claudete francisco de sousa - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a...

119
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA A GESTÃO POR COMPETÊNCIAS COMO POLÍTICA NA ÁREA DE “GESTÃO DE PESSOAS” EM INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR: POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DE UM PONTO DE VISTA DA ATIVIDADE. Orientador: Prof o . HÉLDER PORDEUS MUNIZ Niterói 2013

Upload: dinhnga

Post on 02-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS GERAIS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA

A GESTÃO POR COMPETÊNCIAS COMO POLÍTICA NA ÁREA DE “GESTÃO

DE PESSOAS” EM INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR:

POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DE UM PONTO DE VISTA DA ATIVIDADE.

Orientador: Profo. HÉLDER PORDEUS MUNIZ

Niterói

2013

Page 2: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA

A GESTÃO POR COMPETÊNCIAS COMO POLÍTICA NA ÁREA DE “GESTÃO

DE PESSOAS” EM INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR:

POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DE UM PONTO DE VISTA DA ATIVIDADE.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Psicologia do

Departamento de Psicologia da

Universidade Federal Fluminense como

requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Psicologia. Área de

concentração: Estudos da subjetividade.

Linha de pesquisa escolhida: Subjetividade,

política e exclusão social.

Orientador: Profo. HÉLDER PORDEUS MUNIZ

Niterói

2013

Page 3: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

S725 Sousa, Claudete Francisco de.

A gestão por competências como política na área de “gestão de pessoas” em Instituições

Federais de Ensino Superior: possíveis contribuições de um ponto de vista da atividade /

Claudete Francisco de Sousa. – 2013.

119 f.

Orientador: Hélder Pordeus Muniz.

Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de

Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de Psicologia, 2013.

Bibliografia: f. 113-119.

1. Administração de pessoal. 2. Competência profissional. 3. Serviço público. 4.

Ergologia. I. Muniz, Hélder Pordeus. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de

Ciências Humanas e Filosofia. III. Título.

CDD 658.3

Page 4: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA

A GESTÃO POR COMPETÊNCIAS COMO POLÍTICA NA ÁREA DE “GESTÃO

DE PESSOAS” EM INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR:

POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DE UM PONTO DE VISTA DA ATIVIDADE.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Psicologia do

Departamento de Psicologia da

Universidade Federal Fluminense como

requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Psicologia. Área de

concentração: Estudos da subjetividade.

Linha de pesquisa escolhida: Subjetividade,

política e exclusão social.

Niterói, _____/_____/_____

Banca Examinadora

_______________________________________________________

Prof°. Dr. HÉLDER PORDEUS MUNIZ - Orientador

Universidade Federal Fluminense

_______________________________________________________

Prof°. Dr. MARCELO FIGUEIREDO

Universidade Federal Fluminense

_______________________________________________________

Profª. Dra. NEIDE REGINA SAMPAIO RUFFEIL

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Niterói

2013

Page 5: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

Dedico este trabalho a minha amada mãe Alcenir, pra

sempre no meu coração!

Page 6: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

AGRADECIMENTOS

A Deus pela vida e oportunidade de vivenciar este universo de aprendizado mesmo que

permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar.

À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos da

minha vida.

À minha irmã Clarice pelo incentivo e pelos momentos de reflexão quando na escrita

deste texto me encontrava impregnada de pré-conceitos e verdades tidas como certas.

A você Flávio que me acompanhou durante tantos anos sendo testemunha de muitas

tristezas, mas, também de muitas alegrias! Obrigada pelo incentivo constante!

Aos meus queridos amigos e companheiros de trabalho da SPSF: Amanda, Ana, André,

Égida e Lia! Obrigada pelo aprendizado contínuo e também pela acolhida sensível nos

momentos de grande tensão e angústia.

A você, Renata, que mesmo agora “um pouco distante” é uma amiga muito querida!

Trabalhar com você foi um enorme prazer! Obrigada por me apoiar!

Às minhas queridas diretoras e também amigas Patrícia Bompet e Aline Marques.

Obrigada pelo cuidado, incentivo e apoio principalmente nos momentos de fragilidade!

A você Leacyr e demais companheiros do GT “Mapeamento de Competências”. A

oportunidade de fazer parte deste Grupo tem contribuído para meu crescimento

acadêmico e também profissional.

A você, querida Louise, pela paciência, estímulo e pelas ricas trocas durante a

construção deste texto.

A você Saulo, grande amigo, obrigada pelo cuidado e incentivo sempre!

Aos companheiros de mestrado pelas significativas contribuições durante nossos

encontros!

Ao meu orientador Hélder Muniz, obrigada pela aposta! O tempo passou rápido ficando

a sensação de que muito mais poderia ser realizado.

À Neide Ruffeil e Marcelo Figueiredo por comporem essa banca e contribuírem desta

maneira para a realização deste estudo.

Page 7: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

É preciso compreender a história e

fazer alguma coisa dessa história (Yves Clot)

Page 8: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

RESUMO

Este estudo problematiza a emergência do modelo de gestão por competências no

serviço público federal brasileiro, assumindo como diretriz os pressupostos éticos e

epistemológicos da Ergologia. A partir dessa perspectiva, a atividade de trabalho

sempre comportará variabilidades sobre as quais o trabalhador agirá de maneira única,

recriando, assim, as normas antecedentes que o referenciam. Instituída como

instrumento da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, através do Decreto

n°. 5.707/2006, a gestão por competência é atualmente a política de “Gestão de

Pessoas”, que norteia as ações voltadas para o desenvolvimento do conjunto de

conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA) necessários ao desempenho das funções

dos servidores públicos. Em nossa pesquisa, de cunho exclusivamente teórico, fizemos

uso de uma revisão bibliográfica das teses, artigos e documentos que atualmente

embasam o debate sobre a gestão por competências no serviço público, priorizando as

publicações da Revista do Serviço Público, do MPOG e da ENAP a partir da década de

1990. Utilizamos, também, referências conceituais, oriundas da Ergonomia da

Atividade e da Análise Sociológica de Philippe Zarifian. Vale salientar a importância da

discussão proposta por este autor sobre a relação de serviço articulada com o debate de

Yves Schwartz acerca dos valores mercantis e dos valores sem dimensão, visto ser o

serviço público orientado pela dimensão dos valores do bem comum, apesar de suas

formas de gerenciamento incluírem valores mercantis. Concluímos este trabalho com a

compreensão de que é fundamental fazer do ponto de vista da atividade o propulsor da

gestão das competências, e, considerando que as mesmas são produzidas no encontro do

trabalhador com sua atividade, apostamos que somente no contato “com aquele que

trabalha” um debate fecundo se produzirá.

Palavras-chave: Gestão por Competências – Serviço Público – Ergologia

Page 9: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

RÉSUMÉ

Cet étude problématise de l'émergence du modèle de gestion par compétences dans le

service publique fédérale brésilienne en supposant comme directrice les fondements

éthiques et épistémologiques de Ergologie. Dans cette perspective, l'activité de travail

comporte toujours variabilités à laquelle l'employé agira de façon unique recréant des

normes antecedentes que le guident. Établi comme un instrument de la politique

nationale du développement du personne par le Décret n°. 5.707/2006, le gestion par

compétences est actuellement la politique de « gestion des personnes» qui guide les

actions visant à développer l'ensemble des connaissances, habiletés et attitudes (CHA)

nécessaires à performance des fonctions de serveurs publics. Dans notre recherche,

exclusivement théorique, nous avons utilisé une révision bibliographique de thèses,

articles et documents qui actuellement sous-tendent le débat sur la gestion des

compétences dans le service publique en donnant la priorité les publications de la Revue

du Service Publique, du MPOG et de l' ENAP depuis les années 1990. Nous utilisons

également des références conceptuels, provenant de l'ergonomie de l'activité et de

l'analyse sociologique de Philippe Zarifian. Il est intéressant de souligner l'importance

de la discussion proposé par cet auteur, sur la relation de service articulée avec le débat

Yves Schwartz sur les valeurs de marché et les valeurs sans dimension, vu être le

service publique guidé par la dimension des valeurs du bien commun, mais leur

formes de gestion comprennent les valeurs du marché. Nous concluons ce travail avec la

compréhension qu'il est essentiel de faire le point de vue de l'activité le propulseur de la

gestion des competences et, considérant qu'ils sont produits dans le rencontre des

travailleurs avec leur activité, parions que seulement en contact "avec celui qui

travaille » un débat fructueuse sera produit.

Most-Clés: Gestion par Compétences – Service Publique - Ergologie

Page 10: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

LISTA DE SIGLAS

BID – Banco Interamericano do Desenvolvimento

BM – Banco Mundial

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CEB – Câmara de Educação Básica

CNE – Conselho Nacional de Educação

ENAP – Escola Nacional de Administração Pública

EBSERH – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares

FHC – Fernando Henrique Cardoso

IFES – Instituição Federal de Ensino Superior

MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

OMC – Organização Mundial do Comércio

PAD – Processo Administrativo Disciplinar

PND – Plano Nacional de Desestatização

PROGEPE – Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas

RJU – Regime Jurídico Único

RICD – Regimento Interno da Câmara dos Deputados

SPSF – Seção de Prevenção Sócio-Funcional

UFPR – Universidade Federal do Paraná

UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro

UFF – Universidade Federal Fluminense

Page 11: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS ...................................................................................................... 10

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12

1. UM PANORAMA DAS REFORMAS ADMINISTRATIVAS E DA GESTÃO

PÚBLICA NO CENÁRIO BRASILEIRO ................................................................. 22

1.1 A década de 1930: o início de um passeio pela história das reformas brasileiras ..... 24

1.2 O fim da “era dourada”: reflexos no cenário brasileiro ............................................. 31

1.3 A reforma de 1995 sob o olhar de Bresser Pereira ................................................... 36

1.4 O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) ............................... 40

1.5 Situando as IFES neste cenário de reformas ............................................................. 48

2. ALGUNS FIOS CONDUTORES PARA O DEBATE DAS COMPETÊNCIAS ...... 53

3. O FENÔMENO DAS COMPETÊNCIAS: HISTÓRICO E DISCUSSÃO .......... 67

3.1 Competências: origens do conceito ........................................................................... 67

3.2 O debate das competências no setor público brasileiro: os pilares a fundamentar a

questão ............................................................................................................................ 70

4. O CONCEITO DAS COMPETÊNCIAS NOS “MUNDOS DO TRABALHO” ...... 78

4.1 Uma breve análise sociológica em diálogo com a Ergologia .................................... 78

4.2 O conceito da relação de serviço frente aos valores do bem comum e aos valores

mercantis .......................................................................................................................... 88

4.3 O uso de si “por si”, o uso de si “pelos outros” e o “corpo si”: tríade imprescindível

no debate das competências ............................................................................................ 93

4.4 Os ingredientes da competência ............................................................................. 101

TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ......................................................... 108

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 113

Page 12: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

12

INTRODUÇÃO

As transformações de ordem política, econômica e social, incluindo, aqui, a

tecnológica, pelas quais a sociedade brasileira passou durante o século XX e pelas quais

tem passado com a emergência do século XXI, trouxeram significativos reflexos para toda

e qualquer oferta de serviços à sociedade, sejam eles públicos ou privados.

Temos visto, a esse respeito, autores, os quais argumentam que

O mundo vive um ritmo de transformações cada vez mais aceleradas. O

setor público não poderia ficar indiferente, tendo passado por mudanças

nas últimas décadas; algumas mais intensas, outras menos visíveis, a

depender da realidade do país onde ocorrem. [...] Com a

internacionalização da economia, surgiu um novo padrão de

desenvolvimento, no qual as relações entre Estado, mercado e sociedade

se alteraram profundamente (CARVALHO et. al, 2009, p.15).

É, neste contexto, que se insere o objeto desta dissertação, a implementação da

Gestão por Competências no serviço público federal brasileiro, que se instituiu a partir do

Decreto Presidencial n. 5.707 de 2006, que dispõe sobre a Política e as Diretrizes para o

Desenvolvimento de Pessoal da administração pública federal direta, autárquica e

fundacional. O documento preconiza que a Gestão por Competências deverá ser adotada

como a Política de “Recursos Humanos” em todos os Órgãos da esfera pública federal

brasileira.

Acerca do conceito, cabe assinalar que não há um modelo específico de gestão por

competências e, neste estudo, apresentaremos a variedade de possibilidades que contempla

a temática a partir de algumas perspectivas de línguas inglesa e francesa.

Convém esclarecer, ao iniciar esta escrita, que meu interesse pelo tema decorreu de

minha inserção em uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES), onde lotada na Pró-

Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEPE), na condição de técnico-administrativo, no

cargo de psicóloga, passei a vivenciar os reflexos da citada diretriz em meu dia a dia de

trabalho1. Tendo como característica uma formação acadêmica, tanto em nível de

1 Meu ingresso na Universidade Federal Fluminense deu-se por concurso público no mês de novembro de

2009.

Page 13: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

13

graduação como em nível de especialização (SOUSA, 2007; 2010), que me levou a

problematizar e minimamente tentar compreender o cenário em que um dado fenômeno

emergia, não tardou para que o interesse pelo tema das competências me capturasse, visto

ter se tornado pauta relevante na PROGEPE no ano de 2010.

A esse respeito, cabe apontar que, no ano de 2010, ocorreu nesta IFES o I

Seminário Interno de Recursos Humanos, realizado pela PROGEPE2. O Seminário teve

como objetivo construir coletivamente o planejamento estratégico da área de “Gestão de

Pessoas” para os anos de 2011-2014, e, dentre as ações propostas, deu-se a aprovação do

mapeamento das competências dos servidores técnico-administrativos, a partir da

implementação de um Projeto-Piloto na citada Pró-Reitoria. Esse Projeto foi implementado

e aprovado pela Alta Gestão da Universidade no ano de 2011. Posteriormente, iniciou-se,

no ano de 2012, com término no primeiro semestre de 2013, o levantamento das

competências dos servidores técnico-administrativos de toda a Universidade.

Cabe esclarecer, também, que, no momento de definição do objeto dessa pesquisa,

aventou-se a possibilidade de este estudo focar o processo em curso na Universidade do

Levantamento das Competências. Contudo, levando em conta o prazo de dois anos para

concluir uma dissertação de mestrado, e considerando as dificuldades de avaliar um

processo ainda incipiente, decidiu-se por tentar compreender o contexto em que emergiu a

demanda por uma gestão por competências no serviço público, mais especificamente nas

instituições federais de ensino superior bem como compreender como o ponto de vista da

atividade, premissa básica da Ergologia, pode contribuir para o debate da “construção” das

competências nas situações de trabalho. E, para o alcance de tais objetivos, teremos como

objetivos específicos:

1. Compreender o contexto de emergência da demanda pela gestão por competência,

acompanhando os debates sobre a gestão no serviço público a partir da década de

1930, no Governo de Getúlio Vargas.

2. Compreender minimamente o debate sobre o modelo de Universidade construído

no Brasil a partir de uma apresentação dos princípios que norteiam a reforma da

educação superior brasileira.

2 Disponível em http://www.ddrh.uff.br/node?page=7. Acesso fev de 2011.

Page 14: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

14

3. Compreender como a perspectiva ergológica, por meio dos conceitos de atividade,

gestão do trabalho, dramáticas do uso de si, uso de si “por si” e “uso de si pelos

outros”, podem contribuir para a discussão da adoção de um modelo de gestão por

competências no serviço público.

4. Apresentar e compreender a discussão trazida por Zarifian (2001a; 2001b; 2001c;

2003) acerca da passagem do modelo da qualificação para o modelo da

competência, como também os pressupostos elaborados pelo autor acerca de tal

modelo, além de uma apresentação sobre os pressupostos da lógica e da relação de

serviço em um diálogo com a Ergologia, essenciais para qualquer discussão voltada

para o serviço público.

Cabe apontar que, levando em conta os objetivos específicos desse estudo, partimos

do pressuposto que diferentes modelos de gestão implicam em modos diferentes de

conceber a atividade de trabalho e o que cada trabalhador põe em jogo a fim de realizar

uma dada tarefa.

E, assim, frente aos objetivos traçados, esperamos obter elementos que nos

propiciem uma reflexão crítica acerca das seguintes questões-problema:

1. Considerando que Schwartz (1998) fala sobre a necessidade de se discutir as

competências, e o fato de que inúmeras organizações públicas possuem processos

de implementação da gestão por competências em curso, é possível afirmar a

aplicabilidade de um dado modelo de gestão por competências no serviço público,

que integre além da qualidade, eficiência e produtividade do serviço, a saúde física

e psíquica daquele que trabalha?

2. Poderia ser a análise situada e o ponto de vista da atividade do trabalhador os

princípios a nortear uma política de gestão por competência que leve em conta a

saúde física e também psíquica do trabalhador?

3. Sendo possível falar da aplicabilidade de um modelo de gestão por competências no

serviço público, a partir de uma análise situada e do ponto de vista da atividade do

trabalhador, quais contribuições poderiam ser identificadas?

Page 15: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

15

4. Considerando a discussão atualmente realizada por vários autores (LEHER, 1999;

LEHER; SADER, 2006; MANCEBO 2007a, 2007b; SGUISSARD, 2006) sobre a

precarização do serviço público3, e levando em conta também o discurso em voga,

da precarização da educação pública, podemos afirmar que o modelo da gestão por

competências está sendo aplicado em um contexto de priorização do serviço

privado em detrimento do público? Se positivo, quais as implicações desse fato?

Entendemos ser este estudo de significativa relevância para o debate das

competências no serviço público, pois, mesmo não sendo possível indicar a quantidade de

IFES que possuem processos de levantamento de competências em andamento atualmente,

há uma necessidade premente de que as organizações de natureza pública estejam em

conformidade com esta nova lógica preconizada pelo Governo. Destaca-se, inclusive, que

algumas Universidades Públicas do país, além da qual faço parte, possuem, em curso,

processos de levantamento das competências de seus servidores, com o objetivo de

implementar uma Política de “Gestão de Pessoas” com foco nas competências4.

É importante considerar, inclusive, que, no ano de 2007, com o intuito de

apresentar o Decreto 5.707 de 2006 e seus princípios norteadores, ocorreu o I Seminário

Nacional de Capacitação de Pessoal das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES),

realizado pela Secretaria de Recursos Humanos5, tendo sido pontuada a necessidade de que

3 Como será visto neste estudo, as reformas implementadas no Brasil, principalmente a de 1995, trouxeram

uma série de medidas para o serviço público. O Estado, anteriormente na função de Estado Social, com papel

de destaque na regulação do mercado e na produção de serviços, atuando no financiamento, no

desenvolvimento econômico e nas políticas sociais, deixa de fazê-lo sob o argumento de que uma série de

mecanismos regulatórios reforçam seu o papel indireto na economia, comprometendo, assim, a oferta de

serviços (saúde, educação, etc) à população (CARVALHO et. al, 2009).

4 Neste sentido, vimos que no primeiro Encontro Regional de Gestão de Pessoas das Instituições Federais de

Ensino da Região Sudeste, realizado nos dias 12 e 13 de julho de 2012, pela Pró-Reitoria de Gestão de

Pessoas da Universidade Federal Fluminense (UFF), foram apresentadas experiências relacionadas ao

mapeamento das competências nas seguintes IFES: Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade

Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e

Universidade Federal Fluminense (UFF). Os relatos de experiência foram trazidos por representantes das

citadas Instituições com a finalidade de trocar experiências sobre o estágio em que se encontra cada

Universidade no tocante à adoção da gestão por competências. Cabe registrar, também, as publicações

recentes da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), em que se apresenta uma gama de Órgãos

Públicos com experiências da implantação da gestão por competências. Para mais detalhes, ver: KALIL

PIRES et al (2005).

5 A Secretaria vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão é o órgão responsável pelo

desenvolvimento e implantação do sistema de gestão por competências. O Seminário foi realizado na

Page 16: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

16

a diversidade e os escopos dos modelos de Gestão por Competências fossem

compreendidos e conhecidos, para que a implementação no setor público ocorresse a partir

dos mais adequados.

Diante do exposto, algumas questões de pronto emergem. Dentre elas, quais

argumentos o Governo Federal utilizou e tem utilizado para a adoção da Gestão por

Competências em seus Órgãos? Que premissas têm sido consideradas para se dispor sobre

uma diretriz que norteie a “Gestão de Pessoas” no Serviço Público Federal?

A esse respeito, algumas respostas foram encontradas em publicações da Escola

Nacional de Administração Pública (ENAP), as quais contribuem para a ampliação do

debate sobre a Gestão por Competências no serviço público. A ENAP foi instituída no ano

de 1980, e vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão tem por

finalidade promover, elaborar e executar programas de capacitação de recursos humanos

para a Administração Pública Federal, visando ao aumento da capacidade de governo na

gestão das políticas públicas.

Nesse sentido, vimos que a discussão proposta em tais publicações consiste,

fundamentalmente, nas mudanças globais que acometeram o cenário “dos mundos do

trabalho” 6 e que tornaram necessária uma adequação de todo o aparato envolvido na

sustentação do sistema capitalista que hoje rege o mundo ocidental.

Entretanto, é importante apontar que tais transformações inicialmente incidiram de

maneira acentuada apenas na esfera privada (empresas e indústrias com fins lucrativos),

porém, paulatinamente passaram a ter reflexos também na esfera pública (organizações

com objetivos variados, sem fins lucrativos). Segundo Carvalho et al (2009, p. 16), frente a

essas transformações, “o setor público precisou se adaptar, promovendo mudanças

organizacionais, alterando as missões, utilizando novas ferramentas tecnológicas ou

implementando novos métodos de trabalho.”

E, assim, temos, nos dias atuais, o servidor público como um elemento chave nessa

nova configuração, pois, segundo alguns autores:

Universidade Federal de São Paulo nos dias 27 e 28/9/2007. Para mais detalhes, acesse:

http://proex.epm.br/eventos07/sem_capacita/index.htm.

6 Conforme aponta Borges (2006), a expressão “mundos do trabalho” é utilizada por Milton Athayde para

afirmar a não homogeneidade das questões ligadas ao trabalho. Ainda segundo a autora, “os mundos do

trabalho são variados, plurais e complexos, na mesma medida da complexidade dos humanos e da vida.”

(IDEM, 2006, p.13).

Page 17: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

17

No contexto das grandes transformações que marcaram, recentemente, o

mundo do trabalho, faz-se necessária a formação de servidores que

tenham perfil multifuncional e sejam detentores não apenas de

conhecimentos técnicos relevantes para o desempenho de suas funções,

mas também de habilidades e atitudes compatíveis com os postos a serem

ocupados (KALIL PIRES et al., 2005, p.93).

Batal apud Carvalho et al (2009, p. 18) também aponta que:

A consequência imediata destas mudanças no serviço público é a

necessidade de servidores preparados para atuar nesse ambiente de gestão

mais complexo e exigente em termos de novos conhecimentos e

habilidade.

Porém, conforme observam alguns autores, dentre eles, Ribeiro (2011), absorver a

lógica utilizada na esfera privada para a esfera pública pode não ser a escolha mais

acertada, pois ambas são regidas por registros diferentes, e a transposição de princípios de

uma esfera para a outra pode não ser a melhor saída para se obter os resultados esperados.

A compatibilização, a adequação das instituições estatais com as novas

demandas do mundo contemporâneo é importante, todavia, cabe avaliar

os reais benefícios à sociedade desses ‘ajustes (RIBEIRO, 2011, p.59).

Essa e outras questões serão trabalhadas no decorrer deste trabalho, pois, conforme

será visto, as transformações e medidas implementadas ao longo das últimas décadas no

âmbito do serviço público, incorreram sobre a Administração Direta e Indireta. E, ao

considerar minha inserção em uma IFES, e também com o intuito de estreitar a discussão,

o debate proposto terá como foco esse segmento. Sendo o objeto de pesquisa parte de meu

cotidiano de trabalho, buscarei, a partir de uma análise de implicações, discorrer sobre a

temática proposta com a distância necessária e com uma reflexão cuidadosa,

principalmente do que cabe registrar na pesquisa, levando em conta esta condição híbrida

de pesquisadora e trabalhadora de meu próprio campo de estudo.

Para tal, foram priorizados, na metodologia de pesquisa, dois tipos de bibliografias:

1. Teses, artigos e documentos que abordam como tem se dado a gestão por

competências nos órgãos do governo.

2. Referências de cunho epistemológico e teórico que ampliam o olhar acerca da

adoção da lógica das competências no serviço público, além dos conceitos oriundos

Page 18: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

18

da Ergologia, da Ergonomia da atividade e da análise sociológica de Philippe

Zarifian.

Relacionadas ao primeiro bloco, as teses, documentos e artigos utilizados foram

selecionados por serem as referências que hoje norteiam o debate sobre as competências no

serviço público. Há uma incorporação de referenciais de língua inglesa e também de língua

francesa; expoentes brasileiros, entretanto, possuem lugar de destaque elaborando

conceitos e metodologias a fim de subsidiar a adoção do modelo das competências nos

variados órgãos da esfera pública federal.

Pela relevância que possuem, foi dado destaque às publicações da Revista do

Serviço Público, do MPOG e da ENAP. Na Revista do Serviço Público, consideramos,

principalmente, os estudos que tiveram como objeto a reforma administrativa iniciada na

década de 1990. Nas publicações do MPOG, priorizamos os relatórios, as cartilhas e as

legislações que dispunham sobre a adoção do modelo das competências no serviço público

federal; e nas publicações da ENAP, demos destaque àquelas voltadas principalmente à

temática das competências. E, por ter sido a década de 1990 um marco para o serviço

público brasileiro, nossa pesquisa considerou as publicações a partir deste período e

também as que foram publicadas durante a escrita deste trabalho.

No que diz respeito ao segundo bloco, foi imprescindível para a pesquisa o diálogo

com autores que problematizam a reforma administrativa, a reforma do ensino público

federal, e a própria adoção da gestão por competências no serviço público (LEHER, 1999;

LEHER e SADER, 2006; MANCEBO, 2007a, 2007b; RIBEIRO 2011; SGUISSARD,

2006), além de autores da Ergonomia da Atividade, da Ergologia, destacando-se Yves

Schwartz, e também Philippe Zarifian, com a análise sociológica das competências.

No intuito de dar corpo a este trabalho, com uma reflexão crítica, esperamos,

principalmente a partir da Ergologia, ter elementos que viabilizem o debate através de uma

constante postura de desconforto intelectual. Isso significa dizer que adotaremos uma

postura de humildade epistemológica, evitando nos satisfazer com teorias pré-concebidas e

encadeamentos imaginados, que nos levem a uma posição confortável de interpretações de

um dado processo e dos valores presentes em uma dada situação de trabalho. Nosso

movimento, ao contrário, será de nos deixar incomodar metodicamente pelos saberes

constituídos e, também, por nossas experiências de trabalho (DURRIVE; SCHWARTZ,

2008).

Page 19: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

19

Almejamos, também, com a pesquisa bibliográfica, realizar uma discussão

cuidadosa a partir de um diálogo com cada expoente teórico que ao longo da escrita se

mostrar relevante, tendo como diretriz que:

Toda vez que se faz uma pesquisa, posicionamo-nos politicamente, desde

o modo como tomamos os objetos e aquilo que elegemos como o objeto e

aos modos de construir nossa metodologia. Nesse sentido não há uma

primazia do método, não há uma naturalização em relação a ele, uma

compreensão de que há um método mais adequado para estudar uma

questão e outro para outra. O método e a pesquisa se constroem juntos. A

questão central da pesquisa é termos um objetivo, saber como se vai

tomar o objeto de estudo, a partir de que lugar e, então, ir construindo

como se vai lidar com ele. Existem infinitas formas de se fazer pesquisa,

constrói-se a metodologia de acordo com o modo como tomamos o

objeto, e isso está implicado com o nosso posicionamento teórico-

político: método, pesquisa, produção de conhecimento se constroem de

forma integrada [...] A riqueza da pesquisa, a possibilidade de produção

está na forma como se vai discutindo o próprio problema de pesquisa. [...]

É ponto central olhar para a história de como as questões são construídas

e como isso produz sujeitos e seus modos de vida (GUARESCHI;

HÜNING, 2007, p.23).

Utilizaremos uma história viva, ou seja, sempre que necessário, faremos menção do

cenário por mim vivenciado durante a realização desta pesquisa, pois, conforme já

apontado, em sua grande maioria, as medidas traçadas pelo Governo Federal incidem nas

IFES, e, desta maneira, qualquer acontecimento que tenha relevância para a discussão será

considerado.

E, assim, a fim de atender os objetivos desta pesquisa, este trabalho foi estruturado

em quatro capítulos, além das considerações finais, conforme descritos a seguir.

No primeiro capítulo, serão apontados os marcos para o serviço público no que se

refere às medidas e políticas implantadas na administração pública brasileira até os dias

atuais, com vistas a compreender o cenário no qual se desenhou uma política de recursos

humanos baseada na gestão por competências. Incluiremos uma apresentação dos

princípios que norteiam a reforma da educação superior brasileira. Tal discussão será

acrescentada para que se compreenda o debate em curso sobre o modelo de Universidade a

ser construído no país, e também para que seja possível identificar como a reforma da

educação superior tem se mostrado em consonância com as reformas implantadas na

administração pública.

Page 20: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

20

No segundo capítulo, realizaremos uma discussão epistemológica, apresentando

conceitos oriundos da Ergonomia da atividade e também da Ergologia. Tais conceitos são

caros em nosso entendimento à discussão das competências. A compreensão que

esperamos alcançar a partir deste capítulo é a de que, dependendo da concepção que se

tenha do conceito de trabalho, de gestão do trabalho e de atividade, poderão existir práticas

diversas, com efeitos também diversos na discussão das competências.

O terceiro capítulo constará de uma apresentação sobre a emergência do conceito

das competências “nos mundos do trabalho” no serviço público federal brasileiro, dando

destaque às origens do conceito e aos referenciais que hoje subsidiam a discussão no

âmbito do serviço público. Nossa intenção é possibilitar ao leitor uma compreensão sobre a

variedade de teorias que hoje embasam o debate sobre as competências no serviço público

e por conseguinte, oferecer elementos para que uma articulação com os pressupostos da

Ergologia e da análise sociológica de Philippe Zarifian seja realizada.

No quarto capítulo, traremos à luz a análise sociológica de Philippe Zarifian sobre o

tema das competências, enriquecendo o debate com a apresentação de conceitos chaves

para a ergologia (uso de si “por si”, uso de si “pelos outros”, o “corpo-si”, e os

“ingredientes da competência”). Será realizada uma discussão sobre o que preconiza

Zarifian (2001a; 2001b; 2001c; 2003) acerca da lógica e da relação de serviço, articulada

com o que dispõe Schwartz (2010) sobre a dimensão dos valores do bem comum e dos

valores mercantis.

Uma questão que merece destaque, em virtude do uso frequente neste texto, refere-

se à distinção entre as expressões “Recursos Humanos”, “Gestão de Pessoas” e “Gestão

com Pessoas”. É importante contextualizar que, em fins do século XX e início deste século

transformações ocorrem nas organizações no que faz referência aos termos utilizados na

“Área de Recursos Humanos”. Verificamos que, num primeiro momento, adotou-se a

expressão “Administração de Pessoal”, seguida de outras, culminando no termo hoje

utilizado “Gestão de Pessoas”. Borges (2004; 2006) problematiza se tais mudanças não são

apenas modismos, que trazem uma nova roupagem para a ideia inicialmente concebida na

era taylorista do trabalhador como um mero recurso, que podia ser manipulado com vistas

a dar conta das exigências de seu posto de trabalho.

