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1 Co-criação de Valor: Proposição de uma Estrutura de Análise dos Elementos Influenciadores da Criação Compartilhada de Valor nas Empresas. Autoria: Vinícius Sittoni Brasil, Carolina Rosado dos Santos, Jorge Fernando Dietrich RESUMO: Desde a publicação do artigo de Lusch e Vargo (2004) intitulado “Evolving To a New Dominant Logic for Marketing”, o conceito de co-criação de valor tornou-se um dos temas centrais dos estudos acadêmicos na área. Considerado um conceito-chave dentro da proposta da lógica do Serviço-Dominante (S-D), a criação compartilhada de valor propõe uma nova perspectiva para a geração e transferência de valor nas relações entre empresas e consumidores. Diversos trabalhos abordam, direta ou indiretamente, aspectos derivados da lógica S-D associados à co-criação de valor como, por exemplo, Prahalad e Ramaswamy (2003 e 2004a), Vargo e Lusch (2004), Lusch e Vargo (2006), Ballantyne e Varey (2006), Grönroos (2006), Lusch (2007) e Plé e Chumpitaz (2009). No Brasil, trabalhos recentes como os de Santos e Brasil (2009) e Moraes e Manzini (2009) exploram perspectivas de desenvolvimento de produtos e experiências de consumo, respectivamente, dentro dessa nova lógica. Em essência, a proposição central da Lógica de Serviço-Dominante – co-criação de valor – direciona seu foco ao consumidor, atribuindo-lhe papel ativo na geração e utilização do valor decorrente de experiências de consumo. Tal abordagem implica em mudanças nos modelos relacionais das organizações, em suas práticas e processos gerenciais e, em última análise, na própria maneira como a empresa visualiza seu consumidor. Com base em uma revisão bibliográfica voltada ao tema co-criação de valor e em um conjunto de dez entrevistas de profundidade junto a empresas fabricantes de bens de consumo da Região Sul do Brasil, este trabalho objetiva apresentar uma estrutura conceitual voltada à compreensão da co- criação de valor nas empresas. Mais especificamente, buscou-se identificar elementos que influenciam na geração de valor, no contexto da empresa. Os resultados alcançados apontam para três conjuntos distintos de elementos. Os elementos de viabilização caracterizam-se como uma pré-condição à co-criação de valor, ou seja, de acordo com a forma como se apresentam podem alavancar ou bloquear o desenvolvimento desta nova abordagem. Tais elementos vão desde a cultura organizacional até competências específicas que viabilizam a co-criação de valor, passando por características de produto e de mercado. O segundo grupo é formado pelos elementos de sustentação, baseados no modelo DART de Prahalad e Ramaswamy (2004a). Diálogo, acesso, transparência e redução de risco contemplam os pilares fundamentais da co-criação de valor e representam diferentes dimensões a serem gerenciadas pela empresa. Por fim, diretamente relacionados com os elementos de sustentação, os elementos de implantação caracterizam-se pelas ações voltadas especificamente à criação das condições materiais e humanas para a co-criação de valor, envolvendo aspectos de infra-estrutura, recursos humanos, processos gerenciais e canais de comunicação. Considerações adicionais sobre potenciais desdobramentos deste estudo são igualmente apresentados.

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Co-criação de Valor: Proposição de uma Estrutura de Análise dos Elementos

Influenciadores da Criação Compartilhada de Valor nas Empresas.

Autoria: Vinícius Sittoni Brasil, Carolina Rosado dos Santos, Jorge Fernando Dietrich

RESUMO: Desde a publicação do artigo de Lusch e Vargo (2004) intitulado “Evolving To a New Dominant Logic for Marketing”, o conceito de co-criação de valor tornou-se um dos temas centrais dos estudos acadêmicos na área. Considerado um conceito-chave dentro da proposta da lógica do Serviço-Dominante (S-D), a criação compartilhada de valor propõe uma nova perspectiva para a geração e transferência de valor nas relações entre empresas e consumidores. Diversos trabalhos abordam, direta ou indiretamente, aspectos derivados da lógica S-D associados à co-criação de valor como, por exemplo, Prahalad e Ramaswamy (2003 e 2004a), Vargo e Lusch (2004), Lusch e Vargo (2006), Ballantyne e Varey (2006), Grönroos (2006), Lusch (2007) e Plé e Chumpitaz (2009). No Brasil, trabalhos recentes como os de Santos e Brasil (2009) e Moraes e Manzini (2009) exploram perspectivas de desenvolvimento de produtos e experiências de consumo, respectivamente, dentro dessa nova lógica. Em essência, a proposição central da Lógica de Serviço-Dominante – co-criação de valor – direciona seu foco ao consumidor, atribuindo-lhe papel ativo na geração e utilização do valor decorrente de experiências de consumo. Tal abordagem implica em mudanças nos modelos relacionais das organizações, em suas práticas e processos gerenciais e, em última análise, na própria maneira como a empresa visualiza seu consumidor. Com base em uma revisão bibliográfica voltada ao tema co-criação de valor e em um conjunto de dez entrevistas de profundidade junto a empresas fabricantes de bens de consumo da Região Sul do Brasil, este trabalho objetiva apresentar uma estrutura conceitual voltada à compreensão da co-criação de valor nas empresas. Mais especificamente, buscou-se identificar elementos que influenciam na geração de valor, no contexto da empresa. Os resultados alcançados apontam para três conjuntos distintos de elementos. Os elementos de viabilização caracterizam-se como uma pré-condição à co-criação de valor, ou seja, de acordo com a forma como se apresentam podem alavancar ou bloquear o desenvolvimento desta nova abordagem. Tais elementos vão desde a cultura organizacional até competências específicas que viabilizam a co-criação de valor, passando por características de produto e de mercado. O segundo grupo é formado pelos elementos de sustentação, baseados no modelo DART de Prahalad e Ramaswamy (2004a). Diálogo, acesso, transparência e redução de risco contemplam os pilares fundamentais da co-criação de valor e representam diferentes dimensões a serem gerenciadas pela empresa. Por fim, diretamente relacionados com os elementos de sustentação, os elementos de implantação caracterizam-se pelas ações voltadas especificamente à criação das condições materiais e humanas para a co-criação de valor, envolvendo aspectos de infra-estrutura, recursos humanos, processos gerenciais e canais de comunicação. Considerações adicionais sobre potenciais desdobramentos deste estudo são igualmente apresentados.

