colocacao e qualidade andreia guerrini

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  • 7/25/2019 Colocacao e Qualidade Andreia Guerrini

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    COLOCAO E QUALIDADE NA POESIA TRADUZIDA1

    Andria Guerini e Walter Carlos Costa

    No h muitos estudos sobre avaliao de poesia traduzida, e dentre os vrios gneros

    de traduo, o de traduo de poesia parece ser o mais controverso. Isso talvez acontea

    porque a traduo de poesia considerada por muitos como impossvel. Existem poetas,

    crticos e filsofos que reforam a idia da intraduzibilidade da poesia. Croce, por exemplo,ao evocar a unicidade da obra artstica, diz: no possvel reduzir o que j recebeu forma

    esttica numa outra forma tambm esttica. Com efeito, qualquer traduo ou diminui ou

    estraga, ou cria uma nova expresso, atirando a primeira para um crisol onde ela entra em

    composio com as impresses pessoais do indivduo que chamamos tradutor (2005: 197).

    Por outro lado, no so menos numerosos os que, de Jakobson a Octavio Paz,

    defendem a traduzibilidade da poesia. No Brasil, em grande parte devido teorizao e ao

    exemplo dos poetas concretos (sobretudo Haroldo e Augusto de Campos), a traduo de

    poesia se transformou em uma arte bastante sofisticada, e podemos dizer que a qualidade

    mdia da traduo potica entre ns supera a da prosa, reputada mais fcil. Isso talvez se

    deva ao fato de que os tradutores de poesia parecem muito mais conscientes dos problemas

    da tarefa que seus congneres de prosa, justamente porque a traduo de poesia tem sido

    sistematicamente discutida entre ns nas ltimas dcadas.

    Nos ltimos anos Paulo Henriques Britto tem elevado a discusso sobre a traduo

    potica a um novo patamar, ao propor critrios para uma avaliao da poesia traduzida.

    Assim, em Para uma avaliao mais objetiva das tradues de poesia (Britto, 2002), ele

    chama a ateno para a importncia dos recursos mtricos e sonoros na recriao potica

    em outra lngua; em Augusto de Campos como tradutor (Britto, 2004) examina a

    traduo do soneto Carrion-Comfort, de Gerard Manley Hopkins por Augusto de

    Campos, destacando a minuciosa recriao da pauta acentual e das rimas e aliteraes e a

    1Agradecemos a Paulo Henriques Britto a atenta leitura e as sugestes, assim como a traduo do resumopara o ingls.

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    manuteno da maior parte do contedo semntico do original; e em Padro e desvio no

    pentmetro jmbico ingls: um problema para a traduo (Britto, indito) avalia as verses

    de Ivo Barroso e Jorge Wanderley do soneto 116 de Shakespeare a partir da configurao

    da pauta acentual de suas tradues em comparao com a do original.

    O presente artigo aborda um outro aspecto, que acreditamos possa ajudar a avaliar as

    tradues poticas: a colocao ou, mais especificamente, o perfil colocacional do original

    e do texto traduzido. Sabemos que a traduo potica constitui uma operao complexa e

    que levanta muitos problemas, uma vez que todos os elementos que constituem o cdigo

    lingstico podem ser pertinentes e relevantes para o significado global. Em poesia, como

    na prosa artstica, o modo como se diz to importante quanto aquilo que dito. Noesquecemos tampouco que h inmeros outros fatores, de ordem literria e cultural, que

    tm impacto na percepo da qualidade de um poema. Contudo, pensamos que a ateno

    para a colocao pode contribuir para tornar mais transparentes os procedimentos poticos

    e oferecer ferramentas teis tanto para o estudioso quanto para o tradutor de poesia.

    Pensamos igualmente que se pode aprender muito sobre poesia conhecendo e

    examinando alguns dos melhores poemas, como afirma Pound (1970: 45); no nosso caso

    examinando alguns grandes poemas traduzidos por tradutores competentes.

