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A OBSERVAÇÃO DE MECANISMOS DE COLAPSO NO ACOMPANHAMENTO TÉCNICO DE TÚNEIS EM SOLO Cláudio Atsushi Murakami, M. Eng. * Carlos Eduardo Moreira Maffei, Prof. Dr. 1. RESUMO A observação da formação de mecanismos de colapso durante a construção de túneis é uma das atividades mais importantes do acompanhamento técnico de obras ou ATO, pois garante a segurança da obra e permite definir os ajustes necessários para a adaptação do projeto à realidade. Todas as atividades do ATO têm sempre como foco evitar a formação dos mecanismos de colapso. Para tanto, o ATO deve ser realizado por equipes de engenheiros com noções básicas sobre o assunto. Pretende-se apresentar neste artigo parte de um trabalho realizado com o objetivo de se reunir as informações de conhecimento fundamental para a realização de um ATO. O artigo é dedicado a apresentar a parte relativa aos modos de ruptura dos túneis, dando enfoques separados para o mecanismos da estrutura do revestimento e para os mecanismos do maciço. São apresentados os principais modos de ruptura com suas prováveis causas e os prováveis sintomas que podem ser identificados através da monitoração durante os trabalhos de ATO. 2. INTRODUÇÃO Os mecanismos de colapso no maciço formam-se pela alteração do estado de tensões no mesmo, causada pela escavação ou pelas condições do lençol freático. Tais mecanismos ocorrem, na maior parte das vezes, na frente de avanço do túnel. Uma vez executado o revestimento, os mecanismos no maciço podem ocorrer somente se a estrutura entrar em colapso. Os mecanismos nos maciços podem ser classificados em locais ou globais dependendo da abrangência dos seus efeitos. Mecanismos globais são aqueles em que os estado de tensões de volumes do maciço que se localizam muito além de uma superfície envoltória nas proximidades da escavação influenciam o equilíbrio do mecanismo. Na Figura 1 ilustra-se idealizadamente a diferença entre mecanismo global e local. Estes mecanismos ocorrem devido a massas de solo localizadas acima da geratriz superior do túnel, em volumes muito maiores do que a porção que invade a escavação, ou seja, os esforços que solicitam o teto ou a frente da escavação são gerados por uma grande massa de solo que normalmente chega à superfície. Como os mecanismos globais envolvem massas de terra extremamente grandes, são difíceis de serem contidos. Tais mecanismos podem-se originar já como globais e, também, podem se originar pelo desenvolvimento de mecanismos locais, os quais causam a perda de apoio de uma área muito grande do maciço. Face à dificuldade de se conter mecanismos globais após a sua formação, a execução de túneis em maciços favoráveis à ocorrência de tais instabilidades normalmente é realizada com a tomada de algum tipo de providência, como: adotar frentes parcializadas com a redução da área exposta; executar tratamentos para melhorar as características de resistência do maciço, tornando-o suficientemente competente; utilizar máquinas; entre outras. * M. Eng. Cláudio Atsushi Murakami – [email protected] – 011-9977-3478 Prof. Dr. Carlos Eduardo Moreira Maffei – [email protected] – 011-5531-7416 Figura 1 – Mecanismos global e local. Figura 2 – Mecanismos de colapso globais – Casos G1 * .

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A OBSERVAÇÃO DE MECANISMOS DE COLAPSO NO ACOMPANHAMENTO TÉCNICO DE TÚNEIS EM SOLO

