classificaÇÃo internacional de … carmo td 2015.pdf · específica nas escalas utilizadas e na...

249
CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDE – UMA DIMENSÃO DO NEURODESENVOLVIMENTO Autora: Maria do Carmo Jardim Pereira do Vale Henriques Orientador: Professor Doutor Luis Pereira da Silva (Prof. Auxiliar da Faculdade de Ciências Medicas da Universidade Nova de Lisboa) Co-orientador: Professora Doutora Maria do Céu Machado (Professora Auxiliar com Agregação da Faculdade De Medicina da Universidade de Lisboa) Tese para obtenção do grau de Doutora em Medicina na Especialidade de Pediatria Outubro de 2014

Upload: lytruc

Post on 01-Sep-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • CLASSIFICAO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE,

    INCAPACIDADE E SADE UMA DIMENSO DO

    NEURODESENVOLVIMENTO

    Autora: Maria do Carmo Jardim Pereira do Vale Henriques

    Orientador: Professor Doutor Luis Pereira da Silva (Prof. Auxiliar da Faculdade de Cincias

    Medicas da Universidade Nova de Lisboa)

    Co-orientador: Professora Doutora Maria do Cu Machado (Professora Auxiliar com

    Agregao da Faculdade De Medicina da Universidade de Lisboa)

    Tese para obteno do grau de Doutora em Medicina na Especialidade de Pediatria

    Outubro de 2014

  • 2

  • Child development is the basic science of pediatrics

    Julius Richmond (1968) (1)

    Every child, every adult, everybody wants what I call the three As: affection,

    acceptance and approval. If the child has that, regardless of his IQ or anything else,

    he will be all right.

    Leo Kanner (1969) (2) (3)

    3

  • Agradecimentos

    A doutoranda agradece reconhecidamente:

    co-investigadora Professora Doutora Teresa Nunes Marques, psicloga, Assessora Principal do

    Centro Distrital de Lisboa do Ministrio da Solidariedade e Segurana Social e Coordenadora da

    Comisso Regional de Lisboa e Vale do Tejo do Sistema Nacional de Interveno Precoce (SNIPI),

    em representao do Ministrio da Solidariedade e Segurana Social, pelo inestimvel apoio e valioso

    contributo no estudo de concordncia interobservador.

    co-investigadora Dr Helena Rodrigues, educadora de infncia especializada em educao especial,

    pelo inestimvel apoio e valioso contributo no estudo de concordncia interobservador.

    Dr Gilda Cunha, mestre em estatstica e gesto, Professora Coordenadora na rea Cientfica de

    Matemtica no Departamento de Cincias Naturais e Exatas da Escola Superior de Tecnologia da

    Sade de Lisboa, agradece a disponibilidade e orientao no tratamento estatstico dos dados.

    Ao Professor Doutor Lus Pereira da Silva, Professor Auxiliar da Faculdade de Cincias Mdicas da

    Universidade Nova de Lisboa, Consultor de Pediatria e Neonatologista no Hospital de Dona

    Estefnia, Centro Hospitalar de Lisboa Central, meu Orientador, pelo tempo dispendido,

    disponibilidade, pacincia, rigor cientfico e valiosos contributos dados durante a elaborao deste

    estudo.

    Professora Doutora Maria do Cu Machado, Professora Agregada da Faculdade de Medicina da

    Universidade de Lisboa e Diretora do Departamento de Pediatria do Hospital de Santa Maria, Centro

    Hospitalar Lisboa Norte, minha co-Orientadora, pelo apoio, incentivo e exemplo de profissionalismo.

    Professora Doutora Lgia Barbosa, Professora Coordenadora do 6 Ano da cadeira de Pediatria da

    Faculdade de Cincias Mdicas de Lisboa (aposentada), pelo convite para integrar o corpo docente

    da cadeira de Pediatria e pelo incentivo na prossecuo deste estudo.

    Dr Maria Joo Pimentel, psicloga do Centro de Desenvolvimento do Hospital de Dona Estefnia,

    Centro Hospitalar Lisboa Central,EPE, por toda a colaborao, disponibilidade e dedicao

    insubstituveis na avaliao das crianas, sem as quais no teria sido possvel este estudo.

    5

  • A todos os elementos da Equipa do Centro de Desenvolvimento do Hospital de Dona Estefnia, muito

    especialmente terapeuta da fala Dr Isabel Santos e Dr Manuela Martins, psicloga e docente do

    ensino especial, colocada no Centro de Desenvolvimento pelo Ministrio da Educao e Cincia pela

    amizade, companheirismo e dedicao colocadas ao servio da criana e famlia, num percurso

    conjunto de mtua aprendizagem, profissionalismo e sentido misso.

    A todas as crianas e famlias que tive o privilgio de acompanhar, o meu testemunho e

    agradecimento pela inspirao, sabedoria, resilincia e exemplo de cidadania ativa.

    minha famlia e muito especialmente ao meu marido, pelo suporte inspirao e composio grfica

    informtica desta tese.

    6

  • RESUMO

    .

    Objetivo Principal

    Determinar a consistncia da utilizao dos instrumentos de avaliao da capacidade

    intelectual escalas de Griffiths e WISC III no enquadramento dos domnios e dos

    qualificadores da CIF-CJ, restrita s funes mentais do corpo.

    Objetivo secundrio:

    Estudar a efetividade e concordncia inter-observador da aplicao da CIF, com base na leitura

    dos dados obtidos em avaliao efetuada com os instrumentos referidos, por duas observadoras

    independentes, em contexto de articulao sade, respetivamente educao e segurana social

    Mtodos

    Estudo observacional, descritivo, transversal e prospetivo.

    Foi estudada uma amostra de convenincia 355 crianas, num perodo de trs anos (Maio de

    2010 a 30 de Abril de 2013), com patologia da rea da pediatria do neurodesenvolvimento

    (total de 4000 consultas) no Centro de Desenvolvimento (CD) do Hospital de Dona Estefnia

    (HDE), Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE (CHLC, EPE).

    Critrios de incluso: crianas de ambos os sexos, observadas no CD do HDE, CHLC

    (primeiras consultas e consultas de reavaliao) com idade 12 meses e 17 anos e

    incapacidade intelectual definida de acordo com os critrios da DSM-IV-TR, DSM 5 e CID-

    10.

    Critrios de excluso: crianas com autismo, perturbaes especficas da linguagem,

    hiperatividade, dfice de ateno e concentrao, dfices sensoriais congnitos (baixa viso e

    ou audio), ou com outros diagnsticos de perturbaes de neurodesenvolvimento.

    O estudo teve duas fases: na primeira, a investigadora principal colheu ou atualizou a histria

    clnica, observou clinicamente as crianas solicitando os exames complementares

    considerados necessrios e foi efetuada avaliao psicolgica com os instrumentos adiante

    descritos, pela mesma psicloga clnica, devidamente credenciada, e com larga experincia nas

    escalas referidas.

    7

  • Com base nos dados colhidos, quer por observao direta, quer atravs dos resultados das

    escalas Griffiths e WISC III, a investigadora aplicou a CIF-CJ, circunscrita aos domnios e

    funes (variveis):

    1. FUNESMENTAIS GLOBAIS (b110- Funes da conscincia, b114- Funes da

    orientao no espao e no tempo, b117 Funes intelectuais, b122- Funes psicossociais

    globais, b125- Funes intrapessoais, b126- Funes do temperamento e da personalidade);

    2.FUNES MENTAIS ESPECFICAS (b140- funes da ateno, b147- Funes

    psicomotoras, b152- Funes emocionais, b156- Funes da perceo, b163- Funes

    cognitivas bsicas, b164- Funes cognitivas de nvel superior, b167- Funes mentais da

    linguagem

    3. FUNES DA VOZ E DA FALA (b320- Funes da articulao, b330- Funes da

    fluncia e do ritmo da fala).

    Numa segunda fase, foi solicitada a colaborao de duas co-investigadoras, com formao

    especfica nas escalas utilizadas e na CIF-CJ, a aplicao da CIF nos mesmos domnios e

    funes. Estas observadoras no efetuaram observaes diretas das crianas envolvidas.

    Para efetuar a anlise estatstica e analisar a relao entre os qualificadores (0 a 4) das variveis

    da CIF em estudo (b117, b122, b147, b163, b164, b167, b320 e b330) e os instrumentos

    psicomtricos (escalas de Griffiths e WISC III), que constitui a primeira parte do estudo,

    recorreu-se tcnica estatstica no paramtrica do coeficiente de correlao de Spearman, que

    quantifica a intensidade e sinal da eventual correlao existente entre as variveis em estudo.

    Para determinar as correlaes referentes segunda parte do estudo, foram utilizados os

    programas SPSS, (IBM SPSS Statistics) e Statistica (StatSoft, Inc., 2011). STATISTICA

    (data analysis software system, version 10. www.statsoft.com.), tendo-se dado preferncia aos

    grficos deste ltimo.

    Resultados

    1. Observou-se um predomnio do sexo masculino (relao de 1:1,9); relativamente idade no

    momento de avaliao, 242 crianas (68,1%) tinham entre zero e seis anos e, dentro destas, a

    maioria (189) situava-se entre os trs e os seis anos.

    2. De acordo com a DSM-IV e DSM-5, 261 (73,4%) crianas apresentavam incapacidade intelectual

    ligeira.

    8

    http://www-01.ibm.com/software/analytics/spss/products/statistics/

  • 3. A avaliao da competncia intelectual pelas escalas de Ruth Griffiths e WISC III (QI), revelaram

    correlao negativa predominantemente forte e muito forte (ndice de Spearman) com os

    qualificadores das funes do corpo estudadas (funes mentais, mentais especficas e da voz).

    Os resultados obtidos pela co-investigadora A foram sobreponveis aos da investigadora principal.

