câncer de boca: avaliação do conhecimento de acadêmicos ......oral cancer: assessment of...

8
211 Revista Brasileira de Cancerologia 2013; 59(2): 211-218 Artigo Original Percepção dos Acadêmicos sobre o Câncer de Boca Artigo submetido em 31/1/13; aceito para publicação em 18/3/13 Câncer de Boca: Avaliação do Conhecimento de Acadêmicos de Odontologia e Enfermagem quanto aos Fatores de Risco e Procedimentos de Diagnóstico Oral Cancer: Assessment of Academic Dentistry and Nursing Knowledge as for the Risk Factors and Diagnostic Procedures Cáncer de Boca: Evaluación del Conocimiento Académico de Odontología y Enfermería en cuanto a los Factores de Riesgo y Procedimientos Diagnósticos Jamile Marinho Bezerra de Oliveira 1 ; Lígia Oliveira Pinto 2 ; Nara Grazieli Martins Lima 2 ; Gilmara Celli Maia de Almeida 3 Resumo Introdução: A incidência do câncer de boca está aumentando no mundo. Evidências epidemiológicas mostram que o tabaco, o álcool e a exposição ao sol são os principais fatores de risco para essa neoplasia. A prevenção e o diagnóstico precoce constituem as melhores formas de reverter essa situação. Objetivo: Avaliar o nível de conhecimento dos acadêmicos dos cursos de Odontologia e Enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte frente ao câncer oral e com isso adquirir subsídios para o desenvolvimento de estratégias e ações educativas em saúde. Método: Um questionário estruturado foi administrado para os 160 discentes matriculados nos cursos de Enfermagem e Odontologia, contendo questões relativas aos discentes (sexo, idade e curso) e relacionadas à lesão (fatores de risco e procedimentos diagnósticos). Os dados foram analisados através de estatística descritiva e inferencial com nível de significância de 5%. Resultados: Dos participantes, 48,8% afirmaram ter adquirido conhecimento sobre o câncer oral na graduação, sendo que 57,5% desconhecem o tipo mais prevalente e apenas 30% citaram a língua como a região anatômica mais acometida. Observou-se que os estudantes de Odontologia têm um conhecimento maior acerca do câncer bucal quando comparados aos alunos de Enfermagem (p<0,0001) e esse conhecimento aumentou ao longo da graduação (p<0,0001). Conclusão: O conhecimento sobre o câncer de boca mostrou-se inconsistente no tocante ao reconhecimento de alguns fatores de risco, características clínicas e procedimentos diagnósticos. Esses achados sugerem a necessidade de pensar em estratégias que promovam melhorias referentes ao conhecimento desses acadêmicos. Palavras-chave: Neoplasias Bucais; Estudantes de Odontologia; Estudantes de Enfermagem; Neoplasias Bucais-diagnóstico; Neoplasias Bucais-etiologia 1 Cirurgiã-Dentista. Doutoranda em Patologia Oral. Professora Assistente III. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Caicó (RN), Brasil. E-mail: [email protected]. 2 Cirurgiã-Dentista. UERN. Caicó (RN), Brasil. E-mail: [email protected]. 3 Cirurgiã-Dentista. Doutoranda em Ciências da Saúde. Mestre em Odontologia Preventiva e Social. Professora Assistente III. UERN. Caicó (RN), Brasil. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência: Rua das Perdizes, 7979 - Condomínio Natal Brisa, apto. 601, Torre 5. Cidade Satélite. Natal (RN), Brasil. CEP: 59067-480.

Upload: others

Post on 31-Jan-2021

6 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 211Revista Brasileira de Cancerologia 2013; 59(2): 211-218

    Artigo OriginalPercepção dos Acadêmicos sobre o Câncer de Boca

    Artigo submetido em 31/1/13; aceito para publicação em 18/3/13

    Câncer de Boca: Avaliação do Conhecimento de Acadêmicos de Odontologia e Enfermagem quanto aos Fatores de Risco e Procedimentos de DiagnósticoOral Cancer: Assessment of Academic Dentistry and Nursing Knowledge as for the Risk Factors and Diagnostic ProceduresCáncer de Boca: Evaluación del Conocimiento Académico de Odontología y Enfermería en cuanto a los Factores de Riesgo y Procedimientos Diagnósticos

    Jamile Marinho Bezerra de Oliveira1; Lígia Oliveira Pinto2; Nara Grazieli Martins Lima2; Gilmara Celli Maia de Almeida3

