colisão de normas de direitos fundamentais: o fim da...

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Revista Virtual Direito Brasil – Volume 7 – nº 1 - 2013 1 Colisão de Normas de Direitos Fundamentais: O Fim da Prisão Civil do Depositário Infiel no Brasil Fernando Silveira Melo Plentz Miranda 1 Sumário: Introdução. 1 Histórico da Prisão Civil. 2 Os Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988. 3 A Prisão Civil no Ordenamento Jurídico Pátrio. 4 Incorporação de Tratados de Direitos Humanos ao Ordenamento Jurídico Nacional. 5 Colisão de Normas e Princípios de Direitos Fundamentais. 6 Súmula Vinculante no Brasil. 7 A Interpretação do Supremo Tribunal Federal. Conclusão. Referências Bibliográficas. Resumo Este estudo teve por objetivo examinar a extinção da possibilidade da prisão civil do depositário infiel à luz da súmula vinculante nº 25 do Supremo Tribunal Federal, além dos motivos que motivaram esta interpretação com a conseqüente colisão de dois direitos fundamentais, quais sejam, da liberdade e da propriedade. Palavras-chave: Prisão Civil; Direitos Fundamentais; Colisão; Depositário Infiel. Introdução A legislação brasileira, principalmente após a vigência da Constituição Federal de 1988, tutela e resguarda de forma predominante os direitos fundamentais, uma vez que tais direitos dizem respeito a dignidade da pessoa humana. O legislador constituinte originário estabeleceu uma série de direitos fundamentais, dentre eles o direito fundamental à liberdade e o direito fundamental à propriedade. Em tal contexto, a Constituição Federal veda a prisão por dívida, a chamada prisão civil, contudo, faz duas ressalvas, disciplinando duas exceções em que é possível a aplicação da restrição da liberdade por dívida contraída, nos caos do devedor de alimentos e do depositário infiel. Porém, a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, concedeu status de norma constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, cumprindo-se as exigências legais. Desta forma, houve um conflito de normas de direitos fundamentais, direito à liberdade e direito à propriedade, com o conseqüente conflito de normas positivadas em nível constitucional, uma vez que o Pacto de San José 1 Mestre em Direitos Humanos Fundamentais no Unifieo. Especialista em Direito Empresarial pela PUC/SP. Professor do Curso de Direito da Universidade de Sorocaba e da FAC São Roque. Pesquisador integrante do GESTI (Grupo de Estudos de Sistemas e Tribunais Internacionais) ligado ao Unifieo. Advogado e Administrador de Empresas.

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Revista Virtual Direito Brasil – Volume 7 – nº 1 - 2013

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Colisão de Normas de Direitos Fundamentais: O Fim da Prisão Civil do Depositário Infiel no Brasil

Fernando Silveira Melo Plentz Miranda 1

Sumário: Introdução. 1 Histórico da Prisão Civil. 2 Os Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988. 3 A Prisão Civil no Ordenamento Jurídico Pátrio. 4 Incorporação de Tratados de Direitos Humanos ao Ordenamento Jurídico Nacional. 5 Colisão de Normas e Princípios de Direitos Fundamentais. 6 Súmula Vinculante no Brasil. 7 A Interpretação do Supremo Tribunal Federal. Conclusão. Referências Bibliográficas.

Resumo Este estudo teve por objetivo examinar a extinção da possibilidade da prisão civil do depositário infiel à luz da súmula vinculante nº 25 do Supremo Tribunal Federal, além dos motivos que motivaram esta interpretação com a conseqüente colisão de dois direitos fundamentais, quais sejam, da liberdade e da propriedade.

Palavras-chave: Prisão Civil; Direitos Fundamentais; Colisão; Depositário Infiel.

Introdução

A legislação brasileira, principalmente após a vigência da Constituição Federal de

1988, tutela e resguarda de forma predominante os direitos fundamentais, uma vez que tais

direitos dizem respeito a dignidade da pessoa humana. O legislador constituinte originário

estabeleceu uma série de direitos fundamentais, dentre eles o direito fundamental à

liberdade e o direito fundamental à propriedade.

Em tal contexto, a Constituição Federal veda a prisão por dívida, a chamada prisão

civil, contudo, faz duas ressalvas, disciplinando duas exceções em que é possível a

aplicação da restrição da liberdade por dívida contraída, nos caos do devedor de alimentos

e do depositário infiel.