    Os resultados obtidos pela co-investigadora B revelaram correlao negativa moderada e forte,

    correlao inferior da investigadora principal;

    Concluses

    Os resultados permitem inferir que as escalas de Ruth Griffiths e WISC-III so instrumentos

    adequados para caracterizar a incapacidade intelectual na CIF-CJ; a concordncia inter-observador,

    moderada, nos qualificadores atribudos nas funes em anlise pela investigadora e co-

    investigadoras, permite concluir que as escalas de Ruth Griffiths e WISC IIIl so bons instrumentos

    para caracterizar os qualificadores nos domnios e funes estudados, por diferentes grupos de

    profissionais ligados infncia. Subsistem dificuldades na diferenciao entre qualificadores,

    designadamente entre os qualificadores 1 e 2, o que tem necessariamente implicaes na elegibilidade

    das crianas para os apoios preconizados pelo DL 3/2008.

    Palavras-chave: CIF, CIF-CJ, crianas, funes do corpo, funes mentais globais, funes mentais especficas, funes da fala e voz, incapacidade intelectual.

    9

  • ABSTRACT

    Main objective

    To determine the consistency of the use of assessment tools for intellectual ability - Griffiths and

    WISC III scales - in the context of domains and qualifiers for the ICF-CY, restricted to the mental

    functions of the body.

    Secondary objective

    Studying the effectiveness and inter-observer concordance concerning the application of the ICF,

    based on the data recovered from the assessment made with the mentioned instruments, carried

    out by two independent observers including their perspective on health, education and social

    security.

    Methods

    Observational, descriptive, cross-sectional and prospective study.

    A convenience sample of 355 children was studied over a period of three years (May 2010 to

    April 2013), with a pathology in the area of pediatric neurodevelopment intellectual disability

    (total of 4000 consultations, including first consultations and revaluations) were observed in the

    Development Centre (CD) in Hospital de Dona Estefnia (HDE), Centro Hospitalar de Lisboa

    Central, EPE (CHLC).

    Inclusion criteria: children of both sexes aged 12 months and years 17 and intellectual

    disability defined according to the criteria in the DSM-IV-TR, DSM 5 and ICD-10.

    Exclusion criteria: children with autism; specific language impairment, hyperactivity; attention

    deficit disorder; severe birth sensory deficits (eg, impaired vision and hearing); amongst other

    diagnoses for neurodevelopmental disorders.

    The study was conducted in two phases: in the first phase the principal investigator collected or

    updated medical history, clinically observed children requesting additional investigations if she

    deemed necessary. Psychological evaluation was performed by a single, duly licensed clinical

    psychologist with extensive experience in the referred scales using the instruments described

    below.

    11

  • Based on data collected, either by direct observation or through the results of Griffiths scales and

    WISC - III, the researcher applied the ICF-CY confined to the following fields and functions

    (variables):

    1. GLOBAL MENTAL FUNCTIONS (b110- functions of consciousness, b114- Functions

    referring to space and time orientation , b117 - intellectual functions, b122- global

    psychosocial functions, b125- intrapersonal functions, b126- functions related to

    temperament and personality);

    2. SPECIFIC MENTAL FUNCTIONS ( b140- attention functions, b147-psychomotor

    functions, b152- Emotional functions, b156- perception functions, b163- basic cognitive

    functions and cognitive functions b164- top level b167- language related mental functions. )

    3. VOICE AND SPEECH FUNCTIONS (b320-articulation functions, b330- fluency and

    rhythm of speech functions).

    In the second phase, two co-investigators, with specific training on the scales used and the ICF-

    CY have applied the ICF in the domains and functions mentioned above, based on the scales

    results. These co-investigators did not make any direct observation of the studied children.

    To perform the statistical analysis and analyze the relationship between the qualifiers (0-4) of the

    variables in the ICF study (b117, b122, b147, B163, B164, b167, b320 and B330) and

    psychometric instruments (Griffiths scale and WISC III), which is the first part of the study, the

    statistical technique of non-parametric Spearman correlation coefficient was used, which

    quantifies the strength and sign of the possible correlation between the variables under study.

    For submission of correlations related to the second part of the study, SPSS (IBM SPSS) and

    Statistica (StatSoft, Inc., 2011) programs were used. STATISTICA (data analysis software

    system, version 10 www.statsoft.com.). Preference was given to graphs computed in Statistica.

    Results

    Male predominated (ratio of 1: 1.9). 242 children (68.1% of the sample) were aged between zero

    and six years and, among these, the majority (189) was aged largest number between three and

    six years.

    According to the DSM-IV and DSM-5, 261 (73.4%) children had mild intellectual disability.

    12

  • The correlation between the assessment of intellectual competence by Ruth Griffiths scales and

    WISC III (QI), was predominantly negative strong and very strong correlation with the qualifiers

    of body functions studied (specific mental functions, mental and voice functions using Spearman

    index). The levels of correlation obtained by the co-investigatores were in agreeance with the

    results from the principal investigator. The results obtained by co-investigator B showed

    moderate to strong negative correlation, levels that were lower to the those registered by the

    principal investigator;

    Conclusions

    These results indicate that Ruth Griffiths and WISC-III scales are adequate tools to characterize

    intellectual disability in the ICF-CY; moderate inter-observer agreement in the qualifiers assigned the

    functions under analysis by the researcher and co-researchers, shows that the scales are also good

    tools to measure CIF qualifyers by diferent technicians with different professional orientations,

    related to children. However, there are still difficulties in differentiating qualifiers, namely between

    qualifiers 1/2 and 3/4, which necessarily has implications for the eligibility of children for the state

    support advocated by the Portuguese Decret Law 3/2008.

    Key-words: Body functions, global mental functions, children, ICF, ICF-CY, intellectual disability, specific mental functions, speech and voice functions.

    13

  • Palavras-chave:

    Classificao Internacional de Funcionalidade (CIF),

    Organizao Mundial de Sade (OMS),

    Desenvolvimento da Criana (DC).

    1. Enquadramento institucional/Instituies envolvidas: a. Centro de Desenvolvimento, rea de Pediatria Mdica, Hospital de Dona Estefnia

    (HDE), Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE (CHLC).

    b. Faculdade de Cincias Mdicas - Universidade Nova de Lisboa.

    15

  • ndice Agradecimentos ............................................................................................................................................... 5

    RESUMO.......................................................................................................................................................... 7

    ABSTRACT ................................................................................................................................................... 11

    Palavras-chave: .............................................................................................................................................. 15

    ndice .............................................................................................................................................................. 17

    I Parte ............................................................................................................................................................. 21

    Prembulo ...................................................................................................................................................... 21

    Captulos em publicao efetuada em contexto de grupo de trabalho europeu: ................................. 21

    Vrios captulos em tratado de Pediatria editado em 2008 (reeditado em 2013 verso e-book)) ... 23

    ABREVIATURAS ......................................................................................................................................... 27

    I - Introduo ................................................................................................................................................. 29

    II - Enquadramento Conceptual .................................................................................................................. 31

    III -Sobre a Epistemologia ......................................................................................................................... 39

    A SNC, CREBRO - EVOLUO HUMANA ................................................................................... 39

    B - DESENVOLVIMENTO DA MENTE ............................................................................................... 40

    C- DESENVOLVIMENTO DA CONSCINCIA E A BIOLOGIA DA MUDANA ........................ 45

    IV - Teorias Psicodinmicas do Desenvolvimento Humano ...................................................................... 49

    IV A - TEORIA ECOLGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO .............................................................. 50

    IV B - OS DESENVOLVIMENTALISTAS ....................................................................................................... 51

    IV C - A DADE NATURE/NURTURE ........................................................................................................ 53

    IV D -Teoria Unificada do Desenvolvimento .......................................................................................... 56

    1 . Modelo de mudana pessoal ....................................................................................................... 58

    2 Modelo Contextual ........................................................................................................................ 59

    3. Modelo Regulacional ..................................................................................................................... 62

    4-Modelo Representacional .................................................................................................................. 64

    IV E -CONTRIBUTOS PARA UNIFICAR A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ............................................. 65

    1) Descrio da estrutura dos componentes individuais e contextuais .......................................... 65

    2) Formulao do processo ................................................................................................................... 66

    V - Avaliao Funcional e Incapacidade Intelectual ................................................................................... 69

    A - Algumas notas histricas .................................................................................................................... 69

    B - INTELIGNCIA ................................................................................................................................. 71

    C - CREBRO, MENTE E INTELIGNCIA ........................................................................................ 73

    D - INTELIGNCIA E COGNIO ...................................................................................................... 75

    E INTELIGNCIA, PENSAMENTO E MORAL .............................................................................. 77

    17

  • E. 1 Estilos parentais e desenvolvimento moral .................................................................................. 82

    VI A Avaliao de Neurodesenvolvimento ............................................................................................... 85

    A. Porqu? .................................................................................................................................................. 85

    B- Avaliar quem? ....................................................................................................................................... 86

    C- Avaliar o qu? ....................................................................................................................................... 87

    D - Como? ................................................................................................................................................... 88

    D.1. Avaliao direta: .............................................................................................................................. 89

    D.2 - Avaliao indireta: ......................................................................................................................... 93

    E - Quem pode e deve avaliar? ................................................................................................................. 94

    F - Quando?................................................................................................................................................ 95

    G - Avaliao: vantagens e desvantagens ................................................................................................ 95

    VII-Incapacidade Intelectual ........................................................................................................................ 99

    A- CONCEITOS, PRECONCEITOS E PARADIGMAS ............................................................................... 99

    A. 1 - As dificuldades: .......................................................................................................................... 99

    A. 2 - Conceito/Definio de Incapacidade intelectual: ..................................................................... 100

    B- CLASSIFICAO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SADE ............... 105

    B. 1- Funcionalidade, Incapacidade e Sade ................................................................................. 107

    B. 2 - Os objetivos da CIF ................................................................................................................ 108

    B. 3 - - Definio dos componentes ................................................................................................. 109

    B. 4 - Implementao ...................................................................................................................... 111

    B. 5- A CIF para Crianas e Jovens (CIF-CJ) .............................................................................. 113

    B. 6 - A CIF em Portugal ................................................................................................................. 114

    C- INVESTIGAO. ....................................................................................................................... 117

    C. 1 - INVESTIGAO / AO - (IA) ......................................................................................... 118

    II PARTE ..................................................................................................................................................... 121