    ResumoIntrodução: a incidência do câncer de boca está aumentando no mundo. evidências epidemiológicas mostram que o tabaco, o álcool e a exposição ao sol são os principais fatores de risco para essa neoplasia. a prevenção e o diagnóstico precoce constituem as melhores formas de reverter essa situação. Objetivo: avaliar o nível de conhecimento dos acadêmicos dos cursos de odontologia e enfermagem da universidade do estado do rio Grande do norte frente ao câncer oral e com isso adquirir subsídios para o desenvolvimento de estratégias e ações educativas em saúde. Método: um questionário estruturado foi administrado para os 160 discentes matriculados nos cursos de enfermagem e odontologia, contendo questões relativas aos discentes (sexo, idade e curso) e relacionadas à lesão (fatores de risco e procedimentos diagnósticos). os dados foram analisados através de estatística descritiva e inferencial com nível de significância de 5%. Resultados: dos participantes, 48,8% afirmaram ter adquirido conhecimento sobre o câncer oral na graduação, sendo que 57,5% desconhecem o tipo mais prevalente e apenas 30% citaram a língua como a região anatômica mais acometida. observou-se que os estudantes de odontologia têm um conhecimento maior acerca do câncer bucal quando comparados aos alunos de enfermagem (p

  • 212

    Oliveira JMB, Pinto LO, Lima NGM, Almeida GCM

    Revista Brasileira de Cancerologia 2013; 59(2): 211-218

    INTRODUÇÃO

    no Brasil, houve um aumento substancial na proporção de mortes por doenças crônicas não transmissíveis, como os processos neoplásicos. entre todos os cânceres que incidem na região de cabeça e pescoço, 40% ocorrem na cavidade oral1. segundo dados do instituto nacional de câncer José alencar Gomes da silva (inca), em 2012, estimam-se, no Brasil, 9.990 novos casos de câncer de boca em homens e 4.180 em mulheres2.

    o câncer de boca define-se como uma doença crônica multifatorial, resultante da interação dos fatores de risco que afetam os processos de controle da proliferação e crescimento celular3. os principais fatores de risco são fumo, álcool, radiação solar, dieta, microrganismos e deficiência imunológica4-5. a associação do uso do tabaco e álcool é ainda mais deletéria, podendo elevar para 35 vezes as chances de desenvolvimento dessa neoplasia6.

    os indivíduos leucodermas, do sexo masculino acima de 40 anos, têm sido os mais acometidos por essa doença, sendo a língua e assoalho bucal os locais de maior incidência3,7. Geralmente é uma lesão assintomática nos seus estágios iniciais, podendo mimetizar condições benignas comuns da boca. as características comumente encontradas nos pacientes acometidos são manchas eritroplásicas, leucoplásicas e ulceração8. destes, o sinal mais comum é a ulceração7.

    a prevenção primária dessa condição está embasada nos fatores etiológicos e no estilo de vida9. em casos nos quais a doença já está alojada, o diagnóstico precoce é importante para evitar o agravamento e melhorar o prognóstico do paciente. no entanto, o câncer oral é considerado como um dos maiores problemas de saúde pública, pois a detecção dessa lesão maligna acontece tardiamente3. aproximadamente 40% dos pacientes portadores de câncer de boca morrem pela incapacidade de controle locorregional da doença e 24% apresentam metástases a distância, fato esse decorrente da detecção tardia da doença por parte dos pacientes10.

    deficiências na formação profissional ou na educação continuada têm sido apontadas como fatores que podem contribuir para o diagnóstico tardio do câncer oral1. Percebe-se uma deficiência em reconhecer o câncer de boca por parte da população como também pelos profissionais7, portanto é imprescindível saber como está a situação dos acadêmicos, tendo em vista a existência de poucos estudos envolvendo esse grupo que constitui a base do conhecimento. é essencial analisar a formação universitária acerca dessa patologia e, assim, evitar a permanência de dificuldades no seu reconhecimento.

    neste sentido, elucidar os aspectos acerca do câncer oral com os acadêmicos dos cursos de odontologia e enfermagem torna-se relevante, uma vez que serão futuros profissionais da saúde cuja ocupação requer que trabalhem

    de forma multidisciplinar facilitando o diagnóstico, assim como a intervenção do cirurgião-dentista e do enfermeiro envolve os diversos níveis de prevenção, a partir da criação e articulação de políticas que reduzam a exposição aos fatores de risco7-8.

    estudos11-12 realizados demonstraram que o conhecimento acerca do câncer bucal está muito aquém do que se espera desses profissionais, revelando a necessidade urgente de se repensar na formação acadêmica para a atuação no âmbito dessa neoplasia. dessa forma, o propósito deste trabalho foi avaliar o nível de conhecimento dos acadêmicos dos cursos de odontologia e enfermagem da universidade do estado do rio Grande do norte (uern) frente ao câncer oral e com isso adquirir subsídios para o desenvolvimento de estratégias e ações educativas em saúde.