A esse respeito, por este estudo ter a Ergologia como perspectiva teórica,

defendemos o conceito de uma “Gestão que se realiza com Pessoas”, compreendendo que a

Page 21: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

21

gestão será sempre coletiva e plural e a atividade de trabalho será sempre caracterizada por

uma dimensão gestionária, na qual o trabalhador, através de um “uso de si” e também de

um uso de si “pelos outros”, gestará cada dia de seu trabalho de maneira singular, a fim de

dar conta das variabilidades e infidelidades presentes no meio, e que estão para

além daquilo que foi previamente planejado.

Em termos de relevância, esta pesquisa mostra-se significativa, visto serem

incipientes os trabalhos produzidos acerca da temática, sob a perspectiva da Ergologia,

além do destaque dado à possibilidade de problematizar e discutir os atravessamentos

políticos que norteiam a questão, seus efeitos em nossa prática institucional, e em cada um

de nós, seja na condição de pesquisador e/ou trabalhador, atentando, inclusive, para o que

afirma Schwartz (2010, p. 97) de que “nenhuma técnica é neutra, nenhum uso, nenhuma

introdução de uma técnica na história é neutra”.

Ao término desta pesquisa, esperamos ter dado destaque à necessidade de se

considerar o ponto de vista da atividade (Schwartz, 2010) em qualquer debate sobre as

competências, pois, ao defendermos que a “competência” se produz no encontro com a

atividade, colocaremos em análise todo o debate fundamentado atualmente na busca de

procedimentos e grades descontextualizadas que visam descrever competências para uma

determinada situação de trabalho.

E, no intuito de contribuir para a produção de conhecimento sem receios ou temores

frente às dificuldades que se apresentarem durante a realização da pesquisa, esperamos

também que os resultados obtidos permitam uma análise acerca das perspectivas e dos

impasses de uma Política de Gestão com Pessoas baseada nas competências nos variados

contextos do setor público, mais detidamente nas IFES.

Page 22: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

22

1. UM PANORAMA DAS REFORMAS ADMINISTRATIVAS E DA GESTÃO

PÚBLICA NO CENÁRIO BRASILEIRO

A “nova administração pública” é tudo aquilo que

cotidianamente ignoramos como administradores

públicos, sendo essencialmente não prescritiva e se

orientando para o curso de ações e necessidades dos

cidadãos em um dado momento, evitando os enfoques

normativo e subordinando a teoria das organizações

à teoria do desenvolvimento humano. Em outras

palavras, a nova administração pública está sendo

sempre reinventada, e enquanto houver vitalidade

democrática permanecerá como um projeto

inacabado.

(Guerreiro Ramos)

A partir do material utilizado nesta pesquisa, principalmente aqueles que

apresentam os movimentos de resistência às medidas políticas aprovadas e/ou em curso no

cenário brasileiro a partir de meados do século XX, verificamos que as inúmeras mudanças

ocorridas no Brasil, em termos de Governo e que impunham transformações na forma de

administrar a máquina pública brasileira, considerando o aspecto social, político e

econômico de cada contexto, ocorreram sempre com resistência, não apenas dos cidadãos,

mas, principalmente, de todos aqueles que como “funcionários” do Estado, viam em tais

medidas um desrespeito a possíveis direitos adquiridos.

Como citamos, este estudo objetiva discutir e problematizar a implementação da

gestão por competências no serviço público a partir da edição do Decreto 5.707 de 2006,

que traz em seu bojo diretrizes voltadas para uma Política de desenvolvimento de pessoal

no âmbito da administração pública.

No entanto, para a realização desta tarefa, é necessário trazer à lume as mudanças

pelas quais o serviço público brasileiro tem passado desde as primeiras décadas do século

XX, o que viabilizará uma reflexão mais aprofundada sobre o atual “estado de coisas” no

que diz respeito ao “modus operandi” da Administração Pública Brasileira.

Page 23: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

23

A fim de estreitar o debate, por conta de minha inserção em uma IFES, um recorte

será realizado, privilegiando a reflexão neste segmento e levando em conta o efeito de tais

medidas nas Universidades Federais Brasileiras.

É oportuno ressaltar, antes da digressão a ser realizada, que conforme pontua

Ribeiro (2011), as mutações ocorridas “no mundo do trabalho” na virada do século XX

para o XXI, em decorrência da crise vivenciada pelo capitalismo, atingiram profundamente

o serviço público, já que este segmento precisou se adequar às transformações que

ocorriam no cenário mundial.

Contudo, é importante observar, também, que, já nas primeiras medidas colocadas

em curso na esfera pública, o interesse do Estado era de que a administração pública

brasileira estivesse em consonância com as transformações que então ocorriam em escala

mundial, uma vez que, conforme dispõe Bresser-Pereira, tínhamos já na primeira reforma

de 1937:

Uma reforma própria do Estado liberal, tendo como parâmetro as

reformas burocráticas ou as do serviço público realizadas na segunda

metade do século XIX, nos países desenvolvidos, entre eles, França, Grã-

Bretanha e Alemanha (BRESSER-PEREIRA, 2012, p. 171).

Neste capítulo, ao percorrer a história das reformas pelas quais a administração

brasileira passou e tem passado, buscaremos trazer para a cena elementos de ordem

política, econômica e social que estavam presentes no cenário mundial, e que, em certa

medida, foram disparadores, como veremos, das transformações vivenciadas em nosso

país.

Page 24: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

24

1.1. As décadas de 1930 e 1960: um “passeio” pela história das reformas brasileiras

A década de 1930, época do Governo de Getúlio Vargas, é vista como um marco

para a administração pública brasileira, por ter ocorrido, nesse período, a implementação

de medidas significativas para o serviço público, sendo entendida, também, como o

momento da primeira reforma administrativa brasileira.

Foi nessa década que ocorreu o processo de implantação do modelo burocrático que

teve como marco a aprovação, em 23 de agosto de 1936, da Lei Federal nº 284 sobre o

Reajustamento dos Quadros e dos Vencimentos do Funcionalismo Público Civil da União.

Essa lei estabeleceu as bases do primeiro plano de classificação de cargos do governo

federal e institucionalizou o sistema de mérito (RIBEIRO, 2011).

Nesse contexto, também foram criados o Conselho Federal do Serviço Público e o

Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Tal iniciativa é entendida como

o primeiro esforço efetivo de constituição de um serviço público profissional no Brasil, em

decorrência da instituição de um órgão central para a política de recursos humanos, da

criação de novas sistemáticas de classificação de cargos, da estruturação de quadros de

pessoal, do estabelecimento de regras para profissionalização dos servidores e da

constituição de um sistema de carreiras baseado no mérito (KALIL PIRES, 2005).

Entretanto, antecede esse período, conforme aponta Matta (2009), uma época em

que o Estado brasileiro, conceituado como patrimonialista, priorizava os interesses das

elites em detrimento da maioria da população; e tanto nas esferas federal, estadual e

municipal de governo, o preenchimento dos cargos públicos ocorria através de

“indicações”.

Porém, o marco para a mudança deste cenário ocorre com a promulgação da

Constituição de 1937, pois, a partir desta, a primeira investidura nos cargos de carreira

passa a acontecer mediante concurso de provas ou de títulos.

Observamos, também, que é com a Constituição de 1937 que se dá a primeira

tentativa de se efetivar um corpo para o Estado, através da organização de seus agentes, os

servidores públicos7. E, o entendimento que precisamos ter do que significa este corpo

7 Por servidor público, entende-se “todo aquele que toma posse de um cargo público, seja municipal, estadual

ou federal”. A partir do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União (Lei 8.112/90), a denominação

“funcionário” é substituída por servidor. Estes têm os direitos e deveres definidos e estabelecidos na

Constituição Federal (MATTA, 2009).

Page 25: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

25

refere-se ao fato de que o recrutamento para o serviço público passa a ser visto como o

recrutamento para um grupo hierarquizado, que teria como responsabilidade o

funcionamento de um serviço público, em que o trabalhador permaneceria por toda vida,

ocupando postos cada vez mais importantes, com mais responsabilidades e melhores

remunerações (MATTA, 2009).

Fazendo um paralelo com o contemporâneo, observamos que esta “filosofia”

esboçada inicialmente para o serviço público não se aplica em nosso cotidiano, pois temos

visto a cada dia, de forma mais intensa, a construção de relações de trabalho muito

fragilizadas dentro do serviço público.

E sem nos alongarmos nesta questão, podemos inferir que este fato decorre, dentre

outros motivos, pelas condições precárias de trabalho com as quais o trabalhador muitas

vezes se depara, pelas baixas remunerações e também pela ausência de um plano de

carreira que propicie a este trabalhador o desejo de permanecer na organização na qual um

dia ingressou, inviabilizando, desta maneira, qualquer perspectiva de ser um “trabalho para

a vida toda”.

Durante a construção deste texto, tentaremos trazer elementos que nos façam

refletir sobre tais questões, pois tem-se naturalizado, nos dias atuais, um discurso que

responsabiliza, em sua grande maioria, apenas o trabalhador pelas mazelas vivenciadas no

serviço público.

Sobre esta questão, veremos mais adiante que todo o discurso da reforma

administrativa do Estado ocorreu fundamentado na necessidade de uma reformulação de

políticas que trouxeram e ainda trazem reflexos negativos para o trabalhador, servidor

público, que, ao longo destes anos, tem perdido direitos garantidos pela Constituição.

E, seguindo a linha de raciocínio que nos levará mais a frente ao momento em que

são iniciadas as reformas administrativas cabe contextualizar que, após a promulgação da

Constituição de 1937, é criado, no ano de 1938, o DASP, em substituição ao Conselho

Federal do Serviço Público Civil, implementado dois anos antes.

O DASP trouxe em seu bojo, segundo Bresser-Pereira (1996), os princípios da

administração burocrática clássica, e representou a primeira reforma administrativa,

afirmando, porém, princípios centralizadores e hierárquicos. A administração burocrática,

baseada no princípio do mérito profissional, substitui a administração patrimonialista, na

qual o patrimônio público e o privado eram confundidos e o Estado era entendido como

propriedade do rei, tendo como característica o nepotismo, o empreguismo e a corrupção.

Page 26: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

26

Este modelo apresentava-se incompatível, principalmente, com o capitalismo industrial

que emergia no século XIX, e que necessitava de uma clara separação entre o Estado e o

mercado.

Diniz (2001), a esse respeito, faz uma análise bastante interessante. A autora chama

atenção para o fato de que a primeira reforma, implementada no Governo de Getúlio

Vargas (1930-1945), e também a segunda, introduzida pelo Decreto-Lei n. 200, de

25/02/1967, no primeiro governo do ciclo militar (1964-1985), aconteceram sob a batuta

de regimes autoritários, contrastando com o período entre 1945 e 1964, caracterizado por

governos democráticos “que não realizaram nenhum experimento de vulto no tocante à

reforma do Estado, preservando-se, em suas grandes linhas, o padrão anterior” (p.17) 8.

Sem nos estendermos sobre este fato, inferimos que tais transformações ocorreram

nesses períodos por ser uma época em que o Brasil muito se esforçava para o

estabelecimento e a manutenção de relações externas que favorecessem seu

desenvolvimento econômico, político e social.

Vimos, por exemplo, que, na Era Vargas, ocorre uma transição caracterizada por

avanços e recuos, tendo como marco a passagem de um sistema de base agro-exportadora

para uma sociedade de natureza urbana industrial. E, é entre 1933 e 1939, que o processo

de industrialização no Brasil é desencadeado e o ritmo de crescimento da indústria supera o

crescimento da agricultura. Instaura-se, nesse cenário, uma arquitetura político-

institucional, que combina a centralização do poder com ampliação da autonomia e da

capacidade de intervenção do Estado brasileiro, expandindo também a capacidade de

incorporação do sistema político, quebrando a rigidez da estrutura de poder pré-existente;

sem contar que, nessa nova conjuntura, a tradição dita patrimonialista, baseada na troca de

favores e na prevalência da lealdade e dos compromissos políticos para o preenchimento

dos cargos públicos nos diferentes níveis de governo, é superada (DINIZ, 2004, p. 9)9.

8 Entretanto, cabe acrescentar a esse respeito que, segundo Matta (2009), no período de governo militar, não

houve uma manutenção do modelo de função pública iniciado na década anterior. Segundo a autora, o

Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Lei 1.711 de 1952) é desconstituído e essa mudança,

aliada ao projeto de expansão do governo, tem como resultado uma precarização das relações de trabalho que

o Estado estabelecia com os servidores públicos, considerando, inclusive, que, nesse período, as contratações

se davam através do regime celetista de trabalho, gerando um retrocesso na forma de captação de pessoal

para o serviço público, já que o concurso público havia passado a ser a forma minoritária de ingresso.

9 Em 1939, é editado o Decreto-Lei n. 1713, de 28 de outubro, que dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários

Públicos Civis da União, substituído no ano de 1952 pela Lei n. 1.711 de 28 de outubro. Esta última tinha

como premissa dar organicidade ao que fixava a Constituição de 1946, trazendo em seu bojo a primeira

tentativa de definição do modelo de função pública que deveria organizar o Estado Brasileiro. Vigorou até a

Page 27: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

27

Data desse período, também, a criação da primeira autarquia no Brasil, emergindo a

ideia de que os serviços públicos na “administração indireta” deveriam ser

descentralizados e não obedecer a todos os requisitos burocráticos da “administração

direta” ou central. Esse é o primeiro sinal de uma administração pública gerencial que se

sobrepõe à burocrática moderna, racional legal, definida por Bresser-Pereira (1996) como

lenta, cara, auto-referida, e pouco ou nada orientada para o atendimento das demandas dos

cidadãos.

Convém registrar – considerando as inúmeras referências ao autor neste texto – que

nosso país tem, na figura de Bresser-Pereira, um ator importante no processo de reforma do

Estado. Economista e cientista social, Luis Carlos Bresser-Pereira conduziu no ano de

1987, durante sete meses, o Ministério da Fazenda no Governo José Sarney e assumiu no

ano de 1995, no primeiro mandato de Governo de Fernando Henrique Cardoso, o

Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE). Já no segundo

mandato, atuou como Ministro da Ciência e Tecnologia, e, em seguida, assessorou o

presidente para assuntos de Terceira Via, possuindo inúmeras publicações sobre a Reforma

Pública Gerencial do Estado.

Por esse motivo, pressupõe-se necessário apresentar, segundo a ótica do referido

autor, os elementos que desencadearam a necessidade de uma reforma não apenas do

aparelho do Estado, mas do próprio Estado.

Contudo, tal apresentação será realizada no diálogo com outros atores, a partir do

entendimento de que a história é sempre dinâmica, em movimento e caracterizada por um

jogo de forças, sendo fundamental trazer para a discussão os movimentos de resistência

que emergiram durante as últimas décadas do século XX, como também no presente

século, em contraposição às reformas apresentadas pelo Governo à sociedade brasileira.

E, deste ponto em diante, nossa tarefa é a apresentação do Decreto-Lei n. 200 de

1967, que dispõe sobre a organização da Administração Federal e estabelece as diretrizes

para a Reforma Administrativa. Vimos, conforme apontado por Bresser-Pereira (1996),

que com o Decreto-Lei 200 ocorre uma tentativa:

publicação da Lei 8.112 de 11 de dezembro de 1990. Esta, resultado de amplo debate no Congresso Nacional,

culminou na adoção do Regime Jurídico Único para a administração direta, autárquica e fundacional

(MATTA, 2009; KALIL PIRES, et al., 2005). Cabe ressaltar que a Carta de 1946 mantém o que havia sido

fixado no texto de 1937 e inclui, através do artigo 186, a inspeção de saúde na admissão dos servidores

(MATTA, 2009)

Page 28: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

28

de superação da rigidez burocrática, podendo ser considerada como um

primeiro momento da administração gerencial no Brasil. Toda a ênfase foi

dada à descentralização mediante a autonomia da administração indireta,

a partir do pressuposto da rigidez da administração direta e da maior

eficiência da administração descentralizada. O decreto-lei promoveu a

transferência das atividades de produção de bens e serviços para

autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista,

consagrando e racionalizando uma situação que já se delineava na prática.

Instituíram-se como princípios de racionalidade administrativa o

planejamento e o orçamento, a descentralização e o controle dos

resultados. Nas unidades descentralizadas foram utilizados empregados

celetistas, submetidos ao regime privado de contratação de trabalho. O

momento era de grande expansão das empresas estatais e das fundações.

Através da flexibilização de sua administração buscava-se uma maior

eficiência nas atividades econômicas do Estado, e se fortalecia a aliança

política entre a alta tecnoburocracia estatal, civil e militar, e a classe

empresarial (BRESSER-PEREIRA, 1996, p.7).

Entretanto, Bresser-Pereira (1996) afirma que este Decreto-Lei teve duas

consequências, pois, ao permitir a contratação de empregados sem concurso público,

facilitou a sobrevivência de práticas patrimonialistas, e, por não considerar as mudanças no

âmbito da administração direta ou central, vista pejorativamente como “burocrática” ou

rígida, deixou de realizar concursos e de desenvolver carreiras de altos administradores.

Ainda para o autor, nesse período, o núcleo estratégico do Estado foi, na verdade,

enfraquecido indevidamente por uma estratégia oportunista do regime militar, que, ao

invés de se preocupar com a formação de administradores públicos de alto nível

selecionados nos concursos públicos, preferiu contratar os escalões superiores da

administração por meio de empresas estatais (IDEM, 1996).

Cabe assinalar, também, que, nesse mesmo ano, entra em vigor a Constituição de

1967, trazendo o preceito de que a nomeação para cargo público exigiria aprovação prévia

em concurso público de provas ou de provas e títulos.

Porém, é somente com a Constituição de 1988, segundo Matta (2009), que o

retrocesso patrimonialista é limitado, ao ser adotado à instituição do Regime Jurídico

Único e a carreira, através de seus artigos:

Art. 37, Inciso II:

“a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia

em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a

natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em

lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei

de livre nomeação e exoneração” (BRASIL, 1988).

Page 29: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

29

Art. 39.

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no

âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira

para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das

fundações públicas (BRASIL, 1988).

Convém observar que o serviço público brasileiro tem sido marcado por

significativas transformações que ocorreram de maneira lenta e gradual, em virtude,

arriscamos dizer, de todo o trabalho de produção de verdades (teorias econômicas, políticas

e sociais), que legitimaram as medidas e ações colocadas em práticas e que tiveram

reflexos nos inúmeros segmentos de nossa sociedade.

Não que estejamos nos colocando em lugar de espectadores passivos, à mercê do

que dispõe o governo. Porém, não podemos deixar de reconhecer os efeitos das estratégias

colocadas em ação no âmbito governamental, a fim de responder uma dada demanda.

Assim, apresentar as reformas administrativas ocorridas no serviço público

brasileiro torna-se fundamental para que tenhamos conhecimento do contexto ora vigente,

sendo possível inferir que o Decreto 5.707 de 2006 só pôde tomar corpo a partir de todos

os pressupostos contidos nas diretrizes governamentais precedentes, dentre elas, a reforma

de 1937 e de 1967, já apresentadas, e, principalmente, a partir daquela que mais tarde se

configurou na Reforma Gerencial do Aparelho do Estado, iniciada em 1995.

Essa reforma, implementada no Brasil através do Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado, teve sua origem em países como a Inglaterra e os EUA, pois,

conforme observa Ribeiro (2011, p.56),

Os primeiros a aderirem a essa nova lógica foram os governos de

Margareth Thacher, no Reino Unido e de Ronald Reagan, nos Estados

Unidos, em fins da década de 1970 e começo dos anos 1980. Surge assim

nesses países um movimento calcado no ideário neoliberal que ansiava

por uma “nova administração pública”, apontando para a necessidade da

efetivação de reformas administrativas que implicaram na

descentralização do aparelho estatal através da privatização e

terceirização.

Neste momento, a relação que aqui convém estabelecer é de que esta nova lógica

toma corpo em um cenário antecedido por um período de grande desenvolvimento

Page 30: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

30

econômico entre os países – o pós-guerra –, no qual já havia se dado a substituição do

Estado liberal do século XIX pelo grande Estado social e econômico do século XX.

Cabe pontuar que o Estado de Bem-Estar Social, também chamado “Welfare

State”, que se expandiu após a Segunda Guerra Mundial, foi inicialmente pensado como

uma estratégia para aumentar a qualidade de vida da população e diminuir a desigualdade

gerada pelo capitalismo. O entendimento era de que a partir da criação de serviços públicos

gratuitos de educação, de saúde pública, de assistência social, e também de um sistema de

previdência social universal, a qualidade de vida da população melhoraria, a um custo

relativamente barato. Ocorre que, quando o Estado assumiu estes serviços, e outros, como

a regulação do sistema econômico interno, das relações econômicas internacionais, da

estabilidade da moeda, do sistema financeiro, da provisão de serviços públicos e da

infraestrutura, o problema da eficiência tornou-se essencial (BRESSER-PEREIRA, 1996;

2011).

E assim, conforme veremos a seguir, as transformações ocorridas no cenário

mundial em decorrência da grande crise econômica, que assolou os países que haviam

alcançado altos índices de desenvolvimento, impuseram mudanças não apenas no que dizia

respeito à organização do trabalho, mas, também, em todo o aparato de governo necessário

para o estabelecimento da nova conjuntura econômica, política e social que então emergia.

Page 31: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

31

1.2. O fim da “era dourada”: reflexos no cenário brasileiro

A “era dourada” é definida por Hobsbawn (1995) como o período em que os países

capitalistas desenvolvidos, o bloco socialista e parte do Terceiro Mundo, após a Segunda

Guerra Mundial, alcançaram altas taxas de crescimento. Ocorre que, em meados dos anos

de 1970, sobretudo a partir da crise do petróleo, uma grande crise econômica mundial se

instaura, pondo fim a essa era de prosperidade. Cabe pontuar, entretanto, que, apesar de o

Brasil, na época, ter alcançado índices significativos de crescimento, não se constituiu aqui

um Estado de Bem-Estar social (“Welfare State”). E alguns dos problemas desencadeados

pela citada crise foram a crítica ao papel do Estado nas políticas sociais e o incentivo à

participação do setor privado.

Segundo Abrucio (1997), quatro fatores sócio-econômicos contribuíram

significativamente para deflagrar a crise do Estado contemporâneo: a) a crise econômica

mundial, iniciada em 1973, na primeira crise do petróleo, e acentuada com mais força em

1979, na segunda; b) A crise fiscal10

, visto que, após ter crescido por décadas, a maioria

dos governos não tinha como financiar seus déficits, já que a economia mundial não

conseguiu retomar os níveis de crescimento alcançado nas décadas de 1950 e 1960,

abalando o consenso que sustentava o “Welfare State”; c) a situação de

“ingovernabilidade”, já que os governos, sobrecarregados, não conseguiam resolver seus

problemas; d) a globalização acrescida das inovações tecnológicas, o que ocasionou o

aumento de poder das multinacionais e o enfraquecimento do governo no que diz respeito

ao controle dos fluxos financeiros e comerciais.

E, assim, o tipo de Estado que vai se esfacelando em meio a esta crise possuía três

dimensões: a keynesiana11

, de ordem econômica, caracterizada pela ativa intervenção

estatal na economia; a social, através do Estado de Bem-Estar Social, que primava pela

produção de políticas públicas na área social (educação, saúde, previdência social,

10

Abrucio (1997) aponta que os problemas fiscais tendiam a se agravar com o início, em especial, nos

Estados Unidos e na Grã-Bretanha, de uma revolta dos contribuintes contra a cobrança de mais impostos,

principalmente porque não enxergavam uma relação direta entre o acréscimo de recursos governamentais e a

melhoria dos serviços públicos. 11

O Keneysianismo visava garantir o pleno emprego e atuava em setores considerados estratégicos para o

desenvolvimento nacional, por exemplo, telecomunicações e petróleo. Essa teoria econômica ganhou

destaque no início da década de 1930, quando o capitalismo vivia uma de suas mais graves crises. Na época

as nações capitalistas possuíam como norteadores para o campo econômico, as teorias estabelecidas pelo

liberalismo clássico, doutrina que preconizava o desenvolvimento econômico de uma nação atrelado à não-

intervenção do Estado na economia. A partir da doutrina Keneysiana, cabia ao Estado buscar formas de

conter o desequilíbrio da economia (CARVALHO, 2008).

Page 32: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

32

habitação etc.) para garantir o suprimento das necessidades básicas da população; e a

dimensão relativa ao funcionamento interno do Estado, o chamado modelo burocrático

weberiano, que tinha como função manter a impessoalidade, a neutralidade e a

racionalidade do aparato governamental.

Esse é o contexto em que o Estado se apresenta, com menos recursos e com menos

poder, e, para enfrentar a situação, o aparato governamental precisava ser mais ágil e

flexível em sua dinâmica interna e em sua capacidade de adaptação às mudanças externas

(ABRUCIO, 1997).

Mancebo (2007b, p.56) aponta que esta é a época da

(...) perda da capacidade dos Estados nacionais em regularem a economia,

frente ao poderio inusitado do sistema financeiro internacional e do

grande capital produtivo oligopolista globalizados, bem como pela

ascensão da ideologia neoliberal em detrimento do keynesianismo.

Pinto (2010) enriquece esta discussão, e, a partir de seu estudo, realizamos,

também, uma análise acerca das transformações que a organização do trabalho sofre nesse

período. Observamos que o sistema taylorista/fordista, difundido no longo ciclo de

crescimento econômico, foi colocado em xeque também neste período, já que, sob as novas

condições de mercado, tornava-se um entrave para o crescimento da economia. Ou seja,

apesar da articulação com o Estado de Bem-Estar Social, através do sistema de produção

em larga escala de produtos estandardizados, no período de 1965 a 1973, tornou-se

evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições

inerentes ao capitalismo (Harvey, 1992). E, nesse contexto, entra em cena o sistema toyota

de organização, fundamentado em uma metodologia de produção e de entrega rápida e

precisa, associado a uma empresa enxuta e flexível.

Importante atentar que tais características adequavam-se aos objetivos colocados

pela conjuntura macroeconômica da época e, ao promover uma flexibilização das

fronteiras comerciais nacionais a partir dos anos de 1980, a difusão do sistema toyota foi

acelerada.

E, com esse conjunto de transformações macro e microeconômicas, entra em cena a

“acumulação flexível”, um novo regime de acumulação de capital em nível internacional,

que trazia, em seu bojo, a necessidade de flexibilização dos processos, dos mercados e das

relações de trabalho, como, também, dos produtos e padrões de consumo, das barreiras

comerciais, e do controle da iniciativa privada do Estado. Essa nova lógica é caracterizada

pelo confronto à rigidez do fordismo e pelo surgimento de setores de produção

Page 33: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

33

inteiramente novos, com novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos

mercados e, sobretudo, com taxas altamente intensificadas de inovação comercial,

tecnológica e organizacional (HARVEY, 1992).

Segundo Pinto (2010), a difusão internacional do sistema toyotista de organização

apenas aconteceu em virtude do amparo jurídico e institucional dado pelos Estados

nacionais às relações entre empresas e, principalmente, entre a classe trabalhadora e o

empresariado. Ou seja,

Todo o processo de transformações de ordem econômica que se instaura a

partir dos anos de 1970 (...) somente pode ser efetivado mediante um

conjunto de políticas estatais que flexibilizaram, mais ou menos,

conforme o caso, as barreiras institucionais constrangedoras das

consequências destrutivas do sistema de livre mercado sobre as condições

nacionais de desenvolvimento econômico e social, especialmente no caso

das economias periféricas (IDEM, p.47).

Ocorre que a instabilidade macroeconômica mundial advinda desse processo,

como, também, a hipertrofia do capital financeiro abalaram o crescimento dos mercados

nacionais, promovendo a utilização de inovações tecnológicas e organizacionais, que

resultaram em novas formas de produção e de circulação de mercadorias e serviços,

alimentando mudanças nos mercados de consumo. Esse processo foi acompanhado por

alterações nas políticas econômicas e sociais levadas a efeito pelos Estados nacionais,

configurando o início das políticas neoliberais divergentes dos ideais preconizados pelos

Estados de bem-estar social.

Pinto (2010) ainda aponta que o regime de acumulação flexível, ao ser incorporado

na forma de modelo de desenvolvimento político, econômico e social, traz, como

resultado, o agravamento das crises econômicas e sociais preexistentes, culminando, no

Brasil, por exemplo, na implantação vasta e profunda da doutrina neoliberal do Estado. 12

Ao aproximar essas reflexões de nossa discussão principal, vimos que, sob essa

nova doutrina,

As organizações encontram-se mais enxutas, flexíveis e descentralizadas.

Em oposição à fábrica “gorda” do modelo taylorista/fordista, nasce à

fábrica “magra” caracterizada por uma estrutura flexível e transparente

capaz de absorver, com um número reduzido de pessoal, as flutuações

quantitativas e qualitativas da demanda (RIBEIRO, 2011, p.55).

12

Para um maior aprofundamento na discussão, sugerimos a consulta do estudo realizado por Pinto (2010).

Page 34: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

34

A partir de então, tal lógica se estendeu aos órgãos públicos, pois buscava-se um

Estado enxuto e menos burocrático, em que o serviço público, considerado ineficiente e

muito oneroso, deveria passar por todo um processo de reestruturação. Esse é o período,

segundo Ribeiro (2011, p.56), do nascimento de “um sentimento antiburocrático aliado à

crença de que o modo de gestão do setor privado seria o modelo ideal a ser alcançado.”

Sobre essa questão, Chanlat (2002) aponta que a crise do Estado-Providência,

atrelada ao desmoronamento das experiências socialistas e à hegemonia da empresa

privada, como modelo organizacional eficiente, e do mercado, como mecanismo de

regulação das trocas, influenciaram, sobremaneira, as políticas, os programas, as estruturas

e a cultura das organizações estatais.

Corroborando essa afirmação, Ribeiro (2011) defende que tal crise deu lugar ao

movimento reformista gerencialista, que tinha como proposta básica substituir o modelo

burocrático. A autora ainda sinaliza que o sentimento antiburocrático presente em boa

parte da opinião pública passou a eleger o modelo de gestão do setor privado como o ideal.

Em consequência, o Estado passou a conviver com a gradativa incorporação da lógica e

dos mecanismos que regem o mundo das empresas privadas, com o objetivo de propiciar

agilidade, eficiência e qualidade aos serviços.

Através desta lógica, constitui-se, no ideário brasileiro, todo um discurso calcado na

necessidade de o Estado ser desprovido de funções que poderiam ser endereçadas ao setor

privado. E, assim, apesar do processo de impeachment sofrido, Fernando Collor de Mello,

eleito presidente do Brasil em 1989, deixa, como legado, a lógica da redução do setor

público através de privatizações.

Segundo dados do BNDES, em 1990, com a criação do Programa Nacional de

Desestatização - PND, a privatização torna-se parte integrante das reformas econômicas

iniciadas pelo Governo Fernando Collor. Posteriormente, a partir de 1995, já no Governo

de Fernando Henrique Cardoso, maior prioridade é conferida à privatização. O PND é

apontado como um dos principais instrumentos de reforma do Estado, sendo parte

integrante do programa de Governo, iniciando uma nova fase do PND, em que serviços

públicos foram transferidos ao setor privado, com vistas à melhoria da qualidade dos

serviços públicos prestados à sociedade brasileira, através do aumento dos investimentos a

serem realizados pelos novos controladores (BNDES, 2009).

Page 35: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

35

Importante salientar que, apesar de preconizar transformações que em muito

alteraram a oferta de serviços do Estado, ao cidadão brasileiro, e também o status quo do

servidor público, com reflexos na esfera federal, estadual e municipal, a reforma

gerencialista, implementada no país a partir de 1995, encontrou terreno fértil e propício em

âmbito governamental com base no histórico das reformas anteriores e, principalmente, em

toda uma argumentação fundamentada em teorias políticas e econômicas, voltadas para

referendar sua adoção.