    O conceito de colocao hoje bastante conhecido nos crculos lingsticos mas

    menos nos literrios. Como nota Stella E. O. Tagnin (2005: 37) o termo collocation foi

    introduzido pelo lingista escocs J. R. Firth para designar casos de co-ocorrncia lxico-

    sinttica, ou seja, palavras que usualmente andam juntas. John Sinclair (1993) refinou o

    conceito e o aplicou, revolucionariamente, confeco de um dicionrio baseado no uso

    real, o Collins Cobuild, que renovou a lexicografia do sculo XX.Mas no sculo XIX, o

    sempre arguto Leopardi j usava o termo collocazioneno seuZibaldone di pensieri(2001)

    e, em diversos fragmentos, discute o efeito da colocao de palavras no poema.O conceitoparece talhado para ajudar a explicar a elusiva noo de poeticidade, assim como o idioleto

    de certos autores, sobretudo os inovadores.

    Como ocorre com tantos recursos poticos, a colocao idiossincrtica no

    exclusiva da poesia em verso mas ocorre tambm em toda prosa cuidada, seja ela de fico

    ou argumentativa, assim como em outros tipos de discurso que exploram conscientemente a

    materialidade da lngua, como a publicidade e o humor. Na prosa de Machado de Assis

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    (mas, curiosamente, pouqussimo em sua poesia) a colocao idiossincrtica parece

    desempenhar um papel central no estilo. Assim, apenas no captulo XXX de Memrias

    pstumas de Brs Cubas, os seguintes sintagmas puderam ser identificados como

    tipicamente machadianos:

    Colocaes machadianas no captulo XXX de Memrias pstumas de Brs Cubas

    (MPBC)

    COLOCAES OCORRNCIAS NO GOOGLE COMENTRIOS

    admirada e acanhada 27 todas deMPBC

    to expansiva ternura 44 deMPBCeAmo e a luva

    ccegas de ser pai 25 todas deMPBC

    ereta, fria e muda 21 todas deMPBC

    folgares de moa 33 todas deMPBC

    compostura da mulher casada 25 todas deMPBC

    escutava-os de boa sombra 29 todas deMPBC

    com os olhos flgidos 27 todas deMPBC

    borboletinha de asas de ouro 27 todas deMPBC

    praguejou umas palavras

    soltas

    26 todas deMPBC

    expeli a borboleta 26 todas deMPBC

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    O nmero de ocorrncias se refere ao nmero de pginas online que registram a

    colocao, no ao nmero de vezes que a colocao aparece em Machado. As colocaes

    acima, de fato, aparecem uma nica vez em Memrias pstumas. Embora o Google no

    seja um instrumento cem por cento fidedigno como indexador das pginas disponveis na

    internet, certamente um dos mais eficientes e confiveis para explorar o conjunto de

    pginas online em portugus que formam o mais completo corpusda lngua no momento.

    To confivel que o WebCorp (http://www.webcorp.org.uk/), umsitemantido pela School

    of English, da University of Central England, Birmingham, Reino Unido, usa o Google

    como seu motor de busca padro.

    Deixamos de lado sintagmas como encobrir a satisfao de que havia 43ocorrncias, a maioria em textos de Machado, mas uma em um boletim sindical e outra em

    um livro traduzido sobre religio e outros que, embora marcadamente literrios, no

    eram encontrveis apenas em Machado.

    Cremos que essas colocaes machadianas exercem um papel importante no texto de

    Memrias pstumas de Brs Cubase sua recriao em eventuais tradues pode contribuir

    para produzir no texto traduzido o que os leitores do texto portugus reconhecem como

    estilo, ou tom, machadiano.

    A seguir, examinamos a distribuio das colocaes que julgamos idiossincrticas no

    poema Carrion-comfort de Gerard Manley Hopkins e na traduo para o portugus de

    Augusto de Campos.

    GERARD MANLEY HOPKINS TRADUO DE AUGUSTO DE CAMPOS

    Not, Ill not, carrion comfort, Despair, not

    feast on thee;Not untwist slack they may be these last

    strands of man

    In me or, most weary, cry I can no more. I

    can;

    Can something, hope, wish day come, not

    choose not to be.

    No, cadver-consolo, no vou me repastar

    contigo, Desesper-o, nem desligar por lassos os ltimos

    laos de homemem mim,

    Nem, por mais desvalido, gritar no posso

    mais. Eu posso, sim,

    Posso algo, esperana, nsia de aurora, no

    escolher no ser.

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    But ah, but O thou terrible, why wouldst

    thou rudeon me

    Thy wring-world right foot rock? Lay a

    lionlimbagainst me? scan

    With darksome devouring eyesmy bruised

    bones? and fan,

    O in turns of tempest, me heaped there; me

    frantic to avoidthee and flee?

