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- Centro de Estudos Claudio Ulpiano - http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com - Aula 5 – 27/01/1995 – A desumanização é a busca infinita do pensamento Posted By Editoria On 19 de fevereiro de 2010 @ 7:23 In Aulas Transcritas | No Comments Parte I [...] E é simultaneamente o momento que eu chamei de TORÇÃO: quando a filosofia abandona a OBJETIVIDADE e se volta para a SUBJETIVIDADE. E o filósofo que vai se destacar [na efetuação desse acontecimento] chama-se Descartes. A filosofia começa então a apontar para a subjetividade. O que quer dizer isso? Quer dizer que os filósofos estão procurando a ORIGEM – a origem de tudo. (É o melhor termo que se pode usar pra vocês nesse momento.) Se eles estivessem associados com Deus, o problema da origem seria simplório – a origem seria Deus. Mas eles abandonaram Deus; e ao iniciarem a busca da origem, é o CORPO, a origem – o que eu chamei de OBJETIVIDADE. A origem é o corpo. Então, o filósofo tem o seu olhar – pode-se dizer ‘o olhar do espírito’ – voltado para fora. Ele se volta pra fora: se volta para o corpo, se volta para a objetividade. No século XVII, quando se dá a torção, o olhar do filósofo vai se voltar para dentro - para a própria subjetividade… Ou seja, no século XVII a subjetividade torna-se o que estou chamando de PONTO DE ORIGEM. A filosofia começa, então, não mais a investigar o corpo – mas a investigar a subjetividade. E nessa ‘investigação da subjetividade’ (quando vocês tiverem qualquer crise de compreensão, vocês coloquem, viu?), quando a filosofia começa a investigar a subjetividade, é que ela abandonou a objetividade, abandonou o corpo. Quando a filosofia estava na objetividade, no corpo, o objeto dela era o mundo. Quando a filosofia se volta para dentro, quando ela se volta pra a subjetividade, o objeto dela passa a ser o EU. O eu torna-se o objeto da filosofia. Isso é exatamente o momento do nascimento de Descartes. Descartes vai cuidar apenas de uma questão – uma questão que, para quem não estuda filosofia, parece surpreendente. (Eu não posso me demorar muito nela…) A questão de Descartes vai ser provar que o eu existe. O que aparece assim como uma coisa louca: então, esse filósofo vai querer provar que o eu existe, quando todos nós já sabemos que o eu existe?! Não, nós temos o saber do senso comum! Ele vai querer provar – através da filosofia - que o eu existe (como os santos e os teólogos não pararam de querer provar que Deus existia…). A questão do Descartes, então, é provar que o eu existe. (Entenderam aqui?) - Qual é a questão que Descartes quer provar? Que o eu existe. Essa categoria de existência abrange duas noções. (aqui é muito simples, vocês não precisam vagar em nada: o que eu disser é definitivo). Essa categoria de existência abrange duas noções – SUBSTÂNCIA e ACIDENTE. O que é isso que eu estou dizendo? Só existe aquilo que é substância ou aquilo que é acidente. Pronto! É isso. (Entenderam, então?) - O que o Descartes quer saber? Se o eu existe. A existência abrange duas categorias: substância e acidente. Então, diz Descartes – o EU existe. - Qual é a segunda questão dele? Saber se o eu é uma substância ou um acidente. (Certo?) Então, a questão dele, agora, vai ser mostrar que o eu existe – e que o eu é uma substância. E nós vamos ver o que é uma substância. (Vocês conseguiram entender? Acho que não teve nenhuma dificuldade aqui.) Cl: Se nós formos falar de existência em filosofia, em que nós iremos falar? Als: Substância e acidente. Então, o eu existe – e para Descartes o eu é uma substância. - Mas o que é – exatamente - uma substância? Uma substância é alguma coisa que existe, e que Centro de Estudos Claudio Ulpiano » Aula 5 – 27/01/1995 – A d... http://claudioulpiano.org.br.s87743.gridserver.com/?p=104&print=1 1 of 14 3/16/14, 8:06 PM

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Aula 5 – 27/01/1995 – A desumanização é a busca infinita dopensamentoPosted By Editoria On 19 de fevereiro de 2010 @ 7:23 In Aulas Transcritas | No Comments

Parte I

[...]

E é simultaneamente o momento que eu chamei de TORÇÃO: quando a filosofia abandona aOBJETIVIDADE e se volta para a SUBJETIVIDADE. E o filósofo que vai se destacar [na efetuaçãodesse acontecimento] chama-se Descartes. A filosofia começa então a apontar para asubjetividade. O que quer dizer isso?

Quer dizer que os filósofos estão procurando a ORIGEM – a origem de tudo. (É o melhor termoque se pode usar pra vocês nesse momento.) Se eles estivessem associados com Deus, oproblema da origem seria simplório – a origem seria Deus. Mas eles abandonaram Deus; e aoiniciarem a busca da origem, é o CORPO, a origem – o que eu chamei de OBJETIVIDADE. Aorigem é o corpo. Então, o filósofo tem o seu olhar – pode-se dizer ‘o olhar do espírito’ – voltadopara fora. Ele se volta pra fora: se volta para o corpo, se volta para a objetividade.

No século XVII, quando se dá a torção, o olhar do filósofo vai se voltar para dentro - para aprópria subjetividade… Ou seja, no século XVII a subjetividade torna-se o que estou chamandode PONTO DE ORIGEM. A filosofia começa, então, não mais a investigar o corpo – mas ainvestigar a subjetividade. E nessa ‘investigação da subjetividade’ (quando vocês tiveremqualquer crise de compreensão, vocês coloquem, viu?), quando a filosofia começa a investigar asubjetividade, é que ela abandonou a objetividade, abandonou o corpo. Quando a filosofia estavana objetividade, no corpo, o objeto dela era o mundo. Quando a filosofia se volta para dentro,quando ela se volta pra a subjetividade, o objeto dela passa a ser o EU. O eu torna-se o objetoda filosofia. Isso é exatamente o momento do nascimento de Descartes.

Descartes vai cuidar apenas de uma questão – uma questão que, para quem não estudafilosofia, parece surpreendente. (Eu não posso me demorar muito nela…)

A questão de Descartes vai ser provar que o eu existe. O que aparece assim como uma coisalouca: então, esse filósofo vai querer provar que o eu existe, quando todos nós já sabemos queo eu existe?! Não, nós temos o saber do senso comum! Ele vai querer provar – através dafilosofia - que o eu existe (como os santos e os teólogos não pararam de querer provar que Deusexistia…). A questão do Descartes, então, é provar que o eu existe. (Entenderam aqui?)

- Qual é a questão que Descartes quer provar? Que o eu existe. Essa categoria de existênciaabrange duas noções.

(aqui é muito simples, vocês não precisam vagar em nada: o que eu disser é definitivo).

Essa categoria de existência abrange duas noções – SUBSTÂNCIA e ACIDENTE. O que é isso queeu estou dizendo? Só existe aquilo que é substância ou aquilo que é acidente. Pronto! É isso.(Entenderam, então?)

- O que o Descartes quer saber? Se o eu existe. A existência abrange duas categorias:substância e acidente. Então, diz Descartes – o EU existe.

- Qual é a segunda questão dele? Saber se o eu é uma substância ou um acidente. (Certo?)Então, a questão dele, agora, vai ser mostrar que o eu existe – e que o eu é uma substância. Enós vamos ver o que é uma substância. (Vocês conseguiram entender? Acho que não tevenenhuma dificuldade aqui.)

Cl: Se nós formos falar de existência em filosofia, em que nós iremos falar? Als: Substância eacidente.

Então, o eu existe – e para Descartes o eu é uma substância.