Deste ponto em diante, sob a perspectiva de seu idealizador, Bresser-Pereira,

apresentaremos os pressupostos que fundamentaram e legitimaram a citada reforma, a fim

de incluir elementos que enriqueçam a discussão e viabilizem uma leitura crítica sobre a

temática, pois a reforma de 1995 tem, em suas diretrizes, princípios que ecoam até os dias

atuais. Um exemplo de tal afirmação é o Decreto 5.707 de 2006, como veremos mais

adiante.

Page 36: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

36

1.3. A reforma de 1995 sob o olhar de Bresser-Pereira

A contextualização da reforma administrativa, levando em conta a ótica de seu

idealizador, será aqui realizada, convidando, para a discussão, autores que também

discutem e problematizam o referido processo.

Nesse sentido, cabe assinalar que Bresser-Pereira (1996), no texto “Da

administração Pública Burocrática à Gerencial”, faz um panorama do cenário brasileiro, a

partir da década de 1930, quando se institui a administração burocrática. O autor realiza

uma análise das premissas do referido modelo e seus reflexos na política brasileira, além

de apresentar os aspectos da conjuntura econômica, política e social que levaram à

necessidade de transição para o modelo da administração pública gerencial.

Para o autor (1996), a crise da administração pública burocrática começa no regime

militar, pois este, em vez de consolidar uma burocracia profissional13

no país, através da

redefinição das carreiras e de um processo sistemático de abertura de concursos públicos

para a alta administração, preferiu o caminho mais curto do recrutamento de

administradores, utilizando empresas estatais, inviabilizando, desta maneira, a construção

de uma burocracia civil forte, nos moldes que a reforma de 1937 propunha.

Importante também destacar as ponderações de Bresser-Pereira (1996) sobre a

Constituição de 1988 visto que, embora entendamos a Carta de 1988 como uma conquista

da sociedade brasileira, que se libertou das amarras da ditadura militar e caminhou para a

uma Era Democrática, para o citado autor, a crise da administração pública burocrática foi

agravada em decorrência da própria Constituição de 1988, em virtude de seu enrijecimento

burocrático, que, somado à sobrevivência do patrimonialismo, resultou em um alto custo e

em uma baixa qualidade da administração pública brasileira.

13

Para Mintzberg, uma estrutura organizacional pode ser definida a partir de cinco configurações: Estrutura Simples, Burocracia

Mecanizada, Burocracia Profissional, Burocracia Divisionalizada e Adhocracia. A Burocracia Profissional tem como

pressuposto a autoridade da posição fundada na autoridade de competência, que se baseia no

profissionalismo. Substitui a padronização dos processos de trabalho pela padronização das qualificações dos

intervenientes. Essa estrutura apresenta elevada formalização interna, com muitos regulamentos e regras. É

descentralizada, pois os profissionais têm amplo poder de controle. Para maiores detalhes ver: DUARTE,

N.F..S. Teoria de Mintzberg: Mintzberg e o desenho organizacional. Instituto Polítécnico de Coimbra, 2006.

Disponível em http://prof.santana-e-silva.pt/gestao_de_empresas/trabalhos_05_06/word/Teoria%20de%

20Mintzberg.pdf. Acesso em 14 de Ago de 2012; e MINTZBERG, H. Criando organizações eficazes:

estruturas em cinco configurações. São Paulo: Atlas, 1995.

Page 37: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

37

O capítulo na Constituição de 1988, inclusive, que versa sobre a administração

pública é apontado por Bresser-Pereira como o resultado de forças contraditórias presentes

no cenário brasileiro daquela época, significando também uma reação ao populismo e ao

fisiologismo que recrudesceram com o advento da democracia:

A Constituição sacramenta os princípios de uma administração pública

arcaica, burocrática ao extremo, altamente centralizada, hierárquica e

rígida em que a prioridade será dada a administração direta em detrimento

da administração indireta14

; além de ignorar as orientações da

administração pública (BRESSER-PEREIRA, 1996, p.8).

Merece destaque, também, o fato de que, para Bresser-Pereira (1996), a

Constituição de 1988 permitiu que uma série de “privilégios” fosse criada, sendo

entendidos como tal: o sistema de aposentadoria com remuneração integral e a instituição

das aposentadorias especiais, que teriam elevado violentamente o custo do sistema

previdenciário estatal. Além disso, o autor definiu como um golpe o fato de a Constituição

ter viabilizado que os funcionários celetistas das fundações e autarquias se transformassem

em funcionários estatutários, detentores de estabilidade e aposentadoria integral.

O Regime Jurídico Único (RJU) dos Servidores Federais também foi alvo das

críticas de Bresser-Pereira; considerando que, para o autor, 1) o Estatuto teria tirado a

autonomia da administração indireta; 2) a estabilidade, por sua rigidez, inviabilizaria a

demissão do serviço público; 3) além do fato do acesso ao serviço público via concurso ser

uma forma rígida de gerir a captação de pessoal, por impedir a ascensão funcional.

E assim, ocorre que, no ano de 1987, Bresser-Pereira ocupa a cadeira de Ministro

da Fazenda, mas, nesse primeiro momento, sua passagem pelo Ministério foi rápida, o que,

segundo depoimento do próprio, ocorreu em virtude da dificuldade de apoio da sociedade e

do próprio presidente José Sarney às medidas que, em sua avaliação, seriam fundamentais

para conter a crise que o país enfrentava (DINIZ; LOUREIRO; GOMES, 1992).

14

A Administração Pública Federal brasileira composta pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário é

classificada também como direta e indireta. Sendo a administração direta aquela exercida pelos órgãos e

entidades que estão ligados diretamente ao poder central, federal, estadual ou municipal (ex. Ministérios,

Secretarias Estaduais e Municipais. A administração indireta, de outro modo, é exercida por pessoas

jurídicas, criadas a partir da descentralização das atividades do governo, tais como: Autarquias (ex.

Universidades Federais, Banco Central); Fundações (ex. Fundação Euclides da Cunha, IBGE, FUNAI, etc);

Empresas Públicas (FINEP, Correios, Caixa Econômica, etc); Sociedade de Economia Mista (ex. Banco do

Brasil, Petrobrás, etc). Cabe ressaltar que todos os órgãos da Administração Pública indireta têm

características em comum; dentre as quais, serem vinculados a órgãos da administração direta, possuírem

autonomia administrativa e financeira, personalidade jurídica e patrimônio próprios. Tal criação é

regulamentada pela Constituição Federal (HANSEN; FARIA, 2010).

Page 38: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

38

Os anos de 1979 a 1994 no Brasil são apontados por Bresser-Pereira (1996) como

um período de estagnação da renda per capita e de alta inflação, em que somente através

do Plano Real, concebido no ano de 1994, foi possível vivenciar uma estabilização dos

preços, com condições para a retomada do crescimento. A causa dessa crise, para o autor,

foi a própria crise do Estado, caracterizada pela perda de sua capacidade de coordenar o

sistema econômico de forma complementar ao mercado.

Uma crise fiscal, como uma crise do modo de intervenção do Estado,

como uma crise da forma burocrática pela qual o Estado é administrado,

e, em um primeiro momento, também como uma crise política

(BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 3).

Assim, é no Governo liderado por Fernando Collor de Mello que se dão os passos

decisivos no sentido de iniciar a reforma da economia e do Estado, por meio da abertura

comercial e do ajuste fiscal. Todavia, para Bresser-Pereira (1996), as tentativas de reforma

foram equivocadas por não ter sido assegurada a legalidade de algumas medidas, dentre

elas: a demissão de funcionários, a eliminação de órgãos e também a privatização de

estatais, por meio da reforma da Constituição.

O início do Governo de Itamar Franco é apontado, então, pelo autor (1996) como o

período em que a sociedade brasileira começa a se dar conta da crise da administração

pública. Inferimos, nesse sentido, que esse é o elemento que faltava para que, no Governo

seguinte, a reforma administrativa encontrasse solo fértil para germinar, pois, ao se dar

conta da crise, a sociedade reconheceu a necessidade de que medidas até então repelidas

fossem colocadas em ação.

Ocorre que, no ano de 1995, Bresser-Pereira ocupa o cargo de Ministro da

Administração Federal e Fazenda, tendo total apoio do Presidente Fernando Henrique

Cardoso para implementar no país a reforma do aparelho do Estado. O Ministério da

Administração Federal e Reforma do Estado tinha como atribuição estabelecer as

condições para que o governo aumentasse sua governança, e sua missão específica era

orientar e instrumentalizar a reforma do aparelho do Estado, nos termos definidos pela

Presidência através do Plano Diretor (BRESSER-PEREIRA, 1996).

Importa registrar que, apesar de toda a argumentação utilizada por Bresser-Pereira

para legitimar a reforma administrativa de 1995, a compreensão que temos é que, no

serviço público brasileiro, todas as lutas encampadas pelos trabalhadores ocorreram no

sentido de que melhores condições de trabalho, salário, e políticas de carreira fossem

Page 39: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

39

adotadas para o segmento. Contudo, temos observado que inúmeras conquistas e direitos,

adquiridos principalmente através da Constituição de 1988, ao longo das décadas passaram

a ser entendidos como privilégios, sofrendo um gradual processo de alterações e, em

alguns casos, de extinção, como será visto mais adiante.

Page 40: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

40

1.4. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE)

O PDRAE nada mais é que o resultado da incorporação em nível de governo de um

modus operandi que paulatinamente foi gestado e disseminado em nosso contexto,

inicialmente na esfera privada. Fazemos referência ao gerencialismo denominado por

Chanlat (2002) como managerialismo, sendo o modo de descrever, explicar e interpretar o

mundo a partir das categorias da gestão privada, lançando mão de noções e princípios

administrativos, tais como: eficácia, produtividade, performance, competência,

empreendedorismo, qualidade total, cliente, produto, marketing, desempenho, excelência e

reengenharia.

Neste estudo, como já temos feito, lançaremos mão de alguns apontamentos

realizados por Ribeiro (2011) pela rica contribuição que nos trazem. O trabalho desta

autora intitulado “Trabalho técnico-administrativo em uma instituição federal de ensino

superior: análise do trabalho e das condições de saúde” tem como tema central de pesquisa

uma análise do trabalho dos técnico-administrativos em educação, ocupantes do cargo de

assistente em administração na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Tal debate

vem ao encontro de nossa discussão por contemplar o segmento no qual estamos inseridos,

uma IFES, e nos possibilitou ricas articulações.

Sobre a adoção, por exemplo, da lógica gerencialista no setor público, observamos

que há um significativo debate sobre a implementação do modelo gerencialista no âmbito

do serviço público – entendido como solução para os problemas de eficiência e eficácia das

organizações públicas – em substituição ao modelo de administração burocrática, que

aponta para uma incompatibilidade entre a lógica gerencialista e o interesse público.

Ribeiro (2011, p.118) problematiza que:

Hoje, tudo se gerencia: a família, as relações amorosas, a sexualidade, os

sentimentos, a inteligência, a educação, a saúde. A sociedade se mobiliza

a serviço da economia – a família é encarregada de produzir indivíduos

autônomos e empregáveis e a educação deve satisfazer às necessidades do

mercado. O homem deve transformar-se em um capital sempre mais

produtivo e rentável.

Page 41: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

41

E essa situação ocorre, conforme aponta Chanlat (2002), porque a cultura do

management15

invadiu os mais diversos tipos de organizações, tais como: escolas,

hospitais, universidades, administrações públicas, organizações sem fins lucrativos e até

igrejas.

Porém, alguns autores defendem que a idéia não deveria ser promover rupturas ou

substituir um modelo pelo outro, mas de melhor aplicar os princípios fundamentais da

administração do Estado em uma ordem democrática. Para Azevedo e Loureiro (2003), por

exemplo, a administração burocrática seria o modelo mais compatível com uma ordem

política republicana e democrática, na qual seriam priorizados o interesse público e a

igualdade de todos os cidadãos. Nesse sentido, o que tais autores afirmam é que o modelo

burocrático precisaria ser flexibilizado e aperfeiçoado em seus mecanismos de controle,

como condição para sua manutenção eficaz nos governos democráticos contemporâneos.

Vimos também o alerta de Siqueira e Mendes (2009) de que é necessário verificar o

que faz, ou não, sentido ser importado do setor privado, tendo em vista a especificidade do

setor público, que possui uma lógica própria; além da necessidade de se refletir sobre o

impacto de tais mudanças na subjetividade do servidor público, considerando o quanto a

ideologia gerencial e a pressão de uma determinada gestão podem prejudicar as relações de

trabalho nas organizações públicas, ao invés de desenvolvê-las. Para estes autores, é

necessário, “(...) conhecer um pouco mais do que há escamoteado nos modelos importados

do setor privado, e principalmente as dimensões do controle, especialmente em termos

ideológico” (p.245).

Diante desta breve exposição, deparamo-nos com um questionamento bastante

relevante do que vem a ser a reforma gerencialista “corporificada” através do Plano Diretor

da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE).

A resposta para essa pergunta é encontrada no próprio documento, que dá corpo ao

que se espera para a Administração Pública do País. E, nesse sentido, consta no PDRAE,

que a reforma do Estado deveria ser entendida dentro do contexto de redefinição do papel

do Estado, que deixaria de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e

social, pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e

regulador desse desenvolvimento (BRASIL, 1995, p. 12).

15

Segundo Chanlat (2002, p.2), as palavras gestão, management, gerir, e manager pertencem no

contemporâneo a um vocabulário naturalmente utilizado no dia a dia. Um exemplo disso é o fato de que,

hoje, nossas emoções não se expressam, são gerenciadas.

Page 42: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

42

E para que esse objetivo fosse atingido, a reforma lançou mão: 1) do ajuste fiscal,

que devolveria ao Estado a capacidade de definir e implementar políticas públicas; 2) do

programa de privatizações, que refletiria a “conscientização” da gravidade da crise fiscal e

da correlata limitação da capacidade do Estado de promover poupança forçada, através das

empresas estatais; 3) e do programa de publicização, com a transferência para o setor

público não estatal da produção dos serviços competitivos ou não exclusivos de Estado.

Sob esta perspectiva, pretendeu-se ainda,

reforçar a capacidade de governo do Estado através da transição de uma

administração pública burocrática, rígida e ineficiente voltada para si

própria e para o controle interno, para uma administração pública

gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento do cidadão

(BRASIL, 1995, p.13).

Consta também no Plano Diretor que

Reformar o Estado significa melhorar não apenas a organização e o

pessoal do Estado, mas também suas finanças e todo o seu sistema

institucional-legal, de forma a permitir que o mesmo tenha uma relação

harmoniosa e positiva com a sociedade civil. E reformar o aparelho do

Estado significa garantir a esse aparelho maior governança, ou seja, maior

capacidade de governar, maior condição de implementar as leis e políticas

públicas. Significa tornar muito mais eficientes as atividades exclusivas

de Estado, através da transformação das autarquias em “agências

autônomas”, e tornar também muito mais eficientes os serviços sociais

competitivos ao transformá-los em organizações públicas não estatais de

um tipo especial: as “organizações sociais” (BRASIL, 1995, p.44).

No PDRAE, são apresentados os objetivos globais e específicos para a reforma do

aparelho do Estado, considerando sua divisão em quatro setores: Núcleo Estratégico,

Atividades Exclusivas, Serviços Não-Exclusivos e Produção de Bens e Serviços para o

Mercado, conforme descrição a seguir.

O Núcleo Estratégico relacionado ao governo é o setor responsável por definir as

leis e as políticas públicas, também por cobrar o seu cumprimento. É o local onde as

decisões estratégicas são tomadas correspondendo aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao

Ministério Público e, no poder executivo, ao Presidente da República, aos ministros e aos

seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação das

políticas públicas.

O setor das Atividades Exclusivas comporta a prestação de serviços que só o Estado

pode realizar, sendo exemplos a regulamentação, a fiscalização e fomento.

Page 43: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

43

O setor de Serviços não Exclusivos seria onde o Estado atuaria simultaneamente

com outras organizações públicas não estatais e privadas e, por serem serviços

relacionados a diretos humanos fundamentais, dentre eles, a educação e a saúde,

careceriam do Estado em seu poder de agir. As universidades e os hospitais comporiam

este setor.

Já o Setor de Produção de Bens e Serviços para o Mercado corresponderia à área

de atuação das empresas, sendo caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o

lucro. Estariam no Estado pela falta de capital do setor privado para realizar o

investimento, ou por serem atividades monopolistas, nas quais o controle via mercado não

seria possível, tornando-se necessário, no caso de privatização, uma regulamentação rígida.

E, frente a essa estrutura, os objetivos globais e específicos traçados para a reforma

do aparelho do Estado foram:

Limitar a ação do Estado das funções que lhe são próprias, reservando, a princípio,

os serviços não exclusivos para a propriedade pública não estatal, e a produção de

bens e serviços para o mercado.

Modernizar a administração burocrática, que, no núcleo estratégico, ainda se

justifica pela sua segurança e efetividade, através de uma política de

profissionalização do serviço público, ou seja, de uma política de carreiras, de

concursos públicos anuais, de programas de educação continuada permanentes, de

uma efetiva administração salarial, ao mesmo tempo em que se introduz no sistema

burocrático uma cultura gerencial, baseada na avaliação do desempenho.

Dotar o núcleo estratégico de capacidade gerencial para definir e supervisionar os

contratos de gestão com as agências autônomas, responsáveis pelas atividades

exclusivas de Estado, e com as organizações sociais, responsáveis pelos serviços

não exclusivos do Estado realizados em parceria com a sociedade.

Transformar as autarquias e fundações que possuem poder de Estado em agências

autônomas, administradas, segundo um contrato de gestão, em que o dirigente (que

não será necessariamente de dentro do Estado) terá ampla liberdade para

administrar os recursos humanos, materiais e financeiros colocados à sua

disposição, desde que atinja os objetivos qualitativos e quantitativos (indicadores

de desempenho) previamente acordados.

Page 44: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

44

Transferir para o setor público não estatal esses serviços não exclusivos do Estado,

através de um programa de “publicização”, transformando as atuais fundações

públicas em organizações sociais, entidades de direito privado, sem fins lucrativos,

que tenham autorização específica do poder legislativo, para celebrar contrato de

gestão com o poder executivo e, assim, ter direito a dotação orçamentária.

Dar continuidade ao processo de privatização através do Conselho de

Desestatização.

Implantar contratos de gestão nas empresas que não puderem ser privatizadas.

Importante acrescentar que, além dos objetivos acima, a reforma administrativa

previu duas emendas constitucionais: a Emenda n°. 19 de 04 de junho de 1998 e a Emenda

n°. 20 de 15 de dezembro de 1998.

A primeira dispôs sobre os dispositivos da Constituição de 1988 referentes à

Administração Pública e ao servidor público, trazendo alterações para o regime

administrativo do Estado brasileiro, com mudanças que fizeram referência a questões

como:

O fim da obrigatoriedade do RJU, permitindo a volta de contratação de servidores

celetistas.

A existência de processo seletivo público para admissão de celetistas e a

manutenção do concurso público para a admissão de servidores estatutários.

A flexibilização da estabilidade dos servidores, permitindo a demissão para os

casos de falta grave, como também por insuficiência de desempenho e por excesso

de quadros.

O estabelecimento de um tratamento equilibrado entre os três poderes nas

prerrogativas relativas à organização administrativa, além da fixação de

vencimentos dos servidores dos três poderes, excluídos os titulares de poder,

através de projeto de lei.

Já a Emenda nº 20, por sua vez, trouxe modificações para o sistema de Previdência

Social, dispondo sobre o regime de aposentadorias dos servidores públicos que passou

então a ocorrer por idade, sendo os proventos proporcionais à contribuição ou ao tempo de

trabalho. Instituiu-se a exigência da idade mínima de 53 anos para homens e 48 anos para

Page 45: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

45

as mulheres, com a obrigação do cumprimento de pedágio para acesso a aposentadoria

(20% para a aposentadoria integral e 40% para a aposentadoria proporcional). Esta

Emenda criou, ainda, um regime de previdência de caráter contributivo, em que o direito à

aposentadoria passou a não depender exclusivamente de tempo de serviço, mas também do

tempo de contribuição.

Não há no momento revogação legal expressa para as citadas emendas, estando

ambas em vigor atualmente.

Para Ribeiro (2011, p.58), a aprovação da Emenda nº 20 teve como resultado uma

corrida para a aposentadoria visto que:

Inúmeros servidores deixaram antecipadamente a sua vida ativa em busca

da preservação de seus direitos. Fugiram dos prováveis prejuízos que a

reforma do sistema previdenciário poderia acarretar.

Ressalta-se, mais uma vez, o entendimento de que a Reforma Administrativa de

1995 em muito contribuiu e tem contribuído para o atual “estado de coisas” da

administração pública brasileira. Torna-se imprescindível, porém, registrar que, paralelo à

implementação de cada uma das medidas apontadas, inúmeros movimentos de resistência

emergiram a fim de conter as citadas políticas governamentais.

Essa afirmação pode ser exemplificada pelo episódio de reação dos sindicatos,

docentes, técnico-administrativos e estudantes das universidades públicas à recomendação

de transformação das IFES em instituições públicas não estatais, impedindo a efetivação de

tal medida. Entretanto, observamos que, mesmo havendo inúmeros movimentos de

resistência, paulatinamente tem se dado a implementação da política traçada no Plano

Diretor.

Esse fato é corroborado por recente declaração de Bresser-Pereira (2011, p.19) de

que a reforma no Brasil começou cedo e está caminhando bem. Segundo o autor, “ela está

sendo bem-sucedida, porque ganhou os corações e as mentes dos administradores públicos

brasileiros além, de estar sendo realizada em todo o Brasil.”

Entretanto, mesmo diante desta declaração, entendemos a necessidade de se apostar

na visibilidade dos movimentos de resistência que têm emergido ao longo das décadas,

pois inúmeras reivindicações com greves e paralisações de âmbito nacional marcaram e

têm marcado a história do serviço público brasileiro. Sendo possível citar: as

reivindicações por melhores salários; pela estabilidade no serviço público; pela redução da

jornada de trabalho sem redução de salário; pela isonomia entre os trabalhadores das

Page 46: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

46

autarquias e fundações com o instituto da Carreira; contra o arrocho salarial,

principalmente na década de 1990; contra as demissões no Governo Collor; contra as

privatizações de estatais, iniciadas também no Governo Collor e que tiveram

prosseguimento no governo de Fernando Henrique Cardoso; contra a publicização, que

visa transformar as autarquias e fundações em organizações sociais. E, mais recentemente,

contra a criação do fundo complementar de aposentadoria, e a criação da Empresa

Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH. (COUTO, 2010; FASUBRA, 2010).

Sobre o fundo complementar, é curioso atentar que, apesar de existir no Plano

Diretor uma garantia de que o sistema previdenciário público, distinto do setor privado,

seria garantido integralmente pelo Estado, a partir da criação da Fundação de Previdência

Complementar do Servidor Público Federal (FUNPRESP), tal garantia cai por terra. E, em

30 de abril de 2012, é sancionada, pela Presidente Dilma Rousseff, a Lei nº 12.618, de 30

de abril de 2012, que cria a citada Fundação e institui o teto máximo de R$ 3.916,20 para

os servidores da União. Com a medida, as pessoas que ingressarem no serviço público após

a publicação da Lei e quiserem ganhar acima do teto terão que contribuir para o fundo, a

fim de complementar seus proventos.

E, acerca da segunda medida, com a aprovação da Medida Provisória n. 520 de 31

de dezembro de 2010, o então Presidente “Lula” autorizou o Poder Executivo a criar a

empresa pública EBSERH, referendada no Governo Dilma Rousseff através da Lei nº

12.550 de 15 de dezembro de 2011. Através da referida Lei, foi implementado um modelo

de gestão privatista, em que o hospital universitário transformou-se em uma unidade

hospitalar de uma empresa pública de direito privado. E, assim, a gestão hospitalar que

antes era da Universidade passou a ser de uma entidade externa; entretanto, o estado paga

por essa gestão fora da Universidade.

Recentemente, o posicionamento do governo Dilma Rousseff, somado a algumas

medidas, têm mobilizado diversas categorias de servidores públicos, dentre eles, os da

Educação, a colocarem em prática um calendário de ações emergenciais que englobaram

marchas, paralisações e assembleias, culminando com a deflagração de greve que teve

como protagonistas docentes, técnico-administrativos e estudantes em nível nacional a

partir de 01 de junho de 2012.

Infelizmente, o fato é que, atualmente, não há, no Governo “Dilma”, nenhum tipo

de política salarial que trate da correção das distorções ou perdas salariais dos Técnico-

Administrativos em Educação (TAE). Após o ano de 2007, não houve nenhum acordo que

tratasse do aprimoramento da carreira dos (TAE) e da correção das distorções oriundas da

Page 47: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

47

Lei 11.091 de 2005. Há que considerar também que, mesmo com uma greve de mais de

cem dias dos TAE em 2011, não houve uma sensibilização do governo para a apresentação

de uma contraproposta à pauta aprovada pela categoria e protocolada pela Federação.

Soma-se a isso, mais recentemente, a Medida Provisória nº 568, publicada em 14 de

maio de 2012, que alterou o Regime Jurídico Único, mudando a forma de cálculos e

congelando os valores dos adicionais de insalubridade e periculosidade, além do

estabelecimento da redução nos salários dos médicos, criando instrumento da Vantagem

Pessoal Nominalmente Identificada (VPNI) sobre vencimento básico (FASUBRA, 2010).

Porém, a esse respeito, a resposta de greve da categoria de médicos fez com que o Governo

retrocedesse.

Page 48: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

48

1.5. Situando as IFES neste cenário de reformas

Ao trazer a discussão sobre as reformas para o contexto das IFES, podemos

observar que a categoria de trabalhadores técnico-administrativos, e seus respectivos

sindicatos, aderiram a várias lutas não apenas para garantir a manutenção de direitos

adquiridos a partir da Constituição de 1988, como também com o objetivo de alcançar,

minimamente, iguais condições de infraestrutura de trabalho, de remuneração e etc.,

comparadas, por exemplo, aos órgãos públicos federais do judiciário e do legislativo16

.

O debate realizado até este momento contemplou uma discussão sobre as medidas

colocadas em prática pelos governos brasileiros ao longo das últimas décadas, com a

finalidade de alterar a configuração do Aparelho do Estado, ou seja, a própria

administração pública constituída por seus funcionários.

Porém, como nesse ponto estreitamos a discussão para o cenário das Universidades

Públicas Federais, cabe situar que, além da Reforma do Aparelho do Estado, neste

segmento é pauta a discussão sobre a Reforma da Educação Superior Brasileira, que, no

entender dos autores desta pesquisa, está em conformidade com algumas diretrizes

apontadas, na década de 1990, no PDRAE.

Por ora, nesta pesquisa discorremos sobre o debate realizado por alguns autores

acerca do direcionamento tomado pelo Governo Lula durante os oito anos que conduziu o

país, considerando que, na época de sua vitória, por ser considerado um Governo de

Esquerda o povo brasileiro acreditava que o país entraria em uma nova Era, com muitas

perspectivas positivas no cenário político, econômico e social.

Mas, o que podemos apontar desta discussão para enriquecer ainda mais o debate

proposto neste estudo?

Em um primeiro momento, é importante afirmar que as medidas preconizadas para

a educação de nosso país têm acontecido em consonância com as diretrizes apontadas por

16

Um exemplo a ser dado a esse respeito faz referência às reivindicações por melhores salários, visto ser fato

a diferença de remuneração, para cargos com o mesmo nível de escolaridade, entre os órgãos do poder

executivo, legislativo e judiciário. Tal afirmação pode ser corroborada na comparação realizada entre os

concursos realizados pelo Tribunal de Justiça do Estado do RJ e a Universidade Federal Fluminense no ano

de 2011. O edital dos citados concursos previu as seguintes remunerações, respectivamente: para o

cargo de Técnico de Atividade Judiciária o vencimento básico foi de R$ 2.821, 74 (dois mil, oitocentos e

vinte e um reais e setenta e quatro centavos); já o cargo em Assistente em

Administração teve como remuneração o valor de R$ 1.821, 94 (mil oitocentos e vinte um reais e

noventa e quatro centavos). Fontes: http://www.concursosfcc.com.br/concursos/tjurj111/index.html e

http://www.vestibular.uff.br/concursos/uff/2012/UFF-Edital-297-2011-Tecnico-Administrativos.pdf.

Acesso em 09 de julho de 2012.

Page 49: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

49

alguns organismos financeiros internacionais. Dentre eles: pelo Banco Mundial (BM), pelo

Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID) e pela Organização Mundial do

Comércio (OMC) (SGUISSARDI, 2006).

A esse respeito, Leher (1999) sustenta a tese de que a redefinição dos sistemas

educacionais estaria situada no bojo das reformas estruturais encaminhadas pelo Banco

Mundial. Para este autor,

O ajuste estrutural que desmonta o precário Estado Social é feito em

nome da globalização, um processo apresentado como inexorável e

irresistível, contra o qual nada é possível fazer, a não ser se adaptar,

mesmo que às custas de exponencial desemprego, privatizações

selvagens, crise cambial, aumento da taxa de juros e destruição dos

direitos do trabalho (LEHER, 1999, p.6).

A fim de demarcar a discussão, é importante registrar que Sguissardi (2006)

caracteriza os anos de 1995 a 2002 do Governo de FHC como marcados pela continuidade

administrativa do Governo Collor, tanto na esfera da economia, como na da educação.

Para o autor, naquela época, o país ocupava uma inserção subalterna à economia

global e o que se denominou de modernização conservadora, iniciada com o governo de

Collor (1990-1991), seguiu-se no de Itamar Franco (1992-1994), e recrudesceu no de FHC

(1995-2002). O autor pontua que, no governo de FHC, foi efetivada uma série de ajustes

estruturais e fiscais ou de reformas orientadas para o mercado (SGUISSARDI, 2006).

E, ao aproximar a discussão um pouco mais de nossa época atual, destacamos que,

segundo Leher e Sader (2006), o Partido dos Trabalhadores (PT) havia sido o principal

partido de resistência aos projetos neoliberais. Porém, ao chegar ao governo, sua posição

foi redefinida em relação às reformas e ao próprio conceito de reforma.

Lula passou a defender as “reformas”, aderindo ao projeto de FHC e

jactando-se de ter a coragem de realizar o que seu antecessor não tinha

conseguido – tomando a reforma da previdência como caso concreto –

sem levar em conta a oposição anterior do PT a essas reformas, nem que

se trata de contra-reformas, mercantilizantes e que acarretariam no

enfraquecimento do setor público. Houve dirigentes do PT que chegaram

a explicitar que o PT se opunha às reformas de FHC simplesmente porque

era oposição, o que significa a adesão a reformas “consensuais” nas elites,

agora no governo (LEHER; SADER, 2006, p. 10).

Sguissardi (2006) também aponta que houve muito mais continuidades que rupturas

entre os governos de FHC e de Lula, tanto no campo da economia e da administração

pública como da educação superior.

Page 50: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

50

Mancebo (2007a) ratifica tal afirmação ao pontuar que, tanto no campo da

educação superior, como no macroeconômico, nenhuma grande ruptura pôde ser

visualizada no Governo Lula em relação às políticas anteriores, pois,

o que se constata é a continuidade das teses postuladas e praticadas pelo

governo Fernando Henrique Cardoso e pelos organismos financeiros

multilaterais, pois, dentre outros aspectos, a reforma em curso não escapa

de uma concepção privatista da educação superior, seja por certas

garantias dadas às IES privadas ou ainda pela privatização interna das

universidades públicas ( MANCEBO, 2007a, p.119).

