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CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO ESCOLA DO PARLAMENTO PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU “LEGISLATIVO E DEMOCRACIA NO BRASIL” Thaís Zschieschang Empoderamento de mulheres e o ecofeminismo: a valorização dos serviços de cuidado e meio ambiente São Paulo 2016

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CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DO PARLAMENTO

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

“LEGISLATIVO E DEMOCRACIA NO BRASIL”

Thaís Zschieschang

Empoderamento de mulheres e o ecofeminismo: a valorização dos serviços de cuidado e

meio ambiente

São Paulo

2016

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CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DO PARLAMENTO

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

“LEGISLATIVO E DEMOCRACIA NO BRASIL”

Thaís Zschieschang

Empoderamento de mulheres e o ecofeminismo: a valorização dos serviços de cuidado e

meio ambiente

Monografia apresentada à Escola

do Parlamento da Câmara

Municipal de São Paulo como

requisito parcial para aprovação

no curso de Pós-Graduação Lato

Sensu “Legislativo e Democracia

no Brasil”

Orientadora: Prof. Dra. Ana Maria Capitanio

São Paulo

2016

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CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DO PARLAMENTO

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

“LEGISLATIVO E DEMOCRACIA NO BRASIL”

Thaís Zschieschang

Empoderamento de mulheres e o ecofeminismo: a valorização dos serviços de cuidado e

meio ambiente

Média da avaliação da banca examinadora.

Nota Final: .................................................

São Paulo, ..... de ...................... de 2016.

___________________________________________

ORIENTADORA: Prof. Dra. Ana Maria Capitanio

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DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho a todos envolvidos nas lutas feministas, ambientais e principalmente

ecofeministas, a todos que lutam por reconstruções saudáveis e progressistas em nossa estrutura

social.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as mulheres fortes que cruzaram meu caminho e me apoiaram em

minha reconstrução diária, incluindo minha orientadora Ana Maria Capitanio. Gratidão.

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“Quando a árvore é pequena, o jardineiro

orienta-a como quer. Mas quando a

árvore cresceu, já não pode reorientar as

suas curvas e sinuosidade.”

Abu Shakur

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RESUMO

O ecofeminismo tem a pretensão de dar visibilidade às mulheres que tiveram sua

participação social e atividades desvalorizadas, apontando como as consequências

básicas desta invisibilidade a crise ecológica e de trabalhos relativos aos cuidados,

indicando que para que se tenha sustentabilidade o papel e a participação das mulheres

são fundamentais, com o fortalecimento de redes locais de proteção ambiental. Esta

pesquisa teve como objetivo explorar os possíveis avanços ambientais, econômicos e

sociais de mulheres que aderiram o movimento ecofeminista; e ainda expor possíveis

formas de apoio ao desenvolvimento produtivo destes grupos uma vez que o tema é

pouco tratado, atualmente, apesar de sua relevância social e econômica. Esta é uma

pesquisa bibliográfica exploratória e utilizou a compilação das principais publicações

que norteiam o tema ecofeminista. Os preceitos fundamentais de sustentabilidade e

consumo consciente trazidos pelo ecofeminismo dão nova significação aos moldes de

produção enquanto alternativa às formulações consolidadas atualmente que tendem a

reproduzir fatores que colaboram com o aumento da desigualdade.

Palavras-chave: ecofeminismo; feminismo; natureza; cultura; meio-ambiente.

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ABSTRACT

Ecofeminism has a claim to give visibility to women who have had their social

participation and activities devalued, pointing out as the basic consequences for

invisibility an ecological crisis and works related to care with the strengthening of local

networks of environmental protection. This research aimed to explore the possible

environmental, economic and social advances of women who joined the ecofeminist

movement; exporting forms of support to the development of groups of producers, once

this theme is not strong as it should be, despite its social and economic relevance. This

is an exploratory bibliographical research made by a compilation of the main

publications that guide the ecofeminist theme. The fundamental precepts of

sustainability and conscious consumption brought by ecofeminism give new meaning to

the patterns of production of alternative to consolidated formulations that tend to

reproduce the factors that contribute to the increase of inequality.

Keywords: ecofeminism; feminism; nature; culture; environment.

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DECLARAÇÃO DE AUTENTICIDADE AUTORAL E AUTORIZAÇÃO DE

PUBLICAÇÃO

Eu Thaís Zschieschang, declaro ser a autora desta Monografia apresentada à

Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo para o Curso de Pós-

Graduação “Legislativo e Democracia no Brasil” e que qualquer assistência recebida em

sua preparação está divulgada no interior da mesma. Declaro também que citei todas as

fontes das quais obtive dados, ideias ou palavras, usando diretamente aspas (“ “) ou

parafraseando, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos,

fotográficos, gravações ou quaisquer outros tipos. Declaro por fim, que este trabalho

poderá ser publicado por órgãos de interesse público. Declaro que o presente trabalho

está de acordo com a Lei 5988 de 14/12/1973, Lei de proteção intelectual, e que recebi

da Instituição, bem como de seus professores, a orientação correta para assim proceder.

Em ambos os casos responsabilizo-me exclusivamente por quaisquer irregularidades.

São Paulo, 02 de janeiro de 2017.

___________________________________

Thaís Zschieschang

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................1

1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..................................................................5

1.2 Revisão de literatura........................................................................................5

2. O ECOFEMINISMO...................................................................................................12

2.1 O papel do homem no ecofeminismo............................................................17

3. CONSTRUÇÃO TEMÁTICA E AGENDAS.............................................................20

3.1 As mulheres e a temática ambiental..............................................................24

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................28

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................34

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1

INTRODUÇÃO

No mundo ocidental é comum observar, nas interações sociais, uma forma de pensar

dicotomicamente e que leva, em consequência disso, a uma relação hierárquica e desigual

como é o caso, por exemplo, das relações razão e natureza; macho e fêmea; mente e corpo;

senhor e escravo; civilização e primitivo; eu e o outro, entre outras categorias. Podemos

observar que sempre os primeiros de cada divisão são os com maior poder social e

hierarquicamente superior aos segundos. Esta hierarquização social usa como ferramenta o

dualismo para criar uma lógica de submissão e desvalorização (FAUSTO-STELING, 2000).

A razão, que também pode ser entendida como cultura, prevalece sobre a natureza,

condicionando ela e seus recursos ao desenvolvimento, assim como o homem é mais

valorizado socialmente, subjugando a mulher dentro do sistema patriarcal atual1; e assim se dá

com os seguintes grupos. Analogicamente, essa divisão no ecofeminismo se dá pela cultura,

que representaria o homem; e pela natureza, que corresponderia à mulher, em uma relação de

domínio exploratório onde a natureza estaria a serviço do homem. A associação da mulher

com a natureza se daria, entre outras razões, pela maternidade e funções biológicas do corpo

feminino, isto explicaria o motivo de mulheres terem assumido e ainda assumem um papel

social tradicional (envolvendo cuidados de indivíduos e saúde, principalmente) que por sua

vez condicionou seu desenvolvimento psíquico. Já as tarefas tradicionalmente masculinas

relacionadas à caça e a luta foram supervalorizadas e vistas como forma de sustento, sendo

traduzidas na modernidade para o mercado de trabalho capitalista, que domina as relações

contemporâneas (KING, 1988). Com a perpetuação da associação entre homem e cultura,

1 Segundo Barreto, 2016, o “PATRIARCALISMO pode ser definido como uma estrutura sobre as quais se

assentam todas as sociedades contemporâneas. É caracterizado por uma autoridade imposta institucionalmente,

do homem sobre mulheres e filhos no ambiente familiar, permeando toda organização da sociedade, da produção

e do consumo, da política, à legislação e à cultura.Nesse sentido, o patriarcado funda a estrutura da sociedade e

recebe reforço institucional, nesse contexto, relacionamentos interpessoais e personalidade, são marcados pela

dominação e violência”.

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sendo que a cultura pauta o desenvolvimento e as regras sociais, direcionando a sociedade,

mulheres foram afastadas do poder decisório, mas isto não significa que esta situação não

pode ser alterada e que mulheres devem estar afastadas da cultura.

A mulher, como cidadã, deve ganhar a igualdade de participação e de poder decisório

e em todos os processos produtivos em que houver interesse, podendo inclusive criar

símbolos sociais, entretanto a valorização das atividades tipicamente construídas socialmente

como femininas, assim como a proteção da natureza no que diz respeito às formas produtivas

devem ser efetuadas.