- Mas o que é – exatamente - uma substância? Uma substância é alguma coisa que existe, e que

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só se relaciona com ela própria.

Repetindo: Descartes diz que o eu existe; se existe, logo, é uma substância ou um acidente –uma coisa ou outra. E Descartes vai dizer que o eu é uma substância. Então, se o eu é umasubstância, ele vai chegar à seguinte conclusão: (acho que não vai ser difícil pra vocêsentenderem…) o eu é uma substância, logo, existe; mas é uma substância INCORPORAL.Descartes, então, está afirmando a existência de uma substância incorporal chamada EU. Agora,ao lado dessa substância incorporal chamada eu existiria outra substância – a outra substânciaseria o CORPO.

- Então, quantas substâncias até aqui já existiriam para o Descartes? Duas: o eu e o corpo. Asubstância eu e a substância corpo: que é exatamente a nossa constituição – cada um de nósseria constituído por um corpo e por um eu. (Vocês entenderam?)

Cl: Então, quantas substâncias nos constituiriam? Al: Duas.

Cada um de nós seria constituído por duas substâncias: a substância eu - que seria umasubstância incorporal; e a substância corpo. A substância corpo tem músculos, ossos, nervos…Então, cada um de nós seria constituído por essas duas metades absolutas – a substância eu e asubstância corpo.

- Qual é a questão seguinte de Descartes? A questão seguinte dele é muito problemática:porque, para ele, a substância eu é um absoluto: ela se realiza inteiramente nela mesma – elanão precisa de nada para existir! É e ssa é a maneira que o Descartes tem para provar aeternidade da alma; a imortalidade da alma? a substância eu não precisa de nada para existir!

E, de outro lado, a substância corpo - também não precisa de nada para existir; quer dizer: elaexiste independentemente de qualquer coisa. Então, essas duas substâncias são absolutas nelasmesmas – elas não têm nenhuma necessidade de outra coisa para que elas existam. Mas, sevocês notarem…

(eu vou mostrar pra vocês:)

Eu vou levantar o meu braço e vou pegar este copo d’água e vou beber um pouquinho… Éevidente que esse gesto de levantar o braço e tomar um copo d’água foi executado pelos meusmúsculos, pelos meus nervos… e pelos meus ossos. Mas quem deu a ordem para o meu braçolevantar não foi o corpo; foi a substância eu - que é a ALMA.

Aparece, então, para o Descartes, a questão fundamental:

- Qual é a relação que existe entre a substância corpo e a substância eu ou alma? (Vocêsentenderam?)

Como resolver o problema da relação entre uma e outra substância – considerando que cadauma delas tem autonomia e independência em relação à outra? Então, fica quase que impossívelpara Descartes provar que a substância eu - que é a mesma coisa que alma - pode mover aminha mão. Como é que a substância alma ou a substância eu pode mover uma mão se a mão eo eu são de naturezas completamente diferentes? Uma é corpo e a outra é alma. Uma é corpo ea outra, incorporal.

Essa tese do Descartes, construída no século XVII, mostra que a alma e o corpo são duassubstâncias: que o eu é uma substância; e o corpo é outra substancia; e que essas duassubstâncias não se conectam. Por que elas não se conectam? Porque a essência de cadasubstância dessas se realiza em si mesma - independe da outra substância.

- Por que o Descartes está fazendo isso? Porque se ele colocar a substância eu (ou alma)dependente da substância corpo, ele estará negando a imortalidade da alma. Ou seja: o que eleestá dizendo, é que o corpo pode desaparecer – que a substância alma continuará. (Então, nãosei se vocês perceberam…) Nota-se nitidamente que há uma marca de teologia muito poderosaem Descartes – uma marca teológica nas soluções que ele dá para os seus problemas.

- Por que marca teológica? Porque a necessidade que ele tem de tornar cada substância dessasum absoluto, autônoma, uma substância independente da outra substância, é que ele quermostrar que a ALMA é… ETERNA. (Entenderam?) Que a alma é eterna! Por isso ele constrói…

- De quantas substâncias cada um de nós é constituído?

Al.: De duas.

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Duas substâncias! Agora, me explica como é que a minha substância alma (ou eu) - que éincorporal – vai se comunicar com a minha substância corpo? Com essa tese (queiram anotar!),Descartes gera o mais poderoso dos SOLIPSISMOS.

O que quer dizer solipsismo? Solipsismo é quando a nossa alma não tem nenhuma janela abertapra fora, a fim de se comunicar seja lá com o que for; é você estar fechado dentro de você. Eessa tese do Descartes é uma tese altamente solipsista. (Vocês entenderam?) Por que solipsista?Porque a substância alma e a substância corpo não se contatam. (Tá?)

A palavra EU… eu usei a palavra eu como sinônimo de alma, porque a palavra eu seria a origemdo funcionamento da alma; ou seja – o eu seria aquilo que faria a alma funcionar. Mas a funçãoda minha alma… (Olhem só:) Eu estou falando pra vocês e vocês estão ouvindo o que eu estoufalando. O que eu estou falando se originaria no meu eu, é o meu eu, a minha alma queproduziria os pensamentos; mas, para serem expostos, esses pensamentos necessitariam deuma matéria sonora que está no meu corpo. (Entenderam?). Então, para se expor, a alma teriasempre que fazer uma combinação com o corpo. Mas como Descartes faz uma teoria de duassubstâncias que não se comunicam – ele não dá solução para as relações entre a alma e o corpo.

(Entendido? Acho que ficou claro, não preciso nem prosseguir nessa tese…).

No século XVIII (vamos dizer, uns cem anos depois da tese de Descartes), um filósofo, muitopouco conhecido, chamado Maine de Biran – que nasce no XVIII (1766) e morre no XIX (1824) –vai manter essa posição do Descartes de dar início à sua filosofia pensando a alma em vez decomeçar a filosofia pensando o corpo.

- Qual é o sinônimo que estou dando para a alma? Eu. Então, Maine de Biran vai começar afilosofia pensando o eu.

Esse filósofo…

(Atenção, que nós estamos penetrando na história da filosofia e da arte, hein? Então, qualquerdeslize, vocês segurem o tema e me perguntem: parem… porque vai fazer falta na frente!).

Então, esse filósofo vai manter o ponto de vista do Descartes: ao invés de começar a filosofiapelo corpo - ou, pior que tudo, começar a filosofia por Deus (o próprio Descartes fez isso!) – elecomeça a filosofia pelo eu: a filosofia dele é o eu. Mas agora vai passar alguma coisa de muitosurpreendente: porque, ao invés de o Maine de Biran dizer que o eu é uma substância…

- Quem disse que o eu era uma substância? Descartes… não foi? Na preocupação que ele tinhade provar que o eu existia… ele teve que afirmar a existência do eu e decidir se o eu era umasubstância ou um acidente.

A preocupação do Maine de Biran não é a mesma – a preocupação dele é mostrar que o eu éuma CAUSA. (coloquem aí:) O Maine de Biran vai querer mostrar que o eu é uma causa.

Agora, vamos dar uma analisada na noção de causa. Essa noção de causa… (isso é muito bonito,muito forte… e vai ter repercussão na frente, viu?). A noção de causa (prestem atenção!)…Olhem este copo que está aqui à minha esquerda. Eu pego este copo e coloco este copo à minhadireita. A causa da mudança desse copo foi o quê? Foi a minha mão. Foi a minha mão – quepegou esse copo e o colocou do lado de cá. Então, a minha mão é… CAUSAL.

- Posso falar isso, a minha mão é causal?

