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COISAS QUE VIBASTIDORES DE UM CONSULTÓRIO ONCOLÓGICO

Marcos André Costa

© Todos os direitos autorais desta obra são reservados e protegidos à Editora Sanar Ltda. pela Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998. É proibida a dupli-cação ou reprodução deste volume ou qualquer parte deste livro, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, gravação, fotocópia ou outros), essas proibições aplicam-se também à editoração da obra, bem como às suas características gráficas, sem permissão expressa da Editora.

2017

Editora Sanar Ltda.Av. Prof. Magalhães Neto, 1856 - Pituba,Cond. Ed. TK TOWER, sl. 1403.CEP: 41810-012, Salvador - BA .Telefone: 71.3497-7689www.editorasanar.com.bratendimento@editorasanar.com.br

Aos meus mestres, que me capacitaram para o

ofício médico. À minha família, por seu amor e

incentivo incondicionais. E, finalmente, aos meus

pacientes e seus acompanhantes, ricas fontes de

inspiração e aprendizado.

Prefácio

O autor deste livro, o médico Marcos André, é a prova viva

de que a Bahia tem realmente um “jeito diferente”, como diz

Caetano em uma de suas canções. Marcos André é um baiano

que trouxe a família para viver na cidade mais espinhosa da

América Latina, São Paulo, e que elegeu, entre todas as espe-

cialidades oferecidas pela medicina, talvez a mais estressante e

desafiadora: a oncologia.

O oncologista, em uma definição prosaica e redutora, como

todas as definições, é aquele ser de avental branco incumbido

de dizer a um novo paciente, seja homem, mulher, idoso ou

jovem: “Você está com câncer.” A maioria dos que escutam a

frase entra em choque. A reação mais comum é: “O chão me

faltou”. Para o oncologista, no entanto, que tem a obrigação de

comunicar o diagnóstico, aquele momento representa um pon-

to de partida, ou o começo de uma relação em que precisará

convencer um paciente, assustado e aturdido, de que há alter-

nativas para enfrentar uma doença ainda percebida, muito fre-

quentemente, como sentença de morte.

O que vou dizer a seguir não faz de mim um otimista incurá-

vel (com o perdão da ironia). Não há dúvida que o câncer é uma

enfermidade muito grave, talvez a mais grave de todas. No en-

tanto, com os avanços formidáveis da pesquisa científica, con-

jugados a investimentos bilionários da indústria farmacêutica,

deram-se passos efetivos no controle da moléstia. Para muitos,

talvez a maioria, ainda não há uma cura completa à vista, mas

as novas drogas, juntamente com a assistência contínua hoje

oferecida aos pacientes em centros hospitalares especializados

em oncologia, podem lhes garantir uma vida normal ou relati-

vamente normal por bastante tempo. Marcos André enfatiza

esse ponto em seu livro, defendendo uma abordagem racional

da enfermidade, acrescida de um esforço de humanização na

interação médico-paciente.

No admirável ensaio “A doença como metáfora”, a escri-

tora e ativista americana Susan Sontag, que foi diagnostica-

da com um câncer agressivo de mama em 1975 e morreu em

2004, procurou “desmistificar” a doença, expurgando-a de sua

carga figurada altamente negativa. Sontag aponta os estig-

mas relacionados ao câncer, favorecidos pelo próprio nome

da enfermidade, do grego karkínos ou do latim cancer, que

remetem, ambos, a caranguejo. A denominação, vinda da An-

tiguidade, teria sido dada, porque o aspecto externo de um

tumor, com suas veias intumescidas e ramificadas, lembraria

o caranguejo.

Há muitos relatos de pacientes recém-diagnosticados que

não conseguem sequer pronunciar a palavra “câncer” – uma

“palavra maldita”, como diz o próprio autor, rememorando a

história de pacientes que tratou, individualmente ou junto com

colegas no hospital. Pior: alguns não ousam dizer o nome por-

que, calando, esperam evitar uma aceleração da enfermidade

e de seus sintomas. Segundo Sontag, o estigma, além de gerar

atitudes irracionais, faz com que muitas pessoas acometidas de

câncer sintam-se envergonhadas ou humilhadas, como se pu-

nidas por alguma falta ou excesso.

Portanto, os pacientes, assim como os oncologistas, preci-

sam vencer um terreno duplamente pantanoso: de um lado, a

própria doença física e sua terapia, e de outro toda uma cultura

mistificadora que fez do câncer uma enfermidade misteriosa,

insidiosa e aterradora. Não é de admirar, por exemplo, que,

como resultado dessa mistificação, os tratamentos anticâncer

tenham incorporado à linguagem bélica: fala-se em guerra ou

batalha contra as células malignas, por exemplo, ou em “bom-

bardeio” do tumor através da radiação; nos obituários, é lugar

comum afirmar que fulano (a) morreu depois de uma “longa

batalha contra um câncer”. Alguém já leu um obituário que

mencionasse uma “dura batalha” contra uma doença cardíaca

ou outras moléstias?