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INTRODUÇÃO Desde a publicação do artigo de Lusch e Vargo (2004) intitulado “Evolving To a New

Dominant Logic for Marketing”, o conceito de co-criação de valor tornou-se um dos temas centrais dos estudos acadêmicos na área. Considerado um conceito-chave dentro da proposta da lógica do Serviço-Dominante (S-D), a criação compartilhada de valor propõe uma nova perspectiva para a geração e transferência de valor nas relações entre empresas e consumidores, baseada na interação e no diálogo entre consumidor e empresa.

No passado, diversos pesquisadores já abordavam a temática da co-produção ou da participação do consumidor em processos de produção, principalmente de serviços (CHASE, 1978; BATESON, 1985; BITNER ET AL., 1997), o foco destes estudos era restrito a aspectos normalmente associados à entrega de serviços (aqui compreendidos como resultados de um processo de produção). Porém, na lógica S-D, serviços passam a ser vistos como a aplicação de competências especializadas (conhecimentos e habilidades) com o uso de processos e mecanismos que geram benefícios a si próprio ou a terceiros (VARGO; LUSCH, 2008).

Embora o mercado ofereça cada vez mais oportunidades de escolha de bens e serviços aos clientes, estes estão cada vez mais exigentes (PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004a), graças a um crescente nível de informação e às facilidades de comunicação em rede. Apesar do conceito de orientação para mercado ser conhecido há quase duas décadas, a lógica dominante da criação de valor ainda permanece centrada em produtos e processos, relegando a um segundo plano a oferta de valor desde a perspectiva do cliente (MORAES; MANZINI, 2009).

Diversos trabalhos abordam, direta ou indiretamente, aspectos derivados da lógica S-D e, em particular, aspectos associados à co-criação de valor como, por exemplo, Prahalad e Ramaswamy (2003 e 2004a), Vargo e Lusch (2004), Lusch e Vargo (2006), Ballantyne e Varey (2006), Grönroos (2006), Lusch (2007) e Plé e Chumpitaz (2009). No Brasil, trabalhos recentes como os de Santos e Brasil (2009) e Moraes e Manzini (2009) exploram perspectivas de desenvolvimento de produtos e experiências de consumo, respectivamente, dentro dessa nova lógica.

A proposição central da lógica S-D – co-criação de valor – direciona seu foco ao consumidor, atribuindo-lhe papel ativo na geração e utilização do valor decorrente de experiências de consumo. Contrapondo a ideia de que valor é inicialmente produzido para, posteriormente, ser entregue ao consumidor na forma de benefícios de um produto seguindo um processo unidirecional, a criação compartilhada de valor parte da premissa de que a interação e o diálogo com o consumidor, proporcionados por canais bidirecionais, possibilitam a efetiva criação de valor. Naturalmente, tal abordagem implica em mudanças nos modelos relacionais das organizações, em suas práticas e processos gerenciais e, em última análise, na própria maneira como a empresa visualiza seu consumidor. Com base em uma revisão bibliográfica voltada ao tema co-criação de valor e em um conjunto de dez entrevistas de profundidade junto a empresas fabricantes de bens de consumo da Região Sul do Brasil, este trabalho objetiva apresentar uma estrutura conceitual voltada à compreensão da co-criação de valor nas empresas. Mais especificamente, busca-se identificar elementos que influenciam na geração de valor compartilhado, no contexto da empresa. Neste sentido, o artigo apresenta uma revisão teórica dos elementos centrais relacionados com o tema, seguido de uma síntese do método de trabalho. Posteriormente, apresentam-se os resultados e considerações finais do estudo.

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BASE TEÓRICA A estrutura teórica do presente artigo inicia com uma breve apresentação da abordagem tradicional de valor, passando para a visão mais recente do construto, baseada na lógica do serviço dominante. Por fim, discutem-se os aspectos centrais da co-criação de valor.

A Abordagem Tradicional de Valor Tradicionalmente o conceito de valor ao cliente, é considerado como algo entregue a

este por parte do fornecedor. Zeithaml (1988) cita que o valor percebido é a avaliação total do consumidor sobre a utilidade de um produto, baseada em percepções do que é recebido, considerado benefícios, e do que é dado, sacrifícios. Cerca de dez anos depois, esta visão permanecia presente na definição de Kotler (1998), indicando que uma oferta tem um valor agregado direcionado ao consumidor, resultante da diferença entre o valor esperado e o custo total para o consumidor, comparativamente à concorrência.

Outros autores pontuaram o conceito de valor a partir dessa mesma abordagem. Gale (1996) delimita o valor para o cliente como a qualidade percebida pelo mercado, ajustada pelo preço relativo de seu produto. Por sua vez, Anderson e Naurus (1999) definem que o valor é a importância em termos monetários dos benefícios que um consumidor ou empresa recebe em troca do preço pago por uma oferta de mercado, em um dado contexto.

