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1 COLÉGIO NOSSA SENHORA DE SION 2ª. SÉRIE DO ENSINO MÉDIO MARIA EDUARDA CARLI SOUZA ALVES O QUE É A FELICIDADE PARA A NEUROCIÊNCIA? Trabalho de pesquisa apresentado ao Colégio Nossa Senhora de Sion como pré-requisito para obtenção parcial do título: JOVEM PESQUISADOR SIONENSE. Tutor(a): Profª Vânia Longhi Macarrão SÃO PAULO-SP 2018

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COLÉGIO NOSSA SENHORA DE SION

2ª. SÉRIE DO ENSINO MÉDIO

MARIA EDUARDA CARLI SOUZA ALVES

O QUE É A FELICIDADE PARA A NEUROCIÊNCIA?

Trabalho de pesquisa apresentado ao Colégio Nossa

Senhora de Sion como pré-requisito para obtenção parcial

do título: JOVEM PESQUISADOR SIONENSE.

Tutor(a): Profª Vânia Longhi Macarrão

SÃO PAULO-SP

2018

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Dedico esse trabalho àqueles que desejam traba-

lhar para que haja, nas pessoas, cada vez mais gos-

to de viver.

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AGRADECIMENTOS

A vontade de conhecer melhor sobre a felicidade me motivou, desde a apresentação

do projeto, a produzir esse trabalho. Ela é muito anterior à produção deste documento, me

acompanha há anos, e se deve a várias pessoas que participaram da minha formação.

Obrigada ao Colégio Nossa Senhora de Sion por me acompanhar desde criança de

forma acadêmica e humana; por despertar minha curiosidade e inquietação. Obrigada em es-

pecial aos professores Fábio Mesquita, que idealizou o projeto para nos motivar a pesquisar

dentro dos nossos próprios interesses - e mesmo com todas as dificuldades que passou esse

ano, não desistiu de nós e do projeto - e Vânia Macarrão, minha tutora para esse trabalho, e

professora de Biologia do 1º ano do Ensino Médio, que me acompanhou desde o início da

idealização deste e me ajudou sempre que precisei com muito apreço.

Obrigada a minha família e a meus amigos pelo apoio incondicional e imenso cari-

nho. Considero-me uma pessoa feliz grande parte por conta do grande apoio que recebi da-

queles com quem convivo.

Obrigada ao Doutor Luciano Espósito Sewaybricker por seu tão importante relato

sobre o assunto, sua tese de doutorado realizada em 2017 para a universidade de São Paulo:

“Felicidade: utopia, pluralidade e política (a delimitação da felicidade enquanto objeto para a

ciência)”. O capítulo III dessa obra, intitulado “A felicidade na Ciência” serviu como artigo-

base para a realização dessa pesquisa. O artigo, apesar de se apoiar em conceitos tão recentes

e insuficientes para a tirada de conclusões concretas sobre aquilo que seria felicidade, faz

uma descrição interessante e substancial das teorias desenvolvidas até o último ano sobre o

assunto.

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RESUMO

As primeiras abordagens da felicidade datam da Idade Antiga, mas desde a emprei-

tada dos filósofos utilitaristas, a Psicologia Positiva é a principal a aprofundar-se no tema.

Movida por interesses posteriores à Segunda Guerra Mundial, esse ramo particularizou-se e

diferenciou-se da Psicologia convencional, que direcionou-se ao estudo das doenças mentais

após esse acontecimento histórico. Junto a essa empreitada científica, desenvolveu-se a litera-

tura de auto-ajuda ao redor do tema, com teorias subjetivas e de certa forma normativas. Pio-

neiros da Psicologia Positiva foram Cantril, Wilson, com a teoria de felicidade manifestada,

Bradburn, entre outros autores, até que Martin Seligman oficializou o campo do estudo da

felicidade como “Psicologia Positiva” em 1998. Ideias para a definição de felicidade têm apa-

recidocom frequência: o bem-estar e o bem-estar subjetivo de Diener, o bem-estar psicológico

de Ryff, e a satisfação com a vida de Veenhoven. Também surgiram teorias empíricas parale-

las que ajudaram no desenvolvimento dos estudos no campo, como as teorias do set point,

endowment contrast, hedonic treadmill, entre outras. A divulgação de qualquer das teorias

promoveu discussões em torno das abordagens opostas - Universalidade e Individualidade -, e

dos métodos de investigação, que chegaram até mesmo a abordar aspectos da Sociologia para

tentar chegar à conclusão de qual seria o método mais eficiente de investigação da felicidade,

e qual seria sua definição mais adequada.

Palavras-chave: felicidade, bem-estar, psicologia positiva, neurociência

ABSTRACT

The first approaches towards happiness date from the Classic Age, but since the utili-

tarian philosophers’ efforts, Positive Psychology is the main one to dig into the subject deep-

er. Pushed by interests that came after World War Two, this field specialized and differentiat-

ed itself from conventional Psychology, which directed itself to the study of mental illnesses

after this historical event. Along with this scientific effort, self help literature developed itself

regarding this topic, with subjective theories and in a way normative ones. Pioneers of Posi-

tive Psychology were Cantril, Wilson, with the avowed happiness theory, Bradburn, among

other authors, until Martin Seligman officialized the field as “Positive Psychology in 1998.