    A CIF E A INCAPACIDADE INTELECTUAL: CONTRIBUTOS PARA A SUA APLICAO COM DOIS INSTRUMENTOS PADRONIZADOS ........................................................................................... 121

    VIII - Objectivos: ......................................................................................................................................... 123

    IX - Material e Mtodos: ............................................................................................................................. 125

    IX. 1 - Seleo de doentes: ........................................................................................................................ 125

    IX. 2 - Procedimentos e colheita de dados ................................................................................................ 125

    IX. 3 - Instrumentos utilizados: ................................................................................................................. 126

    IX. 4 - Classificao da capacidade intelectual ......................................................................................... 126

    IX. 5 - Caracterizao das funes e estruturas do corpo: ......................................................................... 127

    IX. 6 - Variveis estudadas (Quadro I): ..................................................................................................... 127

    1. FUNES MENTAIS GLOBAIS ................................................................................................ 127

    18

  • 2. FUNES MENTAIS ESPECFICAS ......................................................................................... 128

    3. FUNES DA VOZ E DA FALA ............................................................................................... 128

    IX. 7 - Escalas utilizadas ........................................................................................................................... 128

    1. Escala de Ruth Griffiths .................................................................................................................... 128

    2. WISC III (6-16 anos): resultado global e resultados parciais das subescalas verbal e realizao. 128

    IX. 8 - Metodologia estatstica .................................................................................................................. 129

    IX. 9 - Princpios ticos: ........................................................................................................................... 131

    X - Resultados: ............................................................................................................................................. 133

    X. 1 - Caractersticas da amostra estudada ................................................................................................ 133

    X. 2 - Classe social .................................................................................................................................... 134

    X. 3 Fatores de risco scio-ambiental ....................................................................................................... 134

    X. 4 - Grupos nosolgicos - CID-10.......................................................................................................... 134

    X. 5 - Classificao de incapacidade intelectual, de acordo com a DSM IV ............................................ 137

    X. 6 - Correlao das escalas Griffiths, WISC e CIF ................................................................................ 137

    1- Valores das Correlaes .................................................................................................................... 137

    2 - Relao entre os resultados das subescalas da Griffiths e os qualificadores da CIF. ....................... 149

    3 - Anlise dos qualificadores das funes CIF em relao aos valores da WISC ................................ 158

    X. 7- Resultados da co-investigadora A .................................................................................................... 167

    X. 8 - Resultados da co-investigadora B ................................................................................................... 181

    X. 9 - Anlise da concordncia entre investigadora principal e co-investigadora A ................................. 195

    X. 10 - Anlise da concordncia entre investigadora principal e co-investigadora B ............................... 199

    X. 11 - Anlise da concordncia entre as co-investigadoras A e B ......................................................... 203

    XI -Discusso: .............................................................................................................................................. 211

    XII- Concluses: .......................................................................................................................................... 227

    XII - Investigao futura: ........................................................................................................................... 229

    Referencias ................................................................................................................................................... 231

    19

  • I Parte

    Prembulo

    Esta tese decorre de um percurso profissional e de uma longa meditao pessoal e profissional

    sobre a incapacidade intelectual, os inerentes determinismos biolgicos e psicossociais e incide

    sobre o que a tica da responsabilidade e justia podem mudar, nesta matria, numa sociedade,

    para autonomizar o mais vulnervel: criar ou rentabilizar os melhores meios para tornar o que

    diferente, semelhante a ns, na diferena.

    Para a concretizao deste trabalho, foi determinante a prtica e experincia clnica adquirida ao longo

    dos anos ao servio da criana e famlia, no maior hospital peditrico do pas, plasmada em diversas

    publicaes, num total de 54 publicaes em revistas da especialidade (duas em revistas

    internacionais), que constam do seu curriculum vitae, das quais aqui salienta as publicadas no mbito

    da pediatria do neurodesenvolvimento:

    Captulos em publicao efetuada em contexto de grupo de trabalho europeu:

    PARENTS AND TEACHERS WORKING HAND IN HAND. TRAINNING PROGRAMME FOR

    PARENTS AND TEACHERS OF PUPILS WITH ATTENTION DEFICIT HIPERACTIVITY

    DISORDER (ADHD)

    ISBN: 978-605-378-053-3

    PROJECT COORDINATOR

    - Ankara Provincial Directorate for National Education, Special Education

    Guidance and Consultancy Services Department, Ankara, Turkey

    PROJECT PARTNERS

    - Associazione Accademia Psicologia Applicato (A.P.A.) Palermo, Sicily, Italy

    - Centre Education 2000+ Bucharest, Romania

    21

  • - Northumberland F E College, Ashington, United Kingdom

    - Associated Partner: Atkinson House Special School, Seghill,

    Northumberland U.K.

    - Polo Europeo della Conoscenza - i.c. Lorenzi, Verona, Italy

    - UAEI Unit of Support to School Inclusion, School of Education, Porto, Portugal

    Sanches-Ferreira, M. (School of Education, Porto); Santos, M. (School of Education,

    Porto); Vale, M. (Dona Estefnia Pediatric Hospital, Lisbon); Lopes-dos-Santos, P.

    (Faculty of Psychology and Educational Sciences of Porto) Ankara- Turkey (2009)

    MONITORING, EVALUATING & ASSESSMENT OF ADHD in PARENTS and TEACHERS

    WORKING HAND in HAND. TRAINNING PROGRAMME for PARENTS and TEACHERS

    of PUPILS with ATTENTION DEFICIT HIPERACTIVITY DISORDER (ADHD)

    Santos, M.A. & Sanches-Ferreira, M 1

    Lopes-dos-Santos,P. 2 (Faculty of Psychology and Educational Sciences of Porto)

    Vale, Maria do Carmo 3 (D. Estefnia Hospital, Lisbon)

    1 - (School of Education, Porto)

    2 - (Faculty of Psychology and Educational Sciences of Porto)

    3 - (D. Estefnia Hospital, Lisbon)

    ADHD THROUGH LIFESPAN in PARENTS and TEACHERS WORKING HAND in HAND.

    TRAINNING PROGRAMME for PARENTS and TEACHERS of PUPILS with ATTENTION

    DEFICIT HIPERACTIVITY DISORDER (ADHD)

    Vale, MC (Dona Estefnia Pediatric Hospital, Lisbon)

    22

  • INDIVIDUALIZED EDUCATION PROGRAMS in PARENTS and TEACHERS WORKING

    HAND in HAND. TRAINNING PROGRAMME for PARENTS and TEACHERS of PUPILS

    with ATTENTION DEFICIT HIPERACTIVITY DISORDER (ADHD)

    Santos, M.A. & Sanches-Ferreira, M, Lopes-dos-Santos,P. 2 (Faculty of Psychology and Educational

    Sciences of Porto), Vale, MC (Dona Estefnia Pediatric Hospital, Lisbon)

    Vrios captulos em tratado de Pediatria editado em 2008 (reeditado em 2013 verso e-

    book))

    Tratado de Clnica Peditrica

    Joo M. Videira Amaral Editor/Coordenador

    Edio Abott Laboratrios

    Lisboa 2008

    ISBN: 978-989-20-1277-3

    1. Parte I Introduo Clnica Peditrica

    1. tica, humanizao e cuidados paliativos

    Maria do Carmo Vale e Joo M. Videira Amaral

    2. Parte IV Desenvolvimento e Comportamento

    1. Desenvolvimento

    Maria do Carmo Vale

    2. Desenvolvimento e interveno

    Ana Alegria, Joo Estrada e Maria do Carmo Vale

    3. Comportamento e temperamento

    Maria do Carmo Vale

    4. Deficincia mental

    Maria do Carmo Vale e Mnica Pinto

    5. Perturbaes da linguagem e comunicao

    23

  • Maria do Carmo Vale e Mnica Pinto

    6. Aprendizagem e insucesso escolar

    Maria do Carmo Vale

    7. Perturbaes do sono

    Maria do Carmo Vale e Joo M. Videira Amaral

    8. Perturbaes do espectro do autismo

    Maria do Carmo Vale e Mnica Pinto

    9. Perturbao da hiperactividade e dfice de ateno

    Mnica Pinto e Maria do Carmo Vale

    Revistas internacionais:

    Pimentel, M.J, Vieira-Santos, S., Santos, V., Vale, M.C. (2011). Mothers of children with attention

    deficit/hyperactivity disorder: relationship among parenting stress, parental practices and child

    behaviour. Atten Defic Hyperact Disord 2011;3:61-68.

    Revistas nacionais:

    Oliveira G, duque F, Duarte C, Melo F, Teles L, Brito M, Vale MC, Guimares J, Gouveia R. Pediatria do Neurodesenvolvimento. Levantamento Nacional de Recursos e Necessidades. Acta Pediatr Port 2012;43 (1):1-7.

    Amaral R, Pinto M, Pimentel MJ, Martins M, Vale MC. Deficincia mental: Casustica da Unidade de Desenvolvimento do Hospital de Dona Estefnia. Acta Med Port 2010; 23: 993-1000.

    Vale MC. Classificao Internacional de Funcionalidade (CIF): conceitos, preconceitos e

    paradigmas. Contributo de um constructo para o percurso real em meio natural de vida.

    24

  • Acta Peditr Port 2009;40 (5):229-36.

    Vale MC, Oliveira G. Consentimento Informado em menores.

    www.ceic.pt/portal/ceic/documentos (2010)

    Pimentel, M.J, Faria M, Vieira-Santos S, Vale, M.C

    Famlias de Crianas com Problemas de Desenvolvimento: Relao entre prticas educativas

    parentais e comportamento da criana e necessidades de interveno

    Actas do 7 Congresso Nacional de Psicologia da Sade

    2008, Universidade do Porto

    Vale MC. Conceito de Desenvolvimento.

    Acta Peditr. Port 2005;36:105-8.

    Vale MC. Consentimento Informado em Pediatria.

    Acta Peditr. Port 2003;34:171-5.

    Vale MC. O Desenvolvimento Moral da Criana.

    Acta Peditr. Port 2002;33:301-4.

    Teles L, Vale MC, Estrada J, Gama L. Quando Eu For Grande, Quero Ser....

    Acta Peditr. Port. 2001;32(3):139-42.