Porém, a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, concedeu

status de norma constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos ratificados

pelo Brasil, cumprindo-se as exigências legais. Desta forma, houve um conflito de normas

de direitos fundamentais, direito à liberdade e direito à propriedade, com o conseqüente

conflito de normas positivadas em nível constitucional, uma vez que o Pacto de San José

1 Mestre em Direitos Humanos Fundamentais no Unifieo. Especialista em Direito Empresarial pela PUC/SP. Professor do Curso de Direito da Universidade de Sorocaba e da FAC São Roque. Pesquisador integrante do GESTI (Grupo de Estudos de Sistemas e Tribunais Internacionais) ligado ao Unifieo. Advogado e Administrador de Empresas.

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da Costa Rica prevê apenas uma hipótese de prisão por dívida, a do devedor de alimentos.

Diante destes conflitos, o Supremo Tribunal Federal tomou posição com a edição da

súmula vinculante nº 25, acabando com a possibilidade da prisão civil do depositário infiel.

1 Histórico da Prisão Civil

Ao longo da história da humanidade, no chamado mundo oriental, fora se

desenvolvendo a civilização, sendo que no período da chamada Antiguidade Oriental2,

desenvolveu-se alguns institutos jurídicos que, certamente, influenciaram os povos e

culturas que se seguiram, onde se destacam os egípcios, os indianos, os mesopotâmeos, os

hebreus, os persas e os fenícios.

Dentre as civilizações citadas, é certo que algumas delas utilizavam a chamada

prisão por dívida, que atualmente conhecemos por prisão civil. No Egito, a prisão por

dívida era aceita3, sendo que o devedor estava sujeito a ser escravizado caso não pagasse os

seus débitos; porém, por motivos políticos e econômicos, esta forma de escravidão por

dívida foi suprimida, reconhecendo-se a propriedade individual e a possibilidade de

alienação desta, como forma de satisfação do crédito por parte do credor.

A prisão por dívida também era tutelada no Código de Manu4 (Manava Dharma

Sastra), que vigorou no século XIII a. C. na Índia. Previa este Código que o credor esta

autorizado a utilizar de todos os meios para receber a quantia emprestada ou para requerer

a devolução de um bem depositado, sendo lícito até mesmo o uso da violência. Desta

forma, em caso de não pagamento ou devolução da coisa, o devedor estaria sujeito a sofrer

violência física por parte do credor, podendo até mesmo ser escravizado.

Dentre os babilônicos, o grande líder que se destacou foi Hamurabi, que se tornou

Rei por volta de 2.150 a.C. e que dominou a cidade de Babilônia5. Para organização do seu

reino, Hamurabi editou um Código de leis, que após a sua descoberta em 1.902, ficou

conhecido como o Código de Hamurabi. Este Código previa a Lei de Talião, defendia de

forma acentuada a propriedade e reconhecia como praxe normal a prisão por dívida.

Assim como outros povos orientais da Antiguidade, os Hebreus também aceitavam

a prisão por dívida como um fato aceitável sendo que “(...) frequentemente, os escravos

israelitas eram devedores insolventes, que se entregavam a seus credores, ou entregavam a

2 Termo utilizado por Cláudio de Cicco na denominação dos povos antigos orientais. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 3. 3 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Prisão civil por dívida. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 17. 4 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Prisão civil por dívida. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 16. 5 CICCO, Cláudio de. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 7.

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estes seus filhos, tomados em garantia, pelos mesmos devedores”6. Contudo, em caso de

prisão por dívida ou escravização de um israelita, este adquiria o direito de tornar-se livre

após o decurso de um período de tempo de 6 anos, previsto na lei escrita dos Hebreus,

especificamente no livro do Êxodo7.