O Projeto de Lei n. 7.200 de 200617 dispõe sobre a reforma da educação superior do

País. No momento, encontra-se na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, onde, na data

de 31/01/2011, teve encerrada a Comissão Especial, em razão do término da Legislatura,

conforme o disposto no inciso II do art. 22 do RICD. Para Sguissardi (2006), se aprovado,

o projeto não conterá toda a reforma, “além de tratar-se de um processo, que se desdobra

desde o início do governo Fernando Henrique Cardoso”. (p. 1022). O autor também

assinala que, com a aprovação deste, as mudanças que poderão ser provocadas na

orientação da reforma da educação superior estarão muito aquém do que se poderia esperar

do proposto pelo Plano do Governo Lula para o período 2002-2006.

É importante destacar que este é o cenário atual que o serviço público, e, mais

detidamente, que as Universidades Federais vivenciam. Desta forma, ao se discutir e

problematizar a implementação de qualquer Política, tal contexto deverá ser considerado.

Diante de toda discussão realizada, e a partir dos elementos elencados, entendemos

ser possível compreender minimamente as transformações vivenciadas no serviço público

brasileiro ao longo das décadas, como também identificar seus desdobramentos, não

apenas na sociedade, mas naqueles que fazem a máquina pública funcionar.

Observamos, assim, que tais transformações têm se dado através de um

imediatismo espantoso, restando, a cada um de nós e aos contextos que nos cercam e nos

quais estamos inseridos (social, econômico, tecnológico, etc), uma adaptação constante e

sem fim. E, dessa maneira, o serviço público tem sido convocado a acompanhar e se

adaptar a este cenário com celeridade.

Acerca das reformas, observa-se, por exemplo, como aponta Silva (2005), que a

reforma administrativa não é um fenômeno brasileiro, mas algo que acontece como uma

17

Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=327390.

Acesso 11 de julho de 2012.

Page 51: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

51

experiência universal, que vem sendo adotada em diversas partes do mundo, sobretudo

face às mudanças impostas pela globalização, que impõe a construção de uma nova ordem

mundial.

Ou seja, podemos inferir que estar referenciados a outras experiências tem sido uma

constante em nossa história. Não que tenhamos o entendimento de que nossas políticas

devam ser pensadas desconectadas do que acontece no mundo, entretanto, devemos estar

atentos, pois possuímos características e uma história diversa dos demais países, e, sermos

convocados a todo instante a nos adaptar às transformações sociais, políticas e econômicas

que ocorrem mundialmente, e nos deixarmos capturar por esta lógica, pode não ser o

melhor caminho.

E, assim, a fim de retomar a questão inicialmente proposta neste trabalho, temos

observado que acerca do atual fenômeno da Gestão por Competências, as justificativas

apontam para uma necessidade constante de que as organizações tenham em seus quadros,

trabalhadores capacitados para responderem quaisquer demandas que lhes sobrevenha.

Ocorre que, a esfera pública, à margem dessa demanda durante muitos anos e

mesmo possuindo natureza e objetivos diversos do âmbito privado (pequenas, médias e

grandes empresas), tem sido convocada no contemporâneo a adequar-se a tal lógica, pois,

para alguns autores,

Os acontecimentos que marcaram os últimos anos no cenário mundial

revelam um diagnóstico cambiante. Fatos políticos e econômicos

elucidam mudanças recentes que incidem no desempenho de mercados e

sociedades e, consequentemente, das organizações, tanto públicas quanto

privadas [...]. É nesse mosaico de mutações que emerge a gestão por

competências como estratégia de eficácia organizacional, articulando o

desenvolvimento humano e social dos trabalhadores com as necessidades

da gestão organizacional. (SILVA; MELLO, 2011, p.167)

A esse respeito, no ano de 2009, o então Ministro do Planejamento, Orçamento e

Gestão, Paulo Bernardo Silva, afirmou que o crescimento que o Governo Lula havia

almejado e estava alcançando pressupunha servidores aptos para lidar com novas questões

que antes não eram apresentadas. Segundo o Ministro, “novos tempos pressupunham

novos desafios e, portanto, novas competências, e para isso nós deveríamos estar

preparados”. (BRASIL, 2009, p.17).

Chanlat (2002) postulou a esse respeito que neste novo ambiente,

O funcionário deve ser ao mesmo tempo competitivo e eficiente e dispor

das mesmas aptidões que os empregados do setor privado, e nesse novo

Page 52: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

52

modelo de gerenciamento público, a gestão do setor público deve ser

similar à do setor privado (CHANLAT, 2002, p.2).

Entretanto, tal argumento não se sustenta por si só, havendo estudiosos, como já

visto neste texto, que colocam em discussão a implantação no âmbito público de diretrizes

e pressupostos aplicados à esfera privada. Neste sentido, alguns autores questionam,

inclusive, a aplicabilidade e adaptação da gestão por competências no serviço público

(VIEIRA; BERGIANTE; SILVESTRE, 2010).

Nesta pesquisa, tentaremos reconstruir essas questões através da Ergologia, da

Ergonomia da Atividade e também da Análise Sociológica de Philippe Zarifian. E, ao

aproximarmos nossa discussão do cenário das IFES, levaremos em conta a peculiaridade

deste segmento, que tem como objetivo a produção de valores do bem comum, os quais

não podem ser dimensionados a partir de valores mercantis.

Compreendemos que essas e outras questões norteiam a construção deste trabalho e

buscaremos contribuir para uma análise crítica acerca da implementação da gestão por

competências no âmbito do serviço público, e em especial nas IFES.

Buscaremos levar em conta o discurso que sustenta os interesses da administração

pública, mas, também aqueles que sustentam os interesses dos trabalhadores, tendo como

certo que, através do ponto de vista da atividade, tais interesses tendem a se tornar

inseparáveis, e não divergentes.

Nos capítulos seguintes, através de alguns fios condutores, pretendemos ter como

diretriz “o ponto de vista da atividade” a fim de estreitar o debate acerca da gestão por

competências no âmbito do serviço público.

Page 53: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

53

2. ALGUNS FIOS CONDUTORES PARA O DEBATE DAS COMPETÊNCIAS

Uma atividade industriosa jamais é simples,

jamais é puro encadeamento de normas,

e procedimentos, pensados anteriormente,

e sem a pessoa que vai trabalhar,

porque isso é simplesmente impossível e

ao mesmo tempo muito difícil de ser vivido

(Yves Schwartz)

O debate sobre as competências tem sido pauta frequente nas discussões acerca do

trabalho, já que, no presente, vivenciamos um discurso sobre a necessidade de

trabalhadores cada vez mais capacitados a fim de dar conta das exigências do mercado de

trabalho. No contexto do serviço público brasileiro, por exemplo, como já pontuado neste

estudo, há o entendimento de que para o país alcançar melhorias é crucial voltar o olhar

para o servidor investindo em sua capacitação para os desafios contemporâneos

(AMARAL, 2006).

Entretanto, é imprescindível considerar, e através da Ergologia podemos fazê-lo,

que, para discutir o fenômeno das competências, é necessário nos apropriar do sentido que

comporta a expressão trabalho.

Entendida como uma postura ético epistemológica que emergiu na França no final

dos anos de 1970 e 1980, e tendo em Yves Schwartz seu principal expoente, a ergologia

tem a ergonomia da atividade como sua precursora. Esta última surgiu oficialmente na

Inglaterra, no fim da Segunda Guerra Mundial com a criação, em 1948, da Research

Ergonomics Society. Na época, engenheiros, psicólogos e fisiologistas se debruçavam

sobre o remodelamento de aviões de caça ingleses. Ocorre que, em decorrência da

diversidade das práticas em ergonomia, adota-se uma distinção entre duas vertentes: a) a

ergonomia anglo-saxônica, denominada ergonomia dos fatores humanos, em que o foco de

intervenção está na relação entre o homem e seu posto de trabalho, e as disciplinas

(antropometria, biomecânica, etc) são utilizadas para estudar as características dos

instrumentos, dos objetos com vistas a adequá-los ao trabalhador; e b) a ergonomia franco-

Page 54: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

54

belga, também denominada de ergonomia da atividade, ou ergonomia situada, que rompe

com os estudos realizados até então nos laboratórios, sendo suas intervenções realizadas

nas situações concretas de trabalho. Através desta abordagem, o modelo taylorista foi

colocado em xeque e, ao contrário do pressuposto taylorista de que o homem deveria se

adaptar ao trabalho, a ergonomia da atividade propõe que o trabalho é que deve ser

adaptado àquele que trabalha18

.

Ocorre que a Ergologia, ao apropriar-se da premissa mais básica da Ergonomia da

Atividade – a aprendizagem do olhar sobre o trabalho –, busca ultrapassar alguns de seus

limites, pois, conforme apontado por Schwartz (2011), a ergonomia apesar de ser múltipla,

é por vezes limitada, já que não se apropria dos desafios que traz a lume.

E, assim, a fim de ampliar seu foco de intervenção, tendo como herança da

ergonomia da atividade o entendimento de que cabe ao pesquisador voltar seu olhar para a

necessidade de transformar as situações de trabalho, priorizando a escuta daquele que

trabalha, a Ergologia abre ao máximo o ângulo de análise sobre todas as dimensões da

atividade humana; dentre elas, a atividade de trabalho (ATHAIDE; BRITO, 2011).

Louis Durrive (2010), outro teórico referência da ergologia, traz uma definição

clara e sintética sobre a ergonomia e a ergologia. O autor nos esclarece que o prefixo ergo

vem de uma palavra grega que significa “ação, trabalho e obra”, apontando para a energia,

para a vitalidade daquele que trabalha, em que a ênfase não estaria no trabalho visto por

uma pessoa exterior. Assim, sob essa ótica, o pesquisador se colocaria, tanto quanto

possível, do ponto de vista daquele que trabalha. E, nesse contexto, o foco recairia sobre a

relação que a pessoa estabelece com o meio no qual ela está engajada. Partindo desse

pressuposto, a ergonomia examina a relação entre o homem e o meio, sob o ângulo da

saúde, e a ergologia ampliaria este exame, interessando-se pelos saberes construídos e

pelas competências desenvolvidas pelo homem, enquanto produtor – o que, aliás, continua

no eixo da saúde no trabalho.

Neste sentido, ao compreender o trabalho como uma “atividade industriosa” que

envolve sempre um debate de normas, a Ergologia nos dá algumas pistas de que, para

propormos um debate fecundo acerca das competências, será necessário irmos além

daquilo que está dado. Ou seja, será necessário compreender que trabalhar é sempre se ver

18

Ferreira (2008) e anotações de aula em 04/12/12 com Prof. Hélder Muniz, no Programa de Pós Graduação

em Psicologia da UFF.

Page 55: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

55

com um constante debate de normas e valores, e que o trabalho não é apenas prescrição ou

realização de tarefas, o que acreditamos ser algo, no mínimo, inovador.

Assim, para ampliar nosso entendimento acerca da questão, cabe explicitar que a

atividade de trabalho, ao ter como matriz a atividade humana, possui uma de suas

características mais elementares, que se refere ao fato de estar sempre em negociação de

normas. Ocorre que essas normas são anteriores à própria atividade, e, qualquer que seja a

situação, haverá sempre uma negociação instaurada. E, ao transportar este entendimento

para uma situação de trabalho, é preciso compreender que, em tal contexto, o trabalhador

tentará mais ou menos recompor em parte seu meio de trabalho em função do que ele é, e

do que ele desejaria que o universo que o circunda fosse.

Tal concepção, oriunda da filosofia da vida de Georges Canguilhem, é utilizada por

Schwartz (2010), que a aplica aos meios ou ambientes técnicos, dispondo que o meio é

sempre infiel, visto que jamais se repete de um dia para o outro, ou em uma situação de

trabalho para a outra. E, para lidar com tais infidelidades, o homem deverá geri-las através

de suas próprias capacidades, de seus próprios recursos e de suas próprias escolhas,

fazendo um “uso de si”, a propósito da tendência de cada um sempre renormatizar seu

meio de vida e seu meio de trabalho. Nesse sentido, gerir as infidelidades do meio significa

“viver”, já que, ao ser vivo, não é possível estar submetido unicamente ao registro das

normas, de imposições, de regras, e de execução de instruções, pois isso seria patológico

(Canguilhem, 2010). E, assim, a vida se apresentaria sempre como uma tentativa de criar-

se parcialmente.

O parágrafo anterior deixa margem para incluirmos em nosso debate alguns

elementos fundamentais, fios condutores que, subsidiarão uma reflexão cuidadosa e crítica

sobre o fenômeno das competências no contexto das IFES. Cabe sinalizar, entretanto, que

tais elementos, conceitos importantes para a ergonomia e, por conseguinte, para a

ergologia, não se encontram fechados, existindo um interessante debate sobre os mesmos.

Aqui, não nos deteremos nas diferenças teóricas existentes e optamos por enriquecer esta

discussão com autores que minimamente se coadunem com tais conceitos.

Quando falamos, por exemplo, que o trabalho não é apenas prescrição ou realização

de tarefa, precisamos compreender a distinção que os ergonomistas realizaram acerca do

trabalho prescrito e trabalho real.

Vimos que, nos idos anos de 1960, a ergonomia, a partir de estudos realizados no

chão das fábricas, tendo como foco a análise da organização científica do trabalho, ou seja,

Page 56: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

56

do taylorismo, debruçou-se não apenas sobre o conceito de trabalho prescrito, mas,

também sobre o conceito de trabalho real.

Entendemos a importância de trazer estes conceitos para a discussão, pois, apesar

do taylorismo e do fordismo terem sido colocados em xeque, há contextos em que ainda se

conservam características que impedem que o trabalhador seja visto para além de um

“tarefeiro”.

Schwartz (2010), a esse respeito, ao responder a questão se o taylorismo acabou,

afirma que esta não é uma questão que tenha uma resposta simples, pois, para o autor, “é

preciso continuar analisando caso a caso, aprendendo com as situações, sendo este um

desafio muito importante” (Schwartz, 2010, p.37). Sem nos determos no problema

apontado, cabe situar que o marco na relação estabelecida pelo trabalhador com sua

atividade, na época do taylorismo, foi o fato deste paradigma entender o trabalhador como

um mero executor de tarefas, desprovido de qualquer necessidade de pensar sobre sua

atividade, sendo implementada uma distinção clara entre aqueles que pensavam e

planejavam o trabalho e aqueles que o executavam.

Frederick Taylor acreditava que o sistema de organização de trabalho anterior ao

taylorismo tinha como traço o fato de que o bom êxito dos processos de trabalho

dependiam da iniciativa do operário, o que raramente se alcançava. E, através da aplicação

de sua teoria, inicialmente em seu próprio ambiente de trabalho, ocorre a difusão em larga

escala de seu “sistema” nos diversos ramos industriais de vários países do taylorismo,

especialmente com o advento das guerras mundiais. A administração científica, como ficou

conhecida, consistia no estabelecimento de uma divisão de responsabilidade e tarefas, na

qual, aos executores de um determinado trabalho, eram delegadas apenas atividades

estritamente necessárias à execução desse trabalho, a partir de moldes extremamente

rígidos, no que fazia referência a gestos físicos, operações intelectuais e conduta pessoal. O

estabelecimento prévio deste trabalho se dava através do estudo, do planejamento e de uma

definição formal, a cargo de outros trabalhadores, responsáveis pelo planejamento. Ao

gerente, nessa nova configuração, cabia a função de reunir todos os conhecimentos

tradicionais que no passado possuíram os trabalhadores, a fim de classificá-los, reduzi-los a

normas, leis e fórmulas que fossem úteis aos operários a fim de controlar o ritmo do

trabalho e intensificá-lo, com vistas a aumentar a extração da mais-valia (PINTO, 2010).

Page 57: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

57

É nesse contexto que a ergonomia cunha os conceitos de trabalho prescrito e real,

pois, considerando as prescrições, as normas, os procedimentos aos quais os trabalhadores

deveriam estar submetidos, os pesquisadores atentaram para o fato de que aquilo que havia

sido planejado antecipadamente sofria alterações. Dito de outra forma, havia uma distância

entre o que era prescrito e o realizado.

Apesar de o nosso objeto de estudo não versar sobre o trabalho em fábricas ou

indústrias, esse entendimento pode ser transportado para o ambiente laboral das IFES, pois,

nesse contexto, também existe uma distância entre o trabalho que é solicitado e aquele que

é realizado. Ao pensar, por exemplo, na condição dos servidores públicos, lotados nas

inúmeras universidades públicas espalhadas pelo Brasil, cada qual com diversos cargos e

determinadas atribuições, que vale ressaltar não se restringem às prescritas no PCCTAE,

como poderíamos pensar a atividade desses trabalhadores, que também comporta uma

distância entre o que é prescrito do que é realizado?

Os órgão públicos da esfera federal possuem, hoje, a tarefa de se adequar ao

Decreto 5.707 de 2006, com vistas a implementar a política de gestão por competências.

Porém, partimos do pressuposto de que, para uma Política de Gestão baseada nas

competências ser implementada, é imprescindível compreender a(s) atividade(s) de

trabalho presente(s) em um dado contexto19

.

E para compreender o que é uma atividade de trabalho, carecemos da apresentação

de alguns conceitos fundamentais. Nesse sentido, em um primeiro momento podemos

explicitar o conceito de tarefa. Este, a partir de Leplat (2005), indica o que se deve fazer

relacionando-se com a ideia de prescrição ou de obrigação, sendo definido como um

objetivo a alcançar em determinadas condições.

Ocorre que, em geral, as pessoas, quando solicitadas a descreverem sua atividade

de trabalho, apresentam a tarefa que realizam, ou seja, os resultados que deverão ser

obtidos. Por esse motivo, cabe esclarecer que a tarefa refere-se a um resultado antecipado,

fixado dentro de condições determinadas, e, apesar de manter relação estreita com o

trabalho, através das condições e dos resultados deste, a tarefa não apresenta as condições

19

Apoiados pela Ergologia e considerando ser a discussão sobre a atividade de trabalho o ponto nodal de

nosso estudo, apresentaremos, em capítulo específico, algumas perspectivas e metodologias que tem

embasado a implementação da gestão por competências no serviço público, o que nos dará elementos para

uma reflexão sobre o modus operandi pela qual os processos de implementação têm sido concebidos.

Page 58: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

58

que de fato emergem em um dado contexto, como também não tem, no resultado

antecipado, o resultado efetivo do trabalho (GUÉRIN et al, 2001).

Acrescentamos, ainda, que a tarefa não é o trabalho, mas o que é prescrito pela

organização ao trabalhador com o objetivo de reduzir ao máximo o trabalho improdutivo e

otimizar o produtivo, e que visa especificar as características dos elementos presentes em

uma situação de trabalho, estando ligada à necessidade de estabelecer métodos de gestão

que permitam definir e medir a produtividade.

Ocorre que, geralmente, a tarefa não leva em conta as particularidades do

trabalhador, tampouco ão pouco, o que eles pensam sobre as “orientações” dadas, e, sendo

tal prescrição externa, acaba por determinar e constranger a atividade de trabalho, já que é

imposta ao trabalhador, que deve segui-la. Entretanto, é preciso considerar a prescrição

indispensável para que o trabalhador atue, já que, ao determinar a atividade, ela também o

autoriza (GUÉRIN et al, 2001).

Brito (2008), ao considerar tarefa e trabalho prescrito com o mesmo sentido,

assinala que a prescrição tem um papel importante no desenvolvimento das atividades, já

que sua ausência, ou a não definição clara dos objetivos, de instruções e de determinados

instrumentos de trabalho, compromete significativamente o desenvolvimento das

atividades e a saúde do trabalhador.

Já Telles e Alvarez (2004) entendem o trabalho prescrito como um conjunto de

condições e exigências através das quais o trabalho deverá ser executado, e incluem, dessa

maneira, dois componentes básicos: as condições determinadas de uma situação de

trabalho e as prescrições. As condições determinadas de uma situação de trabalho podem

ser as características de um dispositivo técnico, um ambiente físico, a matéria-prima, e as

condições socioeconômicas; já as prescrições são referidas às ordens emitidas pela

hierarquia aos procedimentos definidos para a realização do trabalho, as normas técnicas, e

de segurança a serem seguidas, aos objetivos explicitados aos trabalhadores em termos de

qualidade, prazo e produtividade (TELLES; ALVAREZ, 2004).

Conforme veremos adiante, uma das contribuições da Ergologia refere-se ao

conceito de normas antecedentes utilizado para ampliar as noções de trabalho prescrito.

Com tal proposição, a Ergologia, mesmo nutrindo pela ergonomia respeito e valorização,

incide sobre ela, buscando interferir e colaborar para seu movimento e desenvolvimento,

Page 59: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

59

trazendo a lume elementos não contemplados (ATHAYDE; BRITO, 2011; TELLES;

ALVAREZ, 2004).

Contudo, Telles e Alvarez (2004) afirmam que tanto o conceito de trabalho

prescrito quanto a expressão normas antecedentes apontam ao que é dado, exigido,

apresentado ao trabalhador antes do trabalho ser realizado. As autoras ressaltam que não há

diferença de natureza entre ambas, mas consideram a noção de normas antecedentes mais

abrangente que o conceito de trabalho prescrito e trazem como proposta pensar este último

a partir das normas antecedentes.

Importa considerar que, segundo Schwartz (2011), as normas antecedentes

incluiriam as normas criadas pelos próprios trabalhadores, e não apenas àquelas criadas

pelas chefias, e, no intuito de dar um contorno à expressão, registramos que para este autor:

No trabalho mercantil, as normas antecedentes estão mais próximas do

trabalho como prescrições, procedimentos, constrangimentos, relações de

autoridade, de poder, mas também os saberes científicos, técnicos, as

regras jurídicas, as experiências capitalizadas, tudo o que antecipe a

atividade futura de trabalho, antes mesmo que a pessoa tenha começado a

agir. As ‘renormalizações’ são as múltiplas gestões de variabilidades, de

furos das normas, de tessitura de redes humanas, de canais de transmissão

que toda situação de trabalho requeira, sem, no entanto, jamais antecipar

o que elas serão, na medida em que essas renormalizações são portadas

por seres e grupos humanos sempre singulares, em situações de trabalho,

elas mesmas, também sempre singulares (SCHWARTZ, 2011, p.34).

E isso se dá porque uma atividade de trabalho é sempre o lugar, mais ou menos

infinitesimalmente, de reapreciação, de julgamentos sobre os procedimentos, quadros, e

objetos do trabalho, com debates frequentemente invisíveis, e sustentados em, primeiro

lugar, sobre as normas operatórias, mas sem descontinuidade com as normas de vida que

todo meio histórico veicula como misto de valores consensuais e valores contraditórios

(SCHWARTZ, 2011).

Ocorre que as renormatizações anteriormente citadas irão remeter para o esforço de

antecipação, diante da confrontação, com o real, único e singular, em que a gestão das

defasagens pela atividade de trabalho é uma manifestação vital. Constatar que os

trabalhadores se apropriam das normas, mascaram, transgridem, jogam com elas

inventando novas normas, renormalizando permanentemente, significa que há vida. E,

assim, é preciso entender a renormatização como um retrabalho permanente das normas

antecedentes e uma produção de normas na própria atividade (DURAFFOURG, 2010).

Page 60: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

60

E todo esse movimento realizado se dá frente à confrontação com o real, ou seja,

com aquilo que o trabalhador se depara ao colocar em prática sua atividade, mesmo

seguindo normas, procedimentos e prescrições. Ao colocar em prática tal atividade, é o

trabalho real que estará em cena. E este nunca será o trabalho esperado, fixado por regras e

por objetivos determinados, visto que inúmeras fontes de variabilidade estarão presentes ao

se colocar uma determinada tarefa em prática (ATHAYDE; BRITO, 2011; TELLES;

ALVAREZ, 2004).

Brito (2008) define o trabalho real como aquilo que é posto em jogo pelos

trabalhadores para realizar o trabalho prescrito, tratando-se de uma resposta às imposições

determinadas externamente, que são, ao mesmo tempo, apreendidas e modificadas pela

ação do próprio trabalhador. Ou seja, uma situação real de trabalho sempre será diferente

daquilo que foi antecipado pelo prescrito, e as diferenças entre o que é demandado a um

trabalhador e o que se passa na realidade deverão ser geridas. E, por isso, trabalhar será

também gerir tais defasagens que são continuamente renovadas.

Para Duraffourg (2010), o que é da ordem do real é dificilmente visto e expresso e,

dessa maneira, a atividade de trabalho será sempre enigmática e analisá-la significa se

confrontar com este enigma. Mas, para esse exercício, será fundamental estar do lado e ao

lado do trabalhador para que este verbalize sua atividade, compreendendo, entretanto, que

não será possível tudo verbalizar. Ou seja, analisar o trabalho será fazer com que o

trabalhador nos ensine sua atividade, sem nos dar respostas prontas. Será compreender que

somente no contato com este trabalhador poderemos nos inteirar de como o mesmo

trabalha, e também dos meios que dispõe para fazê-lo a fim de alcançar o ponto de vista da

atividade.

Esse entendimento torna-se imprescindível para o nosso debate e carece de ser

enriquecido com o conceito de atividade que, a partir de Guérin et al. (2001), apresenta-se

em oposição à inércia, além de ser definido como o conjunto de fenômenos fisiológicos,

psicológicos e psíquicos que caracterizam o ser vivo no cumprimento de atos que resultam

de um movimento do conjunto de um homem, com seu corpo, pensamento, desejos,

representações e história.

Mas, vimos também, com Leplat e Hoc (2005), a definição de atividade como tudo

o que o indivíduo põe em jogo para responder a uma dada tarefa, sendo esta fundamental

para se analisar a atividade. A atividade estaria, então, remetida para aquilo que o

Page 61: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

61

indivíduo põe em jogo ao executar as prescrições que recebe e ao cumprir suas obrigações.

Importa considerar que estes autores realizam uma distinção entre tarefa prescrita e efetiva

e definem a primeira como o que se espera do indivíduo, e a segunda, como o que o

trabalhador efetivamente faz, representando o objetivo e as condições efetivamente

interiorizadas pelo sujeito, sendo desse modo, do domínio do subjetivo. A tarefa efetiva

constituiria, assim, um modelo de atividade, diferenciando-se dela.

Schwartz (2005; 2006), ao trabalhar mais detidamente a expressão atividade,

aponta que os ergonomistas da atividade se apropriaram do referido conceito no início dos

anos de 1980, quando oriundo da psicologia soviética – sendo Vigotski e Leontiev as

principais referências. Trata-se de uma herança de Marx, que também já o havia trabalhado

a partir de Hegel e Kant.

Schwartz (2004) afirma ser o conceito de atividade desajeitado, impreciso, estigma

de um pensamento em busca de seu rigor. O autor assinala que o referido conceito teve sua

época de ouro na filosofia, de E. Kant, no final do século XVIII, a Marx, quando era

designado pelo termo alemão “Tätigkeit”, que, apesar de não apresentar uma definição

para atividade, aponta três características essenciais para a expressão, as quais foram

incorporadas na Ergologia (SCHWARTZ, 2005), sendo descritas a seguir:

A transgressão: pois nenhuma disciplina, nenhum campo de práticas pode

monopolizar ou absorver conceitualmente a atividade, já que ela atravessa o

consciente e o inconsciente, o verbal e o não verbal, o biológico e o cultural, o

mecânico e os valores.

A mediação: já que a atividade impõe-nos dialéticas entre todos estes campos,

assim como entre o “micro” e o “macro”, o local e o global.

A contradição (potencial): visto que a atividade é sempre o lugar de debates, com

resultados sempre incertos entre as normas antecedentes enraizadas nos meios de

vida e as tendências à renormalização resingularizadas pelos seres humanos.

Tendo como legado as postulações de Kant sobre o termo, Schwartz (2005) aponta

que a atividade seria primeiramente o que indica a contribuição ao ato de conhecer, de

faculdades completamente heterogêneas, e, portanto, cuja cooperação é no sentido próprio

indescritível, inconceitualizável, ou seja, designaria aquilo que é inalcançável.

Page 62: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

62

Mais recentemente, Durrive e Schwartz (2008) definiram atividade como um

impulso de vida e de saúde, sem limite predefinido, que sintetiza, cruza e liga tudo o que se

representa separadamente: o corpo e o espírito; o individual e coletivo; o fazer e os valores;

o privado e o profissional; o imposto e o desejado; etc.

Não podemos esquecer, também, a influência de Canguilhem (2010) sobre estes

autores, quando propõe que a saúde não é igual à normalidade, tendo relação, sim, com a

capacidade normativa do ser vivente, de modo que, para a promoção da saúde dos

trabalhadores, é vital que os mesmos produzam suas próprias normas para trabalhar.

É importante compreender que, para a Ergologia, a atividade é a matriz da história

humana, devendo ser estudada no fluxo das situações concretas, sendo concebida através

da orientação de um universo instável de valores e normas, constantemente reformulados e

transgredidos diante de diferentes variabilidades. Assim, a atividade, ao exigir um debate

perpétuo de experiências e conceitos, é responsável por uma aprendizagem permanente das

normas e valores, projetando o ser vivente a um constante processo de conhecimento-

transformação da sua atividade (BENDASSOLLI; SOBOLL, 2011).

E, nesse sentido, o conceito de atividade de trabalho, compreendido como uma das

dimensões da atividade humana, é apontado por Telles e Alvarez (2004) como um conceito

que ainda está em definição, mas que se configura na maneira pela qual as pessoas se

engajam na gestão dos objetivos do trabalho, num lugar e num tempo determinados,

servindo-se dos meios disponíveis ou inventando outros meios20

.

Ocorre que, ainda que haja certa confusão entre as expressões, a atividade de

trabalho não pode ser reduzida a prescrição de tarefas, pois, é preciso atentar que o

trabalho é de fato “tomada de iniciativa para fazer o sistema funcionar”, compreendendo a

gestão de acasos de toda ordem, a antecipação, a gestão simultânea de vários horizontes

temporais e ainda, ao mesmo tempo, compreendendo atividade individual singular e

atividade coletiva, e, para tanto, de comunicação (ROUILLEAULT, 2001).

Outra definição dada ao conceito de atividade de trabalho é trazida por Bendassolli

e Soboll (2011), que afirmam ser a atividade de trabalho um encontro de encontros através

de combinações renováveis e interfaces ressingularizadas entre os meios técnicos, os

objetos técnicos e os humanos no trabalho.

20

A atividade de trabalho, para a ergonomia, consiste na realização do trabalho prescrito, considerando-se as

restrições e as vantagens dispostas pelas variabilidades.

Page 63: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

63

Cabendo atentar, também, conforme observam Guérin et al., (2001), que a

atividade de trabalho é o elemento central que organiza e estrutura os componentes da

situação de trabalho, sendo uma resposta aos constrangimentos determinados

exteriormente ao trabalhador. Ela unifica a situação de trabalho, pondo em ação e

organizando as dimensões técnicas, econômicas e sociais do trabalho que só existem em

função da própria atividade de trabalho.

E, citando ainda Telles e Alvarez (2004, p.72), a atividade, ampliando tal definição

para a atividade de trabalho,

É uma noção que deve ser associada à própria vida, já que para fazer a

gestão de seu trabalho, para fazer frente às variabilidades que incidem

sobre as diversas situações, e também para produzir sentido no trabalho, a

pessoa se engaja por inteiro, a cada momento, com seu corpo biológico,

sua inteligência, seu psiquismo, e os conhecimentos tomados no decorrer

de sua história e nas relações com os outros.

Importa demarcar que existe uma diferença entre a análise da atividade do trabalho

e a análise da situação de trabalho, na qual a atividade se inscreve. Uma análise da situação

de trabalho comporta os sistemas que solicitam a atividade, os procedimentos que a

autorizam e enquadram, além dos meios que a permitem, etc. O conhecimento da atividade

de trabalho necessariamente deverá estar articulado à situação de trabalho na qual ela se

desenvolve, do contrário, tal situação de trabalho será irrelevante (DURAFFOURG, 2010).