    Pereira AL, Vale MC. Alteraes do Comportamento na criana.

    Cadernos do Internato de Pedopsiquiatria 1994; 4:21-8.

    25

    http://www.ceic.pt/portal/ceic/documentos

  • A segunda e terceira publicaes referidas em revistas nacionais, assinaladas a bold, foram

    determinantes para aprofundar e questionar a relao e consequncias prticas entre

    diferentes sistemas de caracterizao, visando os apoios educativos especficos a atribuir a

    cada criana.

    Desde o internato complementar de Pediatria Mdica, efetuado no Hospital de Dona Estefnia,que se

    interessou e dedicou rea da Pediatria do Neurodesenvolvimento; teve oportunidade de organizar e

    participar em 2009, em ps-graduao na Faculdade de Cincias Mdicas como coordenadora e

    preletora (25h) em Desenvolvimento Infantil, para alm da organizao de jornadas, participao em

    ps-graduaes e mestrados noutras universidades e escolas superiores, e participante como preletora

    e moderadora em vrias mesas redondas nesta rea, explicitadas no Curriculum Vitae.

    A necessidade de caracterizar a incapacidade intelectual quantitativa e qualitativamente, aliadas

    introduo no nosso pas de uma nova classificao A Classificao Internacional de

    Funcionalidade para crianas e Jovens condicionaram o seu interesse na conjugao e harmonizao

    dos instrumentos de avaliao existentes, com a filosofia subjacente Classificao Internacional

    para crianas e jovens (CIF-CJ).

    A compatibizao entre diferentes sistemas classificativos, com diferentes funes, vises e

    filosofias, a implementao de critrios uniformes extensivos a todas as crianas, de acordo com o

    princpio da justia distributiva e equidade, no enquadramento dos DL 3/2008 e 281/2009, norteou a

    investigadora no presente estudo.

    Dedica-a a todas as crianas, particularmente s crianas diferentes.

    Nota: Na redao da tese a autora seguiu o novo acordo ortogrfico.

    26

  • ABREVIATURAS

    AAIDD American Association on Intellectual and Developmental Disabilities

    ACES Agrupamentos de Centros de Sade

    AE Agrupamentos de Escolas

    CID 10 Classificao Internacional de Doenas (verso 10)

    CD Centro de Desenvolvimento

    CIDID Classificao Internacional de Deficincias, Incapacidades e Desvantagens

    CIF Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade

    CHLC Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE

    CIF - Classificao Internacional de Funcionalidade

    CIF-CJ Classificao Internacional de Funcionalidade para Crianas e Jovens

    CS Centros de Sade

    DC - Desenvolvimento da Criana.

    DSM IV-TR Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders-IV edio-Texto Revisto

    DSM 5 - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 5 edio

    EE Ensino Especial

    FCM - Faculdade de Cincias Mdicas

    IA Investigao-Ao

    ICD 10 International Classification of Diseases (10th ed)

    ICIDH International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps

    HDE Hospital de Dona Estefnia

    MDEPM Manual de Diagnstico e Estatstica das Perturbaes Mentais

    NBAS Neonatal Behaviour Assessment Scale

    27

  • NMS New Medical School

    OMS - Organizao Mundial de Sade

    PNSIJ Plano Nacional de Sade Infantil e Juvenil

    QD Quociente de Desenvolvimento

    QI Quociente Intelectual

    SNC Sistema Nervoso Central

    SNIPI Sistema Nacional de Interveno Precoce

    RG Ruth Griffiths

    RN Recm-Nascido

    RNM Ressonncia Magntica

    SAS - Statistical Analysis System

    SE Sade Escolar

    SNC Sistema Nervoso Central

    ULS Unidades Locais de Sade

    WISC Wechsler Intelligence Scale for Children

    WHO - World Health Organization

    WHO-FIC World Health Organization Family of International Diseases

    28

  • I PARTE

    I - Introduo A avaliao do desenvolvimento da criana tem vindo a assumir progressiva importncia nos ltimos

    60 anos em toda a populao peditrica, mas com especial relevncia e interesse nas crianas oriundas

    de famlias desorganizadas e economicamente desfavorecidas, ou com suspeita de atraso, perturbao

    do desenvolvimento e condies de deficincia estabelecida, que exigem cuidados mdicos e

    apresentam necessidades educativas especiais de carter permanente ou transitrio.

    Por outro lado, existem reas de sobreposio entre a neuropsicologia e psicopatologia do

    desenvolvimento, na medida em que ambas se centram no desenvolvimento atpico,

    comparativamente ao desenvolvimento normal.

    Assim, as neurocincias demarcam-se das reas anteriores, ao centrarem-se no funcionamento

    cognitivo normal e ultrapassam a informao decorrente do desenvolvimento do sistema nervoso

    central (SNC). Dessa forma tm adquirido suporte adicional de evidncia na sustentao de teorias

    cognitivas que se fundamentam na estrutura cerebral, utilizando os desvios funcionais ocasionais do

    desenvolvimento, condicionados por patologias vrias, traumatismos mais ou menos incapacitantes,

    ou seja, fazendo uso do experimentalismo natural, no provocado, para estudar as bases da cognio

    normal.

    precisamente esse virtuosismo de interdisciplinaridade, que ameaa a informao hipoteticamente

    conseguida. Sem descurar a importncia do aporte de outras disciplinas nas teorias de

    desenvolvimento e cognio, a inevitvel disperso interfere com a interpretao objetiva dos

    resultados, prejudicando a prova cientfica e inviabilizando a evidncia cientfica universal.

    Por tudo isto, a rea do desenvolvimento da criana corre o risco de se circunscrever relao entre

    o diagnstico clnico-biolgico ou biomdico com mensuraes grosseiras, imediatistas e redutoras,

    de que so exemplo as escalas de desenvolvimento, com os denominados quociente de

    desenvolvimento (QD) e quociente intelectual (QI), presentemente reequacionados pelos desvios

    padro do normal. Sem desvirtuar a utilidade destes instrumentos na investigao clnica,

    pretendemos complementar a informao por estes veiculada, com outro instrumento qualitativo e

    quantitativo, mais abrangente e universal, que ultrapasse as limitaes da linguagem e modelo

    29

  • biomdico e seja compreendido e aplicvel por todos os profissionais ligados infncia A

    Classificao Internacional de Funcionalidade (CIF) (4).

    Esta tese pretende reagir, de forma proativa e construtiva, abordagem e avaliao do

    desenvolvimento infantil, de forte influncia biomdica, atravs de um percurso feito de revisitao

    das teorias existentes, de trabalho prtico efetuado no terreno e de saberes aportados pelas principais

    disciplinas envolvidas: sade, educao, sociologia, psicologia, filosofia, antropologia e muitas

    outras. Atualmente este conhecimento fortemente sedimentado nas teorias holsticas mais atuais do

    desenvolvimento humano. (4).

    30

  • II - Enquadramento Conceptual

    Estimativas recentes apontam para que cerca de 18% das crianas nos EUA, com idade inferior aos

    18 anos, apresentam incapacidades e necessidades especiais (5), definidas como condies de sade

    ou doenas crnicas que necessitam de servios de sade e afins de maneira mais frequente e regular,

    comparativamente aos pares sem estas condies (6).

    As crianas e jovens com incapacidade so uma populao heterognea, com complexos diagnsticos

    mdicos e associada a morbilidade crnica. Apresentam perturbaes do neurodesenvolvimento e

    comportamento, limitaes funcionais nas atividades dirias, designadamente, em atividades

    essenciais do autocuidado, mobilidade, comunicao e aprendizagem, perturbaes da ateno,

    concentrao e impulsos, necessitando de servios sociais, mdicos e educativos que as

    diagnostiquem, orientem, apoiem e incluam do ponto de vista educativo e social, bem como s

    respetivas famlias (7) (8).

    A Organizao Mundial de Sade (OMS) possui vrias classificaes, de que a mais conhecida a

    Classificao Internacional de Doenas (CID), largamente utilizada entre ns e atualmente na sua

    verso 10 (9). Esta baseia-se na etiologia nosolgica, ou seja, na relao causal entre patologia e

    etiologia e nada refere relativamente constituio ou organizao do ambiente como facilitador ou

    barreira.

    A Classificao Internacional de Funcionalidade (CIF) veio colmatar este vazio. Como novo sistema

    de classificao inserida na Famlia de Classificaes Internacionais da Organizao Mundial de

    Sade (World Health Organization Family of International Classifications WHO-FIC), constitui o

    quadro de referncia universal adotado pela OMS para descrever, avaliar e medir a sade e a

    incapacidade, quer a nvel individual, quer a nvel da populao em geral. (10).

    Em 1993, a OMS deu incio a um longo e aprofundado processo de reviso da International

    Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps (ICIDH) (11) que viria a dar origem

    CIF, para o qual contou com uma ampla participao internacional (diferentes pases e entidades,

    grupos de trabalho, elevado nmero de especialistas, organizaes no governamentais, etc.). Os

    contributos e a participao ativa de pessoas com incapacidade e das suas organizaes um aspeto

    que a OMS reala, como particularmente significativo no desenvolvimento da CIF.

    31

  • A CIF resultou assim da reviso da anterior ICIDH, verso experimental publicada em 1980 pela

    OMS (8) (12). A verso portuguesa foi publicada em 1989 pelo ento Secretariado Nacional de

    Reabilitao (SNR) (Classificao Internacional das Deficincias, Incapacidades e Desvantagens)

    (12) (13).

    Em Maio de 2001, a 54 Assembleia Mundial de Sade aprovou o novo sistema de classificao, com

    a designao de International Classification of Functioning, Disabilities and Health, conhecida

    abreviadamente por ICF, traduzida para a lngua portuguesa como Classificao Internacional de

    Funcionalidade, Incapacidade e Sade (CIF), visando a sua utilizao em adultos nos diferentes pases

    membros) (12) (13).

    Em 2007 publicada a Classificao Internacional de Funcionalidade para Crianas e Jovens (CIF-

    CJ). (14) (15).