Sobre a tradicional divisão entre o feminino e masculino, existem diversas discussões

acadêmicas que tentam definir gênero, vertentes que o descrevem por premissas biológicas,

culturais ou sociais, a partir de construções; e a discussão sobre seu significado nasce sob o

impulso feminista de “desobrigar” atividades como femininas ou masculinas, ou seja, quebrar

com a ideia de talentos inatos entre homens e mulheres que são considerados fatores

determinantes sobre qual o papel social de ambos na estrutura patriarcal, onde podemos

recordar que o homem está relacionado à cultura e ao desenvolvimento econômico; enquanto

as mulheres são postas para os serviços de cuidado de baixo (ou nenhum) valor agregado. O

conceito gênero, no início foi a ferramenta das feministas socialistas, para a denúncia da

subjugação e opressão das mulheres, seguindo a lógica marxista, possibilitando o

desenvolvimento do que entendemos como patriarcado, incluindo em suas análises o sistema

capitalista em seus níveis de opressão (SANTOS, 2011).

Existem hormônios, genes, próstatas, úteros e outras partes e fisiologias

do corpo que usamos para diferenciar o macho da fêmea, que se tornam

parte do campo de que emergem variedades de experiência e de desejo

sexual. Além disso, variações em cada um desses aspectos da fisiologia

afetam profundamente a experiência individual do gênero e da

sexualidade. Mas cada vez que tentamos voltar para o corpo como algo

que existe antes da socialização, antes do discurso sobre macho e

fêmea, diz Butler, “descobrimos que a matéria está inteiramente

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sedimentada com discursos sobre o sexo e a sexualidade que

prefiguram e limitam os usos que podemos fazer desse termo”

(FAUSTO-STERLING, 2000, p.62).

O sexo em si - definido pela categorização homem e mulher - é muito complexo para

ser definido por anatomia ou DNA, também porque forças sociais são capazes de moldar o

comportamento dos indivíduos, entretanto um papel importante do sexo é determinar para

qual categoria da crença de gênero a pessoa será destinada. O sexo, enquanto questão

biológica é considerado natural, enquanto o gênero é uma construção social que por sua vez

pode condicionar os conhecimentos científicos. Consequentemente a desigualdade de gênero

deve ser tratada na esfera social, onde ela pertence (FAUSTO-STERLING, 2000).

Podemos comentar que questões relativas ao gênero (masculino e feminino) envolvem

importantes discussões que abrangem campos como a intersexualidade e homesexualidade.

Onde as questões sexuais são caracterizadas como individuais, ou seja, não representam

construções sociais (FAUSTO-STERLING, 2000). Os debates referentes a gênero são amplos

e envolvem temáticas igualmente importantes ao nosso ponto de discussão, mas não o

trataremos em profundidade pois se o fizermos sairemos do foco da presente exposição.

Atualmente a maioria dos grupos feministas concordam que o gênero é construção

social que separa e hierarquiza homens e mulheres, sendo que a única ligação direta com a

identidade biológica é que a partir dela os indivíduos são separados entre estes dois grupos

para serem moldados socialmente, de acordo com a lógica social empregada (SANTOS,

2011).

Aqui trabalharemos a diferença de sexo simples, não menosprezando as demais

complexas diferenças de gênero que contribuem fortemente com esta discussão. A escolha da

distinção realidade é graças ao nosso sistema cultural ocidental, em que no momento de nosso

nascimento, o sexo de fato é a principal identificação para a socialização, pois em nossas

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sociedades existe uma conceituação pré-determinada (e falha) sobre as atividades e gostos -

que influenciam a sociabilidade e forma de criação - de meninos e meninas. Então uma pessoa

que nasce com o órgão genital masculino é socializada como homem, e tal lógica funciona da

mesma forma para mulheres. Embora esta lógica dicotômica claramente não dê conta da

diversidade das formas de homens e mulheres ou da pluralidade das feminilidades e

masculinidades.

Dada a situação o problema de pesquisa a ser desenvolvido é a real forma de

empoderamento de mulheres dentro do ecofeminismo, sendo que este representa um trabalho

qualitativo que se afasta do pensamento positivista, considerando que a uma hipótese não

poderá ser testada, portanto tal a formulação desta não foi realizada.

A partir do problema exposto, o presente trabalho tem o objetivo estudar a trajetória

do feminismo e do ecofeminismo, conhecendo a influência ecofeminista na vida e

empoderamento de mulheres. O presente trabalho está divido em dois grandes eixos e suas

ramificações, sendo o primeiro representa a teoria ecofeminsta em si e suas raízes ambientais

e feministas; em seguida abordaremos a construção da temática e sua agenda, assim como as

possíveis resoluções para os problemas levantados dentro destas construções teóricas.

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1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O tipo de pesquisa escolhido, de acordo com seus objetivos, foi o exploratório,

permitindo uma visão ampla das problemáticas tratadas pelo movimento social estudado. Esta

também se caracteriza como uma pesquisa bibliográfica realizada por meio de um estudo não

exaustivo com as principais publicações encontradas em sites acadêmicos e de busca com os

descritores ecofeminismo, gênero, meio ambiente e cultura e natureza no período de 10 anos,

entre os anos de 2007 e 2016.

Entre os textos utilizados, os referenciais teóricos serão retirados das publicações de

Assis (2012), que constrói a trajetória ecofeminista e suas ambições; Castro e Abramovay

(1997) que tratam os principais atores das temáticas ambientais feministas, sendo eles locais

governamentais e não governamentais, regionais ou internacionais. Sobre as questões de

gênero, discutindo desde seu entendimento biológico falho até sua construção social contamos

com a publicação de Fausto- Sterling (2002); e de Santos (2011). A pesquisadora Ortner

(1979), contribuiu com sua discussão entre a relação real da mulher com a natureza (e com a

cultura), E por fim, relacionando o feminismo com as questões ambientais consideramos

Siliprandi (2000); e Ciommo (2003).

1.2 Revisão de literatura

Existem diferentes linhas de produção de conteúdos dentro desta temática. Os

divergentes recortes se dão por diferentes fatores, desde o foco dos indivíduos e movimentos,

quanto às descobertas científicas e sociais alcançada, como a evolução e contexto histórico

das demandas sociais. Os conteúdos observados nos textos analisados podem ser separados

em grupos a partir de seus recortes e teorias defendidas. Existem grupos críticos,

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essencialistas, locais, ambientais, políticos, feministas, entre outros, que permitem entender

fatores compatíveis e constantes entre as produções, que representam as linhas gerais do

movimento ecofeminista, assim como suas peculiaridades, nos permitindo desenvolver uma

visão abrangente sobre o tema.

De forma geral, focaremos nas produções ecofeministas, fugindo de produções

puramente ambientais ou feministas nesta revisão de literatura. Para tal, é importante registrar

que o ecofeminismo nasce na década de 1970 como uma tentativa de dialogar de forma igual

com dois movimentos com identidades não convergentes, o feminista e o ecológico;

relacionando a hierarquização social e os danos sofridos por tal lógica tanto pela mulher

quanto pela natureza. Nasce então a pretensão de desenhar uma fórmula capaz de mudar o

modelo atual e hegemônico de produção econômica que desgasta a natureza com suas lógicas

patriarcais e capitalistas, condicionando nossas produções culturais e favorecendo certas

profissões em detrimento de outras.

A partir da seleção de textos dos últimos dez anos, começaremos com o recorte de

pesquisas locais. Neste bloco trataremos conteúdos que tiveram como recorte temático grupos

regionais, práticas de produção, religiosas e culturais comuns.

Para exemplificar este tipo de produção de conteúdo, com foco local nos valeremos do

artigo “A diversidade ritual entre as mulheres krahô: rumo ao ecofeminismo e ao

desenvolvimento sustentável”, que possui um com recorte indigenista, feminino e cultural.

