primeiro romance chicano Era City of Night de John Rechy um gay texano 1047297lho de pai escocecircs e matildee mexicana Por diaseu 1047297quei chocada que um chicano pudesse ter escrito e sido publicado Quan-do eu li I Am Joaquiacuten8 eu 1047297quei surpresa por ver impresso um livro biliacutenguede um chicano Quando vi poesia escrita em Tex-Mex pela primeira vez umsentimento de pura alegria revelou-se em mim Eu senti como se a gente re-almente existisse como um povo Em 1971 quando comecei a ensinar inglecircspara estudantes chicanos no ensino meacutedio eu tentava complementar os textosexigidos com trabalhos de chicanos mas fui repreendida e proibida de fazerisso pelo diretor Ele alegava que se esperava que eu ensinasse literatura inglesa

7 KAYE KANTROWITZ Melanie Sign In We speak in code poems and others writings

Pittsburgh PA Motherroot Publications Inc 1980 p 858 GONZALES Rodolfo I am Joaquiacuten Yo soy Joaquiacuten New York NY Bantam Books 1972Foi publicado pela primeira vez em 1967

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 914

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 313

e ldquoamericanardquo Com o risco de ser demitida 1047297z meus alunos jurarem segredo eentrei de mansinho em contos chicanos poemas uma peccedila Na universidadeenquanto trabalhava no meu doutorado tive que ldquodiscutirrdquo com um orien-

tador depois do outro semestre apoacutes semestre antes que me fosse permitidotornar a literatura chicana uma aacuterea de foco

Mesmo antes de ler livros de chicanos ou mexicanos foram os 1047297lmesmexicanos que eu via no drive-in ndash na noite de terccedila especial a um doacutelar porcarro ndash que me deram um sentido de pertencimento ldquoVaacutemonos a las vistas rdquominha matildee chamava e todas(os) noacutes ndash avoacute irmatildeos irmatildes e primos ndash nos es-premiacuteamos dentro do carro Noacutes devoraacutevamos sanduiacuteches de patildeo branco com

queijo e mortadela enquanto assistiacuteamos Pedro Infante em romances melo-dramaacuteticos como Nosostros los pobres o primeiro 1047297lme ldquorealmenterdquo mexicano(que natildeo era uma imitaccedilatildeo de 1047297lmes europeus) Eu me lembro de ver Cuando

los hijos se van e supor que todos os 1047297lmes mexicanos enfatizavam o amor queuma matildee tem por seus 1047297lhos e o que os 1047297lhos e 1047297lhas ingratos sofrem quandonatildeo satildeo dedicados agraves suas matildees Eu me lembro dos ldquofaroestesrdquo musicais de Jorge Negrete e Miguel Aceves Mejiacutea Quando assistia a 1047297lmes mexicanos eutinha uma sensaccedilatildeo de regresso ao lar assim como de alienaccedilatildeo Pessoas que

valiam alguma coisa natildeo iam a 1047297lmes mexicanos ou bailes nem sintonizavamseus raacutedios em muacutesicas de bolero rancherita e corrido

Todo o tempo em que eu estava crescendo havia muacutesica nortentildea cha-mada algumas vezes de muacutesica da fronteira do norte do Meacutexico ou muacutesicaTex-Mex ou muacutesica chicana ou muacutesica de cantina (bar) Eu cresci ouvindoconjuntos bandas de trecircs ou quatro instrumentos formadas por muacutesicos popu-lares tocando guitarra bajo sexto bateria e acordeatildeo que os chicanos tomaramemprestado dos imigrantes alematildees que tinham vindo para o centro do Texase para o Meacutexico plantar e construir cervejarias No Rio Grande Valley Steve Jordan e Little Joe Hernaacutendez eram populares e Flaco Jimeacutenez era o rei doacordeatildeo Os ritmos da muacutesica Tex-Mex eram os da polca tambeacutem adaptadosdos alematildees que por sua vez o tomaram emprestado dos tchecos e boecircmios

Eu me lembro das tardes quentes e uacutemidas quando corridos ndash canccedilotildees deamor e morte sobre as fronteiras texanas-mexicanas ndash reverberavam dos ampli1047297ca-dores baratos das cantinas locais e entravam 1047298utuando pela janela do meu quarto