    Com a adoo da CIF passamos de uma classificao assente na consequncia das doenas

    (verso de 1980) para uma classificao assente em componentes de sade (CIF), mais prxima

    da consolidao e operacionalizao de um novo quadro conceptual de funcionalidade, incapacidade

    humana e sade. (16).

    Ultrapassa, ainda, a conotao da anterior classificao ICIDH demodelo biomdico

    acompanhando a evoluo conceptual, cientifica, internacional e social, relacionada com as questes

    da deficincia e da incapacidade. Com efeito, as crticas mais frequentemente apontadas ICIDH,

    baseiam-se no facto de:

    Estabelecer uma relao causal e unidirecional entre deficincia - incapacidade -

    desvantagem;

    Centrar-se nas limitaes intrnsecas da pessoa e apenas nos seus aspetos negativos;

    No contemplar o papel determinante dos fatores ambientais; (13) (16);

    Com efeito, tem sido defendido e aceite que a deficincia tem consequncias nefastas nas famlias e

    sociedade mas, contrariamente ao expectvel, tem sido menos reconhecido e discutido, em medicina,

    a influncia dos fatores scio-ambientais sobre os diferentes tipos de deficincia. Tomando como

    exemplo a incapacidade intelectual ligeira e moderada, foi identificado o papel de determinadas

    caractersticas ambientais famlia, literacia, fratria, condies de acessibilidade a cuidados de sade

    e a equipamentos escolares, entre outros, - como fatores de agravamento ou atenuadores dessa mesma

    incapacidade intelectual. (17).

    32

  • Mas, se uma criana com limitado potencial intelectual apresenta dificuldades motoras, lingusticas,

    sociais ou de comportamento adaptativo, em parte explicadas por fatores intrnsecos, como explicar

    as dificuldades de aprendizagem em crianas com potencial intelectual normal ou at mesmo acima

    da mdia? (5) (7).

    As respostas mais interessantes baseiam-se na anlise de estudos longitudinais, que revelaram que,

    mesmo em condies clnicas precocemente diagnosticadas, os principais fatores causais residem em

    condies ambientais e contexto social classes socioeconmicas mais desfavorecidas, baixo ndice

    de literacia materna, famlias com elevado nmero de crianas, fatores estes determinantes de maior

    risco de insucesso escolar/dificuldades de aprendizagem em lugar do diagnstico biomdico. (18)

    (19).

    Atento ao exposto, as duas classificaes ICD 10 e CIF - tm objetivos distintos e podem e devem

    ser utilizadas de forma complementar:

    A Classificao Internacional de Doenas (CID-10) (20) fornece uma estrutura de base etiolgica

    biomdica, proporciona um diagnstico de doenas, perturbaes ou outras condies de sade. Em

    contrapartida, a CIF d nfase funcionalidade e incapacidade, associadas a uma condio de sade.

    (10) (13) (16).

    Diz-nos a OMS que a CIF uma classificao com mltiplas finalidades, para ser utilizada de forma

    transversal em diferentes reas disciplinares e sectores: ... sade, educao, segurana social,

    emprego, economia, politica social, desenvolvimento de polticas e de legislao em geral, bem como

    na caracterizao de alteraes ambientais. Foi por isso aceite pelas Naes Unidas como uma das

    suas classificaes sociais, considerando-a como o quadro de referncia apropriado para a definio

    de legislaes internacionais sobre os direitos humanos, e respetiva transposio para as legislaes

    de cada pas. (21).

    Como mudana de paradigma, a CIF introduz uma mudana radical, deslocando-se do modelo

    puramente mdico para um modelo biopsicossocial integrado de funcionalidade e incapacidade

    humana. Conjuga assim, o modelo mdico e o modelo social numa viso coerente das diferentes

    perspetivas de sade: biolgica, individual, pessoal e social.

    Define ainda a funcionalidade e incapacidade como conceitos multidimensionais e interativos que

    relacionam:

    As funes e estruturas do corpo;

    33

  • As atividades e as tarefas efetuadas e as diferentes reas da vida nas quais participam (atividades e

    participao);

    Os fatores do meio-ambiente que influenciam essas experincias (fatores ambientais).

    Operacionaliza o modelo biopsicossocial da incapacidade (disability), dando relevo identificao

    das experincias de vida e das necessidades reais de uma pessoa, assim como identificao das

    caractersticas (fsicas, sociais e atitudinais) do meio envolvente e das condies desejavelmente a

    alterar, visando a otimizao da funcionalidade e participao de cada pessoa singular. (22)

    Complementa, assim, os modelos tradicionais de cariz biomdico, baseados em diagnsticos de

    deficincia (aspetos biolgicos), que condicionam a definio de polticas, medidas e critrios de

    elegibilidade, aes de natureza estatstica, programas e prticas interventivas.

    A funcionalidade e incapacidade de uma pessoa so expressas na interao dinmica entre os estados

    de sade (doenas, perturbaes, leses, etc.) e os fatores contextuais (fatores ambientais e pessoais).

    A incapacidade no um atributo da criana, mas sim um conjunto complexo de condies que

    resultam da sua interao com o meio. (22) (23)

    Assim sendo, a CIF no prope a definio universal do que constitui uma incapacidade (disability),

    nem quem deve ser considerado incapaz [], priorizando uma estrutura multidimensional, que

    permite definir uma populao com incapacidades, em lugar de uma definio nica, normativa e

    pretensamente clara (Guidelines and Principles for the Development of Disability Statistics United

    Nations, 2001). (13) (16)

    Decorrente do modelo biopsicossocial, a CIF tem como princpios orientadores (16):

    A incapacidade no especfica de um grupo minoritrio, mas sim uma experincia humana

    universal;

    A incapacidade no deve ser diferenciada em funo da etiologia ou do diagnstico. Pessoas

    com o mesmo diagnstico apresentam perfis muito diferentes a nvel da execuo de

    atividades e participao;

    Os domnios de classificao da CIF so neutros, permitindo expressar os aspetos positivos

    e negativos do perfil funcional e de participao de uma pessoa;

    Os fatores ambientais assumem um papel crucial, como facilitadores ou barreiras, na

    funcionalidade e incapacidade de cada pessoa.

    34

  • A Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade, publicada pela OMS em

    2001, portanto um sistema de caracterizao, de viso abrangente e holstica, das condies

    relacionadas com a sade, incluindo as que geram incapacidades e afetam a vida das pessoas (16).

    Assim sendo, a Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade (CIF-CJ) para

    crianas e jovens publicada em 2007 (15), um sistema de caracterizao da criana que pode avaliar

    a sua evoluo funcional e com base nesta, melhor planear servios e sistemas que correspondam s

    necessidades das crianas e famlias que deles necessitem. Baseia-se em trs vertentes ou

    componentes fundamentais:

    Funes e estruturas do corpo,

    Atividades e participao,

    Admitindo que fatores ambientais e pessoais influenciam e produzem impacto nestas componentes,

    bem como na doena ou condio de sade subjacente. (14) (24).

    Mas talvez o mais relevante seja o facto de ser particularmente vlida na planificao da transio de

    crianas entre diferentes servios, por exemplo na transio de cuidados mdicos prestados em meio

    hospitalar peditrico para o de adultos, do hospital ou agrupamento de centros de sade para a escola

    ou vice-versa e, dentro desta, na transio do Sistema Nacional de Interveno Precoce (SNIPI) (25)

    para os apoios pr-escolares e escolares (eventualmente para as medidas preconizadas pelo DL

    3/2008) (26) Um pr-requisito fundamental para a utilizao da CIF em crianas, a demonstrao

    da confiabilidade/fidedignidade da sua codificao, numa perspetiva de neurodesenvolvimento. Da

    que consideremos muito importante a aferio (atribuio uniforme) de cdigos e qualificadores da

    ICF a crianas com incapacidade por avaliadores independentes/diferentes, com base em

    instrumentos de avaliao previamente utilizados, na interpretao dos quais as equipas existentes no

    terreno possuam j larga experincia.

    A importncia da matria vertente, Classificao Internacional de Funcionalidade (CIF) na rea da

    Sade, vem assumindo protagonismo crescente no seguimento da promulgao de dois Decretos-lei,

    respetivamente o DL 3/2008 do Ministrio da Educao (26) e o DL 281/2009 (25), este ltimo da

    responsabilidade conjunta do Ministrio da Sade, Segurana Social e Educao, que preconizam,

    entre outras medidas, a referenciao das crianas com problemas de neuroesenvolvimento Escola,

    preferencialmente utilizando a CIF.

    A Sade tem agora responsabilidade acrescida na avaliao, diagnstico e referenciao, tarefas

    assumidas e realizadas desde h longo tempo, mas agora utilizando uma linguagem no medicalizada,

    35

  • isenta de termos clnicos, transversal aos trs sectores envolvidos Educao, Segurana Social e

    Sade, que, para alm de maior percetibilidade, privilegia a intimidade e privacidade da criana e

    famlia, na medida em que se sobrepe a diagnsticos biomdicos.

    Assim sendo, a Sade mantm a sua misso de:

    - Prestar cuidados s crianas e orientar as famlias o mais precocemente possvel;

    -Estruturar e dimensionar a rede de cuidados e referenciao;

    -Compreender a dimenso dos problemas individuais e coletivos, na rea do desenvolvimento e educao infantil;

    -Informar e sensibilizar os decisores no mbito da Sade.

    Para uma correta avaliao e orientao clnica e educativa dos problemas da rea do

    neurodesenvolvimento, so necessrios elementos padronizados, validados, compreendidos e aceites

    pela comunidade cientfica, para poderem funcionar como elementos estruturantes da conduta e

    deciso clnica, exequveis no contexto familiar, social e poltico vigente.

    Como instrumento de articulao, a CIF corresponsabiliza todos os atores sociais, com especial

    relevncia para a Educao, Segurana Social e Sade na atenuao do impacto da incapacidade num

    grupo supostamente minoritrio. A pregnncia do conceito de incapacidade implica que todos os

    cidados, ao longo da sua existncia, tero experincia direta ou indireta, de carter transitrio ou

    permanente, de situaes incapacitantes, e da repercusso em termos de oportunidades de

    participao ativa na sociedade, tornando-a uma experincia universal. A articulao com outros

    elementos da equipa assistencial de crianas com problemas de neurodesenvolvimento assistente

    social, educadores, professores, psiclogos, mdicos de famlia e hospitalares, constituem o cerne da

    avaliao estruturada de doentes que permite a obteno de dados e prossecuo do conhecimento

    nesta rea.

