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87 Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Linguagens em diálogo n o 42, p. 87-108, 2011 COGNITIVISMO, CORPORALIDADE E CONSTRUÇÕES: NOVAS PERSPECTIVAS NOS ESTUDOS DA LINGUAGEM Paulo Henrique Duque Marcos Antonio Costa RESUMO: As estruturas de conhecimento, que guiam nossas per- cepções, são, em grande medida, reguladas por uma contínua interação entre práticas socioculturais, es- quemas cognitivos, capacidades corporais e linguagem. Neste artigo, pretendemos demonstrar que a linguagem está relacionada a processos criadores a partir dos quais organizamos e damos forma às nossas experiências. PALAVRAS-CHAVE: Cognição; corporalidade; cons- truções gramaticais. Introdução A final, para que usamos a linguagem? A partir de quais mecanismos se efetua sua função “representativa”? Que relações podem existir entre os sistemas conceptuais e nossa estrutura sensório-motora? Propomo- nos, aqui, a pensar essas e outras questões sob o enfoque de um modelo teórico ancorado na concepção de linguagem como manifestação dinâmica da cognição e que, portanto, adota o pressuposto de que as categorias linguísticas se organi- zam e se estruturam a partir de princípios que também regem outros sistemas cognitivos. Hoje, a Linguística Cognitiva, atenta às acomodações mútuas entre linguagem, cognição e corporalidade, assume para si a tarefa de descrever e ex- plicar a configuração gramatical das línguas concomitantemente aos processos de construção conceptual. Tais processos atestam as relações entre o organismo

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87Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Linguagens em diálogo no 42, p. 87-108, 2011

CoGNiTiViSmo, CorPorALiDADE E CoNSTruÇÕES: NoVAS PErSPECTiVAS NoS

ESTuDoS DA LiNGuAGEm

Paulo Henrique DuqueMarcos Antonio Costa

RESUMO:

As estruturas de conhecimento, que guiam nossas per-cepções, são, em grande medida, reguladas por uma contínua interação entre práticas socioculturais, es-quemas cognitivos, capacidades corporais e linguagem. Neste artigo, pretendemos demonstrar que a linguagem está relacionada a processos criadores a partir dos quais organizamos e damos forma às nossas experiências.

PALAVRAS-CHAVE: Cognição; corporalidade; cons-truções gramaticais.

introdução

Afinal, para que usamos a linguagem? A partir de quais mecanismos se efetua sua função “representativa”? Que relações podem existir entre os sistemas conceptuais e nossa estrutura sensório-motora? Propomo-

nos, aqui, a pensar essas e outras questões sob o enfoque de um modelo teórico ancorado na concepção de linguagem como manifestação dinâmica da cognição e que, portanto, adota o pressuposto de que as categorias linguísticas se organi-zam e se estruturam a partir de princípios que também regem outros sistemas cognitivos. Hoje, a Linguística Cognitiva, atenta às acomodações mútuas entre linguagem, cognição e corporalidade, assume para si a tarefa de descrever e ex-plicar a configuração gramatical das línguas concomitantemente aos processos de construção conceptual. Tais processos atestam as relações entre o organismo

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Cognitivismo, corporalidade e construções: novas perspectivas nos estudos da linguagem

e o seu meio e entre os aspectos estruturais e a dinâmica sociocultural.Fundamentados nessa perspectiva, defendemos que a linguagem esteja

relacionada a atividades cognitivas realizadas pelos sujeitos conjuntamente. É a partir dessas atividades que organizamos e damos forma às nossas ex-periências. O pressuposto aqui defendido nos leva a considerar os processos de categorização, que permitem ordenarmos cognitivo e discursivamente o mundo à nossa volta, como função primária da linguagem. Nesse sentido, o foco de investigação se desloca para o trabalho de elaboração, organização e manipulação de esquemas interpretativos e imaginativos relacionados à natu-reza construcionista das operações cognitivas. Em última instância, são esses esquemas que nos permitem conhecer e falar sobre tudo aquilo que nos cerca. Advoga-se, pois, que o aspecto semiológico das categorias linguísticas decorre, sobremaneira, das inter-relações entre nossa constituição biológica e nossas ex-periências no mundo, o que resulta em estruturas de conhecimento organiza-das na forma de domínios cognitivo-culturais. De acordo com Johnson1 , esses domínios – que funcionam como padrões recorrentes, estrategicamente regu-lando as atividades de ordenação das experiências – organizam-se como estru-turas significativas principalmente a partir de nossos movimentos corporais no espaço, nossas manipulações de objetos e nossas interações psicológicas, físicas e sociais. São esses domínios que configuram expectativas acerca dos objetos, dos eventos, das ações, enfim, de nosso entorno em geral, guiando-nos no processo de compreensão e construção do conhecimento. Toda atividade de categorização, por conseguinte, evoca um ou mais desses domínios, e mesmo as situações não-familiares são inicialmente semantizadas recorrendo-se a um padrão relativamente semelhante.

São os domínios cognitivo-culturais que nos permitem fazer uma série de inferências no curso do processamento discursivo, o mesmo acontecen-do quando nos encontramos diante de acontecimentos do dia-a-dia. Se, por exemplo, deparamo-nos com o tema “transporte público” (ou recorremos a um ônibus como uma alternativa de transporte), mobilizamos conhecimentos sobre condutor, trocador, passagem, passageiros, pontos de parada, trânsito, horá-rios etc. e mais, dependendo do cenário em que estivermos inseridos, políticas

1 JOHNSON, M. The body in the mind: The bodily basis of meaning, imagination, and reason. Chicago: University of Chicago Press, 1987.

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públicas, liberação de carbono, violência urbana, desigualdades sociais, novas tec-nologias, alternativas de condução etc., uma vez que os domínios cognitivo-cul-turais apresentam limites difusos e tendem a associar-se em redes. Os sistemas linguísticos não podem ser devidamente considerados de forma autônoma, excluídos do âmbito desses domínios. Recorremos às unidades da língua a fim de darmos conta de conteúdos e categorias, resolvermos certas disponibi-lidades e atingirmos objetivos considerados importantes, construindo, assim, uma ordem física e social para o mundo2. O ato de categorizar atesta os links entre nossas ações e nossos processos cognitivos. Corpo, cognição e interação fornecem a base do nosso sentido do que seja a realidade. Se não há interação entre os organismos e entre os organismos e o ambiente à sua volta, não há o que categorizar. A investigação acerca do modo como pensamos e produzimos conhecimento, a compreensão de como categorizamos é “um ponto central para a compreensão daquilo que nos faz humanos”3.