Mas em seguida vocês podem perguntar – e qual foi a causa do movimento da minha mão?Vamos dizer, a causa do movimento da minha mão foi X; e qual é a causa do movimento de X?Aí nós vamos fazer uma pesquisa da causa – que se chama “constituição de uma cadeia infinitacausal”. A natureza é como se fosse assim – por exemplo: as folhas das árvores semovimentam, a causa do movimento das folhas são os ventos. Agora, qual a causa do vento? Acausa dos ventos… eu não sei… são “as cavernas”! E quais são as causas das cavernas? Ascausas das cavernas são… “os gritos”! Você vai numa cadeia causal infinita: para cada causa –haveria sempre uma causa anterior. (Entenderam… ou não?)

Agora, quando o Maine de Biran vai dizer que o eu é uma causa – ele vai dizer que o eu é umaCAUSA INCAUSADA.

- O que quer dizer uma causa incausada? É uma causa que começa nela mesma - e que não temuma causa por trás. Essa teoria da causa incausada é de um brilhantismo excepcional, porque

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ela sempre foi aplicada em Deus – e aqui o Maine de Biran está dizendo que o EU é uma causa…incausada.

- O que quer dizer uma causa incausada? Quer dizer que é uma causa que não tem uma causapor trás: uma causa que começou nela mesma.

(Entenderam?)

Então, o eu, para o Maine de Biran, é uma causa incausada. Mas acontece que sempre que vocêencontrar uma causa, necessariamente você tem que encontrar o complemento da causa. E nocaso do Maine de Biran o complemento da causa é o efeito. Então, sempre que o EU age,aparece um EFEITO. Então, para o Maine de Biran, o eu é uma causa incausada, (está muitoclaro!) e a causa produz – necessariamente – um complemento. Ou seja, não há causa sem quehaja outro elemento que se chama efeito. E o efeito da causa incausada eu é o corpo, ou seja –o meu eu é uma causa incausada, que determina que o meu braço se levante. Logo, o eu é acausa; e o braço levantando é o… efeito.

Numa linguagem mais precisa e mais brilhante - o Maine de Biran vai dizer que o eu é umESFORÇO. O eu é o esforço mais poderoso que existe na natureza – e esse esforço do eu nãopressupõe algo por trás que o faça esforçar-se. O eu se esforça por si próprio – e esse esforço doeu encontra uma RESISTÊNCIA: o corpo. A resistência é o corpo. Por isso, (atenção, marquemisso:) para o Maine de Biran, sempre que um homem se movimenta, ele está fazendo umesforço e encontrando uma resistência - e esse par esforço-resistência chama-seCOMPORTAMENTO.

- O que é o comportamento? O comportamento é o esforço do eu e a resistência do corpo.

(Vocês entenderam?)

Então, o que Maine de Biran acabou de mostrar para nós é que, em todos os momentos em queo eu age – o eu para ele é uma causa incausada, é um esforço – em todo o momento em que oeu age – e a função do eu é exatamente agir, porque ele é causal - sempre que o eu age, eleproduz um efeito; e esse efeito - é a resistência do corpo.

Então, o movimento do vivo não é um movimento sobre um universo sem atrito – nós nãoestamos num universo sem atrito. O nosso mundo é sempre esforço e resistência, o que implicaem dizer (é lindo, mas eu não vou conseguir passar aqui nesse momento, só na frente), o queimplica em dizer que nós estamos inseridos no centro da FADIGA – nós somos os seresfatigados! A fadiga faz parte da vida – porque nós somos esforço e… resistência. (Certo?)

Prestem atenção a essa questão da fadiga porque ela vai voltar com uma força e uma belezaexcepcional, por exemplo, quando eu falar pra vocês do cinema do Cassavetes. Ou quando eucomeçar a mostrar pra vocês a filosofia do corpo.

Quando nós falamos em ’ser vivo’, o ser vivo é um eu, que é um esforço, que é uma causa ; eleé uma matéria, que é uma resistência. Então, quando eu falo no homem, eu tenho sempre quefalar em BINÔMIOS. Eu nunca posso definir o homem - como queria o paranóico do Descartes –por um só termo; são sempre necessários dois termos: esforço e resistência ; comportamento emeio ; ou causa e efeito… Então, isso se chama binômio.

- O que é o binômio? O binômio é a marca do comportamento de qualquer ser vivo. Todo servivo tem um comportamento – e o comportamento dele é em função do esforço e da resistência– e é sempre um comportamento num meio determinado. Ele sempre se comporta num meiodeterminado - que eu vou chamar de meio geográfico ou meio histórico.

(Vocês entenderam até aqui?)

Isso se chama teoria da ação ou imagem-ação. Em cinema, é o western, é o filme histórico, é ofilme noir - que são constituídos com esse modelo que está aqui.

- Que modelo? O modelo do binômio. É esse o momento principal - é o binômio. Ou seja, nomundo da ação são sempre dois: esforço e resistência, causa e efeito, comportamento e meio…Ou (para fechar para vocês), o eu que nós somos – aqui é a definição definitiva e exata! - o euque nós somos não é uma substância - o eu é RELAÇÃO. Vejam bem, o eu não entra em relação– ele é relação ; é bem diferente, ouviu? Porque você pode ter uma substância que entra emrelação com outra substância. O eu não é isso: o ser do eu é se relacionar. Então, se o ser do eué se relacionar, ele nunca estará solitário: ele estará sempre ao lado de alguma coisa? e é porisso que o mundo da ação, o mundo da vida, chama-se binômio. O grande modelo desse

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binômio, o grande modelo dessa causa-efeito, desse esforço-resistência vai ser dado pelo cinemaamericano, pela prática do DUELO.

O duelo é exatamente o modelo do mundo ativo. O modelo do mundo ativo? o duelo, o dueto ouos contrapontos melódicos. Nós estamos sempre envolvidos nessa dualidade, nesse duo, nessebinômio: esforço e resistência, causa e efeito, ação e reação…

Agora, uma definição de uma beleza extraordinária, dada pelo Espinoza: o corpo vivo é –essencialmente - ação e paixão. Ele é ação e paixão. Então, vocês estão vendo que eu estoupartindo do eu – tornei o eu causal, fiz do eu uma relação, desfiz as tolices cartesianas, coloqueio eu como um esforço que tem sempre frente a ele uma resistência. .. e aí emerge esse mundoda ação. Esse mundo da ação é… (de uma maneira muito fácil de vocês entenderem,entenderem as nossas vidas…)

As nossas vidas se dão nas práticas do mundo pelo que se chama comportamento. E ocomportamento está sempre em relação com o meio ou – numa linguagem mais precisa – nósestamos sempre em situação. Nós estamos sempre dentro de uma situação qualquer - porexemplo, essa aula é uma situação qualquer. Então, nós estamos sempre dentro de umasituação - e nós agimos dentro dessa situação ou para manter a situação ou para transformar asituação. Manter ou transformar a situação. Por isso, a gente pode colocar: situação, ação,minha situação. Seria o nosso procedimento nesse universo que está aqui.

O mocinho do cinema… o mocinho chega numa cidade, os bandidos estão roubando o pai damocinha – é essa a situação. Ele chega e quer modificar essa situação. Então, o mocinho – quequer modificar a situação – torna-se explosivo… porque a ação é modificadora de uma situação –é sempre uma ação explosiva.

Eu aqui estou usando uma linguagem bergsoniana, mas é muito fácil de compreender: sempreque você vai modificar uma situação – você entra com uma ação explosiva. Por isso, o mocinhodo cinema ação – Gary Cooper (não é?) – é sempre explosivo: a qualquer momento ele… saca,ele pode sacar.