Em seu artigo, Andrade (2007) faz uso do feminismo essencialista, justificando a proximidade

entre mulher e a natureza como ferramenta fundamental para a proteção ambiental; ela

defende a construção social que se deu com a divisão tradicional de trabalho dentro destas

tribos indígenas, onde as mulheres são responsáveis pelos serviços de cuidados2 enquanto os

homens são os provedores, através da caça, que naturalmente deteriora a natureza. Entre os

2 Incluindo neste grupo um fator essencial: a maternidade, como cuidado de crianças, o que faz delas também

próximas a natureza. Sendo assim, em algum momento as crianças do sexo masculino deixam de ser crianças

para se tornarem provedor, e a partir deste ponto, de certa forma, se distanciam da natureza.

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principais feitos das mulheres krahô podemos citar a demarcação de áreas onde é permitida a

caça, dentro do território destinado a essa tribo indígena; a mediação de conflitos, evitando

guerras; e a introdução de certos tipos de produtos industrializados; o que eu particularmente

acho contraditório, se tratando de um movimento articulado ecofeminista, pois apoia o meio

de produção combatido pelo próprio movimento. Em resumo podemos colocar que além de

local este conteúdo possui forte recorte feminista, pois fala sobre o papel empoderado de

mulheres na organização social de sua comunidade com voz e papel ativos, agregando entre

seus feitos o desenvolvimento local de maneira sustentável. Entretanto um paradigma

interessante é estruturado no texto o que nos faz questionar se tal movimento é em si

ecofeminista. O fato de as mulheres terem um papel forte na sociedade enfraquece o sistema

patriarcal, e a autora aponta fortemente a influência do capitalismo no desenvolvimento da

sociedade patriarcal, mas a abertura desta comunidade indígena aos produtos industrializados

pode representar tanto o poder do sistema capitalista (e do patriarcado), quanto a ausência de

uma militância de produção ecofeminista.

Ainda dentro do recorte local, mas com uma perspectiva, mas empoderadora, Silva,

Bonfin e Souza (2014) estudaram mulheres coletoras de sementes dentro da comunidade

ribeirinha do Maguari. A coleta é responsável por gerar recursos para a região, pois a partir

das sementes artesanatos são gerados; e para selecionar tal matéria prima essas mulheres

precisam de um conhecimento sobre a floresta em si e sobre como manipular os coletados

corretamente, o que demanda uma sensibilidade atribuída para mulheres em algum ponto na

construção desta tradição local. Por se tratar de um trabalho gerador de renda e executado por

mulheres notou-se que tais mulheres foram empoderadas, participando ativamente no

orçamento doméstico como principal fonte de renda de suas famílias. A sua produção e

comercialização em pequena escala é ecologicamente consciente. Existe uma divisão de

trabalho relativa a gênero e a periculosidade do trabalho realizado, sendo que os homens, que

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aparecem apenas neste único texto, tem um papel ativo, pois são responsáveis por trilhar a

floresta adentro, por caminhos que levem a zonas de coletas; e este costume é reproduzido de

forma geracional, mantendo a estrutura social.

Sob a ótica de produção de conteúdo ambientalista associada à visão da mulher como

atriz central na temática, iniciaremos outro bloco de recorte para visão de produção de

conteúdos dentro desta temática.

Yaghsisian e Freitas (2015) apontam o nascimento do feminismo como uma demanda

ambiental se valendo do ecofeminismo essencialista3 para indicar que as mulheres

representam a “classe mediadora” (valorizando o papel da mediação) entre os conflitos

ambientais e os paradigmas de evolução econômica que degrada a natureza direcionada por

homens. Os autores defendem que as mulheres seriam as responsáveis por buscar o ponto de

equilíbrio desta disputa de poder entre a produção capitalista e a proteção da natureza; a

proximidade da mulher com a natureza, entre outros fatores, se dá pela sua inferiorização

perante o homem dentro da hierarquia social e cultural impostas.

Garcia (2009) escreve sobre a relação da mulher com a natureza associando a ecologia

e o feminismo em sua base teórica, descartando a visão do ecofeminismo crítico que defende

que o homem tem a capacidade de se conectar tanto a natureza quanto a mulher; sua

construção passa desde pontos mitológicos a religiosos para descrever como a mulher foi vista

culturalmente, assim como a natureza e a relação entre ambas, somente.

Souza e Ramírez-Gálvez (2008) discutiram o sentido dado a mulheres e a natureza; e

sua ligação seguindo a base essencialista que defende uma conexão inata entre ambas a partir

da análise de textos selecionados sobre a temática ecofeminista, entendida como a intersecção

entre os temas feminismo e ecologia, em uma visão simplista. Eles definiram o

3 O ecofeminismo essencialista defende que a proximidade entre mulheres e a natureza é real, sendo

assim sua possibilidade de compreensão dentro da temática é maior do que a de homens,

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empoderamento e fim da desigualdade como o entendimento de que indivíduos diferentes são

equivalentes, dentro de suas diferenças complementares em sua lógica dual.

Hernández (2010) discutiu a relação de homens, mulheres e natureza, citando que os

problemas ambientais interferem no estilo de vida moderno. Sua construção começa com a

inclusão de mulheres nas agendas de desenvolvimento que se deu nos anos 70, fato que

demandou maior acesso de mulheres ao setor produtivo, o que foi alcançado através de

estudos e capacitações; sem a preocupação com a imposição de gênero e os conflitos gerados

pela desigualdade decorrentes desta. Em 90 surge a perspectiva de gênero denunciando a

exclusão de mulheres socialmente; e as agendas de desenvolvimento sustentável, trazidas em

pautas ecológicas, ganham espaço, sendo que mulheres ganharam destaque na pauta com suas

propostas ambientais, o que associou mulheres e ecologia. Além da relação feminino-natureza

descrita, o texto trata o entendimento ecofeminista de associação entre mulher e natureza

como subordinadas do homem e da cultura, respectivamente. A associação entre mulher e

natureza foi, em parte, gerada pelo pensamento patriarcal que associa o natural com o

emocional, enquanto homens representam a cultura e a racionalidade, o que é mais valorizado

socialmente. Por fim o ecofeminismo cultural (entendimento de uma ligação inata da mulher

com a natureza, explicada muitas vezes com justificativas espiritualistas) é criticado;

enquanto o ecofeminismo social, que trata a proximidade entre mulher e natureza, e homem e

cultura, como construções sociais, é defendido.

Córdula e Nascimento (2012) discutiram o desenvolvimento social e econômico com

problemas de desigualdade (principalmente de gênero) e degradação ambiental. Os autores

decorrem sobre a distinção entre os sexos e a hierarquização que condiciona as mulheres e as

coloca como menos importantes socialmente, inclusive vistas de formas pejorativas, o que

motivou o feminismo, tanto a nascer quanto crescer, e em algum momento um recorte do

feminismo se aliou as lutas ecológicas, dando origem ao ecofeminismo. Mais uma vez, na

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construção desses autores as duas formas de desigualdade são aliadas (mulher e natureza)

onde a mulher novamente é vista como mediadora e sensível à questão ambiental.

Sobre a religiosidade é importante lembrar que existem certos grupos que justificam a

proximidade da mulher com a natureza com crenças místicas e religiosas; e de fato existem

diversas religiões onde a natureza desempenha papel central; entretanto este recorte foge de

nossa área de interesse de pesquisa e por este motivo não aprofundaremos nestas produções.

Como podemos observar as publicações sobre o ecofeminsmo e o que o tange nos

últimos dez anos foram principalmente de pesquisas acadêmicas, seguidas de artigos, com o

intuito de discutir gênero e sua desigualdade; os meios de produção e demais pontos da vida

moderna com suas lógicas de deterioração e separação da natureza; mulheres e sua

proximidade com a natureza e a causa ambiental, sendo que estes elementos poderiam estar

combinados sou não.

Sendo assim, nos são dadas discussões bem fundamentadas sobre a base do

feminismo, quais as lutas traçadas e a relação da mulher, tanto com a cultura quanto com

(principalmente) a natureza; mas não aparece nas bibliografias analisadas as conquistas reais

do movimento, como ele evoluiu, como ele se transformou com a dinâmica dos

acontecimentos, e muito menos como ele pode de fato empoderar as mulheres, tirando os

estudos de casos locais, onde pequenos grupos encontraram dentro das ferramentas do

ecofeminismo uma forma de empoderamento que se encaixava em sua realidade. É claro que

ambos os autores estudados dizem que existe uma desigualdade a ser superada e que ela pode

ser superada com a quebra de paradigmas e com a nova valorização tanto da natureza quanto

da mulher, mas como? O que os movimentos sociais ou até mesmo o Estado devem fazer para

empoderar mulheres através do ecofeminismo? Como o mundo empresarial deve se portar à

causa? É possível a quebra do paradigma de produção?