Como consequência dessa maneira de se conceber os processos de catego-rização, é possível afirmarmos que a linguagem, antes de refletir objetivamente a realidade, impõe ao mundo uma organização, interpretando-o e construindo-o. Por sua vez, a gramática, como sistema de configuração conceptual, atesta o modo pelo qual nós apreendemos sinergicamente e, ao mesmo tempo, arqui-tetamos o nosso entorno biopsicossocial. Segundo Talmy4, conceptualizamos e exprimimos linguisticamente interações físicas por meio de esquemas pré-con-ceptuais (que se fundamentam na nossa experiência cinestésica) e interações psicológicas e sociais, metaforicamente, em termos desses mesmos esquemas. Cumpre investigar, portanto, de que modo e em que medida ocorre tal pro-cesso. Um empreendimento de caracterização da linguagem, nesses termos, exige obviamente duas difíceis missões: a elaboração de um aparato teórico-metodológico que favoreça a descrição e a análise dos fenômenos linguísticos considerando variáveis situacionais, biológicas, psicológicas, históricas e socio-culturais e a integração de abordagens de disciplinas diversas em prol de uma

2 JACOB, E, K., SHAW, D. “Sociocognitive perspectives on representation”. Annual Review of Information Science and Technology, 33: 131-185, 1998.

3 LAKOFF, G. Women, Fire and Dangerous things. Chicago: The University of Chicago Press, 1987. p.5.

4 TALMY, L. “Force dynamics in language and cognition”. Cognitive Science, 12: 49-100, 1988.

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teoria neural da linguagem. Feldman5 justifica a segunda missão demonstrando que outras habilidades humanas, como o controle motor, a audição e a visão, têm sido estudadas como sistemas neurais por muitas décadas, mas a lingua-gem ainda é, muitas vezes, tratada como um sistema de símbolos abstratos não relacionados ao cérebro ou à experiência humana.

Admitimos que, atualmente, detalhes de como as palavras ou frases são processadas no cérebro não são conhecidos e ainda não há metodologias para se descobrir. De acordo com Feldman6 é prematuro formular teorias de vincu-lação explícita ligando a linguagem à computação neural. Em compensação, os teóricos em geral estão satisfeitos com os modelos sugestivos, que apesar de não serem precisos, têm conduzido a experimentos interessantes, a partir dos quais as ciências cognitivas gradativamente vêm revelando muito sobre como nossos cérebros produzem a linguagem e o pensamento.

Focados nas duas missões descritas acima, pretendemos neste artigo: a) apresentar um pequeno histórico da investigação sobre a interface cognição, linguagem e cultura e b) caracterizar a linguagem adotando modelos e pro-postas teóricas que tenham por base uma perspectiva corporificada de cogni-ção. Nesse sentido, organizamos o texto de modo a apresentar o histórico das investigações e premissas que, no século XX, subsidiaram a perspectiva em tela e a tratar mais especificamente da caracterização preliminar do que seria uma abordagem fundamentada na integração entre linguagem, cognição e corporalidade.

1. Linguagem e estruturas simbólicas: a revolução cognitivista

Em meados do século XX, a comparação entre máquina e mente huma-na tornou-se tão comum que, em pouco tempo, psicólogos e neurocientistas passaram a afirmar que o cérebro era um computador,

(...) Isso porque as atividades do computador em si pareciam, em alguns aspectos, semelhantes aos processos cognitivos. Os

5 FELDMAN, J. A. From Molecules to Metaphors: a neural theory of language. Cambridge, Ma: Bradford MIT Press, 2006.

6 Idem.

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computadores recebem informação, manipulam símbolos, ar-mazenam itens na “memória” e buscam-nos novamente, clas-sificam inputs, reconhecem padrões e assim por diante. Na verdade, os pressupostos que servem de base à maior parte dos trabalhos contemporâneos sobre processamento de informação são surpreendentemente parecidos com os da psicologia intros-peccionista do século XIX, embora sem a introspecção propria-mente dita7.

Com o objetivo de compreender os processos mentais com base num modelo computacional, em 1956, realizou-se em Dartmouth, nos Estados Unidos, um congresso de seis semanas que reuniu os maiores especialistas em Ciências da Computação da época. No evento, Noam Chomsky, professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, demonstrou que a linguagem humana possuía propriedades formais que poderiam ser tomadas como verdadeiros programas cognitivos. O encontro passou a ser considerado o momento oficial da revolução cognitiva.

O modelo cognitivista proposto por Noam Chomsky, desenvolvido pela teoria gerativa, embora se posicionando contrariamente ao pensamento behaviorista, que serviu de inspiração ao estruturalismo norte-americano, reafirma a dicotomia entre determinismos internos e externos ao efetuar a distinção entre competência (o conhecimento da língua por parte do falante-ouvinte) e desempenho (o uso da língua em situações concretas). Ao asseve-rar a “pobreza dos estímulos” frente à enorme capacidade de conhecimento que somos capazes de demonstrar, Chomsky opta por uma teoria linguística internalista interessada em descobrir uma realidade mental subjacente ao uso da língua. O desempenho do falante, portanto, é usado exclusivamente como fonte de dados para determinação da competência, sendo esta, toma-da como objeto primário de sua investigação. De acordo com Chomsky8, embora os nossos sistemas cognitivos reflitam, de algum modo, a nossa ex-periência no mundo, uma análise cuidadosa das propriedades desses sis-

7 NESSIER, U.  Cognition and reality: principles and implications of cognitive psychology. WH Freeman, 1976. p.5-7.

8 CHOMSKY, N. O conhecimento da língua. Sua natureza, origem e uso. Lisboa: Caminho, 1994. p.15.

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temas, por um lado, e da experiência que leva à sua formação, por outro, mostra que “existe entre ambos uma lacuna considerável – na realidade, um abismo”. Na perspectiva gerativista, caberia ao analista determinar “o equipamento inato que serve para preencher a lacuna entre experiência e conhecimento atingido”.