Cláudio Atsushi Murakami, M. Eng.*

Carlos Eduardo Moreira Maffei, Prof. Dr. †

1. RESUMO A observação da formação de mecanismos de colapso durante a construção de túneis é uma das atividades mais importantes do acompanhamento técnico de obras ou ATO, pois garante a segurança da obra e permite definir os ajustes necessários para a adaptação do projeto à realidade. Todas as atividades do ATO têm sempre como foco evitar a formação dos mecanismos de colapso. Para tanto, o ATO deve ser realizado por equipes de engenheiros com noções básicas sobre o assunto. Pretende-se apresentar neste artigo parte de um trabalho realizado com o objetivo de se reunir as informações de conhecimento fundamental para a realização de um ATO. O artigo é dedicado a apresentar a parte relativa aos modos de ruptura dos túneis, dando enfoques separados para o mecanismos da estrutura do revestimento e para os mecanismos do maciço. São apresentados os principais modos de ruptura com suas prováveis causas e os prováveis sintomas que podem ser identificados através da monitoração durante os trabalhos de ATO. 2. INTRODUÇÃO Os mecanismos de colapso no maciço formam-se pela alteração do estado de tensões no mesmo, causada pela escavação ou pelas condições do lençol freático. Tais mecanismos ocorrem, na maior parte das vezes, na frente de avanço do túnel. Uma vez executado o revestimento, os mecanismos no maciço podem ocorrer somente se a estrutura entrar em colapso. Os mecanismos nos maciços podem ser classificados em locais ou globais dependendo da abrangência dos seus efeitos. Mecanismos globais são aqueles em que os estado de tensões de volumes do maciço que se localizam muito além de uma superfície envoltória nas proximidades da escavação influenciam o equilíbrio do mecanismo. Na Figura 1 ilustra-se idealizadamente a diferença entre mecanismo global e local. Estes mecanismos ocorrem devido a massas de solo

localizadas acima da geratriz superior do túnel, em volumes muito maiores do que a porção que invade a escavação, ou seja, os esforços que solicitam o teto ou a frente da escavação são gerados por uma grande massa de solo que normalmente chega à superfície. Como os mecanismos globais envolvem massas de terra extremamente grandes, são difíceis de serem contidos. Tais mecanismos podem-se originar já como globais e, também, podem se originar pelo desenvolvimento de mecanismos locais, os quais causam a perda de apoio de uma área muito grande do maciço. Face à dificuldade de se conter mecanismos globais após a sua formação, a execução de túneis em maciços favoráveis à ocorrência de tais instabilidades normalmente é realizada com a tomada de algum tipo de providência, como: adotar frentes parcializadas com a redução da área exposta; executar tratamentos para melhorar as características de resistência do maciço, tornando-o suficientemente competente; utilizar máquinas; entre outras.

* M. Eng. Cláudio Atsushi Murakami – [email protected] – 011-9977-3478 † Prof. Dr. Carlos Eduardo Moreira Maffei – [email protected] – 011-5531-7416

Figura 1 – Mecanismos global e local.

Figura 2 – Mecanismos de colapso globais – Casos G1 *.

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Mecanismos locais são aqueles em que a estabilidade depende apenas das tensões do maciço nas proximidades da abertura (Figura 1). São mecanismos que ocorrem devidos apenas à ação do peso do solo da porção que se destaca do maciço. Os mecanismos locais envolvem pequenos volumes de solo e ocorrem somente até a pequenas distâncias da face de escavação, sendo por este motivo possíveis de serem controlados por intervenções da obra, através de tratamentos localizados ou não, ou por redução da superfície escavada exposta. Muitas vezes, podem ser contidos mesmo após a sua formação, através da aplicação de concreto projetado ou de aterros. 3. MECANISMOS DE COLAPSO NO MACIÇO As Figura 2 e 3 apresentam exemplos típicos de mecanismos globais, chamados aqui como Mecanismos do tipo G. Mecanismos tipo G1 Os mecanismos representados pelo Tipo G1 ocorrem quando se executa um túnel com pequena cobertura de solo competente sob um substrato de solo mole de pouca capacidade de arqueamento e baixa resistência ao cisalhamento, geralmente devido a não detecção da perda de cobertura. Os casos G1A e G1B são exemplos de quando existe um maciço mais competente no núcleo à frente subjacente a um estrato de solo mole. No caso G1B, o núcleo à frente fica instável e desliza no plano EF devido à sobrecarga provocada pela transferência de carga do prisma ABCD, o qual tende a deslizar e pelo efeito do alívio provocado pela escavação. A perda da frente aumenta o vão não suportado do maciço e, conseqüentemente, a massa de solo envolvida no mecanismo aumenta, mobilizando o prisma AFGD. O caso G1C é um mecanismo global provocado pela instabilização local do teto ou da frente quando blocos acima ou à frente do avanço podem se romper, provocando a formação do mecanismo global e permitindo que o solo mole invada o túnel. O caso G1D mostra o mecanismo de um túnel em maciço de solo extrusivo, onde o núcleo à frente da escavação sofre a solicitação da sobrecarga do maciço e do alívio provocado pela escavação. Tais solicitações fazem com que o núcleo de solo extrusivo se deforme indefinidamente, mesmo com carregamento constante. Mecanismos tipo G2 Os mecanismos G2 podem ocorrer tanto em maciços competentes como em maciços pouco competentes. A causa destes mecanismos é a presença inesperada de bolsões, lentes ou estratificações de solos corrediços, fluentes ou extrusivos. Nos casos G2A, G2B e G2C, a perda de material faz com que grandes massas de solo fiquem sem apoio, solicitando o maciço ao cisalhamento ao longo das superfícies de deslizamento. A transferência de carga por cisalhamento provoca sobrecargas nas vizinhanças do bloco que tende a descer, inclusive sobre o suporte já executado. Se a resistência do maciço ou do suporte