Então, nós vamos marcar esse mundo que eu acabei de explicar (depois eu vou ter que voltar aele), como sendo o mundo da ação e da situação. Todos os nossos corpos chamam-se corposindividuados. Ou seja, no mundo da ação e da situação estão os INDIVÍDUOS. Os corposindividuados… os sistemas individuados…

Ao falar em sistemas individuados… eu posso ser forçado a entrar em campos físicos, que nessemomento não importa; pode ser que em outra aula importe… Eu aí vou falar pra vocês emtermodinâmica, vou falar em física.

O que importa aqui é que os nossos corpos estão sempre dentro de um sistema individuado. Eesse sistema individuado se constitui por ação e situação. Nós estamos sempre assim, sempreassim! E nesse universo da ação e da situação aparece o nosso comportamento.

(Atenção, para o que eu vou dizer:)

E o nosso comportamento é regulado e desregulado – regulado e desregulado - pelossentimentos e pelas emoções. (Certo?).

Então, você está dentro de uma situação qualquer… - a situação desta sala de aula… Então,nessa situação aqui, todos nós temos os nossos comportamentos regulados. Se, de repente,alguém começar a gritar, ficar nu e a dançar aqui dentro da sala, é porque as emoções e ossentimentos desregularam o comportamento dele. E o poder dessa situação, provavelmente, vaibotar esse cara pra fora. Mas se ele for o Gary Cooper, a situação muda. Aí nós concordamosimediatamente em mudar a situação porque o negócio está complicado.

Então, eu queria que vocês entendessem essa figura chamada comportamento. Ocomportamento… o nosso comportamento está sempre em situação.

Parte II

Na aula passada, eu citei uma prática que às vezes ocorre conosco – e vou citar outra vez. Épossível que alguém aqui nunca a tenha vivido, mas é difícil. É uma prática que se dá entre osono e a vigília ; ou entre o estar dormindo e o estar acordado – quando se faz uma refeiçãomais pesada, por exemplo, e dá uma lombeira… e aí, então, fica-se naquele vai ou não vai. ..mas, no fundo, você ainda está acordado. Ali, entre a vigília e o sono (não é o sonho…) passauma linha… uma linha que é uma cadeia de imagens inteiramente autônomas: você não tem

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nenhum controle sobre ela… É como se você estivesse vendo um filme: aquelas imagens passampor você, você observa aquela cadeia de imagens passar – chama-se HIPNAGOGIA.

A hipnagogia é um conjunto encadeado de imagens – e é aí que está a beleza! – que às vezesforma até uma história… Mas g eralmente não é uma história; é um encadeamento de atitudes.Aquele encadeamento passa; aquelas imagens, porém, não são originárias no ‘ meu eu’: elasindependem do ‘meu eu’, elas não têm o ‘meu eu’ como causa.

(Eu não sei se vocês entenderam…)

Até agora, toda aula eu tenho falado que o EU seria a causa de tudo. Nessa hipnagogia… o meueu não é causal. Ou de outra forma: quando nós desfalecemos…

Atualmente só as mulheres podem desmaiar… porque essa prática não fica bem para oshomens… No entanto, houve séculos em que desmaiar era possível apenas para os homens. OsCavaleiros da Távola Redonda, por exemplo, podiam desmaiar – as mulheres, não. (Certo?)[Porque] os campos sociais determinam até as nossas práticas mais poderosas.

O desmaio é uma perda do eu, é uma perda do ego. Logo, é uma perda das forças do eu. Odesmaio seria alguma coisa que quando se desse, não teria sido causado pelo eu. Nestas aulas,eu venho falando das causas que o EU produz: essência / existência, ação / paixão, causa eefeito – e agora eu já mostrei a hipnagogia e o desmaio como duas práticas que não viriam doeu. Há uma terceira prática que também não se origina no eu: uma dor excessiva.

Há uma narrativa do Montaigne em que ele diz que um determinado barão teria sido feitoprisioneiro por um inimigo; e que esse inimigo então matou todas as pessoas queridas do barão– matou e mostrou a ele o que tinha feito; e o barão começou a dar gritos de sofrimentoinsuportáveis. .. Quer dizer, o eu dele reagia violentamente àquele sofrimento intolerável. E, emseguida, o inimigo dele teria matado o maior amigo que o barão tinha – e aí o barão não moveusequer um músculo: porque o sofrimento do barão nesse momento abandonou a dependência doeu. O sofrimento se tornou autônomo.

(Vocês entenderam?)

Então, vai acontecer dentro de nós – eu dei três exemplos (eu poderia dar cinqüenta mil):hipnagogia, desfalecimento e… (qual foi o terceiro?) dor excessiva - três forças que apareceriamem nós, sem que a causa delas fosse o eu. Tudo aquilo que for causado pelo eu – segundoPeirce (o teórico que eu citei na aula passada) – eu chamarei de SEGUNDIDADE. Tudo aquilo quefor causado dentro de nós, mas a causa não for o eu – eu chamarei de PRIMEIRIDADE.

Então, o desfalecimento, por exemplo, seria uma primeiridade? Seria!… A hipnagogia seria umaprimeiridade; o desfalecimento seria uma primeiridade; a dor excessiva seria uma primeiridade.A primeiridade são eventos que se dão dentro de nós – mas a causa desses eventos não é o eu.

Todos os eventos causados pelo eu chamam-se COMPORTAMENTOS; e esses comportamentossão regulados pelos SENTIMENTOS e pelas EMOÇÕES. Agora, tudo aquilo que acontece dentrode nós, mas que não é causado pelo eu – chama-se AFETO.

- O que é um afeto? O afeto são as forças do próprio tempo agindo dentro de nós – forças quenão podem ser explicadas por nenhuma estrutura psicológica. Então, esses afetos chamam-seIMAGEM-AFECÇÃO. E Deleuze diz que o cinema se tornou o grande mestre da apresentaçãodesses afetos. O cinema apresenta esses afetos – que são a primeiridade do Peirce… Não é isso?Não é a primeiridade do Peirce… que são as forças que se desenvolvem dentro da gente, sem adeterminação do eu? O cinema se tornou mestre da apresentação desses afetos por trêsprocessos: o primeiro plano, as sombras expressionistas e os espaços desconectados.. . (E nósvamos conhecer tudo isso!)

Então, aqui apareceram dois tipos de cinema ou duas maneiras de viver: os modos chamadosação – que [são] esforço e resistência ; ação e paixão ; comportamento regulado porsentimentos e emoções - e os afetos.

- Quando os afetos aparecem, quem não está presente? O eu. Então, o domínio dos afetoschama-se DESUMANIZAÇÃO. A desumanização é a busca infinita do pensamento.

Toda a questão do pensamento é encontrar os afetos, encontrar a desumanização - para não serpreso pelos sentimentos e pelas emoções ou pelo comportamento – que é manifestação dahistória pessoal de cada um. Ou seja, toda a questão do pensamento é se libertar exatamente dahistória pessoal. (Vocês conseguiram entender?) É isso a prática da desumanização!

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Para a arte se efetuar (e foi isso que eu expliquei do Proust), ela tem que se libertar exatamenteda história pessoal – porque a história pessoal é um conjunto de fantasmas, tristezas, pequenasalegrias, grandes sofrimentos, enormes emoções ; e nela, na história pessoal, há sempre umHERÓI. Quem? Nós mesmos! Por isso a literatura moderna é brutalmente invadida pelo que sechama best seller. O best seller é sempre a história pessoal de um autor que se diz maravilhoso.Porque qualquer narrativa de história pessoal tem que ser elogiosa pra ele.

Eu gostaria de marcar pra vocês uma questão muito bonita que foi a presença de um escritorchamado Henry Miller na literatura do século XX – creio que a partir da década de trinta. Para osmal avisados, o Henry Miller, em sua obra, está falando de sua história pessoal: não está! OHenri Miller é um literato dos afetos ; não um contador de história pessoal.