Ideas for the definition of happiness have been coming up expressively: Diener’s well-being

and the subjective well-being, Ryff’s psychological well-being, and Veenhoven’s life satisfac-

tion. There also came empiric theories such as the set point, endowment contrast, hedonic

treadmill, among others. The spread of any of these theories evoked discussions surrounding

opposite outlooks – Universality and Individuality -, and investigation methods, which even

approached aspects from Sociology trying to reach a conclusion whether would be the most

efficient method to investigate happiness, and which would be its most adequate definition.

Key-words: happiness, well-being, positive psychology, neuroscience

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Sumário

Introdução.................................................................................................................................6

Capítulo 1 – Cenário do Estudo da Felicidade.........................................................................7

Capítulo 2 – Desenvolvimento do Estudo da Felicidade..........................................................9

2.1 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DA FELICIDADE NA CIÊNCIA – INÍCIO DA

PSICOLOGIA POSITIVA.................................................................................9

2.2 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DA FELICIDADE NA CIÊNCIA – FELICIDA-

DE: DEFINIÇÃO?.........................................................................................11

2.3 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DA FELICIDADE NA CIÊNCIA –

INDIVIDUALIDADE X UNIVERSALIDADE & CULTURA..............................15

2.4 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DA FELICIDADE NA CIÊNCIA – EMPIRIA NA

PSICOLOGIA POSITIVA.............................................................................18

2.5 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DA FELICIDADE NA CIÊNCIA - AVALIAÇÃO

PESSOAL DA FELICIDADE E VALORES ...................................................20

Considerações finais.................................................................................................21

Bibliografia.............................................................................................................22

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Introdução

É de interesse geral descobrir como funciona a felicidade e principalmente, o que ela

significa por definição. É desse interesse, e o de transformar as intenções da Psicologia con-

vencional, que nasceu a Psicologia Positiva.

Esta pesquisa pretende mostrar as diferentes teorias, para a Ciência, do que seria fe-

licidade, e talvez chegar a uma conclusão da melhor definição, através da análise da história

da Psicologia Positiva, conforme concepções apresentadas pelo Doutor Luciano Espósito Se-

waybricker e pela análise do cenário do estudo da felicidade até os dias atuais desde meados

da metade do século XX.

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Capítulo 1 – Cenário do estudo da felicidade

O fenômeno da felicidade sempre intrigou diversas esferas da sociedade, em especial

os filósofos. É desde a Idade Antiga que há a discussão em torno daquilo que seria felicidade,

em destaque o pensamento de Epicuro. Abordando esse tema, também houve o movimento

dos utilitaristas. Porém, os estudos sobre a felicidade permaneceram de certa forma estagna-

dos após esse movimento, sem propostas científicas capazes de sustentar uma teoria sobre a

felicidade. A felicidade é conhecida, portanto, como um tema de senso comum. É extrema-

mente explorado no universo do auto-ajuda, que explora e dá dicas sobre o tema das mais va-

riadas formas. Porém, em sua maioria, as sugestões são baseadas em valores subjetivos e i-

deias empíricas sobre qual seria a melhor forma de se atingir a felicidade, que é definida tam-

bém de diferentes formas. As perspectivas variam de autor para autor. Por exemplo, no livro

“Fórmula da Felicidade, de Mo Gawdat, diretor administrativo da Google X, a montagem da

fórmula (figura 1) se deu por um pensamento simplista do qual ele próprio inicialmente duvi-

dou. A editora do livro, Leya, disponibiliza o primeiro capítulo editado da obra, e nessa adap-

tação está presente a seguinte citação: “Primeiro, no entanto, hesitei porque a técnica era tão

simples que parecia quase infantil. Mas então me ocorreu: se nosso modelo de configuração-

padrão da felicidade humana é o bebê ou a criança pequena, talvez “infantil” ou “pueril” não

seja uma coisa assim tão má.”. Essa linha de pensamento representa muito do que há no uni-

verso do auto-ajuda em relação à felicidade.

Figura 1: (GAWDT, 2017)

Ainda nesse cenário, porém, a partir da metade do século XX, o interesse científico

pela felicidade começou a aparecer. As novas relações de trabalho líquidas e em que o traba-

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lhador reconhece seu valor e seu bem-estar como algo que deve ser levado em conta aumenta-

ram o interesse em descobrir como atingir um estado de felicidade, de realização, de qualida-

de de vida. Além disso, a publicidade muitas vezes associada à felicidade do consumidor deu

espaço ao estudo desse tema.