não for suficiente para manter o equilíbrio do sistema, colapsos de grandes proporções podem ocorrer, dependendo da área afetada pela perda de material. O mecanismo G2C é similar ao G1C, onde o solo frágil desliza e o solo de bolsões ou estratificações invade o túnel. Em maciços estratificados, como aqueles com lentes de areia, o efeito do arqueamento é prejudicado. As camadas argilosas rijas trabalham como lajes à flexão sob a ação da carga das lentes de areia. O caso G2D ocorre quando o maciço tem uma certa resistência inicial, porém, quando exposto por muito tempo após a escavação se degrada, passando a se comportar como solo desplacante rápido ou fluente, devido aos efeitos da água. Mecanismos tipo G3 Estes mecanismos ocorrem quando os túneis têm baixa cobertura em relação ao seu diâmetro, ou seja, com a relação C/D pequena (menor do que 1,5 a 2,0), condição esta em que o arqueamento do maciço é prejudicado pela geometria desfavorável.

Figura 3 – Mecanismos de colapso globais –Casos G2 E G3.

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3.1. Monitoração Quando os túneis são executados em maciços com potencial para formação de mecanismos globais, especial atenção deve ser dada às deformações. Os mecanismos G1 caracterizam-se por apresentar curvas de recalques longitudinais com intensidades maiores na frente de escavação do que atrás (Figura 4), indicando possibilidade de instabilização. Porém, a constatação desse tipo de curva depende do espaçamento entre os instrumentos de medição de recalque, isto é, se os pinos de recalque são colocados muito afastados, a mudança de forma do perfil dos recalques sobre o túnel pode não ser detectada. Na Figura 4, se existissem apenas as seções S1 e S3, a monitoração não indicaria nenhuma anomalia, pois o perfil de recalque obtido seria aquele representado pela linha tracejada. Assim, é de grande importância determinar-se corretamente o espaçamento dos instrumentos em função da

configuração dos mecanismos potenciais. Quando os casos G1B ou G1C ocorrem em maciços com a camada inferior de solos rijos, a detecção do mecanismo passa a ser tarefa difícil, uma vez que os colapsos podem ocorrer com deformações muito pequenas e de forma frágil. O caso G1C pode ser detectado através de tassômetros, porém, se o teto de maciço rijo for muito estreito seria necessário que os tassômetros fossem instalados muito pouco espaçados, o que normalmente é inviável. Neste caso particular, o instrumento que poderia melhorar o desempenho da monitoração seria o perfilômetro, o qual permitiria o acompanhamento das deformações ao longo do teto do túnel quase que continuamente. Entretanto, sua eficiência poderia ficar limitada