Já se vê por aí que o treinamento e a disposição que se exi-

gem de um oncologista são extenuantes. O autor dedica várias

páginas do livro ao aprendizado – técnico e de vida – que obte-

ve por intermédio da especialidade que elegeu (mais de onze

anos de aulas práticas e teóricas antes de começar um consul-

tório). Não fosse aquele DNA baiano, é possível que a missão

de Marcos André fosse ainda mais difícil. Estive com ele em

poucas ocasiões na condição de paciente, mas o bastante para

perceber seu empenho em temperar, na medida certa, de um

lado, o convívio solidário com o doente, e de outro, a capacita-

ção e frieza técnica que se requerem a um oncologista.

Acredito que Marcos faça isso intuitivamente. É uma impres-

são: por ser leigo, não posso avaliá-lo em termos profissionais.

Mas a leitura deste livro traz à tona a vivência de um jovem mé-

dico, ainda na faixa dos 30 anos, que, à custa de assistir e intera-

gir com um dos mais notáveis dramas humanos, aquele que se

passa no mundo da doença, conquista sua maturidade degrau

a degrau. Neste sentido, creio que o livro poderia ser entendido

como um rito de passagem, no qual o profissional da medicina

precisa aprender que, no território da doença, a principal lição

é saber conviver ora com a vitória e ora com a derrota.

Várias histórias de pacientes descritas no livro ilustram esse

ponto. Para citar um único exemplo, veja-se o caso da jovem

que nutria um forte desejo de engravidar e estava ameaçada

de perder o útero por causa de um tumor. O caminho mais re-

comendado seria a remoção radical do órgão afetado. No en-

tanto, para preservar a vida da paciente, objetivo “número 1”,

e ao mesmo tempo manter o sonho da gravidez, optou-se por

uma estratégia mais complexa, com cálculos delicados de risco,

e os resultados foram exitosos. Depois de um longo tratamento

e mais um período de espera, a jovem procurou o oncologista

para anunciar que estava buscando com o marido uma clínica

especializada em fertilização in vitro.

O livro de Marcos André é um relato escrito em linguagem

simples e direta, com capítulos curtos e acessíveis a um público

amplo. Creio que seu principal benefício é o de levar o leitor a

um melhor entendimento do câncer. Não há como negar a exis-

tência de um avanço notável nos tratamentos, comprovado,

por exemplo, pela multiplicação das drogas imunoterápicas.

Sontag afirma em seu ensaio que todos nós, ao nascermos,

adquirimos uma dupla cidadania: do reino da saúde e do reino

da doença. Compreender e, principalmente, aceitar que viver

é transitar de um reino a outro, e de volta, é um esforço que

todos deviam fazer. Cabe sobretudo aos médicos levar-nos a

esse entendimento.

Izalco Sardenberg

(Jornalista)

NOTA DO AUTOR

Possivelmente, alguém se identifique com alguma situação

aqui apresentada. Adianto-me em dizer que todos os nomes

próprios dos indivíduos e muitas das localizações usadas são

fictícias. Além disso, esta é uma obra apenas baseada em fa-

tos e histórias reais. Fico feliz se, de alguma forma, o livro te-

nha tocado sua vida e tenha feito o leitor remeter à história

de alguém, porém é conveniente reforçar que, na oncologia,

os fatos, lutas, dramas e sucessos são comuns a um número in-

contável de pessoas. Tendo dito isso, espero que a leitura seja

proveitosa e inspiradora, e disponibilizo abaixo um canal para

contato profissional direto comigo: [email protected]

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 17

CAPÍTULO 1 – Por que oncologia? ........................................................... 23

CAPÍTULO 2 – A sua nova vida ................................................................ 35

CAPÍTULO 3 – Pontes e paredes ............................................................... 49

CAPÍTULO 4 – O hotel ............................................................................... 57

CAPÍTULO 5 – Sala de espera do consultório: o início e o fim ................ 63

CAPÍTULO 6 – Somos tão jovens .............................................................. 77

CAPÍTULO 7 – Depois da aposentadoria, o câncer .................................. 85

CAPÍTULO 8 – A batalha do câncer .......................................................... 93

CAPÍTULO 9 – Força Expedicionária Brasileira: a outra batalha ........... 101

CAPÍTULO 10 – Elvis não morreu ............................................................ 109

CAPÍTULO 11 – A morte se desconvidou ................................................. 121

CAPÍTULO 12 – O médico com câncer ..................................................... 129

CAPÍTULO 13 – Minha avó ....................................................................... 141

CAPÍTULO 14 – O Leviatã ......................................................................... 149

CAPÍTULO 15 – As mães é que movem o mundo .................................... 159

CAPÍTULO 16 – O caso estranho 1 ............................................................ 165

CAPÍTULO 17 – O caso estranho 2 ............................................................ 175

CAPÍTULO 18 – Mídias sociais .................................................................. 183

CAPÍTULO 19 – Cuidados paliativos ........................................................ 189

CAPÍTULO 20 – Fim ................................................................................... 195