Então, é essa questão dos afetos e dos comportamentos; dos afetos e da história pessoal… Aquestão da arte, da filosofia e da ciência é conquistar os afetos – porque não se pode pensar porbiografia pessoal. Pensa-se – exatamente – a partir dos afetos.

(Eu acho que ficou clara essa primeira passagem, não é? Evidentemente eu vou ter quemelhorar isso.)

Se por acaso eu, agora, me remetesse pra música, eu fizesse uma mexida na música… (Vamosme ajudar agora, usando a primeira aula, tá?). Se eu remetesse isso tudo pra música, eu diriaque o canto dos pássaros primaveris seria o comportamento regulado por sentimentos eemoções. (Conseguiram se lembrar aqui ou se esqueceram?) Os ‘cantos primaveris’ seriam oscantos inteiramente orgânicos ; inteiramente individuais ; inteiramente a serviço docomportamento – do comportamento específico.

Agora, aqueles cantos que são feitos para o crepúsculo e para a aurora seriam cantos afetivos.(Vocês entenderam?) Aí estaria, então, a diferença que um músico sente, quando ouve essesdois cantos: a beleza – quase que insuportável – dos motivos e dos temas, e do ritmo e doscomportamentos melódicos que os cantos feitos para o crepúsculo e para a aurora têm – porquesão cantos afetivos, cujo único objetivo é a produção da beleza – mais nada! Enquanto que ooutro, o canto primaveril, pretende servir ao organismo. Então, o que eu estou colocando pelaprimeira vez pra vocês (as dificuldades são enormes, eu sei disso) – é a distinção do que sechama AÇÃO e AFECÇÃO.

A ação é o projeto do esforço e resistência; ação e paixão; comportamento regulado por emoçãoe por sentimento; e a dominação de um eu – um eu que age, um eu que está sempre emrelação. E , de outro lado, o mundo dos afetos – onde o eu desaparece e, com ele, também ahistória pessoal. Então, quando eu expliquei pra vocês toda a questão em torno do que Proustchama de SUJEITO ARTISTA…

Para Proust, o sujeito artista não é um autor; mas aquele que luta para fazer as forças daamizade e do amor desaparecerem – para que as forças do afeto então se liberem. (Nós vamosver mais na frente, mas agora já podemos deixar marcado…) À diferença das forças da emoção edo sentimento, que se originam no eu - essas forças do afeto se originam no TEMPO PURO. Ouseja, quando nós entramos em contato com os afetos significa que estamos mergulhando nopróprio tempo – é um mergulho no tempo!

Então, a vida começa a alcançar os seus mais altos estágios, ao ponto de Proust chegar aoextremo de dizer: a religião, durante séculos, foi o instrumento do qual os homens se servirampra buscar sua salvação, buscar a salvação. O homem tem que abandonar a religião como uminstrumento de salvação. O único instrumento de salvação – essa é a tese do Proust – é aestética, é a beleza! E ele não diz isso em termos de brincadeira, porque ele vai chegar aoextremo de dizer que, provavelmente – pela estética e pela beleza - ele vai provar que a alma éimortal. Então, em estética, esse momento é o que se chama o MOMENTO SUBLIME – que éexatamente esse que eu coloquei pra vocês.

Nós vamos chamar, de um lado, esforço e resistência, ação e paixão ; e, de outro lado, o afeto.De um lado o domínio do eu ; e, de outro lado, a dissolução do eu. Vamos usar… dissolução doeu. Ou seja, é possível que, em determinados momentos da nossa vida, nós possamos dissolvero eu; e, ao dissolver o eu, todos esses fantasmas que costuram o nosso corpo a sofrimentosinsuportáveis venham a desaparecer e o nosso corpo se liberte.

(Intervalo para o café)

(Eu não posso me demorar em muitas coisas… por causa da rapidez do curso, certo?)

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Esse mundo-ação, esse mundo do esforço e da resistência, da ação e da situação, esse mundodo comportamento, da ação retardada e da ação explosiva (eu volto a isso em outra aula…)chama-se MUNDO ORGÂNICO. É isso o mundo orgânico.

Só para vocês tomarem uma noção, a arte clássica, a definição da arte clássica – vamos colocarem termos plásticos, em termos pictóricos – é ter como modelo o mundo orgânico. Então, porexemplo, quando você encontra uma história da arte poderosa como essa do Worringer, que eucitei pra vocês, ela vai apontar o mundo clássico – aí a Grécia e a Renascenca, por exemplo –como o mundo da ARTE ORGÂNICA: que é, portanto, a arte do comportamento ; do esforço eresistência ; da ação e situação - onde está o que eu chamo de mundo orgânico, de corpoorgânico. Agora, a afecção - pode ser que seja uma forçação muito grande, mas não é – eu voupassar a chamar de CORPO HISTÉRICO.

Há o mundo do comportamento, da ação e situação, regulado pelos sentimentos e pelasemoções e o corpo orgânico. E, do lado de cá, do lado da afecção, eu coloco o corpo histérico.Um exemplo para vocês… (His-té-ri-co, de histeria. Eu, daqui a pouco volto e melhoro, até paraassumir uma pergunta que o L– me fez no intervalo da aula).

Imagem-pulsão

Comportamento

Esforço e Resistência

Ação e Situação

Emoção

Sentimento

Imagem-ação

Realismo

Segundidade

Corpo Orgânico

Afecção

Afeto

Imagem-afecção

(Expressionismo)

Primeiridade

Corpo Histérico

Esse grande historiador da arte – o Worringer – que eu já indiquei pra vocês, tem um livrotraduzido para o português chamado A Arte Gótica, onde ele faz uma distinção entre a artegrega – que ele chama de arte clássica; e a arte gótica – que ele chama de POTÊNCIA NÃO-ORGÂNICA DA VIDA. Essa potência não -orgânica da vida é exatamente esse mundo afetivo, queindepende do eu, e que eu estou chamando de corpo histérico.

A arte gótica é muito mais poderosa do que propriamente uma arte representativa; ela não écomo a arte orgânica, que faz somente uma prática de representação – ela inventa novasfiguras: uma nova matemática, uma nova ciência, uma teoria dos animais… Ou seja, o mundo daafecção e o mundo do comportamento são dois mundos completamente diferentes. No mundo daação e situação ; no mundo do comportamento - é onde se encontra a história, a intriga, ahistória pessoal, a narrativa. .. No mundo que estou chamando de mundo histérico (aqui é sóexemplo, ainda não é aula, é só para fortalecer; a aula virá na frente!), cá, no mundo daafecção, não há história pessoal, não há intriga, não há narrativa. (Isso tudo aqui são apenasexemplos pra vocês…) Vocês podem pegar um literato francês do século XX, fundador de umaescola chamada Nouveau Roman, chamado Alain Robbe-Grillet. A literatura do Robbe-Grillet éuma literatura sem história – ela consiste apenas na descrição de afetos. Ou seja, quando seabandona o mundo do comportamento, da ação-situação, do esforço-resistência – o mundoorgânico ; e se passa para o mundo da afecção – o mundo histérico ; dois elementosfundamentais (que nós temos que entender) vão ser abandonados: a narrativa e a história. Ouseja, no mundo da afecção desaparece a narrativa e desaparece a história. (Eu só estou dandoisso como exemplo, para vocês entenderem…)

Quando vocês virem um filme do Cassavetes, por exemplo, vamos dizer, Love Streams - emportuguês Amantes (já se encontra em vídeo) – esse filme é um filme sem história, oencadeamento dele não é o enredo. Ou melhor, quando há um filme, o ator recebe um papel e afunção do ator é efetuar bem ou mal esse papel. Num filme da imagem-afecção não há papel,não há papel… e – mais grave ainda – toda a posição do ator se transforma. Porque o processodo ator no filme de ação é a convivência com um mundo falso, um mundo imaginário. Então, o

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personagem predomina sobre o ator. No mundo da afecção, ator e personagem se tornamindiscerníveis: você não sabe se aquilo dali é o próprio Cassavetes ou a personagem. Naverdade, são os dois, os dois! Então, uma bebedeira no cinema-ação… Existe aquela famosabebedeira do Ray Milland no Farrapo Humano. .. (não sei se vocês conhecem…) (As duas decinema já fizeram que sim, para mim). As grandes bebedeiras do cinema-ação, a do Ray Millandé famosa… Mas quando você pega uma bebedeira do Cassavetes… Cassavetes não fez outracoisa na vida senão beber… São bebedeiras histéricas, são bebedeiras afetivas, bebedeiras emque o eu está dissolvido – por isso, vai aparecer ali um encadeamento totalmente diferente.(Aqui foi só exemplo daquilo que eu tenho como objetivo para falar pra vocês).