ao comportamento eventualmente frágil do maciço. O caso G1D tem como característica principal apresentar recalques com velocidade constante, mesmo quando as escavações estão interrompidas. Nos casos G2 a monitoração é difícil, uma vez que a instabilização inicial é local e normalmente se desenvolve muito rapidamente. A melhor forma de se monitorar a possibilidade da formação dos mecanismos G2 é através da prospecção exaustiva do maciço a ser escavado, com sondagens, procurando antever ao máximo as situações de colapso em potencial. Juntamente com a prospecção, deve-se realizar a monitoração visual do maciço exposto, atentando-se para os desplacamentos, infiltrações de água e perda de material do maciço. Qualquer perda de material do maciço deve ser rapidamente contida com a aplicação de concreto projetado ou aterros.. 4. Mecanismos Locais A Figura 8 apresenta os modos de ruptura de mecanismos locais. 4.1. Mecanismo de solo desplacante Este grupo é representado pelos mecanismos dos casos L1 a L4. É um mecanismo caracterizado como local, pois, placas de solo se destacam pelo teto ou pela frente progressivamente com o tempo, ou seja, o mecanismo ocorre devido ao peso da placa de solo que não foi suportado. Se o suporte for instalado após a ocorrência dos desplacamentos e os vazios não forem preenchidos, a instabilização continua até que todos os vazios estejam preenchidos com os fragmentos. Portanto, a porosidade do solo desplacado deve ser maior do que a do solo em seu estado original. 4.2. Mecanismo de solo corrediço Este mecanismo é o representado pelo caso L5. A instabilização em solo corrediço é um escorregamento de solo que pára quando o talude formado pelo material atinge o seu ângulo de atrito, sendo portanto um mecanismo local. Prova disto é o tamanho do núcleo de areia necessário para equilibrar o mecanismo que independe da altura da cobertura, mostrando que as tensões distantes da face não a influenciam (Figura 9).

Figura 5 – Bacias de recalque transversais.

Figura 4 – Configuração da deformação do maciço na geratriz superior do túnel.

Figura 8 – Mecanismos de colapso locais. (HSE, 1996)

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4.3. Monitoração Os mecanismos locais não são detectáveis, uma vez que, como o próprio nome diz, sua abrangência é local e seus efeitos, na maioria das vezes, não são sentidos pelos instrumentos. Embora os mecanismos locais não sejam tão perigosos quanto os globais, face à sua pequena abrangência, podem ferir ou até tirar a vida de pessoas que estejam trabalhando no local pela queda de blocos, por menor que sejam. Para que as obras sejam executadas com segurança evitando-se os mecanismos locais, os maciços devem ser devidamente tratados, principalmente na abóbada da escavação, com o uso de enfilagens, injeções, colunas de CCP (colunas de solo cimento) e outros tipos de tratamentos.

No caso do mecanismo L5, este afeta os recalques, porém, após a ocorrência da instabilização, por perda de material. Portanto, não é detectável antecipadamente pela instrumentação. Este mecanismo só pode ser previsto se forem detectados solos corrediços através da prospecção do maciço. 5. Mecanismos no suporte dos Túneis Os mecanismos nos suportes dos túneis ocorrem quando a solicitação da estrutura ultrapassa os seus limites de resistência, por carregamentos excessivos ou por execução de suportes deficientes. Carregamentos excessivos podem ser provocados por comportamentos imprevistos do maciço, ou por deformações impostas resultantes da alteração do estado de equilíbrio do conjunto maciço-estrutura provocada pela escavação. Os mecanismos que ocorrem nos suportes, sem a devida intervenção, podem levar a estrutura ao colapso, os quais podem ser acompanhados por colapsos do maciço, com mecanismos similares aos do grupo G2, por perda de suporte, uma vez que, com o colapso do suporte o maciço perde todo o confinamento. Na Figura 10 e 11 apresentam-se casos idealizados de mecanismos de colapso do suporte. A Figura 12 mostra um resumo das principais indicações que os instrumentos apresentam em cada caso. 5.1. Mecanismos no suporte sem invert – Casos D 5.1.1. Mecanismos causados por deficiência da fundação - Casos D1 Os casos D1 representam os mecanismos devidos à deficiência da fundação, resultando em recalques excessivos e até colapso do solo. Estes mecanismos ocorrem em seções sem invert, quando a carga solicitante na sapata da calota é maior do que a carga admissível, ou seja, quando o carregamento aumenta ou quando a capacidade de carga da fundação diminui, resultando em recalques excessivos da estrutura. O aumento do carregamento na casca pode ocorrer quando há a perda do arqueamento longitudinal causada por instabilizações da frente de escavação, por amolecimentos do maciço que compõe o núcleo a frente ou pela própria mudança do tipo de maciço e das suas condições. O caso em que a capacidade de carga diminui está relacionado às situações em que o solo no nível da fundação enfraquece. Nestes casos, as sapatas devem ser adequadamente redimensionadas pelo ATO. Os recalques de fundação da sapata podem resultar em diferentes mecanismos, conforme o comportamento que a estrutura apresente. Tais situações são representadas pelos casos D1A, D1B e D1C.