Dentre as áreas que estudaram esse tema, destacou-se a Psicologia, e dentro dela cri-

ou-se um novo campo: a Psicologia Positiva. Conforme traduz Sewaybricker, sobre o pensa-

mento de Seligman, um dos principais autores do ramo da Psicologia Positiva, "a formação

desse grupo foi uma resposta ao processo histórico de distorção dos interesses da Psicologia"

(SEWAYBRICKER, 2017 p.70), já que a Psicologia, após a Segunda Guerra mundial, passou

a concentrar-se somente em tratar das doenças mentais sofridas pela população devastada pe-

la guerra, o que era economicamente mais promissor principalmente nos Estados Unidos, on-

de psicólogos recebiam incentivos para esses tratamentos. Outras sugestões para o enfoque no

negativo seriam a compaixão humana pelo sofrimento do outro, a curiosidade sobre o mal nos

homens durante a guerra e o enfoque das teorias psicológicas disponíveis até então no aspecto

negativo, o que leva Seligman a acreditar que “[A psicologia] passa a ser praticamente um

sinônimo de tratamento de doença mental” (SELIGMAN, 2004, p.34 IN: SEWAYBRICKER,

2017, Felicidade: utopia, pluralidade e política – a delimitação da felicidade enquanto objeto

para a ciência, p. 71).

O cenário do estudo da felicidade é sobretudo de incertezas. É extremamente recen-

te, considerando que os primeiros estudos e livros na área da Psicologia Positiva foram lança-

dos por volta da década de 60. Portanto, é de se esperar que a empreitada pelo desenvolvi-

mento de um conceito de felicidade, um assunto tão complexo e com diferentes definições

para cada indivíduo, ainda encontre obstáculos.

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Capítulo 2 – Desenvolvimento do estudo da felicidade na

Ciência

Este capítulo explorará com mais detalhes a empreitada do estudo da felicidade, para

que tentemos chegar a uma conclusão, (se ela já foi determinada), sobre o que é a felicidade

para a Neurociência. Está dividido em cinco partes: “Início da Psicologia Positiva”, “Felici-

dade: Definição?”, “Individualidade X Universalidade & Cultura”, “Empiria na Psicologia

Positiva” e “Avaliação Pessoal da Felicidade e Valores”.

2.1 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DA FELICIDADE NA CIÊNCIA –

INÍCIO DA PSICOLOGIA POSITIVA

A Psicologia Positiva é o ramo da psicologia que procura promover o bem estar e

valorizar o comportamento positivo das pessoas.

Cantril, em 1965, define seu objetivo como “measuring the whole spectrum of valu-

es a person is preoccupied or concerned with and by means of which he evaluates his own

life” (CANTRIL, 1965, IN: SEWAYBRICKER, 2017, Felicidade: utopia, pluralidade e políti-

ca – a delimitação da felicidade enquanto objeto para a ciência, p. 71). Então, em 1967, Wil-

son resolve desenvolver os poucos estudos presentes sobre a “felicidade manifesta-

da”(avowed happiness), ou seja, “quão felizes as pessoas se diziam ser” (SEWAYBRICKER,

2017), o que se torna definição característica desse autor para a felicidade. Ele definiu a pes-

soa feliz, como alguém “young, healthy, well-educated, well-paid, extroverted, optimistic,

worry-free, religious, married person with high self-esteem, job morale, modest aspirations,

of either sex and of wide range of intelligence) baseado em uma média que fez dos níveis de

felicidade declarados pelas pessoas que fizeram parte de sua pesquisa, um conceito limitado

que virá a ser largamente contestado. Já Bradburn, em 1969, colocou os afetos positivos e ne-

gativos como independentes, concluindo de forma exemplar até hoje para a Psicologia Positi-

va, que exerce a Psicologia além da cura de doenças, que a felicidade e a doença não são

extremos opostos.

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Apesar de ter desenvolvido conceito limitado de alguém feliz, a intenção de Wilson

de ampliar o estudo do ramo - junto a fatores que impulsionaram o estudo da Psicologia Posi-

tiva já citados no capítulo anterior - inspirou vários autores, como Gallup, que desenvolveu

perguntas para investigar a felicidade manifestada e o conceito de felicidade para as pessoas,

Campbell, Andrews & Withey nos EUA, Allard, Glatzer & Zapf na Alemanha, e Veenhovem,

Argyle, Diener e Meyer, importantes nomes do ramo, entre as décadas de 70 e 90. Martin Se-

ligman, então, como presidente da American Psychology Association, nomeou oficialmente

essa área em 1998. Desde então, houve em cada ano reconhecimento especial sobre a área,

desde o primeiro encontro da Psicologia Positiva em 1999 até o lançamento do Journal of Po-

sitive Psychology, em janeiro de 2006.

Precisou-se, então, apresentar ao público geral essa Ciência como distante das teori-

as de senso comum, para solidificá-la. Se fez necessário estabelecer a universalidade na feli-

cidade, sem que ela dependa da relatividade entre as pessoas para determinar seu conceito. E

ainda para justificar sua nomenclatura e limitar o objeto de estudo da área, o que é “posit i-

vo”? Para Fredrickson, são positivos os comportamentos e emoções que promovem integra-

ção. Chistopher já acredita que a definição de positivo é muito simples para ser ponto de par-

tida: sugere que ações introspectivas podem ser também positivas. Porém, não há polêmica

expresiva em torno da definição do termo.