Então, de um lado tem a afecção e do outro lado tem a ação. (Certo?) A afecção, no cinemaoriginário da linguagem bergsoniana, chama-se imagem-afecção ; e a ação, chama-seimagem-ação. Agora… (Isso tudo tem que crescer muito nas próximas aulas… Não é? Isso temque crescer com rapidez.) Entre a afecção e a ação vai aparecer uma coisa muito surpreendente,chamada imagem-pulsão. Ou seja, pulsão não é nem ação nem afecção. Agora, onde está ocomportamento? O comportamento está na ação. (Certo?) Agora, do lado direito você temafecção, do lado esquerdo você tem sentimento – o sentimento está no mundo da ação. Do ladoda afecção você não tem sentimento nenhum - no mundo dos afetos não há sentimento!

Não adianta dizer “eu estou tão triste…” “eu sou inteligente…”, não adianta: ninguém vaientender, você vai ficar ali morto!… E, aliás… ainda bem, não é? Ainda bem! Quer dizer… é muitodifícil a psicanálise dar certo no mundo da afecção. Não dá! Não dá porque não há questão dehistória pessoal… Ali você pode fazer o que Guattari pregava – uma esquizo análise; tornar-seum explorador, um cartógrafo. .. e pegar os pontos afetivos, as linhas de afeto… Écompletamente diferente!

Então, entre esses dois mundos vai aparecer o que se chama imagem-pulsão. Isso é muito nítidono cinema e vai se tornar nítido na pintura. Eu também vou tornar essa questão nítida pra vocêsna pintura. No cinema, eu vou indicar um autor, que trabalha com essa questão da imagem-pulsão – o Joseph Losey, que é único que o nosso tempo vai permitir. O Losey, como umexemplo da imagem-pulsão. E eu vou pedir que vocês vejam dois filmes (que vocês vãoencontrar em locadora), é… O Mensageiro (The Go-Between) e… O Criado. Bastariam esses doisfilmes… Se vocês vissem esses dois filmes, neste fim de semana… eu já constituiria meios para apróxima aula.

Então, agora, o que nós temos que fazer? Eu fiz nessa aula toda uma boa explicação do que viriaa ser o comportamento. O que é o comportamento? O comportamento é uma ação dentro deuma situação (S). Numa situação (S) que se mantém; ou numa situação que se transforma em(S’). Que se transforma… quando o comportamento é explodido ou é retardado, mas quermodificar a situação; e o comportamento é regulado pelos sentimentos e pelas emoções.

(Acho que é muito fácil… todo mundo entendeu isso…)

O comportamento regulado por sentimentos e emoções. A gente diz assim: “puxa você está tãodiferente hoje, minha querida… Está com um comportamento tão diferente…” É porque aquelessentimentos idiotas já baixaram na cabeça dela, não é? Aí ela começa a falar uma série de as…Ou ele, (não é?) geralmente ele, geralmente ele… Os homens são mais preocupantes nisso daí.Não… As mulheres têm coisas muito bonitas. As mulheres têm linhas muito bonitas! Eu nãoestou fazendo nenhum puxassaquismo das mulheres – embora eu tenha passado a minha vidapuxando o saco das mulheres!…

(Risos…)

E de outro lado, nós temos a imagem-afecção. Afecção não é comportamento. Não écomportamento e não está numa situação. Então, eu vou usar que a afecção – aceitem essesintagma por enquanto e na próxima aula eu explico – que a afecção vai se ligar a um espaço-qualquer. Vamos aceitar… Comportamento/situação, ação/situação. E afecção/espaço-qualquer.Agora, a pulsão…

(Eu agora vou ter que dar uma aula de filosofia pra vocês… (tá?) Eu não posso deixar de dar, pravocês poderem entender).

Um filósofo chamado Aristóteles fez o que se chama (Vocês me perdoem se eu agora cansarvocês… Mas eu acho que não, porque eu sou um homem da imagem-afecção. E o homem daimagem-afecção vai jogando tintas e cores em tudo que ele toca. (Tá?).

Então, o Aristóteles fez o que se chama uma TEORIA DO SER. Podem até marcar: teoria do ser.

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Ser quer dizer o quê? Ser é tudo aquilo que existe ; aquilo que é. Ser é tudo aquilo que existe. Equais são os dois tipos de existência? (Eu acabei de dizer!…) SUBSTÂNCIA e ACIDENTE. Então,quando o Aristóteles faz a teoria do ser - faz uma teoria da substância, uma teoria do acidente,mas acrescenta dois outros tipos de existência: uma se chama ATO e a outra, POTÊNCIA. Isso sechama: AS QUATRO DOBRAS DO SER.

- Quais são as quatro dobras do ser? A substância, o acidente, ato e potência – de queHeidegger é o grande teórico: o grande teórico das quatro dobras do ser.

Então, quando o Aristóteles fez a teoria do ser, ele distinguiu ato e potência. Olhem o que é atoe potência: eu pego este objeto – este isqueiro aqui – e quando eu seguro este isqueiro, esteisqueiro está seguro em ato ; eu o estou segurando em ato; mas – em potência - ele pode cair.(Vejam se entederam…) Ele está seguro em ato ; mas, em potência, ele pode cair. Então,potência é sinônimo de possibilidade. Todo ser é o que ele é em ato, mais as possibilidades queele tem. (Entenderam?) Então, há uma diferença - estar em ato e estar em potência: écompletamente diferente!

O mundo do comportamento – o mundo da ação e da situação - é o mundo do ato. É quando osafetos entram nos corpos, se atualizam e viram sentimentos e emoções. Então, o mundo daação é o mundo atualizado - o que se chama MUNDO ATUAL: onde tudo está em ato! E o mundodas afecções… [é o mundo da potência. ] (acho que está um sendo pouco difícil…)

Potência e ato - duas dobras do ser aristotélico: a potência e o ato. A pulsão é um atoembrionário. O que é um ato embrionário?… (fim de fita)

Imagem-pulsão

Comportamento

Esforço e Resistência

Ação e Situação

Emoção

Sentimento

Imagem-ação

Realismo

Segundidade

Corpo Orgânico

Ato

Afecção

Afeto

Imagem-afecção

(Expressionismo)

Primeiridade

Corpo Histérico

Potência

Ato embrionário

Afeto degenerado

Predação e presa

Parte III

[...] não se efetuou como ato e não se expressou como potência. (Certo?). A potência seria oafeto; o ato seria o comportamento; e, entre os dois, estaria a pulsão.

- Quem regula e desregula o comportamento? Os sentimentos e as emoções.

Os afetos são forças puras do tempo. (Certo?) Agora, a pulsão, que não é nem afeto nemsentimento. ..