Podemos afirmar que, durante muito tempo, a atividade compreendida no conteúdo

do trabalho nunca foi foco nas relações sociais, principalmente após a emergência do

taylorismo. Entretanto, a partir do questionamento deste modelo de organização do

trabalho que se inicia na década de 1980, o conteúdo do trabalho se tornou uma questão

importante, ainda que, no contemporâneo, tenhamos práticas que remetam àquele

paradigma (GUÉRIN et al, 2001).

A Ergologia privilegia a atividade de trabalho, tendo por premissa que, para se

falar desta, é necessário conhecê-la de perto a fim de que seja constituído o ponto de vista

da atividade, levando em conta que será importante colocá-lo em diálogo com outros

pontos de vistas presentes em uma dada situação de trabalho (SCHWARTZ; DURRIVE,

2010).

Desse modo, é importante esclarecer que falar do ponto de vista da atividade não é

falar do “ponto de vista do trabalhador”, de sua opinião, pois, em um primeiro momento,

esta pode ser a ideia obtida; contudo, convém observar que atingir o ponto de vista da

atividade é difícil, pois ele comporta uma parte do trabalho e também do que se mobiliza

Page 64: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

64

para executá-lo, o que nem sempre se tem consciência totalmente. Dito de outra maneira, a

atividade pode envolver uma parte do trabalho que não é rotineira, e que só acontece uma

vez ou outra, e quando as situações inesperadas e os eventos acontecem, o trabalhador não

reflete sobre suas ações. Ou seja, existem dimensões da atividade de trabalho que o próprio

trabalhador não toma consciência21

.

Guérin, et al (2001) preconizam que, ao ter como norteador o ponto de vista da

atividade, deve-se ter a atitude constante de não considerar os elementos presentes em uma

dada atividade como inalcançáveis, ou seja, é necessário, analisá-los, questioná-los e

justificá-los para uma compreensão da atividade e, principalmente, de sua articulação com

o funcionamento de uma organização.

E, aqui, a relação que precisamos estabelecer com o debate sobre as competências é

de que, para realizá-lo, será fundamental falar da atividade, e, nesse sentido, da atividade

de trabalho. Contudo, o que tem ocorrido, segundo Zarifian (2003), é que, atualmente, as

competências são pensadas para os cargos, desconsiderando o sujeito que trabalha e,

desconsiderando conforme aponta Schwartz (2010), a própria atividade de trabalho.

Tal afirmação pode ser corroborada a partir dos referencias teóricos que temos tido

contato durante nossa pesquisa. Temos visto que os “manuais” apresentam, de maneira

geral, metodologias práticas para, por exemplo, realizar o Levantamento de Competências

de uma dada empresa, de uma dada função, em que, a discussão da atividade passa ao

largo de tais intervenções.

Dessa maneira, o conceito de atividade torna-se fundamental, pois, como afirma

Schwartz (1998), a determinação das competências para o trabalho é um exercício

necessário e, ao mesmo tempo, uma questão insolúvel, pois, mesmo sendo uma questão

legítima, a busca de procedimentos ou grades descontextualizadas, codificáveis e

homogêneas é incompatível com a pluralidade de registros ou elementos que toda atividade

de trabalho tenta articular.

Compreendemos, diante do exposto, o quanto é fundamental, em qualquer

discussão sobre as competências, considerar a atividade de trabalho, levando em conta o

21

Atualmente, tem se somado aos dispositivos de pesquisa tradicionais (observação direta, indireta,

questionários, entrevistas, etc) outros mais, com o fim de se alcançar o ponto de vista da atividade. Podemos

citar a auto-confrontação cruzada e a instrução ao sósia. (Anotações de orientação com Prof. Hélder Muniz,

Nov de 2012, UFF). A esse respeito, Rouilleault (2001, p.14) afirma que, se não existe um bom modelo, bons

métodos existem, sobretudo para uma confrontação com múltiplos critérios de visões e para uma valorização

da atividade de trabalho.

Page 65: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

65

ponto de vista da atividade, e que, em qualquer dimensão da atividade humana, dentre elas,

a atividade de trabalho, ocorrem variabilidades e infidelidades do meio.

Nesse ponto, algumas indagações emergem, dentre elas: como pensar em

competências para um trabalhador, se, para cada situação, no “encontro dos encontros”,

tudo varia e se transforma, fazendo com que este trabalhador lance mão de competências

até então desconhecidas?

Como pensar, também, que, para uma determinada situação de trabalho, é possível

identificar as competências de uma função e mensurá-las? E, ainda, como mensurar

competências?

Exemplificando, como é possível chegar ao entendimento de que o trabalhador “X”

em uma escala de 0 a 5 tem um nível 3 da competência “iniciativa”, sendo necessário que o

mesmo atinja o nível 5, considerando que o real da atividade22

é algo que não se pode

antecipar e que o trabalho prescrito é sempre diferente do trabalho real, ou seja, do trabalho

que de fato é realizado?

Atualmente, observamos como algo naturalizado que as políticas de gestão de

pessoas adotam em suas metodologias de avaliação de desempenho o discurso das

competências atrelado à lógica da mensuração. Entretanto, utilizando-nos principalmente

da Ergologia, esperamos trazer para a discussão elementos que permitam uma reflexão

mais cuidadosa sobre essa questão.

Neste estudo, entendemos que a discussão não deve versar sobre a aplicabilidade no

serviço público da gestão por competências, mas se tal modelo considera ou não o ponto de

vista da atividade situada. Afinal, será que alguns modelos de gestão por competências não

seriam também ineficientes e danosos para o setor privado, ao desconsiderarem a

importância da variabilidade presente nas situações de trabalhos e o debate de normas e

valores necessários para uma gestão do trabalho real e não fictício?

Concordamos com Zarifian (2003), por exemplo, ao apontar que a emergência do

modelo de gestão por competências se encontra diante de um paradoxo, pois, embora ele

possa, em longo prazo, representar transformações profundas, suas bases práticas ainda são

22

Sobre esta questão, é preciso também ponderar, conforme apresentam Santos et.al (apud Borges, 2006, p.

71), que a tarefa para se ter acesso ao real da atividade não é simples, pois é preciso constituir espaços que

mobilizem uma relação de coanálise entre o formador e os trabalhadores, tornando-o conscientes de seus

saberes, já que questionários, entrevistas, e até a simples observação da atividade de trabalho ou solicitação

ao trabalhador para que ele descreva seu dia a dia, não facilitariam a verbalização dessa experiência, pois,

pode-se ficar restrito ao prescrito e a execução de uma dada atividade.

Page 66: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

66

frágeis, dado que alguns sistemas de gestão têm se caracterizado apenas como formas

modernizadas do modelo do posto de trabalho.

Realizar a discussão proposta neste estudo através do conceito de atividade é um

desafio. E, por esse motivo, é válido todo o esforço em ultrapassá-lo. Esperamos que nossa

empreitada chegue a termo, viabilizando reflexões que contribuam para um debate ainda

incipiente em nosso meio. Entendemos que nossa tarefa será cumprida ao adotarmos uma

postura de permanente desconforto intelectual, e, também, ao assumirmos que os conceitos

e abordagens teóricas estão sempre aquém da experiência, que se pode produzir conceitos e

sistematizações teóricas, desconfiando delas, questionando-as quando possível, para,

assim, criar conceitos que provoquem movimento no pensamento, que sejam úteis contra a

acomodação que algumas categorias começam a produzir (SILVA, 2012).

Page 67: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

67

3. O FENÔMENO DAS COMPETÊNCIAS: HISTÓRICO E DISCUSSÃO

O trabalho é infinitamente mais complicado do que

podemos imaginar. Mesmo que não tenhamos clareza,

o fato é que em uma atividade de trabalho mesmo

aquela que a primeira vista seria repetitiva, tende a

variar, pois nada é idêntico. É preciso considerar que

por trás de todo o gesto, toda atitude, por mais

simples que seja, é carregada de sensibilidade,

estratégia, inteligência, e de todo um saber-fazer

subestimado.

(Duraffourg)

3.1. Competência: origens do conceito

As mudanças ocorridas nos “cenários do trabalho” a partir do advento do trabalho

industrial abarcaram não apenas o estabelecimento de uma nova lógica entre a relação do

homem com o trabalho, mas também um novo entendimento acerca do próprio conceito de

trabalho.

Entendemos ser importante, ao iniciar este capítulo, uma contextualização sobre a

emergência do conceito de competências, visto ter este uma relação estreita nos cenários

do trabalho com as transformações ocorridas a partir da adoção do paradigma

taylorista/fordista.

Bardanachvili (2011, p.52), no livro “Mundo do trabalho e educação: o papel da

escola e a qualificação para o mercado”, problematiza a utilização de alguns conceitos

utilizados no contemporâneo, e aponta que, apesar de aparecerem como atuais, muitos

conceitos são antigos, trazidos de momentos históricos passados, e emergem como

“unívocos, politicamente neutros e consensuais.”

E, assim, ao trazer o conceito de competência para a discussão, Bardanachvili

(2011) aponta que seu sentido tem sido definido em função dos sujeitos que o utilizam e

Page 68: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

68

sua apropriação se dá de acordo com conveniências, com uma ênfase no indivíduo, em

detrimento do social.

Utilizado a época da Idade Média quando fazia referência a aspectos jurídicos,

relacionado à capacidade de apreciar e julgar questões, o conceito de competência passa a

ser utilizado “nos mundos do trabalho” com o advento da Revolução Industrial e a

emergência do taylorismo/fordismo, sendo seu uso acentuado nos anos de 1970, quando

passa a significar o desempenho de uma pessoa em determinada função.

Ocorre que a escola também se apropria do conceito de competência e, nos anos de

1990, o mesmo passa a nortear a organização curricular como expressão da lógica da

eficiência que invade as práticas pedagógicas, através de políticas educacionais, que

possibilitassem a escola adotar estratégias competitivas para alcançar sucesso com os

alunos. Segundo Bardanachvili (2011, p.52), “esta nova concepção de ensino tende a

secundarizar o conhecimento teórico e sua mediação pedagógica para dar lugar a uma

dimensão profissionalizante e utilitarista da educação.”

A esse respeito, Deluiz (2001) afirma que, na América Latina, o modelo das

competências surge no bojo das reformas educacionais, que por sua vez seriam parte do

conjunto de reformas estruturais no aparelho do Estado23

.

Cordão (2003), ao refletir sobre as diretrizes curriculares nacionais para a educação

profissional, definidas pelo CNE, aponta que, na medida em que a lógica da competência

passa a ser ordenadora da educação profissional brasileira, os conceitos de individualidade

e autonomia tornam-se foco do debate. Conforme dispõe o Parecer CNE/CEB n. 16/99,

pode-se dizer que alguém tem competência profissional quando:

constitui, articula e mobiliza valores, conhecimentos e habilidades para a

resolução de problemas não só rotineiros, mas também inusitados em seu

campo de atuação profissional. Assim, age eficazmente diante do

inesperado e do inabitual superando a experiência acumulada

transformada em hábito e liberando o profissional para a criatividade e a

atuação transformadora ( p.25).

23

Como já contextualizadas neste estudo tais reformas foram decorrentes do ajuste macroeconômico ao

qual os países latino-americanos se submeteram ao longo dos anos 90, e tiveram como objetivo superar a

inflação e a estagnação e retomar o crescimento econômico interrompido na década perdida de 80 (DELUIZ,

2001)

Page 69: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

69

Ainda de acordo com o referido Parecer, a competência não se limitaria ao

conhecer, visto que

envolve o agir numa situação determinada: não é apenas saber, mas saber

fazer. Para agir competentemente é preciso acertar no julgamento da

pertinência, ou seja, posicionar-se diante da situação com autonomia para

produzir o curso de ação mais eficaz. A competência inclui o decidir e

agir em situações imprevistas, o que significa intuir, pressentir arriscar

com base na experiência anterior e no conhecimento. Ser competente é

ser capaz de mobilizar conhecimentos, informações e até mesmo hábitos,

para aplicá-los, com capacidade de julgamento, em situações reais e

concretas, individualmente e com sua equipe de trabalho. Sem capacidade

de julgar, considerar, discernir e prever os resultados de distintas

alternativas, eleger e tomar decisões, não há competência (p.23-24).

Podemos atestar que o conceito das competências está presente em nosso cotidiano,

não apenas nas empresas, mas, como vimos, sendo norteador das políticas educacionais.

Por este motivo, uma discussão crítica que considere tal realidade torna-se fundamental a

fim de que o debate não seja naturalizado, pois entendemos que a lógica das competências

tem sido construída ao longo dos tempos com fins e propósitos bem definidos.

No âmbito do serviço público, por exemplo, já vimos que o discurso das

competências tem sido adotado a fim de dar conta das exigências do capital, e toda a

ideologia utilizada na esfera privada para referendar conceitos como eficácia, eficiência

inovação, qualidade, produtividade, agilidade, dentre outros, tem sido incorporada

também na esfera pública.

Nosso intuito a seguir é apresentar de maneira sucinta os pressupostos de algumas

teorias de língua inglesa e francesa, como também referenciar alguns autores brasileiros no

que diz respeito ao debate das competências a fim de possibilitar ao leitor uma

compreensão mínima sobre os pilares nos quais tem se sustentado a lógica das

competências no setor público.

Page 70: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

70

3.2. O debate das competências no setor público brasileiro: os pilares a fundamentar

a questão.

Desde o ano de 2006, o governo federal, através do Decreto 5.707 de 23 de

fevereiro, reconhece como o modelo de gestão de pessoas, referência-chave para o setor

público, aquele que tende a promover a gestão por competências. A partir de então, cada

órgão público está com a missão de “avaliar, validar e fazer evoluir as competências de

seus servidores.” (AMARAL, 2006, p. 554).

O referido documento preconiza, em seu Artigo 1°, que fica instituída a Política

Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, a ser implementada pelos órgãos e entidades da

administração pública federal direta, autárquica e fundacional, com as seguintes

finalidades: I) a melhoria da eficiência, eficácia e qualidade dos serviços públicos

prestados ao cidadão; II) o desenvolvimento permanente do servidor público; III) a

adequação das competências requeridas dos servidores aos objetivos das instituições, tendo

como referência o plano plurianual; IV) a divulgação e gerenciamento das ações de

capacitação; V) e a racionalização e efetividade dos gastos com capacitação.

Já em seu Art. 2°, são definidos os conceitos de “capacitação”, “gestão por

competência” e “eventos de capacitação” (Brasil, 2006) da seguinte forma:

I - capacitação: processo permanente e deliberado de aprendizagem, com o propósito de

contribuir para o desenvolvimento de competências institucionais por meio do

desenvolvimento de competências individuais;

II - gestão por competência: gestão da capacitação orientada para o desenvolvimento do

conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias ao desempenho das funções

dos servidores, visando ao alcance dos objetivos da instituição e;

III - eventos de capacitação: cursos presenciais e à distância, aprendizagem em serviço,

grupos formais de estudos, intercâmbios, estágios, seminários e congressos, que

contribuam para o desenvolvimento do servidor e que atendam aos interesses da

administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Page 71: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

71

Observamos, conforme consta em publicação recente24

, que, no período de quase

uma década que precedeu à instituição do Decreto 5.707 de 2006, o governo federal

brasileiro direcionou seu olhar para a capacitação do servidor público, tendo tal fato

estreita relação com o processo de reforma administrativa iniciado no ano de 1995. Como

já vimos neste trabalho, dentre alguns objetivos propostos, a reforma preconizou a

modernização da administração burocrática à época vigente, através de uma política de

profissionalização do serviço público, calcada em uma cultura gerencial, baseada na

avaliação do desempenho.

Data, então, de tal época, o momento em que a Administração Pública Federal

passa a focar na qualificação dos servidores, encampando um processo de normatização da

participação destes em conferências, congressos, treinamentos e eventos similares,

inicialmente através do Decreto n°. 2.029 de 11 de outubro de 1996.

Posteriormente, com o Decreto n°.2.794 de 1998, é instituída a Política Nacional de

Capacitação dos servidores com a escolha das diretrizes para a capacitação; o

reconhecimento do servidor público ao longo de um processo de capacitação, entendido,

então, como permanente, faz-se presente. E, passada quase uma década, ocorre a edição da

Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, a qual tratamos aqui.

Desde então, o Governo Federal tem investido em publicações, na realização de

eventos, e de cursos de capacitação, com a finalidade de difundir a PNDP e

instrumentalizar os órgãos da administração pública federal para a adoção de ações que

incorporem a PNDP em seus respectivos contextos25

.

Neste sentido, no ano de 2012, ocorre a publicação do Guia da Gestão da

Capacitação por Competências nos órgãos da administração pública federal, elaborado

pelo MPOG. O documento visa oferecer um direcionamento para consolidar e uniformizar

os conceitos alinhados à PNDP na implantação da gestão por competências. Destinado a

24

Brasil (2012a). Guia da Gestão da Capacitação por Competências nos órgãos da administração pública

federal.

25

A ENAP oferece periodicamente cursos voltados para a PNDP, sendo esta a Escola que, em parceria com o

MPOG, tem disponibilizado inúmeras publicações com foco na Política. O site do Portal SIPEC (Sistema de

Pessoal Civil da Administração Pública Federal) é também uma referência para o assunto. Nele há uma

programação de Eventos voltados para a capacitação do servidor público federal, relacionadas, inclusive, à

gestão por competências. Para mais detalhes ver: http://www.enap.gov.br/ e

http://www.jusbrasil.com.br/topicos/713775/sistema-de-pessoal-civil-da-administracao-federal-sipec.

Page 72: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

72

gestores, servidores e colaboradores dos Órgãos integrantes da Administração Pública

Direta e Indireta, possui como principais objetivos (BRASIL, 2012a):

Nivelar e disseminar as referências conceituais da gestão da capacitação por

competências a todos os órgãos da Administração Pública Federal.

Divulgar em uma linguagem acessível os conceitos e metodologias já existentes

relacionados à gestão por competências.

Consolidar e uniformizar, na Administração Pública, os procedimentos para

mapear, diagnosticar e desenvolver as competências.

Fornecer subsídios aos Órgãos da Administração Pública para viabilizar a efetiva

implantação da gestão da capacitação por competências.

Entendemos a relevância de tal publicação pelo fato de ser atualmente um

instrumento referendado pelo Governo para a implantação de um sistema de capacitação

baseado na gestão por competências. O documento, seguindo a diretriz das publicações da

ENAP, explicita conceitos e procedimentos metodológicos destinados ao mapeamento,

diagnóstico e desenvolvimento de competências.

Entendemos ser importante apresentar a definição do termo competência contida na

PNDP. Com vistas a delimitar nosso campo de discussão, optamos neste estudo por

priorizar as publicações da ENAP no que diz respeito aos pilares que têm norteado o

debate acerca das competências no serviço público. Identificamos que o conceito de

competência contido na Política é produto da convergência de algumas perspectivas

encontradas na literatura, já que não há filiação a uma perspectiva teórica específica. A

definição para o termo que ora se apresenta faz referência a um “conjunto de

conhecimentos, habilidades e atitudes necessários ao desempenho das funções dos

servidores, visando ao alcance dos objetivos da instituição.” (BRASIL, 2006).

Carvalho et al. (2009) reconhecem a existência de dois grandes eixos que

encampam o debate sobre as competências: um representado, sobretudo, por autores de

língua inglesa e o outro, representado principalmente por autores de língua francesa. Esses

eixos são caracterizados por Kilimnik e Sant’anna apud Carvalho et al (2009, p.40) da

seguinte forma:

Page 73: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

73

A perspectiva inglesa define competências tomando como referência o

mercado de trabalho e enfatizando fatores ou aspectos ligados a

descritores de desempenho requeridos pelas organizações; Já a francesa

enfatiza a vinculação entre trabalho e educação, indicando as

competências como uma resultante de processos sistemáticos de

aprendizagem.

A compreensão que temos, apesar do entendimento dos citados autores, é que a

discussão trazida por Philippe Zarifian e Guy Le Boterf possuem um diferencial, pois

ampliam o debate das competências para além da qualificação e da performance. Uma

observação relevante a esse respeito é que, segundo Nogueira (2012), não apenas Philippe

Zarifian, mas também Yves Schwartz fazem uma crítica à tentativa de padronizar as

competências dos trabalhadores. Contudo, por ora, deteremo-nos a apresentar os alicerces

da PNDP.

Vimos que Fleury e Fleury (2001), ao situarem o início do debate sobre as

competências, apontam McClelland (1973) como o precursor da discussão, já que, a partir

de seu livro Testing for Competence rather than Intelligence, inicia-se o debate entre

psicólogos e administradores nos Estados Unidos.

Segundo McClelland apud Fleury e Fleury (2001), a competência é uma

característica subjacente a uma pessoa que é casualmente relacionada com desempenho

superior na realização de uma tarefa ou em determinada situação; sendo estabelecida a

diferença entre competência e aptidão, esta última é concebida como um talento natural da

pessoa, o qual pode ser aprimorado, de habilidades e conhecimentos.

E ainda representando de forma significativa a literatura americana Boyatzis

(1982), Spencer e Spencer (1993) e McLagan (1996) definem o conceito de competência

como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, que justificam um alto

desempenho, com a crença de que os melhores desempenhos estão fundamentados na

inteligência e personalidade das pessoas (FLEURY; FLEURY, 2001).

Acerca do debate francês, para Fleury e Fleury (2001), os autores Le Boterf (1998)

e Zarifian (2001b; 2003) contribuem para o enriquecimento conceitual e empírico do tema,

gerando novas perspectivas e enfoques.

Page 74: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

74

Importa esclarecer que não apenas referenciais estrangeiros direcionam o debate

sobre a competência no serviço público. Identificamos nas publicações26

consultadas uma

referência a autores brasileiros. Entendemos a relevância de abordá-los aqui, mesmo que

de maneira modesta, a fim de situar o leitor minimamente sobre o estado da arte no que diz

respeito ao fenômeno das competências, e também para encaminhar nossa discussão

levando em conta a perspectiva teórica francesa que tem norteado a escrita deste trabalho.

Assim, citamos o reconhecimento a Fleury e Fleury (2001), autores que postulam

ser a competência um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar,

integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor econômico

para a organização, além de valor social ao indivíduo. Na visão desses autores, a

competência inclui a dimensão afetiva e atitudinal do indivíduo para gerir seu estoque de

conhecimentos em diversas situações profissionais.

A definição de competência elaborada por Carbone e colaboradores (2006) também

é apresentada, sendo definida como o desempenho expresso pela pessoa em determinado

contexto, em termos de comportamentos e realizações decorrentes da mobilização e

aplicação de conhecimentos, habilidades e atitudes no trabalho.

Vimos também Bastos apud Carvalho et al (2009) que apresenta a competência

como a capacidade de mobilização de recursos pessoais; além de Deluiz (2001), para a

qual as competências são operações mentais que articulam e mobilizam os conhecimentos,

as habilidades e os valores. Segundo a autora, no modelo de competências, importa não só

a posse dos saberes disciplinares escolares ou técnico-profissionais, mas a capacidade de

mobilizá-los para resolver problemas e enfrentar os imprevistos na situação de trabalho.

Freitas e Brandão (2006) também são destacados e, ao definirem competência como

uma combinação sinérgica de conhecimentos, habilidades e atitudes, expressas pelo

desempenho profissional, dentro de determinado contexto organizacional, reforçam a

relação entre competência e desempenho, indo ao encontro do que é postulado na PNDP

sobre a necessidade de se considerar o desempenho na discussão sobre competência.

26

As publicações da ENAP e também da Revista do Serviço Público que constam nas Referências

Bibliográficas.

Page 75: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

75

Há também Leme27

(2011, p.3), que trabalha o conceito de competências a partir da

definição de Scott B. Parry. Este preconiza ser a competência “um agrupamento de

conhecimentos, habilidades e atitudes correlacionadas que afeta parte considerável da

atividade de alguém, que se relaciona com seu desempenho, e que pode ser medido (...)”.

Leme (2011) define, então, o CHA (conhecimento, habilidade e atitude) da seguinte

forma: o conhecimento é o saber, o que se aprende na escola, livros, trabalho, enfim, na

vida; a habilidade é o saber fazer, ou seja, tudo que utilizamos dos nossos conhecimentos

cotidianamente; e atitude, o que nos leva a exercitar nossa habilidade de um dado

conhecimento, é o querer fazer.

Ocorre que, frente a esta diversidade de definições, dois aspectos são apontados no

Guia de Gestão da Capacitação por competências: o fato da competência dizer respeito à

mobilização de conhecimentos, habilidades e atitudes; e o fato de envolver

comportamentos observáveis expressados na ação ou desempenho dos indivíduos

(BRASIL, 2012a).

Outra questão importante apontada no Guia refere-se ao tipo de classificação

adotada para as competências.

Observamos que, na literatura de um modo geral, há uma tipificação das

competências por nível: individual e organizacional. No nível individual, estariam

relacionadas às competências do servidor ou de pequenas equipes de trabalho. Por sua vez,

as competências organizacionais estariam relacionadas à organização e constituiriam mais

do que o simples somatório das competências individuais, pois as interações entre as

pessoas promoveriam sinergia e potencialização dos conhecimentos, habilidades e atitudes

que resultariam na competência organizacional (CARBONE, et al., 2006).

Sobre esta questão, o Guia apresenta a metodologia de classificação adotada no

Sistema de Gestão da Capacitação por Competências28

, desenvolvido pelo MPOG para

27

Rogério Leme, além de produzir diversas publicações sobre o tema, atua hoje como consultor, realizando

palestras e implementando a gestão por competências em diversas empresas privadas e também em

instituições públicas.

28

Entre os dias 27 a 30 de novembro de 2012, foi realizado o III Encontro Nacional de Desenvolvimento de

Pessoas realizado pelo MPOG. O Sistema de Gestão por competências foi apresentado conforme preconizado

no Art. 5, Inciso III do Decreto 5.707 de 2006, sendo definido como uma ferramenta gerencial com o

objetivo de planejar, monitorar e avaliar as ações de capacitação a partir da identificação das lacunas de

competências dos servidores. Para mais detalhes ver https://portalsipec.planejamento.gov.br/eventos/iii-

encontro-nacional-de-desenvolvimento-de-pessoas. Acesso 15 jun 2013.

Page 76: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

76

estruturar os programas de capacitação dos servidores na Administração Pública a partir

das competências mapeadas em cada órgão da administração.

O Sistema adota três categorias de competências, descritas a seguir (BRASIL,

2012a):

Competências Transversais Governamentais: compreendem as competências

básicas requeridas por todos os servidores públicos federais da administração

pública federal direta, autárquica e fundacional.

Competências Transversais Organizacionais: referem-se ao conjunto de elementos

essenciais ao funcionamento da organização, ou seja, são as competências

necessárias a todos os indivíduos e equipes que atuam no âmbito da instituição.

Competências Setoriais: subdividem-se em competências individuais técnicas e

competências individuais gerenciais. As competências técnicas podem ser definidas

como aquelas necessárias ao desempenho de atividades de assessoramento ou

operacionais, que não requerem o exercício formal da liderança. E as competências

gerenciais são os comportamentos requeridos daqueles que exercem funções de

supervisão ou direção.

Diante do exposto, a partir do desenvolvimento deste tópico, compreendemos que o

debate das competências há muito existe. Entretanto, tal discussão no serviço público tem

data recente. Hoje, temos, na Administração Pública Federal Brasileira, o entendimento de

que a gestão por competências pode contribuir, dentre outros, para o desenvolvimento

técnico do quadro de pessoal que a compõe.

Vimos que não há uma filiação explícita a determinada perspectiva teórica, já que

tanto autores de língua inglesa como de língua francesa são trazidos para a discussão.

Contudo, conforme afirma Nogueira (2012) nos cadernos da ENAP, existem inúmeras

citações, ou fragmentos de conceituações, para definir competências com uma

predominância da utilização da relação entre Conhecimentos, Habilidades e Atitudes.

Assim, segundo a autora (2012), essa concepção, presente no Decreto 5.707/2006, seguiria

a princípio a corrente norte-americana.

Page 77: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

77

Mesmo sem problematizar essa questão, entendemos a relevância que possui, pois o

debate sobre as competências tem suas raízes e precisamos conhecê-las. Nossa intenção é

ampliar a discussão, pois, como nos aponta Schwartz (2010, p.141), “no que concerne às

competências, querer colocá-las em palavras, de forma exaustiva, é uma ilusão, mas, não

tentar fazê-lo, seria impedir que estas sejam reconhecidas.”

Esperamos, com a exposição até aqui realizada, respaldados pela Ergologia, e

também pela análise sociológica de Philippe Zarifian, contribuir para a emergência de

elementos novos, não contemplados, apostando sempre na potência daquilo que não está

dado e naturalizado como certo e inquestionável.

O fato é que somos levados à reflexão, com Schwartz (2010, p.98), por exemplo,

quando este autor afirma que “o tema das competências sempre existiu (...) e que o que

temos hoje não se trata de um problema novo”; e também com Zarifian (2003, p.49),

quando afirma que “a emergência atual do modelo da competência se encontra diante de

um paradoxo por que as bases práticas para entender esse modelo de gestão ainda são

fracas.”

Buscaremos, a partir dos fios condutores presentes neste texto, dar continuidade ao

debate proposto, não com a intenção de encontrar respostas, mas, sim, colocar em análise a

questão, por compreender que ao “adotarmos uma postura de desconforto intelectual

deixamos de pensar que as coisas são simples e que haverá sempre uma solução para os

problemas.” (DURAFFOURG, 2010, p.82).

Page 78: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

78

4. O CONCEITO DAS COMPETÊNCIAS NOS “MUNDOS DO TRABALHO”

É fácil racionalizar a posteriori, todavia é difícil

entender o que está acontecendo no momento em

que emerge.

(Philippe Zarifian)

Seria ingênuo, inclusive, pensar que todas as

tentativas de redefinição dos ajustamentos e as

diversas “lógicas de competências” são

desconectadas das políticas econômicas de emprego

ou de reconfiguração das relações de poder.

(Yves Schwartz)

4.1. Uma breve Análise Sociológica em diálogo com a Ergologia

Como já vimos, o conceito das competências ganha força nos cenários do trabalho a

partir da emergência do taylorismo/fordismo. Entretanto, cabe apontar mais detidamente

que a transformação oriunda da emergência do trabalho industrial tem, por si só, elementos

importantes para a discussão da relação homem e trabalho; esta, imprescindível no debate

sobre as competências.

Segundo Zarifian (2001b), a Era Industrial reúne três características essenciais,

visto que:

1) Instaura uma separação entre o trabalho e o trabalhador. A partir desse marco, o

trabalho é definido como um conjunto de operações, de transformação da matéria

que se pode objetivar, descrever, analisar, racionalizar e organizar de antemão; já o

trabalhador é entendido como o conjunto de capacidades que são compradas no

mercado de trabalho e mobilizadas para realizar uma parte das operações. Não

Page 79: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

79

importa sua subjetividade, apenas sua capacidade para colocar em prática a tarefa

que lhe for delegada.

2) O fluxo passa a ser visto como critério central da produção industrial, medido

pelo aumento da quantidade de produto em determinado período de tempo. O

aumento no fluxo significa aceleração da velocidade de execução de operações.

3) Imobiliza o trabalhador no espaço e no tempo. O trabalhador não pode deslocar-se

durante a jornada de trabalho. Esta nova realidade difere radicalmente da maneira

como se atuava no contexto do trabalho rural.

