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ComCiência Atualizado em 10/03/2003 http://www.comciencia.br [email protected] © 2003 SBPC/Labjor Brasil

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  • ComCiência

    Atualizado em 10/03/2003

    http://www.comciencia.br [email protected]

    © 2003

    SBPC/Labjor Brasil

  • Créditos

    Edição Carlos Vogt (Diretor de Redação) Rafael Evangelista (Editor-Chefe) Simone Pallone (Editora-Chefe)

    Revisão e divulgação Daisy Silva de Lara

    Webmaster Leandro Simões Siqueira

    Webdesigner Ingrid Lemos Daniel Maganha

  • Índice

    Editorial

    • O mar oceano de nossa história Carlos Vogt

    Reportagens

    • O desafio de identificar a biodiversidade marinha Liliane Castelões

    • Convenção do mar alterou os limites para a exploração Mayla Porto

    • A ciência e a presença humana no litoral Roberto Belisário

    • Turismo no litoral produz impactos Susana Dias

    • Os caminhos para o litoral Guto Paschoal

    • Esgoto e lixo poluem o mar Jeverson Barbieri

    • Pesca brasileira é pobre em produção de pescado Juliana Schober

    • Espécies têm programas de preservação Lúcia Ortiz

    • Legislação para maricultura é débil André Gardini

    • Manguezais ajudam a recuperar solo e água Rodrigo Cunha

    • Sambaquieiros, os primeiros habitantes do litoral brasileiro Germana Barata

    Artigos

    • O momento de repensar a economia pesqueira no Brasil Patrízia Abdallah e Jorge Castello

    • Gestão da aqüicultura em ambientes multi-usuários Luis Vinatea Arana

    • Etnobotânica no litoral da Mata Atlântica Natalia Hanazaki

    • Pesca: vidas, comunidade, língua Silvia Figueiredo Brandão

    • Cultivo e beneficiamento comunitário de mexilhão Marcos Bezerra de Menezes

  • • Sensoriamento remoto no suporte à pesca Manlio Mano e Leandro da Silva Junior

    • Tubarões na costa de Pernambuco Fábio Hazin

    • O potencial farmacológico das toxinas marinhas José Freitas

    Entrevistas

    • Ministro da pesca fala dos projetos da Secretaria Simone Pallone entrevista José Fritsch

    • Turismo sexual é mais intenso no litoral Marta Kanashiro entrevista Maria José

    • Revizee ajuda a preservar recursos pesqueiros Juliana Schober entrevista Roberto Ávila Bernardes

    Resenhas

    • O Velho e o Mar por Sara Nanni

    • Território do Vazio? A Praia e o Imaginário Ocidental por Rosane de Bastos

  • Mares dantes navegados

    Carlos Vogt

    Se o barco aderna a vida navega

    Se o barco navega a vida aderna

    Se o barco aderna e a vida navega o barco navega e a vida aderna

    Se o barco da vida aderna a vida navega

    Se a vida do barco navega o barco aderna

    Se o barco da vida navega e a vida do barco aderna a vida navega e o barco aderna

    Se o barco aderna a vida

  • O mar oceano de nossa história

    Carlos Vogt

    "Quando eu morrer voltarei para buscar Os instantes que não vivi junto ao mar".

    Sophia de Mello Breyner Andresen

    I

    O mar, o oceano, as águas salgadas, os rios doces que nos separam e nos unem para fora e para dentro de nossas identidades múltiplas e únicas.

    O mar de Fernando Pessoa, dos jangadeiros do nordeste, o mar da costa brasileira, o mar do Cabo da Roca, o mar de Vicente de Carvalho, o mar de Moçambique em Virgílio de Lemos, o mar de Jorge de Sena, exilado no Brasil, o mar de José Régio, exilado no fado da saudade do mar, o mar de Miguilim, que do Mutum ele nunca viu, o mar de Mário de Sá Carneiro, o mar dos navegadores portugueses e do navegante negro, o mar de Castro Alves, de Gonçalves Dias no naufrágio definitivo nas costas do Maranhão, o mar de João Bosco e Elis Regina, o mar de todas as canções do exílio, mas o mar da sabiá de Chico Buarque e Tom Jobim, o mar morto de Jorge Amado e o vivo de Gabriela, cravo e canela, o mar-mito-mar da origem e da consumação, o mar de Camões.

    II

    No dia 10 de junho de 1580 morre Luís Vaz de Camões, autor de Os Lusíadas, a grande epopéia das navegações portuguesas, das Rimas, coletânea de composições líricas da melhor qualidade, de três autos - comédias e de cinco cartas. Sem contar o outro conjunto de peças líricas - o Parnaso - que lhe é roubado em Lisboa, depois do regresso da Índia em 1570, e do qual só se tem notícia pelo desaparecimento.

    A importância dessa obra é desigual. De uma particular desigualdade. Lá onde ela é mais vasta, isto é, nos seus aspectos épico e lírico, é incomensuravelmente melhor do que tudo o que se fez no século XVI em Portugal, quiçá em toda Península Ibérica, e, sem dúvida, é da mais alta poesia feita em língua portuguesa em qualquer tempo. Além disso, Os Lusíadas são a única obra que realiza poeticamente bem o canto dos feitos marítimos, não só portugueses, mas de toda Espanha. No teatro, Camões deixou três autos: um - Anfitriões - é uma adaptação de Plauto, e os outros dois - Auto de El-Rei Seleuco e Filodemo - são autos cavaleirescos ao gosto de Gil Vicente. Neles ressalta o tom conceituoso, a análise penetrante dos sentimentos, mas falta-lhes, talvez por isso mesmo, qualidade dramática. Levam para o plano cênico aquilo que na lírica se realizava mais cabalmente. Ainda assim, não lhes falta o verso firme ou a prosa leve. A mesma prosa, aliás, das cartas que lhe são atribuídas e nas quais o poeta, num estilo admirável, fala a amigos íntimos das desventuras de seu adverso fado.

  • Na verdade, as cartas, se realmente a ele pertencem, são dos poucos documentos que permitem reconstituir com alguma certeza episódios de sua história de vida. A biografia de Camões está envolta num mundo de fantasias que lhe vão sendo incorporadas tanto por via popular como por via erudita.

    III

    Personagem de literatura de cordel, ele também o é, por exemplo, do poema narrativo de Almeida Garret, Camões, apontado nas histórias literárias como o marco inicial do romantismo português. Neste poema, concebido no Havre em 1824, e publicado em Paris em 1825, Garrett, que se encontrava no exílio por causa de suas posições políticas liberais, cola-se à estrutura de Os Lusíadas e durante dez cantos evoca, num estilo entre clássico e romântico, um Camões mítico, símbolo da mais total dedicação à pátria e vítima da maior incompreensão oficial. Camões é, assim, o trovador errante, o exilado de seus próprios direitos, o amante ao mesmo tempo fiel e apaixonado da pátria e da mulher amada, o gigante incompreendido que, qual Adamastor feito penedo pelo amor impossível da ninfa Tétis, consolida-se em cristal de sofrimento pela "austera, apagada e vil tristeza" em que sucumbe a terra portuguesa. Fixado em símbolo, para além das qualidades artísticas que lhe são próprias, o poeta alegoriza, então, a saudade ("gosto amargo de infelizes", no verso célebre de Garrett) das passadas e perdidas glórias, a amargura da pequenez presente e a esperança futura da redenção nacional.

    Mas não é Garrett o inventor desta heráldica mítica e mística com que é estampado o autor de Os Lusíadas. Há muito o seu destino se confundia, na tradição popular, com o destino da pátria portuguesa. Tanto que, quando Garrett consagra dois cantos de seu Camões à leitura que da epopéia faz o poeta a D. Sebastião, a quem, como se sabe, Os Lusíadas são dedicados, ele não faz senão dar curso literário a uma identificação que começara com esta dedicatória, fortalecera-se com o desastre de Alcácer-Quibir em 1578 e consolidara-se com a morte do poeta em 1580. O poema de Garrett termina estando Camões na mais absoluta miséria, vivendo das esmolas recolhidas pelo seu fiel e legendário escravo javanês, Jaú. Ao ter notícia da derrota em Alcácer-Quibir e do desaparecimento de D. Sebastião, o poeta morre. "Expirou co'a pátria", escreve Garrett.

    Consagra-se, deste modo, tanto literária como politicamente, a aura sebastianista que envolve Camões como símbolo de uma grandeza para sempre perdida e por isso mesmo não menos esperada. E como é grande a fortuna ideológica de Encoberto e as promessas do Quinto Império, alimentada desde o sapateiro Bandarra até o gênio poético do Fernando Pessoa de Mensagem, sem esquecer a atuante simpatia que lhe dedicava no século XVII o nosso Pe. Antônio Vieira, Camões terá, como uma das mais recorrentes, para suprir a falta de uma identidade social adequada, esta identidade mítica e mística para que o arrastam os sonhos de desfalecida nobreza encarnados por D. Sebastião.

    Esta aproximação é tão forte que no século XVIII, dentro do programa de reformas da sociedade e da cultura portuguesa iniciados sob o governo de D. João V, mas só concretizados sob D. José I, através de seu famoso ministro, o Marquês de Pombal, Camões não será poupado nem pela sobriedade crítica do educador Luís Antonio Verney, já no início do século XIX, pelo oportunismo belicoso e competitivo do Pe. José Agostinho de Macedo, autor, ao mesmo tempo do poema O Oriente (1814), no qual pretende refazer Os Lusíadas sem mitologia, e da prosa polêmica Os Sebastianistas, reflexões críticas sobre esta ridícula seita (1810). Mas nem a sinceridade crítica de Verney apoiada no racionalismo burguês que agitava as idéias na França e certamente sustentada pelo ouro brasileiro arrancado às Minas Gerais, nem o empenho de Macedo em seguir as pegadas de Voltaire, nas críticas que este

  • faz a Os Lusíadas pela mistura de cristianismo e mitologia greco-romana, conseguem baixar o poeta do pedestal simbólico a que ele foi alçado.

    Quem não se lembra do melancólico e grandioso final de O Crime do Padre Amaro de Eça de Queirós? O mesmo Eça que pertenceu à famosa geração de 70, cheia de brilho político e literário, tão empenhada na transformação das estruturas portuguesas, e que deixou, através do trabalho de Teófilo Braga em 1873-1874 uma edição das Obras Completas de Camões e, pelo trabalho de Adolfo Coelho e Ramalho Ortigão, a edição de Os Lusíadas comemorativa, em 1880, do terceiro centenário da morte do poeta.