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O movimento ambiental puro, que conta com a participação ativa não só de mulheres,

mais de homens também, teve seus avanços, com o desenvolvimento (ou pelo menos a

tentativa nascente de desenvolver) de uma lógica de reuso de materiais, menor emissão de

poluentes, produção mais limpa, consumo consciente, etc. Mas fato é que seus avanços são

lentos, e quanto mais se conhece a natureza mais ela é degradada. O modo de vida moderno é

mantido, assim como a hegemonia absoluta da lógica de produção capitalista, enquanto nós

brigamos com os dados, fingindo que os problemas ecológicos não são reais e nem

preocupantes, para manter o padrão que nos foi imposto, mesmo sabendo que ele é

responsável por diversas formas de desigualdade.

O mesmo acontece com o feminismo. Diversas conquistas foram alcançadas, mas suas

demandas não foram plenamente cumpridas, como, por exemplo, no mercado de trabalho.

Mulheres têm o direito de trabalhar, mas ainda são julgadas socialmente, possuem salários

menores para a realização das mesmas atividades, são empurradas para atividades laborais de

cuidados; e seus trabalho de cuidados não remunerados continuam desvalorizados

socialmente; outro exemplo que podemos dar sobre as conquistas do feminismo é o direito ao

voto, conquistado, e mesmo assim a representação de mulheres parlamentares no Brasil e no

mundo é praticamente inexistente. O objetivo desta crítica é discutir o porquê de as metas de

ambos os movimentos não podem ser preenchidas, e sabemos que isso tem a ver exatamente

com a lógica de dominação que subjuga tanto a natureza quanto a mulher, sem nunca

esquecer os grandes feitos e realizações de ambos os movimentos, que consequentemente são

vitórias do ecofeminismo.

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2. O ECOFEMINISMO

O ecofeminismo nasceu de dois diferentes movimentos: o ambiental e o feminista, em

uma junção teórica das formas de dominação da natureza e da mulher e é sistematizado por

diferentes grupos desde a década de 70, contribuindo com preceitos de desenvolvimento

sustentável e fortalecimento do papel das mulheres dentro da sociedade. Esta relação é pouco

explorada sendo mais desenvolvido o tema sob as ideologias puras de preservação ambiental

aliada ou não a produção em si. Os movimentos feministas se articulam de forma tímida sobre

o ponto de vista ambientalista sobre a “perspectiva feminina de progresso e de

desenvolvimento para a humanidade” (SILIPRANDI, 2000, p. 62).

O determinismo biológico tem a pretensão de explicar a inferiorização de mulheres

socialmente, e ainda afirmar que as mulheres estiveram, por grande período, satisfeitas com

seu papel socialmente construído. A divisão básica criada na teoria é de duas influências

fundamentais na vida humana que contribuem com a formação dos indivíduos, sendo eles a

sobrevivência pessoal (ligada à família, cuidados e natureza) e a parte cultural que ajuda a

desenhar o tecido social, criando uma “estrutura generalizada”, onde a cultura - responsável

por gerar e manter os símbolos sociais e a estrutura econômica - é mais valorizada do que a

sobrevivência pessoal. Por fim a cultura tem a pretensão de controlar permanentemente a

natureza, uma vez que ela tem a função de regular a vida social. As mulheres, pelos elos

naturalizados com crianças (também associadas à natureza) devido suas funções biológicas e

maternidade são também responsáveis pela reprodução cultural e assim a manutenção das

estruturas sociais desenhadas, tendo o poder de alterar seus preceitos. Daí se dá o

posicionamento “mediador” da mulher enquanto função social entre natureza e cultura

(CIOMMO, 2003).

A primeira junção teórica observada dentro do ecofeminismo é guiada por um viés

econômico de exploração onde são analisadas como semelhantes, para a acumulação de

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capital, as explorações de mulheres e da natureza. Em seguida a associação realizada é de que

a mulher é anexa à natureza e o homem está associado a cultura e sendo assim a cultura é

tratada como ferramenta política, sob a ótica ocidental, de poder, podendo-se entender, por

analogia, que a cultura domina a natureza e os homens, as mulheres, o que torna lógica a

busca pela emancipação da natureza com uma produção e consumo consciente como forma de

libertação das mulheres (SILIPRANDI, 2000).

O desenvolvimento econômico e produtivo, da forma em que ele se estruturou, é

excludente referente ao sexo, onde mulheres foram historicamente excluídas dos

conhecimentos dados como científicos, em razão do tratamento desigual originado a partir da

percepção de diferenças sexuais, isto é, “gênero é um saber que estabelece significados para

as diferenças sexuais” (SCOTT, 1994, p. 13). Sendo assim o movimento ecofeminista busca

tanto a superação da dominação patriarcal quanto da divisão entre urbano e rural no sentido de

trabalhos intelectuais e manuais, respectivamente, tratando a economia de subsistência,

originalmente rural, como modelo de desenvolvimento; associado a busca por tecnologias não

agressivas ao ambiente.

Existe ainda a defesa de que as mulheres não precisam se encaixar nos modelos

masculinos desenhados, podendo contribuir com desenvolvimento social e econômico assim

como o alcance da igualdade dentro do sistema, a partir do seu próprio jeito de ser, enquanto

mulher, com suas habilidades natas e inatas. Neste ponto, diferentes vertentes feministas

possuem posicionamentos divergentes, porém no ecofeminismo, no geral, apesar de suas

diferentes correntes como a anarquista, socialista, espiritualista e institucionais, é adotado o

posicionamento da mulher como agregador em sua forma e visão feminina (e feminista, por

ser um movimento ativo de mulheres). Sendo assim o alcance da igualdade se dá pela

valorização das atividades tipicamente (na verdade, culturalmente) desenvolvida por

mulheres, em sua essência. Com o ganho cumulativo de direito de mulheres e busca por

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igualdade o cenário foi modificado ao longo dos anos, apesar de permanecer distante do

cenário ideal de igualdade almejado.

Na década de 90 o ecofeminismo foi redesenhado no Brasil graças aos esforços de

movimentos que pensavam a realidade local a partir de uma ótica declarada feminina. Entre

esses movimentos podemos citar a Rede de Defesa da Espécie Humana, REDEH,

(participante ativa da ECO-92) e - Rede Mulher de Educação, RME, (membro da coordenação

do Planeta Fêmea). A REDEH, criada em 1987 e direcionada por mulheres, atua com

diferentes temas de relevância social, como saneamento, coleta de lixo, educação ambiental,

empoderamento de mulheres e defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, saúde; criticando a

falta de atuação incisiva de organismos internacionais e de influência sob o tema. A RME, de

1983, incentiva a atuação local de mulheres em defesa principalmente de trabalhadoras rurais

e mulheres em situação de vulnerabilidade econômica, atuando com o incentivo ao

desenvolvimento de lideranças femininas (incluindo lideranças políticas) e de geração de

renda, contra o uso de agrotóxicos prejudiciais, com produção de conteúdos e capacitações,

ainda com a pretensão de influenciar fóruns nacionais e internacionais que abordem a

temática. Entre as lutas somadas, foi defendida a segurança alimentar, complemento de

merenda em diversos municípios, reciclagem e defesa de biodiversidades. Ambas as

organizações são responsáveis por criticar a forma de consumo desenvolvido acusando o

sistema de produção como degradador ambiental e fornecedor de pobreza regional,

associando estes problemas com a temática feminista, assim o suporte teórico do

ecofeminismo passa a ser desenvolvido localmente, possibilitando o avanço da luta ambiental

destacando a mulher como importante socialmente (SILIPRANDI, 2000, p. 62-66).