Os corridos se tornaram pela primeira vez amplamente usados ao longo dafronteira do sul do TexasMeacutexico durante o mais antigo con1047298ito entre chicanos e

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1014

314Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

anglos Os corridos satildeo normalmente sobre heroacuteis mexicanos que realizaram accedilotildeesde valentia contra os opressores anglos A canccedilatildeo de Pancho Villa ldquoLa cucarachardquo eacute a mais famosa Os corridos de John F Kennedy e sua morte satildeo ainda muito

populares no Valley Os chicanos mais velhos lembram-se de Lydia Mendonzauma das maiores cantoras de corrido da fronteira que foi chamada de la Gloria

de Tejas Sua canccedilatildeo ldquoEl tango negrordquo cantada durante a Grande Depressatildeo fezdela uma cantora do povo Os corridos mais comuns narravam os cem anos dehistoacuteria da fronteira tanto trazendo notiacutecias de eventos como entretendo Essesmuacutesicos populares e canccedilotildees populares satildeo nossos principais criadores de mitosculturais e eles 1047297zeram nossas vidas difiacuteceis parecerem suportaacuteveis

Eu cresci com um sentimento ambivalente em relaccedilatildeo agrave nossa muacutesica Ocountry do oeste e o rock-and-roll tinham mais status Nos anos 50 e 60 paraos chicanos minimamente escolarizados e agringados havia uma sensaccedilatildeo devergonha de ser pego ouvindo nossa muacutesica Contudo eu natildeo podia impedirmeu peacute de bater ao som da muacutesica natildeo podia parar de cantarolar as palavrasnem esconder de mim mesma a euforia sentida quando eu a ouvia

Existem maneiras mais sutis de internalizarmos identi1047297caccedilatildeo especial-mente nas formas de imagens e emoccedilotildees Para mim a comida e certos cheiros

estatildeo ligados agrave minha identidade agrave minha terra natal Fumaccedila de lenha subin-do em espiral num imenso ceacuteu azul fumaccedila de lenha perfumando as roupasda minha matildee a pele dela O fedor do estrume de vaca e as manchas amarelasno chatildeo o estampido de uma espingarda 22 e o cheiro forte de cordite Queijobranco caseiro crepitando numa panela derretendo dentro de uma tortilhafechada O menudovii quente e picante da minha irmatilde Hilda o chile colorado tornando-o mais intensamente vermelho pedaccedilos de panza e canjica 1047298utuan-do por cima Meu irmatildeo Carito assando fajitas viii no quintal Mesmo agora ea 3000 milhas de laacute eu posso ver minha matildee temperando o bife a carne deporco e a carne de veado com chile Minha boca saliva com a lembranccedila dostamales ix quentes e fumegantes que eu estaria comendo se estivesse em casa

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo

ldquoIdentidade eacute o centro essencial de quem

somos como indiviacuteduos a experiecircnciaconsciente do self internordquo

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1114

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 315

ndash Kaufman9

Nosostros los chicanos temos um peacute em cada lado das fronteiras De um

lado somos constantemente expostos ao espanhol dos mexicanos do outrolado escutamos a reclamaccedilatildeo incessante dos anglos para que esqueccedilamos nossaliacutengua Entre noacutes natildeo dizemos nosotros los americanos ou nosotros los espantildeoles ou nosotros los hispanicos Dizemos nosostros los mexicanos (por mexicanos natildeoqueremos dizer ldquocidadatildeos do Meacutexicordquo natildeo estamos falando de uma identidadenacional mas sim racial) Noacutes distinguimos entre mexicanos del otro lado emexicanos de este lado No fundo dos nossos coraccedilotildees a gente acredita que ser

mexicano natildeo tem nada a ver com o paiacutes em que a gente vive Ser mexicano eacuteum estado da alma ndash natildeo da mente nem da cidadania Nem aacuteguia nem serpen-te mas as duas E como o oceano nenhum animal respeita fronteiras

Dime con quien andas y te direacute quien eres (Diz-me com quem andas e te direi quem eacutes) ndash Ditado mexicano