    Why? That my chaff might fly; my grain lie,

    sheer and clear.

    Nay in all that toil, that coil, since (seems) I

    kissed the rod,

    Hand rather, my heart lo! lapped strength,

    stole joy, would laugh, cheer.

    Cheer whom though? The hero whose

    heaven-handling flung me, foot trod

    Me? Or me that fought him? O which one? isit each one? That night, that year

    Of now done darknessI wretch lay

    wrestlingwith (my God!) my God.

    Mas ah! mas, tu, terrvel, por que rude em

    mimcrescer

    Teu destro p de pedra pune-universo?

    leo-ltegoassim

    Varar com olhos trevorantesmeus pisados

    ossose at o fim

    Trovo-troar-me a mim, empilhado aqui, no

    frenesi de fugirde ti e te esquecer?

    Por que? para que a minha palha voe; o meu

    gro, claro e puro, jaza,

    Pois que em meio tortura e torturaeu

    (parece) beijei o aoite,

    Ou mo, ento, meu corao em cor-vigor,

    riso-roubado, a festejar se compraza.

    Festejar quem, porm? o heri que me cu-

    aoitou, o p que se abateu s-

    obre mim? ou eu que luto? ou qual? ouambos? Naquele ano, aquela noite,

    Brasa no escuroem que eu, msero, medi-

    me com (meu Deus!) meu Deus.

    Como se pode ver, Augusto de Campos reproduz todas as colocaes estranhas de

    Hopkins, muitas vezes com neologismos que lembram o tradutor Odorico Mendes: pune-universo, leo-ltego, trovo-troar-me, olhos trevorantes, em cor-vigor, me cu-

    aoitou; outras vezes em combinaes menos vistosas mas no menos efetivas como

    nsia de aurora e brasa no escuro que lembram Guimares Rosa e Clarice Lispector.

    Em um caso,I kissed the rod/beijei o aoite, ao traduzir item por item, transformou uma

    colocao fixa, ou seja, uma expresso idiomtica (to kiss the rod: submeter-se, aceitar

    punio submissamente), em uma colocao marcada.

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    Haroldo de Campos, como seu irmo Augusto, procurou em suas tradues recompor

    a configurao formal do original. Andria Guerini mostrou em Linfinito: tenso entre

    teoria e prtica na traduo de Haroldo de Campos (2000) que o cuidado com a sonoridade

    e o ritmo no implica descuido em relao ao contedo. A seguir mostramos que esse

    cuidado se estende tambm ao conjunto das colocaes.

    Considerado um dos melhores poemas de Leopardi, LInfinito (1819) o poema mais

    traduzido do escritor italiano em Portugal e no Brasil, com mais de 18 tradues em verso e

    prosa, conforme atesta Mariagrazia Russo em Um s dorido corao: implicazioni

    leopardiane nella cultura letteraria di lingua portoghese (2003). Na edio da Nova

    Aguilar, Marco Lucchesi agrupa, em Variaes leopardianas, O Infinito traduzido porMario Faustino, Vinicius de Moraes, Haroldo de Campos e Ivo Barroso (Leopardi, 1996:

    978, 982, 983, 219). Ademais, vale destacar que, provavelmente, devido sua construo

    singular, h vrios estudos sobre as tradues de LInfinito nas mais diferentes lnguas.

    Como se sabe, neste poema, Leopardi utiliza inmeros procedimentos poticos, como

    inverses, hiprbatos, enjambements, assonncias, aliteraes etc. Alm disso, quase todos

    os sintagmas utilizados so colocaes especiais, isto , combinaes que no aparecem em

    outra parte. Na tabela abaixo esto assinaladas, em negrito, as colocaes que consideramos

    tpicas de Leopardi:

    GIACOMO LEOPARDI HAROLDO DE CAMPOS

    LINFINITO

    Sempre caro mi fuquestermo colle

    E questa siepe, che da tanta parteDellultimo orizzonteil guardo esclude.

    Ma sedendo e mirando, interminati

    Spazi di l da quella, e sovraumani

    Silenzi, e profondissima quiete

    Io nel pensier mi fingo; ove per poco

    Il cor non si spaura. E come il vento

    O INFINITO

    A mim sempre foi caraesta colina

    desertae a sebe que de tantos ladosexclui o olhardo ltimo horizonte.