Com ganhos feministas as mulheres começam a desenvolver academicamente suas

teorias na década de 80, gerando estudos sobre o ecofeminismo, inclusive. O estudo

ecofeminista versa sobre o equilíbrio de ecossistemas: dentro do ecofeminismo esforços

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foram feitos para entender a conexão (natural ou construída socialmente) entre mulheres e a

natureza. E a linha teórica tem a pretensão de resolver problemas centrais observados em

nossa sociedade moderna. As feministas - com a pretensão de empoderar mulheres

denunciando as diferentes formas de opressões sofridas por mulheres; e ambientalistas - que

além de defender o meio ambiente, recursos e os preceitos conscientes e sustentáveis da

produção e consumo, tendem a destacar a atuação de mulheres dentro destes movimentos;

possuem enfoques diferentes em suas teorias, porém elas convergem em diferentes momentos,

criando, em sua junção, um reforço lógico e teórico útil para ambos os lados. A defesa de

ambas as causas está diretamente ligadas a questões políticas e econômicas (SANDLAND,

2012 apud ASSIS, 2012).

As teorias feministas tratam a subjugação da mulher perante o homem nas sociedades

patriarcais de forma ampla, mas ao mesmo tempo em que se pode observar a desvalorização

das mulheres em tais sociedades, se pode observar no sistema patriarcal, apesar da

relatividade cultural, a interferência prejudicial à natureza, principalmente no ocidente. A

reprodução de tais comportamentos em diferentes localidades do mundo transforma o tema e

sua relevância, transmutando a responsabilidade ambiental e social para níveis globais,

tentando, de alguma forma, romper com o racionalismo produtivo, ferramenta usada como

essencial para o desenvolvimento moderno que reforça o foco dado a razão, responsável por

diminuir a natureza, uma vez que a razão a manipula segundo suas vontades.

No que diz respeito aos pontos em que o feminismo e o ecofeminismo se

desencontram, o ecofeminismo encontra correntes feministas opostas ao movimento, que o

consideram excludente no sentido de afastar as mulheres das atividades realizadas por

homens, entendidas como culturais dentro da divisão de trabalhos estabelecidas. Essas

correntes consideram o ecofeminismo como possível ameaça as conquistas de igualdade (aqui

entendida como possibilidade de execução das mesmas tarefas masculinizadas da sociedade

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patriarcal), ameaçando certas conquistas feministas de empoderamento da mulher na

sociedade tão capazes quanto homens nas execuções de divergentes tarefas. Em

contrapartida, a corrente geral ecofeminista se defende das acusações destes grupos feministas

indicando que a crença de que o ecofeminismo é de alguma forma excludente é uma forma de

visão da teoria muito simplista, pois o ecofeminismo defende que as mulheres devem possuir

possibilidades reais de execução de todas as tarefas desejadas, inclusive as que foram em

algum momento da história, seja por habilidades naturais como defendem certos grupos

essencialistas ou por costume e determinação cultural, definidas como femininas, sendo assim

não apenas mulheres devem ter acesso a trabalhos masculinizados como devem ser

valorizadas as tarefas femininas; isto não significa de forma alguma manter a divisão de

trabalho por gênero (CIOMMO, 2003).

O ecofeminismo sugere, portanto, uma terceira direção: o

reconhecimento de que, apesar de o dualismo natureza–cultura ser um

produto da cultura, podemos conscientemente escolher a aceitação da

conexão mulher– natureza, participando da cultura, reconhecendo que

a desvalorização da doação da vida tem consequências profundas para

a ecologia e as mulheres.

Para a reflexão sobre a possibilidade de superação das contradições

colocadas pela conexão biológica entre mulheres e natureza e as

propostas feministas pela ‘igualdade’ entre gêneros, encontramos

fundamentação teórica nos conceitos do pensamento da complexidade,

que nos ensina a caminhar através da dialógica entre antagonismos e

complementaridades, coexistentes em todas as interações, quer

estejam na natureza, quer na sociedade humana. Segundo Edgar

Morin, o pensamento complexo é um método ou uma forma de pensar

que pode trazer um novo significado às noções, ideias e conceitos

sociológicos que acabaram por ser esvaziados de seu conteúdo pela

modernidade (CIOMMO, 2003, p. 424).

Com a separação teórica mostrada, a construção social de diferenças sexuais, assim

como sua visão de oposição levam a uma relação de codependência, onde um só pode existir

na relação com o outro, graças a sua característica relacional, tanto no que se refere às

relações sociais entre as pessoas quanto às relações de poder entre elas. Defendendo ainda que

a natureza e a cultura desenham o sistema no qual o indivíduo se forma e interagem com

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ambas as bases, e sua oposição se faz necessárias para a existência. Porém, as correntes

ecofeministas criticam o dualismo desenhado por algumas outras correntes teóricas,

defendendo a unidade do sistema que possuem forças divergentes e complementares que

impulsionam as ações, sendo assim ambas devem ser valorizadas na mesma proporção com

liberdade de execução de atividades segundo os interesses dos indivíduos inseridos nesta

lógica social. O ecofeminismo ainda pode se valer da reflexão ambientalista que demanda a

revalorização de capacidades ambientais e lógicas de produção e consumo, assim como dos

serviços de cuidados abandonadas pela lógica utilitarista neoliberal (CIOMMO, 2003).

Uma cultura guiada por preceitos educacionais e políticos que reavaliem a valorização

dada a divisão de trabalho e ao (mau) uso de recursos naturais pode ser uma saída para este

problema.

2.1 O papel do homem no ecofeminsmo

As bibliografias analisadas estudam a submissão das atividades determinadas como

feministas em um sistema de poder relativo, entretanto não se fala sobre as formas de

valorizar a atuação tipicamente atribuída a mulheres em cunho social, para poder, assim,

empoderá-las. Mulheres têm participação social, cultural, religiosa e política diminuída. A

quebra de paradigmas com a criação de novas relações sociais é sempre um desafio, mas este

desafio possivelmente não será superado apenas com o papel ativo de mulheres, sendo que os

homens devem ser incluídos em tal processo. O objetivo de avanços na área é aumentar o

potencial humano destinado às mulheres, finando a submissão feminina e seu status

secundário em todas as sociedades conhecidas até o momento. Para superar o problema é

necessário alterar este cenário e quebrar a continuidade de sociedades patriarcais, aceitando a

igualdade de importância dos papéis masculinos e femininos construídos socialmente e

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salientando que ambos os papeis podem ser executados por mulheres ou homens, quebrando

com o sistema de desvalorização universal de atividades femininas. (ORTNER, 1979).

Entretanto as bibliografias analisadas colocam o homem apenas como uma parte

instalada na estrutura social, como ator que oprime direcionando a cultura, sendo seu símbolo

masculino, para a natureza, representante de degradação ambiental e caça. Apenas em textos

de recorte ecológico os homens são tratados (e isto de forma ampla, compreendendo as

mulheres nessas citações). Os ecologistas Balim; Meta e Silvia (2014) tratam o homem como

perigo à natureza, sendo que ele (em seu desenho de sistema evolutivo econômico)

desenvolveu o capitalismo insustentável e o colocou como figura principal da cultura, gerando

com as consequências de tal ato mais do que uma crise ambiental: uma crise de civilização,

entendida como crise dos moldes sociais em um sistema. É interessante colocar o

posicionamento dos autores, que em ressonância com diversos ecologistas, colocam a inter-

relação entre diferentes áreas sociais, como a ecologia, economia, sistema jurídico, os

incluindo em um único processo cultural; o que diferencia o pensamento ecologista do

ecofeministas é que as mulheres são consideradas parte da cultura e reproduzem o mesmo

sistema de degradação; e os homens (e mulheres) além de causadores do conflito tem o poder

de resolvê-lo, revendo sua relação com a natureza e o seu sistema produtivo, ou seja, o

homem também é parte da solução e está tão próximo dele quanto às mulheres; entretanto os

ecologistas não tratam a questão da hierarquização masculina em desfavor de mulheres, sem

anexar os abusos sociais sofridos por mulheres e pela natureza como próximos, ignorando

ainda o fato de que os homens guiaram a cultura até chegar neste ponto, condicionando

mulheres a apoiarem tal reprodução cultural.

Por fim, as ecofeministas tendem a não tratar o papel dos homens em seu movimento

de empoderamento feminino para manter sua pauta com o foco em mulheres, pois elas são o

objeto do movimento; entretanto sem o apoio masculino dificilmente será alcançado o

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objetivo do movimento, e este entendimento deve ser a principal contribuição do movimento

ecológico para a militância ecofeministas.

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3. A CONSTRUÇÃO TEMÁTICA E AGENDAS

O ecofeminismo nasce de grupos feministas que aderiram ao ecologismo, constituindo

a chamada “terceira onda do feminismo”, criticando a ética mantida em tal momento histórico

(CIOMMO, 2003).