A tese de que a linguagem humana é uma faculdade inata, uma espécie de “órgão mental”, foi encontrando evidências cada vez mais significativas. Especialistas do mundo inteiro, ao estudarem a linguagem de crianças até os três anos de idade, em diferentes línguas, sob situações diversas de aprendi-zado, relatam as mesmas regularidades anunciadas por Chomsky. Além disso, pesquisas de áreas correlatas sobre lesões no cérebro reforçaram essas consta-tações. A chamada revolução das Ciências Cognitivas se deve, dentre outros motivos, ao deslocamento da Linguística para a área das Ciências Naturais. De acordo com Chomsky, o aspecto relevante da linguagem é o procedimento recursivo (gerativo), que se sustenta numa gramática universal inata. A Lin-guística seria, então, uma ciência da mente/cérebro, mais próxima das Neu-rociências, da Biologia e da Física, do que da gramática estrutural tradicional ou da Sociologia.

Em diferentes momentos de sua produção bibliográfica, Chomsky tem ratificado o seu compromisso de oferecer uma explicação para o fun-cionamento de diferentes módulos cognitivos a partir daquele que ele com-preende como sendo o responsável pela faculdade da linguagem. O autor esclarece:

Por que estudar a linguagem? Há muitas respostas possíveis e, ao focalizar algumas delas, não pretendo, é claro, depreciar outras ou questionar sua legitimidade. Algumas pessoas, por exemplo, podem simplesmente achar os elementos da lingua-gem fascinantes em si mesmos e querer descobrir sua ordem e combinação; sua origem na história ou no indivíduo, ou os modos de utilização no pensamento, na ciência ou na arte, ou no intercurso social normal. Uma das razões para estudar a lin-guagem – e para mim, pessoalmente, a mais premente delas – é a possibilidade instigante de ver a linguagem como um “espelho da alma”, como diz a expressão tradicional. Com isto não quero

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apenas dizer que os conceitos expressados e as distinções desen-volvidas no uso normal da linguagem nos revelam os modelos do pensamento e o universo do “senso comum” construídos pela mente humana. Mais instigante ainda, pelo menos para mim, é a possibilidade de descobrir, através do estudo da lin-guagem, princípios abstratos que governam sua estrutura e uso, princípios que são universais por necessidade biológica e não por simples acidente histórico, e que decorrem de característi-cas mentais da espécie9.

Para Chomsky10 (1988), a investigação acerca do fenômeno da lingua-gem deve estabelecer, como principais metas, as respostas para as seguintes questões: a) Qual é o conteúdo do sistema de conhecimento do falante de uma determinada língua? O que é que existe na mente desse falante que lhe permite falar/compreender expressões e ter intuições de natureza fonológica, sintática e semântica sobre a sua língua?; b) Como é que esse sistema de co-nhecimentos se desenvolve na mente do falante? Que tipo de conhecimento é necessário pressupor que a criança traz a priori para o processo de aquisição de uma língua particular que seja capaz de explicar o desenvolvimento dessa língua na sua mente?; c) Como é que o sistema de conhecimentos adquiridos é utilizado pelo falante em situações discursivas concretas? e d) Quais são os sistemas físicos no cérebro do falante que servem de base ao sistema de conhe-cimentos linguísticos?

A investigação em torno dessas questões se dá a partir da concepção de que a gramática interiorizada consiste de um dicionário mental das formas da língua e de um sistema de princípios e regras atuando computacionalmente sobre essas formas, ou seja, construindo representações mentais constituídas por combinações categorizadas das formas linguísticas. A gramática determi-naria o modo como essas representações se articulam com outros sistemas conceptuais da mente humana ou com o sistema neuromuscular que determi-na a pronúncia das expressões.

9 CHOMSKY, N. Reflexões sobre a linguagem. São Paulo: Cultrix, 1980. p. 9.10 CHOMSKY, N. Language and problems of knowledge: the Managua lectures. Cambridge: The

MIT Press, 1988.

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Cognitivismo, corporalidade e construções: novas perspectivas nos estudos da linguagem

2. Linguagem, cognição e cultura: a segunda revolução cognitivista

De acordo com Croft & Cruse11, em termos gerais, a segunda etapa da “vi-rada cognitiva” desenvolve-se a partir de três importantes pressupostos básicos:

a) Não há separação entre as faculdades cognitivas: ao contrário do que pos-tula o paradigma chomskyano, a linguagem não constitui um módulo inato, separado de outras capacidades cognitivas do ser humano. Dessa forma, essa segunda etapa dos estudos cognitivistas se propõe a descrever, simultaneamente, processos cognitivos, sociointeracionais e culturais. As representações do conhecimento linguístico, nesse enfoque, são essencial-mente do mesmo tipo de outros mecanismos conceptuais, amplamente investigados pela Psicologia, tais como categorização, conceptualização, organização gestáltica, mapeamento conceptual, analogia, esquematiza-ção, inferenciação, dentre outros, de fundamental importância para a emergência, estruturação e recuperação do conhecimento linguístico;

b) A estrutura da gramática de uma língua reflete diferentes processos de con-ceptualização: de acordo com Langacker12, gramática é conceptualização. Para o autor, a gramática de uma língua é o reflexo de diferentes proces-sos de conceptualização, uma vez que até mesmo os padrões de combi-nação das diversas estruturas de uma dada língua são decorrentes de pro-cessos que se dão no nível do sistema conceptual humano. Tal afirmação sugere que a linguagem é simbólica em todos os seus aspectos, inclusive os morfossintáticos. Essa perspectiva simbólica da gramática possibilitou o desenvolvimento da Gramática Cognitiva (cf.: LANGACKER, 1987) e das chamadas Gramáticas de Construções13.

11 CROFT, W. & D. Alan Cruse. Cognitive Linguistics. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

12 LANGACKER, R. Foundations to Cognitive Grammar. v.1. California: Stanford University Press, 1987.

13 Desenvolvidas principalmente por: CROFT, W. Radical Construction Grammar: Syntactic Theory in Typological Perspective. Ox-

ford: Oxford University Press, 2001. FILLMORE. C., KAY, P. & O’CONNOR, M. C. Regularity and Idiomaticity in Gram-

matical Constructions: the case of ‘let alone’. Language 63(3), 1988. p. 501-38.