Para Zarifian (2001b), essa imobilização imposta ao trabalhador, antes trabalhador

do campo, o afeta de tal modo que por muito tempo haverá uma resistência de variadas

formas, não apenas à imposição de horários a que passa a ser submetido, mas, também, ao

seu encerramento em um local fixo e fechado denominado Posto de trabalho, já que, após

separar o trabalho do trabalhador, há uma necessidade de organizar e reunir esses dois

objetos em um local preciso a fim de que um conjunto de tarefas fossem realizadas. Ou

seja, ocorre uma transformação radical na forma como o trabalhador passa a se relacionar

com seu trabalho. E neste novo modus operandi, em que novas exigências são direcionadas

ao trabalhador, o conceito das competências passa a ter destaque.

A discussão realizada por Philippe Zarifian muito nos interessa. Economista e

sociólogo, ele foi protagonista de uma pesquisa realizada em pequenas e médias empresas

do setor moveleiro nos anos de 1985 e 1986. Para o autor (2001b), esse foi o período da

emergência do chamado “modelo da competência” enquanto modelo de gestão de recursos

humanos, sendo, também, a época em que ocorre uma mudança no modelo de julgamento

avaliativo dos trabalhadores.

Importante demarcar que tais mudanças priorizavam as seguintes questões:

1) A passagem da lógica que levava em conta o fazer do trabalhador focado em suas

habilidades corporais e, em consequência, nos resultados (tempo x produção) de

seu trabalho para uma lógica que levasse em conta o investimento psíquico daquele

trabalhador na consecução de uma determinada tarefa.

2) A adoção de um novo modelo de avaliação com o objetivo de abandonar uma

abordagem categorizada e homogeneizadora da mão-de-obra, que, na época,

Page 80: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

80

impedia a visibilidade das qualificações e dos comportamentos utilizados no

trabalho.

3) A classificação dos assalariados e a gestão a partir do posto de trabalho passam a

ser questionados, já que formalizavam uma abordagem restrita das situações de

trabalho, indo de encontro com a rapidez e a imprevisibilidade das mutações

técnico-econômicas que o setor passa a experimentar; além de não apresentarem

informação relevante sobre as “competências” dos indivíduos que ocupavam tais

postos de trabalho.

Tais mudanças se impuseram, pois, nesse período, as indústrias tentavam sair de

uma crise, tendo como consequência a necessidade de trabalhadores cientes e

comprometidos com questões que antes não lhes eram delegadas.

Dessa maneira, ocorre uma ruptura com os procedimentos tayloristas até então

vigentes, pois, conforme já visto, na época de ouro do taylorismo havia se dado:

Uma incorporação maciça de operários sem qualificação ou mal

qualificados, adaptados aos postos de trabalho, desempenhando tarefas

simples, rotineiras, previamente especificadas e bem limitadas. Apenas

uma minoria de trabalhadores precisava contar com competências

profissionais de maior complexidade. Havia uma rígida separação entre a

mão de obra que executava os trabalhos planejados e a elite encarregada

de planejar, supervisionar e avaliar a qualidade dos produtos e serviços.

Assim, havia pouca margem para autonomia do trabalhador, uma vez que

o monopólio dos conhecimentos técnicos, tecnológicos e organizacionais

cabia, quase sempre, com exclusividade, apenas aos níveis gerenciais e

administrativos. Neste contexto a baixa escolaridade da massa

trabalhadora não era considerada entrave significativo para a expansão

econômica; a instrução pública não era considerada prioridade nacional, e

a educação básica era elitista (CORDÃO, 2003, p.12).

E, assim, em decorrência das exigências de mercado que então se apresentam, o

desempenho satisfatório e a capacidade de iniciativa passam a ser vistos como qualidades

que os trabalhadores a partir de então precisariam demonstrar. Ocorre que, a partir da

confluência de transformações semelhantes que aconteciam em outros setores da indústria,

estabelece-se o “modelo da competência”.

Mas, antes de discorrermos sobre essa nova lógica, importa ressaltar que, ao

problematizar as competências, Zarifian (2003) sinaliza que a oposição que sempre existiu

Page 81: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

81

entre qualificação e competência não procede. Para o autor, tais conceitos são concebidos

da seguinte forma:

A qualificação como uma construção social cujo objetivo é qualificar os

indivíduos assalariados, tanto do ponto de vista do modo de apreciação da

relação (...), quanto do ponto de vista da hierarquia na escala dos estatutos

sociais e dos salários (...). E a competência como uma nova forma de

qualificação, ainda emergente. É uma maneira de qualificar. O assalariado

é duplamente qualificado: em relação a sua contribuição para a eficiência

de um processo de produção e ao seu lugar na hierarquia salarial (...).

Portanto, não se deve fazer nenhuma distinção conceitual entre

competência e qualificação, a não ser para dizer que o modelo da

competência especifica, hoje, de maneira nova, a construção da

qualificação (ZARIFIAN, 2003, p.37, grifo nosso).

A esse respeito, Schwartz (1998) aponta que, em virtude das mudanças técnicas e

organizacionais ocorridas nas últimas décadas do século XX, chefes de projetos e de

empresas passaram a substituir progressivamente o termo “qualificação” pelo de

“competências” para pensar o problema dos ajustes das pessoas às tarefas ou aos objetivos,

bem como a buscar procedimentos ou modelos de avaliação dessas competências nos

cenários do trabalho.

O entendimento que existe, de acordo com Zarifian (2001b; 2003), é de que a

construção da noção de qualificação, diante das novas condições de produção, ocorreu a

fim de substituir os dois modelos presentes nos cenários do trabalho: o modelo da profissão

e o modelo do posto de trabalho. O modelo da profissão, construído nas corporações

artesanais urbanas, pressupunha um meio de aprendizagem e uma pertinência social.

Porém, esse modelo começa a ser alvo de ataques no final do século XVIII por parecer um

obstáculo à transformação e a racionalização dos métodos de trabalho fabril.

No desenrolar desses acontecimentos, a noção de qualificação como um recurso

adquirido pelo trabalhador por intermédio da formação ou da experiência surge no século

XX, por volta de 1950, e substitui a lógica do modelo da profissão. E, assim, com o

nascimento do trabalho industrial, o modelo do posto de trabalho é difundido e

implementado amplamente sob a égide do taylorismo. Ocorre que, na lógica do posto de

trabalho, tudo é definido a partir da descrição do posto a ser ocupado, sendo este

caracterizado como um lugar que comportará um objeto – o trabalhador – que em um

tempo determinado deverá ficar restrito àquele contexto, imobilizado no que diz respeito,

Page 82: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

82

inclusive, a sua iniciativa pessoal, a fim de dar conta de um conjunto de tarefas em

quantidade e tempo estabelecidos. O trabalhador carecia de capacidades relacionadas ao

posto que ocupava.

Porém, com a crise de performance das empresas e do próprio taylorismo, a noção

de qualificação é questionada, juntamente com as noções de posto de trabalho e profissão.

E, assim, a lógica da competência emerge e põe em xeque a classificação dos assalariados

e a gerência a partir do posto de trabalho, além de objetivar a reapropriação do trabalho

pelo trabalhador, visto que, no modelo do posto de trabalho, o trabalhador estava à margem

de sua própria atividade produtiva.

Interessante acrescentar que para Schwartz (2010, p.205),

Na passagem da qualificação à competência, há uma forma de bifurcação,

com uma dimensão interessante e potencialmente rica. De agora em

diante, com a noção de competência, nos damos conta de que uma

definição daquilo que uma pessoa coloca em ação no trabalho não pode

mais se relacionar ou se restringir ao posto de trabalho, com uma

enunciação frequentemente muito sucinta daquilo que há para fazer

naquele posto, herança do tempo do taylorismo. A noção de

“competências” sugere então abrir amplamente a investigação acerca do

que é requerido no trabalho, para compreender o que faz uma pessoa

sendo esta uma dimensão positiva.

E tentando ampliar nossa compreensão sobre o que essa “noção de competências”

pressupõe, importa trazer à cena o que dispõe Philippe Zarifian, Guy Le Boterf e Yves

Schwartz sobre a questão. Esses autores enriquecem o debate ao trazerem elementos não

contemplados nas demais discussões e que nos fazem atentar que a noção de

“competências” precisa ir além das listas e grades contextualizadas de características que o

trabalhador deverá possuir dependendo da função ou cargo que ocupa em uma determinada

organização, visto, inclusive, que, conforme observa Schwartz (2010, p.205),

Com a passagem da noção de qualificação, à de competência “(...) cada

vez com maior frequência se tem a preocupação de listar as competências,

de objetivá-las e de avaliá-las; de julgar, separar, e selecionar em função

da ideia que se faz desta noção de competência, ou deste estoque de

competências que teria então vocação para ser relativamente transparente

relacionado a uma pessoa.

Ou seja, esperamos que a discussão proposta neste estudo ultrapasse este

entendimento. E, a fim de dar conta dessa tarefa ao dialogar com os autores anteriormente

citados, compreendemos que qualquer discussão sobre as competências, ao acontecer, deve

considerar que “aquele que age, aquele que trabalha”, ao fazê-lo, utiliza-se de inúmeros

Page 83: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

83

recursos, os quais, porém, não podem ser nomeados ou classificados, já que isso

comprometeria a riqueza de elementos que estão presentes em uma dada situação de

trabalho.

Assim, vimos que o modelo da competência proposto por Zarifian (2001b; 2003)

pressupõe uma reapropriação do trabalho pelo trabalhador, que saindo da lógica do posto

de trabalho passaria a implicar-se subjetivamente em sua atividade.

Ocorre, então, que Zarifian (2001b), em um primeiro momento, trabalha a noção de

competência através de três elementos complementares uns aos outros, na qual:

a competência seria a tomada de iniciativa e responsabilidade do indivíduo em

situações profissionais com as quais ele se confrontaria;

seria também uma inteligência prática das situações, que se apoiaria em

conhecimentos adquiridos e os transformaria à medida que a diversidade das

situações aumentasse, e por fim;

seria a faculdade de mobilizar redes de atores em volta das mesmas situações, de

compartilhar desafios, e de assumir áreas de responsabilidade.

Entretanto, alguns anos depois, Zarifian (2003, p.139) explicita e modifica alguns

aspectos dessa definição, reformulando-a da seguinte forma: “competência é a tomada de

iniciativa e o assumir de responsabilidade do indivíduo sobre problemas e eventos que ele

enfrenta em situações profissionais.”

Ocorre que este “assumir responsabilidade” teria uma tripla conotação ao

considerar que:

o trabalhador, ao assumir uma responsabilidade, estaria respondendo por e indo até

o fim de sua tomada de iniciativa. Ou seja, estaria assumindo a plenitude de sua

ação em face dos outros, mas, também, em face de si mesmo. Responderia, assim,

pelo alcance, pelos efeitos e pelas consequências de sua iniciativa.

assumir uma responsabilidade profissional é também manifestar preocupação com

os outros. Ou seja, é tomar plenamente consciência e conta da orientação de suas

ações, visto que produzir um serviço só tem sentido se ele transformar

positivamente as condições de atividade e as disposições de ação do destinatário. E,

Page 84: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

84

nesse sentido, ter preocupação com os outros é preocupar-se com essa

transformação. Assim, assumir a responsabilidade de uma ação é uma postura

prévia à ação, pois é a preocupação com os outros que irá dirigir a ação daquele que

trabalha.

toda atividade profissional se exerce, precisamente, em certo campo de

responsabilidade. Isso significa dizer que “o trabalhador exercerá um campo de

responsabilidade” em substituição à ideia de que “o trabalhador exerce tal função”.

Para Zarifian (2003), essa diferença semântica pode parecer leve, mas tem sua

importância, pois indica, ao mesmo tempo, que:

1) É em torno da ação dos trabalhadores que uma organização se estrutura, sendo esta

responsabilidade assumida por tal trabalhador. E, assim, falar em campo de

responsabilidade é delimitar o território social da ação do indivíduo competente. O

indivíduo situado no campo da responsabilidade é considerado ativo e ator da

abrangência de seu campo. Tal campo será, ao mesmo tempo, o lugar de

desenvolvimento de sua atividade e o lugar pelo qual ele responde.

2) Os campos de responsabilidade se comunicam e a interdependência no trabalho

passa a residir nessa comunicação. A ideia de uma separação advinda dos conceitos

do emprego e da função cai por terra, visto que, através de um campo de

responsabilidade, a comunicação ocorre em virtude da complementariedade que é

inerente a tal conceito. Os campos de responsabilidade em uma organização

tenderiam a se cruzar, constituindo uma corresponsabilidade, sendo esta uma

maneira flexível e viva de funcionar.

Dessa maneira, os conceitos de iniciativa e responsabilidade, presentes na noção de

competência, remeteriam-nos à compreensão de que a iniciativa estaria relacionada ao

sujeito e a responsabilidade a um ator, e este, ao assumir uma responsabilidade em um

dado campo, assumiria um papel na organização. Sob tal perspectiva, para Zarifian (2003,

p.144), a “tomada de iniciativa” seria o cume do exercício da competência, e o “assumir de

responsabilidade” constituiria o quadro de referência. Frente a isso, os conceitos de

iniciativa e autonomia também merecem destaque visto que:

A iniciativa significaria a competência em si mesma, em ação, sendo o

engajamento do sujeito, não em relação a regras, mas em relação a um horizonte

Page 85: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

85

de efeitos que sua iniciativa singular viesse a provocar. A competência seria,

então, a iniciativa sob a condição de autonomia; seria determinar um começo em

uma área de indeterminação.

Já a autonomia seria uma condição inevitável do desenvolvimento da competência,

sendo através desta que se manifestaria o engajamento do trabalhador. Ela

condicionaria e solicitaria a mobilização da competência. E, nesse sentido, ser

autônomo estaria relacionado à possibilidade de definir suas próprias regras de

ação, e de agir por si mesmo, a fim de resolver os problemas.

É notória a ampliação que se dá no debate sobre as competências a partir da

inclusão destes elementos e que ganha força quando atrelada ao que propõe Guy Le Boterf.

Este autor caracteriza a competência como um processo, e, como tal, ao invés de se buscar

métodos de avaliação para uma possível identificação das competências, seria necessário

considerar que o que existe são pessoas e equipes de trabalho.

Para Le Boterf (1998), as competências podem ser consideradas como uma

resultante de três fatores:

Do saber agir, que supõe o saber combinar e mobilizar os recursos pertinentes;

Do querer agir, que se refere à motivação e ao engajamento pessoal do indivíduo;

Do poder agir, que retorna a existência de um contexto, de uma organização do

trabalho, de condições sociais que fazem possíveis e legítimas a tomada de

responsabilidade e a tomada de risco do indivíduo.

Entretanto, o autor (1998) assinala que a produção e a manutenção das

competências não é unicamente responsabilidade do indivíduo, pois elas são partilhadas

em seu contexto de trabalho e, em particular, com uma gerência. Ou seja, a construção da

competência não é um fazer do indivíduo; existe uma dimensão individual e social a ser

considerada, e a competência não será compreendida se for separada da organização do

trabalho. Nesse processo, o indivíduo constrói um esquema operatório que lhe é próprio e

que lhe permite realizar com competência suas atividades e organizar sua conduta

profissional. E a ação de realizar com competência as atividades ocorre quando o indivíduo

combina e mobiliza os recursos que possui, dentre eles, seus conhecimentos, seu saber-

fazer, seus recursos fisiológicos e também suas redes de conhecimentos (LE BOTERF,

1998).

Page 86: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

86

Deste ponto em diante, levando em conta os fios condutores utilizados neste estudo,

compreendemos que, ao se falar em competências, é preciso falar daquele que trabalha,

falar de uma situação de trabalho e falar também de uma atividade de trabalho. Atividade

esta que, para ser realizada, necessita de um trabalhador com uma singularidade que a todo

tempo é colocada em ação no intuito de dar conta de uma determinada tarefa.

Nossa aposta teórica neste ponto do estudo será – considerando que não há, nas

publicações que embasam o debate sobre a gestão por competências no serviço público,

uma análise crítica sobre a questão – apresentar, impregnados da perspectiva ergológica e

também dos pressupostos de Philippe Zarifian e Guy Le Boterf, algumas questões

relevantes que hoje atravessam o debate das competências.

Deste modo, o que já podemos apontar é que, após a emergência das

“competências” nos cenários do trabalho, uma série de práticas tem sido desenvolvida,

com o objetivo de listar competências e identificar se os trabalhadores as possuem ou não,

e, se as possuem, em quais níveis.

Vimos a esse respeito, inclusive, metodologias que preconizam que a partir do

“mapeamento das competências” para uma determinada função, os “gaps” 29

dos

trabalhadores poderão ser identificados e desenvolvidos quando estiverem abaixo do nível

requerido por uma função. Já nas situações em que o “gap” estiver acima do que a função

requer, o potencial deste trabalhador deverá ser “aproveitado” de acordo com as

necessidades da organização30

, com vistas a adequar também este trabalhador a um

contexto que atenda as suas expectativas. E nos casos em que não houver “gap”, ou seja,

quando o nível de competência do trabalhador estiver no nível requerido para a função,

novos desafios deverão ser apresentados ao trabalhador a fim de que o mesmo esteja

sempre motivado, e não se acomode por estar em um nível “desejado” para sua função.

Outra questão que entendemos importante se refere aos objetivos e critérios que

norteiam a prestação de um serviço público. A compreensão que temos é que, mesmo não

existindo um fim lucrativo a ser alcançado, espera-se que toda demanda endereçada a um

29

Gap é o espaço ou a distância existente entre a competência que o trabalhador possui e a competência que é

requerida para uma determinada função. (LEME, 2005).

30

Na metodologia proposta por Leme (2005) se um trabalhador possuir níveis de competências abaixo do

esperado para uma determinada função, ações deverão ser desenvolvidas para que os níveis esperados sejam

alcançados.

Page 87: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

87

órgão público seja respondida pautada em critérios de eficiência, eficácia e produtividade,

visto que, ao buscarmos um serviço público, seja ele qual for, esperamos um bom

atendimento e que nossa solicitação seja respondida de maneira eficiente, eficaz e, por que

não dizer, de maneira produtiva.

Contudo, a esse respeito, chamamos atenção para o que aponta Zarifian (2001a;

2001c), pois um serviço, ao ser avaliado, levará em consideração a validade dos resultados

produzidos e também a eficiência dos recursos mobilizados pelo trabalhador para produzir

tais resultados. Porém, tal avaliação não poderá ser realizada de maneira mecânica baseada

em simples indicadores numéricos do valor e da produtividade de tal serviço. Ou seja, ao

transportar esse entendimento para o contexto do serviço público, tal avaliação não poderá

ser fundamentada na dimensão do chamado polo dos valores mercantis, já que faz

referência a um contexto em que predomina os valores do bem comum.

A esse respeito, é preciso dizer que a avaliação dos serviços públicos, mesmo não

sendo uma questão na qual iremos nos deter, é sempre pensada tendo como referência o

compromisso e a responsabilidade do Estado junto à sociedade, acrescidos da

responsabilidade do trabalhador com sua atividade e também com seus pares, cidadãos que

pagam impostos. Porém, diante de tal questão, como pensar essa relação? Ou seja, como

pensar a relação que o trabalhador estabelece com o seu trabalho quando este é

caracterizado, a princípio, por uma dimensão composta por valores do bem comum? E,

nesse sentido, como seria pensar “competências” neste contexto?

Page 88: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

88

4.2. O conceito da relação de serviço frente aos valores do bem comum e aos

valores mercantis

Ao pensarmos nas histórias da vida, do homem e de uma sociedade com todas as

suas facetas, é preciso considerar que ela se faz e acontece com a existência de três polos.

Segundo Schwartz (2010), um deles pode ser chamado de polo “orientado por valores

mercantis”, ou seja, pelos valores do mercado, que possuem grande impacto em nosso

quotidiano, em nossa vida, tanto na esfera social, política e cultural. É o polo dos valores

dimensionáveis, em que predomina a lógica de que tudo se orienta em função de valores

quantificáveis. E, assim, as unidades de medidas são utilizadas para qualquer fato, se assim

for conveniente.

O outro polo é onde estão em jogo apostas, estão em jogo os valores que não se

mensuram em quantidades em virtude de sua natureza, já que fazem referência ao bem–

estar de uma população. É onde se encontram questões como: o que é a saúde? Como

preparar um planeta vivível para todos nas gerações futuras? O que é cultura? O que é

satisfação e prazer para as pessoas? Ou seja, é um polo constituído por valores referentes

ao bem-viver em comum e que se espera ou reivindica serem assumidos pelas instituições

de cunho político, dentre elas, o Estado. Nomeia-se, também, como o polo do político, do

direito, das ações políticas e dos valores não dimensionados. Ocorre, entretanto, de acordo

com Muniz; Vidal e Alvarez (2001), que classificá-los de “sem dimensão” não significa

que eles devem ser considerados como absolutos, que eles são transcendentes e que são

considerados como ideias reguladoras das conjunturas onde vão operar, mas, sim, que eles

devem sempre funcionar em princípios de ação.

Acontece que esses polos interagem, mesmo sendo orientados por lógicas

diferentes. Contudo, é possível delimitar tal interação, visto que, segundo Schwartz (2010),

o polo do político não necessita submeter-se às exigências do polo mercantil, porém, ao

mesmo tempo, ele produz um efeito sobre esse polo para que se assegure um retorno

positivo para os cidadãos que ele tem sob sua égide. Já o polo mercantil, por sua vez, não

pode unicamente se afirmar impondo uma onipresença e a hegemonia de seus valores

quantitativos e mercantis.

Page 89: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

89

E este processo se estruturaria desta maneira justamente pela inclusão de mais um

polo, definido como o polo das “dramáticas do uso de si”, dos debates de normas, das

gestões, ou como o polo da atividade humana, polo em que o homem teria lugar de

destaque. O que ocorre, é que a partir de tal configuração, os seres humanos, ao colocarem

a engrenagem da vida (em nível social, financeiro e do próprio trabalho) para funcionar,

seriam orientados pela ética, pelo uso de si “por si” e pelo uso de si “pelos outros” a fim de

dar conta das dramáticas oriundas da interação entre os citados polos. Isso significa dizer,

por exemplo, que o polo do mercado, ao confrontar-se com o polo do político, teria

sempre, neste último, uma ancoragem no polo da gestão das dramáticas do uso de si, em

seu nível mais individual, diretamente, ou por intermédio das leis e políticas públicas. E,

assim, a história não seria feita, jamais, sem incorporar essas dramáticas de uso de si que

estão relacionadas desde o mais global até o mais individual.

Schwartz (2010, p.256) também aponta acerca deste movimento que

A iniciativa advém do polo II (mercado), que tenta obter as boas graças

do polo III (político) para inaugurar modos de utilização da mão de obra

urbana de uma certa forma, mas existem refluxos que passam pela

atividade humana (polo I) e que recompõem a seu turno o polo II e o polo

III. É uma maneira dentre outras de compreender as tensões permanentes

em que não há início, nem fim, em que tudo isso funciona em conjunto.

Levando em conta essa discussão, é importante atentar que, hoje, apesar de existir

uma série de práticas muito atuais – dentre elas, as gestões de segurança, a gestão da

qualidade, a lógica das competências, o gerenciamento de projetos, a construção de

indicadores de eficácia, a gestão de recursos humanos, etc – tais práticas apontam para o

polo mercantil, sendo importante atentar que, no polo I (o pólo da atividade, das

dramáticas), existem pessoas, existe a atividade, seja ela a atividade humana, ou uma de

suas facetas, a atividade de trabalho, com tudo o que isso significa.

E, assim, considerando a sociedade na qual temos vivido, considerando as crises

permanentes entre o que é da ordem do econômico, do político, do jurídico e do mundo do

trabalho, poderíamos dizer que os valores de um dos polos estão sendo trabalhados pelos

valores do outro? E, fazendo uma correlação com o objeto deste estudo, poderíamos dizer

que o serviço público, ao adotar uma política de gestão de pessoas baseada na gestão por

competências, está imergindo na dimensão dos valores quantificáveis? Se assim o for, é

Page 90: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

90

necessário refletir um pouco sobre a relação de serviço presente neste contexto, e ainda

refletir sobre a relação que o trabalhador estabelece com o seu trabalho em um cenário que,

a princípio, a lógica que o orienta originalmente é a dos valores sem dimensão.

Zarifian (2001a; 2001b; 2001c; 2003) nos auxilia ao explicitar seu entendimento

sobre a noção de serviço e, consequentemente, os conceitos que a norteiam. Vimos que a

definição de serviço é apresentada através de uma dupla abordagem, que leva em conta as

consequências e os efeitos do serviço e, também, os recursos utilizados pelo trabalhador,

onde:

O serviço seria uma transformação nas condições de atividade do destinatário, cujas

consequências são consideradas válidas e positivas por este último e pela

coletividade.

O serviço seria a organização e a mobilização, o mais eficiente possível, de

recursos, visando interpretar, compreender e produzir a citada transformação.

Dito de outra maneira, o serviço “é uma organização e uma mobilização, o mais

eficiente possível, de recursos para interpretar, compreender e gerar a mudança perseguida

nas condições de atividade do destinatário do serviço” (ZARIFIAN, 2001c, p.119).

Junto a esta definição, é preciso compreender algumas ideias que a contornam. A

primeira delas é que, segundo Zarifian (2001a), há, entre o chamado setor industrial e o

setor de serviços, evoluções convergentes, pois o setor industrial descobriu e incorporou a

noção de “serviço”; entretanto, o setor dos serviços industrializou seus modos de

funcionamento, e, ao fazê-lo, passou a incorporar em sua produção, em sua tecnologia, em

sua organização social, em seus objetivos de eficiência, princípios semelhantes aos que são

desenvolvidos na indústria. Ou seja, passou a se utilizar de valores oriundos do polo

mercantil.

Compreendemos que tal transformação também se dá no setor de prestação de

serviço público, sendo necessário, dessa maneira, nos ater à noção de “lógica de serviço”

surgida na França. Vimos que a ideia principal que a embasa é de que o serviço não é

somente o ponto de chegada da produção, mas é também o ponto de partida, o que

justificaria sua existência e permitiria avaliar a performance de uma organização. E, assim,

ao se falar em “missão de serviço público”, esta deveria ser entendida como a finalidade a

Page 91: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

91

orientar toda a organização de um órgão e sobre a qual deveriam ser parcialmente julgados

os resultados a serem alcançados. (ZARIFIAN, 2001a).

Porém, cabe atentar que, no contexto da formação social brasileira, não tivemos a

existência de um Estado de Bem-Estar Social, em que os serviços públicos de saúde e

educação, por exemplo, dirigidos à população, alcançaram os seus objetivos, e, assim,

questionamos: como os trabalhadores, servidores públicos, constroem o sentido do seu

trabalho? Ou seja, quais valores o referenciam? Seriam valores do bem comum e/ou

mercantis? Sendo valores do bem comum, como estes são dimensionados em normas para

conseguir uma eficácia no trabalho? Será que as formas de gerenciamento e as políticas

vigentes no contexto do serviço público se referenciam nos valores do bem comum ou

apenas atendem a interesses privados de grupos minoritários? E, ainda, será que todo o

trabalhador que ingressa no serviço público considera a importância de trabalhar para

atender às necessidades de uma população?

A partir dessas questões afirmamos que, no contexto de uma política de gestão de

pessoas, é necessário criar dispositivos em que os trabalhadores coletivamente reflitam

sobre sua atividade a fim de debater sobre os valores e saberes que são afirmados em sua

prática. Para além de tal afirmação, arriscamos dizer que uma política de gerenciamento,

ao priorizar o ponto de vista da atividade, estará cuidando não apenas da saúde física, mas,

também, da saúde psíquica daquele que trabalha. Acreditamos que esta pode ser uma

aposta para que o trabalhador se comprometa com sua atividade no sentido de criar e/ou

lutar por condições necessárias para sua realização de maneira satisfatória e com

qualidade. Tomando como ilustração a implementação do mapeamento das competências,

etapa inicial para que a política de gestão por competências se concretize, acreditamos que

o próprio processo de mapeamento poderia – se realizado sem a participação ativa dos

trabalhadores acerca do que compõem sua atividade de trabalho e, nesse sentido,

desconectado de uma discussão com aquele que age – ser causa de inúmeros

constrangimentos, dúvidas e receios, que naturalmente trariam interferências na dimensão

da vida daqueles submetidos a tal processo.

Compreendemos que a inclusão destes elementos possibilita travar o debate sobre

as competências através de outra perspectiva. O trabalhador, mais uma vez afirmamos

aqui, necessita ser considerado no debate como aquele que se depara em seu cotidiano com

inúmeros atravessamentos. E, ao retomar a questão apontada anteriormente,

Page 92: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

92

compreendemos que, na discussão, devem estar presentes tanto a noção dos valores do

bem comum, como a noção dos valores dimensionáveis, além da noção de relação de

serviço. Precisamos considerar que este trabalhador, em decorrência de suas dramáticas, do

uso de si “por si” e do uso de si “pelos outros”, estará no nível mais micro de sua atividade,

lidando com questões, com confrontos, com impasses oriundos das citadas dimensões e da

própria relação estabelecida com seu trabalho. E, assim, não é possível desconsiderá-las. E

não é possível desconsiderar, também, o uso que o trabalhador fará de seu corpo para tratar

estas questões, corpo que também precisa de cuidado.

Compreendemos, conforme já apontado, que se torna imprescindível, para a

prestação de um serviço público de qualidade, uma apropriação por parte do trabalhador do

sentido que comporta ser parte da estrutura de um serviço público. Acreditamos, inclusive,

que seria “o melhor dos mundos” se, ao ingressar no serviço público, o trabalhador se

comprometesse não apenas com sua Organização, mas com seus pares, com os cidadãos

que pagam seus impostos, e, principalmente, com sua atividade de trabalho.

Porém, mesmo não sendo este o “melhor dos mundos”, queremos crer que, ao se

colocar em uma dada situação de trabalho, o trabalhador toma para si uma

responsabilidade, conforme apontado por Zarifian (2003), que irá estruturar, inclusive, uma

determinada Organização. E, dessa maneira, levando em conta todos os atravessamentos

que perpassam um contexto de trabalho, levando em conta todas as variabilidades do meio,

levando em conta o inédito e o inesperado, é preciso falar daquele que age, ou seja, é

preciso falar do trabalhador.

Page 93: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

93

4.3. O uso de si “por si”, o uso de si “pelos outros” e o “corpo-si”: tríade

imprescindível no debate das competências

Fazer “uso de si” significa que o homem usará suas próprias capacidades, seus

próprios recursos, suas próprias escolhas para dar conta da complexidade presente no meio,

em virtude das infidelidades que se apresentam.

Para Duraffourg (2010), um ergonomista que muito tem contribuído para os debates

ergológicos, o uso de si ‘por si’ se dá quando uma pessoa faz o uso de seu próprio corpo,

de sua inteligência, de sua história, de sua sensibilidade e de seus gostos.

Ou seja, é o homem agindo a partir de suas vivências, de sua experiência e de sua

singularidade, e isso é o que caracteriza uma situação de trabalho sempre como única. O

uso de si “por si” comporta a ideia de que há sempre um destino a se viver, com escolhas

que somente a pessoa que trabalha deverá fazer para dar conta de sua tarefa. Comporta

também uma criatividade normativa, em que novas normas, que não unicamente aquelas

do meio, seriam “inventadas” pelo homem. Dessa maneira, seria possível ao homem fazer

valer, no meio, suas próprias normas de vida, suas próprias referências, através dos valores

que possui.

Ocorre, conforme dispõe Duraffourg (2010, p.70), que

se trabalhar é aplicar um protocolo, isso irá ocorrer sempre de uma

maneira singular (...), pois, é efetivamente na atividade de trabalho que se

manifesta a maneira singular pela qual os trabalhadores fazem uso deles

próprios em função deles próprios e daquilo que os outros lhes

demandam.