    Se os tradicionais indicadores mdicos se baseiam em variveis duras de que so exemplo as taxas

    de mortalidade da populao, a CIF focaliza o seu interesse no conceito de "vida" e de vivncia em

    contexto, considerando os problemas de sade intrnsecos condio humana e como tal

    melhorveis, mediante a reinveno, renovao ou, na sua impossibilidade, a adaptao

    incapacidade, visando uma existncia produtiva, enriquecedora e gratificante, numa perspetiva

    realista.

    Esta nova filosofia da incapacidade tem implicaes na medicina e prtica clnica, pressionando a

    legislao e polticas sociais a melhorar o acesso aos cuidados de sade, a qualidade do ensino e a

    36

  • adequao dos curricula s reais capacidades, bem como proteo dos direitos individuais e

    coletivos de cidados especiais. (8).

    Assim sendo, a CIF pondera diferentes perspetivas para direcionar medidas pertinentes visando a

    possibilidade de um cidado continuar integrado na vida ativa e participar plenamente na vida da

    comunidade. Considera ainda os aspetos sociais da incapacidade e prope estratgias para minorar o

    impacto do ambiente social e fsico sobre o desempenho da pessoa.

    Existindo j traduo para portugus da CIF, tem vindo a ser implementada a sua aplicao,

    importando adapt-la realidade portuguesa, compreender simultaneamente as dificuldades da sua

    aplicao e apurar a tcnica da sua leitura e interpretao, no contexto da atividade clnica quotidiana.

    (27) (28).

    A CIF tem sido largamente aplicada em vrios pases desenvolvidos, de que so exemplo a Sucia,

    Finlndia, EUA e Japo.

    Contudo, a realidade portuguesa no essa e, devido a falta de informao, a classe mdica tem sido

    renitente utilizao da CIF recomendada pelo DL 3/2008 (26), da responsabilidade exclusiva do

    Ministrio da Educao, que ignorou a importncia da participao e corresponsabilizao da rea da

    Sade, para o cumprimento das medidas preconizadas. Com efeito, s o DL 281/2009 (25) veio

    colmatar tardia e parcialmente a lacuna anteriormente referida, na rea da Interveno Precoce.

    37

  • III -Sobre a Epistemologia

    A SNC, CREBRO - EVOLUO HUMANA O crebro humano particularmente complexo, representa 2% do peso corporal e recebe

    aproximadamente 14% de todo o sangue bombeado pelo corao. (29)

    constitudo por diferentes partes, em que cada uma tem uma funo especfica: processamento da

    linguagem ou da cor, o registo do medo, a apetncia pelo rosto humano e reconhecimento da face

    humana, etc. Cada crebro nico, permanece em contnua mutao e especialmente sensvel ao

    meio. (30)

    A sua complexidade no se reduz a uma coleo esttica de mdulos funcionais com mltiplas

    caractersticas: a interdependncia, interatividade e criatividade condicionam reaes e respostas

    inovadoras, adequadas e flexveis aos estmulos internos h portanto uma variabilidade que torna

    cada crebro, mente e ser humano nico e irrepetvel. A atividade cerebral controlada por estmulos

    eltricos e qumicos que integram um sistema dinmico, funcionando paralelamente em diferentes

    reas.

    Desafiando permanentemente o conhecimento cientfico e filosfico, o crebro humano permanece

    um grande mistrio, criando no homem interrogaes, desassossegos, inquietude, questionamentos,

    insatisfao e curiosidade que catapultam o homem na prossecuo de um objetivo pristino: o

    conhecimento de si.

    As alteraes envolvidas no crescimento das crianas, desde o nascimento adolescncia, envolvem

    o crebro e a mente de forma notvel, atravs de alteraes no comportamento, pensamento e emoo.

    A compreenso da interao entre o desenvolvimento do crebro (rgo) e mente (pensamento,

    comportamento, emoo e razo) tm contribudo iniludivelmente para o aperfeioamento da nossa

    atitude em diferentes vertentes como a educao, polticas sociais e perturbaes do desenvolvimento.

    (31) (32).

    O estudo destas reas, designadamente na rea do desenvolvimento cognitivo, emergiu da interface

    entre duas questes que tm desafiado a humanidade ao longo dos tempos:

    1. A relao mente-corpo e especificamente entre a corporalidade do crebro/sistema nervoso central

    (SNC) e os processos mentais a que d suporte;

    39

  • 2. A origem e conhecimento de estruturas/componentes biolgicas, altamente especializadas e

    diferenciadas, de que so exemplo os neurotransmissores.

    Estes aspetos so fulcrais para o estudo e compreenso do desenvolvimento da cognio humana e

    podem ser colocados em termos de:

    1. A epistemologia da palavra Filogenia (ou filognese que vem do (grego: phylon =

    tribo, raa e genetikos = relativo gnese = origem) e o estudo das relaes evolutivas

    (ou seja, relaes filogenticas) de um grupo de organismos, isto , das relaes

    ancestrais entre espcies conhecidas (as que vivem e as extintas). Foi estudada e

    desenvolvida por Darwin;

    2. A Ontogenia (ou ontognese) o estudo da origem e do desenvolvimento de um

    organismo desde o ovo fertilizado at forma adulta, envelhecimento e morte: tudo o

    que nasce morre e tudo o que morre, nasceu e teve um perodo de vida de maior ou

    menor durao. A ontogenia estudada na Biologia do Desenvolvimento. (33).

    A ontogenia no se reduz execuo do programa de instrues codificadas por um

    grupo de genes selecionados de forma natural, isto , o desenvolvimento de um

    organismo no reflete apenas a evoluo das espcies, mas antes a interao entre o

    ambiente e o indivduo.

    Na verdade, o que tem emergido nas ltimas dcadas que o desenvolvimento ontognico um longo

    processo interativo, atravs do qual os processos biolgicos se reconstruem, renovam e reinventam

    atravs de complexas e variveis interaes entre o patrimnio gentico e a moldura ambiental. Ou

    seja, a informao no est exclusivamente nos genes, antes emerge da interao profcua, adaptativa,

    entre os genes e o ambiente. (34).

    B - DESENVOLVIMENTO DA MENTE

    Vrias teorias e escolas tm tentado descrever as relaes entre o crebro (rgo) e a sua

    funcionalidade (mente, cognio, apetncias e competncias, alma, esprito).

    Para podermos refletir este problema, pedra filosofal da histria do conhecimento humano acerca de

    si, necessrio definir as relaes das diferentes partes anatmicas do crebro, com as diferentes

    funcionalidades intrnsecas.

    40

    http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_gregahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Evolu%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Organismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Organismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ovohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fertiliza%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Adulto_(Biologia)http://pt.wikipedia.org/wiki/Biologia_do_Desenvolvimento

  • Foi Gall quem introduziu um mtodo investigacional diverso do at a seguido por fisiologistas e

    metafsicos, surgindo assim a frenologia. Dotado de um notvel esprito observador, cedo se

    apercebeu que cada um dos seus irmos e irms, e dos seus companheiros de jogos e de estudos, se

    distinguiam atravs de diferentes aptides ou talentos inatos: alguns sobressaiam pela harmonia

    grfica da escrita, outros pela rpida apreenso das regras da aritmtica, outros pela apetncia para as

    cincias naturais e outros ainda pela facilidade de aprendizagem de lnguas. Constatou ainda que os

    seus mais temveis rivais, longe de interessantes capacidades dedutivas ou criativas, o suplantavam

    pela sua apetncia em memorizar as diferentes matrias, retirando-lhe a visibilidade e mrito

    adquirido pela sua capacidade de raciocnio. Constata ainda a existncia de indivduos dotados de

    excecional talento no s em memorizar temas, como em expor com facilidade tudo o que tinham

    aprendido (35).

    O ponto de vista de Gall (36), duzentos anos atrs, foi ultrapassado, mas a ideia do crebro humano

    constitudo por mdulos funcionais foi indubitavelmente presciente.

    A descoberta destes mdulos condicionou a decadncia da frenologia mas, no final do sc. XIX, os

    neurologistas comearam a utilizar a estimulao eltrica cerebral em experimentao animal,

    tentando mapear o SNC animal.

    Outros estudaram ainda a associao entre certos comportamentos e leses cerebrais. Foram

    identificadas importantes reas do SNC humano: as da linguagem - rea de Broca e Wernicke -

    respetivamente pelos neurologistas Pierre Broca e Carl Wernicke. (36) (37).

    A partir dessa altura, a neurocirurgia conheceu um perodo particularmente fecundo com o seu auge

    em 1935 com Egas Moniz, que desenvolveu uma tcnica cirrgica a leucotomia frontal (que evoluiu

    posteriormente para uma tcnica mais radical: a lobotomia frontal) aplicvel a doentes apresentando

    psicopatologia, com componente de acentuada agressividade. (36) (38).

    Essa tcnica teraputica foi adotada em todo o mundo em hospitais psiquitricos, caindo

    posteriormente em desuso por ser considerada muito invasiva e mutilante e devido ao advento dos

    psicotrpicos que controlaram e tratam medicamente muitas das patologias anteriores.

    Ao longo de todo o sc. XX, muitas outras reas funcionais do SNC foram identificadas e, por esse

    motivo, nas ltimas dcadas, a informao acerca do desenvolvimento do SNC, decorrente das novas

    tecnologias imagiolgicas, traumatologia, neurocirurgia, neurologia e psicologia, tm conhecido um

    acelerado desenvolvimento, continuamente sujeito a reviso e remodelao, condicionado novas

    41

  • teorias cognitivistas, com especial escrutnio da interao complexa entre as vertentes neurolgicas,

    cognitivas e scio ambientais. (37) (39).

    Foi tambm largamente reconhecida a complexidade de determinados sintomas como a dor, que no

    tendo uma localizao precisa, est intimamente associada ativao de reas cerebrais relacionadas

    com a ateno, sensao e emoo.