    Eça de Queiróz termina o seu romance fazendo encontrar-se no Chiado, em Lisboa, o Pe. Amaro, o Cônego Dias e o Conde de Ribamar. Perambulam, trocam loas e se irmanam, na estagnação que os cerca, em altos juízos reacionários dos grandes acontecimentos políticos que vivia Paris: era a Comuna. Caminham para junto da estátua de Camões e aí postos, o romancista constrói, então, o fecho alegórico da contraposição do presente e do passado português:

    "E o homem de Estado, os dous homens de religião, todos três em linha, junto às grades do monumento, gozavam de cabeça alta esta certeza gloriosa da grandeza de seu país, - ali ao pé daquele pedestal, sob o frio olhar de bronze do velho poeta, erecto e nobre, com seus largos ombros de cavaleiro forte, a epopéia sobre o coração, a espada firme, cercado dos cronistas e dos poetas heróicos da antiga pátria - pátria para sempre passada, memória quase perdida!"

    IV

    O fato de sucessivas gerações tomarem e retomarem o poeta e, para além do indiscutível valor artístico de sua obra, procurarem interpretar-lhe significações ideológicas desta ou daquela linha, mostra sobretudo a força e o peso do nome de Camões na história da cultura portuguesa e mesmo brasileira.

    O primeiro contato literário de Camões com o Brasil se dá antes mesmo que qualquer de nossos antepassados pudesse tê-lo lido. Está no Canto X de Os Lusíadas, quando o poeta, pela boca de Tétis, prediz a Vasco da Gama as futuras conquistas portuguesas (futuro do passado, como se sabe, já que o poema foi publicado em 1572 e os fatos que narra se passam em fins do século XV, 1498, com a viagem de Vasco da Gama às Índias). Entre estas conquistas, a de Santa Cruz, na estrofe 140, onde é também mencionada a viagem de Fernão de Magalhães, com uma restrição do poeta, por, sendo português, tê-la realizado sob os auspícios do governo espanhol.

    "Mas cá onde mais se alarga, ali tereis Parte também, co pau vermelho nota; De Santa Cruz o nome lhe poreis; Descobri-la-á a primeira vossa frota. Ao longo dessa costa, que tereis, Irá buscando a parte mais remota O Magalhães, no feito, com verdade, Português, porém não na lealdade."

    Em seguida, Camões publicará, em 1576, na obra de seu amigo Pero Magalhães de Gandavo, uma elegia e um soneto encomiástico do livro, do autor e do seu dedicatário, Leonis Pereira, distinguido por feitos na Índia e também conhecido do poeta do tempo em que lá estivera. Ocorre que este livro de Gandavo é a sua História da província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil, que,

  • conforme explica o autor no prólogo do leitor, foi escrita e publicada "por não haver até agora pessoa que a empreendesse, havendo já setenta e tantos anos que esta província é descoberta. A qual história creio que mais esteve sepultada em tanto silêncio, pelo pouco caso que os portugueses fizeram sempre da mesma província".

    É interessante esta ligação com Gandavo porque, independentemente do abismo literário que separa o seu livro e Os Lusíadas, ambos compartilham da mesma contradição ideológica que tão bem caracteriza o século XVI em Portugal. Ponto máximo de um processo histórico que haveria de mudar a feição geográfica, cultural e política do mundo ocidental, processo em que toda a Península Ibérica teve um papel de primeira linha, através das viagens e conquistas marítimas, ele é também a caverna obscura onde se aquartelam os exercícios feudais da Companhia de Jesus e de onde o Santo Ofício, retalhando a inteligência do Renascimento, tenta contra-reformar o tempo em exercícios espirituais e na Ratio Studiorum. Assim, o mundo que Portugal abre ao comércio e à transformação social, não fosse senão pelo simples contacto antropológico com o outro, fecha-se em proselitismos piedosos de unidade e de expansão da fé cristã.

    Mais de uma vez já se observou que n'Os Lusíadas a ação narrativa se desenvolve com a monotonia de um auto de fé e que os heróis portugueses, Vasco da Gama em particular, têm conformação de pedra e angústias de sacristão. É mais uma bandeira que um homem. Um estandarte das cruzadas. Falta-lhe humanidade. A mesma humanidade que, entretanto, não falta aos sonetos, canções, odes, elegias e tampouco aos momentos de erupção lírica de que estão cheios Os Lusíadas e de que é um exemplo consagrado o episódio de Inês de Castro, no canto III.

    Também presente ela está ali onde no poema tudo parece ser simples artifício formal de respeito a cânones literários de época, isto é, no recurso à mitologia clássica. Na verdade, é neste plano que se desenvolve uma ação dramática que, não sendo meramente episódica, enreda os deuses - Vênus, Juno, Marte, Júpiter, Netuno - numa trama complexa de sentimentos e paixões, e permite ao poeta recuperar ao nível da narrativa a intrincada dialética sentimental dos contrastes que tão penetrantemente constrói na sua lírica. E será este, para acompanhar a tese tantas vezes defendida por Antonio José Sarai, um dos traços marcantes da modernidade de sua poesia épica. O recurso à mitologia integra-se estruturalmente à obra, e lá onde Voltaire, Verney e Agostinho de Macedo o consideram arcaico é que ele faz o canto transpor, num malabarismo de grande engenho e arte, a clausura intelectual em que se compraz a Inquisição.

    Nem por isso deixa Camões de invectivar D. Sebastião, "maravilha fatal da nossa idade" a investir contra os mouros na África e a tratar todos os orientais com que o Grama trava conhecimento como um bloco pérfido de ferozes inimigos da "verdadeira fé". Camões certamente sabia que era do contato e do comércio com eles que o mundo se transformava. Como também o deveria saber Gandavo quando procura interessar os portugueses pelas coisas do Brasil. Estava no ar a catástrofe nacional que levaria em 1580 a corte portuguesa a assentar-se, durante sessenta anos, sob o domínio de Castela. Entretanto, era preciso dar saltos mortais com a razão para responder à fúria ideológica da contra-reforma e em filigranas nominalistas, evitar até o nome Brasil, já popular na época, porque inspirado pelo demônio do comércio que dos paus vermelhos nesta terra se fazia. Gandavo, seguindo o cruzadismo de João de Barros, cujas Décadas tanto influenciaram a composição de Os Lusíadas, escreve no seu livro:

    "Mas para que nesta parte magoemos ao demônio, que trabalhou e trabalha por extinguir a memória da Santa Cruz (...) tornemos-lhe a restituir seu nome, e

  • chamemo-lhes província de Santa Cruz como em princípio (que assim o admoesta também aquele ilustre e famoso escritor João de Barros na sua primeira Década...)"

    V

    Camões, "teto e pão de nossa língua", no verso de Murilo Mendes, não apenas por tributo ao pensamento oficial, dá seqüência à tradição das novelas de cavalaria medievais, em pleno espírito renascentista. É que na Península Ibérica estas linhas de força se cruzam e se chocam. Camões, poeta e guerreiro, vive no centro desse embate as contradições e demasias que lhe são próprias. A sua obra, mais do que todas as máscaras com que vestiram o seu autor em diferentes épocas, é o traçado poético da grande máscara cultural e ideológica que arremete Portugal contra a era moderna, participando de sua inauguração, ainda que a contra-gosto.

    Para as ex-colônias, entre elas obviamente o Brasil, alguma ruga terá ficado, como herança dramática no pálido rosto de seu destino, não fossem, em nosso caso, estes rios multiplicados e fluentes em que, todo ano, pelo país adentro, pelo país afora, navegam naus catarinetas, cavalhadas, congos, moçambiques e tantos outros barcos imaginários, fazendo e refazendo percursos d'Os Lusíadas, nas rotas de velhas liças entre mouros e cristãos; não fosse ainda esses rios espelhar, passando, a autobiografia espiritual de Camões, estas águas de "Sôbolos rios..." a desaguar, em passes de mágica geografia, no estuário dramático do testamento lírico de Mário de Andrade: "meditação sobre o Tietê".

  • REPORTAGENS

  • O desafio de identificar a biodiversidade marinha

    Não é uma tarefa fácil identificar a biodiversidade marinha do litoral brasileiro. Afinal, são 7.367 quilômetros de costa ou 9.198 quilômetros se forem considerados os recortes geográficos. Por mais que se desenvolvam projetos de pesquisas, o número de pesquisadores brasileiros ainda é insuficiente para coletar e identificar os organismos marinhos ao longo de toda a costa brasileira. Em função disso, a comunidade científica não tem condições de avaliar se há grandes distinções entre, por exemplo, a diversidade marinha da região Nordeste e da região Sudeste.

    As dificuldades que surgem em conseqüência da grande extensão do litoral não desanimam os especialistas. Pelo contrário. Cada vez mais são criados programas com o objetivo de inventariar e mapear as comunidades marinhas. O último resultado do projeto Biodiversidade Bêntica Marinha no Estado de São Paulo, que faz parte do Biota/Fapesp - programa que mapeia toda a diversidade de plantas e animais existentes em diferentes ambientes do estado paulista - foi a descoberta de 52 novas espécies de animais que vivem no fundo do oceano.

    A pesquisa sobre a fauna bentônica, nome dado ao conjunto de moluscos, crustáceos, vermes e outros seres que habitam o assoalho dos oceanos, envolveu pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp). Contou ainda com o apoio de especialistas estrangeiros. "A identificação de animais exige pesquisadores especialistas em cada espécie a ser determinada . Como em alguns casos não havia especialistas aqui, contamos com a ajuda de pesquisadores estrangeiros para confirmar algumas das novas espécies descobertas", afirma a coordenadora da pesquisa Cecília Zacagnini Amaral, da Unicamp.

    Das 535 espécies identificadas, 52 eram desconhecidas. Em termos de tamanho, 40 das espécies novas pertencem à meiofauna. São animais que ficam retidos em uma malha de 0,05 milímetros. As outras 12 espécies são representantes da macrofauna, sendo visíveis a olho nu. Os trabalhos de campo em praias, costões e no fundo do mar, nos municípios de Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião e Ilha Bela, registraram a presença de cinco famílias e 28 espécies de bentos marinhos cuja existência nunca havia sido comprovada no litoral brasileiro.