Na chamada Antiguidade Clássica8, destacam-se gregos e romanos, como fonte

irradiadora de conhecimento. Sem dúvida, no mundo ocidental, é de se destacar o direito

romano como base do ordenamento jurídico, tendo em vista que os romanos mantiveram

um sistema legal, político e militar, que levaram a construção, ao longo de um longo

período de tempo, de um Império. Durante todas as fases da antiga Roma, que duraram

mais de 1.200 anos, foram sendo desenvolvidas uma série de ordenamentos jurídicos que,

ao longo deste período, sofreram transformações, incorporando conhecimentos e leis de

diversos povos que foram conquistados por Roma9. Cerca de 300 anos após a fundação de

Roma, durante uma disputa de classes entre patrícios e plebeus, fora redigida a Lei das XII

Tábuas, que foi a primeira lei escrita de Roma, quando a lei passou a ser pública10. Esta lei

previa a prisão por dívida, sendo que o “(...) devedor respondia com sua pessoa, até com

seu corpo (podia ser retalhado em pedaços pelos credores, conforme disposição das XII

Tábuas”11. Contudo, com o passar do tempo e a evolução do Direito Romano, a

responsabilidade da dívida por parte do devedor deixou de ser pessoal para se tornar

eminentemente patrimonial.

2 Os Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988

A Constituição Federal insere os direitos fundamentais logo no início do texto

constitucional, Título II, mostrando desta forma especial zelo do legislador constituinte

originário sobre o assunto. O referido Título é dividido em cinco capítulos, em que são

considerados direitos fundamentais os direitos e deveres individuais e coletivos, os direitos

sociais, a nacionalidade, os direitos políticos e os partidos políticos. Todos estes direitos

são taxativos, ou seja, são direitos fundamentais explícitos, porque o texto constitucional

os considera como tal. Contudo, além destes direitos fundamentais explícitos, a

Constituição brasileira é permeada de outros direitos fundamentais, considerados

6 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Prisão civil por dívida. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 19. 7 EX 21,2: “(...) quando comprares um escravo hebreu, ele servirá seis anos; no sétimo sairá livre.” In. Bíblia Sagrada. 156. ed. São Paulo: Ave-Maria, 2003, p. 121. 8 Termo utilizado por Cláudio de Cicco, denominando as culturas grega e romana. História do pensamento jurídico e da filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 14. 9 ROQUE, Sebastião José. História do direito. São Paulo: Ícone, 2007, p. 15. 10 ROQUE, Sebastião José. História do direito. São Paulo: Ícone, 2007, p, 33. 11 MARK, Thomas. Curso elementar de direito romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 108.

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implícitos, que são todos os direitos resguardados e protegidos pelo texto constitucional

que fazem menção e respeitem os direitos e garantias da dignidade humana.

Esta profusão de direitos fundamentais que permeiam a Constituição Federal,

certamente reflete a sociedade brasileira atual12, no seu anseio da busca incessante de

democracia plena e de justiça social. Dentre os direitos fundamentais, destaca-se, sem

dúvida, o caput do artigo 5º da Carta Magna, em que expressamente são direitos

fundamentais “(...) à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”.

Dentre estes cinco direitos fundamentais máximos, ao se estudar a prisão civil, ou seja, o

cerceamento da liberdade por dívida, estará em choque, em conflito, dois destes direitos

fundamentais máximos, quais sejam, a liberdade e a propriedade.

3 A Prisão Civil no Ordenamento Jurídico Pátrio

A legislação brasileira atual veda a prisão civil, por entender que dívidas contraídas

na esfera cível não são passíveis de serem punidas com penas restritivas de liberdade.

Contudo, a tradição jurídica pátria assegurou duas exceções a esta regra, em que se permite

prisão civil por dívida; se esta for contraída por débito alimentar ou em caso de depositário

infiel. Esta determinação está prevista na Constituição no seu art. 5º, inciso LXVII, que

diz:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.

A primeira exceção constitucional que permite a prisão civil por dívida é a da

hipótese do devedor de alimentos; este será considerado alimentante – o que deve prestar

alimentos ao alimentado – em um processo judicial de alimentos. Assim, aquele que for

considerado nos autos do processo judicial devedor de alimentos, seja em caráter definitivo

(execução de sentença), seja em caráter provisório (alimentos provisionais), deverá pagar o

valor correspondente ou, ainda, justificar de forma contundente a impossibilidade de

12 “(...) do ponto de vista material, os direitos fundamentais, segundo Schmitt, variam conforme a ideologia, a modalidade e Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição consagra. Em suma, cada Estado tem seus direitos fundamentais específicos”. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 561.

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realizar o pagamento que lhe foi determinado13. Em caso de descumprimento inescusável

do devedor da sua obrigação alimentar, estará ele sujeito a pena de prisão civil pelo

período de 1 (um) a 3 (três) meses14.