Figura 10 – Mecanismos de colapso no suporte sem invert -Casos D.

Figura 9 – Equilíbrio do mecanismo em solo corrediço.

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Os casos D1A e D1B ocorrem quando os recalques dos dois lados da casca são aproximadamente iguais. Nestes casos a parte da frente do suporte funciona como uma casca em balanço em relação à parte de trás, já com fundação adequada (sobre solo mais competente ou com invert executado). O caso D1A representa o mecanismo de aduelamento. Neste caso, a casca não resiste à força de tração na parte superior e uma trinca se forma na seção transversal do túnel, onde ocorre o momento máximo em relação ao balanço (Figura 10). A parte à frente da trinca se separa do restante formando uma aduela que pode se deslocar separadamente da parte de trás. O caso D1B representa o mecanismo de transferência de carga por bielas de comp ressão. Quando a componente de tração no topo da calota (ou tirante do consolo) é equilibrada, a carga é transferida para a parte de trás (com fundação competente) através de bielas. Se os esforços de compressão nas bielas forem muito grandes, podem surgir trincas de tração que aparecem diagonalmente, saindo do topo à frente para baixo atrás, as quais são devidas às tensões de tração perpendiculares à direção da compressão (direções das tensões principais) (Figura 10). Neste caso, quando o balanço é muito grande, as cambotas podem trabalhar como estribos suspendendo a carga. O caso D1C ocorre quando os recalques de um lado da casca são

significativamente maiores do que do outro lado e a casca é solicitada à torção. Quando a torção se acentua, os esforços podem provocar trincas helicoidais em torno da casca no sentido da rotação (Figura 10). Estas trincas são devidas às tensões de tração que surgem na direção perpendicular às tensões de compressão (tensões principais). 5.1.1.1. Monitoração Os mecanismos de recalque de fundação são detectados pelo monitoramento dos pinos internos. Nos gráficos de recalques em função da distância (Figura 13) a curva deve apresentar uma forma com tendência à estabilização, isto é, com velocidades (velocidade= recalque/comprimento de avanço) decrescentes (curva 1). A curva 2 apresenta recalques com velocidades crescentes, indicando possível formação de mecanismo. Na curva 3 os recalques ocorrem com a frente de escavação parada, mostrando a falta de equilíbrio da casca. Nos casos das curvas 2 e 3 é necessário saber se o problema é realmente de fundação ou de carregamento de frente 5.1.2. Mecanismos de flexão – Casos D2 As flexões na casca aberta são provocadas pela solicitação do maciço que age lateralmente com as ações do empuxo e verticalmente com as ações da sobrecarga. O mecanismo de convergência identificado pelo caso D2A pode ser provocado por levantamento do piso devido ao alívio da escavação, juntamente com o carregamento lateral devido ao empuxo. Neste tipo de mecanismo, os deslocamentos horizontais solicitam a casca à flexão. O mecanismo de divergência identificado pelo caso D2B ocorre normalmente em conseqüência da geometria mal concebida da seção (seções que tenham a relação raio pela altura da escavação muito grande). O carregamento superior faz com que as laterais do arco se abram. Isto pode ser conseqüência, também, de um maciço muito deformável nas laterais, ou, da perda de material causada por elementos drenantes. O caso D2C ocorre em casos de carregamento assimétrico, geralmente quando o túnel é locado sob maciços com superfícies inclinadas. O carregamento desbalanceado promove a distorção da seção, solicitando a estrutura à flexão. Figura 12 – Indicações dos instrumentos

para os casos de mecanismo no suporte.