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c) O conhecimento linguístico emerge e se estrutura a partir do uso da lingua-gem: de acordo com esse pressuposto, o conhecimento linguístico emerge e se estrutura a partir do uso efetivo da língua em eventos comunicativos reais (Usage Based Model). Isto é, categorias e estruturas gramaticais são construídas a partir de processos cognitivos gerais que aplicamos às diver-sas situações de uso real da linguagem.

Para muitos autores, essa nova perspectiva ganha força a partir dos estu-dos sobre categorização cognitivo-cultural14, passando pelos trabalhos de aná-lise linguística de Fillmore15 e de Lakoff e Johnson16, e culminando nos traba-lhos de Lakoff (1987), Langacker (1987), Fauconnier 17 e Lakoff e Johnson18.

GOLDBERG. A. Constructions: A Construction Grammar Approach to Argument Structure. Chicago: Chicago University Press, 1995.

_____. “Constructions at Work: The Nature of Generalization”. Language. Oxford Univer-sity Press, 2006.

LAKOFF, G. Women, Fire and Dangerous things. Chicago: The University of Chicago Press, 1987.14 BERLIN, B. e KAY, P. Basic color terms: their universality and evolution. Berkeley: University

of California Press, 1969. ROSCH, E. Cognitive representations of semantic categories. Cognitive Psychology, 4, 1975. _____. Studies in cross-cultural psychology. London: Academic, 1977. _____. Principles of categorization. In: ROSCH, E e LLOYD, B. B. (ed). Cogni-

tion and categorization. Hillsdale (N.J.): Lawrence Erbium Associates, 1978. 15 FILLMORE, C. J. An alternative to checklist theories of meaning. BLS, 1: 123-

131, 1975. _____. Frame semantics and the nature of language. In: HARNARD, S. R et alii. (eds).

Origins and evolution of language and speech. Nova York: New York Academy of Sciences, 1976.

_____. Topics in lexical semantics. In: COLE, R. (ed.). Current issues in linguistic theory. Bloomington: Indiana University Press, 1977.

_____. Frame semantics. In: Linguistic Society of Korea (ed.). Linguistics in the Morning Calm. Seoul: Hanshin, 1982a.

_____. Towards a descriptive framework for spatial deixis. In: JARVELLA, R. J. e KLEIN, W. (eds) Speech, place, and action: studies in deixis and related topics. New York: John Wiley and Sons, 1982b.

_____. Frames and the semantics of understanding. Quaderni di Semantica, 6, 1985.16 LAKOFF, G. & JOHNSON, M. Metaphors we live by. Chicago: The University of Chicago, 1980.17 FAUCONNIER, G. Mental spaces. Aspects of meaning construction in natural language.

Cambridge: Cambridge University Press, 1994.18 LAKOFF, G. & JOHNSON, M. Philosophy in the flesh: the embodied mind and its challenge

to Western thought. New York: Basic Books, 1999.

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Cognitivismo, corporalidade e construções: novas perspectivas nos estudos da linguagem

De acordo com a teoria sobre o pensamento metafórico, proposta por George Lakoff e Mark Johnson no livro Metaphors we live by (1980), a me-táforas é – ao contrário do que prega a tradição, que a vê como simples ornamento estilístico – um recurso de pensamento (e, portanto, um aparato cognitivo) que nos permite estruturar conceitos a partir de outros conceitos mais básicos e concretos, sendo nossa experiência direta do mundo – pro-porcionada por nosso corpo19 – a responsável pelo desenvolvimento desse processo. No livro, metáforas como “DISCUSSÃO é GUERRA” e “TEM-PO é DINHEIRO” são empiricamente demonstradas através de vários exemplos encontrados na língua portuguesa. Em Philosophy in the flesh: the embodied mind and its challenge to Western thought, livro escrito por Lakoff e Johnson em 1999, é apresentada uma nova versão da teoria conceptual da metáfora: a Teoria Neural da Metáfora. Essa nova elaboração – motivada pe-las descobertas em neurobiologia e buscando evidências para sua sustentação no campo da neurociência experimental – assume, com ênfase, a hipótese da cognição corporificada (embodied cognition) e se posiciona criticamente frente à tradição filosófica ocidental, de acordo com a qual a capacidade para raciocinar é separada e independente da percepção sensorial e do movi-mento corporal20. A orientação cognitivista elaborada por Lakoff e Johnson defende que a razão insurge das capacidades corporais. Essa constatação se apoia em dois postulados21:

a) a razão humana é uma forma de razão animal, uma razão inextricavel-mente vinculada aos nossos corpos e às peculiaridades dos nossos cérebros;

b) nossos corpos, cérebros e interações com o ambiente fornecem as bases essencialmente inconscientes da nossa metafísica comum, isto é, do nosso sentido cotidiano do que é a realidade.

19 A “corporalidade” tem sido um dos caminhos explicativos seguidos por pesquisadores con-temporâneos. De acordo com esse enfoque, as habilidades cognitivas e comunicacionais dos sujeitos são interpretadas como fenômenos resultantes de sua existência como sistemas físicos em contínua interação com seu ambiente humano e não-humano.

20 No modelo tradicional, embora a razão possa receber informações da percepção e o movi-mento possa ser uma consequência dela, nenhum aspecto da percepção ou do movimento é tratado como parte da razão (LAKOFF e JOHNSON, 1999, pp. 16-17)

21 Idem 16, p. 17.

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Para os autores,

O que chamamos de conceitos são estruturas neurais que nos permitem caracterizar nossas categorias mentais e raciocinar so-bre elas. Categorias humanas são tipicamente conceituadas em mais de uma maneira, em termos daquilo que são chamados de protótipos. Cada protótipo é uma estrutura neural que nos permite fazer algum tipo de tarefa inferencial ou imaginativa em relação a uma categoria. Casos típicos de protótipos são usados ao se fazer inferências sobre os membros da categoria, na ausência de qualquer informação especial contextual22.

De acordo com esse enfoque, “todas as estruturas conceituais são es-truturas neurais” e “muito de inferência conceptual é, portanto, inferência sensório-motora”23. Por exemplo, empurrar, puxar, carregar e equilibrar são conceitos que compreendemos “através do uso de partes dos nossos corpos e nossa habilidade de manipular e mover objetos, especialmente com nossos braços, mãos e pernas”24. Alguns modelos computacionais, simulando estru-turas neurais, oferecem evidências da conjunção entre conceptualização e per-cepção25. Esses modelos vêm atestando que não há distinção absoluta entre as dimensões perceptual e conceptual. Em suma, demonstram que, assim como o sistema conceptual faz uso de partes importantes do sistema sensório-motor para construir o sentido, o sistema sensório-motor é responsável pela formata-ção do sistema conceptual.