Internacionalmente, uma das principais organizações que defendem os preceitos do

ecofeminismo é a - Women’s Environment and Development Organizations , WEDO, criado

em 1990 e com sede em Nova York este fórum tem como objetivo acompanhar o

desenvolvimento de países (principalmente em desenvolvimento) com foco na situação de

mulheres neste processo. Entre seus princípios estão o respeito ao meio ambiente, incentivo a

agricultura sustentável, acesso a terra e emprego, justiça social, política e econômica e a

participação igual independente de questões de gênero. Os desequilíbrios decorrentes do

modelo de consumo atual também é foco de observação da instituição, envolvendo pontos

como saúde e educação. A organização atua com outros organismos internacionais,

acompanhando sua atuação, como as Nações Unidas e suas agências especializadas; Banco

Mundial; Organização Mundial do Comércio, entre outros, como forma de influenciar suas

atuações. A luta da WEDO envolve a aproximação do produtor e consumidor, fortalecendo

negócios locais que sigam as formas de produção consciente; e discutir a abertura dos espaços

de poder para mulheres, como os espaços políticos e públicos. A lógica de produção é

questionada, principalmente no quesito alimentar. A organização defende que o direito a

alimentação deve se destacar sob a lógica capitalista de lucro das empresas produtoras de

alimentos. O direito à alimentação é expandido para o direito à alimentação saudável contra a

manipulação genética na produção de alimentos e substâncias utilizadas em seu processo de

transformação industrial (SILIMPRANDI, 2000).

No que diz respeito a organizações não governamentais que abordam o

desenvolvimento e questões ambientais podemos observar diferentes gamas de atuação

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específica, e diversos temas tratados com enfoque. Dois grandes grupos são formados entre as

ONGs que lutam pela democracia e cidadania (estas são as organizações que trabalham

muitas vezes que a produção de conteúdos e assessorias parlamentares e políticas referente ao

tema) e as organizações com projetos e defesas específicos, muitas delas atuam especialmente

com gestão de resíduos e lixo; agricultura alternativa; desenvolvimento rural sustentável;

desenvolvimento local, entre outros (CASTRO; ABRAMOVAY. 1997).

Entre as ONGs de temática ambiental, de forma geral, a globalização é vista como um

processo excludente, colocando em situação de vulnerabilidade Estados em menor grau de

desenvolvimento local, e os colocando em segundo lugar na cadeia produtiva, com a

desvalorização de seus produtos pelo menos grau de desenvolvimento tecnológico. Mais uma

vez podemos utilizar a analogia de desvalorização da natureza sob a cultura: aqui podemos

entender como desvalorizados os países de produção agrícola e com exportação primária (que

consequentemente dependem dos produtos de maiores valores agregados oriundos de países

desenvolvidos, importando suas produções), enquanto os países detentores de maior poderio

tecnológico ditam as regras culturais, sendo supervalorizados nesta troca global.

Sendo assim podemos afirmar que a globalização em si é um fator de desigualdade e

este sistema contribui fortemente para o desenvolvimento desigual dos Estados. Agravado a

esta lógica a degradação ambiental, inerente ao processo, principalmente para o alcance das

tecnologias demandadas pela cultura desenhada que submete neste processo a mão-de-obra de

indivíduos em vulnerabilidade a situações extremas, destruindo ainda o meio ambiente de

forma devastadora e quase irrecuperável para manter a lógica do lucro. Citaremos os

principais organismos que trabalham com a temática e suas principais contribuições, não

desmerecendo a atuação de diferentes players como os Conselhos Nacionais e demais

organismos que formam a estrutura. Com o foco ambiental, entre os organismos de maior

porte e capacidade de atuação em nível internacional que defendem a recuperação de recursos

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naturais, novas formas de produção com respeito ao meio ambiente, recuperação da

degradação ambiental e desenvolvimento justo e equivalente podemos citar: a World

Conservation Union, UICN; World Wildlife Fund, WWF; e a agência da ONU Programa das

Nações Unidas para o Meio Ambiente, PNUMA (CASTRO; ABRAMOVAY, 1997).

Os principais organismos públicos em nível federal que tratam as demandas

ambientais são o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama (que por sua vez não é

politicamente valorizado como deveria). Apesar de modestos, certos avanços foram

alcançados, sendo eles legais ou práticos. A Administração Pública moderna traz em si

preceitos de preferência de compra de matérias produzidos de formas sustentáveis, estão

sendo aplicadas e desenvolvidas políticas públicas de conscientização de reuso de materiais,

coletas seletivas de resíduos sólidos, a logística reversa e responsabilidade compartilhada da

gestão de resíduos (onde tanto os produtores quanto os compradores são postos como ativos

no descarte de materiais, aproximando-os do tema e do problema); ainda são produzidos

materiais de apoio sobre diferente temáticas ambientais. Apoios e incentivos a empresas

ambientalmente consciente são mantidos, entre outras iniciativas, no entanto, apesar do

esforço, tais ações possuem pouco impacto, pois muitas estão em processo de

desenvolvimento e não alcançam a maior parte da população se fazendo necessária a atuação

de organismos estranhos ao poder central governamental. Entre os organismos de proteção a

agricultura, principalmente ao pequeno produtor, podemos citar a Assessoria e Serviços a

Projetos em Agricultura (AS-PTA, responsável por associar formalmente o desenvolvimento

sustentável com a saúde, enquanto problema ambiental); o Centro de Apoio ao Pequeno

Agricultor (CAPA, precursor do uso de plantas medicinais); o Programa da Terra (PROTER,

com foco no desenvolvimento rural e na promoção de acesso a serviços públicos e

participação política); e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

(PRONAF), este último em questão que nasceu da mobilização de mulheres sensíveis à causa

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e posteriormente teve (por pressão) aderência de homens. Aqui mais uma vez observamos que

a sensibilidade feminina para a causa ambiental ganha destaque, o que beneficia o movimento

com os ganhos relativos a participação de mulheres, tanto em organismos, quanto em sua vida

social, política e doméstica (CASTRO; ABRAMOVAY. 1997).

Entre as linhas de ONGs ambientais existem aquelas que focam sua atuação na

natureza, não relacionando seus problemas as atividades econômicas desenvolvidas;

entretanto existe uma evolução nesta temática onde a teoria da inter-relação entre a sociedade,

política, economia e cultura interferem diretamente na natureza. Focaremos nas que fazem

essa junção, pois este é um dos preceitos fundamentais do ecofeminismo. Em nível nacional

as principais ONGs que se destacam são: Grupo Ambientalista da Bahia, GAMBÁ - estimula

a educação ambiental de jovens e crianças com foco na proteção da Mata Atlântica; e apoiam

pequenos e médios produtores rurais com capacitação, os vendo como ferramentas ecológicas

e sustentáveis de produção; o Instituto ECOAR, responsável por captar recursos e destinar

essas quantias ao plantio por intermédio de pequenos produtores rurais; o Instituto Sociedade,

População e Natureza, ISPN; o Instituto Socioambiental, ISA; o Grupo de Trabalho

Amazônico, GTA - que por sua vez atua em rede na região amazônica com diversos atores da

temática, desde ONGs à associações e cooperativas, apoiando a produção e a comercialização

de produtos de pequenos produtores. O ISPN tem uma atuação mais completa, pois além da

área ambiental ele desenvolveu temáticas sociais, contemplando em sua atuação causas de

saúde, população, desenvolvimento regional e social, associando diretamente o ambiente com

a economia, fortificando a geração de renda de indivíduos em vulnerabilidade social e

econômica, empoderando populações locais e suas formas de produção sustentáveis; e na

proteção da biodiversidade, associando problemas ambientais, como o efeito estufa aos

desmatamentos e degradação ambiental causados para o sustento da lógica capitalista de

produção em grande escala que visa exclusivamente o lucro. Já o ISA inova em sua atuação

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incluindo movimentos indígenas na proteção ambiental, valorizando suas causas e seu direito

legítimo territorial (CASTRO; ABRAMOVAY, 1997).