A Broaden-and-Build Theory (Conway et al. 2012) e a teoria do hedonic treadmill,

então surgiram mias recentemente, e analisam o impacto positivo das emoções positivas no

indivíduo evolutivamente, mas Bentall, em 1992, questionou a vantagem evolutiva da felici-

dade: “The common observation that happiness leads to impulsive behavior is a further cause

for concern” (BENTALL, 1992, p. 96 IN: SEWAYBRICKER, 2017, Felicidade: utopia, plu-

ralidade e política – a delimitação da felicidade enquanto objeto para a ciência, p. 76)

Dessa forma, percebe-se que a história da Psicologia Positiva é conflituosa desde o

início, mas o maior conflito, com certeza, vem a se concretizar com a tentativa de definir a

felicidade, como será apresentado no próximo tópico.

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2.2 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DA FELICIDADE NA CIÊNCIA –

FELICIDADE: DEFINIÇÃO?

As conclusões sobre felicidade dos autores já citados não foram eficientes o bastan-

te, considerando que não atingiram uma universalidade a ponto de ser possível definir a feli-

cidade e, então, sugerir ações práticas para alcançá-la.

Já em 1984, Diener propôs, para a resolução do problema, que se fundasse um novo

conceito no lugar de “felicidade”, ou “felicidade manifestada”, alegando que felicidade é um

conceito subjetivo, e um conceito científico útil seria aquele teórico e que pode ser medido -

Seligman concorda com esse pensamento e expressa que felicidade dá nome ao campo da

Psicologia Positiva, mas não exerce papel algum. Diener apresenta o conceito de “bem-

estar” (well-being) na mesma premissa da diferenciação dos termos eudaimonia para Aristó-

teles e hedonismo – “eudaimonia trata da realização do potencial humano; hedonismo trata

da busca por prazeres” (SEWAYBRICKER, 2017, p.79). Relaciona-se normalmente a felici-

dade cotidiana com o segundo termo, por estar normalmente na percepção subjetiva dos pra-

zeres diários sobre as experiências negativas. Porém, a separação desses dois termos já não é

tão clara mesmo entre os filósofos – eles se misturam mesmo dentro dos ideias de Aristóteles

e Epicuro. Seria correto, ainda, considerar que o “well-being” está totalmente relacionado

com o conceito de felicidade no senso comum? Enquanto alguns interpretam a felicidade co-

mo algo passageiro como os prazeres do hedonismo, outros interpretam-na como algo dura-

douro como a eudaimonia, o que indica que a linguagem de senso comum e a linguagem ci-

entífica possuem suas diferenças. Usa-se, portanto, os dois termos sem muita distinção.

Mesmo assim, Diener é um autor muito importante para a Psicologia Positiva. Ele

separou as definições de felicidade ou bem-estar ao longo da História em três categorias: a

normativa, de características escolhidas por alguém, a pessoal e racional, do método científi-

co com variáveis, e a pessoal e afetiva, ou seja, subjetiva. Ele rejeita a primeira categoria, que

diz ser fruto de arbitrariedade, e considera as outras duas. A terceira categoria o faz mudar o

termo para “bem-estar subjetivo”, já que a descrição da felicidade, segundo ele, “envolve

uma avaliação global da vida de uma pessoa” (SEWAYBRICKER, 2017, p.81). Diener, dessa

forma, determina a felicidade como um fenômeno que corresponde à avaliação subjetiva, a-

fastando o conceito de felicidade de uma utopia, o que vem a ser positivo para um estudo

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mais simples do fenômeno. Para estudá-lo, as duas variáveis são a preponderância de emo-

ções positivas em relação ás negativas, essa que vai contra a análise, já apresentada, de Brad-

burn, o que a fez ser dividida normalmente em “presença de emoções positivas” e ausência de

emoções negativas, e a avaliação da vida como um todo.

Porém, o método de Diener também recebe críticas. Ryff, em 1989, e junto a Singer

em 1998, apresenta que o método de Diener é falho por depender da avaliação dos indiví-

duos. Isso, de certa forma, faz sentido, pois o que se busca nesse momento é a universalidade

para a definição da felicidade. Porém, Ryff concorda com Diener quanto à pesquisa do bem-

estar, reconhecendo as diferenças nos conceitos de bem-estar entre as pessoas. Ryff, então,

propôs outro conceito para descobrir o funcionamento do bem-estar, o “bem-estar psicológi-

co”, ao pesquisar e identificar elementos comuns nas ideias de diversos pensadores ocidentais

contemporâneos. Haveria, então, seis variáveis para o bem-estar psicológico: autonomy, en-

vironmental mastery, purpose in life, personal growth, positive relation with others, self

acceptance. Diener, no mesmo ano, classifica o termo de Ryff em sua primeira categoria: a

normativa, e desqualifica a linha de pensamento da autora. Cristopher o acompanha em 1999

dizendo que essa normatividade teria sido imposta pela psicologia ocidental dos EUA. Ele

questiona a categoria autonomia ao explicar que as qualidades atribuídas ao determinar a au-

tonomia de um indivíduo são típicas ocidentais contemporâneas – “the concept of an auto-

nomous, bounded, abstract individual existing free of society yet living in society is uncharac-

teristic of Indin social thought” (SHWEDER & BOURNE, 1984, p. 190 IN: SEWAYBRIC-

KER, 2017, Felicidade: utopia, pluralidade e política – a delimitação da felicidade enquanto

objeto para a ciência, p. 84). Vários outros autores seguiram essa linha de pensamento de C-

hristopher.

