comércio internacional, difusão tecnológica e crescimento
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EVA YAMILA DA SILVA CATELA
ENSAIOS SOBRE COMRCIO INTERNACIONAL, TECNOLOGIA
E CRESCIMENTO
Tese de Doutorado apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Doutor, pelo Programa de Ps
Graduao em Desenvolvimento Econmico, Setor de Cincias Sociais Aplicadas da Universidade Federal do
Paran.
Orientador: Prof. Dr. Gabriel Porcile Meirelles
Co-orientador: Prof. Dr. Flvio de Oliveira Gonalves
Universidade Federal de Paran
Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Econmico
Curitiba, 2009.
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A mi amor, Waldo
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AGRADECIMENTOS
Esta tese no resultado de um esforo individual, representa antes de tudo um processo de
construo no qual me deparei com pessoas s quais tenho muito a agradecer e reconhecer. Se o
desafio era enorme, as motivaes eram grandiosas, somadas s espontneas generosidades de
muitas pessoas que fizeram possvel que o doutorado fosse uma caminhada tranqila e feliz.
Dedico algumas palavras de agradecimento queles que fazem parte direta ou indiretamente
deste trabalho, ou, ainda, pelo fato de simplesmente existirem.
Aos meus orientadores Prof. Dr. Gabriel Porcile e Prof. Dr. Flvio Gonalves, pela
pacincia, presteza e confiana que me deram ao longo do trabalho.
A todos os professores das universidades nas quais me formei que foram exemplos de
seriedade e profissionalismo acadmico. Aos professores da Universidad Nacional de Rosario
(Argentina), aos professores do curso de mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina e por
fim aos professores Universidade Federal do Paran na fase de doutoramento.
A minha famlia pelo apoio incondicional e carinho imenso, aos meus pais, Sonia e Negrn,
as minhas irms e melhores amigas, Meli e Ludmi. Aos primos Pipi, Agostina, Flori, Franci, e Moni.
A minha tia Moni, pelo carinho de sempre. A minha sogra Nini, meu sogro Jos e a minha cunhada
Gabi. Aos sobrinos grandes, Nere, Nico, Sale, e aos pequenos, Abril, Valentin e Mora.
Devo agradecer especialmente a meu marido, Waldo e aos meus pequenos, Sol e Martiniano,
com eles todo dia colorido e feliz. Quando este caminho comeou dois bebezinhos que ficavam
com o super pai, hoje duas crianas lindas e maravilhosas.
Aos amigos que conheci nesta fase, Sandra Milena, Roberta, Marcos, Tlio, Daniel,
Fernando, Marco Tlio, Fernanda, Joo Baslio, Dayane, Ricardo. As amigas de sempre, , a pesar da
distancia e do tempo, esto sempre do meu lado.
Agradeo a todos que, direta ou indiretamente, tornaram possvel a realizao deste trabalho.
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SUMRIO Resumo................................................................................................................................................................6 Abstract...............................................................................................................................................................7 Introduo..........................................................................................................................................................8 1. Convergncia, para onde? Uma anlise da dinmica de dstribuio de renda per capita a partir do modelo de misturas finitas ...................................................................................................................12 1.1 Introduo...................................................................................................................................................12 1.2 O debate da convergncia.........................................................................................................................13 1.3 Estimao de Densidade de Kernel........................................................................................................17 1.4 Resultados da analise economtrica........................................................................................................19 1.4.1 Definio dos grupos intra-distribuio..........................................................................................19 1.4.2 Composio dos grupos e evoluo da distribuio......................................................................21 1.5 Observaes Finais....................................................................................................................................24 2. Dinmicas tecnolgicas e insero no mercado internacional: uma anlise de misturas finitas das distribuies dos nveis de exportao de bens de alta tecnologia.....................................................................................26 2.1 Introduo...................................................................................................................................................26 2.2 Dados...........................................................................................................................................................28 2.3 Contedo tecnolgico das exportaes, economias de escala e o crescimento de produto.............................................................................................................................29 2.4 Definio dos grupos intra-distribuio..................................................................................................33 2.5 Composio dos grupos e evoluo da distribuio.............................................................................35 2.6 Modelo de estados mltiplos: um acercamento a partir da cadeia de Markov.................................39 2.7 Os determinantes das exportaes de alta tecnologia..........................................................................42 2.8 Observaes Finais....................................................................................................................................47 3. Estrutura das exportaes e crescimento econmico: uma anlise emprica, 1985-2003..............................................................................................49 3.1 Introduo...................................................................................................................................................49 3.2 Crescimento com restrio externa e padro de especializao.........................................................50 3.3 Tecnologia e especializao: uma perspectiva comparada...................................................................55 3.3.1 Assimetrias tecnolgicas e especializao............................................................................................55 3.3.2 Especializao e crescimento.................................................................................................................58 3.3.3 Uma aplicao do modelo de misturas finitas ...................................................................................60 3.4 Comentrios finais......................................................................................................................................64
4. Economias de aglomerao e produtividade nos municpios ubanos brasileiros ...................................................................................................................66 4.1 Introduo...................................................................................................................................................66 4.2 Externalidades de aglomerao, heterogeneidade das cidades e crescimento econmico..............67 4.3 Descrio dos dados..................................................................................................................................70 4.4 Diversidade e especializao industrial no Brasil...................................................................................71 4.4.1 Especializao das cidades urbanas do Brasil.....................................................................................72 4.4.2 Diversificao...........................................................................................................................................73
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4.5 Agrupamento dos municpios brasileiros segundo tamanho, especializao e diversificao.......................................................................................................75 4.6 Regresso para misturas finitas e Regresso quantlica.........................................................................78 4.6.1 Regresso para misturas finitas.............................................................................................................78 4.6.2 Regresso Quantlica...............................................................................................................................82 4.7 Observaes Finais....................................................................................................................................87 5. Comrcio internacional e dinmica da distribuio da produtividade das firmas brasileiras..................................................................................89 5.1 Introduo...................................................................................................................................................89 5.2. Heterogeneidade das firmas e comrcio internacional........................................................................90 5.2.1 O reconhecimento da heterogeneidade das firmas e diferentes impactos do comrcio internacional..............................................................................................................90 5.2.2 Evidencia emprica..................................................................................................................................92 5.3 Descrio dos dados..................................................................................................................................94 5.4 Metodologia de pesquisa...........................................................................................................................98 5.5 Resultados da anlise economtrica......................................................................................................100 5.5.1 Densidade de Kernel............................................................................................................................100 5.5.2 Definio dos grupos intra-distribuio............................................................................................102 5.5.3 Resultados da Estimao para misturas finitas.................................................................................103 5.6 Observaes finais...................................................................................................................................108
Observaes Finais ................................................................................................................110 Bibliografia.............................................................................................................................112 Apndice 1: Metodologia........................................................................................................123 A1.1 Distribuio de misturas finitas.........................................................................................................123 A1.2 Regresso de misturas finitas..............................................................................................................125 A1.3 Modelos de estados mltiplos e intensidade de transio...............................................................126 Apndice 2: Resultados..........................................................................................................128 A2.1 Pases e sua evoluo temporal da renda...........................................................................................128 A2.2 Pases componentes da amostra e grupo ao que pertence em 1985 e 2004...............................................................................................................................131
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Resumo
Esta tese trata de cinco questes acerca do crescimento econmico, a heterogeneidade e sua relao
com a estrutura produtiva e a tecnologia. A primeira trata da existncia de grupos ou clubes de renda
entre os pases. A segunda discute a heterogeneidade na distribuio das exportaes de alta
tecnologia entre os pases do mundo, e os determinantes deste tipo de exportaes. A terceira
destaca o peso que tm as eficincias keynesiana e schumpeteriana das exportaes, sobre o
crescimento dos pases. A quarta exibe a relao entre economias de aglomerao e a produtividade
das cidades do Brasil. Por fim, verifica-se se a heterogeneidade das firmas brasileiras enquanto
produtividade pode ser explicada pelo tipo de insero comercial internacional que estas firmas
apresentam.
Palavras-chave: heterogeneidade, crescimento econmico, tecnologia.
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Abstract
This thesis deals with five issues about economic growth, heterogeneity and its relationship with the
production structure and technology. The first deals with the existence of income clubs between
countries. The second discusses the high-tech export distribution heterogeneity between the
countries of the world, and the determinants of such exports. The third highlights the weight that
the Keynesian and Schumpeterian efficiencies of exports on the growth of countries. The fourth
displays the relationship between agglomeration economies and productivity in the cities of Brazil.
Finally, there is the heterogeneity of local companies while productivity can be explained by the type
of international trade insertion that these firms have.
Key words: heterogeneity, economic growth, technology.
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INTRODUO
O presente trabalho examina a heterogeneidade no processo de crescimento dos pases, das
cidades e das firmas e a sua relao com o comrcio e a tecnologia. A tecnologia resultado de uma
atividade humana que pode ser entendida se levarmos em conta quatro aspectos fundamentais
apontados por ARCHIBUGI e MICHIE (1995). Em primeiro lugar, a tecnologia no um bem
livre, os produtores de novos conhecimentos contam com uma variedade de mtodos legais e
econmicos para obter os retornos de suas inovaes. Em segundo lugar, uma ampla parte do
conhecimento associado tecnologia tcito, especfico de agentes econmicos como indivduos,
empresas e naes. Este conhecimento s pode ser adquirido por longos processos de aprendizado.
Em terceiro lugar, existem variaes entre diferentes campos tecnolgicos e tais variaes implicam
mudanas na expertise necessria para ter acesso a essas tecnologias. Por ltimo, a evoluo do
conhecimento influenciada pelo conhecimento j acumulado pelos agentes no passado.