A outra exceção constitucional que permite a prisão civil por dívida é a do

depositário infiel, sendo este caracterizado como “aquele que se nega a devolver, ante

mandado judicial, coisa ou valor que lhe foi confiado (...)15”. Contudo, há de se verificar a

origem do depósito. A pena de prisão civil deverá ser decretada nos autos de um processo

judicial de jurisdição contenciosa, denominado de ação de depósito, se o depositário se

obrigou em qualquer situação, desde que não seja o caso de penhora nos autos de um

processo de execução. Na ação de depósito, o autor deverá instruir a petição inicial16 com a

prova literal de que o réu aceitou o encargo de depositário – que pode ter ocorrido em um

contrato particular. Se o réu, nos autos da ação de depósito, não entregar a coisa, depositá-

la em juízo ou não consignar o correspondente em dinheiro, estará sujeito a pena de prisão

civil por até 1 (um) ano17, ou seja, o tempo da pena ficará a critério do juiz, não podendo

exceder o tempo máximo. No caso de depositário infiel que se obriga no ato da penhora em

um processo de execução, este será considerado depositário judicial infiel e a sua prisão

civil será decretada nos autos do próprio processo, independentemente de ação de

depósito18, sujeitando-se a mesma pena já descrita.

Percebe-se que a tradição do direito brasileiro restringe a prisão civil há dois casos,

devedor de alimentos e depositário infiel, posto que estas duas hipóteses estão reguladas

por legislação infraconstitucional anterior a vigência da Constituição de 1988, sendo certo

que o texto constitucional assegurou que apenas estas espécies de prisão por dívida seriam

aceitas no País.

4 Incorporação de Tratados de Direitos Humanos ao Ordenamento Jurídico

Nacional

No período do pós-Segunda Guerra Mundial, em função das barbáries cometidas

durante o conflito, os Estados concluem que deveriam ser criadas determinadas normas de

direitos humanos, com o objetivo de se tutelar e proteger o indivíduo e a coletividade

contra abusos que ferissem a dignidade humana, ocorrendo portanto a “internacionalização

13 Art. 733 do Código de Processo Civil. 14 Pena prevista no § 1° do art. 733 do Código de Processo Civil. 15 DINZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 2, 67. 16 Art. 902 do Código de Processo Civil. 17 Pena prevista no § 1° do art. 902 do Código de Processo Civil. 18 Hipótese prevista no § 3º do art. 666 do Código de Processo Civil.

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dos direitos fundamentais”19. Assim, após a criação da Organização das Nações Unidas,

surge este e outros organismos internacionais de direitos humanos, criando uma série de

tratados, pactos e convenções de direito internacional. Porém, tais determinações de

direitos humanos, de âmbito do direito internacional, necessariamente devem ser

absorvidos pelo direito nacional de cada Estado e positivados20, para que se tornem

eficazes.

Com a edição da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, fora

acrescentado ao art. 5º da Constituição o parágrafo 3º, com a seguinte redação:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Desta maneira, uma antiga divergência doutrinária21 sobre qual o status que normas

de direitos humanos incorporadas à legislação brasileira possuíam, constitucional ou infra-

constitucional, deixou de existir, uma vez que, cumpridas as exigências do § 3º do art. 5º

da Constituição, o tratado ou convenção internacional de direitos humanos passa a ter força

constitucional.

Dentre os inúmeros tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos,

destaca-se, no conteúdo do presente escrito, a Convenção Americana de Direitos Humanos,

o chamado de Pacto de San José da Costa Rica, assinado pelos Estados americanos em

1969. O Pacto, em seu art. 7º trata sobre a liberdade e, especificamente no item 7, discorre

sobre prisão por dívida:

Art. 7º - Direito à liberdade pessoal: (...) 7.Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente em virtude de inadimplente de obrigação alimentar. 22

19 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 674. 20 No momento em que os conteúdos de Direitos Humanos no âmbito do direito internacional são incorporados ao direito brasileiro, positivando-se, passamos a denominá-los de Direitos Fundamentais, expressão utilizada pelos “publicistas alemães”, segundo leciona Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 560. 21 “Antes do advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, escrevíamos sobre o tema que, admitindo-se que a incorporação ocorra em nível de legislação ordinária, os tratados de direitos humanos não podem contrapor-se à Constituição, nem derrogam, por serem normas gerais, a legislação interna infraconstitucional.” CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 674. 22 BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de (orgs.). Mini-Código de Direitos Humanos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2008, p. 772.