Baseados em Women, fire and dangerous things, Fauconnier e Turner desenvolveram a Teoria da Mesclagem. Uma formulação inicial dessa teoria se encontra no artigo “Conceptual Integration and Formal Expression”26.

22 Idem 16, p. 17.23 Idem 16, ibidem.24 Idem 16, p. 36.25 Regier’s Model for Learning Spatial-Relations Terms; Bailey’s Model for Learning Verbs of Hand

Motion; Narayanan’s Model of Motor Schemas, Linguistic Aspect and Metaphor. Citados por Lakoff e Johnson (1999, p. 39-41).

26 FAUCONNIER, G. e TURNER, M. “Conceptual Projections and Formal Expression”, Journal of Metaphor and Symbolic Activity 10/3, Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, p. 183-203, 1995

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Cognitivismo, corporalidade e construções: novas perspectivas nos estudos da linguagem

A mesclagem conceptual é uma teoria geral da cognição que descreve a capaci-dade humana de imaginar identidades entre conceitos e integrá-los para criar e formar novos modelos de pensamento e ação. Fauconnier & Turner27 afirmam que, embora a mesclagem contemple outros processos cognitivos (tais como a metáfora, metonímia, recursividade, modelagem cognitiva, categorização e frame), deve-se enfatizar que se trata de um processo mais amplo e dinâmi-co. A combinação de domínios pode acontecer de diferentes maneiras. Desse modo, de acordo com a teoria, a mesclagem é um processo cognitivo que opera sobre dois espaços mentais28 para obter um terceiro espaço.

Apesar da relevância desses estudos, a integração entre processos cogniti-vos e rotinas significativas da vida em sociedade permanece frágil. Nesse sen-tido, novas tendências buscam reconhecer o papel dos aspectos socioculturais na organização, estruturação e no funcionamento dos sistemas conceptuais. Desse modo, abre-se um caminho que nos possibilita o diálogo entre as ques-tões construídas pela epistemologia da corporalidade.

3. A teoria neural da linguagem e a gramática de construções corporificada

De acordo com Feldman29, os estudos mais recentes em neurociências e ciências comportamentais sugerem que a linguagem seja a pedra angular das ciências cognitivas como um todo. Uma das propostas de integração está em curso há duas décadas, em Berkeley. Trata-se do projeto NTL (Neural Theory of Language), que investiga a aprendizagem e uso da linguagem a partir de um

27 FAUCONNIER, G. e  TURNER,  M.  Conceptual  projection  and  middle  spaces.  Report 9401. San Diego: University of California, April 1994.

_____. Conceptual Integration, A Lecture Series in Cognitive Science, Trento: Instituto Tren-tino di Cultura/ Instituto perla Ricerca Scientifica e Tecnologica, 1997.

28 A contribuição do Modelo dos Espaços Mentais (FAUCONNIER, 1994) erige-se a partir da postulação de um modelo cognitivo de análise para os fenômenos de linguagem natural. De acordo com esse modelo, os Espaços Mentais (EM) – produzidos como funções da expressão linguística que os suscita e do contexto que os configura - são operadores do processamento cognitivo. Como domínios dinâmicos, os EM organizam-se enquanto pensamos e falamos e, por isso, são diferentes e novos a cada semiose.

29 FELDMAN, J. A. From Molecules to Metaphors: a neural theory of language. Cam-bridge, Ma: Bradford MIT Press, 2006.

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sistema neural corporificado. Para isso, são usadas técnicas analíticas, experi-mentais e de modelagem. O principal objetivo dos pesquisadores do NTL é construir modelos computacionais que demonstrem suas afirmações teóricas. Os estudos realizados pelo grupo do NTL fornecem um novo olhar sobre a linguagem: como continuidade do todo mente, corpo e sociedade. O grande desafio do grupo tem sido desenvolver uma metodologia que, além de con-siderar tal inseparabilidade, seja suficientemente rigorosa para suportar uma análise formal e computacional. Nesse sentido, a abordagem do NTL postula diferentes níveis de descrição, explicitamente espelhando os níveis de descri-ção de ciências naturais, tais como biologia, química e física.

A gramática que corresponde ao referencial cognitivista proposto pelo NTL é a Gramática de Construções Corporificada (doravante GCC), desenvolvi-da por Benjamin Bergen e Nancy Chang, em 2005. Na perspectiva defendida por esses autores, a ênfase é dada ao processamento linguístico, em especial à compreensão da linguagem. Diferentemente de outras abordagens, o modelo GCC postula que “construções” formam a base do conhecimento linguístico e volta seu foco para o modo como “construções” são processadas on-line. De acordo com Bergen30, as construções gramaticais fornecem sentido de três ma-neiras diferentes: a) fornecendo significado da mesma forma que os itens lexi-cais: os casos mais comuns são as expressões idiomáticas (“chutar o balde”) e os esquemas genéricos (de movimento causado, resultativos etc.); b) especificando propriedades de significado de ordem mais abstrata, como noções de aspecto e pessoa e c) juntando as contribuições semânticas das palavras aos esquemas genéricos que determinam quem fez? o que fez? a quem fez? como fez? etc.

Em suma, a noção de construções, numa perspectiva corporificada, deve dar conta das representações biologicamente plausíveis da experiência e com-preensão do mundo por parte do ouvinte/ leitor. Tal conhecimento é codifica-do por meio de esquemas que descrevem os papéis envolvidos e suas relações no cumprimento da experiência esquemática a ser interpretada. Essas funções e relações podem fornecer uma rica fonte de inferências para a compreensão da linguagem.

30 BERGEN, B.K. “Embodied concept learning”. In PACO CALVO and TONI GOMILA (eds.) Handbook of Cognitive Science. Elsevier, 2008.