O Estado além de desenvolver políticas públicas que respondam às demandas das

problemáticas ambientais, deve apoiar iniciativas externas a ele, sendo de fóruns

internacionais ou de organizações domésticas, somando esforços para que as pendências

sejam realmente abordadas, a agendas pautadas corretamente e discutidas, e os problemas

possivelmente solucionados. As ONGs possuem um trabalho considerado mais efetivo nestes

campos e muitas vezes mais funcional pois tratarem ações pontuais, não desvalorizando o

apoio legal recebido pela esfera pública, a destinação de recursos e os planos de metas que

apoiam o desenvolvimento do tema. O Estado também tem seu papel no apoio ao

empoderamento feminino em diferentes ambientes e atuações (CASTRO; ABRAMOVAY.

1997).

3.1 As mulheres e a temática ambiental

A socialização das mulheres reforça a sensibilidade, a solidariedade e a

“gratuidade”, conceito fundamental da cultura feminina, o que daria a elas a

responsabilidade de promover um impacto sociocultural revolucionário,

criativo, em todas as áreas da existência, nas relações pessoais, nas amorosas,

nas profissionais, de trabalho e nas decisões políticas, em que se decidem a paz

e a sobrevivência das espécies. No modelo alternativo de desenvolvimento

sustentável, que está sendo proposto, homens e mulheres deverão buscar

valores essenciais que dêem sentido à civilização. Relações igualitárias, com

reciprocidade, não se conseguem por decreto, mas se conquistam, depois de

esforço individual nesse sentido (CIOMMO, 2003, p. 438- 439).

Podemos reafirmar a proximidade das mulheres com o universo ambientalista usando

a suposta sensibilidade da mulher em relação à temática ou defendendo que uma construção

social a anexou com ao tema; e voltando a temática da atuação de mulheres no movimento

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ambiental, podemos focar em grupos organizados de mulheres que militaram na proteção

ambiental e empoderamento de mulheres. Podemos destacar o papel das mulheres indígenas,

elas são de extrema importância cultural por representar um grupo tradicional e que sofre com

a divisão de trabalhos geral observada nas diferentes sociedades existentes, sendo que os

homens têm as atividades tradicionais relativas à cultura com a caça e proteção; e para as

mulheres são destinados os serviços de cuidados das crianças e da comunidade como um

todo; por isso suas formas de liderança são mais frágeis e menos desenvolvidas na geral, uma

vez que a organização social está centrada no homem indígena e no seu próprio poder

decisório. Seguindo a teórica do ecofeminismo crítico, a mulher não está necessariamente

mais próxima da natureza do que homens, e nem os homens detém a cultura, tudo não passa

de uma construção histórica que desenhou o funcionamento social de diferentes culturas com

pontos estruturais comuns, entretanto as distinções foram criadas e precisam ser flexibilizadas

na medida em que as atividades típicas femininas ganham o devido peso sociocultural. Por

fim, a visão cultural e as separações criadas podem ser desfeitas com a construção de novos

significados e funcionamento social.

As ecofeministas culturais tiveram sua lógica essencialista desconstruída, uma vez que

os ciclos femininos e nossa condição biológica não representam disposição extra para

cuidados, não estabelecendo uma conexão direta entre a mulher e a natureza, resultando na

afirmação que nem todas as mulheres são mães, afinal. Deixando puramente a relação entre

mulheres e a natureza por conta da opressão sofrida por homens e pela cultura, entendendo a

opressão como uma construção social vivenciada de forma diferente pelos oprimidos,

dependendo do meio em que estes estão inseridos (CASTRO; ABRAMOVAY, 1997).

Sendo assim podemos afirmar que a proximidade entre mulheres e natureza é relativa

à lógica de opressão em que elas são submetidas graças a hierarquização social implementada

pela cultura.

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Entre os desafios podemos citar a pluralidade de mulheres e grupos e a dificuldade de

organização. Nesta temática é necessário lidar e tratar todas as formas de diferenças entre

mulheres, sendo elas em suas expectativas, diversidade de interesse, identificação divergente

de grupo, tipos de vulnerabilidade, idade, modelos culturais em que elas estão inseridas, entre

outras variantes. Essas diferenças podem gerar disputas desnecessárias entre os grupos de

mulheres e até mesmo de organizações e suas causas. De certa forma isso é capaz de

enfraquecer ou desarticular o movimento feminista (e suas variantes, como o próprio

ecofeminismo) como um todo, sendo que há grande possibilidade de fragmentações

desnecessárias. Obviamente o apoio mútuo de grupos e organizações com causas e objetivos

similares ou complementares fortalece a rede.

Sendo o maior desafio a própria organização dos grupos de mulheres, algumas

conseguem organizar sua militância em organismos estratégicos, enquanto outras não

encontram estes espaços em suas comunidades locais e desconhecem a própria possibilidade

de organização, também porque muitas mulheres não foram estimuladas a desenvolver sua

consciência coletiva e seus direitos, muito menos a aplicá-los socialmente. Em alguns locais

de vulnerabilidade dificuldades de ordem prática, como a ausência de recursos e de condições

saudáveis para a subsistência, é impossível o desprendimento de tempo para desenvolver

possibilidades para a defesa de causas e de organização social destes possíveis grupos de

interesse, pois estas mulheres possuem demandas de subsistência que se tornam prioritárias.

Entre os principais organismos sociais domésticos que tratam o tema podemos citar o

Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA), que trabalha com diferentes linhas

de atuação focando na responsabilização cidadã e educação ambiental, demandando uma

atuação ativa do Estado, incentivando o desenvolvimento. Já a ONG THEMIS (Meio

Ambiente, Gênero e Parceria com o Governo Municipal) trabalha com a formação de

promotoras para pensar politicamente e proteger o meio ambiente; a correta gerência de

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resíduos; e educação em direito e cidadania para mulheres. Por fim, a Ação Cultural, Gênero,

Qualidade de Vida, Desenvolvimento e Meio Ambiente (IDAC - oficializada no Brasil em

1980) é voltada para a pesquisa e produção de conteúdos em diferentes mídias sobre

diferentes esferas da vida, como educação, saúde, qualidade de vida e desenvolvimento social,

econômico e ambiental com um enfoque feminista. Sua primeira atuação local foi em defesa

da qualidade de vida combatendo a pobreza e exclusão de grupo vulneráveis, principalmente

em zonas rurais. Atua como consultora das três esferas públicas, principalmente a estadual;

sua participação se estende a fóruns internacionais (CASTRO; ABRAMOVAY, 1997).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A modernização é representada pela civilização industrial capitalista, causadora de

degradação ambiental e produtora de resíduos excessivos em prol do lucro, precificando e

desequilibrando os recursos naturais finitos. As mulheres, excluídas dos processos produtivos

industriais, foram alocadas nos chamados “trabalhos de cuidado” relacionados aos cuidados e

reprodução humana, que por sua vez foram desvalorizados, contribuindo com a desigualdade

social e econômica da sociedade patriarcal/capitalista, que guarda os mercados e espaços

públicos para os homens. Com os avanços sociais as mulheres se organizaram e lutam pela

igualdade de condições e valorização de seu trabalho, assim como espaço nas esferas públicas

e decisórias, e em defesa da produção consciente e benéfica ao meio ambiente, seguindo a

lógica, não só da produção, mas do consumo sustentável.

Dentro deste contexto a imagem da mulher é associado a natureza, pois ambas são

exploradas neste modelo. Entre as associações existe a crença de que a mulher está mais

ligada à natureza devido às divisões de tarefas e atribuições desenvolvidas no decorrer dos

anos pelas relações sociais tradicionais patriarcais, correndo o risco de cair no relativismo

cultural, principalmente no contexto rural familiar. Mudanças sociais mexem com o papel de

gênero, reinventando os papéis sociais executados.

A estrutura capitalista de acúmulo, que se serve do trabalho exploratório remunerado e

suas cobranças (que comprometem financeiramente, psicologicamente, emocionalmente,

socialmente e fisicamente os indivíduos); e os produtos consumidos na modernidade, sendo

que os alimentos processados e os utensílios de higiene pessoal e doméstica que podem ser

nocivo são discutidos por diversos grupos teóricos; a forma de manipulação das matérias

primas e compostos artificiais utilizados nesta lógica produtiva em busca do lucro através da

alta produção não leva em consideração a saúde dos consumidores finais. Neste ponto o papel

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encaminhado por mulheres ao decorrer da história enquanto cuidadoras demanda novo

posicionamento. E outra analogia a relação de exploração pode ser feito com o consumo de

carne de produtos de origem animal, assim como uso de trabalho de animais para produções

no geral e em atividades pseudo recreativas que use (maus tratos e abusos) animais.