Figura 11 – Mecanismos de colapso no suporte com invert – Casos O.

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Os colapsos da estrutura dos casos D2 ocorrem normalmente por flambagem, associados aos efeitos de segunda ordem provocados pelas deformações da calota por flexão. 5.1.2.1. Monitoração Os mecanismos de abertura e fechamento da casca são monitorados através das medidas de convergência das cordas internas. A verificação de deformação da abóbada por flexão no caso D2B pode ser feita através da análise comparativa entre os recalques dos pinos do teto e do piso. Em caso positivo, os recalques dos pinos do teto passam a ser maiores do que os do piso. O caso D2C pode ser detectado pelas convergências das diagonais, as quais devem passar a convergir de um lado e divergir do outro. Entretanto, quando se esperam deformações por distorção da seção, torna-se mais eficiente adotar cordas de medição de convergência adicionais que passam pelos “rins” da seção (Figura 12), pois, as cordas que passam pela geratriz superior são pouco sensíveis à estas deformações. Juntamente com as convergências, podem-se utilizar inclinômetros nas laterais do túnel para monitorar os deslocamentos do maciço. 5.2. Mecanismos no suporte com anel completo (com invert) – Casos O 5.2.1. Mecanismos provocados por flexão – Casos O1 As flexões na casca são provocadas pela deformação do suporte, o qual procura o equilíbrio mobilizando as pressões de confinamento necessárias em cada região, conforme as solicitações do maciço. Quando a forma da seção é mal concebida, as deformações necessárias para que a estrutura entre em equilíbrio tornam-se muito grandes, e ocorrem a custa de esforços de flexão. Quando a capacidade de flexão em alguma seção se esgota, a casca rotula nesse ponto passando a trabalhar como uma articulação, porém, com as rotações limitadas pela capacidade da rótula plástica. A vantagem de um suporte com o anel fechado está na capacidade dele se manter estável mesmo com uma série de articulações, buscando o equilíbrio através de esforços de compressão, desde que se consiga manter o confinamento necessário. A casca perde o equilíbrio quando os efeitos de segunda ordem se tornam significativos, provocando flambagem por flexo -compressão (analogamente ao caso D2B). Estes mecanismos são ilustrados na Figura 11 pelos casos O1A e O1B. O caso O1C é um colapso por flexão do invert. Este caso ocorre por geometria concebida desfavoravelmente, ou por presença de um substrato rígido tangenciando o invert. A geometria do invert deve ser bem elaborada para que os esforços da fundação sejam transferidos ao máximo por esforços de compressão da casca. Quando a curvatura do invert é muito pequena, predomina a transferência de carga por esforços de cortante e flexão, as quais são dificilmente resistidas face à espessura reduzida dos revestimentos usuais. A ocorrência de um substrato rígido tangenciando o invert faz com que o ponto de contato funcione como um apoio, que funciona como uma aplicação de carga concentrada no meio do vão. O caso O1D ocorre analogamente ao caso D2C, por carregamentos assimétricos. 5.2.1.1. Monitoração A monitoração neste caso se faz da mesma forma que no caso D2, através da análise das medidas de convergências e divergências, dos recalques dos pinos e dos inclinômetros, com exceção do caso O1C que deve ser evitado, verificando-se sempre o tipo de material encontrado sob o invert antes da sua concretagem. 5.2.2. Mecanismos provocados por cisalhamento – Casos O2 Estes mecanismos podem ser conseqüências de deficiências no projeto ou na execução da obra. No projeto, a falha pode ocorrer no dimensionamento aos esforços, no detalhamento inadequado da ligação e na geometria concebida desfavoravelmente. Existem dois pontos críticos para a ocorrência da ruptura por cisalhamento: - na lateral da seção, onde ocorrem as juntas de concretagem entre a calota e o invert; - no invert, próximo à calota, onde se concentram os esforços cortantes. No primeiro caso, representado pelo caso O2A, o ponto crítico é a ligação da calota com o invert, região que na fase anterior estava próxima do piso, onde ocorre o acúmulo de sujeira e de material de reflexão. Na Figura 15 ilustram-se alguns tipos de ligação do invert com a calota. Como se pode observar, todos os detalhes dependem de uma boa aderência entre as diversas camadas de concreto projetado. O mau desempenho das ligações pode resultar em colapsos da estrutura, muitas vezes sem aviso.