Gradualmente, porém, as mudanças no cenário competitivo, bem como uma melhor compreensão do que significa valor para o cliente, tem gerado uma rediscussão da definição de valor (PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004a). Woodruff (1997) apontou que valor é a percepção do cliente sobre as preferências e as avaliações dos atributos do produto, do desempenho desses atributos e das conseqüências originadas pelo uso. Assim, observa-se uma mudança na forma de se pensar e gerar valor para o cliente, determinando igualmente novas abordagens nessa temática.

A Evolução do Conceito de Valor Para o Cliente Nestes últimos 20 anos o conceito de valor tem sido amplamente discutido como uma

variável crítica no marketing, buscando-se um melhor entendimento coerente com a realidade evolutiva do mercado. Na nova definição de marketing, traz-se o valor do cliente como um elemento chave, sendo que o valor do cliente é baseado no ponto de vista deste e não da empresa produtora (GRÖNROOS, 2006).

As pesquisas atuais mostram uma clara tendência em entender o valor do cliente produzido não pela empresa produtora, mas pelo consumidor quando está usando o produto e quando está interagindo com os fornecedores em processo de co-criação com esses (VARGO; LUSCH, 2004).

Pesquisas anteriores já citavam que os consumidores avaliam o valor dos bens e serviços baseado em o que recebem e o que é sacrificado (ZEITHAML, 1988). A noção de que somente o consumidor pode avaliar o valor de produtos e serviços já tinha sido expressada por Levitt (1983). Esta teoria foi altamente ignorada por acadêmicos e comunidades de negócios (GRÖNROOS, 2006). Vargo e Lusch (2004) revelaram que o conceito de valor em troca foi um mal entendido, quando a análise macroeconômica de valor foi substituída pela microeconômica, com uma necessidade de maior foco em segmentos de mercados.

Concluindo, a análise de valor para os consumidores no atual contexto de marketing, traz de acordo com Grönroos (2006) as proposições: primeiro, o valor não é entregue pela empresa para os consumidores, mas criado em um processo de co-criação em interação com os consumidores. Segundo, o papel do marketing é, em uma direção, desenvolver e comunicar proposição de valor para os consumidores, e em outra direção, suportar a criação

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de valor do consumidor, através de bens, serviços, informações e recursos, tão bem como através de interações onde a co-criação de valor pode ter espaço.

A Lógica do Serviço Dominante A lógica S-D foi proposta por Vargo e Lusch (2004) enfatizando que consumidores

fazem a avaliação crítica de valor quando bens e serviços estão em uso. Além disto, a lógica S-D defende que o que os consumidores estão desejando comprar são serviços, em qualquer situação, lugar e época, tornando a compra de produtos uma aplicação de serviços. Em outras palavras, uma forma suplementar de experiência de serviços vem de produtos, quando os compradores interagem com os mesmos (BALLANTYNE; AITKEN, 2007). Esses autores citam que os pontos essenciais da lógica S-D, elaborada por VARGO e LUSCH (2004), podem assim ser sumarizadas:

• A lógica S-D enfatiza que os consumidores são os árbitros da interação do valor em serviços.

• A lógica S-D também destaca o potencial para co-criação de valor e divisão de competências e outros recursos entre consumidores, produtores e outros atores presentes no mercado.

• A lógica S-D suporta a noção do desenvolvimento do relacionamento através de todos os tipos de interações e da co-criação de valor que surgem durante o período da relação.

• A lógica S-D propõe que a empresa fornecedora conduza suas atividades de marketing com a finalidade de oferecer proposições de valor.

• A lógica S-D requer um foco gerencial nos processos de interação com os seus consumidores, atento ao monitoramento da produtividade e potencial de valor para continuidade das atividades com o consumidor. A relação de troca do marketing se dá através de sucessivas interações e não de transações pontuais.

A Co-criação de valor Após as publicações iniciais da lógica de S-D (VARGO; LUSCH, 2004), os autores

começaram a reconhecer mais fortemente não somente a aplicação de recursos pelas empresas, mas também a função da integração de recursos de empresas e demais atores do processo. Lusch e Vargo (2006) citam que organizações existem para integrar e transformar competências micro-especializadas em complexos serviços que são demandados pelo mercado.

Lusch e Vargo (2006) afirmam, também, que é importante reconhecer que existem dois componentes da criação de valor, sendo o mais abrangente destes a co-criação de valor. Este conceito representa um drástico afastamento da lógica do produto dominante, cujo valor é visto como algo que é adicionado ao produto no processo de produção. Como foi citado anteriormente, na lógica S-D o valor somente pode ser criado com o consumidor e determinado pelo usuário em seu processo de consumo através do uso, o que é denominado de valor em uso. Deste modo, ocorre a intersecção entre empresa produtora e consumidores em todo o período do processo, através da interação direta entre ambos ou mediada por um produto.

O segundo componente da co-criação é o que pode ser chamado de co-produção. Isto envolve a participação na criação da essência do que é oferecido para o consumidor e pode ocorrer através de diversos mecanismos envolvendo consumidores ou qualquer outro parceiro da cadeia de valor. Os dois componentes, co-criação e co-produção, fazem o consumidor ser endógeno ao processo, diferindo do conceito de produção associado à lógica do produto dominante.