O comrcio internacional o maior canal de difuso tecnolgica entre quem inova e quem
usufrui, de forma parcial, destas inovaes. A difuso tecnolgica internacional atravs das
atividades ligadas ao comrcio1 (KELLER, 2004) uma forma de usufruir dos benefcios do avano
tecnolgico e se materializa por meio de dois mecanismos bsicos: a) o aprendizado direto do
conhecimento tcnico externo codificado (spillovers tecnolgicos ativos); e b) o emprego de insumos
estrangeiros, especializados e tecnicamente avanados (spillovers tecnolgicos passivos). As
evidncias sugerem tambm que a importncia relativa das fontes externas para o crescimento da
produtividade declina com o tamanho e o nvel de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, no existem
provas de que o aprendizado internacional inevitvel ou automtico: efeitos diferenciais no
aprendizado podem ser em parte explicados por a) a extenso e a forma nas quais as firmas dos
diferentes pases se inserem nas atividades econmicas internacionais; b) o rol que as instituies de
cada pas tem na promoo da mudana tcnica e o aprendizado mediante as atividades cientficas e
tecnolgicas das universidades e outras instituies de pesquisa pblicas e privadas, o financiamento
inovao e pesquisa, a proviso de infraestrutura produo, incluindo educao e treinamento,
normas e padres e um sistema legal de direitos de propriedade que incentivem as firmas a inovar; e
c) o funcionamento dos mercados de cada pas.
Existe, assim, um forte nexo entre tecnologia, comrcio e crescimento: a inovao e a
difuso tecnolgica internacional tm um papel fundamental no desenvolvimento de novos
produtos, aumento do comrcio de qualidade e crescimento da produtividade das firmas e dos
pases. H pelo menos trs links entre a inovao e a maior competitividade internacional: 1)
inovaes de processos reduzem os custos de produo e, consequentemente, os preos dos
1 Outros mecanismos de difuso so o investimento direto externo e a comunicao de pessoa a pessoa (KELLER, 2004)
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produtos, aumentando a competitividade; 2) inovaes em produtos j existentes melhoram a
qualidade destes bens, convertendo-os em mais desejados nos mercados internos e externos; 3)
inovaes em novos produtos outorgam, por um certo perodo de tempo, uma posio
monopolstica que ajuda na imposio deste novo produto e gera lucros do monoplio.
O mix de produtos que um pas produz vai ter importantes consequncias para o
desenvolvimento, de acordo com a capacidade dos pases de se inserirem num comrcio de
qualidade (HAUSMANN, HWANG e RODRIK, 2005). A tecnologia tem um rol significante na
configurao dos padres comerciais das economias e no desenvolvimento dos sistemas de inovao
nacionais (DOSI, PAVITT, e SOETE, 1990; FAGERBERG e VERSPAGEN, 2007) Isto porque as
caractersticas especficas do processo de criao e acumulao tecnolgica podem desenvolver um
padro de capacidades que podem dificultar a mudana da estrutura exportadora (LALL, 2001), num
contexto de mudana estrutural das atividades tecnolgicas e comrcio em nvel mundial, nas
ltimas duas dcadas. Segundo PARENTE e PRESCOTT (2004), um pas consegue alcanar o nvel
de desenvolvimento dos pases industriais se eliminar os constrangimentos relacionados utilizao
da tecnologia.
A hiptese fundamental do trabalho que a existncia de heterogeneidade no crescimento
tem na participao e na qualidade do comrcio no qual o pas ou a firma se insere um dos fatores
principais, que causam tal heterogeneidade.
No primeiro ensaio, o objetivo testar a existncia de grupos ou clubes de renda dos pases a
partir de uma estimao de densidade no paramtrica e do modelo de misturas finitas para a renda
per capita de 134 pases no perodo entre 1970-2003. A partir da comprovao da existncia destes
grupos, se analisa a distribuio de renda entre os pases, a dinmica de catching up dos pases
relativamente mais pobres com respeito aos ricos, a estagnao de certos pases em armadilhas de
pobreza, a ultrapassagem de alguns pases pobres queles previamente mais ricos, a dinmica de
convergncia em clubes com pases membros indo juntos para certo nvel de renda e divergindo de
outros clubes diferentes. As principais concluses do trabalho nos revelam a estagnao da renda
dos pases mais pobres desde a dcada de 70, a mudana de configurao da distribuio depois do
fim do tratado de Bretton Woods, o distanciamento entre os grupos de renda, a convergncia entre
os pases mais ricos e o aumento de heterogeneidade na classe de pases intermedirios.
No segundo ensaio, o objetivo mostrar que as exportaes de alta tecnologia se distribuem
heterogeneamente entre os pases, e estudar os determinantes deste tipo de exportao. Vrios
estudos sugerem que o grau de difuso tecnolgica entre os diferentes conjuntos de produtos varia:
para certos tipos de produtos de alta tecnologia, a difuso tecnolgica pode ser at trs vezes mais
forte que a mdia para os produtos manufaturados (KELLER, 2001; BLYDE, 2001). A
importncia desta anlise aparece se considerarmos que as diferenas nas capacidades tecnolgicas
podem explicar a existncia de polarizao e clubes de convergncia da renda na economia mundial
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(CASTELLACCI e ARCHIBUGI, 2005). Vrios trabalhos formalizaram recentemente a ideia de
que a existncia de clubes de convergncia dos nveis de renda per capita resultado de diferenas
em capacidades tecnolgicas, como NAKAJIMA (2003), HOWITT e MAYER-FOULKES (2002) e
CASTELLACCI e ARCHIBUGI (2005). Se aceitarmos que o padro de especializao produtivo e
comercial ter consequncias acerca do padro de crescimento, analisar o conjunto de bens de alta
tecnologia pode ser importante porque se trata de um conjunto de bens que podem induzir um
maior crescimento.
No terceiro ensaio, se discute empiricamente a ideia de que a estrutura das exportaes seja
determinante para o crescimento econmico. A influncia da estrutura das exportaes sobre a taxa
de crescimento abordada no contexto de um modelo com restrio externa. Para testar essa
relao, as exportaes foram divididas em dois grupos: a) dinmicas sob uma perspectiva
schumpeteriana (que incluem setores de alta tecnologia); e b) dinmicas sob uma perspectiva
keynesiana (que incluem setores para os quais o crescimento da demanda internacional superior
mdia). A hiptese-chave que, quando os pases nos quais os setores com eficincias keynesiana e
schumpeteriana tm maior peso nas exportaes, esses atingem taxas mais elevadas de crescimento.
Os resultados mostram que os dois tipos de eficincia tm um efeito positivo e significativo, sendo
mais forte o impacto da eficincia schumpeteriana.
No quarto ensaio, estudada a relao entre economias de aglomerao e a produtividade
das cidades urbanas do Brasil. O objetivo apresentar algumas caractersticas do processo de
especializao e diversificao na indstria de transformao em dois anos, 1997 e 2007, para 524
municpios, construindo ndices de especializao e diversificao relativa e, a partir de estes ndices,
testar empiricamente a relao entre a produtividade das cidades e as economias de especializao e
diversificao industrial. Alm de realizar um agrupamento atravs do mtodo de cluster k-means
que justifique o tratamento de dados heterogneos, estimada a relao entre o salrio mdio das
cidades e as economias de aglomerao. Os resultados indicam que a dualidade norte-nordeste sul-
sudeste, largamente estudada em outras pesquisas, confirmada no nosso estudo. Esta dualidade, no
entanto, deve ser analisada considerando que certas cidades no se inserem na mesma dinmica da
regio que pertencem.
No ltimo ensaio, o objetivo verificar se a heterogeneidade das firmas quanto
produtividade e padro de crescimento pode ser explicada pelo tipo de insero comercial
internacional que tais firmas apresentam. A discusso do papel do comrcio na promoo do
crescimento, em geral, e da produtividade, em particular, tem ocupado um amplo espao nos
ltimos anos. Para o Brasil, a literatura estabelece que os determinantes das exportaes refletem o
estgio do desenvolvimento industrial intermedirio que o pas apresenta (ARAJO, 2006), porm
com ampla heterogeneidade de produtividade quando superada a dicotomia firma exportadora
versus firma no exportadora na anlise (DE NEGRI e ARAJO, 2006). Nos ltimos anos, outras
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dimenses da importncia do comrcio das firmas foram salientadas, em especial quando
considerada a relevncia dos intercmbios para a difuso tecnolgica. As importaes so
particularmente interessantes na viso da literatura da difuso tecnolgica internacional (KELLER
2004, ACHARYA e KELLER 2007). O trabalho de BERNARD, REDDING, SCHOTT (2007),
para a indstria americana, e o de CASTELLANI, SERTI e TOMASI (2008), baseado na indstria
manufatureira da Itlia, comprova que a atividade de importar pode ser to significativa quanto
exportao para explicar a heterogeneidade das firmas.
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1. CONVERGNCIA, PARA ONDE? UMA ANALISE DA DINAMICA DE
DISTRIBUIO DE RENDA PER CAPITA A PARTIR DO MODELO DE MISTURAS
FINITAS.
1.1 Introduo.
A pesquisa acerca da existncia ou no da convergncia de renda per capita dos pases tem
produzido uma grande quantidade de estudos, empricos e tericos. Nos modelos neoclssicos
tradicionais de crescimento, o principal resultado diz respeito ao crescimento como um processo
exgeno inexorvel. Os retornos decrescentes do capital asseguram a convergncia da renda entre os
pases. A partir da dcada de 1980 foi observado que o comportamento da distribuio da renda
nacional dos pases caracterizado por haver dois ou mais grupos que distinguem um mundo
polarizado e sugere equilbrios mltiplos. Neste sentido, o trabalho seminal de BAUMOL (1986)
aponta a existncia de clubes de convergncia (OECD, economias centralmente planificadas e pases
em desenvolvimento) e demonstra que os padres de convergncia diferem entre tais grupos. A
questo de multimodalidade na distribuio de renda foi logo salientada por QUAH (1996), que
estabelece que em 1990 o mundo estaria dividido como fato estilizado- dentro de duas categorias:
os ricos e os pobres. Outra contribuio no mesmo sentido a do BIANCHI (1997), destacando
que a brecha entre pases mais e menos desenvolvidos (distncia entre os modos) se ampliou durante
os anos 1980.