    Além de preencher lacunas do conhecimento sobre a biodiversidade da costa paulista, o projeto estuda as interações entre as espécies e as possibilidades de conservação. Entre as espécies recolhidas algumas podem ser de interesse econômico, como os bancos de Mytella charruana, um tipo de mexilhão localizado no litoral norte do estado. As espécies com potencial econômico ainda são exploradas em pequena escala. "Por enquanto é uma exploração bem localizada. São consumidas pela população local e turistas ocasionais. Poderão sofrer risco de extinção se houver uma exploração sem cultivo", explica a bióloga da Unicamp. Para oferecer subsídios para a exploração comercial, os pesquisadores, nos próximos dois anos, estudarão como vivem e se reproduzem esses animais.

    Algumas espécies de bentos são bioindicadores. Sua ocorrência sinaliza as condições ambientais do local. É o caso do Capitella capitata, encontrado em

  • abundância na enseada de Caraguatatuba. A presença desse verme é típico de areias poluídas situadas próximas a locais em que há despejo de esgoto doméstico.

    Ecossistema O funcionamento do ambiente marinho é similar ao de qualquer outro ecossistema do planeta. Existem organismos produtores, que sintetizam a matéria orgânica a partir da inorgânica. Isso pode ser feito pela fotossíntese, que utiliza a luz como fonte de energia, como ocorre com as macro e microalgas, bactérias fotossintetizantes e vegetais superiores marinhos, como as gramíneas marinhas existentes nas regiões costeiras. A outra forma é através de processos de quimiossíntese, em que a fonte de energia para síntese de matéria orgânica é obtida de alguns componentes inorgânicos. Este tipo de produção é a base, por exemplo, da cadeia alimentar das fontes termais submarinas.

    No nível seguinte estão os organismos consumidores, que se alimentam da biomassa dos produtores (herbívoros) ou de outros consumidores (carnívoros). Por último, existem os organismos decompositores, que decompõem a matéria orgânica novamente em compostos inorgânicos, fechando o ciclo dos materiais. Os decompositores são fundamentalmente constituídos pelas bactérias decompositoras.

    No ecossistema marinho existem diversas comunidades, isto é, grupos de organismos que ocupam um determinado habitat. A professora Sônia Maria Gianesella, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), explica que numa comunidade existem organismos pertencentes a todas as categorias tróficas, ou seja, produtores, consumidores e decompositores.

    Nos oceanos, o bentos, formadores das comunidades bentônicas, representam os organismos que estão associados de alguma maneira ao substrato. São encontrados fixos, como as anêmonas; enterrados, como alguns poliquetas; ou vagéis (caranguejos e linguados), nadando apenas muito próximo ao fundo do mar. As comunidades planctônicas e nectônicas circulam pela água. A distinção entre plâncton e nêcton é feita pela capacidade deles em vencer ou não a correnteza. Os organismos do nêcton (peixes e mamíferos marinhos, entre outros) são capazes de nadar contra a corrente, enquanto os organismos do plâncton são levados pelas correntezas, apesar de apresentarem capacidade de natação. Os organismos de plâncton são geralmente microscópicos ou muito pequenos, como, por exemplo, as microalgas do fitoplâncton, bactérias, microcrustáceos do zooplâncton. Mas algumas são visíveis a olho nu, como as medusas.

    Litoral Para os oceanógrafos, litoral refere-se à região da costa diretamente sob influência das marés. A região que é coberta e descoberta diariamente pelas marés é denominada meso-litoral. Já a região que é molhada durante as marés excepcionais (ressacas e tempestades) ou que sofre efeitos dos borrifos do mar é considerada supra-litoral. A região que é descoberta nas marés excepcionalmente baixas é chamada de infra-litoral.

    "Cada uma destas regiões apresenta diferentes graus de exposição aos fatores físicos e químicos, tais como temperatura, salinidade, iluminação, concentração de oxigênio etc. Além dessa variação perpendicular à costa, os ambientes variam também em sua fisiografia ao longo da costa, o que, em conjunto, possibilita o desenvolvimento de grande diversidade de organismos na região costeira", afirma a pesquisadora do Instituto Oceanográfico.

  • Os quase 700 km de litoral do estado de São Paulo são divididos em três regiões: costa norte, baixada santista e costa sul. A costa norte é recortada, dominada por pequenas baías e costões, além de apresentar rios pequenos e um número razoável de ilhas de médio e pequeno porte. A baixada santista e a costa sul são dominadas por praias longas e estuários de médio porte, estes com predomínio de manguezais em seu entorno.

    De forma geral, a zona costeira dá origem a cadeias alimentares específicas e encerra importantes ecossistemas para a vida marinha. Nas relações de todas as partes de um ecossistema destaca-se a cadeia alimentar que liga produtores, consumidores e decompositores com a fertilização do substrato e da água. As zonas costeiras são consideradas mais produtivas do que o mar aberto. A menor profundidade da camada de água, permite a penetração da luz solar, facilitando assim, o florescimento do fitoplâncton e das macroalgas, que possibilita a abundância das espécies marinhas. O papel dos estuários, dos marismas, dos manguezais, das lagoas costeiras, dos recifes de coral, das ilhas, entre outros ecossistemas, é conhecido como garantia de produtividade e de diversidade biológica.

    Há mais de 50 anos, o Instituto Oceanográfico da USP estuda a zona costeira do estado de São Paulo. Os estudos focam principalmente a questão da interação entre organismos das várias comunidades (bentônicas, planctônicas e nectônicas). Já foram feitos levantamentos da fauna e da flora, que permitem identificar a biodiversidade, na região costeira de Ubatuba, na área de plataforma interna da região de São Sebastião, no complexo estuarino de Santos e na região do complexo estuarino-lagunar de Cananéia-Iguape.

  • Convenção do mar alterou os limites para a exploração

    O mar sempre foi o elemento da natureza que mais influenciou no desenvolvimento, na sobrevivência e no poder dos povos e nações. A acelerada evolução tecnológica ampliou as possibilidades de uso e exploração dos oceanos e os países passaram a considerar o mar, seu leito e subsolo, não só como via de transportes ou como fonte de alimentos, mas, e principalmente, como grande gerador de riquezas e de considerável importância estratégica como supridor de matérias-primas. Assim, o desejo de incorporar maior parcela do espaço marítimo a seus domínios ou de, no mínimo, exercer maior jurisdição sobre esse espaço, tem sido motivo de constantes conflitos de interesses entre os países.

    A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (CNUDM), tem por objetivo principal a definição de normas jurídicas para os mares e oceanos, a serem respeitadas por todos os países signatários da Convenção. Assinada pelo Brasil, juntamente com outros 118 países, em dezembro de 1982, na Jamaica, foi concluída, depois de quase nove anos de negociação. Composta de trezentos e vinte artigos e vários anexos, consagra os conceitos de mar territorial, zona econômica exclusiva e plataforma continental. A Convenção entrou em vigor, internacionalmente, no dia 16 de novembro de 1994.

    O Brasil, que ratificou a convenção em dezembro de 1988, tratou de ajustar seu direito interno aos preceitos da convenção, antes mesmo da sua entrada em vigor, quando o presidente Itamar Franco sancionou a lei, em 1993, que reduziu de 200 para 12 milhas o mar territorial brasileiro (aproximadamente 21,6 quilômetros). Assim, o nosso mar territorial compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixo-mar do litoral continental e insular brasileiro, tal como indicado nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.

    Mapa territorial do Brasil

  • O conceito de zona econômica exclusiva (ZEE) foi definido na Convenção como sendo uma zona situada além do mar territorial e a ele adjacente, que se estende a até 200 milhas (350 km) da linha da costa a partir da qual se mede a largura do mar territorial (v. figura abaixo). Nessa área, qualquer estado goza do direito de navegação e sobrevôo cabendo-lhe, ainda, a liberdade de instalação de cabos e dutos submarinos.

    Nela, os Estados costeiros têm o direito de exercer sua soberania para fins de exploração e aproveitamento dos recursos biológicos e minerais existentes no leito, subsolo do mar e nas suas águas sobrejacentes. A pesca deve ser praticada dentro dos limites de captura exigidos para a preservação das espécies cuja reprodução esteja gravemente ameaçada. Cabe aos Estados a autorização, mediante licença, para que outros países completem o nível de captura recomendada pelos organismos internacionais, estabelecendo as cotas, o período de tempo em que a pesca ocorrerá e as espécies que poderão ser capturadas.

    No caso de países sem litoral a convenção estabelece que, através de acordos, eles têm direito de aproveitar os recursos vivos em base eqüitativa e do excedente das zonas econômicas exclusivas de seus vizinhos, mediante acordos regionais ou bilaterais que determinem suas condições e participação.

    A plataforma continental trata-se geograficamente daquela parte do leito do mar adjacente da costa, cuja profundidade em geral não excede duzentos metros, e que, a uma boa distância do litoral, cede lugar a inclinações abruptas que conduzem aos fundos marinhos. Sob essa plataforma o Estado costeiro exerce direitos soberanos de exploração dos recursos naturais. Era assim mesmo na época em que a largura dos mares territoriais variava entre três e doze milhas e que, por causa disso, a maior parte da plataforma jazia sob águas de alto mar.

    A chamada "Guerra das Lagostas" travada entre Brasil e França em águas nordestinas, na década de 60, resultou da presença constante de navios franceses em águas próximas do mar territorial brasileiro, que era de três milhas. Barcos pesqueiros franceses realizavam a captura de lagosta na plataforma continental brasileira, apesar do governo brasileiro ter estabelecido que apenas barcos previamente autorizados poderiam fazê-lo. Como alguns barcos teimavam em descumprir essa determinação, foram deslocados para a região próxima de Natal (RN) alguns navios de guerra brasileiros para, se necessário, fazer cumprir a deliberação tomada.

    As águas eram de alto mar e portanto a pesca era livre. O Brasil sustentou que o crustáceo, como espécie predominantemente rasteira e não nadadora, possuía seu habitat na plataforma continental brasileira. A França insistia que capturava a

  • lagosta quando ela pulava na água, longe da zona costeira. A decisão favorável ao Brasil foi fator preponderante para que este pleiteasse, e obtivesse de outros países, o reconhecimento do direito de exercer sua soberania sobre as águas compreendidas entre o litoral e as 200 milhas marítimas.

    A Convenção criou um mecanismo obrigatório encarregado de solucionar as controvérsias no domínio do direito do mar. Quando os Estados partes não conseguem solucionar uma controvérsia relativa à interpretação ou aplicação do regulamentado, são obrigados a seguir os procedimentos sobre solução de controvérsias definidos na Convenção, um dos quais consiste em recorrer ao Tribunal Internacional do Direito do Mar. O Tribunal, sediado em Hamburgo (Alemanha), entrou em funcionamento em 1996, dois anos após a entrada em vigor da Convenção.