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De acordo com Lakoff & Johnson31, em uma mente corporificada, o mesmo sistema neural, engajado na percepção ou no movimento corporal, desempenha um papel central na concepção, ou seja, as mesmas estruturas neurais responsáveis pela percepção, pelo movimento e pela manipulação de objetos são também responsáveis pela conceptualização e pelo raciocínio. Nesse contexto, uma abordagem corporificada deve conceber o significado envolvendo a ativação do conhecimento perceptual, motor, social e afetivo na caracterização do conteúdo dos enunciados. De acordo com Bergen32, expos-to à língua num determinado contexto, o indivíduo a apreende (e aprende) recorrendo ao emparelhamento de “pedaços” da língua com experiências per-ceptuais, motoras, sociais e afetivas reais. Em casos posteriores de uso da lín-gua, quando os estímulos motores perceptivos, sociais, afetivos originais não estão presentes no contexto, as experiências são recriadas e revividas através da ativação de estruturas neurais. Nesse sentido, o significado é “corporificado” uma vez que depende de o indivíduo ter vivenciado experiências em seu corpo no mundo real, onde são recriadas experiências em resposta aos inputs linguís-ticos. Por outro lado, essas experiências são revividas para produzir outputs linguísticos.

No que diz respeito à GCC especificamente, esta difere dos outros mo-delos de Gramáticas de Construções, por três motivos básicos: 1 – o seu for-malismo foi construído ao lado de um mapeamento detalhado do formalis-mo de estruturas neurais computacionais; 2 - foi concebida para formar um núcleo de compreensão da linguagem computacional e sistemas de produção e, como tal, deve ser explícita o suficiente para servir a fins de processamento da linguagem, em vez de conhecimentos linguísticos simples e 3 - incorpora mecanismos linguísticos como esquemas imagéticos, frames, projeções meta-fóricas e metonímicas, espaços mentais e mesclagem conceptual em suas estru-turas gramaticais, permitindo diferentes mecanismos de interface.

A crença em que a compreensão da linguagem se baseia na recriação interna de experiências corporificadas anteriores é corroborada por recentes pesquisas sobre o cérebro, as quais mostram que as áreas do córtex motor e pré-motor associadas a partes específicas do corpo (mão, pé e boca, por exem-

31 Idem 16, p. 37-38.32 Idem 26, p. 3.

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plo) tornam-se ativas na resposta ao se fazer referência linguística às partes do corpo. Com a intenção de apresentar evidências de uma mente corporifica-da, baseado em uma experiência que testou o grau em que as representações motoras humanas foram ativadas para a compreensão da linguagem, Bergen (2008) constatou que, quando os indivíduos são convocados para realizar uma ação física (como mover sua mão para longe ou em direção ao seu corpo, em resposta a uma frase), há certa demora para executarem ações incompa-tíveis com as descritas na sentença33. Essa interferência da compreensão da linguagem sobre a ação e execução de uma ação real com o corpo sugere que, enquanto processamos a linguagem, ativamos imagens motoras, utilizando as estruturas neurais dedicadas ao controle motor.

Esse e outros resultados semelhantes de várias pesquisas sugerem um papel concreto para as experiências motoras e perceptivas corporificadas na compreensão da linguagem. Nesse processo, os indivíduos automaticamente ativam a imaginação ou simulam cenários descritos pela linguagem. As simu-lações mentais realizadas podem incluir detalhes motores, pelo menos no nível de um efetor34 especial, que seria usado para executar as ações descritas, e as informações de percepção sobre a trajetória do movimento (longe ou perto, para cima ou para baixo), como a forma e a orientação dos objetos descritos.

Experimentos envolvendo modelagem computacional de redes neurais, que têm em Jerome Feldman um de seus expoentes, também oferecem evi-dências indiretas da conexão entre conceptualização e percepção. Ao simu-larem estruturas neurais, esses modelos demonstram que o nosso cérebro, em princípio, pode realizar tarefas sensório-motoras e conceptuais, simul-taneamente.

Dessa forma, de acordo com Bergen, Narayan e Feldman35, o processo de compreensão de qualquer aspecto da língua tem uma relação direta com a realização de simulações mentais (de percepção e movimento). O estudo de

33 Por exemplo, se a sentença for Andy deu-lhe a pizza, os indivíduos levam mais tempo para apertar um botão, o que os obriga a mover as mãos para longe do corpo e o inverso é verda-deiro para frases indicando movimentos em direção oposta ao corpo, como você deu a pizza de Andy.

34 Efetores são órgãos que sediam as reações do indivíduo aos estímulos recebidos.35 FELDMAN & S. NARAYANAN. Embodied Meaning in a Neural Theory of Language. Brain

and Language 89, 385-392, Elsevier Press, 2004.

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como esses aspectos da linguagem participam da construção de um imaginário mental é conhecido como simulação semântica36.

A avaliação da maneira como partes da linguagem evocam a simula-ção depende de, antes, identificarmos que partes são essas. Segundo Bergen & Chang37, palavras de certos tipos, tais como nomes e verbos, contribuem diretamente para o conteúdo da simulação. Menos obviamente, no entanto, outros elementos linguísticos, como as palavras funcionais, têm repercussões diretas na simulação. Preposições, por exemplo, podem indicar trajetórias de movimentos a serem incluídas na simulação, como em (01):

(01) A carreta estava em alta velocidade e bateu atrás de um caminhão-baú, projetando os veículos contra a mureta de pro-teção. O caminhão de Renato ficou preso na mureta por estar mais leve. Já o de Élio, rolou ribanceira abaixo (globo.com, em 16/02/2009).

Ou relações espaciais como em (02):

(2) Moradores de dois bairros de Angra, próximos ao trecho in-terditado da BR-101, abandonam suas casas38.

Padrões frasais também podem contribuir para a simulação. Um exem-plo são as construções ditransitivas, que contêm sujeito, verbo e dois objetos, como em (03):

(3) Aos 44 minutos, Cafu passou a bola para Kaká, que chutou de fora da área, acertando um chute no ângulo, sem chances para o goleiro.

36 A simulação semântica tem sido aplicada a questões de representação do modelo baseado em frames. Em colaboração com os membros do projeto FrameNet, apresenta-se como a GCC pode ser usada para unir as lacunas entre os corpora semanticamente estruturados do FrameNet e os mais ricos mecanismos inferenciais fornecidos pela simulação.