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Pelo que fora demonstrado, o Pacto de San José da Costa Rica, por se tratar de

regra de direito internacional de direitos humanos, incorporado ao sistema jurídico

nacional23, com observância do § 3º do art. 5º da Constituição, é considerado como

Emenda Constitucional, portanto, possui status de norma constitucional. Contudo, percebe-

se que há um conflito de normas de mesmo nível hierárquico, ou seja, há um conflito de

normas de direitos fundamentais, uma vez que a Constituição Federal prevê duas hipóteses

de prisão civil – devedor de alimentos e depositário infiel – contudo, o Pacto de San José

da Costa Rica, prevê apenas uma hipótese de prisão civil (prisão por dívida) – a do

devedor de alimentos.

5 Colisão de Normas e Princípios de Direitos Fundamentais

Inicialmente compete diferenciar a diferença de colisão entre norma e princípio de

direitos fundamentais. Ao se analisar a questão da possibilidade ou não da pena de prisão

civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro, se deparará com tais

conflitos, que deverão necessariamente serem resolvidos.

Sobre a colisão de normas de direitos fundamentais, leciona o jurista alemão Robert

Alexy que:

Um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou pelo menos uma das regras for declarada inválida. 24

Com relação a colisão de princípios de direitos fundamentais, Robert Alexy afirma

que:

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido –, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições.

25

23 O Brasil ratificou a Convenção em 25/09/1992, aprovando o texto através do Decreto Legislativo nº 678/92 publicado em 06/11/1992. 24 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90. 25 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 91.

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Realizadas estas considerações, deve-se verificar que haverá colisão de normas e de

princípios no estudo sobre a prisão civil do depositário infiel. Especificamente com relação

a colisão de normas, estas já foram apreciadas ao longo deste escrito, uma vez que o texto

constitucional contém norma que permite – em exceção – a prisão civil do depositário

infiel, e, por outro lado, há norma que veda todo e qualquer tipo de prisão civil que não

seja do devedor de alimentos, logo, por exclusão, percebe-se que incabível a prisão civil do

depositário infiel.

Contudo, cabe no momento, abordar mesmo que de forma sucinta os princípios que

colidem na aplicação da prisão por dívida: princípios fundamentais da liberdade e da

propriedade.

Sobre o princípio fundamental da liberdade, lecionam Manuel Gonçalves Ferreira

Filho, Ada Pellegrini Grinover e Anna Cândida da Cunha Ferraz que:

(...) proclamar um princípio muito simples, destinado a dirigir totalmente a conduta da sociedade para com o indivíduo em que tudo que venha a ser coação ou intervenção, sejam os meios empregados pela força física, em forma de penas legais, ou a coação da opinião pública. Eis aqui este princípio: a única coisa que pode autorizar os homens, individual ou coletivamente, a tolher a liberdade de ação de algum de seus semelhantes é a proteção de si próprio.26

E, continuam:

Racionalmente e de fato, a democracia está indissoluvelmente ligada a idéia de liberdade. A sua definição mais simples, e igualmente a mais válida, o governo do povo pelo povo, só adquire seu pleno sentido se se considerar que exclui o poder de uma autoridade que de modo algum procederia do povo. Assim, a democracia é, antes de mais, um sistema de governo que tende a incluir a liberdade na conexão política, quer dizer, nas relações de obrigação à obediência inerentes a toda a sociedade politicamente organizada. Nela subsiste, sem dúvida, a autoridade, mas estruturada, de tal modo que, fundada sobre a adesão daqueles que lhe estão submetidos, se mantém compatível com a sua liberdade.27

A liberdade é condição humana básica que, depois do direito à vida, talvez seja o

princípio mais fundamental do ser humano, pois é através da liberdade que o homem, na

condição de indivíduo, consegue realizar-se pessoalmente, socialmente e

profissionalmente. Somente através da liberdade o ser humano consegue efetivamente

26 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves; GRINOVER, Ada Pellegrini; FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Liberdades públicas: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 17. 27 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves; GRINOVER, Ada Pellegrini; FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Liberdades públicas: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 29.