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No tradicional sistema, a empresa escolhe os bens e serviços que irá produzir, decidindo o que é valor para o consumidor. Neste sistema, o consumidor tem pouco ou nenhum papel na criação de valor. Em contrapartida, no sistema de co-criação de valor, valor é co-criado entre empresa e consumidor, permitindo que o consumidor co-construa a experiência de serviço adequada a seu contexto, conforme destacam Prahalad e Ramaswamy (2004a). Os problemas devem ser resolvidos em conjunto, criando um ambiente em que os consumidores têm um diálogo ativo e desenvolvem experiências personalizadas e diferenciadas, mesmo diante de um mesmo produto.

Os mesmos autores colocam que um dos principais desafios na co-criação de valor é que este processo demanda tanto dos gerentes e responsáveis das empresas como dos consumidores determinados ajustes. Ambos precisam reconhecer que a interação deverá ser construída passando por pontos críticos, onde acesso e transparência devem estar presentes. Isto requer por parte da empresa investimentos em tecnologia e socialização dos gerentes, requerendo troca nas práticas gerenciais e respondendo a algumas importantes questões: como a empresa deve se engajar em um diálogo constante com o consumidor? Como entender e atender diferentes expectativas de diferentes clientes? Do lado dos consumidores, estes precisam aprender que co-criação é um caminho de duas vias, sendo que o risco não pode ficar de um só lado. Eles precisam aprender a ter responsabilidade pelos riscos que conscientemente aceitaram.

Ballantyne e Varey (2006) identificaram três atividades necessárias para permitir a viabilidade do ambiente de co-criação: relacionamentos para dar suporte estrutural para a criação e aplicação de recursos (relating), com foco na qualidade dos relacionamentos e experiências derivadas da co-criação. A segunda atividade é a interação comunicativa para desenvolver as relações (communicating), a qual, na prática, deve ser de duas vias, onde todas as partes informam e recebem informações. A terceira atividade é o conhecimento necessário para incrementar a experiência do consumidor, especialmente quando a co-criação ocorre através do diálogo e aprendizagem em conjunto (knowing). Portanto, as três dimensões apresentadas por Ballantine e Varey (2006) vislumbram um papel mais interativo e colaborativo para a função do marketing. Ao analisarem a proposta de Vargo e Lusch (2004), há uma ênfase no conceito de interação, tendo em vista que este é um dos fundamentos da nova perspectiva (SANTOS; BRASIL, 2009).

A co-criação de valor baseia-se em uma premissa fundamental: a criação de valor deixa de ser um processo unilateral para tornar-se bilateral, já que o cliente passa a desempenhar papel determinante (TROCCOLI, 2009). Nessa bilateralidade do processo as relações dentro do marketing de relacionamento necessitam de um entendimento quanto à interpretação de alguns elementos. Prahalad e Ramaswamy (2004) consideram estes elementos como os construtores da co-criação: diálogo, acesso, risco (no sentido de probabilidade de prejuízo ao cliente) e transparência (o chamado modelo DART).

Prahalad e Ramaswamy (2004) explicitam os quatro elementos na relação entre empresas e consumidores da seguinte forma: o diálogo é definido como a criação de significados compartilhados. Implica na interatividade e no debate entre iguais. Através do diálogo, a empresa consegue compreender melhor os contextos emocional, social e cultural nos quais o consumidor está inserido e que delineiam suas experiências.

O acesso baseia-se na idéia de que a transferência de valor não se dá somente através da posse/propriedade de um produto (conforme a visão mais tradicional de valor). Constitui-se, portanto, na disponibilidade de meios que permitam ao consumidor a experiência de valor, independentemente da posse.

A transparência remete envolve o compartilhamento de informações, reduzindo a de conhecimento entre consumidores e empresas. Os autores defendem a idéia de que, sem a

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abertura de informações da empresa, o engajamento do consumidor na co-criação de valor estará prejudicado ou impedido.

A questão do risco (ou redução do risco) remete à exposição do consumidor aos possíveis riscos decorrentes da produção e uso de um produto, tornando-o um conhecedor de potenciais prejuízos ou desvantagens do produto. No contexto da co-criação de valor, a avaliação dos riscos seria igualmente compartilhada por empresas e consumidores. MÉTODO

De acordo com os objetivos do presente estudo, a pesquisa do tipo qualitativa foi considerada o método mais adequado para responder a questão de pesquisa deste trabalho. É necessário considerar que a temática da co-criação de valor ainda é recente, merecendo, portanto, a atenção de pesquisadores no sentido de compreender melhor seus mecanismos constituintes.

A coleta de dados primários ocorreu por meio da realização da técnica de entrevistas de profundidade com gestores responsáveis pelo desenvolvimento de produtos e/ou inovação. Foram selecionadas 10 empresas considerando como critério básico de seleção a existência de reconhecimento externo por iniciativas de lançamento de produtos, tais como traços de inovação ou constância de lançamentos, observando a necessidade de coletar dados que permitam analisar o fenômeno do envolvimento de consumidores em processos de desenvolvimento. Foram escolhidas as seguintes premiações para verificar o atendimento ao primeiro critério:

• Prêmio FINEP de Inovação - premiação organizada pela Financiadora de Estudos e Projetos, empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que visa reconhecer e incentivar os esforços de inovação tecnológica no país;

• Prêmio “Campeãs da Inovação” da Revista Amanhã – premiação organizada anualmente pela Revista Amanhã que avalia as empresas e as instituições participantes nas dimensões de resultados da inovação, estrutura e cultura organizacional, foco do esforço da inovação, tratamento e orientação à inovação, atitude e processo de geração de criatividade e desenvolvimento inicial da inovação.

Quadro 1: Características dos Entrevistados.

Identificação Perfil Resumido

Entrevistado 1 Sexo feminino, engenheira de alimentos, coordenadora de pesquisa e desenvolvimento.