Há ainda aqueles que defendam o retorno ao uso do termo felicidade, como Warr,

em 2007. Ele defende esse retorno alegando a fascinação humana pelo termo, sua amplitude e

complexidade, a profundidade das investigações filosóficas sobre ele, e a aproximação das

pessoas do sentido conotativo do termo, enquanto o termo bem-estar não possui nenhuma

dessas características. Coloca também o problema do sentido do termo bem-estar no senso

comum, que remeteria a passividade. Porém, ele ainda analisa que a polissemia de ambos os

termos é prejudicial para o estudo científico. Os dois termos são, de fato, usados muitas vezes

sem cuidado, por conta do cenário de inconclusão diante do uso desses termos, ou usados de

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acordo com o interesse de cada autor – Seligman e Lyubomirsky preferem usar o termo “hap-

piness” ao invés de “well-being”, por exemplo. Os cientistas encontram o mesmo problema

que os filósofos para a avaliação da felicidade: como avaliar a vida como um todo e aquilo

que dentro dela possui importância? E ainda, como manter uma rigidez no conceito e ainda

sim aproximá-lo do meio social para maior aceitação? O bem-estar subjetivo de Diener é o

mais citado cientificamente justamente por se aproximar das duas esferas em conflito. As

pesquisas continuaram, mas com incertezas: “a subordinação do conceito ao método parece

evidente: aquilo que pode inviabilizar a empiria da felicidade é deixado de lado” (SEWAY-

BRICKER, 2017 , p.86).

Veenhoven, em 2004, coloca a felicidade como obrigação ética do Estado promovê-

la, e defende que já temos a capacidade de desenvolvê-la em massa. Seu conceito se baseia

em que a felicidade se reduz àquilo que é avaliado, à sua manifestação, e acredita que é pos-

sível desenvolver esse conceito apesar da confusão teórica do cenário do estudo da felicidade.

Para ele, é necessário que o conceito seja delimitado, universalizável e mensurável, e se isso

não for possível, a busca incessante pela felicidade na qual a socidade ocidental-moderna se

sustenta não tem sentido.

Por mais que sejam diferentes a maioria as condições necessárias para a felicidade

(necessidades básicas saciadas são universais) para os indivíduos diferentes, a felicidade em

si é uma só, e por isso pode ser estudada empiricamente, e para delimitá-la cria a primeira

matriz (figura 2) com quatro quadrantes, variando de acordo com Fato (eventos que tenham

acontecido) e Oportunidade (eventos que podem acontecer) ; Interno (dentro do indivíduo) e

Externo (ambiente). As categorias 1, 2 e 3 da tabela são normativas, mas a categoria 4 refere-

se à “avaliação subjetiva da vida”, objeto de definição de felicidade para Veenhoven, por

ser um conceito individual o Fato Interno. Porém, questiona-se a total separação entre os qua-

dros. Não estariam de certa forma relacionados? Como separar o interno do externo comple-

tamente, ou a influência do passado para o presente e o futuro? No entanto, o autor não se a-

tém a esses questionamentos.

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Figura 2 – (VEENHOVEN, 1984 IN: SEWAYBRICKER, 2017, Felicidade: utopia, pluralidade

e política – a delimitação da felicidade enquanto objeto para a ciência, p. 111)

Para alcançar uma maior efetividade na percepção da avaliação subjetiva da vida, ele

defende que tenha-se sempre um grande leque de instrumentos e amostras de estudo para de-

terminar uma média desse fenômeno e garantir um bom sistema de governo que garanta a fe-

licidade. Ainda, é preciso determinar o tipo de avaliação subjetiva com intuito político, e para

isso formula uma nova matriz (figura 3), com base nos Aspectos da Vida ou Vida como um

Todo; Satisfação Passageira ou Satisfação Duradoura. As categorias de Aspectos da Vida não

são de responsabilidade do Estado, e sim dos meios em que a pessoa vive. O mesmo acontece

com as categorias de Satisfação Passageira. O foco do cientista Neoutilitarista é a “Satisfação

Duradoura com a Vida como um Todo”, trocando complexidade por operacionalidade. A-

pesar dos questionamentos possíveis assim como os da primeira matriz, se os conceitos não

podem ser permeáveis, o foco é somente esse.

Figura 3 - (VEENHOVEN, 1984 IN: SEWAYBRICKER, 2017, Felicidade: utopia, pluralidade

e política – a delimitação da felicidade enquanto objeto para a ciência, p. 114)

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A definição de felicidade para Veenhoven é: “Overall happiness is the degree to

which an individual judges the overall quality of his/her own life-as-a-whole favorably. In

other words: how much one likes the life one leads.” (VEENHOVEN, 2012, p. 16 IN: SE-

WAYBRICKER, 2017, Felicidade: utopia, pluralidade e política – a delimitação da felicidade

enquanto objeto para a ciência, p. 114). Há duas fontes de avaliação para o estudo da felici-

dade para ele: hedonic level of affect e o contentment. “Hedonic level of affect is the degree

to which the various affects a person experiences are pleasant in character. (…) Contentment

is the degree to which an individual perceives that his aspirations are being met”

(VEENHOVEN, 1984, p. 25-27 IN: SEWAYBRICKER, 2017, Felicidade: utopia, pluralidade

e política – a delimitação da felicidade enquanto objeto para a ciência, p. 115).