    MÉTODO

    Previamente à realização deste trabalho, o respectivo projeto foi submetido ao comitê de ética em Pesquisa da uern e aprovado sob o protocolo de número 065/2011, sendo a pesquisa conduzida de acordo com a resolução 196/96 do conselho nacional de saúde.

    trata-se de um estudo exploratório descritivo com abordagem quantitativa, tendo como unidade de análise graduandos dos cursos de odontologia e enfermagem da uern, no município de caicó, localizado na região seridó do estado do rio Grande do norte. a população definida para o estudo foi constituída de 160 acadêmicos devidamente matriculados nos referidos cursos que aceitaram participar da pesquisa mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

    a coleta de dados foi realizada no período entre os anos de 2011 e 2012, referentes ao semestre 2011.2, na aplicação de um questionário estruturado com questões abertas e de múltipla escolha, o qual foi aplicado por um único pesquisador e preenchido pelos acadêmicos em um único momento, não sendo permitido ao discente levar o questionário para casa. o instrumento foi desenvolvido após algumas etapas visando ao seu aprimoramento, sendo realizada a revisão por dois professores e estudo piloto com graduandos de ambos os cursos, com a finalidade de testar o instrumento e torná-lo compreensível para os pesquisados. o estudo piloto foi realizado com a mesma população-alvo da pesquisa (10% dos graduandos de cada curso), de maneira que os acadêmicos que participaram do piloto também foram incluídos no estudo definitivo.

    Para o processamento eletrônico dos dados, foi realizada estatística descritiva e inferencial, bem como o Microsoft Office Excel foi utilizado para construção de tabelas e gráficos. inicialmente foi realizada estatística descritiva através da apresentação de frequências absolutas e percentuais das variáveis relativas à caracterização dos

  • 213

    Percepção dos Acadêmicos sobre o Câncer de Boca

    Revista Brasileira de Cancerologia 2013; 59(2): 211-218

    Conhecimento ou experiência sobre câncer de boca na perspectiva do

    acadêmico

    Variáveis relativas ao curso e tempo de curso

    Odontologia Enfermagemp

    Períodos iniciais

    Períodos intermediários

    Último anop

    n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)

    Autoavaliação quanto ao conhecimento

    Excelente ou bom 21 (91,3) 2 (8,7)

  • 214

    Oliveira JMB, Pinto LO, Lima NGM, Almeida GCM

    Revista Brasileira de Cancerologia 2013; 59(2): 211-218

    com relação ao número de acertos (média de acertos), observou-se diferença significativa entre os acadêmicos de odontologia e enfermagem, bem como no número de acertos de acordo com o tempo percorrido pelos acadêmicos dos períodos iniciais em relação aos demais períodos (tabela 1).

    levando-se em consideração a faixa etária mais acometida pelo câncer bucal segundo os acadêmicos de ambos os cursos, 73 (45,6%) responderam que não sabiam, seguido de 35 (21,9%) que citaram entre 20 e 40 anos de idade. no tocante ao sexo dos pacientes mais atingidos pela lesão, 83 (51,9%) graduandos mencionaram o sexo masculino e 68 (42,5%) que não sabiam.

    não houve diferença significativa no número de acertos entre os acadêmicos quanto ao sexo (p=0,06), apesar de a média no sexo masculino (3,82) ter sido maior que no feminino (2,95). entretanto, houve associação significativa entre sexo e autoavaliação do conhecimento (p=0,011), com as mulheres considerando seu conhecimento como insuficiente ou ausente (n=50; 80,6%) em maior proporção que os homens (n=12; 19,4%).