    Mas sentado e mirando, interminveis

    espaos longe delae sobre-humanos

    silncios, e quietude a mais profunda,

    eu no pensar me finjo; onde por pouco

    no se apavora o corao. E o vento

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    Odo stormirtra queste piante, io quello

    Infinito silenzio a questa voce

    Vo comparando: e mi sovvien leterno,

    E le morte stagioni, e la presente

    E viva, e il suon di lei. Cos traquesta

    Immensitsi annega il pensier mio:

    E il naufragar m dolcein questo mare.

    ouonas plantas como rufla, e quele

    infinito silncio a esta voz

    voucomparando: e me recordo o eterno

    e as mortas estaes, e esta presente

    e, viva, e o seu rumor. assim que nesta

    imensidadeafogo o pensamento:

    e o meu naufrgio doceneste mar.

    Na tabela abaixo reproduzimos as colocaes originais e as colocaes recriadas por

    Haroldo de Campos em sua traduo. Na terceira coluna fazemos um comentrio detalhado

    de cada colocao.

    COLOCAES DE

    LEOPARDI

    COLOCAES DE HAROLDO

    DE CAMPOS

    COMENTRIOS

    sempre caro mi fu a mim sempre foi cara Sempre caro mi furemete diretamente a

    Leopardi: uma combinao pessoal

    com elementos banais. De fato,sempre

    caroe mi fuso colocaes freqentes

    mas a justaposio das duas produz uma

    colocao infreqente. A soluo de

    Haroldo de Campos a mim sempre foi

    cara mantm a colocao infreqente

    mas mais prolixa e de registro maisalto devido ao a mim, pouco usado na

    lngua coloquial do Brasil. Aqui

    tambm devem ter pesado

    consideraes de ordem mtrica e de

    rima. Isso talvez indique que a traduo

    de Haroldo mais sensvel

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    idiossincrasia fnica e mtrica de

    Leopardi que sua idiossincrasia

    colocacional.

    ermo colle colina deserta Em italiano remete diretamente a

    Leopardi. J colina deserta 14

    ocorrncias no Google referentes a

    textos narrativos parece menos

    idiossincrtica, e menos potica, que em

    italiano.

    il guardo esclude exclui o olhar Il guardo escluderemete imediatamente

    a Leopardi; juno bastante tpica pois

    escludereno se combina normalmente

    com il guardo, escluderesendo usado

    mais em contexto argumentativo. Em

    portugus, exclui o olhar tambm

    idiossincrtico pelos mesmos motivosque em italiano e foi a escolha de vrios

    tradutores do poema para o portugus

    (Vincius de Moraes, entre outros). De

    fato, uma busca no Google d como

    resultado vrias ocorrncias do

    sintagma em textos psicanalticos. Aqui,

    provavelmente Haroldo sacrificou apoeticidade da colocao pela

    poeticidade da mtrica ou dos sons eda

    inverso.

    sedendo e mirando sentado e mirando Em italiano remete diretamente a

    Leopardi; uma colocao muito pessoal

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    e com palavras cotidianas. O

    idiossincrtico conseguido pela

    associao incomum de dois termos

    comuns, no caso dois verbos no

    gerndio. Convm lembrar a

    importncia dos dois verbos na teia de

    significados do poema. Em portugus

    parece mais culto que em italiano.

    spazi di l daquella

    espaos longe dela De novo, a grande capacidade deLeopardi de inovar com elementos

    banais; a seqnciaspazi di l da quella

    apresenta uma colocao inusual com

    itens usuais; a traduo de Haroldo,

    espaos longe dela, reproduz essa

    colocao rara mas que soa natural

    tanto em italiano quanto em portugus.

    sovraumani silenzi sobre-humanos silncios Colocao reforada pela aliterao e

    mantida por Haroldo, inclusive na

    mesma posio dentro do verso,

    reproduzindo, portanto, o enjambement

    do original.

    profondissima

    quiete

    quietude a mais profunda Colocao idiossincrtica tanto em

    italiano quanto em portugus mas a

    soluo de Haroldo parece mais

    literria, j que em um registro mais

    alto: quietude j pouco freqente e

    potico tomado isoladamente; a mais

    profunda colocada depois de

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    quietude um hiprbato que torna o

    conjunto mais culto que o original, um

    trao tpico das tradues de Haroldo.