37 BERGEN, N. CHANG & S. NARAYAN. Simulated action in an embodied construc-tion grammar. Proceedings of the 26th Annual Meeting of the Cognitive Science Society.Chicago: IL, 2004.

38 Extraído do Correio Braziliense, em 02/10/2009.

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O padrão oracional, apresentado em (03), pode carregar um conteúdo simulativo que, em particular, codifica a transferência do primeiro objeto (a bola) prevista pelo sujeito (Cafu) para o segundo objeto (Kaká). Há evidências de que a significação de padrões frasais, como o ditransitivo, vem da possibi-lidade de usá-los para descrever transferência de cenários, usando verbos que não designam transferência, como em (04):

(4) No lance em que tocou a bola para Kaká, Ramires sofreu falta dura de Kljestan e ficou caído no campo.

Cada parte da linguagem que emparelha alguma forma com um signi-ficado (morfemas, palavras, padrões frasais e expressões idiomáticas) – cons-trução – pode evocar simulações. A evidência de que o processamento de enunciados resulta na ativação de imagens perceptuais e motoras não implica que isso aconteça diretamente sem mediação.

Bergen39 apresenta dois tipos de evidência da existência de um estágio intermediário de representação entre a forma e a simulação que elas evocam. Em primeiro lugar, juntar palavras dentro de uma configuração aceitável du-rante a produção linguística, ou determinar qual seria o conjunto de palavras em um enunciado e suas relações durante a compreensão linguística, não requer o acesso ao significado enciclopédico detalhado da construção envol-vida. De preferência, as palavras são combinadas em parte sobre a base de generalizações sobre seus significados. Assim, a fim de participar como verbo numa construção ditransitiva, este deve ser interpretado como codificador de apenas um entre vários tipos de transferência bem sucedida (metafóricas ou não) de um objeto a um recipiente, mas, para uma sentença ditransitiva ser interpretada como tal, não são colocadas restrições semânticas específicas sobre o constituinte verbal no nível do detalhe motor ou perceptual - nós não temos como saber qual efetor está sendo usado, de que jeito está sendo usado ou qual a direção na qual o movimento será codificado. Nessas condi-ções, não seria o caso de um verbo de transferência causada pelos pés (como

39 BERGEN, B. K. Simulated Action in an Embodied Construction Grammar. In Proceedings of the Twenty-Fifth Annual Conference of the Cognitive Science Society. (With Nancy Chang and Shweta Narayan), 2004.

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“chutar”) poder ocorrer em construções ditransitivas, enquanto um verbo de transferência causada pelas mãos (como “tocar”), não. Essa ambivalência que as construções, para ser combinadas, demonstram em relação ao detalhe simulativo é bastante motivada. Poderia ser muito oneroso para o usuário da linguagem se, ao processar qualquer enunciado, lhe fosse requerido acessar o conteúdo motor e perceptual detalhado de cada uma das possíveis inter-pretações do enunciado. De preferência, unidades linguísticas parecem co-dificar só generalizações sobre aspectos da ação. No caso de uma construção ditransitiva, isso significa saber se as unidades linguísticas envolvidas podem ou não ser interpretadas como efetuando uma transferência de posse de um ou vários tipos. Tais generalizações, também conhecidas como esquematiza-ções ou parametrizações, constituem representação de significado puramente linguístico. No entanto, facilitam a simulação por serem fortemente ligadas aos detalhes simulativos sobre os quais são esquematizadas. A segunda evi-dência de que representações de significados linguísticos são diferentes do conteúdo perceptual e motor a que se conectam deriva da possibilidade de compreender sentenças que envolvam novos conteúdos de simulação. Se a compreensão da linguagem fosse fortemente restrita às possibilidades mo-toras e perceptuais reais proporcionadas pela nossa experiência de mundo, então não deveríamos ser hábeis para compreender a linguagem que conflita significativamente com essa experiência. Mas nós sabemos que as pessoas podem fazer isso. Sentenças como as destacadas em (05) são inteiramente interpretáveis e simuláveis.

(5) Em Saramandaia tudo era possível. Quando o Coronel Zico se aborrecia e levava uma toalha ao nariz, começavam a sair for-migas. Isso aconteceu durante toda a novela, até que no último capítulo, acredite, a casa dele afundou num imenso formigueiro. Outra cena clássica foi a explosão da Dona Redonda. Num belo dia ela vinha caminhando pela praça aí começou a inchar, inchar e boom! Explodiu! Lembro-me que a mão dela caiu na mesa do Professor Aristóbulo. Por falar nele, nas noites de lua cheia ouvia-se o uivado aterrorizante. Sim, ele virava lobisomem. Já a fogosa Marcina, quando se excitava, a fumaça subia. Seu colchão era tro-cado quase todo dia. Sempre amanhecia queimado pelo fogo da

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morena. Mas nada se comparou a clássica cena que encerrou a novela. O personagem João Gibão, brilhantemente interpre-tado por Juca de Oliveira, estava encurralado numa encosta. Quando tudo parecia perdido, ele abriu as asas e alçou vôo40.

Enquanto as outras abordagens enfatizam a modelagem do conhecimen-to linguístico ao invés do processamento on-line, o modelo de GCC toma como certo que as construções formam a base da linguística cognitiva e se concentra na verificação de como essas são processadas na compreensão lin-guística on-line (ou dinâmica). Além disso, a GCC objetiva verificar como as construções de uma determinada língua se relacionam com o conhecimento corporificado no processo de compreensão. Sendo assim, grande parte da in-vestigação até hoje, em GCC, tem sido focada no desenvolvimento de apa-ratos formais que possam descrever as construções de línguas naturais. Um aparato formal, no nosso entendimento, também precisa ser capaz de descre-ver os conceitos corporificados que as construções acionam no processo de compreensão da linguagem dinâmica.

Dessa forma, o processo de compreensão de enunciados envolve a ati-vação interna de “esquemas corporificados”, juntamente com a simulação mental dessas representações no contexto de geração de um rico conjunto de inferências. Construções são importantes na abordagem em tela porque for-necem a interface entre conhecimentos fonológicos e conceituais, evocando, para isso, estruturas semânticas corporificadas.

Consideremos o exemplo (06):

Roberto Carlos jogou flores para a multidão41.