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo te diraacute ldquoSoy mexicanardquo Meusirmatildeos e minha irmatilde dizem o mesmo Eu algumas vezes responderei ldquosoy mexi-

canardquo e outras vezes direi ldquosoy chicana rdquo ou ldquosoy tejanardquo Mas eu me identi1047297queicomo ldquorazardquo antes de ter me identi1047297cado como ldquomexicanardquo ou ldquochicanardquo

Como uma cultura nos chamamos espanhoacuteis quando nos referimos a noacutesmesmos como um grupo linguiacutestico e quando nos intimidamos Eacute entatildeo queesquecemos nossos genes indiacutegenas predominantes Noacutes somos 70 ou 80indiacutegenas10 Noacutes nos chamamos hispacircnicos11 ou hispano-americanos ou latino-americanos ou latinos quando nos ligamos a outros povos falantes do espanhol dohemisfeacuterio ocidental e quando nos intimidamos Nos chamamos mexicano-ame-ricanos12 para dizer que natildeo somos nem mexicanos nem americanos mas mais o

9 KAUFMAN Gershen Shame the power of caring Cambridge MA Schenkman BooksInc 1980 p 68

10 CHAVEacuteZ p 88-9011 ldquoHispacircnicordquo eacute derivado de Hispanis (Espantildea um nome dado agrave Peniacutensula Ibeacuterica em tempos

antigos quando era parte do impeacuterio romano) e eacute um termo utilizado pelo governo dosEUA para facilitar lidar conosco nos documentos12 O tratado de Guadalupe Hidalgo criou o mexicano-americano em 1848

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 9: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 914

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 313

e ldquoamericanardquo Com o risco de ser demitida 1047297z meus alunos jurarem segredo eentrei de mansinho em contos chicanos poemas uma peccedila Na universidadeenquanto trabalhava no meu doutorado tive que ldquodiscutirrdquo com um orien-

tador depois do outro semestre apoacutes semestre antes que me fosse permitidotornar a literatura chicana uma aacuterea de foco

Mesmo antes de ler livros de chicanos ou mexicanos foram os 1047297lmesmexicanos que eu via no drive-in ndash na noite de terccedila especial a um doacutelar porcarro ndash que me deram um sentido de pertencimento ldquoVaacutemonos a las vistas rdquominha matildee chamava e todas(os) noacutes ndash avoacute irmatildeos irmatildes e primos ndash nos es-premiacuteamos dentro do carro Noacutes devoraacutevamos sanduiacuteches de patildeo branco com

queijo e mortadela enquanto assistiacuteamos Pedro Infante em romances melo-dramaacuteticos como Nosostros los pobres o primeiro 1047297lme ldquorealmenterdquo mexicano(que natildeo era uma imitaccedilatildeo de 1047297lmes europeus) Eu me lembro de ver Cuando

los hijos se van e supor que todos os 1047297lmes mexicanos enfatizavam o amor queuma matildee tem por seus 1047297lhos e o que os 1047297lhos e 1047297lhas ingratos sofrem quandonatildeo satildeo dedicados agraves suas matildees Eu me lembro dos ldquofaroestesrdquo musicais de Jorge Negrete e Miguel Aceves Mejiacutea Quando assistia a 1047297lmes mexicanos eutinha uma sensaccedilatildeo de regresso ao lar assim como de alienaccedilatildeo Pessoas que

valiam alguma coisa natildeo iam a 1047297lmes mexicanos ou bailes nem sintonizavamseus raacutedios em muacutesicas de bolero rancherita e corrido

Todo o tempo em que eu estava crescendo havia muacutesica nortentildea cha-mada algumas vezes de muacutesica da fronteira do norte do Meacutexico ou muacutesicaTex-Mex ou muacutesica chicana ou muacutesica de cantina (bar) Eu cresci ouvindoconjuntos bandas de trecircs ou quatro instrumentos formadas por muacutesicos popu-lares tocando guitarra bajo sexto bateria e acordeatildeo que os chicanos tomaramemprestado dos imigrantes alematildees que tinham vindo para o centro do Texase para o Meacutexico plantar e construir cervejarias No Rio Grande Valley Steve Jordan e Little Joe Hernaacutendez eram populares e Flaco Jimeacutenez era o rei doacordeatildeo Os ritmos da muacutesica Tex-Mex eram os da polca tambeacutem adaptadosdos alematildees que por sua vez o tomaram emprestado dos tchecos e boecircmios