    Critérios para delimitação do mar territorial brasileiro podem ser alterados A Câmara dos Deputados promoveu, no final do ano passado, audiência pública para discutir os critérios para a demarcação da divisa entre estados e municípios costeiros e para a compensação financeira pela exploração de recursos naturais no mar territorial. A matéria é tratada no Projeto de Lei 4359/01, do deputado Feu Rosa (PSDB-ES), estabelecendo que a demarcação da divisa entre estados e municípios costeiros será feita com base nos pontos relativos ao limite interestadual e intermunicipal na linha da costa e seu correspondente na linha do mar territorial.

    O projeto também estabelece que a participação na exploração dos recursos naturais em mar territorial, plataforma continental ou zona econômica exclusiva deve ser dividida em partes iguais entre os estados e municípios limítrofes. O problema, na opinião do deputado Gustavo Fruet (PMDB-PR), é que a proposta não avança no sentido de uma definição clara, deixando a decisão para o poder executivo como já acontece hoje. A legislação atual não fixa critérios específicos, apenas determina que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estabeleça as linhas de projeção dos limites territoriais confrontantes, segundo a linha geodésica ortogonal (perpendicular) à costa ou segundo paralelo até o ponto de sua interseção com os limites da plataforma continental.

    "É um assunto complexo, que precisa ser discutido a fundo", diz Fruet. Ele cita como exemplo a ação que tramita há 11 anos no Supremo Tribunal Federal (STF), discutindo as divisas marítimas entre Paraná e Santa Catarina. A ação foi proposta pelo Governo de Santa Catarina para reivindicar os royalties pela extração de petróleo em poços hoje considerados em território paranaense.

    O estado de Santa Catarina reivindica participação nas receitas recebidas pelo Paraná pela exploração do poço P-14 da Petrobras, no campo de Caravela. O perito designado pelo STF, José Jaime Rodrigues Branco, contestou os critérios adotados pelo IBGE e estabeleceu uma nova divisão que reduz substancialmente o mar territorial do estado do Paraná.

    O Supremo ainda não tomou uma decisão mas, se seguir o parecer do perito, além de ter de devolver ao estado de Santa Catarina algo em torno de US$ 20 milhões por ano de exploração, o Paraná terá enormes perdas em sua arrecadação. É que a decisão pode criar jurisprudência e estabelecer novos critérios para a demarcação. Só para se ter uma idéia das receitas que deixará de arrecadar, basta dizer que a Petrobras deverá dar início em breve à exploração de três novos campos - Coral, Estrela e Tubarão. Só o primeiro tem uma estimativa de produção duas vezes superior à de Caravela. "Estamos falando, por baixo, em US$ 50 milhões", calcula o deputado federal Gustavo Fruet.

  • Pela legislação vigente, há mudança de traçado cada vez que se amplia a extensão da zona econômica exclusiva. O deputado explica que apenas os estados do Paraná e do Piauí não têm linhas de projeção paralelas de seu território, em razão da configuração côncava de seu litoral. "Esse tema tende a ganhar maior visibilidade à medida que forem confirmadas novas descobertas de poços de exploração de petróleo. O assunto é estratégico para o país, para os estados e municípios", afirma Fruet.

    (MP)

    Mais informações: Oceanos e Direito do Mar: www.un.org/Depts/los Tribunal Internacional do Direito do Mar: www.itlos.org Organização Marítima Internacional: www.imo.org

  • A ciência e a presença humana no litoral

    No Brasil, existem diversas pesquisas geológicas em andamento com aplicações para a exploração e a conservação dos recursos costeiros. Exemplos de pesquisa básica em geologia marinha são estudos sobre deposição de sedimentos pela ação dos oceanos, sobre erosão costeira, análise da composição dos sedimentos (areia, por exemplo), recolhimento de dados sobre ondas, marés e temperatura da água etc. São comuns também vários estudos aplicados, que dependem fundamentalmente dos dados colhidos pela pesquisa básica. Entre essas aplicações, encontram-se estudos para a determinação de jazidas de recursos minerais, estudos sobre o impacto da ocupação humana na erosão costeira e a meteoceanografia.

    Esta última disponibiliza dados e previsões sobre marés, ondas e temperatura da água, para serem usados, tal e qual os dados meteorológicos, para diversos fins - turismo, pesca, pesquisa científica, etc. O Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo já tem um serviço de disponibilização de dados e previsão de marés e de correntes marinhas, em www.surge.iag.usp.br.

    Recursos não-renováveis Outros dados importantes colhidos pela pesquisa básica, além dos da meteoceanografia, são as composições dos solos próximos à costa ou sob a superfície do mar. Esses dados, disponíveis em publicações científicas, podem dar às empresas mineradoras indicativos sobre locais onde vale a pena procurar jazidas de recursos não-renováveis. As empresas então aprofundam os estudos e definem a incidência ou não de uma jazida mineral de valor econômico.

    Os recursos costeiros minerais, ou não-renováveis, ocorrem em basicamente três tipos de ambientes. No ambiente rochoso - quando as rochas atingem a zona costeira -, um dos principais é a fluorita, encontrada, por exemplo, na região do Morro da Fumaça, em Santa Catarina. Em sedimentos (praias e lamas associadas a lagunas costeiras), um dos principais são os minerais pesados, que aparecem nas areias das praias e das dunas, como a monazita (comum no Espírito Santo), a ilmenita (de onde se extrai o óxido de titânio, importante na indústria de tinta), o calcáreo (associado a fragmentos de conchas e recifes de coral, usados na fabricação de cimento) e a turfa. Esta última, um estágio intermediário na formação do carvão vegetal, aparece em lagunas costeiras. É muito usada como corretivo orgânico na agricultura. O terceiro ambiente é o subsolo marinho, onde aparece o petróleo e o gás natural.

    Um caso de estudo científico que resultou na descoberta de jazidas foi o episódio dos depósitos de minerais pesados no litoral do Rio Grande do Sul. Na década de

    Recursos renováveis e não-renováveis e a zona costeira

    como recurso em si: Apesar do nome, os recursos

    naturais não-renováveis também se regeneram naturalmente. A diferença com os renováveis é que a escala de tempo para a

    sua renovação é muito maior do que a escala com que os seres

    humanos lidam. Os recursos não-renováveis são basicamente

    os recursos minerais, e os renováveis, os biológicos. Hoje, há uma tendência em aplicar o

    conceito de recurso natural a toda a zona costeira em si, não só os seus recursos biológicos e minerais. Usa-se, por exemplo, também para lazer e recreação.

  • 1970, pesquisadores do Centro de Geologia Costeira Oceânica, um órgão auxiliar do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), descobriram manchas escuras nas areias, indicativas da presença de minerais pesados. As manchas eram mais expressivas nas regiões de Bujuru e Hermenegildo, no litoral gaúcho. Os sedimentos foram enviados ao laboratório e analisados, e foram identificados os minerais pesados de valor econômico. O mais importante deles é a ilmenita, mas apareceram também rutilo, magnetita e zircão, entre outros. Foram feitos cálculos para determinar a concentração desses minerais nas areias das praias e dunas do litoral gaúcho.

    Nesse ponto, cessou a pesquisa acadêmica, que passou para outros projetos. Nos anos 90, as publicações chamaram a atenção de empresas mineradoras, que foram buscar as jazidas nas regiões indicadas. As empresas aprofundaram os estudos e atualmente as jazidas estão em fase de viabilização da explotação. O principal obstáculo é o litígio com os órgãos ambientais, pois a área de ocorrência está vinculada ao parque nacional da Lagoa do Peixe.

    Um outro caso começou há 15 anos, quando os pesquisadores da UFRGS começaram a se interessar pela erosão costeira. Desde 1997, os pesquisadores percorrem a linha costeira do Rio Grande do Sul, que tem 630 quilômetros, mapeando a linha de costa e verificando as alterações devidas à erosão. Os dados sobre essas alterações podem ser usados para indicar a ocorrência de minerais pesados, pois as áreas de maior concentração de tais minerais são, tradicionalmente, as áreas de maior incidência da erosão costeira. Com base nesses dados, os pesquisadores da UFRGS encontraram minerais pesados nas zonas de erosão.

    Como os depósitos de minerais pesados estão preferencialmente em zonas de erosão, eles estão disponíveis por muito pouco tempo. Segundo Sérgio Dillenburg, do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as duas principais reservas de minerais pesados do Rio Grande do Sul podem ser dispersadas em 500 ou 1000 anos, o que, do ponto de vista geológico (que muitas vezes lida com processos de milhões de anos), é muito pouco.

    Processos costeiros A erosão e a sedimentação costeiras e a variação da linha da costa causada por elas são fenômenos naturais. No centro, sudeste e sul do litoral brasileiro, a erosão é causada principalmente pela ação das frentes frias, que modificam o comportamento do mar, tanto da agitação marítima quanto no seu nível. No norte e nordeste, o principal fator são os ventos, que modificam o clima das ondas.

    Entretanto, quando há ocupação humana nas áreas costeiras de variabilidade natural, podem aparecer problemas sérios. Na cidade de Matinhos, no litoral do Paraná, a Avenida Beira-Mar foi construída sobre as dunas da praia. "As dunas são o reservatório de areia das praias", explica Eduardo Marone, coordenador do Laboratório de Processos Costeiros e Estuarinos (PROCEs) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "Quando você asfalta as dunas - a reserva de areia que evita que a praia seja erodida - desparece a fonte de manutenção da linha de praia." O resultado disso é que a cidade é quase anualmente atingida por grandes marés ("ressacas"), que já chegaram a destruir parte da Avenida Beira-Mar e algumas construções próximas.

    Exploração e explotação O termo exploração, em

    geologia, relaciona-se à fase de prospecção: busca e

    reconhecimento da ocorrência dos recursos naturais, e estudos para determinar se os depósitos

    têm valor econômico. A explotação é a retirada do

    recurso com máquinas adequadas, para fins de

    beneficiamento, transformação e utilização. Portanto, o maior impacto no meio ambiente é

    causado pela explotação.