O próprio Veenhoven admite a permeabilidade entre categorias de sua matriz ao su-

gerir que não sejam feitas perguntas sobre prazer passageiro na avaliação, mesmo que ignore

esse aspecto ao focar somente no conceito principal. Não se adentrou profundamente no pro-

blema da influência cultural que minimiza a universalidade da teoria, mas o autor obteve

conclusão mais concreta do que as demais na Psicologia Positiva, contribuiu ao criar o banco

de dados World Database os Happiness, e obteve conclusões no estudo da relação entre a fe-

licidade e fatores políticos.

Essa perspectiva Neoutilitarista mostrou-se mais eficiente em definir a felicidade

priorizando a mensuração do tema.

2.3 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DA FELICIDADE NA CIÊNCIA –

INDIVIDUALIDADE X UNIVERSALIDADE & CULTURA

Considerando o conflito entre a abordagem individual e a universal para a determi-

nação de uma definição da felicidade, é necessário analisá-los mais a fundo. Os paradigmas

que Guba, em 1990, chamaria de positivista, em que o observador deve manter-se imparcial,

para a determinação de uma verdade, e pós-positivista, que acredita que não há verdade com-

pleta a ser descoberta, estão sempre em conflito no ramo – a aproximação da universalidade

que se alinha ao positivismo, e a aproximação da individualidade que se alinha ao pós-

positivismo.

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Diversos autores, dentre eles Seligman e Christopher, convergem para a conclusão

de que a individualidade e a ação são centrais para a Psicologia Positiva, já que o indivíduo é

dotado do poder de ação sobre sua vida e sobre sua perspectiva de vida. O individualismo de

uma sociedade é visto por autores, entre eles Diener & Diener e Veenhoven como fator até

mesmo positivo para a felicidade considerando a habilidade do Homem de moldar sua reali-

dade, o que é mais acessível em uma sociedade que prioriza esse tipo de ação. As seis catego-

rias de Ryff para o bem-estar psicológico também traduzem essa perspectiva, sendo que ne-

nhuma categoria apresenta o papel do outro para a construção da própria felicidade. Wright,

em 2013, estudou obra de Seligman e analisou que o indivíduo, segundo a avaliação de Se-

ligman para a felicidade, pode desenvolver-se isoladamente.

Porém, apesar das particularidades de cada indivíduo, é necessário para estudar e

promover a felicidade determiná-la como uma variável isolável, equivalente, comum. Com-

parar diferentes culturas e encontrar semelhanças entre elas poderia ser eficiente para fortale-

cer essa universalidade, mas pesquisas com esse viés só começaram a ser realizadas em 2004,

caminhando para a distância de um cenário que, ou não aborda o aspecto da cultura para a

felicidade, ou aborda as diferenças culturais na determinação da felicidade e do bem-estar,

principalmente considerando as diferenças entre cultural ocidental e oriental.

Foram comparados, por diversos autores, auto-referências como mais importantes

em culturas individualistas do que em coletivistas; elementos positivos e negativos na cultura

euro-americana como opostos, e na oriental como complementares, o que remete ao símbolo

Yin-Yang; o desejo maior pela felicidade na cultura americana e australiana do que na chine-

sa; definições de felicidade nos dicionários de trinta países; o estado emocional ideal de exci-

tação para os americanos e de calma para os chineses e diferentes formas de se explicar a fe-

licidade entre diferentes culturas, concluindo-se pela importância da cultura na diferenciação

da percepção e da definição de felicidade.

Dessa forma, surgiram novas críticas aos métodos já apresentados de avaliação. U-

chida e Ogihara, em 2012, e Uchida e Kitayama, em 2009, criticaram o método do questioná-

rio “Satisfaction with Life Scale” de Marting Seligman, por não se aplicar corretamente aos

japoneses considerando que possuem perspectiva e definição de felicidade diferentes dos a-

mericanos, e por isso ficando com índices menores de satisfação nas pesquisas. O jornalista

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dinamarquês Benjamin Hols questionou um fato que com certeza já provocou inquietação á

maioria das pessoas: o país é considerado o país com maior índice de felicidade do mundo

enquanto possui altíssima taxa de suicídios.

A ideia de indivíduo autônomo foi questionada por exemplo por Shweder e Bourne

de modo já citado anteriormente nesse trabalho, quando alinhados ao pensamento de Ryff,

citando a Índia; citando a Idade Média, período em que o indivíduo era veículo de Deus, mos-

tra Ullman; o palavra inglesa “self” corresponde ao japonês jibun, que significa “part of a

larger whole”, o que mostra quase nenhuma individualidade.

Há também mudanças no conceito de felicidade que acompanham a mudança na cul-

tura ao longo do tempo, como na definição de felicidade para o dicionário Webster entre 180

e 1961, ou na mudança da definição de felicidade para diferentes presidentes dos Estados U-

nidos, ou na mudança da avaliação da felicidade antes e depois dos terremotos no Japão –

pensar no terremoto fazia as pessoas avaliarem-se como mais felizes depois dos terremotos

em comparação com a avaliação anterior ao fenômeno.