Eu me lembro das tardes quentes e uacutemidas quando corridos ndash canccedilotildees deamor e morte sobre as fronteiras texanas-mexicanas ndash reverberavam dos ampli1047297ca-dores baratos das cantinas locais e entravam 1047298utuando pela janela do meu quarto

Os corridos se tornaram pela primeira vez amplamente usados ao longo dafronteira do sul do TexasMeacutexico durante o mais antigo con1047298ito entre chicanos e

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1014

314Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

anglos Os corridos satildeo normalmente sobre heroacuteis mexicanos que realizaram accedilotildeesde valentia contra os opressores anglos A canccedilatildeo de Pancho Villa ldquoLa cucarachardquo eacute a mais famosa Os corridos de John F Kennedy e sua morte satildeo ainda muito

populares no Valley Os chicanos mais velhos lembram-se de Lydia Mendonzauma das maiores cantoras de corrido da fronteira que foi chamada de la Gloria

de Tejas Sua canccedilatildeo ldquoEl tango negrordquo cantada durante a Grande Depressatildeo fezdela uma cantora do povo Os corridos mais comuns narravam os cem anos dehistoacuteria da fronteira tanto trazendo notiacutecias de eventos como entretendo Essesmuacutesicos populares e canccedilotildees populares satildeo nossos principais criadores de mitosculturais e eles 1047297zeram nossas vidas difiacuteceis parecerem suportaacuteveis

Eu cresci com um sentimento ambivalente em relaccedilatildeo agrave nossa muacutesica Ocountry do oeste e o rock-and-roll tinham mais status Nos anos 50 e 60 paraos chicanos minimamente escolarizados e agringados havia uma sensaccedilatildeo devergonha de ser pego ouvindo nossa muacutesica Contudo eu natildeo podia impedirmeu peacute de bater ao som da muacutesica natildeo podia parar de cantarolar as palavrasnem esconder de mim mesma a euforia sentida quando eu a ouvia

Existem maneiras mais sutis de internalizarmos identi1047297caccedilatildeo especial-mente nas formas de imagens e emoccedilotildees Para mim a comida e certos cheiros

estatildeo ligados agrave minha identidade agrave minha terra natal Fumaccedila de lenha subin-do em espiral num imenso ceacuteu azul fumaccedila de lenha perfumando as roupasda minha matildee a pele dela O fedor do estrume de vaca e as manchas amarelasno chatildeo o estampido de uma espingarda 22 e o cheiro forte de cordite Queijobranco caseiro crepitando numa panela derretendo dentro de uma tortilhafechada O menudovii quente e picante da minha irmatilde Hilda o chile colorado tornando-o mais intensamente vermelho pedaccedilos de panza e canjica 1047298utuan-do por cima Meu irmatildeo Carito assando fajitas viii no quintal Mesmo agora ea 3000 milhas de laacute eu posso ver minha matildee temperando o bife a carne deporco e a carne de veado com chile Minha boca saliva com a lembranccedila dostamales ix quentes e fumegantes que eu estaria comendo se estivesse em casa

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo

ldquoIdentidade eacute o centro essencial de quem

somos como indiviacuteduos a experiecircnciaconsciente do self internordquo

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1114

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 315

ndash Kaufman9

Nosostros los chicanos temos um peacute em cada lado das fronteiras De um

lado somos constantemente expostos ao espanhol dos mexicanos do outrolado escutamos a reclamaccedilatildeo incessante dos anglos para que esqueccedilamos nossaliacutengua Entre noacutes natildeo dizemos nosotros los americanos ou nosotros los espantildeoles ou nosotros los hispanicos Dizemos nosostros los mexicanos (por mexicanos natildeoqueremos dizer ldquocidadatildeos do Meacutexicordquo natildeo estamos falando de uma identidadenacional mas sim racial) Noacutes distinguimos entre mexicanos del otro lado emexicanos de este lado No fundo dos nossos coraccedilotildees a gente acredita que ser

mexicano natildeo tem nada a ver com o paiacutes em que a gente vive Ser mexicano eacuteum estado da alma ndash natildeo da mente nem da cidadania Nem aacuteguia nem serpen-te mas as duas E como o oceano nenhum animal respeita fronteiras