(Aqui, vai ficar muito claro pra vocês:)

O afeto não é uma entidade que pertence ao homem, ao vivo. Não: o afeto pertence a tudo!Tudo o que existe tem afeto: as facas, os ventos, as chuvas, os poemas, os olhares, os gestos,as luzes, a morte… O afeto emerge, emana, se expressa. .. de tudo que existe. Já ossentimentos são propriamente humanos. Como as pulsões não são afetos, porque são afetosdegenerados ; e não são sentimentos, porque são ações embrionárias – são fetos de

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sentimentos. A pulsão é predação e presa. A pulsão é quando o homem pulsional torna-se umbicho-homem. Ele é um bicho-homem.

Vocês vão ter a alegria de conhecer um cinema admirável - fiquemos de joelhos para ele! – ocinema do Losey, que é exatamente o afeto do predador e da presa. A pulsão é sempre umapulsão elementar, o ser pulsional quer exaurir aquilo a que ele se dirige. É por isso que em OCria do, o Dirk Bogard, o genial Dirk Bogard, entra numa casa e lança [sua] pulsão para o donoda casa e para a casa. Ele quer exaurir, chupar tudo, comer tudo, destruir tudo! Então, essecinema – que se chama pulsional - é o cinema do predador e da presa.

No cinema ação, o comportamento está em situação. (As coisas vão começar a ficar umpouquinho mais difíceis, viu?) O comportamento está em situação.

No cinema afecção (eu pedi a vocês um espaço…) e disse que o afeto está relacionado com oespaço qualquer.

No cinema pulsional as pulsões estão ligadas com o que se chama meio derivado.

(Eu vou explicar pra vocês o que é o meio derivado:)

Existiu no Brasil um escritor chamado Aluísio de Azevedo – acho que todos nós aqui lemos,porque ele foi prova nos colégios, todo mundo teve que ler! O Aluísio de Azevedo é um literatonaturalista. O naturalismo é a mesma coisa que a pulsão. O cinema-ação é o chamado cinemarealista. E o cinema-pulsional é o cinema naturalista. O naturalismo não se opõe ao realismo –apenas tinge com cores fortes o realismo.

Vocês se lembram de O Cortiço, do Aluísio Azevedo? O Cortiço. .. vocês chegaram a ver… algumde vocês chegou a ver, como é que se chamava aquilo, cabeça de porco? Essas casas chamadascabeça de porco! Eu vi, eu cheguei a ver. E cabeça de porco é nada perto do cortiço. O cortiçoera tudo destruído, em pedaços, é como se fosse o território da loucura: tudo em pedaços?cadeiras em pedaços, penicos em pedaços, quartos em pedaços. O quarto não tinha porta, eraum pedaço de pano. Esse cortiço, no caso, chama-se mundo originário. Ou seja, no cinemapulsional sempre há um mundo originário; e a cidade do Rio de Janeiro, no caso de O Cortiço, éo meio derivado.

Então, no cinema pulsional, você tem a PULSÃO ELEMENTAR – que [corresponde ao que] é ocomportamento no cinema ação, e ao afeto no cinema afecção. No cinema naturalista chama-sepulsão elementar. Essa pulsão elementar é dirigida para o meio derivado, mas busca as suasforças no mundo originário.

(Vamos tentar entender isso pra, na próxima aula, eu poder explicar a teoria do tempo.)

No caso do Aluísio de Azevedo, o que estou chamando de mundo originário? É o cortiço.

(Vocês estão entendendo? Vocês leram Aluísio de Azevedo? Não?).

O mundo originário é o cortiço. Por exemplo, se vocês virem O Criado - quem viu O Criado? EmO Criado tem uma praça de cascalho branco, com umas estátuas assustadoras – aquilo é omundo originário.

Então, nós temos três elementos no cinema naturalista: mundo originário… O melhor exemplopara nós brasileiros entendermos o mundo originário no naturalismo é O Cortiço. É como se nocentro de um meio geográfico e cultural estivesse aparecendo o Cronos devorador… o fundo dotempo. .. é como a pulsão de morte. .. os pedaços. .. a entropia. .. o fim do mundo… o começodo mundo… o que de mais terrível estivesse emergindo dali! Esse mundo originário está presenteem todo cinema naturalista.

(Vocês conseguiram entender aqui? Ou não?)

Agora, esse mundo originário vai-se ligar ao que se chama pulsão elementar. Essa pulsãoelementar é quando o personagem se torna presa ou predador – pouco importa! O melhorexemplo de predador nós encontramos em O Criado , do Losey – a perseguição que o DirkBogard move ao dono da casa, na escada. A perseguição chega a um extremo tão grande que háuma cena em que o dono da casa vai se trancar dentro de um quarto no andar de cima,enquanto, em primeiro plano, vemos o Dirk Bogard subindo a escada, pé ante pé, em direção aele, dizendo: “Estou sentindo cheiro de rato”. Você sente toda a força do predador. Então, ohomem se transforma no bicho-homem – não é mais comportamento e não é mais afecção.

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Esse é o cinema naturalista. (Estão conseguindo?) A obra prima do Losey. O Losey é fantástico:uma coisa extraordinária! Então, todo o cinema do Losey se constitui por esses três elementos:mundo originário, pulsão elementar e meio derivado.

Imagem-pulsão

Comportamento

Esforço e Resistência

Ação e Situação

Emoção

Sentimento

Imagem-ação

Realismo

Segundidade

Corpo Orgânico

Ato

Imagem-pulsãoAtoembrionário

Afetodegenerado

Predação epresa

Mundooriginário

Meioderivado

Afecção

Afeto

Imagem-afecção

(Expressionismo)

Primeiridade

Corpo Histérico

Potência

Ato embrionário

Afeto degenerado

Predação e presa

Mundo originário

Meio derivado

No cinema de Losey há também uma coisa muito marcante – que são as casas vitorianas.

(Alguém pergunta…)

As casas vitorianas. Casas lindíssimas – e o predador está sempre querendo consumir aquelacasa. Vocês podem reconhecer isso também no Buñuel, em O Anjo Exterminador , que é amesma coisa: o mesmo procedimento. Então, nós temos aqui as três grandes linhas que euconsegui juntar nesta aula: o mundo ação, o mundo pulsão e o mundo afecção.

(Está certo?)

Agora, eu vou pedir um auxílio a vocês: quem já viu um filme chamado Amigos para sempre, doArthur Penn? É um filme lindíssimo! (Esse filme tem no vídeo.) Four friends, do Arthur Penn. Sevocês pudessem ver… eu daria esse filme como exemplo da imagem-ação. Vocês poderiam veré… aí é uma escolha de vocês, acho que é até indiferente… O Losey, eu preferiria o Losey, viu –O Mensageiro tem no vídeo. O Criado tem. (Não tem? Ela está dizendo aqui que não tem.)Então, teria… Casa de Bonecas? Tem Casa de Bonecas.

Al: É o quê?

Cl: É imagem pulsão. E teria também aquele… A Inglesa Romântica. Parece que tem também,não tem?

Al: Bem, lá no Polyteama, no Júlio, ele tem muitos, mas não tem O Criado. Têm vários…

Então, se vocês quiserem fazer isso, vocês me darão assim um agrado, é um agrado pra mim,não é? Agora, para a imagem-afecção um Bergman, um filme do Bergman. Eu acho que oBergman se arranja, não arranja? Ou não, eu não sei, realmente eu não sei, pode ser aí um…Qualquer coisa que vocês puderem pegar… Eu estou buscando o Bergman só por causa doprimeiro plano, para eu poder dar uma aula de primeiro plano, pra vocês pelo menos teremobservado o primeiro plano, vocês terem tomado contato com ele.