    Quanto ao tipo mais comum de neoplasia maligna oral, 92 (57,5%) responderam que não sabiam, 50 (31,25%) relataram o carninoma epidermoide ou espinocelular e sete (n=4,37%) apontaram apenas o termo carcinoma. entre os que responderam “outros” (n=11; 6,87%), destacaram-se os seguintes tipos: carcinoma verrucoso e linfoma, bem como lesões cancerizáveis e benignas como a queilite e o herpes labial respectivamente.

    em relação à localização anatômica mais acometida pelo câncer bucal, a maioria dos discentes não sabia, sendo a língua ou borda lateral da língua o local mais citado. Quanto ao fator de risco o mais citado foi o tabagismo, e na categoria “outros” destacaram-se: ausência de higiene bucal, fatores hormonais, sedentarismo, sexo oral e múltiplos parceiros (Figura 1).

    entre os estudantes de ambos os cursos, 69 (43,1%) não sabem como a lesão caracteriza-se clinicamente; 48 (30%) responderam apresentações clínicas diversas que foram inseridas na categoria “outros”, como: lesão invasiva, agressiva com rápido crescimento, lesão de bordas elevadas e endurecidas, lesões que não cicatrizam, feridas que drenam secreções e com odor fétido. lesões eritematosas e esbranquiçadas totalizaram 32 (20,1%) das respostas.

    no que refere ao método de diagnóstico precoce para o câncer de boca, 108 (67,5%) dos acadêmicos responderam não conhecer, seguido de 28 (17,6%) que disseram o autoexame. outros métodos citados corresponderam à biópsia, citologia esfoliativa, elisa e ressonância. a maioria dos acadêmicos que responderam “não sei” nas questões descritas anteriormente foi do curso de enfermagem.

    DISCUSSÃO

    o câncer de boca representa um problema de saúde pública em consequência das taxas elevadas de morbimortalidade, bem como devido aos altos custos clínico-assistenciais13, além disso ocupa o quinto lugar de

    Figura 1. Distribuição absoluta e percentual da localização anatômica mais comum e fatores de risco para o câncer de boca segundo os acadêmicos dos cursos de Odontologia e Enfermagem da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). Caicó (RN), Brasil, 2011-2012

  • 215

    Percepção dos Acadêmicos sobre o Câncer de Boca

    Revista Brasileira de Cancerologia 2013; 59(2): 211-218

    incidência entre todos os tipos de câncer nos homens e o sétimo entre as mulheres2.

    o processo de formação acadêmica assume papel fundamental no contexto nacional, tendo em vista as mudanças que vêm acontecendo no sistema de saúde brasileiro, bem como as mudanças no mercado de trabalho12. nesse contexto, a universidade enquanto instituição social e os cursos de graduação da saúde devem formar um profissional capaz de desenvolver habilidades teóricas e práticas para atuar com competência na resolução das necessidades reais de saúde das populações.

    a média de idade entre os participantes deste estudo foi em torno dos 23 anos, constituindo uma população jovem, se contrapondo a trabalhos contidos na literatura com cirurgiões-dentistas que, por já serem formados, apresentavam maior média de idade (acima de 30 anos)7,11. indivíduos com o perfil mais jovem apresentam-se mais flexíveis às modificações comportamentais e, teoricamente, estão mais susceptíveis à adoção de atitudes mais adequadas em relação ao câncer bucal7.

    a autoavaliação do conhecimento e a percepção geral dos discentes entre os cursos de odontologia e enfermagem revelaram associação significativa, bem como no que se refere ao tempo percorrido no curso de graduação. esses resultados foram evidenciados, pois os futuros dentistas apresentaram um bom desempenho nas questões específicas para o câncer de boca e quanto aos métodos de diagnóstico, sendo observado que esse índice de acertos aumentou à medida que os alunos foram recebendo informações teóricas e práticas no decorrer do curso de graduação, destacando as disciplinas específicas de patologia oral e estomatologia como responsáveis por abordar o tema.

    no entanto, não houve associação estatisticamente significativa no que se refere à experiência sobre o câncer de boca, uma vez que a maioria dos discentes nunca se deparou com casos de câncer oral, o que é aceitável, uma vez que ainda não estão no mercado de trabalho, sendo escassa a experiência dentro da universidade.

    estudos5,14-17 anteriormente realizados mostraram que os profissionais e alunos de odontologia apresentam um conhecimento superior sobre o câncer de boca quando comparado a outros cursos, e que o desempenho é proporcional ao período cursado, corroborando nossos resultados.

    em contrapartida, os graduandos de enfermagem se mostraram inseguros e despreparados para identificar as principais características dessa lesão maligna, visto que o baixo desempenho repercutiu ao longo da graduação. nesse sentido, a literatura8 também evidencia um baixo nível de conhecimento desses profissionais, percebendo--se a carência do conhecimento acerca do câncer de boca.