Dime con quien andas y te direacute quien eres (Diz-me com quem andas e te direi quem eacutes) ndash Ditado mexicano

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo te diraacute ldquoSoy mexicanardquo Meusirmatildeos e minha irmatilde dizem o mesmo Eu algumas vezes responderei ldquosoy mexi-

canardquo e outras vezes direi ldquosoy chicana rdquo ou ldquosoy tejanardquo Mas eu me identi1047297queicomo ldquorazardquo antes de ter me identi1047297cado como ldquomexicanardquo ou ldquochicanardquo

Como uma cultura nos chamamos espanhoacuteis quando nos referimos a noacutesmesmos como um grupo linguiacutestico e quando nos intimidamos Eacute entatildeo queesquecemos nossos genes indiacutegenas predominantes Noacutes somos 70 ou 80indiacutegenas10 Noacutes nos chamamos hispacircnicos11 ou hispano-americanos ou latino-americanos ou latinos quando nos ligamos a outros povos falantes do espanhol dohemisfeacuterio ocidental e quando nos intimidamos Nos chamamos mexicano-ame-ricanos12 para dizer que natildeo somos nem mexicanos nem americanos mas mais o

9 KAUFMAN Gershen Shame the power of caring Cambridge MA Schenkman BooksInc 1980 p 68

10 CHAVEacuteZ p 88-9011 ldquoHispacircnicordquo eacute derivado de Hispanis (Espantildea um nome dado agrave Peniacutensula Ibeacuterica em tempos

antigos quando era parte do impeacuterio romano) e eacute um termo utilizado pelo governo dosEUA para facilitar lidar conosco nos documentos12 O tratado de Guadalupe Hidalgo criou o mexicano-americano em 1848

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 10: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1014

314Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

anglos Os corridos satildeo normalmente sobre heroacuteis mexicanos que realizaram accedilotildeesde valentia contra os opressores anglos A canccedilatildeo de Pancho Villa ldquoLa cucarachardquo eacute a mais famosa Os corridos de John F Kennedy e sua morte satildeo ainda muito

populares no Valley Os chicanos mais velhos lembram-se de Lydia Mendonzauma das maiores cantoras de corrido da fronteira que foi chamada de la Gloria

de Tejas Sua canccedilatildeo ldquoEl tango negrordquo cantada durante a Grande Depressatildeo fezdela uma cantora do povo Os corridos mais comuns narravam os cem anos dehistoacuteria da fronteira tanto trazendo notiacutecias de eventos como entretendo Essesmuacutesicos populares e canccedilotildees populares satildeo nossos principais criadores de mitosculturais e eles 1047297zeram nossas vidas difiacuteceis parecerem suportaacuteveis

Eu cresci com um sentimento ambivalente em relaccedilatildeo agrave nossa muacutesica Ocountry do oeste e o rock-and-roll tinham mais status Nos anos 50 e 60 paraos chicanos minimamente escolarizados e agringados havia uma sensaccedilatildeo devergonha de ser pego ouvindo nossa muacutesica Contudo eu natildeo podia impedirmeu peacute de bater ao som da muacutesica natildeo podia parar de cantarolar as palavrasnem esconder de mim mesma a euforia sentida quando eu a ouvia

Existem maneiras mais sutis de internalizarmos identi1047297caccedilatildeo especial-mente nas formas de imagens e emoccedilotildees Para mim a comida e certos cheiros

estatildeo ligados agrave minha identidade agrave minha terra natal Fumaccedila de lenha subin-do em espiral num imenso ceacuteu azul fumaccedila de lenha perfumando as roupasda minha matildee a pele dela O fedor do estrume de vaca e as manchas amarelasno chatildeo o estampido de uma espingarda 22 e o cheiro forte de cordite Queijobranco caseiro crepitando numa panela derretendo dentro de uma tortilhafechada O menudovii quente e picante da minha irmatilde Hilda o chile colorado tornando-o mais intensamente vermelho pedaccedilos de panza e canjica 1047298utuan-do por cima Meu irmatildeo Carito assando fajitas viii no quintal Mesmo agora ea 3000 milhas de laacute eu posso ver minha matildee temperando o bife a carne deporco e a carne de veado com chile Minha boca saliva com a lembranccedila dostamales ix quentes e fumegantes que eu estaria comendo se estivesse em casa