  • Após uma dessas ressacas, há mais de 15 anos, foram instalados na praia os chamados "gaviões", ou seja, foram depositadas pedras ao longo de um setor da praia, presas com uma grade. Isso aumenta o processo de deposição, e a praia começou a se reconstituir. Porém, segundo Marone, a solução através de estruturas duras como essas é apenas paliativa. Primeiro, porque hoje o arame que prende as pedras já está gasto e rompendo-se, transformando-se num perigo para os banhistas, além de ser esteticamente pouco agradável. Segundo, porque, quando se bloqueia a ação do depósito ou erosão em um local, o mar vai agir em outro. "A natureza tem que tirar e pôr sedimentos o tempo todo, esse é o estado natural dela", diz o pesquisador. "Quando impedimos que em algum local o ciclo de retirada e transposição de sedimentos desapareça, você pode até resolver o problema desse local, mas o mar vai ter que agir em outro lugar que não está protegido."

    Por isso, a solução mais recomendada para o problema da erosão costeira é a reavaliação da ocupação do solo. Dependendo do custo, pode-se realocar comunidades litorâneas. "A Espanha", diz Marone, "é o país mais avançado nesse sentido: simplesmente desapropriou as obras marítimas nos locais onde havia problema de erosão e reconstruiu o ambiente natural."

    Em outros casos, como em cidades, não é possível fazer a realocação. Nesses casos, a segunda técnica mais recomendada é a manutenção da orla de praia por meio de deposição artificial. É usada, por exemplo, no litoral da Califórnia: os restaurantes, hotéis etc. pagam uma draga que está todo o ano circulando e "engordando" as praias.

    Instituto do Milênio Para contemplar esses problemas no litoral brasileiro, o governo possui um programa de financiamento de pesquisas oceanográficas chamado Instituto do Milênio do Mar, cujo título é "Uso e apropriação de recursos costeiros" (Recos), e do qual participam 19 instituições brasileiras, envolvendo cerca de 200 pesquisadores. O objetivo é investir em pesquisas científicas para propor soluções para os problemas causados pela ocupação do litoral e apropriação de recursos naturais da costa. O programa divide-se em quatro temas: Modelo Gerencial de Pesca, Qualidade Ambiental e Biodiversidade, Maricultura Sustentável e Modelagem, Monitoramento, Erosão e Uso do Solo. Deste último projeto estão participando 10 instituições, com cerca de 60 pesquisadores.

    A erosão costeira é contemplada no quarto módulo. As pesquisas nesse campo envolvem dez universidades e instituições de pesquisa, do Rio Grande do Sul ao Pará. A idéia é mapear o litoral brasileiro periodicamente, para determinar as variações devidas à erosão e à sedimentação e, com isso, determinar quais as áreas onde a incidência de erosão é crítica e apresentar possíveis soluções.

    Um dos métodos usados pelos grupos para fazer esse mapeamento é percorrer a costa a pé (caminhamento), de bicicleta ou de carro, com um GPS (sigla em inglês para Sistema de Posicionamento Global), um aparelho que indica com precisão a latitude e a longitude de sua localização. No Paraná, no Rio Grande do Sul e em locais onde existe o equipamento, usa-se um DGPS, uma versão mais precisa, capaz de determinar a localização no globo terrestre com precisão de dezenas de centímetros.

    Outro método do projeto de erosão investiga o leito do mar próximo à costa. Para isso, são lançados no fundo do mar, depois da zona de arrebentação das ondas, aparelhos que medem a temperatura, a salinidade e a profundidade da água. A profundidade é determinada através da medida da pressão da água. Esses aparelhos devem ser levados até depois da zona de arrebentação através de barcos

  • pesqueiros. No dia 21 de fevereiro, o PROCEs testou o primeiro protótipo de um novo veículo por controle remoto que leva sozinho os aparelhos até o local desejado, e depois lança-os em direção ao fundo do mar, onde realizarão as medidas automaticamente. O veículo chama-se ROV (sigla em inglês de Veículo Operado Remotamente), um aparelho comum em pesquisas marinhas, mas que nunca tinha sido antes usado para estudos da linha costeira. Nos próximos dias, será distribuído às outras 7 universidades que fazem parte do projeto sobre erosão costeira (veja notícia na ComCiência).

  • Turismo no litoral produz impactos

    O desenvolvimento de uma indústria do turismo no país é considerado estratégico pelo governo atual. Promover o desenvolvimento sócio-econômico, gerar empregos, elevar a renda per capita e aumentar as receitas estaduais, são alguns dos resultados que se espera com investimentos na área. No entanto, esses projetos, segundo diversos pesquisadores, precisam contemplar também meios para diminuir os impactos ambientais e sociais. As comunidades locais precisam ser ouvidas e devem participar do processo de implantação dos empreendimentos.

    O ministro do turismo, Walfrido Mares Guia, afirmou, em seu discurso de posse, que pretende agilizar a liberação de recursos para programas como o Plano de Desenvolvimento Turístico Integrado do Nordeste (Prodetur NE I e II) e o Prodetur Sul, bem como abrir novas linhas de crédito para incrementar o turismo. A iniciativa não é nova, mas mobiliza antigas experiências e conhecimentos em busca da criação de novos caminhos que tornem o turismo uma atividade mais sustentável, do ponto de vista social e ambiental.

    O potencial turístico da região Nordeste, por exemplo, foi enaltecido por diversos estudos realizados por agências de fomento nacionais e internacionais, sendo destacados os atributos naturais, culturais e a abundância de mão-de-obra com custos baixos existentes na região. O turismo foi considerado a alternativa econômica mais viável e, nos últimos dez anos, amplos investimentos foram feitos, com verbas do Prodetur e também da iniciativa privada. Ampliaram-se as ofertas de hotéis e pousadas, expandiram-se os aeroportos, foram abertas e recuperadas rodovias e desenvolvidos projetos relacionados ao abastecimento de água, tratamento do esgoto e do lixo. Com estes investimentos, o fluxo turístico para a região Nordeste aumentou significativamente, porém, as avaliações do processo sinalizam a necessidade de reformulação de políticas no setor que prezem pela maior transparência e participação efetiva dos diversos atores envolvidos.

    Impacto ambiental vai além da região da praia "Ao avaliar apenas a ação humana na praia, o impacto ambiental é pequeno quando comparado ao fenômeno turístico como um todo", analisa Teresa Magro, pesquisadora do do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP (Esalq-USP).

    Efeitos do Prodetur Como resultado do Prodetur I o

    último relatório de avaliação aponta a expansão de oito aeroportos internacionais, a

    implantação e recuperação de 934 km de rodovias e vias

    vicinais, a viabilização do acesso a sistemas de tratamento de água e esgoto para cerca de

    945.000 pessoas, a recuperação de 22 sítios históricos, e o início dos esforços para conservação

    de mais de 70.000 ha dos ecossistemas costeiros e áreas

    protegidas. Após os investimentos em obras de

    infraestrutura o fluxo turístico aumentou no perído de 1997 a

    2000 e o Prodetur atraiu, segundo o BID, US$6.5 bilhões

    de investimentos privados para a região Nordeste. BNDES e BID em 1994 aprovaram cerca de

    US$400 milhões para o Prodetur/NE, qua atualmente está na sua segunda etapa. O

    Prodetur realizou um levantamento nos municípios

    participantes quanto às condições de abastecimento de água, esgoto sanitário, resíduos

    sólidos, planos diretores e manejo do uso do solo, áreas de

    preservação, anteriores ao desenvolvimento do programa. A segunda etapa do Prodetur NE

    envolve nove municípios da Costa das Dunas no Rio Grande

    do Norte, sete municípios da Costa dos Coqueirais em Sergipe

    e três municípios, Belmonte, Porto Seguro e Santa Cruz

    Cabrália, na Costa do Descobrimento no litoral sul da

    Bahia.

  • Para Magro, olhar o turismo como um fenômeno complexo permite a compreensão de que esta atividade envolve desde a ocupação imobiliária, a alteração e descaracterização da paisagem, o deslocamento das comunidades locais, o aumento demográfico sazonal, e o conseqüente aumento na produção de esgoto e lixo. Estes, e outros aspectos, precisam ser levados em consideração quando se avalia o impacto do turismo, tanto em áreas inexploradas, quanto em regiões turísticas tradicionais.

    Porto Seguro, situado na Costa do Descobrimento litoral sul da Bahia, foi um dos municípios que recebeu maior quantidade de verbas do Prodetur NE I. Como resultado, a pacata vila transformou-se em um grande pólo turístico recebendo turistas durante todo o ano, inclusive um grande número de turistas estrangeiros, graças a infra-estrutura criada que comporta atrativos "naturais", praias, vegetação, sol e "artificiais", como um amplo setor de serviços, comércio e espaços especializados em diversão e entretenimento.

    Georges Souto Rocha, professor do Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (Cefet BA) e coordenador do Grupo de Recomposição Ambiental (GERMEN), comenta que a política de incentivo ao turismo adotada pelo governo para a região entra em conflito com outra política adotada para uma faixa maior, e mais ao interior do estado: a implantação da indústria de papel e celulose. "A degradação ambiental das águas e ar e a modificação da paisagem natural causada pela indústria de papel e celulose na região reduz as chances da instalação e consolidação de uma indústria turística de porte internacional nesta área, dadas as exigências estabelecidas por este seguimento turístico".

    Remanescentes de Mata Atlântica, no sul da Bahia - Anos 1945, 1974 e 1990 Fonte: Projeto Mata Atlântica - Ceplac - Jardim Botânico de Nova York - 1993

    Além disso, Rocha comenta que a implantação da indústria de papel e celulose, e outros fatores, como a seca e a crise na lavoura de cacau, têm levado uma imensa quantidade de pequenos lavradores a se deslocarem das áreas rurais da região para as periferias das cidades litorâneas do sul da Bahia. Atraídos pela possibilidade de sobrevivência com os empregos, subempregos, e outras ocupações informais geradas pela atividade turística, os novos moradores amontoam-se em favelas. O Baianão, por exemplo, é uma favela de Porto Seguro que abriga mais de 20.000 pessoas que, em sua maioria, vive de atividades ligadas ao turismo. Sua localização estratégica - do outro lado da rodovia - evita a exposição direta do problema para os visitantes. A tensão social vivida na periferia de Porto Seguro gera questionamentos sobre quem são os beneficiados com a política de incentivo ao turismo, assim como também coloca em questão a necessidade de uma avaliação mais criteriosa dos impactos sócio ambientais.

  • O último relatório de avaliação do Prodetur, de agosto de 2002, (Leia os relatórios do Programa Prodetur/NE I e II, destaca "as lições aprendidas" com o Prodetur I e as diretrizes que orientam o Prodetur II. As análises do Prodetur I mostram que as obras de transporte viário e de saneamento concentram um maior número de problemas e de queixas apresentadas pelas comunidades afetadas e ONGs. A maioria dos problemas estão associados às análises limitadas dos impactos sócio-ambientais indiretos, ligados à construção ou renovação de estradas e implantação de estações de tratamento de água e esgoto sanitário; à ausência de monitoramento ambiental adequado pelas autoridades estaduais e os órgãos executores; e à falta de cumprimento das medidas mitigadoras pelos empreiteiros das obras .