Entrevistado 2 Sexo masculino, designer, gerente de novos produtos.

Entrevistado 3 Sexo masculino, administrador de empresas, coordenador de pesquisa e desenvolvimento.

Entrevistado 4 Sexo masculino, engenheiro elétrico, gerente de desenvolvimento de produtos de comunicação.

Entrevistado 5 Sexo masculino, engenheiro mecânico, gerente de inovação tecnológica.

Entrevistado 6 Sexo masculino, analista de sistemas, gerente de desenvolvimento de novos negócios e inovação.

Entrevistado 7 Sexo masculino, administrador de empresas, diretor de inovação.

Entrevistado 8 Sexo masculino, administrador de empresas, coordenador de desenvolvimento.

Entrevistado 9 Sexo feminino, administradora de empresas, coordenadora de desenvolvimento de novos produtos.

Entrevistado 10 Sexo feminino, engenheira civil, diretora de desenvolvimento de produtos

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Diante dos critérios apresentados foram selecionadas dez empresas de bens de consumo da região sul do Brasil: Calçados Bibi, Coza, Dimed, Florestal Alimentos, Intelbrás, Karsten, Mundial, Siemens, Tramontina e Whirpool.

As entrevistas foram pré-agendadas e baseadas em um roteiro semi-estruturado, no qual foram abordados os temas pertinentes ao trabalho. O Quadro 1 apresenta uma breve descrição do perfil de cada entrevistado. Por razões de sigilo, solicitado por boa parte das empresas, estas não serão identificadas.

Para análise de dados, foi utilizado o tipo de análise de conteúdo categórica, tendo em vista, a indicação da técnica de categorização para análise de entrevistas e interpretação de temas com elevada complexidade (BARDIN, 1977). RESULTADOS Para a apresentação dos resultados do trabalho, optou-se por uma estrutura que inicia com a consolidação dos principais achados, constituída pela estrutura conceitual relacionada ao desenvolvimento de processos de co-criação de valor nas organizações. Posteriormente à apresentação desta estrutura, será feita uma descrição detalhada das bases bibliográficas e empíricas (decorrentes das entrevistas de profundidade) que determinaram a estrutura proposta. Acredita-se que, desta forma, a leitura e a compreensão dos resultados sejam facilitada. A Figura 1 destaca os elementos centrais associados à co-criação de valor, dentro da LSD. Estes elementos estão divididos em três níveis: viabilização, sustentação e implantação. Figura 1: Elementos Estruturais da Co-criação de Valor.

Fonte: Coleta de Dados e Revisão Bibliográfica.

Elementos de viabilização correspondem aos aspectos de contexto da organização e de seu mercado, constituindo o que se poderia chamar de condicionantes da criação compartilhada de valor. Conforme será explicitado a seguir, a co-criação somente emerge na

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medida em que determinadas condições sejam contempladas, tornando-a viável e oportuna. Os elementos de sustentação, baseados no modelo DART (Diálogo, Acesso, Risco, transparência) de Prahalad e Ramaswamy (2004) representam os pilares de sustentação das ações relacionadas com a co-criação de valor. Por fim, os elementos de implantação constituem as ações especificamente voltadas à operacionalização da co-criação de valor, envolvendo aspectos humanos, gerenciais e de infraestrutura.

Viabilizando a Co-criação de Valor. O levantamento bibliográfico, aliado aos resultados encontrados nas entrevistas de profundidade, aponta para um conjunto de elementos condicionantes da co-criação de valor, ou seja, elementos cujas características proporcionariam – ou não – as condições adequadas para a geração de valor com base no compartilhamento de conhecimentos e experiências. O primeiro elemento é a cultura organizacional a qual estabelece os contornos dentro dos quais os modelos de gestão, políticas da empresa e processos gerenciais serão moldados. A ausência de uma cultura de mente aberta, orientada para o mercado e para a inovação restringe a concretização do valor compartilhado. Nas entrevistas foi possível identificar que empresas com modelos culturais mais tradicionais estão mais distantes das práticas associadas à co-criação de valor (identificadas aqui como elementos de implantação). Ao explicar as razões pelas quais a sua empresa apresentava baixos níveis de interação com o consumidor, um entrevistado assim se pronunciou:

“É cultural da empresa. É fortemente ligado à cultura. A empresa ainda é muito fechada. Se discute algumas coisas porque se percebe a necessidade de ouvir mais o consumidor, de ter um canal, porque nós não temos nem um 0800, assim, é pelo site e os telefones das fábricas que estão nas embalagens.” (Entrevistado 8)

Por outro lado, observa-se que mudanças culturais formam o cerne da implantação de novas práticas em empresas com traços mais compatíveis com a co-criação de valor.

“Passamos por uma revolução cultural que nos permitiu chegar num processo de inovação de produto, porque se nós não tivéssemos inovado e mudado na gestão da empresa nós não teríamos conseguido nunca pensar em inovação do produto. Nós estaríamos eternamente apagando incêndios na parte de gestão. Então esse processo foi o que nos deu tranquilidade para agora estar trabalhando, tendo tempo de ouvir o consumidor. Criamos uma cultura de empatia com os consumidores. Isto está na estratégia da nossa empresa.” (Entrevistado 2)

As características do produto e do mercado da empresa representam elementos viabilizadores dos processos de co-criação de valor. Entende-se que as características técnicas ou tecnológicas de determinados produtos reduz ou inviabiliza a implantação de um modelo de criação de valor compartilhado, tendo em vista o conhecimento limitado dos consumidores, o qual representaria não apenas uma perda de eficiência no desenvolvimento de produtos, por exemplo, como uma eventual redução na agilidade de tal processo. Por outro lado, as características do mercado – em especial do consumidor – condicionam a geração de valor compartilhado na medida em que as próprias características dos consumidores, seu nível de informações e conhecimento, bem como seu desejo de engajar-se em processos interativos e experienciais com a empresa são determinantes para que a co-criação exista.