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo

ldquoIdentidade eacute o centro essencial de quem

somos como indiviacuteduos a experiecircnciaconsciente do self internordquo

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1114

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 315

ndash Kaufman9

Nosostros los chicanos temos um peacute em cada lado das fronteiras De um

lado somos constantemente expostos ao espanhol dos mexicanos do outrolado escutamos a reclamaccedilatildeo incessante dos anglos para que esqueccedilamos nossaliacutengua Entre noacutes natildeo dizemos nosotros los americanos ou nosotros los espantildeoles ou nosotros los hispanicos Dizemos nosostros los mexicanos (por mexicanos natildeoqueremos dizer ldquocidadatildeos do Meacutexicordquo natildeo estamos falando de uma identidadenacional mas sim racial) Noacutes distinguimos entre mexicanos del otro lado emexicanos de este lado No fundo dos nossos coraccedilotildees a gente acredita que ser

mexicano natildeo tem nada a ver com o paiacutes em que a gente vive Ser mexicano eacuteum estado da alma ndash natildeo da mente nem da cidadania Nem aacuteguia nem serpen-te mas as duas E como o oceano nenhum animal respeita fronteiras

Dime con quien andas y te direacute quien eres (Diz-me com quem andas e te direi quem eacutes) ndash Ditado mexicano

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo te diraacute ldquoSoy mexicanardquo Meusirmatildeos e minha irmatilde dizem o mesmo Eu algumas vezes responderei ldquosoy mexi-

canardquo e outras vezes direi ldquosoy chicana rdquo ou ldquosoy tejanardquo Mas eu me identi1047297queicomo ldquorazardquo antes de ter me identi1047297cado como ldquomexicanardquo ou ldquochicanardquo

Como uma cultura nos chamamos espanhoacuteis quando nos referimos a noacutesmesmos como um grupo linguiacutestico e quando nos intimidamos Eacute entatildeo queesquecemos nossos genes indiacutegenas predominantes Noacutes somos 70 ou 80indiacutegenas10 Noacutes nos chamamos hispacircnicos11 ou hispano-americanos ou latino-americanos ou latinos quando nos ligamos a outros povos falantes do espanhol dohemisfeacuterio ocidental e quando nos intimidamos Nos chamamos mexicano-ame-ricanos12 para dizer que natildeo somos nem mexicanos nem americanos mas mais o

9 KAUFMAN Gershen Shame the power of caring Cambridge MA Schenkman BooksInc 1980 p 68

10 CHAVEacuteZ p 88-9011 ldquoHispacircnicordquo eacute derivado de Hispanis (Espantildea um nome dado agrave Peniacutensula Ibeacuterica em tempos

antigos quando era parte do impeacuterio romano) e eacute um termo utilizado pelo governo dosEUA para facilitar lidar conosco nos documentos12 O tratado de Guadalupe Hidalgo criou o mexicano-americano em 1848

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 11: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1114

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 315

ndash Kaufman9

Nosostros los chicanos temos um peacute em cada lado das fronteiras De um

lado somos constantemente expostos ao espanhol dos mexicanos do outrolado escutamos a reclamaccedilatildeo incessante dos anglos para que esqueccedilamos nossaliacutengua Entre noacutes natildeo dizemos nosotros los americanos ou nosotros los espantildeoles ou nosotros los hispanicos Dizemos nosostros los mexicanos (por mexicanos natildeoqueremos dizer ldquocidadatildeos do Meacutexicordquo natildeo estamos falando de uma identidadenacional mas sim racial) Noacutes distinguimos entre mexicanos del otro lado emexicanos de este lado No fundo dos nossos coraccedilotildees a gente acredita que ser

mexicano natildeo tem nada a ver com o paiacutes em que a gente vive Ser mexicano eacuteum estado da alma ndash natildeo da mente nem da cidadania Nem aacuteguia nem serpen-te mas as duas E como o oceano nenhum animal respeita fronteiras

Dime con quien andas y te direacute quien eres (Diz-me com quem andas e te direi quem eacutes) ndash Ditado mexicano