Graham, em 2009, analisa a influência do meio social na avaliação pessoal da felici-

dade, analisando que para dados como criminalidade e corrupção, quanto mais altos, menos

alteram a felicidade da população, e vice-versa. Analisa também que os parâmetros de um

imigrante para a avaliação da felicidade se aproximam com os parâmetros do novo país em

pouco tempo.

Para Uchida & Ogihara, “(...)some people display behaviors that are not consistent

with mainstream cultural values” (UCHIDA & OGIHARA, 2012, p. 362 IN: SEWAYBRIC-

KER, 2017, Felicidade: utopia, pluralidade e política – a delimitação da felicidade enquanto

objeto para a ciência, p. 103), o que reforça novamente a individualidade. Essa declaração

torna o processo, já complicado por ser estudo de algo em constante mudança e disparidade,

ainda mais complexo, já que os padrões podem não ser compatíveis com todos os indivíduos

de uma cultura comum.

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2.4 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DA FELICIDADE NA CIÊNCIA –

EMPIRIA NA PSICOLOGIA POSITIVA

Dadas as várias pesquisas já realizadas sobre a felicidade, e portanto o lançamento

do “The Oxford Handbook of Happiness”, era preciso e seria mais facilmente realizada a ex-

plicação da grande quantidade de eventos que interferem nesse estudo.

A “analogia da vitamina” apresenta duas formas diferentes com que os fatores exter-

nos podem influenciar na felicidade. A primeira é de influência limitada, assim como as vi-

taminas no corpo, e foi relacionada à posse de bens materiais, a segurança social e a renda per

capita, que a partir de um momento parariam de influenciar na felicidade de alguém. A se-

gunda é de influência positiva até certo limite, que quando ultrapassado, haveria influência

negativa sobre o indivíduo, como ocorre com o estresse, que até certo ponto motiva as pesso-

as a agir, mas além desse ponto é prejudicial.

Essas teorias não foram tão úteis quanto esperado, e novamente foi identificada a fal-

ta de determinação concreta e de universalidade para os níveis desse conceito, mas pouco fo-

ram questionadas, e sim despertaram a necessidade de complementação. Essa complementa-

ção veio com a teoria do set point ou adaptation levels, compartilhada por diversos autores,

que determinaram que há um nível “normal” de felicidade para cada pessoa, ao qual as pes-

soa retornam após tempo de experimentarem eventos negativos ou positivos.

No entanto, por que as pessoas têm essa tendência de voltar ao mesmo nível? Para

explicar, surgiu a teoria do hedonic treadmill, que propõe que essa volta ao patamar comum é

uma característica evolutiva que representa as capacidades do ser humano não se conformar

com a situação em que se encontra na redução da felicidade acima do patamar, e a de ser ca-

paz de superar situações adversas no aumento da felicidade até o patamar.

Agora, por que algumas têm esse set point mais alto do que outras? Tellegen, em

1988, estudou os níveis de bem-estar de gêmeos e estimou em 40% a determinação genética

na variabilidade das emoções positivas. Meehl sugere, em 1975, a variação da quantidade de

“suco de alegria” de pessoa para pessoa, o que não é uma teoria suficiente, mas foi aprofun-

dada por Kringelbach e Berridge em 2010, que identificaram a diferença na atividade dopa-

minérgica como determinante, maior em pessoas com a área pré-frontal esquerda do córtex

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cerebral mais propensas a ativação. É importante ressaltar que, dentro do artigo de Seway-

bricker, muito atual, sendo que foi desenvolvido no último ano, não foi encontrada uma teoria

sequer que explicasse como funcionaria a felicidade de forma física, química ou biológica, a

não ser a teoria de Kringelbach e Berridge. Essa dificuldade em encontrar teoria desse tipo foi

extremamente presente dentro do desenvolvimento dessa pesquisa.

Mais adiante, Lyubormirsky, em 2008, questiona qual seria a parcela da felicidade

que não é determinada pela genética ou pelos eventos externos. Sugere que esta estaria em

nosso próprio comportamento. Vários autores já haviam identificado a relação da esperança e

da expectativa de futuro sobre o set point, e essas pesquisas incentivaram muito o estudo so-

bre “mindset”, “atitude mental com que encaramos a vida”, que passou a representar a Psico-

logia Positiva para o público.

O flow foi determinado por Csikszentmihályi em 1975 como um estado emocional

que se obtém ao fazer atividades que explorem o melhor de um indivíduo, e para ele, quanto

maior o flow, maior a felicidade, o que remete a ideia aristotélica da felicidade com fim em si

mesma. Já em 2002, Locke determinou a felicidade de um ângulo individualista, como o a-

tingimento de metas com valor e habilidade. A gratidão por Toepfer et. al. em 2011, a doa-

ção por Aaknin et al. em 2012 e a prática religiosa por Headey em 2012 foram colocadas co-

mo também determinantes da felicidade, sendo a prática de gratidão e de religião resultados

de uma avaliação específica da vida que as determina dessa forma.