Conforme destacado abaixo, foi possível visualizar nas entrevistas a percepção de alguns entrevistados de que nem todo o consumidor está apto a participar e interagir com a empresa.

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“Mas a influência da classe social é muito forte, tu percebe muita diferença de uma criança que está numa família de A e B, ela é uma criança que tem mais liberdade, mais autonomia para interferir, para opinar. As crianças de classes A e B realmente são as que têm um perfil de contribuição maior e os pais ou as mães que são envolvidas na criação dessas crianças também têm um contato mais freqüente com a empresa. Acho que há uma consciência maior em procurar o fornecedor, o fabricante do produto. Há uma conscientização maior dessas classes”.(Entrevistado 2) “Eu posso te dizer que as mulheres participam mais, se envolvem, mandam e-mails, entram no site. Eu observo isso, mas também tem a questão do meu portfólio de produtos é de utensílios para casa. Como as questões domésticas ficam mais com as mulheres, as coisas podem estar relacionadas.” (Entrevistado 10) “Acho que é mais uma questão de disponibilidade de canal, de informação, porque é um consumidor teoricamente mais informado, tem internet, então ele quer saber uma coisa. Se a gente falar alguma coisa aqui, ele já entra no site e pesquisa o que interessa.” (Entrevistado 4)

Por fim, dentre os elementos de viabilização, as competências específicas desenvolvidas pela empresa representam um forte condicionante à co-criação. Tais competências representam, em última análise, os domínios da empresa no que tange a como proporcionar as condições adequadas para oportunizar a geração compartilhada de valor. Na prática, algumas empresas demonstram não saber como concretizar determinadas ações relacionadas com a co-criação de valor, sobretudo, a definição de perfis adequados de consumidores e as formas de inserção desses consumidores em seus processos gerenciais.

“Parece interessante para a empresa, mas não sei se os consumidores aceitariam um envolvimento tão intenso. Não sei como seria.” (Entrevistado 3) “Eu acho muito interessante, teria que pensar uma forma, realmente, de operacionalizar isso. Acho bem interessante.” (Entrevistado 7) Os Pilares que Sustentam a Co-criação de Valor e os Mecanismos de Implantação

O chamado modelo DART, apresentado por Prahalad e Ramaswamy (2004), relaciona quatro pilares para que as ações voltadas à co-criação de valor sejam efetivas: diálogo, acesso, transparência e redução de risco. Cada um destes quatro elementos foram discutidos e definidos na revisão bibliográfica do presente artigo, de forma que neste momento o foco será concentrado na constatação dos mesmos junto às entrevistas realizadas. O diálogo representa a criação de significados compartilhados (PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004) e, portanto, depende da existência de uma comunicação bidirecional, baseada em canais que permitam não apenas a transmissão de informações, mas um debate e uma troca de conhecimentos e experiências. Assim, a comunicação da empresa com seu consumidor deve permitir uma interação continua a fim de assegurar as condições para a co-criação de valor.

Por sua vez, o acesso relaciona-se com a disponibilidade de meios de acessar valor que não dependem exclusivamente da posse ou propriedade, mas que proporcionam igualmente a experiência do consumidor com a empresa. Com base em uma relação de diferentes mecanismos de interação/envolvimento do consumidor com a empresa, procurou-se identificar nas entrevistas de profundidade quais canais eram disponibilizados pelas empresas entrevistadas. O Quadro 2 apresenta os resultados encontrados.

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Com base no Quadro 2 é possível observar que os mecanismos mais interativos (baseados em contatos face-a-face ou internet) são os menos utilizados pelas empresas, havendo maior uso de canais passivos (como telefone, e-mail) e de pesquisas com emprego de métodos mais tradicionais. Apenas duas empresas utilizam a quase totalidade dos mecanismos questionados, sendo estas empresas com fortes evidências de geração de valor compartilhado. Quadro 2: Mecanismos de Interação Consumidor-Empresa.

Empresas Mecanismos de Interação

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Interação no ponto de venda X X X X X X X X X X

Recebimento de telefonemas, faxes, e-mails e cartas com sugestões de novos produtos X X X X X X X X

Grupos focais X X X X X X X X

Teste de Produto X X X X X X X X

Observação de consumidores X X X X X X X X

Visitas e reuniões dos consumidores com a equipe de desenvolvimento de produto X

Ferramentas virtuais que permitem usuários criarem design e novas funcionalidades X

Comunidades virtuais: Fóruns de discussão na internet X X X

Fonte: Coleta de Dados.

Há, também, uma preocupação por parte das empresas voltadas à co-criação de valor em proporcionar espaços interativos e experienciais para seus consumidores, sejam em eles ambientes físicos (como laboratórios, lojas ou ações de ponto-de-venda) ou ambientes virtuais (como funcionalidades específicas em web-sites). Nestes espaços, os consumidores interagem não apenas com a empresa e seus profissionais, mas com outros consumidores e, eventualmente, profissionais de outras áreas com impacto indireto na geração de valor. Algumas declarações podem ser destacadas neste sentido.