    Segundo o relatório, o Prodetur I permitiu às autoridades estaduais e municipais perceberem que, devido a complexidade do setor turístico, este precisa de atenção e, mais do que isto, requer planejamento. São apontadas inúmeras irregularidades e a falta de transparência e participação dos diversos atores envolvidos nas ações voltadas para o turismo. A exceção é o estado do Rio Grande do Norte. Ainda no relatório, são explicitadas as linhas que orientam as ações políticas do Prodetur II a partir dos aprendizados com o Prodetur I: garantir a participação efetiva da comunidade e das prefeituras no processo, desenvolver a capacidade local de gerenciar o turismo para o beneficio da população, e tornar a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) um processo público de avaliação e decisão, dando subsídios e orientação às decisões do governo. Outra questão amplamente analisada é a interpretação dos papéis que o poder público, a iniciativa privada e as comunidades locais têm exercido no processo de desenvolvimento do turismo e, em especial, o impacto que tal evolução tem resultado sobre o meio ambiente e sobre a população residente.

    Mapeando conflitos sócio-ambientais gerados pelo turismo Mapear os conflitos que surgem entre o poder público, instituições privadas, organizações não governamentais e comunidades, envolvidas no processo de instalação de projetos turísticos, é uma das alternativas encontradas por um grupo de pesquisadores da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia. José Célio S. Andrade, Maria Teresa Franco Ribeiro, Maria de Fátima Góes e Emiliana Vargens, pesquisadores do grupo, têm investigado os conflitos sócio-ambientais que surgiram com a instalação do complexo turístico Costa do Sauípe, no litoral norte da Bahia. Entre os problemas mapeados pelos pesquisadores a partir do que a população local achava importante estava o da piaçava, recurso natural usado pelas mulheres da região para a produção de artesanato, que tornou-se, para algumas comunidades, de difícil acesso. Ribeiro lembra que "quando você cria um empreendimento turístico, você cerca, e impede o acesso de pessoas da região". A possibilidade de algumas pessoas deixarem de produzir o artesanato com a piaçava é, na opinião de Ribeiro, "uma ameaça ao conhecimento local".

    O tratamento do esgoto foi outro problema identicado junto à comunidade. O projeto inicial para o conglomerado turístico de Sauípe definia a construção de um emissário submarino, porém esta tecnologia não foi utilizada e o esgoto pode degradar os rios da região, atingindo os manguezais e compromentendo as atividades de pesca da comunidade. Um terceiro problema envolve um grupo italiano que comprou uma área chamada Barra, onde a população local pesca e tem barracas de praia para receber turistas da região. Os empreendedores construiram um muro impedindo o acesso da comunidade local. O muro foi derrubado e está em andamento um processo judicial sobre o caso. Ribeiro conta ainda que alguns destes, e outros, conflitos já foram levados ao Ministério Público e, apesar das dificuldades, analisa como importante a atuação do ministério no caso.

  • Localização da Costa do Sauípe - Litoral norte da Bahia Fonte: Divulgação

    Com esse trabalho de pesquisa, o grupo pretende criar uma grade analítica que considere as dimensões econômica, ambiental, social e política. "Há uma necessidade de compreender a lógica dos atores, dos conflitos e a partir disso, pensar a participação dos diversos atores na gestão ambiental. Construir assim, um conhecimento coletivo, por meio de uma metodologia participativa, criando espaços para que as diferentes lógicas - das instituições privadas, do Centro de Recursos Ambientais (CRA), do Conder e da comunidade local - possam ser compreendidas e colocadas em diálogo", diz Ribeiro. Após mapear os possíveis espaços de cooperação entre esses atores, os pesquisadores acreditam que poderão contribuir com importantes subsídios para a discussão.

    Rotas possíveis de sustentabilidade "Criar estratégias para garantir que a renda gerada pelo turismo seja mantida nas regiões onde é produzida e olhar com atenção as experiências anteriores antes de planejar e realizar novas ações" são preocupações que Teresa Magro destaca serem importantes para se pensar em um turismo mais sustentável. Porém, a pesquisadora ressalta dois temores: o de que se repita a corrida de empreendimentos turísticos sem o planejamento adequado, devido à ampla divulgação pelo governo dos seus futuros planos; e a possibilidade de se investir apenas em novos destinos, em novos empreendimentos, abandonando áreas turísticas tradicionais já degradadas, como Santos por exemplo, em que os gastos de recuperação paisagística e ambiental serão grandes. Como o país ainda tem novas áreas a serem disponibilizadas, não existe uma política de desenvolvimento em regiões degradadas pelo processo turístico.

    O economista Georges Rocha acredita ser necessário redefinir as políticas para o desenvolvimento turístico no extremo sul da Bahia, em especial, garantindo instrumentos que permitam uma maior distribuição de renda, evitando a restrição da atividade ao turismo de alto padrão, propiciando mecanismos de inserção da população de baixa renda, e com pouca ou nenhuma qualificação profissional nas atividades relacionadas ao turismo. Para tanto, sugere: a abertura de linhas de crédito, com baixas taxas de juros e longos prazos para amortização das dívidas, para os micros e pequenos empresários interessados em investir no turismo regional; a criação de escolas técnicas de pesca e linhas de crédito para aquisição de barcos e renovação de frotas; a criação de infra-estrutura para recepção, conservação e a comercialização do pescado, articulando-a à uma política alimentar, à demanda dos Centros Turísticos e à exportação do excedente; e o

  • fomento à organização de associações de classe, de moradores e entidades ambientais.

  • Os caminhos para o litoral

    Os caminhos para a ocupação da costa litorânea e a construção de estradas para o interior do país foram, e continuam sendo, fundamentais no processo de desenvolvimento e transformação do litoral brasileiro. É uma antiga história que começa com o Peabiru - o caminho dos índios para o interior do continente, existente antes da chegada dos portugueses em 1500 - até a construção de novas estradas com modernos processos tecnológicos, como a Nova Imigrantes (que liga a cidade de São Paulo ao Litoral Sul paulista). Mas o que antes era uma caminho para exploração de riquezas e a colonização no interior do Brasil, hoje registra o maior movimento no sentido inverso, de pessoas saindo do interior para desfrutar a beleza das praias nos finais de semana e feriados.

    No final de 2002, a inauguração da pista descendente da Imigrantes, que liga a cidade de São Paulo ao litoral, foi um marco e um exemplo da capacidade de realização de grandes projetos no Brasil. A obra da concessionária Ecovias começou em 1998. O projeto da pista de descida tem apenas 17 quilômetros, mas a maior dificuldade foi o relevo da encosta da Serra do Mar. O projeto priorizou a construção de túneis em rocha firme, como o TD 1, com 3,146 metros (considerado o maior túnel do Brasil) e o TD 3 com 3,005 metros de extensão, além de viadutos com mais de um quilômetro. Outro resultado positivo do uso da tecnologia na construção de túneis e viadutos foi o baixo impacto ambiental. Na construção foram afetados cerca de 40 hectares de floresta, enquanto na obra da pista da subida, feita na década de 70, foram utilizados 1600 hectares.

    José Reinaldo Anselmo Setti, professor da Escola de Engenharia da USP de São Carlos, diz que o projeto dos túneis da rodovia foi a opção mais barata e segura para o terreno íngreme e instável da serra. "O túnel evita os locais de deslizamento. Feitos em rochas sãs, que suportam o peso do teto, há poucos riscos de desmoronamento", afirma Setti. Outro fator de qualidade na nova rodovia Imigrantes, apontado por Setti, foi a pavimentação em concreto. "O cimento portland é mais rígido e durável do que o asfalto, apesar de ser mais caro. A capacidade de suportar carga é maior e a durabilidade compensa, principalmente em locais onde é complicado fazer o recapeamento".

    Setti é especialista em tráfego e diz que o maior problema com os congestionamentos e o excesso de fluxo na Serra do Mar acontece nos finais de semana e feriados. "O problema é que todo o tráfego da Anchieta e da Imigrantes passa por São Paulo. O carregamento de cargas para o porto de Santos é feito através da ferrovia, que tem uma capacidade limitada e a maioria restante vai de caminhão. Mas esse tráfego é constante, somente há congestionamentos em certos períodos de safra. O problema são mesmo os feriados, que as empresas de transporte evitam".

    Para o feriado de Carnaval deste ano, a Ecovias previu um recorde de tráfego no sistema Anchieta-Imigrantes. Eram esperados uma média de 500 mil veículos, no fluxo em direção ao litoral. No Carnaval de 2002, foram 420 mil carros e vários congestionamentos. Com a inauguração da nova pista da Imigrantes, a capacidade

  • do sistema foi ampliada de 8.500 para 14 mil veículos por hora. Os maiores problemas de engarrafamentos acontecem nos pedágios e entroncamento das rodovias litorâneas.

    O caminho do mar A construção de estradas para chegar ao planalto de Piratininga começa em 1560, quando o governo português, representado por Mem de Sá, encarrega os jesuítas, liderados por José de Anchieta, de abrir um novo caminho de São Vicente até São Paulo. Em 1661, com a deterioração daquele caminho, a Capitania de São Vicente começa a construir a estrada do Mar, com cerca de 70 pontes permitindo o acesso de veículos. Em 1789, foi feita uma outra recuperação do Caminho do Mar, quando foi pavimentada com lajes de granito, ficando conhecida como Calçada de Lorena com trechos preservados ainda hoje.

    Esse pavimento foi feito com lajes de pedra irregular com cerca de 40 centímetros de largura por 20 centímetros de altura. Os vãos eram preenchidos com pedras menores e areia grossa, sobre uma camada de 10 centímetros de pedregulhos e saibros para dar resistência e estabilidade. O traçado da calçada era moderno para a época e não atravessava cursos d'água, o que evitava a erosão e tornava a viagem mais segura. A Calçada de Lorena tem importante valor histórico. A Independência do Brasil foi proclamada quando Dom Pedro I retornava para São Paulo pela Calçada de Lorena, já nas margens do Ipiranga, depois de visitar a família de José Bonifácio em Santos.