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resguardar e conquistar todos os outros direitos, sejam econômicos, sociais ou políticos.

Portanto, a restrição da liberdade deve ser sempre encarada como uma exceção, oponível

apenas quando o indivíduo praticar alguma conduta grave, quando praticar uma conduta

proibida por lei.

Com relação ao princípio fundamental da propriedade, prescreve Kildare Gonçalves

Carvalho que:

Concebida como direito fundamental, a propriedade não é, contudo, um direito absoluto, estando ultrapassada a afirmação constante da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, considerando-a sagrada. Ao dispor que ‘a propriedade atenderá a sua função social’, o artigo 5º, XXIII, da Constituição a desvincula da concepção individualista do século XVIII. A propriedade, sem deixar de ser privada, se socializou, com isso significando que deve oferecer à coletividade uma maior utilidade, dentro da concepção de que o social orienta o individual. 28

Desta forma, na análise do cabimento da prisão civil, os princípios fundamentais da

liberdade e da propriedade colidem. A questão posta é a de qual princípio cederá ao outro

na hipótese da prisão civil do depositário infiel. No estudo do inciso LXVII, art. 5º da

Constituição brasileira, o princípio da propriedade prevalecerá; na análise do art. 7º, nº 7

do Pacto de San José da Costa Rica, cumulado com o parágrafo 3º do art. 5º da nossa

Carta Magna, o princípio da liberdade prevalecerá.

6 Súmula Vinculante no Brasil

A súmula vinculante traduziu-se em uma novidade no Brasil, inserida no

ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, que

acrescentou ao texto da Constituição o art. 103-A. A sua regulamentação ocorreu cerca de

dois anos após, através da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006.

Somente poderá ser editada pelo órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, o

Supremo Tribunal Federal, sendo certo que o seu enunciado “força os tribunais e juízes a

seguirem a linha fixada”29, em função do vínculo de obrigação e sujeição que se forma a

partir da decisão do referido Tribunal perante toda a estrutura do Poder Judiciário e

também da administração pública, direta e indireta. Assim, as alterações legislativas acima

mencionadas, concederam aos enunciados das súmulas vinculantes, verdadeiros status de

28 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 736 29 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 46.

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instituto constitucional30. Em verdade, as súmulas vinculantes “assumem a força de

verdadeiras leis de interpretação, correspondendo a atribuição ao Supremo Tribunal

Federal a uma função paralegislativa”31.

Uma vez que a edição das súmulas vinculantes é de competência exclusiva do

Supremo Tribunal Federal, somente versarão sobre matéria constitucional e o seu

enunciado deve representar o resultado de reiteradas decisões do Tribunal. Da mesma

forma, as súmulas vinculantes poderão ser revistas ou canceladas pelo Tribunal,

observadas as disposições legais.

Certamente o principal objetivo das súmulas vinculantes é o de gerar segurança

jurídica, uniformizando a jurisprudência, validando a interpretação do Supremo Tribunal

Federal e acabando com a possibilidade da multiplicação de processos envolvendo

questões idênticas, forçando os tribunais, juízes e jurisdicionados, a cumprirem e

obedecerem a linha de pensamento fixada.

Quando da regulamentação da súmula vinculante, os processualistas José Miguel

Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvin Wambier, exaltaram o

instituto e o fizeram com o seguinte comentário:

(...) existem inúmeros possíveis expedientes que apresentam diversas vantagens para o jurisdicionado – como, por exemplo, a realização mais intensa e mais visível do valor segurança e previsibilidade – e que acabam por diminuir consideravelmente o acúmulo de processos no Judiciário. Dentre estas figuras está a súmula vinculante que, em si mesma, pensamos, tem grande potencial para gerar melhorias no sistema. 32

Tal posição é dominante entre os processualistas:

A súmula vinculante é a consagração da voz do Supremo Tribunal Federal, decorrente de reiteradas decisões sobre matéria constitucional (...) tornando obrigatória a observância de seu enunciado, em virtude do efeito vinculante (...).33

No mesmo sentido:

30 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 267. 31 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 268. 32 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A súmula vinculante, vista como meio legítimo para diminuir a sobrecarga de trabalho dos tribunais brasileiros. In: Revista do Advogado. São Paulo: AASP, 2007, n. 92, p. 22. 33 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 24. ed. Atual. por Maria Beatriz Amaral Santos Kohnen. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 3., p. 159.