O trabalho de DAVID (2003, 2007) questiona o fato de que o modelo de convergncia
explica o fenmeno econmico sem fazer referncia aos legados do passado, ou seja, trata-se de um
processo path-independent cuja dinmica garante convergncia para uma configurao de equilbrio
nica e globalmente estvel. O conceito de path dependence se relaciona, por sua vez, com um
processo estocstico no qual a distribuio assinttica evolui como conseqncia do seu processo
histrico. Desta forma, as condies iniciais so importantes, porm no determinsticas de todo
processo o histrico vindouro.
O presente trabalho determina o nmero de grupos em que podemos dividir os pases de
acordo com seus nveis de renda per capita a partir de uma estimao de densidade no paramtrica
e do modelo de misturas finitas para a renda per capita (ajustada por paridade de poder de compra)
de 134 pases no perodo entre 1970-2003, caracterizando esses grupos e suas dinmicas. O
comportamento desta distribuio nos brinda com importantes concluses sobre a existncia de
clubes de renda no mundo, sua conformao e a dinmica intra-distribuio ao longo do tempo.
Modelos estatsticos baseados em distribuies de mistura finita captam muitas propriedades
especficas dos dados como multimodalidade, assimetria, curtose e heterogeneidade no observada
(FRHWIRTH-SCHNATTER, 2006).
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A utilizao deste modelo permite fazer uma anlise mais rica da distribuio de renda entre
os pases, informando-nos melhor da dinmica de catching up dos pases relativamente mais pobres
em relao aos ricos, estagnao de certos pases em armadilhas de pobreza, ultrapassagem de
alguns pases pobres a aqueles previamente mais ricos, dinmica de convergncia em clubes com
pases membros direcionando-se conjuntamente para certo nvel de renda e divergindo de outros
clubes diferentes. As principais concluses do trabalho nos mostram a estagnao da renda dos
pases mais pobres desde a dcada de 70, a mudana de configurao da distribuio depois do fim
do tratado de Bretton Woods, o distanciamento entre os grupos de renda, a convergncia entre os
pases mais ricos e o aumento de heterogeneidade na classe de pases intermedirios.
O trabalho organizado como segue. Na seo dois, apresentado o debate da convergncia
versus divergncia de renda e as caractersticas que determinam as diferenas de renda entre pases,
assim como o conceito de path dependence. Na seo trs, so exibidos e definidos os dados
utilizados, assim como a funo de densidade de Kernel para renda, como primeira aproximao
para a anlise. A seo quatro descreve o mtodo empregado para a realizao da anlise emprica, o
modelo de misturas finitas, como tambm o teste economtrico usado para a anlise do nmero de
componentes da distribuio, o Teste LR. A seo cinco destaca os principais resultados
economtricos. Depois de determinar o nmero de componentes nos grupos de renda per capita,
sero analisadas a evoluo e a dinmica inter-distribuio da renda, utilizando os dados de mdia e
desvio padro, e a composio dos grupos determinados. Para finalizar, so apresentadas as
concluses do trabalho, na seo sete.
1.2 O debate da convergncia.
Nos modelos neoclssicos de crescimento como o de SOLOW (1956), a taxa de crescimento
per capita inversamente relacionada com seu nvel inicial de renda per capita. O elemento-chave
que explica o resultado da convergncia nestes modelos so os retornos decrescentes do capital
reproduzvel. Se as economias tiverem os mesmos parmetros de preferncia e tecnologia, existe uma fora que
promove a convergncia (BARRO e SALA-I-MARTIN, 1992). Desta forma, so ignoradas a inovao
tecnolgica e sua difuso, ou assumido que a tecnologia um bem pblico criado fora da esfera
econmica e que os parmetros no sofrem alterao com o passar do processo histrico. O
resultado fundamental do modelo neoclssico a existncia da convergncia de renda entre pases.
A convergncia beta absoluta define-se como a existncia de uma relao negativa entre o nvel
alcanado de produto per capita e sua taxa de crescimento. H convergncia absoluta se as
economias pobres tenderem a crescer mais rpido que as economias ricas. Neste contexto, deve
existir uma correlao negativa entre o nvel inicial de renda e a taxa de crescimento subsequente.
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Dada a hiptese de rendimento decrescente do capital, isto significa que os pases pobres em renda
tero uma maior produtividade marginal do capital.
Este resultado contrasta com as implicaes da primeira gerao de modelos de crescimento
endgeno, como o de ROMER (1986). O ponto-chave desses modelos a ausncia de retornos
decrescentes de capital (em que capital inclui capital humano) com a conseqncia de no existncia
da propriedade de convergncia.
Muitos trabalhos examinaram a natureza do processo de crescimento dentro do modelo
neoclssico e fora dele, apontando para a convergncia [BAUMOL (1986), BARRO (1991)] ou a
persistncia de diferenas na renda per capita entre pases [ROMER (1986), LUCAS (1988)] Como
resultado desses trabalhos, porm, a controvrsia e o debate acerca de como medir e interpretar a
convergncia e o crescimento dos pases, aumentaram. A falta de convergncia entre pases foi
utilizada como evidncia contra o modelo neoclssico e a favor dos novos modelos de crescimento
endgeno. Sem retornos decrescentes, a poupana e o investimento podem gerar crescimento
indefinidamente e polticas pblicas podem mudar a taxa de poupana e, assim, a taxa de
crescimento.
Outros autores como QUAH (1993) enfatizaram que o conceito de convergncia uma
proposio sobre a disperso da distribuio de renda (e a taxa de crescimento) entre pases e uma
negativa no resultado da regresso do nvel inicial de renda no implica necessariamente uma
reduo nesta disperso. A disperso nada nos diz acerca da agitao dentro da cross-section.
Entender a dinmica intra-distribuio pode nos informar melhor sobre o processo de catching up dos
pases pobres em relao aos ricos, a estagnao de pases dentro de armadilhas de pobreza, de
pases pobres ultrapassando os nveis de renda de pases previamente mais ricos e a dinmica de
clubes de convergncia, isto , de grupos de pases que convergem para uma mdia conjunta e
divergem de outros grupos de pases.
No incio da dcada de noventa, distintos autores [BARRO e SALA-I-MARTIN (1992),
MANKIW, ROMER e WEIL (1992)] utilizaram uma nova definio de convergncia, denominada
convergncia condicional2, para demonstrar que o modelo neoclssico consistente com a evidncia
emprica. Os citados economistas argumentaram que o modelo neoclssico estabelecia que se
parmetros tecnolgicos, de preferncias, ou institucionais diferem entre dois pases, estes possuem
estados estacionrios diferentes.
A idia bsica que, quanto mais distante uma economia se localiza de seu prprio nvel de
estado estacionrio, maior a brecha do estoque de capital reproduzvel (fsico e humano) por
trabalhador e da eficincia tcnica de seu nvel potencial de longo prazo. Desta maneira o modelo
prediz que a taxa de crescimento de uma economia est inversamente relacionada com a distncia
2 S se todas as economias convergem para o mesmo steady state, a -convergncia condicional e absoluta coincidem.
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que a separa de seu prprio estado estacionrio. Pases de baixo produto per capita tm a
oportunidade de aproximar-se rapidamente daqueles de alto nvel de produto per capita, e se todos
os pases possussem o mesmo estado estacionrio, produzir-se-ia uma equiparao no seu nvel
de bem-estar, atravs de acumulao maior de capital e difuso de tecnologia. desde pases mais
avanados tecnicamente para os menos avanados. preciso ressaltar, no entanto, a convergncia
de cada economia a seu prprio estado estacionrio. Assim, o que deve se encontrar a correlao
parcial negativa entre crescimento e nvel de produto inicial condicional ao estado estacionrio.
Como citado em QUAH (1993), o simples sinal negativo da relao entre renda inicial e taxa de
crescimento pode indicar apenas uma regresso para a mdia, ignorando todos os movimentos intra-
distribuio e mudanas de posio no ranking de renda per capita entre os pases.
Conforme ISLAM (2003), o conceito de convergncia condicional relacionado com a
noo de clubes de convergncia. No caso de convergncia incondicional, o equilbrio para o qual
todas as economias convergem nico. No caso de convergncia condicional, cada economia se
aproxima do seu prprio equilbrio definido pelas suas condies iniciais. Empiricamente,
procuram-se variveis para controlar as caractersticas de cada pas e encontra-se uma taxa global de
convergncia condicional. Em contraste, a ideia de clubes de convergncia baseada na existncia
de equilbrios mltiplos. Um grupo de pases pode se aproximar a um equilbrio particular se eles
tiverem os atributos correspondentes ou se se encontram numa localizao inicial correspondente
quele equilbrio. Isto produz convergncia em clubes, ou regimes mltiplos (DURLAUF e
JOHNSON, 1995). Neste caso, as economias tem um grau de dependncia de suas condies
iniciais, criando uma resistncia a permanecer em seu grupo. Todavia, segundo seu processo
histrico, algumas economias podem vencer tal resistncia e ingressar em um grupo de renda mais
alta (como no caso da Espanha, Irlanda, Coreia do Sul), ou mesmo se rebaixarem a um grupo mais
pobre (como os casos de desastre de crescimento observados na Argentina na metade do sculo e na
Venezuela).
Vrios modelos tericos descrevem as foras econmicas que determinam a formao destes
clubes apontando a perda de informao por trs dos exerccios empricos de convergncia
condicional. QUAH (1993), por exemplo, assinala que o fato de controlar por variveis explicativas,
como capital humano ou caractersticas sociais, leva o pesquisador a concluir erroneamente que so
essas caractersticas que determinam a posio econmica do pas. Na viso tradicional, o
pesquisador estima uma regresso cross-section observando o comportamento (condicional) da
economia representativa, tendo como resultado uma taxa constante, globalmente estvel de
convergncia condicional, perdendo, assim, a multimodalidade que aparece na distribuio de renda
dos pases e a dinmica intra-distribuio.
EVANS (1997) menciona que, ainda que as variveis de controle expliquem 90% da
varincia do produto per capita no estado estacionrio, o limite da probabilidade do estimador do
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coeficiente do produto inicial per capita aproximadamente a metade do valor verdadeiro. LEVINE
e RENELT (1992) encontram que as regresses cross section no so robustas, de acordo com o
conjunto de variveis de controle utilizadas.