    Em 1837, com a autorização de cobrança de pedágios, começou a ser construída a Estrada da Maioridade no traçado da antiga Estrada do Mar. Depois da construção da Calçada de Lorena, o maior problema era a ligação entre Cubatão e Santos, no pé da serra. O fluxo de mercadorias era precário, com sistemas de barcas que faziam o transporte fluvial. Para a construção dessa nova estrada foram feitos aterramentos de mangues e de terras alagadas da região.

    Com o fim da Lei da Barreira e dos pedágios, a estrada ficou abandonada e ainda havia a concorrência com a linha férrea, que foi inaugurada em 1867. A construção da ferrovia Santos-Jundiaí também foi um marco na história de engenharia nacional. Em 1920, foi criada a Sociedade Caminho do Mar, que reconstruiu a estrada e reabriu o pedágio. O então presidente de São Paulo, Washington Luiz, cujo lema era: "governar é construir estradas", determinou a construção de monumentos para destacar a importância histórica da estrada.

    Em 1922 foi feita uma experiência, com a pavimentação em concreto do trecho mais íngreme da estrada. No ano de 1923, o governo do estado adquiriu a Sociedade Caminho do Mar, retirando novamente o pedágio. Parte da estrada que liga Santos a Cubatão foi asfaltada em 1928 e a construção da rodovia Anchieta, com um novo traçado, só começou em 1939. A obra da Via Anchieta com investimento privado foi autorizada em 1929, pela Câmara dos Deputados, atual Assembléia Legislativa. A crise com a queda da Bolsa de Valores de Nova York interrompeu o projeto.

    Em 1934 foi novamente autorizada a construção, que só começou cinco anos depois. A Segunda Guerra Mundial também prejudicou os trabalhos. Finalmente, em 1947, a pista ascendente da Via Anchieta foi inaugurada, com 55,9 quilômetros de extensão. A pista da descida foi aberta em 1953, tornando-se o principal corredor de exportação e contribuindo para o crescimento do porto de Santos e para o processo de industrialização do país. A via Anchieta tem 58 viadutos, 18

  • pontes e cinco túneis. Para se ter uma idéia do movimento da estrada, entre 1972 e 1998, passaram 104 milhões de veículos pelo pedágio.

    Com a saturação da capacidade de fluxo na via Anchieta, no final dos anos 60, o governo autorizou a construção da rodovia Imigrantes. A Dersa foi criada para administrar e construir a nova estrada, que foi inaugurada em 1974. A Imigrantes tem 44 viadutos, sete pontes e 11 túneis. Todo o complexo Anchieta-Imigrantes tem 176 quilômetros de extensão, que hoje são administrados pela concessionária Ecovias. A rodovia Imigrantes superou a Anchieta em volume de carros. No pedágio, foram registrados 127 mil veículos até o ano de 1998.

    A Rio-Santos e as estradas litorâneas Uma das mais belas estradas brasileiras é a rodovia Rio-Santos, com uma paisagem que mistura o visual de praias, montanhas e Mata Atlântica. A estrada foi construída no começo da década de 70, com 209 quilômetros no estado do Rio de Janeiro e 248 quilômetros em São Paulo. As obras foram entregues em três etapas, em 1973, 1974 e 1975. Era o tempo do milagre econômico brasileiro e a política de integração nacional dos militares, que previa a construção de estradas como a Transamazônica e a Rio-Santos, consideradas prioritárias na época.

    Os objetivos da estrada eram unir os dois importantes pólos econômicos do litoral, servir como rota de fuga para os moradores da região de Angra dos Reis (em caso de acidentes radioativos nas usina nucleares) e incentivar o turismo na região com mais de duas mil praias. A obra foi realizada em duas partes, do Rio para Ubatuba e de Ubatuba até Cubatão, onde foram feitos 39 pontes e dois túneis. A crise do petróleo e a mudança das prioridades na política de transportes interrompeu a segunda etapa do projeto. Para terminar a ligação entre as duas cidades, a atual SP - 55, que passa pelas cidades do litoral norte, foi necessário utilizar trechos das antigas rodovias paulistas.

    O resultado do abandono das obras é o grande tráfego no interior dessas cidades e viadutos abandonados no meio da mata na Serra do Mar, como o que pode ser visto em Boiçucanga, na cidade de São Sebastião. A conclusão apressada da Rio-Santos aconteceu no final do governo do presidente João Figueiredo, desviando o traçado original e jogando fora investimentos e as obras de viadutos, alguns com 50 metros de altura por 25 metros de extensão.

    Já as estradas do litoral norte de São Paulo começaram a ser abertas na década de 30, com a criação do porto de São Sebastião e as estradas de rodagem no litoral, para Santos e Ubatuba, com duas ramificações para o interior, na serra de Caraguatatuba e de Ubatuba para Taubaté. Antes só havia as trilhas indígenas do Rio Grande e do Ribeirão de Itu, que foram alargadas no século 17 e originaram a rodovia São Sebastião-Bertioga (costeando o litoral) e a antiga estrada Dória, que ligava São Sebastião à Salesópolis. Antigamente, o acesso do planalto ao litoral norte era feito pela cidade de Paraibuna até São Sebastião.

    Hoje há projetos para a reformulação e duplicação da rodovia Mogi-Bertioga e melhoramentos das rodovias na Serra de Caraguá e Ubatuba. Outros projetos priorizam o transporte de cargas perigosas em dutos, para liberar a estrada para veículos leves. O Plano Diretor de Desenvolvimento de Transportes de São Paulo (PDDT), do ano de 2003, prevê para os próximo 20 anos o estímulo do setor público para investimentos na ampliação de dutovias, para a redução dos custos de transportes e evitar perigos e acidentes nas rodovias. Há até projetos para o transporte de cargas pesadas através de cabos de aço em teleféricos, com

  • terminais que seriam construídos no alto de serra e transportariam conteiners para o embarque no porto.

    BR-101 Segunda maior rodovia federal, a BR-101, tem 4125 quilômetros de extensão e atravessa quase todo o litoral brasileiro. Ela vai do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, passando por grandes cidades como Natal (RN), João Pessoa (PB), Recife (PE), Maceió (AL), Aracaju (SE), Vitória (ES), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), Florianópolis (SC) até chegar em Rio Grande (RS).

    Mas a ligação da BR 101 não é ininterrupta, pelos próprios acidentes geográficos do litoral brasileiro e há trechos em que não existe asfalto. Por exemplo, não há ligação entre Peruíbe e Iguape no sul do estado de São Paulo e para ir de Iguape para Florianópolis é preciso pegar a rodovia Régis Bittencourt até Curitiba. Um dos piores trechos da BR 101 fica no Rio Grande do Sul, na Região da Lagoa dos Patos, em direção ao sul. O local é conhecido como "estrada do inferno" e são 115 quilômetros com pista de areia, numa viagem que dura cerca de cinco horas. Ao sul, fica a praia do Cassino, conhecida como a maior praia do mundo, com cerca de 224 quilômetros de extensão.

    Na região Nordeste um dos maiores problemas dessas rodovias litorâneas é a passagem por dentro de cidades, causando engarrafamentos e manobras perigosas. Mas, segundo José Reinaldo Setti, isso ocorre em vários pontos do Brasil e também nas estradas do Centro-Oeste. No Nordeste também há a preocupação em atender a demanda do turismo e aumentar a capacidade dessa atividade. Na Bahia, há a chamada Linha Verde, uma estrada que começa no município de Mata de São João e passa por seis áreas de proteção ambiental no norte da Bahia até o sul de Sergipe. No caminho estão belas praias, dunas, mangues, rios, coqueirais e florestas. "A Linha Verde tornou-se, portanto, a base do desenvolvimento do turismo no litoral norte e importante fator de transformação de uma área caracterizada pelo seu isolamento", diz o economista Georges Souto Rocha. Segundo ele, a Linha Verde, ao mesmo tempo que desenvolveu a economia da região, trouxe o aumento do custo de vida e da prstituição no local. Além disso, segundo ele "a exploração turística da região e a instalação da Linha Verde, trouxe enorme especulação no comércio de terras em toda a região. Grandes e médias propriedades estão sendo alvo de grupos imobiliários, intensificando-se a instalação de loteamentos ou a compra de grandes áreas de terra"

    O Peabiru e as estradas pré-colombianas Antes da chegada dos portugueses ao Brasil, já existiam caminhos e estradas ligando o litoral ao interior do continente. A estrada mais conhecida era o Peabiru, um caminho que tinha várias ramificações e ligava o litoral até a região onde hoje é a cidade de Assunção e depois Bolívia e Peru. Há vários registros históricos que apontam diversas trilhas do Peabiru. Uma ligava o interior à cidade de São Vicente, outra para Cananéia e para a Ilha de Santa Catarina em Florianópolis. A notícia dessa estrada mítica que levava até uma região rica em prata e ouro nos Andes, chegou à corte portuguesa que, em 1530, enviou Martim Afonso de Souza ao Brasil para garantir a posse da terra. Ele também teve a incumbência secreta de descobrir o acesso aos tesouros Incas.

    Entre os primeiros europeus que seguiram esse caminho está Aleixo Garcia e Ulrich Schmidel. Aleixo Garcia era um náufrago sobrevivente de uma embarcação espanhola que afundou no litoral de Santa Catarina. Ele conviveu oito anos com os índios carijó, que contavam histórias sobre uma serra de prata (Potosi) e um grande império. Em 1524, Aleixo Garcia montou uma expedição com cerca de 2 mil índios e seguiu o caminho, do Porto dos Patos no litoral catarinense até a região de

  • Assunção e Sucre na Bolívia. Na região de Sucre, a expedição atacou os postos da fronteira Inca e saqueou parte de tesouros de ouro e prata. Na viagem de volta, Aleixo Garcia foi atacado e morreu assassinado pelos índios canoeiros paiaguá, no Rio Paraguai. Em 1533 Ulrich Schmidel fez o caminho inverso, veio de Assunção até São Vicente. Nessa época, no começo da colonização, o caminho foi bastante usado até ser proibido pela Coroa Portuguesa para evitar atrito com os espanhóis e por respeito ao Tratado de Tordesilhas. Mais tarde, o Peabiru voltou a ser importante nas rotas dos Bandeirantes.

    Segundo a mitologia indígena, o Peabiru foi trilhado por Sumé, o herói do povo carijó, ou os antigos carijós. De acordo com as lendas, Sumé foi perseguido pelos índios tupinambá, que também habitavam a costa brasileira, da região sudeste até a Bahia. Durante a fuga de Sumé em direção ao interior do continente, ele abriu o caminho até o Peru. Outra explicação seria de que os Incas, conhecidos como exímios construtores de estradas nos Andes, teriam feito a trilha para intercâmbio com outros povos e acesso ao Oceano Atlântico, mas nada ainda foi comprovado cientificamente.