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(...) o novo modelo de súmula vinculante mostra-se não só necessário, como totalmente constitucional, não de admitindo, deixe-se bem claro, qualquer sanção funcional ao juiz ou tribunal em caso de seu descumprimento. A ‘reclamação’ assegurará eventual abuso, devendo ser fixados, é natural, os seus limites. 34

Diante das opiniões citadas, a doutrina admite a súmula vinculante como um

instituto benéfico ao sistema jurídico brasileiro, pois possibilitará que o Judiciário se torne

mais eficaz, oferecendo maior segurança jurídica, com uma interpretação uniforme da

jurisprudência, eliminando-se as causas repetidas. O descumprimento da súmula vinculante

por algum tribunal ou juiz, possibilitará ao contrariado que apresente reclamação

diretamente ao Supremo Tribunal Federal, por petição inicial, necessitando tão-somente

provar o alegado.

Contudo, é de se enfatizar que os enunciados das súmulas vinculantes versam

apenas sobre “questão de direito” e não sobre “questão de fato”, isto porque, o Supremo

Tribunal Federal, por sua competência, recepciona apenas causas envolvendo questões de

direito. Logo, a questão de fato, não é considerado no momento do julgamento do processo

perante os membros do Supremo Tribunal Federal, e, assim, as decisões reiteradas que

embasam a criação dos enunciados das súmulas vinculantes, jamais levarão em conta as

questões de fato ocorridos entre as partes do processo. Portanto, esta é uma crítica que se

pode fazer as súmulas vinculantes, que não consideram as questões de fato ocorridos no

caso concreto para a edição dos seus enunciados.

Claro que a súmula vinculante é uma realidade no contexto jurídico brasileiro e,

inegavelmente, está sendo aplicada de pleno direito e mostrando os resultados com que

fora pensada, redigida e elaborada, já que o Supremo Tribunal Federal vem editando

súmulas vinculantes, que são observadas e aceitas pela sociedade, uniformizando a

jurisprudência e diminuindo consideravelmente a quantidade de processos a serem

julgados pelo Tribunal. Contudo, há sempre o perigo de “engessamento”35 36 do Poder

Judiciário, motivado pela não observância do caso concreto – questão de fato – na

aplicação e efetivação da súmula vinculante.

7 A Interpretação do Supremo Tribunal Federal

34 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 10. ed. São Paulo: Método, 2006, p. 437. 35 “Há o risco, porém, de que a súmula ‘engesse’ a jurisprudência, impedindo-a de evoluir em face de novas circunstâncias ou novos argumentos”. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 46. 36 “Não há que se falar em engessamento do Judiciário, na medida em que permitida a revisão das Súmulas editadas”. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 10. ed. São Paulo: Método, 2006, p 436.

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A questão sobre cabimento da prisão civil para o depositário infiel a muito tempo já

era debatido perante o Supremo Tribunal Federal que, ao julgar as demandas que lá eram

distribuídas, mantinha uma posição de ser aplicável tal pena, uma vez que a mesma estava

prevista no texto constitucional.

Este posicionamento dominante da nossa Corte Máxima, em tempos pretéritos,

pode ser resumida pelo julgado selecionado por Alexandre de Moraes e a seguir transcrito:

(...) o Supremo Tribunal Federal assentou a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em alienação fiduciária, no Habeas corpus nº 72. 131, sessão de 23-11-95, garantindo a aplicabilidade desta hipótese. Assim, afirmou o Supremo Tribunal Federal que ‘a prisão de quem foi declarado, por decisão judicial, como depositário infiel é constitucional, seja quanto ao depósito regulamentado no Código Civil quanto no caso de alienação protegida pela cláusula fiduciária. Os compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte (§ 2º do art. 5º da Constituição) não minimizam o conceito de soberania do Estado-novo na elaboração da sua Constituição; por esta razão, o art. 7º, n. 7º, do Pacto de São José da Costa Rica (...), deve ser interpretado com as limitações impostas pelo art. 5º, LXVII, da Constituição’ (STF – Habeas corpus nº 73.044-2/SP – rel. Min. Maurício Correa, Diário da Justiça, Seção I, 20 set. 1996, p. 34.534).