Num caminho diferente de pesquisa, DAVID (2003, 2007), mostra que o modelo de
convergncia atemporal, no sentido de que tenta explicar o fenmeno econmico sem referncia
aos legados do passado. Neste sentido, trata-se de um processo path independent, dado que a sua
dinmica garante convergncia para uma configurao de equilbrio nica estvel. Ainda mais,
nesta estrutura, os feedbacks positivos dominam a vida econmica. No limite, uma probabilidade
positiva nica assinada para cada uma das configuraes que podem ser assumidas.
J o conceito de path dependence concerne propriedade dinmica do processo distributivo, ou
a relao entre a dinmica do processo e o resultado ao qual ele converge. Neste caso, o processo
no capaz de ficar livre de sua histria sendo o resultado dependente do caminho que ele seguiu.
Alternativamente, a propriedade de path dependence pode ser definida para a classe de processos
estocsticos, referindo-nos no ao resultado, mas natureza da distribuio de probabilidade que
eventualmente vai governar os movimentos do sistema sob anlise. O Teorema do Limite Central
deixa de funcionar neste mundo e perturbaes aleatrias, transitrias podem exercer uma forte
influncia nos movimentos do sistema (mundo das razes unitrias nas sries temporais).
Um sistema estocstico path dependent possui uma distribuio assinttica que evolui como
consequncia do seu processo histrico. Nesta dinmica no-ergdica, deve ser considerada a
probabilidade da histria se repetindo num sentido estrito.
Este trabalho leva a srio a existncia de diferentes padres de crescimento na renda dos
pases, armadilhas de pobreza e riqueza e path dependence. Existe um grande nmero de resultados
tericos que oferecem justificativa para as diferenas nos padres de crescimento. A anlise de tais
fatores excede os limites do presente trabalho, mas podemos citar brevemente alguns destes, como,
por exemplo, instabilidade poltica (ALESINA, OZLER, ROUBINI et al., 1996), localizao dos
pases (MORENO e TREHAN, 1997), existncia de livre comercio (BEN-DAVID e LOEWY,
1998), grau de interveno do governo (LEE, 1996), instabilidade regional (ADES e CHUA, 1997),
conflitos sociais (BENHABIB e RUSTICHINI, 1996), distribuio do capital humano (GALOR e
TSIDDON, 1997), intensificao de capital (DOLLAR e WOLFF, 1994) e diferenas em
capacidades tecnolgicas, NAKAJIMA (2003), HOWITT e MAYER-FOULKES (2002) e
CASTELLACCI e ARCHIBUGI (2005).
A seguir, na prxima seo, so apresentados brevemente os dados de renda utilizados e se
procede a realizao de uma primeira anlise no paramtrica da distribuio de renda dos pases.
16
-
1.3 Estimao de Densidade de Kernel.
Na tabela seguinte, so exibidas as estatsticas descritivas para o PIB per capita ajustado por
paridade do poder de compra, ano base 1996, para os anos que vo de 1970 a 2003. O nmero de
pases includos na amostra de 134. Os dados so da Penn World Table 6.2 (HESTON,
SUMMERS, ATEN, 2006).
Tabela 1.1: Estatsticas descritivas do PIB per capita para anos selecionados do perodo 1970-2003 e para 134 pases.
Ano Obs Mdia Desvio Mnimo Mximo
1970 134 4866,47 4764,29 415,08 21111,261975 134 5539,09 5357,68 489,36 20980,771980 134 6304,96 6002,72 505,30 24048,651985 134 6619,85 6372,54 461,96 24877,871990 134 7373,69 7298,89 463,73 27515,261995 134 7929,28 7926,34 485,97 29248,772000 134 9077,03 9138,33 681,63 34364,502003 134 9407,10 9376,19 682,54 34875,37
Fonte: Elaborao da autora em base aos dados de PWT verso 6.2.
A primeira caracterstica que podemos observar o aumento da mdia do PIB per capita, ao
longo do perodo coberto pelo estudo. Porm, s uma anlise intra-distribuo poder nos informar
se esse aumento corresponde a uma melhora na renda de todos os pases ou apenas a uma parte
deles. No caso do desvio padro, este tambm apresenta um importante aumento ao longo do
tempo. A partir destas mudanas, infere-se que possvel ter se produzido alguma dinmica dentro
da distribuio de renda per capita dos pases.
A observao da distribuio uma boa forma de comear a analisar os valores de preditores
lineares que vamos utilizar posteriormente para cada grupo ou clube, na realizao do teste de
misturas finitas. Na figura seguinte, so mostradas duas funes de densidade de Kernel, para os
anos 1970 e 2003, com trs quartos de amplitude3. A anlise exploratria dos dados, em especial
como se apresenta sua distribuio atravs de estimadores no paramtricos, ajuda a fazer um
diagnstico da situao antes da estimao propriamente dita.
A avaliao dos padres de dinmica intra-distribuio, como, por exemplo, a possvel
evidncia de polaridade ou multimodalidade, de extrema importncia caso ela implique uma
melhora ou piora da situao de progresso tecnolgico e o consequente crescimento econmico.
Em termos tericos, o estimador de densidade de Kernel, introduzido por ROSENBLATT (1956),
3 Quanto maior a amplitude, maior a suavidade da curva, porm, tambm maior a perda de informao.
17
-
generaliza o histograma usando uma funo alternativa de pesos4. Deve se destacar que os dados
tiveram uma transformao logartmica. A transformao logartmica, uma das chamadas power
transformations dentro da estatstica, simplifica a estrutura dos dados removendo distores e outliers
(BIANCHI, 1997).
Figura 1.1: Funo de Densidade de Kernel para o PIB per capita no anos 1970 e 2003
0.1
.2.3
.4D
ensi
dade
de
Ker
nel
6 7 8 9 10 11Log PIB per capita
1970
1990
2003
Densidades de Kernel para PIB per capita, 1970-2003
Fonte: Elaborao da autora no Stata.
A anlise das funes de densidade de Kernel sugere que, no ano 1970, as economias se
distribuiam em forma bimodal, mas j se vislumbrava o incio de um terceiro grupo que aparece
claramente em 1990 e no final do perodo. A densidade apresenta certas caractersticas que devem
ser notadas. De inicio, vemos que a distribuio se modifica ao longo do tempo em duas dimenses,
tanto na locao como na sua forma. Isto no , no entanto, uma validao da no existncia de
clubes fechados. Em presena de equilbrios mltiplos, como parece ser este caso, v-se, em
primeiro lugar, um primeiro grupo de pases os mais pobres- que permanecem na mesma situao
desde a dcada de 70: no trecho inicial da distribuio, observamos que o limite inferior e a forma
no mudam ao longo do tempo, apenas ficando mais achatada depois de 1970. J no caso do grupo
4 Esta funo dada por:
N
i
i
hxxK
Nhxf
1
00
1)( , em que o parmetro h o parmetro de alisamento ou
suavidade (smoothing parameter) chamado de amplitude. O K o tipo de funo de Kernel utilizada (Epanechnikov,
Uniforme, Gaussiano, Quartic)
18
-
de pases ricos, o deslocamento do ltimo trecho da distribuio evidente medida que o tempo
passa, o que comprovaria, dentro da teoria de path dependence conforme DAVID (2003) que existe,
para este grupo, um processo de inovao exgena no estado do conhecimento relevante, ou no
regime regulador institucional- que libera o sistema, fazendo-lo evoluir para uma nova
configurao.
Este tipo de anlise, apesar de bastante intuitiva e esclarecedora, no informa o grau de
confiana das nossas concluses sobre a existncia dos clubes, os limites de suas abrangncias, as
mdias de seus participantes, suas composies e, principalmente, no traz os movimentos inter-
distribuio ao longo do tempo, o que poder ser esclarecido a partir da anlise de misturas finitas da
distribuio.
1.4 Resultados da analise economtrica. 1.4.1 Definio dos grupos intra-distribuio.
Aplicamos a metodologia dos modelos de misturas finitas para o perodo 1970 a 2003 nos
134 pases5. Na Tabela 1.2 encontram-se dois critrios de qualidade de ajuste dos modelos. O
Critrio de Informao de Akaike (AIC, AKAIKE, 1973) e o Critrio de Informao Bayesiano
(BIC, SCHWARZ, 1978) (Veja-se Apndice 1, seo A1.1 para a definio destes critrios e do
Teste LR).
Tabela 1.2: Critrios de Informao de Akaike e Schwartz para modelos de distintos nmeros de componentes
Um
componente
Dois
componentes
Trs
componentes
Quatro
componentes
Ano Obs AIC BIC AIC BIC AIC BIC AIC BIC
1970 134 382.43 388.23 364.32 378.81 364.90 388.08 - -
1975 134 384.92 390.71 376.41 390.90 361.87 385.05 361.96 393.13
1980 134 392.44 398.23 381.30 395.79 361.45 384.63 361.56 393.14
1985 134 396.29 402.09 384.85 399.34 368.40 391.59 369.66 401.52
1990 134 405.78 411.57 394.08 408.57 363.11 386.29 364.30 396.18
1995 134 418.74 424.53 401.34 415.83 380.70 403.89 384.81 406.68
2000 134 424.66 430.46 404.63 419.12 378.26 401.44 381.30 413.18
2003 134 426.21 432.00 404.74 419.22 376.63 399.81 382.29 414.16
Fonte: Elaborao da autora a partir dos resultados do Stata.
5 Ver Apndice 1: Metodolgico para o tratamento do modelo de misturas finitas.
19
-
Deve ser lembrado que quanto menor o tamanho do AIC e BIC, melhor o ajuste do modelo.
Vemos que, para o ano inicial da amostra, 1970, ambos os critrios escolhem o modelo de dois
componentes. A partir do ano 1975 e at o final da amostra, 2003, os critrios optam por trs
componentes dentro da amostra, respaldando a anlise no- paramtrica.
A Tabela 1.3 se descreve os resultados do teste LR mediante o qual escolhido o nmero de
grupos a partir de uma metodologia sequencial, comparando, primeiro, um contra dois grupos, logo,
trs contra dois e, sendo necessrio, se no pudermos rejeitar a presena de trs grupos, trs contra
quatro. As hipteses nula e alternativa so dadas por: H0: fY tm n componentes6 contra H1: fY
tem n+1 componentes.