Si le preguntas a mi mamaacute ldquoiquestQueacute eresrdquo te diraacute ldquoSoy mexicanardquo Meusirmatildeos e minha irmatilde dizem o mesmo Eu algumas vezes responderei ldquosoy mexi-

canardquo e outras vezes direi ldquosoy chicana rdquo ou ldquosoy tejanardquo Mas eu me identi1047297queicomo ldquorazardquo antes de ter me identi1047297cado como ldquomexicanardquo ou ldquochicanardquo

Como uma cultura nos chamamos espanhoacuteis quando nos referimos a noacutesmesmos como um grupo linguiacutestico e quando nos intimidamos Eacute entatildeo queesquecemos nossos genes indiacutegenas predominantes Noacutes somos 70 ou 80indiacutegenas10 Noacutes nos chamamos hispacircnicos11 ou hispano-americanos ou latino-americanos ou latinos quando nos ligamos a outros povos falantes do espanhol dohemisfeacuterio ocidental e quando nos intimidamos Nos chamamos mexicano-ame-ricanos12 para dizer que natildeo somos nem mexicanos nem americanos mas mais o

9 KAUFMAN Gershen Shame the power of caring Cambridge MA Schenkman BooksInc 1980 p 68

10 CHAVEacuteZ p 88-9011 ldquoHispacircnicordquo eacute derivado de Hispanis (Espantildea um nome dado agrave Peniacutensula Ibeacuterica em tempos

antigos quando era parte do impeacuterio romano) e eacute um termo utilizado pelo governo dosEUA para facilitar lidar conosco nos documentos12 O tratado de Guadalupe Hidalgo criou o mexicano-americano em 1848

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 12: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1214

316Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

nome ldquoamericanordquo do que o adjetivo ldquomexicanordquo (e quando nos intimidamos)Chicanos e outros povos de cor sofrem economicamente por natildeo se acul-

turarem Essa alienaccedilatildeo voluntaacuteria (ainda que forccedilada) resulta em con1047298ito psi-

coloacutegico um tipo de identidade dual ndash natildeo nos identi1047297camos com os valoresculturais anglo-americanos e natildeo nos identi1047297camos totalmente com os valoresculturais mexicanos Somos a sinergia de duas culturas com vaacuterias gradaccedilotildeesde mexicanidade e de anglicidade Eu internalizei tatildeo bem o con1047298ito da fron-teira que agraves vezes sinto como se anulaacutessemos o outro e focircssemos um zeronada ningueacutem A veces no soy nada ni nadie Pero hasta quando no lo soy lo soy

Quando natildeo nos intimidamos quando sabemos que somos mais que

nada noacutes nos chamamos mexicanos referindo-nos agrave raccedila e agrave ancestralidademestizo quando a 1047297rmamos tanto o nosso lado indiacutegena quanto o espanhol (masquase nunca reconhecemos nossa ancestralidade negra) chicano quando nosreferimos agrave pessoa politicamente consciente nascida eou criada nos EUA raza quando nos referimos a chicanos tejanos quando somos chicanos do Texas

Noacutes chicanos natildeo sabiacuteamos que eacuteramos um povo ateacute 1965 quando Ce-sar Chavez e os trabalhadores rurais se uniram e I am Joaquiacuten foi publicado eo partido La raza unida foi formado no Texas Com esse reconhecimento noacutes

nos tornamos um povo distinto Alguma coisa impactante aconteceu para aalma chicana ndash nos tornamos conscientes da nossa realidade e adquirimos umnome e uma liacutengua (espanhol chicano) que re1047298etiam essa realidade Agora quetemos um nome algumas das peccedilas fragmentadas comeccedilaram a se encaixarndash quem eacuteramos o que eacuteramos como nos desenvolvemos Comeccedilamos a tervislumbres do que poderiacuteamos eventualmente nos tornar