Diante disso, precisamos compreender também que o ato de trabalho, mesmo o

mais simples, ao ser, num primeiro momento, um uso de si “por si” é também um uso de si

“pelos outros’, sendo esta a dimensão social que o trabalho comporta.

Para Schwartz (2010, p.194),

O uso de si “pelos outros” de uma certa maneira, seria o fato de que todo

universo de atividade, de atividade de trabalho, é um universo em que

reinam normas de todos os tipos: quer sejam científicas, técnicas,

Page 94: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

94

organizacionais, gestionárias, hierárquicas, quer remetam a relações de

desigualdade, de subordinação, de poder (Schwartz , 2010, p.194)

Frente a isso, compreendemos que, de certo modo, o homem jamais trabalha

sozinho, porque os outros estarão lá, seja através do planejamento do trabalho, da

prescrição, da avaliação, dos protocolos, das normas antecedentes, e também dos valores

coletivos. A maneira pela qual o homem irá lidar com as dificuldades e com as escolhas

para orientar sua atividade será, em parte, uma resposta coletiva, ou seja, o trabalho é uma

realidade profundamente coletiva, e, ao mesmo tempo, profundamente individual.

De acordo com Muniz e Nascimento (2011), o uso de si “pelos outros” diz respeito

ao fato de que, em toda atividade, estão presentes normas provenientes do outro, seja

técnica, seja de relações de poder, por exemplo, havendo a todo instante, uma

ressingularização em função de elementos novos conquistados a partir desta

renormatização com valores coletivos.

Assim, ao considerar que o trabalho como “uso” é atravessado pelos outros, e

levando em conta que esse “uso” não é simplesmente execução, tal “uso” encontrará os

outros. Ocorre que quando o homem, a partir de suas escolhas, negocia esse encontro, ele é

remetido aos seus dramas mais profundos.

A dimensão do drama presente no encontro do homem com o seu trabalho ocorre,

pois sempre acontecerá alguma coisa no trabalho, e isso não quer dizer necessariamente

uma tragédia. Schwartz e Mencacci (2008) apontam que o uso da palavra “dramática” não

significa que há um drama terrível, mas, sim, que se passa alguma coisa. Segundos os

autores, etimologicamente “dramática” quer dizer que há uma história, ou seja, que se

passa uma história que não foi prevista antecipadamente, mas não necessariamente trágica.

O homem irá se deparar sempre com um debate no qual não poderá escapar, e esse é um

“destino a viver”.

A esse respeito, somos remetidos ao texto “Trabalho e uso de si”, no qual Durrive

(2010) afirma que trabalhar é, de alguma forma, colocar à prova do real seus próprios

limites e suas próprias capacidades, o que seria correr um risco e estar em situação de teste

todo o tempo.

Page 95: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

95

Para Schwartz (2010), tal situação incorre em uma dramática de uso “de si”, que

significa recolocar algo de drama, não no sentido de uma tragédia, mas de uma grandeza,

naquilo considerado infinitamente pequeno ou negligenciável. Dito de outra forma, seria

“tudo aquilo que é a confrontação em um momento particular, na qual o trabalhador tenta

encontrar uma solução para um problema que se apresenta com toda sua história.”

(Schwartz, 2010, p.89).

Dialogando com a análise sociológica de Zarifian (2001b), vimos que, para este

autor, o trabalho é a ação competente do indivíduo diante de uma situação de evento, e o

trabalhar seria estar atento (expectação) a tais eventos, pressentindo-os e enfrentando-os

quando estes se apresentam. E neste sentido realizamos uma aproximação com o que

dispõe Schwartz (2010), pois, para este autor o trabalhador, em uma situação de trabalho,

sempre irá se deparar com uma infidelidade do meio, caracterizada por imprevistos e

variabilidades aos quais precisará dar conta através do uso de si “por si” e do uso de si

“pelos outros”.

E considerando que para Zarifian (2001b, p.41), “um evento é aquilo que ocorre de

maneira parcialmente imprevista, inesperada (...) superando a capacidade da máquina de

assegurar sua autorregulagem31

”, caberá ao trabalhador encontrar as respostas a serem

dadas a este ambiente social complexo e instável; E, dessa maneira, é possível inferir uma

estreita relação com o que dispõe Schwartz (2010) acerca da primeira infidelidade do meio,

visto que, para este autor, o trabalho nunca será pura execução, já que o meio é sempre

infiel, cabendo ao trabalhador gerir tal infidelidade através do uso de si “por si ” e também

do uso de si “pelos outros”. E a gestão dessas infidelidades se dará a partir das próprias

normas e escolhas do trabalhador, que, ao tentar recentrar o meio, o singulariza mais ainda

a fim de imputar, entretanto, a tal meio, a conformação necessária32

.

Mas, para o entendimento um pouco mais coeso das questões aqui apresentadas,

importa apresentar e compreender que entidade é esta a que temos nos referido com toda

31

Para o autor, os eventos seriam parte do cotidiano de uma organização e é em torno deles que se

recolocariam as intervenções humanas mais complexas e importantes. Constituiriam, assim, não apenas parte

dos acasos que ocorrem no interior de um sistema de produção (panes, desvios de qualidade, materiais que

faltam, mudanças imprevistas na programação de fabricação, uma encomenda repentina de um cliente) mas,

também, de problemas colocados pelo ambiente, que mobilizam as atividade de inovação, como uso

potenciais dos produtos, novas expectativas de clientela, etc. (ZARIFIAN, 2001b, p.42)

32

Esse processo é apontado por Schwartz (2010) como a segunda infidelidade do meio.

Page 96: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

96

sua singularidade. Falamos ora de trabalhador, ora de homem, e, em alguns momentos,

falamos de sujeito. Porém, o que comporta tais conceitos para a Ergologia? Para responder

essa pergunta, vimos que Schwartz (2010), contrariando a ideia de uma oposição entre

“corpo” e “alma”, faz uso dos conceitos de “corpo” e “corpo-si”.

O autor opta pela noção de corpo, partindo do pressuposto de que não se trata

apenas de um corpo biológico, já que existe uma pessoa com sua singularidade e história

de vida. O corpo seria aquilo que há de enigmático e que não se pode objetivar e apreender

nem na clara consciência, e nem nos debates subjetivos comumente ouvidos. Para

Schwartz (2010), não seria possível descartar este corpo, que não é nem inteiramente

biológico, nem inteiramente consciente ou cultural, pois, através dele, seriam arbitradas e

geridas as variabilidades permanentes e as dramáticas as quais o homem se depara. Essa

gestão se daria a partir das economias corporais, sinalizações sensoriais e pela própria

inteligência do corpo.

Assim, o corpo-si é uma entidade não inteiramente biológica, nem inteiramente

cultural ou histórica, que ultrapassa a ideia de um eu privatizado. E, justamente por tais

questões, é um corpo que não se opõe à alma, como na filosofia clássica. O corpo-si, seria,

então, a entidade responsável por conjugar aquilo que é tanto fisiológico quanto o que é

cultural e histórico, passando pelo psíquico, pelos valores, enfim, dando conta do que torna

um vivente singular (SCHWARTZ, 2010).

Segundo Durrive (2010, p.196), o corpo-si, árbitro no mais intimo da atividade, não

é um “sujeito” delimitado, definido, mas uma entidade enigmática que resiste às tentativas

de ser objetivado.

A esse respeito, para Schwartz (2010), não haveria limiar na noção de corpo-si

porém, o autor propõe três dimensões:

A primeira é que existe um nível do si que é o corpo inserido na vida, o corpo a

partir do fato de que somos parte do mundo da vida, sendo o si inseparável do

movimento de evolução da vida;

A segunda dimensão aponta que o si está, desde o nascimento, em um universo de

cultura, atravessado e saturado de valores, histórias, conflitos e normas antagônicas.

Page 97: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

97

Já a terceira dimensão afirma que o si é também história psíquica, uma dramática,

já que o homem está inserido em um contexto social regido por normas e leis às

quais seu desejo se defronta.

E, assim, “o “si” acumularia tudo isso, e o menor dos atos de trabalho remeteria a

essas três dimensões” (SCHWARTZ, 2010, p.203).

Importa considerar que, para Cunha (2005), o corpo-si é a história, história da vida,

do gênero, da pessoa, é a história de encontros sempre renovados entre um ser em

equilíbrio mais ou menos instável e uma vida social, com seus valores, suas solicitações e

seus dramas.

E tudo isso nos leva a compreensão da impossibilidade de se falar em “sujeito” e

“subjetividade” até porque, para Schwartz (2010), o primeiro conceito estaria imbuído de

uma variabilidade de sujeitos advindos das inúmeras disciplinas que temos, por exemplo, o

sujeito da psicologia, da sociologia, etc. Já o segundo remeteria à noção de um sujeito

psicologizado, com valores particulares e interiores, constituídos individualmente, indo na

contramão de tudo o que até agora foi visto.

Temos aqui elementos que propiciam uma reflexão a respeito daquele que trabalha;

contudo, precisamos considerar o trabalhador, em seu corpo-si, através de um uso de si

“por si” e através de um uso de si “pelos outros” em um contexto de trabalho específico

que nunca se repete e que nunca é o mesmo, sendo importante nos debruçar a seguir, sobre

o que comporta uma dada situação de trabalho.

A esse respeito, compartilhando o entendimento de Schwartz (2010), importa

considerar que existe uma impossibilidade de se definir uma situação de trabalho, pois,

como vimos, uma situação de trabalho comporta uma atividade previamente planejada

através de uma tarefa, de um trabalho prescrito. Entretanto, apesar da existência de um

protocolo, de procedimentos, de técnicas a serem utilizadas, tal situação será sempre um

“encontro de encontros”, encontro de singularidades, de variabilidades a gerir.

E a atividade será sempre o centro de uma espécie de dialética entre o que é

impossível e o invivível. Dito de outra forma, encontrar uma situação de trabalho

estandardizada é impossível, pois a atividade é vida, e a vida não acontece sob o registro

do enquadramento, já que haverá sempre variabilidades a serem geridas (Schwartz, 2010).

Page 98: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

98

E como o homem aumenta essa variabilidade, por não se submeter inteiramente às normas,

o caráter invivível também se faz presente pela impossibilidade de um estrito

assujeitamento do homem ao meio.

Esta, então, é uma primeira dificuldade, apontada por Schwartz (2010), ao se tentar

delimitar as competências, pois os limites de uma situação de trabalho não são jamais

descritíveis, eles são imprecisos, horizontes que se encaixam uns nos outros. E, assim,

jamais se pode padronizar uma situação de trabalho devido à indefinição dos horizontes

que a cercam.

Por conta disto, admitindo esta dificuldade, o que poderia ser uma competência

ajustada a uma situação de trabalho, na medida em que esta última não pode ter definição

nem circunscrição clara?

Outra dificuldade sinalizada por Schwartz (2010) é que há um movimento de se

detectar competências numa situação de trabalho, considerando uma determinada

atividade. Ocorre que, como já visto, a atividade de trabalho sempre tem algo de

indefinível, ela é micro “re-criadora”, ou seja, o trabalhador, em um determinado contexto

de trabalho, depara-se com uma tarefa e faz um uso de si “por si” e “pelos outros” sendo

atravessado por valores e normas presentes no meio em que está inserido; ao mesmo

tempo, acaba por escolher e criar algo para além do que fora pré-determinado e planejado

através dos protocolos e dos procedimentos. Essa questão será elaborada com mais

detalhes posteriormente, mas, por ora, apontamos que este também é um fato que precisa

ser problematizado ao se discutir as competências.

Frente a tais dificuldades, tornar-se-ia difícil delimitar, definir, catalogar e avaliar

exatamente o que poderiam ser as competências, levando em conta uma situação de

trabalho e também uma determinada atividade.

Por outro lado, Cunha (2005) aponta que a dificuldade em avaliar as competências

decorre daquela em dimensionar o que seria o “agir em competência”, próprio da indústria

humana. Pois, para este autor,

A competência industriosa é uma combinatória problemática de

ingredientes heterogêneos que não podem ser todos avaliados nos

mesmos moldes e muito menos ainda quando ela inclui uma dimensão de

valor, uma vez que ninguém dispõe de uma escala absoluta de valores.

Essa dificuldade em dimensionar as competências é a mesma que temos

Page 99: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

99

de enfrentar, ao querer dimensionar o trabalho, já que será ocasião para se

perguntar: Quais limites poderíamos visualizar em ambos? Como definir

os contornos do trabalho? Como definir os contornos das competências

humanas? (CUNHA, 2005, p.10)

Fazendo coro com o entendimento de Nogueira (2012), precisamos ter em mente

que, ao imprimir o olhar ergológico sobre a questão das competências, temos de

compreender que, para desenvolvê-las, será necessário certo tempo, e que não se deve

considerá-las somente a partir do polo mercantil – que pretensamente tenta decompor as

competências em itens definíveis –, sendo fundamental estar em contato com o polo da

atividade e da gestão do trabalho.

Ou seja, será necessário compreender a gestão que o trabalhador faz de sua

atividade e também de seu trabalho. E, para tal, a compreensão do conceito de gestão

precisa estar para além da que tradicionalmente nos é apresentada em livros. Dito de outra

forma, o lugar de destaque atribuído a gerentes e especialistas convocados a fazer uma

“determinada gestão” cede lugar ao entendimento de que mesmo o trabalhador em posição

hierarquicamente inferior em uma organização tem importância crucial para a gestão de

uma organização.

Defendemos, assim, neste estudo, que, para além de um conjunto de técnicas,

destinadas a racionalizar e otimizar o funcionamento das organizações (Gaulejac, 2007), a

gestão necessita ser compreendida como o movimento realizado por cada trabalhador, em

seu dia a dia, a fim de dar conta de todas as variabilidades impostas pelo meio de trabalho

no qual está inserido. Considerando, inclusive, que, a esse respeito, Schwartz (2010)

afirma que

Trabalhar foi sempre gerir variabilidades e mesmo nos dispositivos

tayloristas, em que vigorava a ideia de que o processo de trabalho era

concebido antecipadamente, havia um mínimo de gestão de

microvariabilidades, pouco visíveis. A dimensão de gestão das interfaces

– técnicas, humanas33

, jurídicas, linguísticas – tudo isso está articulado

numa mesma atividade (SCHWARTZ, 2010, p.93).

Uma atividade nunca é pura execução do que foi antecipado, mas, sim, uma

confrontação, com diversas variabilidades e imprevistos, que é preciso gerir através de

escolhas. O trabalhador precisa decidir como vai lidar com as confrontações que se

apresentam na atividade, que possuem normas muito fortes e que o levarão a um constante

33

Humano quer dizer tanto econômico, quanto jurídico, político e intersubjetivo (SCHWARTZ, 2010, p.94)

Page 100: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

100

debate de normas atrelado aos valores que possui e aos que configuram o meio em que

vive. (SCHWARTZ, 2010).

Esse entendimento é de extrema importância para o debate das competências, pois,

neste cenário, o trabalhador, ao lidar com tais variabilidades e se deparar com inúmeras

confrontações, toma suas decisões a partir do uso de si “por si” e também pelo uso de si

“pelos outros”.

E, aqui, cabe nos perguntar: como falar em competências levando em conta

“aquele” que age? Como falar em competências considerando que o trabalhador em sua

atividade de trabalho sempre irá se deparar com eventos, variabilidades, imprevistos,

infidelidades constantes do meio que o convocarão a dar conta de cada situação de trabalho

de maneira por vezes inusitada e até inconsciente? Seria possível mensurar as

competências de um trabalhador? Inúmeras dúvidas nos sobrevêm neste momento... Mas, o

que nos propõe a ergologia na figura de Yves Schwartz a esse respeito?

Page 101: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

101

4.4. Os Ingredientes da competência

A noção de competências, para a ergologia, está diretamente relacionada à noção de

atividade. Segundo Schwartz (2010), se desejássemos por em palavras, ou se nos

impuséssemos a obrigação de colocar em palavras, tudo aquilo que sabemos fazer, isto

reduziria a riqueza que está presente em todas as atividades.

Entretanto, tal entendimento esbarra, conforme afirma Durrive (2010), na tendência

atual, que consiste em, de certo modo, procurar listar exaustivamente as competências,

supondo-se que a experiência poderia estar inteiramente contida nas palavras.

E, aqui, ao falar em experiência, cabe considerar, a partir do paradigma ergológico,

que, mesmo na vida cotidiana, as competências estão e sempre estiveram presentes, sendo

necessário, assim, considerar as competências para viver, para comer, para se deslocar e

para estabelecer relações com os nossos semelhantes. De tal modo que tudo isso existe

também no trabalho, ou seja, tudo isso está profundamente reinvestido, e, por esse motivo,

seria algo de totalmente ilusório pensar em elaborar uma lista exaustiva de competências.

Revela-se completamente ilusório o tipo de cuidado metodológico, de

ferramentas de direção, que consiste em pensar poder pôr em palavras, em

séries, todos os conteúdos de uma competência. Não que não haja neste

sentido uma dimensão justa, positiva, mas há também uma dimensão

ilusória, como se fosse possível detalhar a lista das competências

necessárias para viver (SCHWARTZ, 2010, p.141).

O autor ainda nos alerta que as competências para viver – ou as competências em

geral – não são somente “a capacidade para fazer isso”. A discussão deveria se concentrar

no reconhecimento de que o trabalhador é permanentemente uma “pessoa” envolvida

indefinidamente em circunstâncias sempre variáveis que a história lhe submete, com

colegas diferentes uns dos outros e que se modificam, com desafios delicados, com valores

que se contradizem e cujo resultado nunca é predeterminado.

Mas, ao contrário, o que acontece hoje é que, ao afirmar que “uma pessoa é

competente para “isso”, significa, de algum modo, encerrar a pessoa em uma dada

situação, visto que, ao “reconhecer” a capacidade da mesma para “isso” ou “aquilo”, está

sendo realizado o aprisionamento da pessoa em tal reconhecimento”. Ou seja, ocorre uma

limitação “da capacidade indefinida dessa pessoa para fazer novas arbitragens e, de um

certo modo, para recompor mais ou menos seu meio de trabalho (SCHWARTZ, 2010,

p.142)”.

Page 102: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

102

Para sair de tal paradoxo, apesar de apontar que é difícil chegar a uma definição

relativamente operacional das competências, Schwartz (2010) aborda a questão através da

metáfora de uma boa culinária e mostra que, da mesma forma que para alcançar o bom

resultado em uma mistura é necessário combinar diversos ingredientes, cada qual com sua

medida, para um “agir competente” também seria preciso a utilização de ingredientes, de

elementos heterogêneos que, articulados, comporiam o perfil de uma pessoa para um “agir

competente” numa determinada situação de trabalho.

Nesse sentido, o primeiro ingrediente estaria relacionado ao domínio dos protocolos

e procedimentos do trabalhador para cumprir uma determinada tarefa, ou seja, refere-se à

capacidade do homem para dominar os saberes científicos, técnicos, de ordem econômica,

gestionária, jurídica, de códigos, linguagem, etc., que constituem uma determinada

situação. Acerca desse primeiro ingrediente, fazemos uma correlação com o momento do

ingresso do trabalhador no serviço público, onde caberá a este apropriar-se não apenas das

normas e regras que nortearão sua atividade, mas, também, apropriar-se de todo

conhecimento que tenha relação com suas atividades.

O segundo ingrediente difere do primeiro, pois faz menção a capacidade do homem

de incorporar o histórico de uma situação de trabalho, de deixar-se impregnar pela

dimensão singular da situação de trabalho. É relativo à capacidade do homem para

enfrentar o meio no qual se encontra, submetido a incessantes transformações, por uma

parte não antecipáveis. Entendemos que possuindo esse ingrediente o trabalhador estará

sensível aos estímulos que receber e atento que cada situação será sempre uma situação

singular que carecerá de respostas também que escapem das generalizações.

O terceiro ingrediente, por sua vez, está relacionado à capacidade do homem de

articular a dimensão dos protocolos e procedimentos (Ingrediente 1) à dimensão singular

de cada situação de trabalho (Ingrediente 2). Dito de outra forma, é quando o trabalhador

consegue por em diálogo e articular os conhecimentos que possui em uma determinada

situação.

Para a realização de uma determinada atividade, seja a mais simples, é

imprescindível que o trabalhador, ao executá-la, articule o conhecimento que possuiu

acerca das normas, regras, procedimentos, etc, à situação que a ele se apresenta. Em nossa

experiência de trabalho, por exemplo, levando em conta a natureza de nosso serviço – que

Page 103: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

103

é principalmente atender e acompanhar servidores que venham apresentar quaisquer

dificuldades que interfiram negativamente em sua vida funcional – nossa prática a todo

momento precisa se valer de normas institucionais; entretanto, ao agirmos, precisamos

encontrar a “medida certa” no trato daquele que nos procura, daquele que muitas vezes

encontra-se em sofrimento por motivos diversos e que, necessariamente, precisará ser

acolhido em sua singularidade e também na singularidade de sua situação34

.

O ingrediente quatro está ligado ao debate de normas que cada um vive em seu

meio de trabalho. Os valores que perpassarem a situação de trabalho colocam o trabalhador

frente a uma dramática, e, ao fazer um uso de si “por si” e também um uso de si “pelos

outros”, este trabalhador precisará fazer com que o meio de trabalho seja em parte seu. E,

assim, as soluções encontradas para os problemas terão relação direta com a implicação

deste trabalhador em seu dia a dia de trabalho. Em nossa prática profissional, na

Universidade, a todo momento somos convocados a um debate de normas e valores,

levando em conta que nosso público-alvo são servidores, com dificuldades de natureza

diversa, em seus locais de trabalho. É recorrente, inclusive, ter que nos a ver com o

posicionamento de gestores que vão de encontro a uma política de gestão que considere

aquele que trabalha. O resultado dessa situação é que somos confrontados com um drama

que exigirá de cada um de nós um uso de si “por si”, e também um uso de si “pelos

outros”, a fim de encontrar uma solução, a mais acertada possível, tanto para o servidor,

como para a Instituição.

O quinto ingrediente de uma competência é a ativação ou a duplicação do potencial

da pessoa, com suas incidências sobre cada ingrediente. Se expressa quando um meio ao

ter valor para o trabalhador, viabiliza que todos os ingredientes da competência sejam

potencializados e desenvolvidos. É a mobilização do potencial do trabalhador que se

coloca na realização de uma tarefa por inteiro. Compreendemos que a presença desse

ingrediente se expressa quando frente a todos os desafios que nos sobrevêm; quando, por

exemplo, somos confrontados com um debate de normas e valores acerca de decisões que

deverão ser tomadas, de encaminhamentos que deverão ser dados, buscamos fazê-los

sempre da maneira mais cuidadosa possível levando em conta as normas e procedimentos

34

O serviço citado é oferecido pela chamada Seção de Prevenção Sócio Funcional (SPSF), um espaço

voltado para os servidores, onde, através de uma equipe formada por assistentes sociais e psicólogos, alguns

projetos são desenvolvidos, tendo como objetivo orientar e acompanhar o servidor acerca de questões que

possam trazer dificuldades e prejuízos para o seu bem-estar físico, psíquico e social na Instituição.

Page 104: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

104

que precisamos respeitar, mas, levando em conta, também, a singularidade de cada

situação. Arriscamos dizer que esse ingrediente se expressa ao termos uma prática

permanente de colocar em análise as decisões tomadas, os encaminhamentos realizados e,

principalmente, quando problematizamos as nossas condutas e nossas posturas frente a

uma situação, visto sermos um corpo, um corpo-si, que se apropria e faz parte de um dado

contexto e que busca, inclusive, intervir neste meio para que este tenha algo de seu, de sua

marca, e de sua singularidade.

E, para finalizar, o sexto ingrediente de uma competência seria saber tirar partido

das sinergias de competências em situação de trabalho, estando relacionado à capacidade

do homem de reconhecer e respeitar a diversidade existente entre as pessoas, com o

entendimento de que o trabalho coletivo supõe por em sinergia os diferentes ingredientes,

não em si mesmo, mas, coletivamente. Representa a origem e o resultado das interações

realizadas, das sinergias coletivas, e da ligação com os outros. E tal ligação é que daria um

sentido global ao agir individual. Seria a capacidade do coletivo de se coordenar, de

produzir um debate de normas e valores, fazendo uso das diferenças presentes no meio

com a clareza de que o trabalho nunca será um ato individual, mas, sempre coletivo.

Os seis ingredientes listados, de acordo com Schwartz (2000), comporiam as

competências da atividade industriosa, ou seja, da atividade de trabalho que, em razão de

suas especificidades, não poderiam ser avaliadas, mensuradas ou dimensionadas da mesma

maneira, e através dos mesmos instrumentos. Tais ingredientes apontariam para

aprendizagens múltiplas originadas na experiência de trabalho, e se manifestariam sob a

forma da capacidade e habilidade do trabalhador ao se defrontar com uma situação-

problema. Esses ingredientes tenderiam a interagir dinamicamente frente os desafios no

instante em que as competências fossem requisitadas.

A metáfora realizada por Yves Schwartz com a noção de ingrediente facilita o

debate sobre o tema. E, neste ponto, arriscamos dizer que mesmo não sendo possível,

conforme já visto, listar as competências necessárias a um trabalhador em uma

determinada situação de trabalho, torna-se plausível uma reflexão sobre o “modus

operandi” que este trabalhador deverá adotar para a consecução de uma dada tarefa e,

consequentemente, de sua atividade.

Page 105: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

105

Ocorre que, a partir dos ingredientes listados por Schwartz (2008; 2010), fomos

remetidos ao modo com que cada trabalhador se coloca frente a uma situação de trabalho, e

essa discussão, no debate das competências, torna-se possível. Entretanto, será

imprescindível não alijar o trabalhador deste processo. Ou seja, ao refletir sobre o que

comporta uma atividade de trabalho e, principalmente, o que ela convoca naquele que age,

será imprescindível fazê-lo junto àquele que trabalha. A compreensão que precisamos ter é

que, para este exercício, não há expert mais indicado que o próprio trabalhador, pois é ele

que no dia a dia irá se deparar com as inúmeras variabilidades e infidelidades do meio,

dando conta de cada uma delas a fim de alcançar a conformação necessária.

Conforme vimos na discussão relacionada à qualificação, à época do modelo

taylorista estava circunscrita ao posto de trabalho, ou seja, aos “atributos” necessários a um

trabalhador em virtude do posto que ocupava e, nesse sentido, segundo Zarifian (2003,

p.49), muitos supostos sistemas de gestão por competências ainda são formas

modernizadas do modelo do posto de trabalho.

Entretanto, queremos apostar que outras maneiras de se discutir e problematizar as

competências têm emergido. Nossa intenção, neste estudo, não é demonizar o debate das

competências no serviço público. Ao contrário, é apontar possibilidades para que a

discussão aconteça, priorizando sempre o olhar daquele que trabalha e levando em conta

que o serviço público tem suas especificidades, e que estas precisam ser levadas em conta.

Não podemos esquecer, por exemplo, conforme já dito que, a lógica que rege o

serviço público difere da lógica que norteia a esfera privada. E, ao compararmos os

referidos contextos, observamos especificidades relevantes entre ambos. Por exemplo, a

relação que um trabalhador estabelece com uma organização ao ser investido da condição

de servidor público difere sobremaneira da relação de um trabalhador com vínculo

empregatício regido pela CLT. A esse respeito, é sabido que, nesta situação, os vínculos

são frágeis e podem ser desfeitos a partir da simples motivação do empregador. Entretanto,

tal situação não ocorre no serviço público, pois, regido pelo RJU, o órgão público precisa

cumprir algumas etapas, dentre elas, abertura de sindicância, e abertura de PAD para que

seja efetivada a demissão de um trabalhador.

Outra questão que emerge de pronto faz referência à forma de contratação

diferenciada que pode existir nos órgãos públicos, visto que além de existir o servidor

público que ingressou no órgão por um concurso público, e que por isso possui um

Page 106: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

106

“contrato de trabalho” com prazo indeterminado, pode existir, também, o trabalhador que

ingressou no órgão por uma seleção pública com tempo de trabalho determinado; além dos

casos em que a contratação regida pela CLT é realizada por uma empresa terceirizada não

existindo nenhum vínculo do trabalhador com o órgão no qual presta serviço.

E, para finalizar, demarcando ainda mais as especificidades presentes no serviço

público, é relevante trazer para a discussão também uma questão, considerada por nós um

ponto nevrálgico no debate das competências, que é o chamado “desvio de função”. Essa

situação ocorre quando um servidor ao ingressar em um órgão público em um determinado

cargo passa a exercer funções atinentes a outro cargo. Tal situação é caracterizada no

contexto de uma IFES, quando um servidor, ao realizar concurso para o cargo de

Assistente em Administração, possui uma graduação em Psicologia e acaba, durante sua

vida funcional, atuando no cargo de Psicólogo. É claro que aqui não temos condições de

nos deter nos fatores que propiciam que esta situação seja iniciada e se mantenha,

entretanto, esta é uma realidade que nos deparamos em nosso cotidiano de trabalho. Hoje,

falar em desvio de função, a partir de minha experiência na Universidade pressupõe uma

postura muito cuidadosa e cautelosa, não apenas pela necessidade, de considerar aquele

que trabalha e que se encontra nesta condição, mas, também, por toda a complexidade

envolvida, visto que muitos são os casos de servidores que acionam o sistema judiciário

para pleitear uma indenização financeira pelos anos de trabalho em que o desvio estava

caracterizado.

As questões levantadas nos servem de alerta e carecem de reconhecimento, pois o

serviço público possui uma singularidade que não podemos descartar e, ao se pensar uma

política voltada para os trabalhadores, é necessário o entendimento de que a mesma deverá

ser pensada para todos aqueles que fazem parte de um determinado contexto. Nos casos em

que o desvio de função está caracterizado, por exemplo, como o debate das competências

poderia ser encaminhado, considerando que o servidor desempenha funções que não são

atinentes a seu cargo e que legalmente não podem ser reconhecidas? Se quiséssemos uma

resposta direta e simples, consideraríamos que toda essa situação seria resolvida com o

“simples” retorno do servidor em seu cargo de origem. Entretanto, nenhuma situação

caracterizada como desvio de função é simples. É necessário compreender que há toda uma

história, toda uma apropriação do servidor acerca do cargo que passou a ocupar com um

“respaldo institucional”, mesmo que erroneamente, visto que a citada “mão-de-obra” é

Page 107: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

107

incorporada no cotidiano da Instituição e que, por esse motivo, passa inclusive a contar

com a qualidade de trabalho deste servidor.

Ocorre que, a partir desse cenário, como seria incluir, no debate sobre as

competências, o chamado desvio de função? Seria possível tal inclusão? E como pensar

uma política de desenvolvimento de pessoas que contemple todo o universo de

trabalhadores, sejam eles servidores estatutários ou não? Como seria trabalhar o

desenvolvimento de pessoas em uma instituição, deixando à margem do processo uma

parcela real e significativa de trabalhadores que contribuem sobremaneira para que o

trabalho seja realizado?

Ou seja, ao falar em competências no serviço público, é necessário considerar tudo

o que comporta esta dimensão, levando em conta as situações singulares que se

apresentam. Nossa intenção é incitar o debate, fazendo emergir questões que fazem parte

do cotidiano das instituições e que podem estar ficando de fora da discussão. Atrelado a

isso, nossa expectativa é que o ponto de vista da atividade seja sempre a diretriz da

discussão, pois apostamos que com e através do trabalhador – que não é um expert, mas é

aquele que fala com autonomia e propriedade da atividade que realiza – é que será possível

realizar um debate frutífero sobre as competências e alcançar resultados que levem em

conta não apenas os interesses da instituição, mas que levem em conta, também, os

interesses do trabalhador.