“Nossa estratégia que estamos começando a implementar é que as nossas lojas sejam lembradas como espaços de bem-estar e de beleza. Estamos trazendo esse conceito para os novos produtos, lojas e comunicação.” (Entrevistada 9) “A questão das nossas lojas, hoje, é um ponto muito importante de contato com o consumidor. De ideias, de coisas que eles deixam ali, de testes de produtos. Estamos começando um projeto de lojas próprias da marca, justamente por isso, para nos aproximarmos dos consumidores e elaborarmos uma experiência com a marca mais qualificada. No nosso projeto de varejo, as crianças podem brincar dentro da loja com os nossos produtos e brinquedos.” (Entrevistado 2) “Eu monto um ambiente para esse consumidor e coloco as pessoas juntas; não só os consumidores e o pessoal de marketing, mas a pessoa de manufatura e a de tecnologia. Depois, e eu os coloco para fazer uma atividade... estão trabalhando, mas não parece. E quando eu faço isso eu também passo por outros conceitos sobre como as pessoas utilizam os produtos e como elas querem utilizar.”(Entrevistado 5)

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O último relato destaca, além da existência de ambientes específicos de experiência e interação (acesso e diálogo), a inclusão de equipes multidisciplinares dentro dos processos de geração de valor compartilhado. A presença de diferentes atores no processo de co-criação é reforçada nos seguintes depoimentos:

“... nos últimos lançamentos da área de projetos, os meus maiores fornecedores não foram fornecedores tradicionais da indústria e da cadeia calçadista. Inclusive, hoje, um dos maiores fornecedores nossos, para esses produtos de inovação, não é do setor calçadista. É um fornecedor que nós desenvolvemos com um laboratório do Brasil, que trabalhava para a indústria de brinquedos. No início... aparecia uma ideia no fórum de inovação. Um produto inovador. Aí tem um determinado componente que tu não tens no mercado e ninguém no setor de calçado trabalha com aquilo... fomos atrás e encontramos essa empresa de brinquedos. Aí a gente começou a entrar nessa questão do brinquedo, porque a gente trabalha a questão da diversão no produto... Hoje eles toda a semana vêm aqui para o sul, eles trazem ideias, agora, para a gente. E, nós também para eles.” (Entrevistado 2) “Temos o concurso de universidades, de tecnologia, também é uma fonte de entrada de ideias. É um concurso. Nasceu como concurso de tecnologia, mas na segunda edição que a gente terminou este ano, a gente incluiu a área de design. Então é um concurso de desenvolvimento de produto, com as universidades, é aberto para o Brasil todo, tendo quatro categorias, três de tecnologia e uma de design.” (Entrevistado 5) “Eu posso te falar sobre a experiência que estamos tendo com a universidade. Temos tido momentos muito ricos e até dá para dizer diferentes na nossa experiência profissional. Esse contato com profissionais em formação, alunos, e professores da academia tem nos ajudado muito na atualização das técnicas e principalmente na criatividade dos novos produtos. Em alguns momentos, parece um caos, mas acho que estamos crescendo.” (Entrevistado 10)

Os últimos dois elementos de sustentação da co-criação de valor são, também, os mais sensíveis. Transparência e redução de riscos demonstram-se bastante incipientes nos relatos obtidos nas entrevistas de profundidade, embora estejam presentes na literatura do tema. Transparência implica no compartilhamento de informações (RAMASWAMY, 2008). Atualmente, o acesso à informação por parte do consumidor está cada vez maior, motivado principalmente pela disponibilidade de acesso à internet e pela própria formação de fóruns e comunidades que proporcionam a troca de informações entre consumidores. Porém, mesmo diante do crescente e inevitável acesso a informações, muitas empresas resistem à idéia de tornarem-se mais transparentes aos olhos dos consumidores. E esta resistência sobressai-se no momento em que são analisados processos gerenciais das organizações. Nas entrevistas foi possível observar o receio, por parte de algumas empresas, em fornecer informações sobre o tema da pesquisa (parte das empresas somente concordou em responder ao roteiro na medida em que fosse mantido o sigilo individual das informações). Isto, por si só, já incita um questionamento sobre o quanto as empresas estão efetivamente preparadas para ampliar a visibilidade de determinadas informações. No que tange à interação e inserção dos consumidores em seus processos gerenciais, o entrevistado 3 afirmou: “...também acho que a empresa necessita tomar alguns cuidados para não se expor demais”. Evidencia-se o fato de que parte das empresas tem restrições à transparência de informações (mesmo entre empresas com fortes evidências de co-criação de valor, foi manifestado o receio de que a exposição inadequada ao cliente pode implicar na divulgação prematura de informações no mercado).