    Baseado nisso, no curso de enfermagem torna-se relevante complementar, com a temática em questão,

    as disciplinas afins como Patologia Geral, semiologia e semiotécnica, além de enfermagem em saúde coletiva, dando ênfase aos diversos aspectos que incluem os enfermeiros como provedores de diagnóstico precoce e prevenção. além disso, promover capacitação para ambos os cursos no decorrer da graduação, a fim de atualizar os conhecimentos preexistentes e facilitar a integração desses futuros profissionais, contribuindo para o trabalho em equipe e consequentemente favorecendo a identificação e encaminhamentos de casos de câncer de boca.

    Quanto ao tipo de câncer mais prevalente na cavidade oral, destaca-se o carcinoma epidermoide5,9,15,18-19, no entanto estudos7,11,20 têm relatado que os graduandos e profissionais o desconhecem como o tipo mais comum entre os tumores malignos da boca. nesse contexto, nossos achados coincidem com os resultados de estudos prévios, já que a maioria dos discentes não sabia qual a neoplasia maligna oral mais comum.

    o perfil epidemiológico do câncer bucal passa pela determinação dos fatores de risco. assim, há unanimidade quanto ao predomínio de indivíduos do sexo masculino de meia idade e idosos entre os diagnosticados com câncer de boca5,11,15,21. no entanto, nas últimas décadas, tem se tornado menos discrepante a exposição aos fatores de risco entre homens e mulheres, uma vez que estas têm sido frequentemente expostas aos principais agentes carcinógenos como tabaco e álcool, tornando-as mais passíveis de desenvolvimento da doença no futuro9. os dados desse estudo são preocupantes, pois grande parte dos entrevistados não sabia a faixa etária de risco, nem o sexo mais atingido pela patologia em questão.

    Quanto às características clínicas, as quais são fundamentais para a identificação precoce do câncer oral21, 20,1% apontam as lesões eritematosas e esbranquiçadas como características comuns durante o aparecimento da neoplasia, aspectos clínicos semelhantes foram encontrados por outros autores15-16,19, sendo a associação de ambas um achado clínico comum19. contudo, a lesão de úlcera foi pouco citada pelos acadêmicos, embora seja o aspecto clínico mais prevalente15. no tocante à localização anatômica, pesquisas mostraram que os locais mais acometidos foram palatos duro e mole, rebordo alveolar, lábio e maior prevalência em borda lateral de língua seguida pelo assoalho bucal3,19,22. no entanto, grande parte dos graduandos desconhecia a localização anatômica mais acometida, pois apenas 30% relataram que seria a borda lateral de língua e 0,6% apontaram ser o assoalho de boca.

    assim, como as características clínicas, os fatores etiológicos permitem atuar sobre a relação causa-efeito de agentes causais como o tabaco e o álcool, além de selecionar quais pacientes têm mais probabilidades de desenvolver um tumor específico e atuar em uma etapa precoce5. neste trabalho, foi obtido um percentual relevante das

  • 216

    Oliveira JMB, Pinto LO, Lima NGM, Almeida GCM

    Revista Brasileira de Cancerologia 2013; 59(2): 211-218

    respostas em relação ao tabaco, contrapondo ao álcool, que foi pouco referido, coincidindo com resultados de outros estudos9,15 em que o álcool foi pouco citado.

    os portadores da doença geralmente são incapazes de identificar os seus sinais e sintomas, tendo em vista que não há ênfase às medidas de prevenção e conscientização para a população23. no caso de diagnóstico precoce, as complicações no tratamento poderiam ser minimizadas, os resultados estéticos e funcionais seriam menos mutiladores e o índice de sobrevida do paciente seria maior8.

    neste sentido, profissionais de saúde devem estar aptos para diagnosticar a lesão no estágio inicial, bem como serem capacitados a orientar os pacientes a realizarem o autoexame, visto que é um método simples, de baixo custo e pode ser realizado em casa. apesar disso, nenhum método de identificação precoce era conhecido pela maioria dos acadêmicos, e apenas uma pequena parcela relatou o autoexame, corroborando outros estudos7,13 nos quais os profissionais não realizavam o exame da cavidade oral por não saber fazê-lo.