É importante considerar a relevância que o próprio debate sobre as competências

possui, pois, segundo Zarifian (2001; 2003), é através do modelo da competência que o

trabalhador se “reapropria” de seu trabalho e que passa a implicar-se subjetivamente em

sua atividade o que não acontecia quando tal discussão se restringia a um posto de

trabalho.

Compreendemos que o trabalhador, neste processo, é fundamental e, assim como

apontou Schwartz (2010), de que jamais se chegará a objetivar a competência, é preciso

problematizar e refletir com aquele que trabalha a que ela se refere. Ou seja, é preciso

investir junto com o trabalhador na possibilidade de identificação, análise e mensuração de

possíveis competências, visto que, talvez intuitivamente cada um de nós o faça desde o

momento que se lança em alguma atividade.

Page 108: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

108

TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Contentemo-nos em fazer refletir,

não busquemos convencer.

(Georges Braque)

Este estudo teve por objetivo analisar a emergência do “fenômeno” das

competências no serviço público brasileiro, levando em conta que, no contemporâneo, tal

temática tem sido pauta presente.

Conforme apontado inicialmente, meu interesse pela discussão se deu em face de

minha inserção em uma IFES, onde, lotada em uma Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas,

vivenciei os reflexos de uma Política de Governo – o Decreto 5.707 do ano de 2006 – que

preconiza ser a gestão por competência a política de gestão de pessoas a ser implementada

em todos os órgãos do governo federal brasileiro.

Ocorre que, para compreender minimamente o contexto em que esta política

emergiu, discorremos sobre os marcos no serviço público federal brasileiro a partir da

década de 1930. Observamos, principalmente ao nos debruçar sobre essa história, que

todas as mudanças propostas e implementadas estiveram em consonância com diversos

organismos financeiros internacionais, que a cada período da história regiam uma dada

conjuntura econômica, política e social em nível global. Dito de outra maneira, o “nosso

Brasil” sempre caminhou ao longo de todas as décadas a fim de acompanhar as

transformações, principalmente em escala econômica, que aconteciam em outros países.

Nesse sentido, os EUA e a Inglaterra sempre tiveram suas “políticas” como os modelos a

serem seguidos por nosso país que, ao adotar (importar) inovações e discursos voltados

para o desempenho de mercado e da sociedade, trouxeram reflexos diretos nas instituições

privadas e também nas instituições públicas.

A esse respeito, o gerencialismo, oriundo de tais países, não tardou em ser a lógica

adotada por nosso Estado e tudo o que vivenciamos após a adoção desse sistema é fruto

dos princípios que o balizaram. Os conceitos de eficiência, eficácia e produtividade, por

Page 109: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

109

exemplo, tornaram-se diretrizes adotadas, inclusive pelos órgãos públicos, com vistas a

alcançar um serviço público de qualidade, sendo também incorporado por este segmento o

entendimento de que, nesta nova configuração, a gestão deveria ser similar à do setor

privado e, ao trabalhador daquele segmento, caberia possuir as mesmas aptidões dos

empregados do setor privado.

Esse discurso não se deu à margem do universo das IFES e a análise que realizamos

é que o próprio processo da Reforma da Educação Superior Brasileira está em

conformidade com algumas diretrizes presentes no PDRAE. Contudo, mesmo levando em

conta a compreensão de autores como Leher (1999); Sguissardi (2006) e Mancebo (2007)

de que a redefinição dos sistemas educacionais estaria se dando em virtudes de reformas

elaboradas por organismos financeiros internacionais, o que caracterizaria uma concepção

privatista da educação superior, cremos, com vistas até a responder uma das questões-

problema desta pesquisa, que, apesar de vivenciar no serviço público a incorporação, isto é

fato, de uma lógica que fundamenta o mercado, esta incorporação dificilmente se dará de

maneira totalizante, pois o serviço público é caracterizado, principalmente, por uma

dimensão de valores do bem comum. E, por esse motivo, haverá uma maior possibilidade

de uma pressão social para que faça referência ao bem-estar da população, e ao acesso que

esta possui aos serviços oferecidos pelo Estado. Ou seja, por mais sedutor que seja tentar

encontrar soluções para que um serviço público seja considerado de “excelência”, esse

resultado jamais será alcançado através da priorização do serviço privado em detrimento

do serviço público.

Acreditamos, ao contrário, que é justamente pela incorporação dos valores que

norteiam a dimensão do público que caminharemos em direção à conquista de uma

sociedade mais justa com serviços de excelência oferecidos ao cidadão, sejam na área da

educação, na área da saúde, na área da justiça, etc.

E, falando em educação, em especial em educação pública, compreendemos que

esse sistema, para funcionar, necessita de componentes que se adequem uns aos outros, e

que estejam conectados, principalmente a fim de garantir seu pleno funcionamento. Essa

metáfora nos permite refletir que o trabalhador que se investe da condição de servidor

público carece, ao ingressar nesse universo, de uma apropriação dos valores que o

circundam, e, carece, principalmente, de compreender como a máquina pública funciona e

qual a sua responsabilidade no processo. Ou seja, o trabalhador precisa ser um participante

Page 110: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

110

ativo da produção de uma relação de serviço tendo como finalidade atender às demandas e

aos anseios da população e, no caso de uma instituição pública de ensino, a atividade-fim –

o ensino – necessita ser de qualidade.

Contudo, o cenário anterior só será possível se o trabalhador construir uma relação

estreita com seu trabalho e, consequentemente, com sua atividade. Dito de outra forma, o

trabalhador precisa ser convidado a falar sobre a sua situação de trabalho. Mas, para que

isso aconteça, os gestores devem estar impregnados do entendimento de que a gestão do

trabalho se faz com cada trabalhador, independente do nível hierárquico que o mesmo

ocupa em uma organização. Acreditamos que, somente através deste processo, ao dar voz

“aquele que age”, abriremos caminho para que o ponto de vista da atividade se configure e

viabilize desta maneira a apropriação pelo trabalhador de sua atividade e de todo o sentido

que ela comporta (Schwartz, 2010).

Vimos, a partir deste estudo, que a Ergologia, ao falar sobre a atividade de trabalho,

uma das dimensões da atividade humana, convoca-nos a compreender o quanto o ponto de

vista da atividade é imprescindível para o bom funcionamento de uma organização. E,

mesmo levando em conta que falar do ponto de vista da atividade é difícil, já que envolve

dimensões da atividade que nem mesmo o próprio trabalhador toma consciência, é

necessário estar ao lado daquele que trabalha ouvindo-o sobre sua atividade, pois só assim

o ponto de vista da atividade será constituído.

E, somente com esta etapa concluída, ou seja, com um debruçar sobre o que

comporta uma atividade de trabalho, é que o debate sobre as competências poderá ser

realizado. É necessário atentar para essa questão, pois, se não a considerarmos, estaremos

investindo tempo e energia em processos de gestão por competências que, na realidade,

estejam alijando os trabalhadores.

O entendimento que temos, ao concluir este estudo, é que adotar o ponto de vista da

atividade, ou ainda, considerar a análise situada de uma situação de trabalho pode ser um

dos caminhos tomados por uma organização para que o debate sobre a gestão por

competências e, consequentemente, sua implementação em um dado contexto, ocorra

trazendo resultados favoráveis, não apenas à organização, mas, também, ao trabalhador.

Acreditamos, por exemplo, que, ao ter como diretriz a perspectiva do ponto de vista da

atividade, a devida atenção seria dispensada não apenas aos interesses da organização

(incluindo o debate sobre os critérios de qualidade, eficácia, eficiência e produtividade de

Page 111: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

111

um serviço), mas aos interesses do trabalhador, levando em conta a dimensão física e

mental que o constitui, visto que, tendo por diretriz o ponto de vista da atividade, tais

interesses tenderiam a se tornar inseparáveis e não divergentes.

Acreditamos que esta dissertação, em decorrência dos elementos trazidos, tende a

possibilitar um debate sobre as competências, e, principalmente, um debate sobre as

competências no serviço público, de maneira mais atenta e crítica ao que está dado, pois,

conforme muito bem apontou Zarifian (2003), é difícil entender o que acontece no

momento de sua emergência.

Acreditamos, também, que, ao apresentar a discussão realizada por Zarifian (2001a;

2001c; 2003) sobre os conceitos da lógica e da relação de serviço, contribuímos para que o

leitor considere em suas reflexões que o serviço público comporta uma dimensão,

constituída por critérios e valores, diferente daquela que estrutura o mercado, e, por esse

motivo, a relação que o trabalhador estabelece no primeiro contexto é orientada de maneira

diversa do trabalhador que está inserido na esfera privada. E, ao falar em competências,

essa questão precisa ser considerada a fim de que o debate leve em conta que os valores

que norteiam e direcionam o trabalhador inserido no serviço público se constituem pela

lógica do bem comum.

Contudo, é nesse ponto que também identificamos uma das limitações de nossa

pesquisa. Ao nos deparar com esta questão, tivemos o entendimento claro que, apesar de

não ser norteado por valores mercantis, o serviço público inclui em sua dimensão alguns

critérios oriundos do universo do mercado. A ilustração que podemos usar neste sentido é

de que, ao buscarmos a prestação de um serviço público, esperamos ter uma boa acolhida e

prontamente sermos atendidos em nossa solicitação. E, nesse sentido, como seria mensurar

a boa prestação de um serviço de saúde, ou de um serviço educacional, ou, ainda, de um

serviço oferecido pela justiça? Essa foi uma das questões que nos tomaram em

determinado momento de nossa escrita e que entendemos ser relevante, inclusive para

estudos futuros.

Outra questão relevante para futuras pesquisas se refere a estudos que tenham como

diretriz o ponto de vista da atividade e que investiguem processos em curso ou concluídos

de implementação da gestão por competências no cenário das IFES. Apesar de ter sido

elaborada no momento em que acontecia o mapeamento das competências dos servidores

técnicos administrativos em minha IFES, priorizamos, nesta dissertação, considerando

Page 112: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

112

principalmente o pouco tempo do mestrado, realizar uma discussão macro acerca do

“fenômeno” a fim de nos aprofundar mais detidamente nos conceitos e teorias que

embasam a discussão, e também nos aproximar e imergir nos pressupostos da ergologia, o

que instrumentalizou nossa prática, contribuiu e está contribuindo para uma discussão

crítica e potente sobre a questão.

Acreditamos, conforme apontado por Nogueira (2012, p.20), que

refletir acerca da implantação deste modelo na realidade do serviço

público federal é importante, pois o conceito de competências emerge em

meio a uma exigência de formação constante do trabalhador. (...) E a

maneira como esse modelo vem sendo implantado, sem uma discussão e

um debate sobre ele, pode produzir equívocos na gestão do trabalho, dado

que esse "novo método gerencial" pode restringir a atividade e o

trabalhador a meros indicadores de desempenho e desconsiderar as

variabilidades da vida e toda a potência de (re) criação do trabalhador

sobre sua atividade de trabalho.

E, nesse sentido, a fim de não cair nessa armadilha, cremos que, somente no

coletivo do trabalho, ou seja, junto aos trabalhadores, que será possível apostar, mesmo

eventualmente, na possibilidade de encontrar e inventar maneiras inteligentes e fecundas

de se problematizar as competências para cada um de nós (Schwartz, 2010). Levando em

conta ainda que “cada um é potencialmente especialista de sua própria experiência, mas o

risco é de se colocar como especialista da experiência do outro35

”.

35

Vocabulário Provisório de Ergologia redigido por Louis Durrive e Ives Schwartz (2001). Histoires de

Travail - Journal d'un ergonomiste. Disponível em http://www.histoires-de-travail.fr/?q=content/lergologie.

Acesso 08 de agosto de 2013.

Page 113: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

113

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRUCIO, F. L. O impacto do modelo gerencial na administração pública: Um breve estudo

sobre a experiência internacional recente. Cadernos ENAP, n. 10, 1997.

AMARAL, H.K. Desenvolvimento de competências de servidores na administração pública

brasileira. Revista do Serviço Público, Brasília, n. 57, v. 4, p. 549-563, 2006.

ATHAYDE, M,; BRITO, J. Ergologia e clínica do trabalho. In: BENDASSOLLI, P.F.;

SOBOLL, L.A.P. (Orgs.) Clínicas do Trabalho: Novas perspectivas para compreensão do

trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas, 2011.

AZEVEDO, C.B.; LOUREIRO, M.R. Carreiras públicas em uma ordem democrática: entre os

modelos burocrático e gerencial. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 54, n. 1, p. 45-61, 2003.

BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Privatização –

Introdução. Ano 2009. Disponível em http://www.bndes.gov.br/Site

BNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/BNDES_Transparente/Privatizacao/index.html. Acesso 14

Mar de 2013.

BARDANACHVILI, E. Mundo do trabalho e Educação. Educação e trabalho: o papel da

escola e a qualificação para o mercado. Rio de Janeiro. Vieira e Lent, 2011.

BENDASSOLLI, P. F.; SOBOLL, L. A. (Org.) Clínicas do Trabalho: Novas perspectivas

para compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas, 2011.

BRANDÃO, H.P. Gestão baseada nas competências: um estudo sobre competências

profissionais na indústria bancária. Dissertação (Mestrado em Administração) –

Universidade de Brasília, 1999.

BRANDÃO, H.P.; GUIMARÃES, T.A. Gestão de competências e gestão do desempenho.

In: Wood Jr., Thomaz (Org.) Gestão empresarial: o fator humano. São Paulo: Atlas, 2002.

BORGES, M.E.S. Trabalho e gestão de si – para além dos “recursos humanos”. In: Cadernos

de Psicologia Social do Trabalho, v.07. São Paulo, 2004. p.41-49.

__________. O RH está nu: tramas e urdiduras por uma gestão coletiva do trabalho. Tese

(Doutorado em Psicologia) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia,

2006.

BRASIL. Câmara da Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do

Estado. Brasília, DF, 1995. Disponível em:<

http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf>. Acesso

20 Jan 2012.

BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Regimento interno da Câmara dos

Deputados. – 9. ed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2011. Disponível em

http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1926/regimento

_interno_9ed.pdf. Acesso 08 Jan de 2013.

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Recursos

Humanos. Relatório final da Conferência Nacional de Recursos Humanos da

Administração Pública Federal – 2009: A DEMOCRATIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE

Page 114: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

114

TRABALHO: Um novo olhar sobre a política de gestão de pessoas da Administração Pública

Federal / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Secretaria de Recursos Humanos.

Brasília: MP, 2009

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Guia da gestão da

capacitação por competências, 2012a. Disponível em https://portalsipec.planejamento.

gov.br/eventos/iii-encontro-nacional-de-desenvolvimento-de-pessoas/arquivos//arquivo.20

13-01-07.0167156876. Acesso 03 jun 2013.

BRASIL.Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº

8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores

públicos civis da União, autarquias e das fundações públicas federais.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto-lei nº 2.029, de 11 de outubro de

1996. Dispõe sobre a participação de servidores públicos federais em conferências,

congressos, treinamentos ou outros eventos similares, e da outras providências (Revogado). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2029.htm.

Acesso 03 Jun 2013.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto-lei nº 2.794, de 1º de outubro de

1998. Institui a Política Nacional de Capacitação dos servidores para a Administração

Pública Federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências (Revogado).

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2794.htm. Acesso 03 Jun

2013.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.

Emenda Constitucional n. 20 de 1998. Modifica o sistema de previdência social,

estabelece normas de transição e dá outras providências. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc20.htm. Acesso 05

Jun 2012.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.

Decreto nº 5.707, de 23 de fevereiro de 2006. Institui a Política e as Diretrizes para o

Desenvolvimento de Pessoal da administração pública federal direta, autárquica e

fundacional, e regulamenta dispositivos da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº

12.550, de 15 de dezembro de 2011. Autoriza o Poder Executivo a criar a empresa

pública denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH; e dá

outras providências.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº

12.618, de 30 de abril de 2012. Institui o regime de previdência complementar para os

servidores públicos federais titulares de cargo efetivo e dá outras providências, 2012b.

BRESSER-PEREIRA. Contra a Corrente no Ministério da Fazenda. Revista Brasileira de

Ciências Sociais, n. 19, Ano 07, 1992.

__________. Da Administração Pública à Gerencial. Trabalho apresentado ao seminário

sobre Reforma do Estado na América Latina organizado pelo Ministério da Administração

Page 115: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

115

Federal e Reforma do Estado e patrocinado pelo Banco Interamericano de

Desenvolvimento. Revista do Serviço Público. Brasília, v. 1, n. 47, 1996.

__________. Os primeiros passos da reforma gerencial do Estado de 1955. In: D'Incao;

Martins (Orgs.). Democracia, Crise e Reforma: Estudos sobre a era Fernando

Henrique Cardoso, São Paulo: Paz e Terra, p. 171-212, 2010. Disponível em

http://www.bresserpereira.org.br/ver_file_3.asp?id=2834. Acesso 05 maio de 2012.

__________. É o Estado capaz de se autorreformar? Revista de Ciências Sociais da PUC-

Rio. Desigualdade & Diversidade – Dossiê Especial. Dez/ 2011, p. 11-20.

BRITO, J. C. Trabalho prescrito. In: PEREIRA, I. B.; LIMA, J.C.(Orgs.). Dicionário da

Educação Profissional em Saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, Escola Politécnica de Saúde

Joaquim Venâncio. RJ, 2. edição, p.440-445, 2009.

CANGUILHEM, George. Normal e Patológico. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2010.

CARBONE, P. P. et al. Gestão por Competências e Gestão do Conhecimento. Rio de Janeiro:

Fundação Getúlio Vargas, 2006.

CARVALHO, F. J. C. Keynes e o Brasil. Revista Economia e Sociedade. Campinas , v. 17, Dez

de 2008 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext &pid=S0104-

06182008000400003&lng=en&nrm=iso>. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-06182008000400003.

Acesso Jan de 2013.

CARVALHO, A.I. et. al. Escolas de governo e gestão por competências: mesa- redonda de

pesquisa-ação. Brasília: ENAP, 2009.

CHANLAT, Jean-François. O gerencialismo e a ética do bem comum: a questão da motivação para

o trabalho nos serviços públicos. VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del

Estado y de la Administración Pública, Lisboa, Portugal, p. 8-11 2002. Disponível em:

http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/clad/clad004

3316.pdf. Acesso 10 Dez de 2012

COUTO, L. F. SINTUFRJ – Uma história de luta. (Filme-DVD). Produção de Luis

Fernando Couto. Rio de Janeiro, Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, 2010. 1 DVD, 60 min. color. son.

CORDÃO, F.A. Apresentação à edição brasileira. In: Zarifian, P. O modelo da competência:

trajetória histórica, desafios atuais e propostas. São Paulo, Editora SENAC, 2003.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Parecer CNE/CEB n. 16/99. Trata das

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico.

Disponível em http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislacao/tecnico/legisla

_tecnico_parecer1699.pdf. Acesso 13 de maio de 2013.

CUNHA, D. M.. Saberes, qualificações e competências: qualidades humanas na atividade de

trabalho. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 28, 2005, Caxambu. Anais da 28ª Reunião

Anual da ANPED. Caxambu: ANPEd, 2005.

__________. Notas conceituais sobre a atividade e corpo-si na abordagem ergológica do

trabalho. In: Reunião Anual da Anped, 30, 2007, Caxambu. Anais da 30 ª Reunião Anual

da ANPED. Caxambu: ANPEd, 2007.

Page 116: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

116

DELUIZ, N. O Modelo das Competências Profissionais no Mundo do Trabalho e na

Educação: Implicações para o Currículo. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.

27, n.3, 2001. Disponível em: http://www.senac.br/BTS/273/boltec273b.htm. Acesso 20 jan

2013

DINIZ, E. Globalização, reforma do estado e teoria democrática contemporânea. Revista

São Paulo em Perspectiva, v. 15, n. 4, 2001.

__________. Empresário, Estado e Capitalismo no Brasil: 1930-1945. Texto

apresentado no Seminário Internacional “Da Vida para a História: O Legado de Getúlio

Vargas”. Porto Alegre. Agosto de 2004. Disponível em http://scholar.googleusercontent

.com/scholar?q=cache:YAI1tpQC-u0J:scholar.google.ccom/+a+era+vargas+1937&hl=pt-

BR&lr=lang_pt&as_sdt=0,5. Acesso 06 maio 2012.

DINIZ, E.; LOUREIRO, M.R.; GOMES, A.C.. Contra a Corrente no Ministério da

Fazenda. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 19, Ano 07, 1992.

DURAFFOURG, J. O trabalho e o ponto de vista da atividade. In: SCHWARTZ, Y.;

DURRIVE, L. (Orgs.). Trabalho e Ergologia: conversas sobre a atividade humana. 2ª

Edição, Niterói, EdUFF, 2010.

DURRIVE, L.; SCHWARTZ, Y. Revista Laboreal. Revisões Temáticas. Glossário da

Ergologia. Atividade, v. 4, n. 1, p. 23-28, 2008.

DURRIVE, L. As técnicas e a experiência dos humanos. In: SCHWARTZ, Y.;

DURRIVE, L. (Orgs.). Trabalho e Ergologia: conversas sobre a atividade humana. 2ª

Edição, Niterói, EdUFF, 2010.

__________. A atividade humana, simultaneamente intelectual e vital: esclarecimentos

complementares de Pierre Pastré e Yves Schwartz. Trab. educ. saúde (Online), Rio de

Janeiro, 2011 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid

=S1981-77462011000400003&lng=en&nrm=iso>. Acesso 15 jan 2013.

DUTRA, J.S. Competências: conceitos e instrumentos para a gestão de pessoas na

empresa moderna. São Paulo: Atlas, 2011.

ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ENAP). Estatuto da

Fundação Escola Nacional de Administração Pública. Disponível em:

<http://www.enap.gov.br/downloads/estatuto_enap2008.pdf.>. Acesso 08 maio 2012.

FEDERAÇÃO DE SINDICATOS DE TRABALHADORES DAS UNIVERSIDADES

BRASILEIRAS (FASUBRA). Direção Nacional aprova texto sobre Campanha

Salarial. [Sl]: FASUBRA, 2010. Disponível em:< http://www.fasubra.org.br/index.

php?option=com_content&view=article&id=2915:a-direcao-nacional-da-fasubra-sindical-

em-reuniao-extraordinaria-realizada-no-dia-18-de-maio&catid=13:geral&Itemid=19>

Acesso 26 jun 2012.

__________. Memorial 30 anos. Linha do tempo – Ano I, Edição n. 01, [Sl]:

FASUBRA, 2010. Disponível em: <http://www.fasubra.org.br/index.php?option=

com_phocadownload&view=category&id=83publicacoes>. Acesso 26 jun 2012.

Page 117: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

117

FERREIRA, M.C. A ergonomia da atividade se interessa pela qualidade de vida no trabalho?

Reflexões empíricas e teóricas. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 11, n. 1, p.

83-99, 2008.

FLEURY, A.; FLEURY, M.T. Construindo o conceito de competência. Revista de

Administração contemporânea, Edição Especial, 2001.

FREITAS, I. A; BRANDÃO, H. P. Trilhas de aprendizagem como estratégia de TD&E. In:

BORGES-ANDRADE, J. E., ABBAD, G.,; MOURÃO, L. (Orgs.). Treinamento,

desenvolvimento e educação em organizações e trabalho: Fundamentos para a gestão de

pessoas. Porto Alegre: Artmed, 2006.

GUARESCHI, N.M.F.; HÜNING, S.M. (Orgs.). Implicações da Psicologia no contemporâneo.

Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.

GUÉRIN, F et al. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. São

Paulo: Edgar Blucher, 2001.

HANSEN G.L.; FARIA, M.L.V. Contexto da Administração Pública. In: HANSEN, G.L. (Org.).

Curso de Capacitação em Gestão Pública: Módulo III, Niterói: UFF. Neami, 2010.

HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança social. São

Paulo: Loyola, 1992.

HOBSBAWN, E. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das

Letras, 1995.

KALIL PIRES, A. et al. (Org.). Gestão por competências em organizações de governo –

Mesa-Redonda de pesquisa-ação. Brasília: ENAP, 2005.

LE BOTERF, G. Evaluer les competences. Quels jugements? Quels critères? Quelles

instances? Revue Education Permanente, v. 2, n. 135, 1998.

LEHER, R.. Um novo senhor da Educação? A política educacional do banco mundial para a

periferia do capitalismo. Revista Outubro do Instituto de Estudos Socialistas, n. 3, 1999.

Disponível em http://www.revistaoutubro.com.br/edicao_03.htm. Acesso 23 jun de 2012.

LEHER, R.; SADER, E. Público, estatal e privado na reforma universitária. Fírgoa -

Universidad pública, Espazo comunitário, v. 1, p. 1-30, 2006.

LEME, R. Aplicação prática de gestão de pessoas: mapeamento, treinamento, seleção,

avaliação e mensuração de resultados de treinamento. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2005.

__________. Gestão por competências no setor público. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2011.

LEPLAT, J.; HOC, J.M. Tarefa e atividade na análise psicológica de situações de trabalho. In:

J.J. Castillo, J. Villena (Orgs.), Ergonomia: conceitos e métodos. Lisboa: Dinalivros, 2005.

MANCEBO, D. Reforma da educação superior no Brasil: análises sobre a transnacionalização

e privatização. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 7, n. 21, p.103-123, 2007a.

__________. Trabalho docente: subjetividade, sobreimplicação e prazer. Psicologia: Reflexão

& Crítica, Porto Alegre, v.20, n.1, p.74-80, 2007b.

Page 118: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

118

MATTA, C.S. A carreira no contexto da função pública. In: FARIA, A.M.R. et al. (Orgs.).

Curso de Capacitação em Gestão Pública. Niterói: UFF. Neami, 2009.

MUNIZ, H.P.; VIDAL, M.C.; ALVAREZ, D. Terá a atividade um lugar na avaliação de

performance do setor de serviços? In: Revista Ação Ergonômica, v. 1, n. 2, 2001, p. 79-91.

MUNIZ, H.P.; NASCIMENTO, B.M.F. Trabalho e Subjetividade: o ponto de vista da

atividade. Apresentação Oral de Grupo de Trabalho n. 16. Encontro Nacional da ABRAPSO,

2011. UFPE. Disponível em http://www.encontro2011.abrapso.org.br/

trabalho/view?ID_TRABALHO=2606. Acesso Dez 2012.

NOGUEIRA, L.C.B. (Des)envolver pessoas no trabalho: reflexões sobre estratégias de

formação e desenvolvimento dos trabalhadores sob o ponto de vista da atividade nas

ações em “gestão de pessoas” no serviço público federal. Dissertação (Mestrado em

Psicologia) – Universidade Federal Fluminense, 2012.

PINTO, G. A Organização do trabalho no século 20: taylorismo, fordismo e toyotismo. 2

ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

RIBEIRO, C. V. S. Trabalho técnico-administrativo em uma instituição federal de ensino

superior: análise do trabalho e das condições de saúde. Tese de doutorado. Universidade do

Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia, 2011.

ROUILLEAULT, H. Prefácio. In: Guérin, F. Compreender o trabalho para transformá-lo:

a prática da ergonomia. São Paulo: Blucher: Fundação Vanzolini, 2001.

SANT’ANNA, S.L.P. O Estado e a Administração Pública. In: Faria, A.M.R., et.al (Orgs.).

Curso de Capacitação em Gestão Pública: Módulo III. Niterói: UFF. Neami, 2009.

SCHWARTZ, Y. Os ingredientes da competência: Um exercício necessário para uma questão

insolúvel. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 65, 1998 .

__________. Circulações, dramáticas, eficácias da atividade industriosa. Revista trabalho,

educação e saúde, v. 2, n. 1, 2004. Disponível em

http://www.revista.epsjv.fiocruz.br/upload/revistas/r61.pdf. Acesso Jan 2013.

__________. Actividade. Laboreal, v. 1, n. 1, p. 63-64, 2005. Disponível em http://laboreal.

up.pt/revista/artigo.php?id=48u56oTV658223469:53635622. Acesso Jun 2013.

__________. Entrevista Yves Schwartz. Revista Trabalho, Educação e Saúde, v. 4 n. 2, p.

457-466, 2006.

SCHWARTZ, Y.; MENCACCI, N. Trajetória Ergológica e a gênese do conceito usos de si.

Revista Informática na Educação: teoria e prática. v. 11, n.1, p. 9-13, 2008.

SCHWARTZ, Y. Técnicas e competências. In: SCHWARTZ, Y.; DURRIVE, L. (Orgs.).

Trabalho e Ergologia: conversas sobre a atividade humana. 2ª Edição, Niterói, EdUFF,

2010.

Page 119: CLAUDETE FRANCISCO DE SOUSA - app.uff.br · permeado por medos e dúvidas sobre o melhor caminho a trilhar. À minha família que tanto amo e que sempre me apoiou em todos os momentos

119

__________. Conceituando o trabalho, o visível e o invisível. Revista Trabalho,

Educação e Saúde. v. 9, Supl.1, p. 19-45, Rio de Janeiro, 2011.

SGUISSARDI V. Reforma Universitária no Brasil – 1995-2006: precária trajetória e

incerto futuro. Revista Educação e Sociedade, Campinas, vol. 27, n. 96 – Especial, 2006,

p. 1021-1056. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v27n96/a18v2796.pdf. Acesso 30

jun 2012.

SILVA, F. M. da; MELLO, S.P.T. de. A noção de competências na gestão de pessoas:

reflexões acerca do setor público. Revista do Serviço Público, Brasília n. 62, v.2, 2011.

p.167-183.

SILVA, M.M. A reforma administrativa e a emenda constitucional 19/98. Artigo, 2005.

Disponível em http://www.direitopositivo.com.br/modules.php?name=Artigos&f

ile=display&jid=168. Acesso 20 jun de 2012.

SIQUEIRA, M.V.S.S.; MENDES, A.M. Gestão de pessoas no setor público e a reprodução

do discurso do setor privado. Revista do Serviço Público, Brasília, DF, v. 60, n. 3, p. 241-

250, 2009.

SOUSA, C.F. A evasão na prática da analítica do vocacional: Um analisador da

produção de subjetividades na contemporaneidade. Monografia (Graduação em

Psicologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.

__________. A atuação do psicólogo na escola e os processos de produção de

subjetividade. Monografia (Especialização em Psicologia) – Universidade Federal Rural

do Rio de Janeiro, 2010.

TELLES, A. L.; ALVAREZ, D. Interfaces ergonomia-ergologia: uma discussão sobre

trabalho prescrito e normas antecedentes. In: FIGUEIREDO, M. et al. (Orgs.) Labirintos

do Trabalho: interrogações e olhares sobre o trabalho vivo. Rio de Janeiro: DP&A,

2004.

VIEIRA, F. de O; BERGIANTE N.; SILVESTRE M. Unidade IV: Gestão por

competências. In: VIEIRA, F. de O. (Org.). Curso de Capacitação em Gestão Pública:

Módulo V. Niterói: UFF. Neami, 2010.

ZARIFIAN, P.. Mutação dos sistemas produtivos e competências profissionais: a produção

industrial de serviço. In: SALERNO, Mario Sérgio. (Org.). Relação de serviço: produção

e avaliação. São Paulo:Senac, 2001a, p. 69-93.

__________. Objetivo da competência: por uma nova lógica. São Paulo, Atlas, (2001b).

__________. Valor, organização e competência na produção de serviço – esboço de um

modelo de produção de serviço. In: SALERNO, Mario Sérgio. (Org.). Relação de serviço:

produção e avaliação. São Paulo: Senac, 2001c, p. 95-149.

__________. O Modelo da competência: trajetória histórica, desafios atuais e proposta.

São Paulo: SENAC, 2003.