37

Contudo, sabe-se que, com o passar do tempo, os senhores Ministros que compõem

o Supremo Tribunal Federal, por alguns motivos, dentre eles a aposentadoria compulsória

aos 70 anos de idade, deixam o Tribunal e sedem suas cadeias a outros Ministros, alterando

desta maneira não só os julgadores, mas principalmente, os pensamentos e, por

conseguinte, o entendimento jurisprudencial.

Nos últimos dois anos, o Supremo Tribunal Federal, com a composição dos seus

integrantes significativamente alterada em relação à década passada, passou a firmar

entendimento diverso do passado, ou seja, de ser aplicável a Convenção internacional de

direitos humanos – Pacto de San José da Costa Rica – em detrimento do ordenamento

expresso na Constituição que permite a prisão civil do depositário infiel38. Passou-se,

então, a julgar um conflito de normas e princípios constitucionais de forma diversa: na

colisão dos princípios constitucionais “liberdade” e “propriedade”, no passado, o Supremo

Tribunal Federal nos julgamento envolvendo a colisão, ponderava e sopesava os

princípios, oferecendo maior valia ao princípio da “propriedade”; atualmente, diante do

37 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 292. 38 Vários são os julgados do Supremo Tribunal Federal que vem afirmando ser incabível a pena de prisão civil do depositário infiel nos últimos anos, dentre eles selecionamos alguns acórdãos: HC 96118/SP, Relatora Min. Carmem Lúcia, 1ª Turma, 03/02/2009, unânime; HC 88240/SP, Relatora Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, 07/10/2008, unânime; HC 91950/MS, Relator Min. Eros Grau, 2ª Turma, 07/10/2008, unânime; HC 90450/SP, Relator Min. Celso de Mello, 2ª Turma, 06/02/2009, unânime. Acórdãos disponíveis no site http://www.stf.jus.br. Último acesso em 05/12/2012.

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mesmo conflito, o Tribunal concede ao princípio da “liberdade” mais precedência sobre o

outro princípio.

Com base na nova interpretação jurisprudencial e com a reiterada jurisprudência,

que pacificou o entendimento de não ser aplicável a pena de prisão civil do depositário

infiel, o Supremo Tribunal Federal publicou o enunciado da súmula vinculante nº 25 com a

seguinte redação: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a

modalidade do depósito”. Ao redigir esta súmula, com o efeito vinculante, o Supremo

Tribunal Federal decidiu acabar com a possibilidade de prisão por dívida do depositário

infiel, tornando sem efeito a última parte do inciso LXVII, do art. 5º da Constituição

Federal. Ressalta-se que a redação da referida norma constitucional não fora alterada,

apenas não será mais aplicável enquanto a súmula vinculante nº 25 for válida. Se, algum

dia, em tempos futuros, o Supremo Tribunal Federal alterar ou revogar a súmula vinculante

nº 25, talvez a possibilidade da prisão civil do depositário infiel possa ser oponível

novamente.

Conclusão

Pelo que fora exposto ao longo do presente escrito, pretendeu-se demonstrar que o

ordenamento jurídico pátrio veda a prisão por dívida, contudo, o texto constitucional

oferece expressamente duas exceções, a do devedor de alimentos e a do depositário infiel.

Demonstrou-se que, ao analisar-se a hipótese da prisão civil do depositário infiel, haverá

conflito de norma e de princípios de direitos fundamentais, que deverão ser

necessariamente, em prol da segurança jurídica, verificados e julgados.

Levados aos Tribunais estes conflitos, a tradição jurisprudencial brasileira,

entendeu-se durante a história, ser cabível a prisão civil do depositário infiel. Contudo, nos

últimos anos, em face dos novos entendimentos sobre os direitos fundamentais, o Supremo

Tribunal Federal vinha alterando a sua jurisprudência, consolidando a posição de não ser

mais cabível a prisão civil do depositário infiel, conforme demonstrado ao longo do artigo.

Este posicionamento cristalizou-se com a edição da súmula vinculante nº 25 do Supremo

Tribunal Federal, que aboliu no Brasil a hipótese da prisão civil do depositário infiel,

fazendo prevalecer, portanto, na colisão entre princípios de direitos fundamentais, a

liberdade.

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