    é importante ressaltar que a maioria dos “não sei” ao longo dos resultados é atribuído aos discentes do curso de enfermagem, refletindo a carência destes sobre o assunto. achados na literatura3,5,8,15,22 assemelham-se aos resultados desta pesquisa no que se refere à necessidade de incrementar novos conhecimentos a esses profissionais, uma vez que desempenham um papel importante frente ao diagnóstico precoce do câncer oral. assim, faz-se necessário ressaltar a importância do treinamento com enfermeiros, médicos e dentistas, capacitando-os para realizar o exame da cavidade oral, obtendo sucesso na execução do trabalho e consequente diminuição do diagnóstico tardio24.

    tais informações sinalizam a necessidade de se pensar em estratégias que revertam tal situação22 como, por exemplo, uma abordagem mais criteriosa dos cursos em relação ao tema e estimular entre os acadêmicos a educação continuada, a qual desempenha um importante papel no processo de aprendizagem, atualização e elevação da autoconfiança.

    CONCLUSÃO

    como a incidência do câncer de boca tem aumentado nos últimos tempos, torna-se relevante que os profissionais de saúde estejam preparados em reconhecer a lesão e capacitados para identificar os fatores de riscos da doença, procurando desenvolver atividades de prevenção e detecção precoce. este estudo revelou que o conhecimento dos graduandos do curso de odontologia aumenta no decorrer da graduação, principalmente, a partir do segundo ano do curso, entretanto os discentes do curso de enfermagem se posicionaram independentemente do período cursado com dúvidas e pouco conhecimento sobre o tema.

    essa situação sugere a necessidade de reformulação do ensino, a fim de capacitar os futuros profissionais ao diagnóstico precoce, refletindo o reconhecimento do seu papel profissional no âmbito dessa doença. Mais estudos devem ser realizados no intuito de conhecer o perfil dos graduandos dos cursos de odontologia e enfermagem acerca dessa neoplasia maligna para que possam ser implementadas ações que visem a acrescentar conhecimentos aos futuros profissionais.

    CONTRIBUIÇÕES

    Jamile Marinho Bezerra de oliveira contribuiu na concepção e planejamento do projeto de pesquisa; na obtenção e/ou análise e interpretação dados; na redação e revisão crítica. lígia oliveira Pinto, nara Grazieli Martins lima, Gilmara celli Maia de almeida contribuíram na obtenção e/ou análise e interpretação dados; na redação e revisão crítica.

    Declaração de Conflito de Interesses: Nada a Declarar.

    REFERÊNCIAS

    1. Kowalski LP, Nishimoto IN. Epidemiologia do câncer de boca. In: Parise Jr. O. Câncer de boca: aspectos básicos e terapêuticos. São Paulo: Sarvier; 2000. p. 3-11.

    2. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2011.

    3. Lima AAS, França BHS, Ignácio SA, Baioni CS. Conhecimento de alunos universitários sobre câncer bucal. Rev. bras cancerol. 2005; 51(4):283-8.

    4. Wünsch-Filho V. The epidemiology of oral and pharynx cancer in Brazil. Oral Oncol. 2002; 38(8):737-46.

    5. Martins MAT, Marques FGOA, Pavesi VCS, Romao MMA, Lascala CA, Martins MD. Avaliação do conhecimento sobre o câncer bucal entre universitários. Rev bras cir cabeca pescoço 2008; 37(4):191-7.

    6. Matos IB, Araujo LA. Práticas acadêmicas, cirurgiões dentistas, população e câncer bucal. Rev ABENO. 2003; 3(1):76-81.

    7. Falcão MML, Alves TDB, Freitas VS, Coelho TCB. Conhecimento dos cirurgiões-dentistas em relação ao câncer bucal. RGO (Porto Alegre). 2010; 58(1):27-33.

    8. Carter LM, Harris AT, Kavi VP, Johnson S, Kanatas A. Oral cancer awareness amongst hospital nursing staff: a pilot study. BMC Oral Health. 2009 Jan 28;9:4. doi: 10.1186/1472-6831-9-4

    9. Santos RAS, Portugal FB, Felix JD, Santos PMO, Siqueira MM. Avaliação epidemiológica de pacientes com câncer no trato aerodigestivo superior: relevância dos fatores de risco álcool e tabaco. Rev brasil cancerol. 2012; 58(1):21-29.