No entanto a luta das identidades continua a luta das fronteiras ainda eacutenossa realidade Um dia a luta interior vai cessar e uma verdadeira integraccedilatildeo vaiter lugar No meio disso tenemos que hacerla lucha iquestQuieacuten estaacute protegiendo los ran-

chos de mi gente iquestQuieacuten estaacute tratando de cerrar la 1047297 sura entre la india y el blanco en

nuestra sangre El Chicano siacute el Chicano que anda como um ladroacuten en su propia casa Como noacutes chicanos parecemos pacientes muito pacientes Haacute a quie-

tude do indiacutegena em noacutes13 Sabemos como sobreviver Enquanto outras ra-

13 Anglos no sentido de aliviar sua culpa por terem saqueado os chicanos acentuam a parte es-

panhola em noacutes e perpetram o mito do espanhol do sudoeste Temos aceitado o mito de quesomos hispacircnicos isto eacute espanhoacuteis no sentido de acomodarmo-nos agrave cultura dominante ea seu horror aos indiacutegenas Cf CHAVEacuteZ p 88-91

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 13: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1314

Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Difusatildeo da liacutengua portuguesa no 39 p 303-318 2009 317

ccedilas abriram matildeo da sua liacutengua noacutes mantivemos a nossa Sabemos o que eacuteviver sob o golpe de martelo da cultura norteamericana dominante Masmais que isso noacutes contamos os golpes contamos os dias as semanas os anos

os seacuteculos os eacuteons ateacute que as leis o comeacutercio e os costumes brancos vatildeoapodrecer nos desertos que eles criaram jazer desbotados Humildes aindaque orgulhosos quietos ainda que selvagens nosotros los mexicanos-Chicanos vamos caminhar pelas cinzas desfeitas como quem vai cuidar da proacutepriavida Obstinados perseverantes impenetraacuteveis como uma rocha ainda quepossuindo a maleabilidade que nos torna inquebraacuteveis noacutes mestizas e mes-

tizos permaneceremos

Notas explicativas da traduccedilatildeo

i No texto-fonte ldquomotherlode rdquo traduziacutevel como ldquoveio abundante principalrdquo demetal valioso (ouro ou prata) No entanto a fonte natildeo segura dessa expressatildeoem inglecircs eacute uma traduccedilatildeo literal do espanhol veta madre um termo comumnas antigas minas mexicanas Veta madre por exemplo eacute o nome dado a onzequilocircmetros de um longo veio de prata descoberto em 1548 em Guanajuato

Meacutexico Decidimos retomar esse percurso do espanhol para o inglecircs para re-a 1047297rmar a pluralidade linguiacutestica do texto de Anzalduacutea neste caso pluralidadetambeacutem diacrocircnica [N T]ii Pocho forma pejorativa para se referir a pessoas latino-americanas nascidas eou criadas nos EUA literalmente fruta podre [N T]iii Tex-mex expressatildeo adjetiva para tratar de cultura comida e variante linguiacutes-tica originadas no Texas fronteira com o Meacutexico [N T]iv Braceros trabalhadores braccedilais [N T]v Um zoot suit (ocasionalmente zuit suit ) eacute terno com cintura alta calccedilas lar-gas e com pregas punhos apertados e um casaco com lapelas largas e largosombros com enchimentos Esse estilo de vestir foi popularizado por afro-ame-ricanos mexicano-americanos portoriquenhos iacutetalo-americanos e 1047297lipino-americanos durante os anos 1930 e 1940 [N T]vi Mandar ver passar a matildeo agarrar bolinar1047297car de amasso dar amassos [N T]vii Sopa feita com tripa canjica e pimenta cozida em fogo brando com cebola

e outros temperos Costuma ser servida quente em grandes tigelas e na culinaacute-ria Tex-Mex geralmente eacute utilizada para aliviar os sintomas da ressaca [N T]

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD

Page 14: COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM

8132019 COMO DOMAR UMA LIacuteNGUA SELVAGEM

httpslidepdfcomreaderfullcomo-domar-uma-lingua-selvagem 1414

318Pinto Joana Plaza Santos Karla Cristina dos VerasViviana

Como Domar uma liacutengua selvagem-Gloacuteria Anzalduaacute

viii Tortilhas de farinha recheadas com carne pimentatildeo cebola queijo e gua-camole [N T]ix Massa de canjica triturada cozida no vapor envolta em palha de milho ou

folha de bananeira Pode ser recheada com carnes queijo e pimenta picada[N T]

A4)5+ amp B$C$CBD