    Por outro lado, enquanto uma sensao aparentemente simples como a dor bem mais complexa,

    outras funes (que integram sensibilidade ao outro e a transcendncia) como a moralidade,

    altrusmo, experincias espirituais, a apreciao esttica, s quais se atribui complexidade acrescida,

    tm sido cientificamente estudadas e, nalguns casos, podem ser simplesmente manipuladas por um

    estmulo eltrico provocado por um eltrodo. Pacemakers cerebrais podem melhorar a depresso

    (40) e erradicar pensamentos obsessivo-compulsivos onde os meios convencionais falharam (41).

    Ou seja, sentimentos como a alegria, amor, terror ou a espiritualidade podem ser experienciados,

    independentemente do enquadramento circunstancial aos quais esto geralmente associados.

    Todas estas experincias tm origem nos neurnios, mas a atividade de um nico neurnio no

    suficiente para produzir um movimento, sensao ou emoo. S quando um neurnio excita os

    neurnios adjacentes e estes por sua vez reagem com outros estabelecendo uma via de conduo,

    surgem padres de atividade complexos, mas suficientemente integrados para criar pensamentos,

    sentimentos e percees. So portanto necessrios milhes de neurnios em ao conjunta e

    sincronizada para produzir aes, pensamentos e emoes. Cada sensao origina um novo padro

    de atividade neuronal, alguns dos quais so suscetveis de ser memorizados. (32).

    Teoricamente, cada grupo de neurnios pode dar origem ao mesmo fragmento de pensamento,

    sentimento ou funo cerebral inconsciente, mas por outro lado, o SNC demasiado fluente para

    repetir padres idnticos, pelo que, padres semelhantes, mas subtilmente diferentes, ocorrem: nunca

    experienciamos exatamente a mesma coisa duas vezes. Este facto decorre da renovao continuada

    do SNC do ser humano ao longo de todo o ciclo de vida e deve-se ao que Seung denominou de quatro

    Rs: redimensionamento, reconexo, restruturarao e regenerao neuronal. (42).

    Ou seja, o ser humano reinventa-se constantemente atravs da metamorfose estrutural e funcional do

    seu SNC e toda esta dinmica se repercute tambm na fenomenologia neuroanatmica, como se pode

    observar na Figura 1.

    42

  • Figura 1. O SNC desenvolve-se de trs reas relacionadas com a sensao e movimento - para a

    frente reas relacionadas com a capacidade de tomar decises, juzos e planeamento (32)

    (Adaptado de: Mapping the Mind, Rita Carter - Phoenix Paperback- 2010)

    As trocas entre o SNC e o ambiente condicionam o desenvolvimento de redes neuronais

    progressivamente mais complexas, replicando padres facilitadores de comportamentos conducentes

    adaptao e sobrevivncia (neurognese). (43)

    Este processo referido como darwinismo neuronal assegura padres de pensamento e

    comportamento que suportam o crescimento e desenvolvimento do ser humano, comparativamente a

    outros que, por falta de utilizao e de utilidade, entram em regresso e acabam por ser anulados

    (apoptose). (31) (44)

    Todo este equipamento tem uma base gentica. Certos padres de ativao cerebral mesmo os mais

    complexos como a linguagem tm uma componente intrnseca, gentica, que s um ambiente

    excecionalmente alterado pode distorcer. O padro semelhante, mas no nico, o que foi

    comprovado por estudos imagiolgicos, que mostraram a sobreposio, mas ainda assim a diferena,

    de padres subtilmente distintos. (32).

    Isto significa que cada um pensa de forma diferente. Graas complexa interao nature and

    nurture (45) no existem dois crebros iguais. Gmeos idnticos possuem singularidades desde o

    nascimento, por causa de pequenas diferenas do meio fetal de cada um deles, suficientes para afetar

    o seu desenvolvimento e, por esse motivo, o seu crtex diferente e esta variabilidade estrutural

    condiciona diferenas na sua atividade e comportamento. (32).

    Na verdade, a estrutura cerebral dos gmeos idnticos mais diversa nascena e atenua-se com o

    crescimento e desenvolvimento, sugerindo uma forte influncia do imprinting gentico. (46) (47).

    43

  • Durante o desenvolvimento fetal o crebro desenvolve-se como uma raiz/bulbo na extremidade

    superior do tubo neural que forma a medula. As principais reas cerebrais, incluindo o crtex, so

    visveis s sete semanas de gestao e, ao nascer, o recm-nascido (RN) possui mais ou menos o

    mesmo nmero de neurnios que ter na adultcia cerca de 100 bilies (48).

    No entanto, esses neurnios so imaturos, os seus axnios no esto ainda revestidos de mielina, as

    conexes so pouco densas e extensas reas do crebro do RN, localizadas no crtex, no apresentam

    atividade ou funo. Estudos imagiolgicos dos crebros de RN revelam que as reas mais ativas tm

    a ver com a regulao interna do corpo (brainstem), sensao (tlamo) e movimento (cerebelo). (49).

    A vida intrauterina providencia um bom exemplo de como os genes e o ambiente esto entrosados:

    um feto masculino tem genes que provocam no corpo da me alteraes hormonais, designadamente

    elevados nveis de testosterona, em certos perodos da gestao. Estas alteraes hormonais

    modificam o crebro do feto, desacelerando o desenvolvimento de certas reas e acelerando o

    desenvolvimento de outras, condicionando a masculinizao do crebro fetal, imprimindo-lhe um

    comportamento de gnero especfico e muitas das tpicas diferenas entre os gneros, de que so

    exemplo a maior apetncia lingustica nas meninas e a maior capacidade de raciocnio abstrato e de

    organizao espacial nos meninos. (50).

    No crebro em desenvolvimento, os neurnios competem na procura de uma coeso funcional,

    associando-se a outros neurnios numa atividade intensa permanente de reorganizao, em funo

    dos estmulos ambientais. Cada clula tem de encontrar e ocupar o seu espao no esquema geral e, se

    falhar, entra em apoptose. Este visa estreitar e racionalizar as ligaes entre as clulas que sobrevivem

    e as que permanecem, prevenindo o excesso de clulas no funcionais. (43)

    Mais importante que os bilies de neurnios existentes so as conexes entre eles e a forma como ao

    longo da vida, condicionados pelo meio (nurture) e determinados pelas caractersticas intrnsecas

    (nature) ou genmica (os genes compostos de cadeias de DNA, constitudas por pequenas molculas

    denominadas nucletidos A, C, G e T, sequenciados de diferentes formas) a rede neuronal se organiza,

    reorganiza, conecta e desconecta, morrem e regeneram-se neurnios, sinapses e dendritos,

    substituindo ou renovando redes, numa transformao dinmica. o denominado conectoma

    modulado por genes e ambiente. Cada um de ns tem um conectoma diferente e esta enorme rede

    neuronal, responsvel pela nossa competncia cognitiva, desempenho, emoes, decises. Ou seja,

    ns somos muito mais que os nossos genes, ns somos o nosso conectoma (42).

    Este processo no incuo e por vezes tem custos, designadamente, pode ocorrer o desaparecimento

    de conexes que poderiam condicionar, capacidades intuitivas superiores, denominadas na gria por

    44

  • dons. Por exemplo, a memria eidtica1 vulgar nas crianas pequenas, mas desaparece durante os

    anos atravs dos processos de apoptose. O desequilbrio e desorganizao entre a proliferao de

    axnios e dendritos por um lado, e a apoptose por outro, poderia explicar a incapacidade intelectual

    verificada na trissomia 21 (51) e no autismo (52).

    C - DESENVOLVIMENTO DA CONSCINCIA E A

    BIOLOGIA DA MUDANA

    Estudos clnicos indiciam a existncia de emoes nos recm-nascidos, mas as reas do crebro que

    no adulto esto ligadas experincia consciente das emoes no esto ativas no perodo neonatal.

    Tais emoes podem contudo ser subconscientes. (32,44)

    De facto, a apreciao consciente da emoo cada vez menos evidente e nem considerada essencial

    como parte integrante dos mecanismos de sobrevivncia, que operam principalmente a um nvel

    subconsciente.

    Isto no significa necessariamente que traumas em idades precoces no tenham repercusses na

    adultcia. A emoo subconsciente pode no ser experienciada no sentido literal do termo, mas pode

    gravar-se de forma idntica.

    No temos memrias anteriores aos trs anos porque at essa idade o hipocampus (estrutura nuclear

    do crebro que alberga memrias conscientes de longo prazo) imaturo. (32).

    As memrias emocionais podem contudo ser armazenadas na amgdala, que provavelmente est ativa

    no RN (53).

    A forma como tratado um beb durante esses anos amnsicos pode mesmo alterar a funcionalidade

    geneticamente determinada. Os genes de ratos bebs bem nutridos, condiciona-lhes menor grau de

    ansiedade, comportando-se de forma diferente comparativamente aos do gmeo idntico

    1 Segundo Edmund Husserl, filsofo alemo (1859-1938), relativo essncia das coisas e no sua existncia ou funo.

    45

  • negligenciado. Um estudo de clulas cerebrais de adultos suicidas, com histria de abusos na infncia,

    sugere mecanismo idntico (54).

    medida que o beb se desenvolve, prosseguem aceleradamente os processos de mielinizao e

    entram em atividade mais reas do SNC: o crtex parietal comea a funcionar tornando a criana

    mais consciente do espao, apta a captar a informao transmitida por jogos (esconde-aparece),

    interiorizando a permanncia do objeto e com ela a noo de que o objeto persiste para alm da

    abrangncia do seu campo visual (12 meses). (32)

    Os lobos frontais so responsveis, por volta dos seis meses, pelos primeiros sinais cognitivos e no

    final do primeiro ano de vida o sistema lmbico est ativo (arquivo de memrias e emoes) ao

    darmos dois brinquedos a uma criana deste grupo etrio, eles escolhem um em vez de tentarem

    manipular os dois. Durante o primeiro ano de vida o principal estmulo sensorial o visual. (32)

    A linguagem surge no segundo ano de vida: a compreensiva (rea de Wernicke por volta dos 12

    meses), seguida da linguagem simblica e expressiva (rea de Broca) aos 18 meses. H portanto um

    curto intervalo de tempo que medeia entre a linguagem compreensiva e a oralidade e est

    provavelmente relacionada com as birras dos terrveis dois anos. (32)

    Por volta da mesma idade (dois anos), paralelamente s reas da linguagem, a progressiva

    mielinizao do crtex pr-frontal, desenvolve a auto conscincia: a criana j no aponta para a sua

    imagem no espelho como se visse outra criana e se lhe aplicarmos uma pintura na face ou uma pea

    de vesturio, como por exemplo um chapu, localiza-o rapidamente no seu prprio corpo e no tenta

    faz-lo sua imagem no espelho. (32)

    Certas reas do SNC demoram longos anos a amadurecer. A substncia reticular que tem um papel

    fulcral na manuteno da ateno, normalmente s completa a sua mielinizao durante ou aps a

    puberdade, motivo pelo qual as crianas pr-pberes s conseguem manter a ateno por curtos

    perodos de tempo. (32)

    Tambm os lobos frontais completam a sua mielinizao na idade adulta, so responsveis pelo

    raciocnio, juzo, inibio das emoes e at sua maturao so mais movidos pela emoo do que

    pela razo. Da a maior impulsividade dos jovens adultos, comparativamente aos mais velhos. (32).