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  • Esgoto e lixo poluem o mar

    A terra possui 71% de sua superfície coberta com água. Desses 71%, o mar é responsável por 97,2%. Dessa forma, é inegável que o mar representa uma parte fundamental da biosfera sendo, também, considerado fonte importante de recursos energéticos, alimentares e minerais, muitos deles renováveis.

    Apesar de o homem achar que, por possuir uma área extensa, o mar conta com uma infinita capacidade de prover recursos naturais e absorver todos os resíduos que são nele despejados, isso não é verdadeiro. Cada vez mais, poluentes de diferentes tipos e graus de toxicidade são lançados no meio-ambiente marinho e, conseqüentemente, ocasionam vários tipos de problemas.

    A poluição marinha é definida oficialmente pela International Commission for the Exploitation of the Seas (ICES) - Comissão Internacional para a Explotação dos Oceanos como "a introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou energias no meio marinho que resultam em efeitos deletérios como prejuízo aos recursos vivos; prejuízo à saúde humana; dificuldade das atividades marítimas, inclusive a pesca; impedimento da utilização da água para os fins adequados e redução das amenidades".

    Mônica Costa, professora do Departamento de Oceanografia Química, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirma que existe um consenso mundial entre os pesquisadores com relação às prioridades no campo de pesquisa sobre poluição marinha. Essas prioridades são aquelas que apresentam conseqüências imediatas em nível social.

    No Brasil, segundo Mônica, existem duas linhas prioritárias de pesquisa que atingem os mais de 8 mil quilômetros de costa. O primeiro e principal é o da contaminação marinha e costeira por esgoto e lixo, cujas conseqüências ambientais e sociais são sentidas de forma instantânea. Além disso, a descarga sedimentar dos rios proveniente do desmatamento e do mau uso do solo, contribuem para o aumento da contaminação das áreas costeiras.

    A segunda linha envolve pesquisas sobre contaminação por poluentes químicos, principalmente hidrocarbonetos de petróleo e outros compostos orgânicos persistentes, além, é claro, dos metais pesados. A pesquisadora ressaltou que, no caso dos poluentes químicos, essa contaminação é freqüentemente pontual, uma vez que depende de pontos de exploração e operações com cargas de petróleo e isso não ocorre em toda extensão da costa brasileira.

    De acordo com Mônica, cidades como Recife (PE), por exemplo, acabam pagando pela falta de planejamento na ocupação do solo. Metade da população de Recife vive em favelas, muito abaixo da linha da pobreza, e não possui acesso à higiene sanitária. O lixo e o esgoto produzidos nesses locais não segue o destino correto e, conseqüentemente, acarretam uma contaminação costeira e marinha, alterando a vida de quem vive perto do mar e de quem vive dos recursos do mar.

  • Portanto, recuperar o meio-ambiente costeiro depende essencialmente de uma combinação de esforços que passam por humanizar a vida da população até a aplicação adequada de recursos financeiros para recuperar áreas já muito contaminadas ou degradadas.

    Um dos trabalhos de pesquisa que Mônica Costa realiza atualmente é o da diagnose da saúde das praias. A meta é quantificar dois tipos de dados. O primeiro, sobre as diferentes formas de poluição que atingem uma praia obtidos em campo e, o segundo, saber junto à população que freqüenta as praias o que elas consideram ser uma praia limpa e sem contaminação. Essa pesquisa visa gerar subsídios com bases científicas para a implantação de ações gerenciais que garantam tanto a conservação ambiental quanto o uso sustentável das praias pelas pessoas.

    Grupos de poluentes O Dr. Gilberto Fillmann, do Laboratório de Microcontaminantes Orgânicos e Ecotoxicologia Aquática da Furg (Fundação Universitária do Rio Grande) explica que, no Brasil, existem poucos grupos de pesquisas sobre poluição marinha. O professor mencionou que, como existem vários tipos de contaminação do mar, os grupos espalhados pelo Brasil estão na árdua missão de conhecer o problema e propor soluções. Trata-se de um trabalho de pesquisa de longo prazo.

    Gilberto informou que existem pesquisas para os seguintes grupos de contaminantes marinhos: os chamados prioritários (nutrientes inorgânicos, metais, hidrocarbonetos de petróleo, organoclorados, organoestanhos, dioxinas e furanos) e os não-prioritários (retardantes de fogo, entre dezenas de outros).

    O grupo mais conhecido e especialmente citado acima é o dos nutrientes inorgânicos, que carregam altas dosagens de fosfato e nitrogênio e tem como agente causador os esgotos urbanos despejados no mar, principal origem de microorganismos causadores de doenças como hepatite, por exemplo.

    Os metais, originados da descarga elevada de poluentes pelas indústrias têxtil, química, alimentar e de papel e celulose, tornaram-se objetos de pesquisas. Os litorais de Santos, Ubatuba, São Sebastião, Sepetiba (RJ), Paranaguá (PR) e a Bahia de Todos os Santos são locais monitorados e pesquisados por mais de 20 laboratórios, que controlam os níveis de toxicidade das águas.

    Outro grupo de contaminantes bastante conhecido é o hidrocarbonetos do petróleo. Como grande parte das jazidas estão em alto mar, a possibilidade de derramamento, a perda no transporte e na queima do petróleo são responsáveis por essa substâncias tóxicas na água do mar. Além disso, o uso diário do petróleo e derivados, como a gasolina, também aporta uma carga significativa deste contaminante.

    Um grupo considerado de alta capacidade tóxica é o organoclorados. Essas substâncias estão presentes na composição de praguicidas, inclusive no proibido DDT. Esses organoclorados persistem no ambiente por muitos anos e são remobilizados do solo para o veio aquático e daí seguem rumo ao oceano.

    O grupo dos organoestanhos, presentes em tintas de embarcações, tem sido objeto de estudo por um grupo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). O organoestanho também é proibido em praticamente todo o mundo, porém, no Brasil, ainda persiste. Está prevista, para o ano de 2006, a total erradicação desses componentes tóxicos do planeta. Essas substâncias são capazes de afetar os hormônios dos peixes provocando, inclusive, o hermafroditismo, ou seja, a troca de sexo de invertebrados.

  • As dioxinas e furanos, que pertencem à categoria dos organoclorados, são considerados de alta toxicidade, pois são sub-produtos industriais derivados da produção de praguicidas e plásticos. Fazem parte do grupo denominado POPs (poluentes orgânicos persistentes). Depois de liberados no meio ambiente, não se degradam facilmente. Penetram na cadeia alimentar onde acumulam-se nos tecidos gordurosos dos animais. Os POPs não são solúveis em água e não são metabolizados com facilidade. Ocorre, então, o processo de bioacumulação, que afetam os animais do topo da cadeia alimentar. Nela está incluído o homem. Os POPs são substâncias que causam câncer e afetam o sistema imunológico e cardiovascular. Ainda são encontrados em pequenas quantidades.

    Há também o grupo dos chamados Não-prioritários, que englobam polifluorados e polibromados (retardantes de fogo). Pouco se conhece sobre o seu comportamento e toxicidade ambiental. Estão presentes, por exemplo, na composição do plástico que envolve fios de tensão. Segundo o prof. Fillmann, ainda é uma categoria que merece atenção e que muito mais se deve descobrir no decorrer das pesquisas.

    Gilberto Fillmann não soube precisar a quantidade exata de laboratórios de pesquisa existentes hoje, no país, que estudam a poluição marinha, porém, afirma que as pesquisas ainda encontram-se em um estágio onde se pode considerar que há, ainda, muito a fazer.

  • Pesca brasileira é pobre em produção de pescado

    Cerca de 22% da população brasileira se concentra na faixa considerada como beira mar, e a pesca é uma atividade importante do ponto de vista econômico, social e cultural. A atividade de pesca extrativa marítima e estuarina gera aproximadamente 800 mil empregos diretos e cerca de 3 milhões de pessoas que dependem direta ou indiretamente do setor. Muitos estudiosos já dedicaram seu tempo ao estudo das populações litorâneas brasileiras, ricas em tradições culturais seculares que surgiram através do contato dessas populações com a pesca marítima que, no Brasil, não é muito abundante.

    O que toda essa riqueza cultural e importância sócio econômica nem sempre deixa à mostra é que a pesca sempre teve que se adaptar à baixa produtividade pesqueira da costa brasileira, determinada por fenômenos naturais incontroláveis. Para piorar essa realidade, os estoques marinhos pesqueiros brasileiros vêm sendo super explorados há décadas, e os pescadores, artesanais ou industriais, encontram dificuldades para manter os lucros da pesca no litoral brasileiro.

    Tanto a pesca artesanal quanto a industrial fazem parte do cenário da pesca marinha brasileira. Jorge Pablo Castello, professor do Departamento de Oceanografia da Fundação Universidade do Rio Grande (Furg), explica que a pesca artesanal ocorre no litoral brasileiro nas áreas costeiras, em baías, estuários, manguezais e litoral adjacente. Esse tipo de pesca não ultrapassa 20 metros de profundidade. A pesca industrial ocorre na plataforma continental, onde a profundidade não ultrapassa os 150 metros, e também nos taludes continentais, principalmente nas regiões Sudeste e Sul.

    A presença da pesca industrial nos estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina é mais evidente que nos demais estados, além de apresentar maiores índices de produção. À medida que se desloca do norte para o sul, se modifica a contribuição da pesca artesanal que é mais importante no Norte e Nordeste que no Sul e Sudeste. Porém, vale salientar que nos últimos anos existem avanços tecnológicos significativos na região Nordeste o que, segundo Castello se deve ao arrendamento de barcos estrangeiros por indústrias pesqueiras nordestinas. Esses barcos são melhor equipados e tecnologicamente mais avançados. Segundo Beatrice Padovani Ferreira, professora do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a pesca artesanal participa com cerca de 40%, em peso, cabendo à pesca industrial cerca de 60%. Porém, isso não significa que a participação do setor industrial supere a do

  • artesanal, que incide predominantemente sobre espécies mais nobres. "Na região Nordeste, a pesca artesanal contribui com mais de 70% do pescado capturado, em função da não existência de estoques que permitam uma exploração industrial mais intensa, como é o caso da sardinha e do bonito de barriga listrada nas regiões Sudeste e Sul do Brasil" co