Em primeiro lugar, podemos verificar que sempre prefervel dois grupos a um grupo
dentro da distribuio. Isto j seria um questionamento a anlises que utilizam dados de renda em
forma homognea para inferir convergncia. E claro que, a partir deste resultado, a distribuio de
renda por pases apresenta no mnimo uma bimodalidade, isto , existe uma polarizao na
distribuo da renda e a forma de tratamento dos dados no poderia se dar em uma distribuio
normal. A bimodalidade, todavia, quebrada em 1975 a partir do qual a presena de trs grupos se
materializa claramente.
A presena de grupos ou clubes de convergncia com base em estudos do tipo cross-section foi
inicialmente salientada no trabalho de DURLAUF e JOHNSON (1995). Na sua contribuio,
destacam que a convergncia global no se sustenta em amostras grandes porque os pases pertencem
a regimes diferentes, ou seja, grupos nos quais podemos, sim, esperar convergncia, mas de tipo local.
Os autores se valem de nveis iniciais de renda e de alfabetizao para agrupar os pases e encontrar
as taxas de convergncia dentro dos grupos, interpretando a heterogeneidade observada pelos
parmetros como indicativo da presena de regimes diferentes.
A necessidade de selecionar critrios para agrupar pases leva ao problema de como
distinguir entre convergncia em clubes e convergncia condicional empiricamente7. Este problema
pode ser evitado pela utilizao de modelos de mistura finita, dado que o agrupamento dos pases
acontece sem a necessidade da utilizao de parmetros complementares, como visto neste caso.
Em suma, confirmada a hiptese levantada sob a anlise grfica, ou seja, que no incio da
distribuio, em 1970, temos a presena de dois grupos, mas que, a partir de 1975, inicia-se uma
configurao de 3 grupos que viria a ser confirmada nos anos seguintes, como observado pelo
aumento de significncia do teste LR sob hiptese nula de 3 grupos. A seguir, vamos mostrar as
caractersticas bsicas (mdia e erro padro) dos grupos de renda para cada ano, bem como a
quantidade de pases de cada grupo. No podemos descartar que a mudana de configurao dos
6 No caso de um componente, trata-se de uma distribuio normal. 7 Como e salientado por ISLAM (2003), os determinantes de estado estacionrio no podem ser usados para este propsito, uma vez que as diferenas nestes apresentam equilbrios que diferem mesmo sob convergncia condicional. Utilizar parmetros time-varying (taxa de alfabetizao ou nveis iniciais de renda) acarreta outros problemas.
20
-
grupos seja fruto de uma mudana macroinstitucional que viria a modificar a economia poltica
internacional. O incio da dcada de 70 marca o final de uma era de ouro do capitalismo, com taxas
de cmbio regulamentadas e alto crescimento da economia mundial. A mudana de estrutura do
sistema financeiro mundial pode ter acarretado uma distribuio de renda entre os pases distinta
daquela observada no ps-guerra.
Tabela 1.3: Teste LR Dois grupos contra um, trs contra dois, e quatro grupos contra trs.
Dois contra um Trs contra dois Quatro contra trs
Ano Obs LR Prob. LR Prob. LR Prob.
1970 134 24.11 0.0000 5.42 0.1435 - -
1975 134 14.51 0.0023 20.54 0.0001 6.61 0.0853
1980 134 17.13 0.0007 25.85 0.0000 6.19 0.1028
1985 134 17.44 0.0006 22.45 0.0001 4.76 0.1904
1990 134 17.70 0.0005 36.97 0.0000 4.81 0.1865
1995 134 23.39 0.0000 26.64 0.0000 3.90 0.1977
2000 134 26.04 0.0000 32.36 0.0000 2.96 0.3979
2003 134 27.47 0.0000 34.11 0.0000 0.34 0.9517
Fonte: Elaborao da autora a partir dos resultados do Stata.
Percebe-se sobretudo uma maior dinmica dos pases intermedirios, destacando-se daqueles
mais pobres, enquanto o grupo de pases ricos v sua renda aumentar sem conhecer limites.
Analisaremos estas dinmicas na prxima seo, como tambm identificaremos os componentes dos
grupos e aqueles elementos que conseguiram, em algum perodo, migrar entre grupos.
1.4.2 Composio dos grupos e evoluo da distribuio.
A Tabela 1.4 sumariza as principais caractersticas distribucionais dos modelos de dois
componentes (1970) e trs componentes (1975-2003): mdia (u), erro padro (ep) e probabilidade de
pertencer a cada grupo (p).
O primeiro resultado importante da tabela o estancamento, ao longo do tempo, da mdia
do grupo de pases pobres (em torno de U$S 1000 de renda per capita). Do ano 1970 a 1975, a
queda pode ser atribuda composio do novo grupo intermedirio e a migrao dos pases com
renda maior do grupo pobre para o grupo intermedirio. Porm, o estancamento da mdia da renda
per capita se mantm ao longo dos anos, ou seja, clara a existncia de uma armadilha da pobreza
para este clube de renda. Quanto ao nmero de pases pertencentes a este grupo, na primeira metade
do perodo (1970-1990) se produz uma queda constante de pases pertencentes a ele.
21
-
A primeira queda relevante, de 109 a 51 pases, consequncia da configurao do grupo de
renda intermediria e da migrao da metade dos pases para esse novo grupo. No ano 1980,
Botswana, Egito e o Haiti, obtm um aumento da renda suficiente para ingressar no grupo
intermedirio, mas o Haiti no consegue sustentar a posio e volta a cair para o grupo pobre no
ano 1985. Em 1985, Camarons, Cabo Verde, Congo e Honduras conseguem sair do grupo de renda
baixa.
Tabela 1.4: Mdia (ui), Erro Padro (epi) e proporo (pi) de pases por grupo (i)
Ano u1 Ep1 p1 u2 ep2 p2 u3 ep3 p3
1970 7.72 0.81 81.34% - - - 9.48 0.19 18.66%
1975 7.02 0.38 38.06% 8.38 0.62 46.27% 9.67 0.14 15.67%
1980 7.01 0.35 35.08% 8.44 0.62 48.51% 9.74 0.15 16.41%
1985 6.91 0.30 32.84% 8.40 0.66 50.00% 9.80 0.15 17.16%
1990 6.95 0.13 25.37% 8.37 0.91 58.21% 9.96 0.04 16.42%
1995 6.90 0.28 33.58% 8.40 0.64 46.27% 9.89 0.23 20.15%
2000 6.95 0.27 32.84% 8.54 0.64 46.27% 10.05 0.20 20.89%
2003 7.06 0.31 35.07% 8.61 0.54 44.04% 10.05 0.21 20.89%
Fonte: Elaborao da autora a partir dos resultados do Stata.
O ano 1990 aquele no qual mais pases conseguem migrar do referido grupo. Este
resultado atribuvel a uma queda mdia e ao aumento do desvio padro do grupo intermedirio,
mais do que a um aumento da renda dos pases. Nesta situao, migram pases como Costa do
Marfim, Guin, Haiti, Monglia, Maldivas, Paquisto e Comoros. A mudana da ndia e Indonsia
deve-se a um importante aumento da renda nesse perodo. No ano 1995, com a queda do desvio
padro do grupo intermedirio e a queda da renda, vrios pases, especialmente da frica, no
conseguem permanecer neste grupo: Camares, Congo, Comoros, Guin, Haiti, Honduras,
Monglia, Paquisto e ndia aumentam seus nveis de renda, mas no o suficiente para se manter no
grupo intermedirio.
No ano 2003, duas quedas do grupo intermedirio aumentam o nmero de paises pobres,
trata-se de Bolvia e Zimbbue.
O grupo intermedirio apresenta uma situao similar ao grupo pobre, a maior mudana
acontece no ano 1990, quando vrios pases do grupo de menor renda mdia migram para tal grupo
e logo, em 1995, voltam para o grupo um. Para este grupo os resultados mostram tambm certo
estancamento da mdia at 1990, uma queda no ano 1995 e uma recuperao a partir do ano 2000.
O desvio padro aumenta consideravelmente nos anos 1990, mas rapidamente volta ao mesmo nvel
dos anos anteriores. A constncia da disperso de rendas per capita destes pases nos permite inferir
da no existncia de convergncia, ainda que pertencendo a um mesmo grupo, isso no significa
22
-
que os pases tenham um mesmo estado estacionrio, apenas que so governados pelos mesmos
processos estocsticos.
O grupo intermedirio pode ser considerado o mais heterogneo. Convivem nele pases que
tm sua renda quase no mesmo nvel dos pases mais ricos, como Portugal, Grcia, Hungria,
Malsia, Oman, Coreia do Sul, como pases latino-americanos com rendas estancadas ao longo do
tempo, como Equador, El Salvador, Guatemala, Nicargua. A renda mdia per capita do
mencionado grupo passa de 4359U$S, em 1975, para 5486U$S em 2003.
O grupo trs, dos pases ricos, tem aumento da mdia ao longo do perodo, e um desvio
padro constante. Tal resultado, associado ao j referido do grupo pobre, uma forte evidncia do
processo de abertura da brecha entre pases pobres e ricos: os pases pobres mantm a mdia de
renda per capita em 1000U$S ao longo de mais de 20 anos, mas os pases ricos aumentam a sua
mdia de 13095U$S, em 1970, para 23155U$S no mesmo perodo.
A divergncia das mdias dos trs grupos e as muito diferentes taxas de crescimento entre
eles indica a concluso de convergncia em grupos. A renda do grupo rico quase dobra de 1975 a
2003, a renda do grupo mdio aumenta 25% aproximadamente e a renda do grupo pobre permanece
estagnada, com uma pequena queda, o que mostra que o padro de crescimento destes grupos
totalmente divergente.