Toda mudança depende de uma ação, e as ações são tão complexas quanto os

problemas que estas ações propõem solucionar, demandando inúmeras vezes um conjunto de

ações coordenadas, que depenem do papel ativos de diferentes atores, não apenas de grupos

de mulheres, mas também de homens. A projeção global do problema demanda uma solução

conjunta que atue domesticamente, ou seja, sem desconsiderar as diferenças e peculiaridades

sociais e culturais de cada localidade, para se findar tal processo é necessária uma ação global

que começa com atividades locais de empoderamento, igualdade e reconstrução da lógica de

produção. Ainda porque alguns dos efeitos pejorativos do modo de vida e produção atual

afetam todo o planeta, com poluição, escassez de recursos, desastres naturais provocados por

ações humanas de desequilíbrio e afins. Ainda dentro da esfera global de atuação local são

demandadas ações públicas e particulares, grupais e individuais, para o sistema e seus

preceitos sejam reconstruídos.

Uma mudança neste nível demanda grande consciência dos percursos e intenso

processo de conscientização para indivíduos engolidos pelo sistema que não tiveram a

oportunidade de pensar como ele se estrutura; consequentemente o envolvimento político4 é

essencial, mas para isso é necessária que a participação política equalita seja garantida a todos

os grupos sociais. Para que a participação seja alcançada a melhor forma de sistema político é

o democrático consolidado e cidadão, capaz que garantir a integração da mulher com a vida

pública. Vivemos em um mundo em constante desenvolvimento, onde os períodos de

transição servem para quebra de antigos paradigmas e instituição de novos, cabe aos grupos

4 É na esfera pública que o poder é exercido e essa esfera é política, podendo ser descrita como arena de disputa,

onde os grupos que guiam seus direcionamentos são os que possuem o poder de influência e ditam as regras

culturais e sociais.

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de interesses promoverem sua reconstrução ideal. Uma mudança deste nível é progressiva e

sem pretensão de rompimento brusco com o sistema atual apesar da urgência do tema, desde

que seja respeitado o tempo saudável de atuação para essa reconstrução social, significando

reverter pelo menos parte dos danos sociais e ambientais causados sem ameaçar as condições

de subsistência no planeta - nossa e de outras espécies, embora muitas já tenham sido extintas

no modelo atual.

Esta mudança além de holística5 deve ser humanizada, tendendo a acabar com o

desequilíbrio existente entre a população (em suas relações sociais); e entre a população e o

meio ambiente. Para isso a visão de mulheres enquanto mais sensíveis a estas questões pelo

seu posicionamento histórico e construção social, contando que as reflexões criadas são as

raízes das mudanças futuras. O desenvolvimento é um direito e mulheres (política, cultural e

socialmente falando) não só não podem ser excluídas deste processo como são ferramentas

fundamentais para a quebra dos paradigmas atuais e apoio a avanços sociais, culturais e

econômicos. Por fim este movimento, apesar de fortemente influenciado por mulheres,

demanda o envolvimento de todos os grupos sociais e culturais.

A mudança proposta pelos preceitos ecofeministas constrói um conjunto de soluções

para diferentes problemas sociais, são eles: a lógica produção e consumo inconsequentes;

materialismo; as desigualdade sociais - econômicas e sociais, incluindo a fome e pobreza; e

seu objetivo final é construir uma balança para que se alcance o real equilíbrio entre as

relações humanas e as relações com a natureza, representando ambas as esferas tratadas como

problema central pelo ecofeminismo, garantindo valores como a dignidade humana; a

aceitação da igualdade de direitos, deveres e valores de todos seres humanos; a proteção do

patrimônio natural comum; e o desenvolvimento sustentável.

5 De tal forma que seja possível romper com a desigualdade e suas consequências, como a exclusão, fome,

pobreza e degradação ambiental.

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Para que este objetivo seja alcançado é necessária uma mudança radical de paradigma,

que pode ser considerado, por algumas correntes, como utópica6, por se centrar em uma

sociedade ideal de difícil alcance por sua ampla proposta de quebra do sistema patriarcal, que

demanda a mudança de comportamento de certos grupos que garantem seus privilégios

econômicos, culturais e sociais com a manutenção deste sistema problemático e insustentável

a médio prazo.

A quebra de paradigmas com a criação de novas relações sociais é sempre um desafio;

e nesta matéria é dada uma tensão entre a vida confortável alimentada pelo consumismo

orientado pela forma de produção moderna e a falta de sustentabilidade desse modelo com

todos os desastres naturais provocados e desigualdade. Sendo que os grupos sociais

hegemônicos, detentores de poder econômico, desejam manter o status quo da desigualdade

nesta lógica de super valorização versus desvalorização, mesmo que ambos os lados sejam

oprimidos (de certa forma) com a estrutura colocada, até mesmo porque o sistema, da forma

como está estruturado, não conseguirá se manter por uma quantia razoável e tempo, graças as

limitação ambientais de recursos. Até mesmo porque a inserção de mulheres, que evolui mais

a cada dia apesar das permanentes desigualdades, condiciona o sistema financeiro, pois a

valorização de suas tarefas, antes não remuneradas (ou mal pagas) são um gasto para o

sistema, que não tem interesse na mudança do paradigma pois ela representa uma

redistribuição justa.

O entendimento de que a industrialização e a lógica de consumos desenvolvidos e

mantidos atualmente são artificiais é fundamental para se pensar na lógica do sistema. Dentro

das ações coordenadas desejáveis, podemos trabalhar para que estes objetivos sejam

alcançados de diferentes formas, como atuar como agentes transformadores, empoderando

mulheres e conscientizando os indivíduos a nossa volta; nos tornando consumidores

6 A utopia se faz necessária para manter valores e incentivar o progresso da humanidade, possuindo um papel

social relevante. Adicionando que todo processo de mudança em seu primeiro momento, conforme seus desafios

e complexidades parecem utópicos, mas a transformação social é possível, apesar de seus custos.

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conscientes que demandam uma produção sustentável para consumir os produtos de mercado,

condicionando as empresas e prestadoras de serviço (públicos ou privados) a produzirem de

forma sustentável para alcançar serem valorizadas no mercado, entre outras ações.

Efetivamente avanços legais, de agenda, discussões e projetos de conscientização,

graças à intervenção de mulheres (e homens), estão se desenvolvendo e ganhando cada vez

maior peso social. A resistência feminina chegou a academia, daí se dá a importância do

acesso da mulher à educação, trabalhando em rede na criação de dados e desenvolvimento de

teorias, com planos fortificantes de desenvolvimento idealizados, que por sua vez demandam

atuação positiva do Estado enquanto direcionador das políticas públicas. O resultado prático

disto pode ser observado, por exemplo, nos estudos publicados sobre o tema, declarações

políticas sobre o tema com intenção de disseminar os ideais defendidos. As ações atuais são

significativas, mas são respostas fragmentadas para os problemas vividos, guiadas por

lideranças isoladas, gerando um avanço social modesto, o que não deveria acontecer com

propostas tão importantes e urgentes. E a resposta de nosso problema de pesquisa apresenta a

mesma lógica: o empoderamento de mulheres através do ecofeminismo foi local, sem a

criação de redes institucionalizadas ou globais, por isso, apesar de fortificantes e

significativos, os avanços são pequenos e insuficientes.

Por fim vale ressaltar que tratamos no presente trabalho o ecofeminismo como

processo único, entretanto ele não é absoluto e muito menos um processo único, não

possuindo a adesão de todas as mulheres, sendo orientado de formas divergentes por grupos

de interesse; entretanto usamos pontos em comum da teoria em diferentes movimentos e

apontamos as divergências observadas dentro dos materiais e perspectivas analisadas. Em

suma definimos o ecofeminismo como um movimento amigo da natureza que prega a

participação igualitária e democrática, colocando em cheque a forma como o poder é

colocado e exercido na sociedade. O ecofeminismo trouxe a reflexão sobre produções

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agrícolas, atividades econômicas, condições de vida, trabalho e participação de mulheres na

vida pública, cultura local e políticas públicas, deterioração da natureza e pobreza estrutural.

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