Em (06), uma análise construcional presume que a estrutura argumen-tal da atividade ditransitiva impõe uma interpretação em que uma entidade (Roberto Carlos) realiza uma ação (jogar) que causa em outra entidade (mul-tidão) receber uma coisa (flores). Apesar de o verbo “jogar” ser recorrente em

40 Extraído de portaldasseries.blogspot.com/2009/06/clássicos-da-teve-brasileira.html, em 09/01/2010.

41 Extraído da Folha On-line, em 19/04/2009.

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muitas estruturas argumentais, sua utilização em (06) é permitida apenas se o significado for reconhecido como contribuindo para um evento de transfe-rência. A palavra “jogou” evoca uma ação física específica que também denota tempo e aspecto relacionados ao evento maior em que está envolvida. Pro-totipicamente, o esquema JOGAR ativa a ideia de que foi empregada algu-ma energia no esforço de provocar que uma entidade (no caso, as flores) se movesse pelo ar. Mais especificamente, o esquema JOGAR contribui para a acomodação do esquema força/movimento dentro de uma construção ditran-sitiva ativa. Então, “jogar” se relaciona a uma forte ação sobre uma entidade causando seu movimento, incluindo um atirador (agente) e o objeto atirado. Construções não são determinísticas, mas buscam o ajuste entre um enuncia-do e o contexto específico. No fim, o resultado do processamento acaba sendo o melhor conjunto de ajustes de construções.

Uma breve visão da análise cosntrucional fornece o primeiro passo na determinação do significado do enunciado (06). O significado emerge da simulação de estruturas semânticas fundamentais caracterizadas pela análise construcional. Primeiramente, processando esquemas, ou x-esquemas, que são usados para executar ou perceber uma ação exercida na compreensão da ação. Por exemplo, o esquema JOGAR evocado por “jogou”, que é explícito, fundamentado na representação do padrão semântico usado por um agente (ou aquele que joga) para realizar uma ação de jogar. Esse esquema captura especificamente uma sequência de ações que são relacionadas ao se jogar um objeto, incluindo possivelmente ações preparatórias (p.ex. pegar o objeto e movê-lo em uma posição de partida adequada) e o movimento de adequação do braço para lançar o objeto. Ações subsidiárias que movem objetos ao lon-go de caminhos adequados com baixa força são também consideradas. Esse esquema de execução de jogar deve também especificar outras condições que possivelmente são mantidas em diferentes fases do evento, tais como o fato de que o objeto jogado partiu da mão de um agente e que o objeto “voa” até uma meta.

Em suma, a GCC deve ser compreendida como um modelo baseado na simulação de compreensão da linguagem. Fundamental para essa perspectiva é a ideia de que a ação motora pode ser simulada e aplicada à compreensão de vários aspectos da linguagem.

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4. Considerações finais

Verificamos que as perspectivas cognitivistas assumiram, num primeiro momento, que o comportamento inteligente pressupõe uma habilidade de re-presentação do mundo. Nesse sentido, a cognição passa a ser explicada a partir do pressuposto de que o agente executa ações com base nessas representações com a finalidade de resolver problemas que lhe são apresentados. A assunção de que o comportamento depende de uma capacidade cognitiva internalizada fundamenta a ideia de que a cognição pode ser bem explicada se for com-preendida como uma computação (operação lógica realizada sobre símbolos, repercutindo na execução de determinadas funções). Assunções como essa foram adaptadas, com muita facilidade, ao estudo da linguagem, tendo em vista a viabilidade de, enfim, se compreender cientificamente a relação entre capacidades cognitivas, mundo e mediação linguística, um empreendimento até então de natureza estritamente filosófica.

De acordo com o primeiro momento da virada cognitivista, a cognição se manifesta como uma espécie de computação simbólica, isto é, manipulação de símbolos com base em regras e combinações. Não há espaço, nesse sentido, para qualquer tratamento no nível semântico e sua forma de explicar os fenômenos da cognição se associa ao aparecimento dos computadores, na década de cinquenta. A concepção do “conhecer”, como resultado de complexas relações, dentre as quais do organismo com o seu meio, contribuiu para algumas reformulações na agenda dos estudos cognitivistas. Estudos recentes têm defendido uma proposta alicerçada nas acomodações mútuas entre cognição, linguagem e corporalidade. De acordo com esses estudos, o cérebro humano e o resto do corpo constituem um organismo indissociável, formando um conjunto integrado por meio de cir-cuitos reguladores bioquímicos e neurológicos mutuamente interativos.

Cabe destacar que, de acordo com essa nova perspectiva, os fenôme-nos do espaço externo são compartilháveis porque dispomos de corpos que se movimentam no espaço, manipulam objetos, interagem com outros corpos e tratam o ambiente de forma similar. Os fenômenos mentais só podem ser cabalmente compreendidos no contexto de um organismo em interação com o ambiente que o rodeia42. Mais do que uma “máquina”, o cérebro passa a ser

42 DAMÁSIO, A. O Erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

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concebido como um ecossistema. E, de acordo com essa perspectiva ecológica, não há espaço para o dualismo entre corpo e alma presente no projeto carte-siano de um método científico no século XVII.

Portanto, a epistemologia da corporalidade, conforme proposta por Lakoff e Johnson, permite-nos avançar na investigação das relações intrínsecas entre a estrutura fisiológica de nossos corpos e o papel de fatores socioculturais na organização, estruturação e no funcionamento dos sistemas conceptuais. Em conformidade com essas ideias, reivindica-se um papel central para as ex-periências motoras e perceptivas corporificadas na compreensão da linguagem.

Essa perspectiva nos leva à compreensão de que a linguagem, antes de ser um sistema representacional, é um trabalho intersubjetivo que nos permite estabilizar, mesmo que transitoriamente, o conteúdo variável de nossas expe-riências. As atividades cognitivas, por sua vez, deixando de ser compreendidas em separado da interação do corpo com o meio e à parte da vida social, pas-sam a ser consideradas como parcela fundamental da ação conjunta que se dá na atividade linguística.

ABSTRACT:

The knowledge structures that guide our perceptions are largely governed by a continuous interaction betwe-en cultural practices, cognitive schemas, body skills and language. In this paper, we show that language is related to creative processes from which we organize and give shape to our experiences.

KEY WORDS: Cognition; embodiment; grammar constructions.

Recebido em:21/03/2011Aprovado em: 20/07/2011

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