  • 217

    Percepção dos Acadêmicos sobre o Câncer de Boca

    Revista Brasileira de Cancerologia 2013; 59(2): 211-218

    10. Ramalho LMP, Góes CF, Castro CRS, Aquino FC. Câncer de boca: papel dos genes reguladores da apoptose. Rev. Odonto ciên. 2002; 17(35): 90-5.

    11. Morais TMN. Câncer de boca: avaliação do conhecimento dos cirurgiões-dentistas quanto aos fatores de risco e procedimentos diagnósticos [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2003.

    12. Cruz GD, Ostroff JS, Kumar JV, Gajendra S. Preventing and detecting oral cancer: oral health care providers’ readiness to provide health behavior counseling and oral cancer examinations. J Am Dent Assoc. 2005 May; 136(5):594-682.

    13. Ramos APS, Emmerich A, Zandonade E. Conhecimentos dos acadêmicos de odontologia sobre câncer de boca. UFES rev. odontol. 2005; 7(1):30-38.

    14. Santos IV, Alves TDB, Falcão MML, Freitas VS. O papel do cirurgião-dentista em relação ao câncer de boca. Odontol. clín.-cient. 2011; 10(3):207-10.

    15. Carter LM, Ogden GR. Oral cancer awareness of undergraduate medical and dental students. BMC Medic Educ 2007; 7:44.

    16. Gajendra S, Cruz GD, Kumar JV. Oral cancer prevention and early detection: knowledge, practices, and opinions of oral health care providers in New York State. J Cancer Educ. 2006; 21(3):157–62.

    17. Neville BW, Day TA. Oral cancer and precancerous lesions. CA Cancer J Clin. 2002; 52(4):195-215.

    18. Zanetti F, Azevedo MLC, Perez DEC, Silva SRC. Conhecimento e fatores de risco do câncer de boca em um programa de prevenção para motoristas de caminhão. Odontol. clín.-cient. 2011; 10(3):233-241.

    19. Carli ML, Santos SL, Pereira AAC, Hanemann JAC. Características clínicas, epidemiológicas e microscópicas do câncer bucal diagnosticado na Universidade Federal de Alfenas. Rev bras de cancerol 2009; 55(3): 205-11.

    20. Dib LL. Nível de conhecimento e de atitudes preventivas entre universitários do curso de odontologia em relação ao câncer bucal: desenvolvimento de um instrumento de avaliação. Acta oncol bras. 2004; 24(2):628-44.

    21. Souza LRB, Ferraz KD, Pereira NS, Martins MV. Conhecimento acerca do câncer bucal e atitudes frente à sua etiologia e prevenção em um grupo de horticultores de Teresina (PI). Rev bras de cancerol 2012; 58(1): 31-9.

    22. Pinheiro SMS, Cardoso JP, Prado FO. Conhecimentos e diagnóstico em câncer bucal entre profissionais de odontologia de Jequié, Bahia. Rev bras de cancerol 2010; 56(2):195-205.

    23. Adlard JW, Hume MJ. Cancer knowledge of the general public in the United Kingdom: survey in a primary care setting and review of the literature. Clin Oncol (R Coll Radiol). 2003;15(4):174-80.

    24. Maybury C, Horowitz AM, Goodman HS. Outcomes of oral cancer early detection and prevention statewide model in Maryland. J Public Health Dent. 2012;72 Suppl 1:S34-8.

  • 218

    Oliveira JMB, Pinto LO, Lima NGM, Almeida GCM

    Revista Brasileira de Cancerologia 2013; 59(2): 211-218

    AbstractIntroduction: The incidence of oral cancer is increasing worldwide. epidemiologic studies show that tobacco, alcohol and sun exposure are major risk factors for this neoplasm. Prevention and early detection are the best ways to reverse this situation. Objective: to evaluate the level of knowledge of academic courses in dentistry and nursing of university of state of rio Grande do norte versus oral cancer and therewith acquire subsidies for the development of strategies and educational health actions. Method: a structured questionnaire was administered to the 160 students enrolled in nursing and dentistry, containing questions concerning students (sex, age, and course) and related to lesions (risk factors and diagnostic procedures). data was analyzed using descriptive and inferential statistics with a significance level of 5%. Results: 48.8 % of the participants reported having acquired knowledge about oral cancer at graduation t 57.5% were unaware of the most prevalent and only 30% cited the tongue as the anatomical region most affected. it was observed that the dentistry students have greater knowledge about oral cancer when compared to nursing students (p