    Assim sendo, o crebro humano apresenta maior plasticidade durante a infncia.

    possvel inclusivamente excisar um hemisfrio cerebral a uma criana e o contra lateral assumir e

    compensar as funes perdidas. Esta capacidade nica vai-se atenuando com a maturao e o

    envelhecimento, motivo pelo qual qualquer traumatismo ou acidente vascular cerebral na idade adulta

    46

  • apresentam um prognstico funcional mais reservado, comparativamente criana, considerando

    leses idnticas em gravidade e extenso. (31) (32) (55)

    Alguns anos atrs, teria sido difcil acreditar que poderiam ocorrer alteraes profundas no

    desenvolvimento cerebral, aps a infncia. Contudo, uma vez mais devido s modernas tecnologias

    imagiolgicas, possvel afirmar que o crebro humano muda e muito, aps a infncia,

    designadamente durante a adolescncia. Durante a infncia o nmero de sinapses no crtex pr-

    frontal aumenta, para declinar durante a adolescncia, mas neste perodo o crtex pr-frontal vai

    sofrer uma modificao importante que vai aumentar e potenciar capacidades cognitivas, de que so

    exemplo o processo de tomada de deciso, a planificao.de tarefas e objetivos e o desenvolvimento

    da socializao. (32).

    A adolescncia um perodo caracterizado pela mudana fsica, psicossocial e afetiva, de tal forma

    que Gilligan (56) o denomina de segundo corte do cordo umbilical.

    No incio da adolescncia, mais propriamente durante a puberdade, sucedem-se profundas

    transformaes, designadamente alteraes hormonais, originando uma metamorfose fsica,

    paralelamente ao registo de mudanas de humor, autoimagem, autoconfiana e identidade, que se

    refletem nas relaes com o outro, denominado processo de mentalizao. Estudos recentes da rea

    das neurocincias sugerem que este conjunto de alteraes no se deve unicamente a alteraes

    hormonais. (32)

    Compreender o outro envolve a capacidade de nos revermos no outro, colocar-se no lugar do outro,

    relativamente a processos como o desejo, inteno, antecipao, etc., sendo que a atividade no crtex

    pr-frontal mediano diminui entre o incio da adolescncia e o incio da adultcia (57).

    Um estudo recente (58), envolvendo RMN do SNC, investigou o desenvolvimento da inteno

    comunicativa utilizando um comentrio irnico. A premissa partia do princpio de que a compreenso

    de outros estados mentais requer a capacidade de descodificar e descolar a realidade da ironia para

    globalmente compreender o comentrio. O crtex pr-frontal mediano da criana apresentou maior

    envolvimento, comparativamente ao do adulto, o que foi interpretado como um aumento da atividade

    dessa regio na criana, refletindo a necessidade de integrar vrias leituras para interpretar a

    discrepncia entre o significado literal e intencional da ironia (58).

    Regio idntica do crtex pr-frontal tambm mais ativada em crianas e adolescentes

    comparativamente aos adultos, no pensamento e raciocnio envolvendo a intencionalidade, o que

    pressupe tambm um processo ideativo (59).

    47

  • A reduo da atividade do crtex pr-frontal durante a adolescncia ocorre provavelmente porque

    esse o perodo eletivo de harmonizao sinptica, que implica os fenmenos de apoptose

    anteriormente referidos, sendo o decrscimo da atividade necessrio prossecuo desse objetivo.

    Outra explicao alternativa ou adicional a mudana de estratgia cognitiva nos processos ideativos

    que podem recrutar outras reas cerebrais. (32)

    Assim sendo, estes estudos mostraram que o crebro humano apresenta flexibilidade, plasticidade e

    maleabilidade durante dcadas, sendo a adolescncia um perodo particularmente importante em

    termos de mudana da estrutura funcional do sistema nervoso central humano e as profundas

    alteraes sofridas nesse perodo sugerem que o sistema hormonal isoladamente no o nico

    responsvel pelas alteraes comportamentais observadas. (57).

    48

  • IV - Teorias Psicodinmicas do Desenvolvimento Humano Uma teoria um fim em si mesmo, na medida em que a elaborao de uma boa teoria o objetivo da

    cincia que procura persistentemente novas teorias, mas tambm um princpio, porque para

    implementar uma boa prtica necessria uma boa teoria.

    A palavra teoria deriva da palavra usada na Filosofia da Grcia Antiga . Significa olhar

    para, ver, observar e referia-se a contemplao ou especulao, por oposio a ao. A teoria o

    oposto de prtica do grego praxis - termo grego utilizado para fazer, executar.

    Em desenvolvimento uma boa teoria deve:

    Explicar ou predizer o desenvolvimento e comportamento humano;

    Ser aberta investigao;

    Resistir refutao.

    No existe presentemente uma teoria de desenvolvimento humano consensualmente aceite pelas

    cincias mdica e humanidades. Temos apenas teorias que se dirigem a algumas dimenses do

    desenvolvimento ou que as relacionam entre si.

    Olhando para a histria humana, do ponto de vista cientfico e humanista, podemos fazer afirmaes

    aparentemente contraditrias:

    Somos seres essencialmente livres que constroem os seus prprios destinos, fazendo

    escolhas na imensa rvore de possibilidades da vida;

    Possumos uma liberdade limitada a minha liberdade acaba onde comea a do outro;

    Somos o produto de mltiplos condicionamentos (uns facilitadores, outros

    constrangedores, atuando como barreiras e ainda outros arbitrrios);

    Temos um patrimnio gentico inato que o ambiente modula ou condiciona;

    Podemos ainda definir as nossas personalidades como:

    Modeladas por fatores genticos;

    Modeladas pelo ambiente e contextos;

    49

  • Condicionadas por cdigos sociais;

    Com qualidades e defeitos;

    Com atitudes predominantemente ativas ou passivas. (60).

    Por outro lado, todo o conhecimento cientfico provm da investigao cientfica, que possui, na

    essncia, quatro patamares:

    Identificao da questo ou problema a responder ou solucionar;

    Coletar informao e procurar o conhecimento j existente;

    Analisar os dados;

    Tirar concluses (uma no concluso pode ser uma concluso);

    Utilizar teorias diferentes mas complementares, para explicar o desenvolvimento

    humano:

    o Teorias psicanalticas;

    o Teorias cognitivistas;

    o Teorias ecolgicas.

    Abordaremos sumariamente algumas delas, tecendo consideraes sobre as teorias ecolgicas e

    ecossistmicas.

    IV A - TEORIA ECOLGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

    a) O Ressurgimento da nurture

    Consequncia da incapacidade da nature em explicar integralmente a evoluo do desenvolvimento

    humano, surge um interesse renovado na nurture. O seu ressurgimento est implcito em cincias

    como a epigenmica e ser explcito com a apreciao mais profunda das cincias sociais, para alm

    da psicologia, uma vez que as medidas quantitativas em psicologia, ignoram os contextos sociais e

    biolgicos.

    50

  • Dois dos elementos mais importantes e que devero integrar a teoria unificada do desenvolvimento

    o constructo estrutura de oportunidade, (61) (62) oriunda da sociologia e economia e, ainda o

    constructo fazer sentido ou construir um significado com origem na antropologia. (63).

    A perspetiva diferente que a sociologia acrescenta cincia do desenvolvimento a de que os

    indivduos esto submersos em redes de relaes que constrangem ou reforam diferentes aspetos do

    comportamento individual. Instituies sociais como a famlia, a escola e o trabalho desempenham

    papis que as crianas iro compreender, preencher e dar continuidade. Nesta perspetiva, o papel da

    psicologia est limitado s necessidades e exigncias de predizer a evoluo desenvolvimental, da

    mesma forma que os economistas esto interessados no que mantm a economia viva e produtiva e o

    comportamento individual analisado atravs das escolhas financeiras, o que de resto est bem

    patente na nossa realidade econmica e poltica. Mas o mais relevante nesta abordagem ao

    desenvolvimento comportamental a existncia de uma conjuntura de oportunidade, como j foi

    referido. Uma vez mais o valor preditivo da variabilidade individual vai depender da dificuldade ou

    facilidade de acesso a estruturas educativas, oportunidades de escolha (emprego) diretamente

    relacionadas com o mercado laboral, mobilidade social opcional ou ditada por imperativos

    econmicos, polticos, etc., ou seja, determinismos sociais, histricos e contextuais que condicionam

    escolhas no exercidas em funo das competncias e interesses. (63)

    Por sua vez, a antropologia est interessada nas diferenas culturais de comportamento, igualmente

    importantes para compreender o significado da repercusso cultural nas suas prticas. O mesmo

    comportamento pode ter diferentes significados e comportamentos diferentes podem ter significados

    idnticos em diferentes culturas, ou seja, a capacidade preditiva do desenvolvimento influenciada

    ou condicionada, consoante a valorizao o