(Tá? Se vocês acharem outra idéia de imagem afecção, vocês deem, porque…)

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Al.: Aquele filme do Resnais, O Ano Passado em Marienbad?

O Ano Passado em Marienbad, eu levaria mais pra frente, que é a questão do tempo puro, (tá?)É melhor não. (Não sei se eu poderei falar de o Ano Passado em Marienbad ainda neste curso.Eu espero ainda poder fazer!) Mas não, não: eu jogaria o Marienbad já como a conquista dotempo - é um momento excepcional da história do pensamento, fica um pouco pra frente. Então,o que estou querendo na imagem afecção, se vocês tiverem uma idéia melhor do que a minha, équalquer coisa que dê o primeiro plano.

Alª: Poderia ser o Persona…

Cl.: É… seria o Persona. (Mas tem em vídeo? Entende?) É… Mas eu estou de acordo, Persona émagnífico. Persona é excepcional! Ou então vocês teriam… o Faces do Cassavetes. Mas vocêsnão vão encontrar… não vão encontrar, é quase impossível… (Bem, então, parei aqui).

Eu agora abandono o cinema e dou uma apontada pras artes plásticas, pra pintura, por exemplo.Então eu vou fazer uma marca (porque na próxima aula vou fazer uma projeção de pinturasaqui). Eu vou fazer a seguinte marca pra vocês… (Eu acho que não estou exagerando.)

O século XX, a partir de 1910, – e isso daí tem uma associação, que eu vou tentar mostrar, comas questões do capitalismo – , vai começar a desfazer o figurativo nas artes plásticas. (Vocêssabem o que é figurativo, não? São figuras que aparecem nos quadros). É o nascimento da arteabstrata. A arte abstrata vai ter seu nascimento mais ou menos em 1910. Kandinsky, Mondrian,(quem mais?), Malevitch… São os grandes nomes… Então, vamos marcar que o século XX, nasartes plásticas, (vamos fazer essa força!) traria o objetivo de desfazer a arte figurativa. E a artefigurativa seria a imagem-ação, a arte propriamente orgânica. (Certo? Vamos fazer dessaforma). Mas, nós vamos conhecer grandes pintores chamados figurativos, no século XX. Porexemplo: Lucien Freud (todos devem conhecer o Lucien Freud), o Francis Bacon… Não sãofigurativos? O Egon Schiele, não é um figurativo? São todos figurativos. Por isso, um pensadorde estética francês chamado Lyotard criou uma categoria (que depois eu vou explicar o que é)para distinguir uma figura que não fosse figurativa de uma figura figurativa. (Que é incrível,parece uma coisa incrível, não é?) Ele vai passar a chamar de FIGURAL à figura não-figurativa.(Eu vou explicar isso). Então, nós vamos fazer uma distinção entre figurativo e figural. E eu voucolocar o Lucien Freud, o Francis Bacon e o Egon Schiele como figurais.

Al.: —–

Cl.: Chama-se Lyotard (com y). Jean Lyotard. Ele tem um livro chamado Discurso e Figura emque ele dedica cem páginas para fazer a marca dessa noção de figural – que eu vou explicar pravocês. Então, o figural não é figurativo, é figura, mas não é figurativo. (Tá?) Agora, essemovimento abstracionista… nasceu em 1910 (não é?) com Mondrian, por exemplo. Essemovimento vai tomar sua posição mais elevada com o chamado EXPRESSIONISMO ABSTRATO.O exemplo de expressionismo abstrato é: Newman, Pollock, Kooning, que praticamente liberamda tela qualquer figura. (Vocês conhecem?) A matéria fica livre na tela – fica inteiramente livre.Inclusive, há o abandono do cavalete no processo de pintar (eu vou mostrar isso) mas oimportante é que a matéria se liberta de qualquer forma – que não é o caso do Mondrian, doMalevitch… em que a matéria ainda está toda presa. Quando essa matéria se liberar da formavai passar a se chamar material-força. Então, nas telas do Pollock você já não tem mais matéria,você tem material-força. E esse material-força está totalmente liberado nas telas dele.

Junto a esse movimento do expressionismo abstrato, que é um movimento inclusive muitosurpreendente, pois é um movimento americano – em vez de se dar na Europa, dá-se nosEstados Unidos, provavelmente por causa da guerra (não é?). Os grandes problemas da guerrase refletem até na obra cinematográfica – no Ozu, por exemplo. Esse movimento vai seracrescentado quando começam a aparecer os pintores figurais. Esses dois figurais que eu voucolocar… o Lucien Freud e o Bacon. E eu vou fazer então o seguinte: eu vou colocar o figurativode um lado, que seria propriamente a imagem orgânica. Vocês vão ver coisas surpreendentes noproblema do figurativo… Vamos ver um El Greco, um Giotto, que já estão tentando o tempo tododesfazer o comportamento orgânico e introduzir o corpo histérico ali dentro – é uma coisaimpressionante! E isso tudo porque o cristianismo – que é uma religião altamente ateia –permite esses acontecimentos.

Eu vou colocar o Egon Schiele como imagem-pulsão. Aí eu vou precisar que vocês vejam Casade Bonecas? seria sensacional, porque tem um ator, Edward Fox, que é especificamente um atorda imagem – pulsão. Ele tem o que se chama violência estática. Você olha para ele, você ficacom vontade de ficar debaixo do cobertor, de tanto medo que você sente. É de uma violência

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assustadora, mas não é a violência do John Ford, não é a violência da ação, não é a violência doLee Marvin, não é a violência do James Stewart, é a violência da imagem-pulsão. Nós vamosrever essa violência da imagem – pulsão nos auto-retratos do Egon Schiele. E quando nóspassarmos para os chamados figurais, aí, por exemplo, eu tenho pessoas brilhantes aqui dentrodessa sala que trabalham nessa questão. Não vou citar porque elas morrem de vergonha…Então, eu passo para o Francis Bacon, e vou apontar o Francis Bacon – esse é que vai meinteressar mais – como imagem – afecção.

(Vocês entenderam?)

Então, nós vamos fazer esse processo… A imagem-ação, a imagem-pulsão e a imagem-afecção,no cinema, vocês que vão fazer pra mim. Eu vou fazer aqui na projeção e vou tentar mostrar pravocês; e após isso, o pensamento afetivo, ativo e pulsional (certo?). Que é exatamente agrandeza do pensamento, a beleza do pensamento. O pensamento, com seu destino insuperávelde se confrontar constantemente com o caos, porque o pensamento é obsessivo, é artista, écriador - e só se pode criar no CAOS. Fora do caos você não cria - você representa.

Então, essas conquistas do caos só são feitas – exatamente – pela imagem-afecção. Porque aimagem-pulsão – se aproximou, mas não vai conseguir fazer isso… E é a grande diferença queexiste entre o cinema do Losey e o cinema do Visconti.

(Eu acho que a aula foi bem, que as coisas correram bem e eu posso dar os parabéns pra vocês.Risos…

(Se vocês quiserem fazer alguma pergunta?)

Al.: E o Tarkovsky?

Ah! O Tarkovsky! Eu falei numa das aulas que pulsão, ação, percepção e afecção são quatroelementos do movimento. Por que eu não citei o Tarkovsky? Porque o Tarkovsky não é umelemento do movimento, Tarkovsky é um elemento do tempo. Então, o cinema do Tarkovsky jánão está mais ligado ao movimento, está ligado ao tempo. ——

Mas aí vocês têm o livro, o livro do Tarkovsky, que é um livro para se ficar de joelhos. Chama-seEsculpir o Tempo. (–?–) esse nome (–?–) do Tarkovsky…

Então, tchau…

Fim

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