Quanto s percentagens de pases pertencentes a cada grupo, todos exibem pequena
variao, se for considerado o ano inicial e final da amostra (e lembrando que, no caso do grupo um,
o ano 1970 representa o caso de dois grupos). No componente de menor renda, a percentagem de
pases cai de 38%, em 1975, para 35% em 2003. O grupo de renda mdia quase no apresenta
variao, representando 46% dos pases em 1975 e indo para 44% em 2003. O grupo rico ganhou
pases e a percentagem passou de 19% para 21% em 2003.
No Apndice 2: Resultados (Seo A2.1) encontram-se todos os pases componentes da
amostra, assim como a evoluo temporal das suas rendas per capita. Alguns resultados devem ser
salientados. Em primeiro lugar, os pases africanos que formam, em sua maioria, o grupo dos
pobres, somente alguns conseguem, em algum momento do tempo, migrar para o grupo
intermedirio (1985-1990), mas o fim do perodo encontra a todos na mesma situao do comeo.
Os pases latino-americanos esto, na sua maior parte, no grupo intermedirio, alguns com
aumento de renda ao longo do tempo (Chile, Brasil, Republica Dominicana, Mxico, Panam), a
maioria com renda estancada ou crescimento muito baixo (Argentina, Equador, El Salvador,
Guatemala, Jamaica, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela), e outros com queda de renda e passagem
para o grupo dos pases pobres (Bolvia, Honduras, Nicargua).
Os pases asiticos apresentam os melhores resultados. Taiwan, Singapura e Hong Kong
conseguem migrar para o grupo de pases ricos e sustentar a posio. Malsia e Coreia do Sul
partem do grupo pobre e, no final do perodo, esto quase entrando no grupo de pases ricos (sua
23
-
renda per capita aumenta de U$S 2500, em 1970 para U$S12088 em 2003 Malsia- e U$S 17676
Coria do Sul-). Outros pases como Laos, Coreia do Norte, Papua Nova Guin tm resultados
menos expressivos, mas com aumentos na sua renda tambm.
Resumindo, a evidncia emprica aponta a existncia de clubes e estratificao dos padres
do crescimento ao longo do tempo no mundo, em claro contraste com a hiptese de convergncia.
O mesmo resultado tinha sido sugerido por BIANCHI (1997), que encontra pequena mobilidade de
pases entre clubes, presena de convergncia intra-clubes, aumento das diferenas entre pases
pobres e ricos nos anos 1970 e 1980. Em sntese, forte evidncia de bimodalidade numa amostra de
134 pases no perodo 1970-1989. Porm, a anlise do grupo intermedirio se faz necessria tendo
em vista a riqueza que este oferece em termos de estudo: trata-se do grupo mais heterogneo, no
qual convivem pases que podem migrar tanto para o grupo pobre como para o grupo rico, e pases
que se perpetuam l, na renda mdia.
A existncia de equilbrios mltiplos deixa em aberto duas questes (DAVID, 2006).
Primeiro: qual a razo para se supor a existncia de mais de um equilbrio? Isto requer examinar as
estruturas existentes para demonstrar a plausibilidade do estado de equilbrio contra factual.
Segundo: se outro estado de equilbrio existe, como chegamos ao equilbrio no qual nos
encontramos? preciso identificar o mecanismo de seleo, ou em termos de processos
ramificados, analisar o processo de bifurcaes crticas na sequncia do desenvolvimento e os
fatores que condicionam as aes tomadas nas articulaes histricas. A procura de repostas para
tais perguntas excede os limites deste trabalho e fica em aberto para pesquisas futuras.
1.5 Observaes Finais.
No presente trabalho utilizamos o modelo de misturas finitas para pesquisar a distribuio
de renda per capita de 134 pases, o que possibilitou fazer uma anlise da dinmica intra-distribuio
a partir dos grupos determinados na estimao de misturas finitas, a probabilidade de pertencer aos
grupos, a evoluo da mdia, o erro padro e os regimes de transio entre datas selecionadas.
Em contraste com a literatura de convergncia, os resultados mostram que s podemos
inferir convergncia em clubes. Mesmo assim, a anlise de misturas finitas nos brinda com uma
maior riqueza de resultados do que aqueles que podem ser obtidos com o modelo de convergncia
condicional.
Nossa analise se enquadra na teoria de twin-peaks, especialmente nas ideias de existncia de
multimodalidade da distribuio, clubes de convergncia, armadilhas de pobreza e riqueza, mas, em
contraste a esta, tem-se evidncia de um componente intermedirio que emerge na metade da
dcada de 1970, resultando numa distribuio de trs componentes a partir de 1975. Isto uma forte
indicao de divergncia dentro da distribuio. A diferena nos padres de crescimento da renda
24
-
entre os trs grupos indicada pela evoluo das mdias de cada grupo, outro indicador da citada
divergncia.
Para a existncia de convergncia condicional, uma condio necessria a reduo da
disperso entre as economias. No pudemos observar esta condio em nenhum dos grupos
analisados, a qual se no aumenta, permanece constante no perodo. Desta forma, os resultados que
apontam convergncia de renda per capita condicionada a valores iniciais de disponibilidade de
capital fsico e humano podem ser considerados como em ISLAM (2003) e DURLAUF e
JOHNSON (1995) efeito de uma regresso mdia sendo as concluses portanto, esprias.
No podemos descartar que o ambiente institucional mundial exera um papel fundamental
nesta distribuio. A mudana de configurao do nmero de grupos, juntamente com as constantes
mudanas de probabilidades de transio entre os diferentes grupos sugerem que existem mudanas
no consideradas em nossa anlise que podem alterar a economia poltica internacional. A partir da
dcada de 90, data de intensificao do comrcio internacional, nota-se um interessante caso de
armadilha da riqueza, em que as economias que atingem o estado mais rico ficam presas sem serem
observadas mudanas em direo ao grupo de renda intermediria. O ano de trmino do tratado de
Bretton Woods tambm marca uma importante mudana na configurao dos grupos, abrindo
espao para o crescimento de um grupo intermedirio de renda e deixando para trs um grupo de
pases pobres com a renda estagnada.
Em suma podemos dizer que, ao longo de mais de 30 anos, o status quo predomina e so
claros os ganhadores e perdedores na questo da distribuio de renda per capita dos distintos pases
do mundo.
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2. DINMICAS TECNOLGICAS E INSERO NO MERCADO INTERNACIONAL:
UMA ANLISE DE MISTURAS FINITAS DAS DISTRIBUIES DOS NVEIS DE
EXPORTAO DE BENS DE ALTA TECNOLOGIA.
2.1 Introduo.
Diferentes contribuies tericas e estudos empricos enfatizam a influncia da composio
setorial das atividades produtivas sobre as oportunidades de crescimento e o processo de
especializao produtiva, tecnolgica e comercial. A tecnologia joga um rol significante na
configurao dos padres comerciais das economias e no desenvolvimento dos sistemas de inovao
nacionais (DOSI, PAVITT, e SOETE, 1990; FAGERBERG e VERSPAGEN, 2007) Isto porque as
caractersticas especficas do processo de criao e acumulao tecnolgica podem desenvolver um
padro de capacidades e dificultar a mudana da estrutura exportadora (LALL, 2001), num contexto
de mudana estrutural das atividades tecnolgicas e comrcio no nvel mundial, nas ultimas duas
dcadas.
Em particular, as evidncias sugerem que as indstrias que oferecem oportunidades
tecnolgicas altas aquelas que lideram a mudana tecnolgica no mundo- exibem as maiores taxas
de crescimento nas exportaes mundiais (MONTOBBIO e RAMPA, 2005). Similarmente, h uma
associao entre a performance tecnolgica e o crescimento exportador ao nvel dos pases
(LAURSEN e MELICIANI, 2000; MALERBA e MONTOBBIO, 2003) que depende
substancialmente da capacidade dos pases de desenvolver seu sistema de inovao, como
demonstrado em FAGERBERG e VERSPAGEN (2007).
O objetivo principal do trabalho mostrar que as exportaes de alta tecnologia se
distribuem heterogeneamente entre os pases e estudar os determinantes deste tipo de exportao.
Assim, duas linhas sero abordadas. Na primeira parte do trabalho, testada a existncia de
diferentes clubes tecnolgicos na economia mundial, para logo caracteriz-los e analisar suas
dinmicas. Para a consecuo deste objetivo, ser analisada a distribuio das exportaes de alta
tecnologia de 123 pases e sua evoluo no perodo 1985-2004. O artigo contribui para a literatura
sobre convergncia ao estabelecer parmetros que determinam a formao dos clubes de
convergncia, e como os membros de tais clubes interagem intra e entre grupos tanto comercial
quanto tecnologicamente (difuso).
A importncia desta anlise aparece se considerarmos que as diferenas nas capacidades
tecnolgicas podem explicar a existncia de polarizao e clubes de convergncia da renda na
economia mundial (CASTELLACCI e ARCHIBUGI, 2005). Neste sentido, o trabalho seminal de
BAUMOL (1986) aponta a existncia de clubes de convergncia (OECD, economias centralmente
planificadas e pases em desenvolvimento) e demonstra que os padres de convergncia diferem
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entre os referidos grupos. medida que os estudos sobre crescimento divergente foram
avanando (DURLAUF e JOHNSON 1995, QUAH 1996, PRITCHETT 1997), os modelos de
crescimento endgeno comearam a explorar os possveis fatores que poderiam explicar os padres
de persistncia, polarizao e formao de clubes na distribuio da renda mundial.
Vrios trabalhos formalizaram, recentemente, a ideia de que a existncia de clubes de
convergncia dos nveis de renda per capita resultado de diferenas em capacidades tecnolgicas,
como dizem NAKAJIMA (2003), HOWITT e MAYER-FOULKES (2002) e CASTELLACCI e
ARCHIBUGI (2005). O presente trabalho procura destacar a existncia de clubes ou grupos de
capacidades tecnolgicas diferentes que se correspondam com os clubes de convergncia de renda j
evidenciados nos trabalhos mencionados.