    nel pensier mi

    fingo

    no pensar me finjo Nel pensierem italiano est ligado a

    Leopardi, embora encontremos

    ocorrncias em outros textos; j mi

    fingo uma colocao conseguida

    atravs do uso pronominal de um verbo

    normalmente transitivodireto, encontrvel em outros textos,

    mas tambm ligada ao universo verbal

    de Leopardi. Poderamos falar, em

    casos como este, de uma idiossincrasia

    mdia, ao alcance de qualquer usurio

    da lngua. Talvez seja o uso dessas

    idiossincrasias mdias, ao lado de

    outras mais radicais e especificamente

    leopardianas, o que torna o poema ao

    mesmo tempo estranho e

    normal. Em portugus no pensar

    remete a contextos filosficos e me

    finjo tem ressonncias pessoanas, de

    modo que a soluo de Haroldo no

    pensar me finjo torna o sintagmafilosfico e pessoano; dois matizes que

    enriquecem certamente a poesia de

    Leopardi em portugus, j que so

    fortes os elementos filosficos na

    poesia leopardiana e a ressonncia

    pessoana refora um parentesco com o

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    poeta portugus, que parece legtimo.

    il cor non si spaura no se apavora o corao Esta frase tambm bastante

    leopardiana e mantida por Haroldo.

    De fato, o tipo de colocao que pode

    ser mantido por qualquer tradutor

    porque joga com o contedo, embora

    haja tambm reforo sonoro (repetio

    des, o, a). A inverso, provavelmente

    para obter a rima, torna o registro maisalto, uma constante nas opes de

    Haroldo.

    il vento/Odo

    stormir

    o vento/ouo nas plantas

    como rufla

    Haroldo mantm o tom do original

    usando a palavra rufla e se distancia

    do coloquial falado.

    a questa voce/Vocomparando

    a esta voz/vou comparando Colocao que joga tambm com ocontedo comparar e voz foi

    mantida por Haroldo que, sensatamente,

    no inventa onde no preciso inventar,

    j que a traduo dos itens j reproduz a

    inveno do original.

    le morte stagioni as mortas estaes Tipicamente leopardiana, e fcil de

    traduzir porque ligada ao plano dosignificado primordialmente, a

    colocao tambm mantida por

    Haroldo e por Vinicius de Moraes,

    enquanto Mario Faustino usa das

    mortas estaes. A proximidade das

    duas lnguas faz com que as aliteraes

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    em tse mantenham. O texto portugus

    ganha ainda uma aliterao suplementar

    ems, sendo, portanto, desse ponto de

    vista, mais rico que o original.

    e il suon di lei e o seu rumor A seqncia idiossincrtica se

    normaliza na traduo de Haroldo, algo

    raro, mas isso se explica por ela ser

    quase imperceptvel em italiano,

    parecendo corriqueira.

    tra

    questa/Immensit

    nesta/imensidade Colocao que seria mdia, se fosse in

    questa immensitmas que altamente

    pessoal por Leopardi usar a preposio

    traem vez da esperada in. Haroldo

    traduz por nesta imensidade, que

    continua sendo uma colocao inusitada

    mas menos transgressora que a deLeopardi.

    si annega il pensier afogo o pensamento A colocao tambm sobretudo de

    contudo, com a combinao de annega

    epensier. Haroldo mantm a colocao

    mas muda o ponto de vista, que passa

    de impessoal para pessoal.

    il naufragar m

    dolce

    o naufrgio doce Os clebres versos finais so tambm

    fruto de uma colocao que nos leva

    diretamente a Leopardi e prprias do

    tradutor.

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    Podemos concluir que nas tradues de Augusto e Haroldo de Campos

    a singularidade colocacional do original e da traduo exercem funo parecida, a de

    intensificar os efeitos poticos do texto. A combinao das colocaes idiossincrticas e

    expressivas nos causam um certo estranhamento motivado, ou seja, no apenas o

    estranhamento por ser diferente do uso normal da lngua mas um estranhamento que vem

    carregado de informao (emotiva, imaginativa, intelectual). E esse estranhamento parece

    ser central na conformao dos mundos poticos to prprios, to perdurveis e to

    imediatamente reconhecveis, de Hopkins e Leopardi.

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    SINCLAIR, J. (1993) Corpus, concordance, collocation. Oxford: Oxford University Press.

    TAGNIN, S. E. O. (2005) O jeito que a gente diz. So Paulo: Disal.