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De forma similar à questão da transparência, o gerenciamento dos riscos envolvidos na co-criação de valor tem sido destacado na literatura. Com o compartilhamento de informações e a inserção mais ativa do consumidor na criação de produtos, o conhecimento sobre os riscos associados à produção e uso de um determinado produto passa a ser igualmente compartilhado (ou pelo menos deveria ser). Por outro lado, o engajamento do consumidor como em processos gerenciais (desenvolvimento de produtos, por exemplo) gera incertezas nas empresas sobre aspectos legais e trabalhistas (“não sei como funciona em relação às leis trabalhistas, se ele participa todo tempo do desenvolvimento pode requerer alguma coisa?”; questionou um dos entrevistados). CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas palavras de um dos entrevistados deste estudo, “o consumidor deixou de ser coadjuvante para ser protagonista, mas tem muitas empresas que ainda não perceberam essa diferença”. Em essência, a proposição central da Lógica de Serviço-Dominante – co-criação de valor – direciona seu foco ao consumidor, atribuindo-lhe papel ativo na geração e utilização do valor decorrente de experiências de consumo. Contrapondo a ideia de que valor é inicialmente produzido para, posteriormente, ser entregue ao consumidor na forma de benefícios de um produto seguindo um processo unidirecional, a criação compartilhada de valor parte da premissa de que a interação e o diálogo com o consumidor, proporcionados por canais bidirecionais, possibilitam a efetiva criação de valor. Naturalmente, tal abordagem implica em mudanças nos modelos relacionais das organizações, em suas práticas e processos gerenciais e, em última análise, na própria maneira como a empresa visualiza seu consumidor. Com base em uma revisão bibliográfica voltada ao tema co-criação de valor e em um conjunto de dez entrevistas de profundidade junto a empresas fabricantes de bens de consumo da Região Sul do Brasil, este trabalho objetivou apresentar uma estrutura conceitual voltada à compreensão da co-criação de valor nas empresas. Mais especificamente, buscou-se identificar elementos que influenciam na geração de valor compartilhado, no contexto da empresa. Os resultados alcançados apontam para três conjuntos distintos de elementos. Os elementos de viabilização caracterizam-se como uma pré-condição à co-criação de valor, ou seja, de acordo com a forma como se apresentam podem alavancar ou bloquear o desenvolvimento desta nova abordagem. Tais elementos vão desde a cultura organizacional até competências específicas que viabilizam a co-criação de valor, passando por características de produto e de mercado. O segundo grupo é formado pelos elementos de sustentação, baseados no modelo DART de Prahalad e Ramaswamy. Diálogo, acesso, transparência e redução de risco contemplam os pilares fundamentais da co-criação de valor e representam diferentes dimensões a serem gerenciadas pela empresa. Por fim, diretamente relacionados com os elementos de sustentação, os elementos de implantação caracterizam-se pelas ações voltadas especificamente à criação das condições materiais e humanas para a co-criação de valor, envolvendo aspectos de infra-estrutura, recursos humanos, processos gerenciais e canais de comunicação. No intuito de encontrar indícios mais concretos que confirmem, ainda que em caráter exploratório, a estrutura conceitual apresentada, foram analisados os resultados de dez entrevistas de profundidade realizadas junto a profissionais de empresas fabricantes de bens de consumo (todas referenciadas como empresas com excelente histórico de inovação no desenvolvimento e lançamento de produtos). Os resultados permitem afirmar que empresas com traços mais consistentes de co-criação de valor apresentam características distintas daquelas cujo valor parece ainda basear-se na visão tradicional.

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Mais especificamente, o primeiro grupo de empresas apresentava as seguintes características:

• Uma cultura mais aberta, voltada à inovação e centrada no mercado e seus consumidores;

• Apresentam ações estratégicas que procuram aproximar a empresa do seu consumidor, buscando maior interação e diálogo, ao mesmo tempo em que proporcionam maior acesso à empresa;

• Assumem que os riscos decorrentes de uma maior exposição ao consumidor são significativamente inferiores que os benefícios proporcionados pela maior aproximação;

• Utilizam múltiplos meios de interação e inserção dos consumidores na organização, incluindo ambientes físicos e virtuais; Em oposição, empresas com menores indícios de co-criação de valor apresentavam

traços de uma cultura tradicional, conservadora e fechada, com decisões mais centralizadas e processos gerenciais pautados pela eficiência interna, em detrimento da participação ativa dos consumidores. Além disto, apresentavam expressiva resistência ao compartilhamento de informações com o consumidor, acrescido dos riscos de vazamento de informações sigilosas e incertezas quanto a possíveis penalidades legais/trabalhistas. O presente estudo, em função de suas características metodológicas, não permite generalizar seus resultados, nem responde a inúmeros questionamentos decorrentes dos resultados aqui discutidos. Neste sentido, a continuidade de trabalhos alinhados com a proposta inicial deste artigo permitiria uma efetiva ampliação do conhecimento acerca da co-criação de valor tanto em uma perspectiva acadêmica quanto gerencial. Inicialmente, um estudo mais amplo e aprofundado que permita estabelecer a validade da estrutura conceitual aqui apresentada seria um passo importante rumo a eventual definição de um modelo voltado à compreensão e mensuração da co-criação de valor nas organizações. Em última instância, tal modelo permitiria estabelecer uma sólida base teórica com foco na mensuração desta nova abordagem de valor. Em linha com as considerações acima, muito ainda precisa ser explorado no sentido de conhecerem-se os resultados da co-criação de valor, tanto no contexto interno das organizações quanto no mercado. Questionamentos sobre os impactos da criação compartilhada de valor sobre imagem de marca, performance de novos produtos, market-share, entre outros, agregariam significativo conhecimento a esta trilha de estudos. Outro desdobramento relevante do presente estudo seria o aprofundamento dos fatores condicionantes da co-criação de valor, aqui denominados elementos de viabilização. Compreender as influências dos elementos aqui elencados (cultura organizacional, características de produto e de mercado e competências específicas) sobre a co-criação de valor possibilitaria não apenas compreender possíveis barreiras à sua implantação, mas também desenvolver mecanismos que gerem mudanças positivas à empresa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANDERSON, J.; NARUS, J. Business Market management: understanding, creating and delivering value. New Jersey: Prentice-Hall, 1999. BALLANTYNE, David. AITKEN, Robert. Branding in B2B markets: insights from the service-dominant logic of marketing. Journal of Business & Industrial Marketing, 2007. BALLANTYNE, David. VAREY, Richard J. Creating value-in-use through marketing interaction: the exchange logic of relating communicating and knowing. Marketing Theory, v.6, n. 3, 2006.

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