Figura 14 – Convergência provocada pela ruptura da fundação por cisalhamento global.

Figura 13 – Gráficos de recalque de fundação.

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A ruptura neste ponto pode ocorrer também pelo subdimensionamento da casca aos esforços de compressão. Como a casca nesta função trabalha como um pilar, a ruptura ocorre por cisalhamento (ver caso O2A da Figura 11). O segundo caso, representado pelo caso O2B, ocorre quando o invert é usado como fundação, isto é, ele é usado para distribuir a carga da casca reduzindo as tensões no solo. Porém, a forma inadequada do invert contribui siginificativamente para que a transferência dos esforços ocorra por cisalhamento, e não por forças normais. Tais esforços de cisalhamento costumam ser grandes e, nestes casos, necessitam de armação adequada, as quais são de difícil detalhamento e execução. A ruptura apresentada pelo caso O2B ocorre sempre próxima das paredes laterais, onde age o maior esforço cortante. O problema pode se agravar com a má execução da ligação calota invert nessa região, como já foi citado anteriormente. 5.2.2.1. Monitoração A monitoração dos mecanismos provocados por cisalhamento não é possível por se tratar de colapsos frágeis e sem prévio aviso. Neste caso, deve-se realizar uma boa fiscalização dos trabalhos de campo, garantindo a correta execução das ligações. Deve se garantir ainda, acima de tudo, a elaboração de um projeto robusto, através de um bom dimensionamento dos elementos de suporte. Nas ligações entre a calota e o invert, deve-se dar preferência às soluções que privilegiem a transferência de carga por compressão (Figura 15b) e não por cisalhamento. 6. Conclusões • Durante a execução de obras de estruturas de túneis, é imprescindível a presença de

uma equipe de ATO com engenheiros devidamente capacitados com noções mínimas sobre o método NATM, o comportamento de maciços, o desenvolvimento

de carregamentos sobre o revestimento, os elementos de suporte, as fundações e sobre os mecanismos de colapso. • Os conhecimentos dos mecanismos de colapso e dos seus efeitos não devem ser utilizados apenas para evitar os

acidentes, mas sim para elaborar e aperfeiçoar projetos, executar obras mais econômicas e realizar intervenções que dêem melhor desempenho ao túnel.

• A capacidade de previsão das deformações nas estruturas e no maciço através de modelos matemáticos, antes do início das obras, é de grande importância para que sejam detectados os pontos ou regiões de máximas solicitações e deformações. Dessa forma, podem-se monitorar tais regiões com maior detalhamento, permitindo a antecipação de possíveis intervenções na obra face ao aparecimento dos primeiros sintomas.

• Quando acidentes ocorrem, é bastante comum culpar-se o maciço pelo mesmo. São justificativas freqüentes de acidentes: o aparecimento de maciços pouco competentes, o surgimento de infiltrações de água, a sobrecarga do suporte pelo maciço, etc. Deve-se lembrar nestas situações que as prospecções é que podem ter sido insuficientes, a água não foi devidamente combatida; as cargas no suporte não foram devidamente equilibradas. Contudo, não é intenção culpar-se as pessoas pelos acidentes, mas lembrar que se deve dar a máxima atenção às armadilhas da natureza nas execuções de obras subterrâneas.

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Figura 15 – Tipos de juntas de concretagem entre calota e invert.