As concluses seguem a linha lanada pelo trabalho seminal de QUAH (1996) ao mostrar
que, apesar da alta probabilidade de manuteno do status quo, existe uma pequena probabilidade das
economias migrarem entre grupos. Nas estimativas com renda, as transies so mais frequentes que
nas tecnolgicas, influenciadas principalmente por mudanas de preos relativos e consequente
rebaixamento/promoo de pases ricos em recursos naturais. Uma anlise baseada nas capacidades
tecnolgicas mostra-se, portanto, mais robusta ao explicar o processo de desenvolvimento e
insero na economia mundial. O artigo contribui tambm com a discusso economtrica ao propor
o teste para 4 grupos e aumentar o poder do teste de misturas finitas.
Na segunda parte do trabalho, estudam-se os determinantes das exportaes de alta
tecnologia. Ser demonstrado que pases com maior nvel de experincia exportadora acumulada
(learning by exporting) tendem a produzir e exportar bens de alta tecnologia.
Para definir o learning by exporting, considerado o paralelo entre este tipo de aprendizado e o
conceito de learning by doing (ARROW, 1962). Tal aprendizado caracterizado pela experincia que
surge da resoluo de novos problemas durante as atividades. A repetio das mesmas atividades
associada a rendimentos decrescentes no aprendizado, para conseguir resultados crescentes,
necessrio que existam situaes novas, que estimulem. A participao nos mercados internacionais,
mais competitivos, exige que os pases (atravs das suas firmas) resolvam novos problemas
relacionados a se inserir nesses mercados.
O trabalho organizado como segue. A seo dois apresenta as caractersticas dos dados
utilizados. Na seo trs, justifica-se a importncia do estudo. A seo quatro ressalta os principais
resultados da anlise da distribuio de exportaes de alta tecnologia. Depois de determinar o
nmero de componentes nos grupos de exportaes de alta tecnologia, sero analisadas a evoluo e
a dinmica inter-distribuio, utilizando os dados de mdia, desvio padro e probabilidades
estimadas nos modelos. Na seo cinco, mostra-se a anlise da cadeia de Markov para estudar a
dinmica de transio entre os grupos e o equilbrio estocstico de longo prazo sob a hiptese de
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ergodicidade da distribuio. A seo seis realiza um estudo acerca dos determinantes das
exportaes de alta tecnologia. Por fim, as concluses do trabalho so apresentadas na seo sete.
2.2 Dados.
A classificao de exportaes de alta tecnologia utilizada neste trabalho segue duas fontes:
OCDE (HATZICHRONOGLOU, 1997) e TradeCAN (CEPAL). A classificao da OCDE foi
construda por setor industrial e complementada depois por produto, levando em conta tanto o nvel
tecnolgico especfico do setor, como a tecnologia inclusa nas compras de bens intermedirios e de
capital. A classificao a cinco dgitos tem como vantagem incluir somente os produtos
considerados de alta tecnologia, mesmo que estes se encontrem dentro da cadeia produtiva de
menor intensidade tecnolgica, evitando problemas de sobre-estimao ou subestimao de
produtos, tidos como de alta intensidade tecnolgica. Existem, porm algumas desvantagens da
referida base: a) amostra desbalanceada: apenas a partir de 2000 contamos com uma amostra
significativa de pases; b) isto impossibilita comparar valores mdios e desvios padro da varivel
objeto de estudo, dado que no contamos com uma srie balanceada ao longo dos anos de estudo,
incorporando-se pases durante esse perodo.
A classificao de TradeCAN de trs dgitos e em comparao com a classificao da
OCDE, em alguns setores so sobre-estimados e em outros, subestimados os bens considerados de
alta tecnologia. Como vantagem para sua utilizao, pode ser citada a possibilidade da construo de
uma srie temporal balanceada, o que facilita as comparaes ao longo do tempo, a possibilidade de
conformao de um painel balanceado.
Uma comparao de ambas as bases permite concluir que, mesmo existindo diferenas, elas
no so determinantes na conformao dos resultados. A conformao de clubes e a localizao de
cada pas em cada um destes no modificada usando-se uma ou outra classificao.
Os dados de variveis macroeconmicas como PIB, poupana domstica bruta (gds),
investimento direto externo (fdi), abertura da economia (medida pela razo importaes
+exportaes/PIB) e populao foram captados do Penn World Table, mark 6 (dados at 2003) e
do World Development Indicators (dados de 2004). Os dados de educao (taxa bruta de matrculas
no ensino mdio) so de BARRO e LEE (2000) e do World Development Indicators (anos 2001 a
2004).
So considerados 123 pases. No so levados em conta os pases da ex Unio Sovitica e
Europa Oriental, visto que, no perodo estudado eles mudaram, em 1989. No so considerados
outros pases por falta de dados ou porque trata-se de pases muito pequenos, com menos de um
milho de habitantes.
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Nossa hiptese estabelece que pases com maior nvel de experincia exportadora acumulada
tendem a produzir e exportar bens de alta tecnologia, associados com indstrias jovens. A
determinao emprica desta hiptese implica a eleio de uma proxy para learning by exporting. Uma
vez que o nosso interesse conhecer os padres da especializao do comrcio comoo a intensidade
tecnolgica das indstrias dos diferentes pases, podemos aceitar que uma proxy relevante para
learning by exporting a experincia exportadora acumulada, como sugere CHUANG (1997). Desta
forma, definiremos as exportaes acumuladas per capita, relativas experincia acumulada de seus
parceiros no comrcio. Como os nveis de exportaes acumuladas per capita apresentam forte
tendncia temporal, ser utilizada a razo de exportaes de manufaturas per capita de cada pas
dividido pela maior exportao per capita da amostra. Dessa maneira, a proxy para o aprendizado
induzido pelo comrcio exterior, LBE, ser dada por:
t
j
jj
t
j
t
tj
NEXP
NEXP
LBE
0 ,
,
0 ,
,
,
max
(2.1)
Em que denota as exportaes do pas j no tempo , N,tEXP (j, ) denota a populao desse
pas no mesmo perodo e maxj representa a maior exportao acumulada per capita nos nossos
dados.
2.3 Contedo tecnolgico das exportaes, economias de escala e o crescimento de produto.
O comportamento da distribuio da renda nacional dos pases caracterizado pela
existncia de dois ou mais grupos que simbolizam um mundo polarizado e sugere a existncia de
equilbrios mltiplos. Numerosos trabalhos, desde os pioneiros de BARRO (1991), BARRO e
SALA-I-MARTIN (1992), QUAH (1996), at os mais recentes de FAGERBERG e VERSPAGEN
(2002) e BEAUDRY, COLLARD e GREEN (2005) mostram o tipo de padro (convergente ou
divergente) que governa o desenvolvimento da renda dos pases.
Com base nas evidncias de avano de alguns pases no ps-guerra, a literatura econmica
produz uma srie de relatos e testes de convergncia em todas as variantes conhecidas, convergncia
absoluta, sigma-convergncia, convergncia condicional e convergncia em clubes. A forma
determinstica com que os modelos de crescimento so tratados leva a uma concluso pouco
apoiada pelos fatos estilizados: a existncia de armadilhas de pobreza (e de riqueza), na qual, mesmo
na presena de equilbrios mltiplos, estes seriam equilbrios estveis.
Experincias bem sucedidas de catching up realizadas pelos pases do Sudeste Asitico,
Espanha, e mais recentemente, a Irlanda estariam excludos da anlise de convergncia tradicional. O
caso contrrio tambm no explicado dentro do equilbrio determinstico, ou seja, pases latino-
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americanos como a Argentina e Venezuela, que, em certo ponto da histria recente, tinham rendas
per capita que os colocavam junto aos pases ricos e que passaram por desastres de crescimento.
A partir dos trabalhos de QUAH (1996), DURLAUF (1996) e PRITCHETT (1997), passou-
se a procurar as causas da divergncia no crescimento entre os pases. Neste sentido, diferentes
trabalhos formalizaram a ideia de que a existncia de clubes de convergncia dos nveis de renda per
capita poderia ser resultado de diferenas em capacidades tecnolgicas, como NAKAJIMA (2003),
HOWITT e MAYER-FOULKES (2002) e CASTELLACCI e ARCHIBUGI (2005). Tais autores
mostram como as diferenas nas capacidades tecnolgicas determinam a existncia de trs grupos de
pases: (i) os pases avanados, condutores da atividade inovadora; (ii) um grupo de pases de renda
mdia, que conseguem imitar as tecnologias estrangeiras; e (iii) um cluster de pases retardatrios,
que no so capazes de inovar nem imitar. Ao mesmo tempo em que foi reconhecido o carter
cumulativo do progresso tecnolgico, tambm chama a ateno a capacidade de aprendizado e,
portanto, a possibilidade de transio de um clube para outro.
Autores como DOSI, PAVITT e SOETE (1990) descrevem, dentro da teoria do ciclo do
produto, que a distribuio setorial das atividades tecnolgicas e exportadoras depende das
trajetrias nacionais, especficas e cumulativas que geram vantagens de produtividade em certos
setores num pas. O processo de competncia tecnolgica implica trajetrias ao longo de
coeficientes fixos e irreversibilidades. Contudo, como depois foi reconhecida por VERNON (1979),
esta situao comea a mudar no incio da dcada de 70, quando muitos pases em desenvolvimento
aumentam sua industrializao e suas produes passam a envolver produtos que se encontram nos
primeiros estgios do seu ciclo de vida.
O trabalho de MONTOBBIO e RAMPA (2005) explora a relao entre atividade
tecnolgica, mudana estrutural das exportaes e trajetrias de crescimento contrapondo-se s
experincias de pases asiticos e latino-americanos, no perodo 1985-1998. Seus resultados
apresentam a ideia de que existem diferentes caminhos nos quais as atividades tecnolgicas podem
melhorar ou piorar o comrcio de um pas. Pases em desenvolvimento tendem a concentrar seus
esforos de inovao em indstrias tecnologicamente estagnadas, o que gera impactos negativos
atravs dos padres de especializao herdados e da dificuldade de sair destas atividades que
oferecem poucas oportunidades tecnolgicas de partir para atividades tecnologicamente dinmicas.