A teoria do endowment-contrast, resultado de diversas pesquisas, determina que

simples manipulações levam a alterações no processo de avaliação da felicidade, mostrando

mais uma vez sua variabilidade. A teoria não é tão complexa na prática, e mantém ênfase no

campo da avaliação da manifestação da felicidade. Para montar um processo cognitivo atra-

vés dela, Griffin & Gonzáles em 2012 sugerem uma fórmula que determina a satisfação com

a vida, usando estrategicamente eventos passados para aumentar a satisfação com a vida:

S= (E¹ + E²) - R ¹² . D ¹², ou seja, satisfação é igual ao valor do evento presente so-

mado ao valor do evento passado; esse resultado menos a relevância do evento passado para o

evento presente multiplicada pela diferença da experiência hedônica entre ambos os eventos.

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2.5 DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DA FELICIDADE NA CIÊNCIA -

AVALIAÇÃO PESSOAL DA FELICIDADE E VALORES

Os próprios instrumentos de avaliação da felicidade encontram problemas. A pro-

blematização das questões nas entrevistas para a determinação da avaliação pessoal da felici-

dade foi feita por Kingfisher em 2013, que devem ser analisadas para minimizar os efeitos de

diferentes ambientes em que serão feitas as entrevistas e as próprias realidades individuais

que podem influir na elaboração das respostas. Veenhoven, por sua vez, considera que essas

avaliações são mais bem sucedidas em entrevista do que anonimamente. Vários autores tam-

bém analisaram o impacto da renda pessoal na interpretação da resposta e na avaliação da

felicidade. É preciso determinar a legitimidade desses testes, e dessa forma acaba-se nova-

mente na discussão universalidade X individualidade, que apresentaram Walker e Kavedzija

em 2015, entre os valores humanos determinados pelo pluralismo (diversos valores) ou pelo

monismo (um meta-valor). No caso do monismo, a avaliação da felicidade seria possível.

A discussão da perspectiva dos valores abre o leque da discussão para o ramo da So-

ciologia, com autores como Durkheim e Weber, que argumentam para o pluralismo de valo-

res, Dumont, que explica que apesar do pluralismo comum, usa-se o monismo ao separar di-

versas esferas da sociedade, como casa, escola, trabalho, etc., e Lambek, que explica que a

busca pela universalidade é cíclica, portanto estaríamos nesse momento de busca ao pesquisar

sobre a felicidade.

Por mais que haja mais evidências pelo pluralismo de valores, a busca pela universa-

lidade é inevitável - essa discussão gera mais confusão do que clareza -, e é com essa necessi-

dade de definição e método para investigar a felicidade que nasce o Neoutilitarismo, ramo

não exatamente separado da Psicologia Positiva, que propõe a necessidade da universalização

do conceito, simplificando teorias até que isso seja possível.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível analisar, considerando todas as teorias e fatos apresentados, que não há,

ainda, uma melhor definição para a felicidade; uma melhor resposta para a pergunta: “O que

é a Felicidade para Neurociência?”.

O cenário de busca pelo prazer ideal e pela vida e realização plenas fomentada, entre

outros fatores, pela publicidade em meados do século XX, recebeu diversas teorias até os dias

atuais, e essa busca é de fato conflituosa. As teorias do bem-estar, bem-estar subjetivo, bem-

estar psicológico e “satisfação com a vida” têm, todas, pontos positivos e negativos, e no de-

senvolvimento de todas elas há o conflito entre Universalidade e Individualidade. A teoria de

Veenhoven se mostra uma abordagem eficiente para minimizar a dicotomia, mas ainda não é

uma teoria plena.

É de se espantar que, dentre todas as teorias apresentadas para a definição da felici-

dade, somente uma apresente caráter bioquímico. Este é um fator preocupante e que provoca

extrema curiosidade para aqueles que querem entender como a felicidade funciona no cére-

bro, e mais: se não se conhece com certeza o verdadeiro mecanismo desse fenômeno, como

pode-se garantir que qualquer teoria apresentada pela Psicologia Positiva traduza com exati-

dão o que passa dentro do cérebro humano? No entanto, o campo tem seu mérito. As pesqui-

sas que exploram o lado humano do estudo da felicidade também possuem método científico,

em sua maioria, mas o mesmo não se pode dizer de todas as diferentes receitas apresentadas

pelo universo do auto-ajuda.

Em conclusão, a jornada pelo conhecimento da felicidade percorreu um caminho

longo mas recente, extenso mas incompleto, e há muito ainda a se descobrir sobre o tema.

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Referências bibliográficas

Descrição do livro Mindset, de Carol S. Dweck, https://www.saraiva.com.br/mindset-

9404582.html?mi=VITRINECHAORDIC_similaritems_product_9404582 . Acesso em 20

nov. 2018.

(GAWDT, 2017) GAWDT, Mo. A Fórmula da Felicidade. Leya, 2017. Adaptado disponível

em: http://leya.com.br/blog/formula-da-felicidade/ . Acesso em: 20 nov. 2018.

(SEWAYBRICKER, 2017) SEWAYBRICKER, Luciano Espósito. Felicidade: utopia, plura-

lidade e política – a delimitação da felicidade enquanto objeto para a ciência. São Paulo:

Universidade de São Paulo, 2017.