Entretanto, a experincia de pases como China e Singapura mostra a possibilidade de superar
desvantagens histricas. A anlise economtrica confirma que as atividades tecnolgicas geram
ganhos de exportao em setores high-tech se o pas expandirem suas atividades de inovao em
indstrias com nveis crescentes de oportunidades tecnolgicas, em indstrias de tecnologia mdia
caso se especializem em setores de baixas oportunidades e em baixa tecnologia, caso o pas estiver
em setores que no apresentam nenhum tipo de oportunidade tecnolgica. Ou seja, qualquer
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upgrading importante para a melhora na qualidade das exportaes, dependendo do ponto do qual
se parte.
Diversos trabalhos apontam as diferentes caractersticas de tal processo nos pases em
desenvolvimento. Nestes pases, no apenas importante o esforo tecnolgico para fechar a brecha
tecnolgica, mas tambm as caractersticas de distribuio de habilidades entre os trabalhadores em
relao ao investimento direto externo feito por corporaes transnacionais e as polticas pblicas
que conduzem o processo do avano e da difuso tecnolgicos e a relao entre tecnologia e
resultados nas exportaes. Isto porque se reconhecido que o rol das transnacionais e seus
investimentos so importantes para o progresso tecnolgico nos pases hspedes, esta relevncia
varia de acordo com o nvel de industrializao e das habilidades dos produtores locais para
beneficiar-se das atividades das multinacionais.
LALL (2001) aponta outros fatores que afetam a transferncia e adoo tecnolgica, nos
pases em desenvolvimento, como o acesso a bens de capital, tecnologias-chaves, upgrading nas
habilidades e infraestrutura. Especialmente em pases seguidores, a educao possui um papel-
chave na difuso de tecnologias, mais importante, nestes pases, que a criao propriamente dita,
como uma forma de alcanar os estgios sucessivos do processo produtivo. HAUSMAN, HWANG
e RODRIK (2007) dizem que o tipo de bens no qual um pas se especializa ter importantes
implicaes para os resultados econmicos do futuro, e essa especializao ser, em parte,
consequncia da qualidade do capital humano.
FABERGERG e VERSPAGEN (2007) mostram que, assim como nos anos 80 a imitao
tecnolgica foi um fator significativo para gerar crescimento nos pases de baixa renda, durante os
anos 90 a habilidade de superar o atraso dependeu fundamentalmente de desenvolver os sistemas
nacionais de inovao nestes pases.
Outros trabalhos enfatizam a importncia das economias de escala no aprendizado
tecnolgico, como determinante dos padres internacionais das exportaes em geral e as
exportaes de alta tecnologia em particular. A primeira contribuio pode ser atribuda a
KRUGMAN (1979), que desenvolve um modelo de equilbrio geral soem que apenas o Norte pode
inovar e produzir novos produtos e o Sul imita as tecnologias. Retornos crescentes de escala e
inovao de produtos geram especializao no comercio e vantagens de lderes. Contudo, em
equilbrio, a imitao reduz as brechas tecnolgicas entre pases e o poder de monoplico dos lderes
temporrio. Neste caso, uma polarizao inicial tende a se esvair no tempo com a aproximao dos
grupos.
No trabalho de GROSSMAN e HELPMAN (1995), a nfase recai sobre a experincia
tecnolgica acumulada, ou seja, os resultados do learning by doing ou exporting, mais do que o capital
humano e seus custos, determinam a alocao internacional de recursos em P&D. O modelo tem
um equilbrio caracterizado pela aglomerao geogrfica das atividades inovadoras, com pases
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capazes de se converter em lderes em setores tecnolgicos atravs de altas taxas de inovao. Aqui,
as condies iniciais de capacidades tecnolgicas so cruciais, no permitindo transio entre os
grupos8. A caracterstica principal deste modelo o efeito da escala sobre o crescimento: uma
mudana permanente na intensidade da pesquisa (gerada por um aumento da fora de trabalho que
se dedica pesquisa ou por uma poltica publica) leva a uma mudana nas taxas de crescimento.
Para definir o learning by exporting, deve ser considerada a definio de learning by doing. No
trabalho clssico de ARROW (1962), o autor sugere duas caractersticas bsicas do aprendizado. Em
primeiro lugar, o aprendizado produto da experincia: ele se desenvolve tentando resolver um
problema, assim, assim somente pode ser ampliado durante o desenvolvimento de uma atividade.
Em segundo lugar, o aprendizado associado com repeties deve contar com estmulos que
ocasionem aumentos de resultados que no podem ser alcanados com a mera repetio. O
paralelismo com o aprendizado nas exportaes direto. Exportar implica resolver problemas tais
como entrar em novos mercados, adotar padres tcnicos para satisfazer esses novos mercados. A
produo de bens de exportao pode demandar a introduo de bens de capital mais sofisticados,
trabalhadores com maior qualificao e novos insumos. Os mercados de exportao tendem a ser
mais competitivos que o mercado domstico, requerendo que as firmas aprimorem sua qualidade.
Todos esses mecanismos podem ajudar no aumento da produtividade ao nvel das firmas e por
transferncia do pas (FERNANDES e ISGUT, 2005).
A partir de um modelo de crescimento endgeno, no qual o learning by doing exibe spillovers
entre os bens, YOUNG (1991) pesquisa o efeito dinmico do comrcio internacional sobre o
crescimento, quando uma economia passa da autarquia para o livre comrcio. O autor considera
duas economias, em desenvolvimento (LDC) e desenvolvida (DC), esta ltima apresenta um nvel
inicial de conhecimentos tcnicos maiores que a LDC. Os resultados do modelo revelam que, sobre
o livre comrcio, a economia LDC experimenta perdas dinmicas no comrcio, em termos de
progresso tcnico e crescimento, e a economia DC experimenta ganhos. Porm, desde que o
progresso tcnico do exterior possa melhorar o bem-estar no pas domstico, os consumidores de
LDC podem aproveitar uma maior utilidade intertemporal, consequncia do livre comrcio. No caso
do DC, os consumidores desfrutam de um progresso tcnico maior, os ganhos estticos tradicionais
do comrcio e ainda experimentam uma melhora no bem-estar intertemporal.
CHUANG (1997) incorpora a noo do learning by doing induzido pelo comrcio dentro de
um modelo de crescimento. Duas condies so essenciais para que isto ocorra: em primeiro lugar,
exportaes e importaes tm fontes da mesma importncia para intensificar o processo de
aprendizado. Entretanto, a natureza ou caractersticas dos bens comercializados tambm influenciam
8 Chamamos estes de clubes verdadeiros, com interao entre seus componentes. A hiptese testada aqui mais geral, isto , economias com diferentes graus de especializao em bens de alta tecnologia, agrupadas por elementos da distribuio de probabilidade comuns, independentemente de sua localizao geogrfica e parceiros comerciais.
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o efeito sobre tal aprendizado. Segundo, a abertura comercial necessria, mas no suficiente para
induzir a um crescimento maior. Um fator-chave nos spillovers tecnolgicos que podem aprimorar o
padro do crescimento com que tipo de pas a economia comercia.
Este trabalho leva a srio a hiptese de que a existncia de clubes de convergncia na
distribuio da renda mundial se relaciona com as capacidades tecnolgicas dos pases, que se reflete
na capacidade do pas de exportar alta tecnologia e, consequentemente, no crescimento. Na prxima
seo, estimam-se a existncia e o nmero destes clubes, bem como as caractersticas inter e intra-
distributivas.
2.4 Definio dos grupos intra-distribuio.
Na Tabela 2.1 so apresentadas as estatsticas descritivas para exportaes de AT nos anos
1985 e 2004. A primeira caracterstica que aparece o aumento da mdia destas exportaes como
percentagem do total de exportaes e aumento conjunto do desvio padro, para o total de pases.
Infere-se que, ao longo desses anos, pode ter se produzido alguma mobilidade intra-distribuio a
partir das mencionadas mudanas.
Tabela 2.1: Estatsticas descritivas: Log do nvel de exportaes de alta tecnologia
nos anos 1985 e 2003
Varivel Obs Mdia Erro
Padro
Mnimo Mximo
1985 123 10,22 3,09 5,09 17.67
2004 123 11,91 3,53 6,53 19.19
Fonte: Elaborao da autora a partir dos dados de TradeCAN.
Na figura seguinte, so abordadas duas funes de densidade de Kernel, para os anos 1985 e
2004, com amplitude tima mdia. Quanto maior a amplitude, maior a suavidade da curva, porm,
tambm maior a perda de informao.
A anlise no paramtrica indica que a partir de 1985, as economias, antes polarizadas em
dois grupos comeam a distinguir-se em trs destes grupos em 2004. As evidncias da anlise no
paramtrica vo contra as concluses de GROSSMAN e HELPMAN (1995) acerca do lock in nos
clubes tecnolgicos. Os dados apontam para uma formao de clubes no-fechados com uma
pequena probabilidade de transio inter-grupos e at a conformao de um novo grupo.
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Figura 2.1: Funo de Densidade de Kernel para exportaes de alta tecnologia
0.0
5.1
.15
Den
sida
de d
e Ke
rnel
5 10 15 20Log Exportaes AT
1985
2004
Densidades de Kernel Exp AT 1985 e 2004
Fonte: elaborao da autora a partir de dados de TradeCAN.
Nas sees subsequentes, consideraremos se a anlise grfica tais questes com base em um
teste de misturas finitas para definir o nmero de grupos, sua composio e a anlise da cadeia de
Markov para estudar a dinmica de transio entre os grupos e o equilbrio estocstico de longo
prazo sob a hiptese de ergodicidade da distribuio.
A seguir, aplicou-se a metodologia dos modelos de misturas finitas para o perodo 1985 a
2004 em todos os pases da amostra. Na Tabela 2.2, encontram-se os resultados do teste LR para a
comparao dos modelos de um, dois, trs e quatro componentes e os critrios de informao de
AIC e BIC que medem a qualidade do ajuste de cada modelo.
Em primeiro lugar, observa-se que dois grupos so sempre preferveis a um. Quando
comparamos dois versus trs grupos, vemos que, desde o incio da amostra -1985-, os valores da
probabilidade vo decrescendo e, a partir de 1995, o teste LR rejeita o modelo d