classificação e tipologia dos lápias

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Descrição dos lápias

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  • Classificao e tipologia dos lapis 147Finisterra, XLVii, 93, 2012, pp. 147 -158

    CLaSSiFiCao E TipoLoGia DoS LapiS

    CoNTRiBUTo paRa UMa TERMiNoLoGia DaS FoRMaS CRSiCaS

    maria lusa rodriguEs1

    Resumo a bibliografia que refere as formas que se desenvolvem em rochas carbo-natadas tem tendncia a dar destaque s chamadas formas maiores do carso (dolinas, uva-las, poljes e formas fluvio-crsicas), prestando menos ateno s formas de dissoluo ditas menores compostas pelas formas lapiares ou lapis. neste campo a bibliografia escrita em portugus no constitui excepo. Da a opo da escolha deste conjunto de formas entre o vasto leque das formas crsicas, para alm do facto de serem estas formas, de dimenso mais reduzida, aquelas que evidenciam melhor a existncia de processos de dissoluo activos superfcie e que contribuem de maneira decisiva para o funcionamento hidrolgi-co do carso subterrneo. a maior parte das classificaes dos lapis so essencialmente descritivas, privilegiando a morfologia (formas e microformas), o que conduz a uma multi-plicao dos termos, atribuindo um papel secundrio gnese e aos processos ligados sua formao. tentou-se, assim, construir uma metodologia de classificao dos lapis, e cor-respondente tipologia das formas, que, partindo dos processos de formao, acrescenta o tipo de cobertura e a morfologia. individualizam-se trs grandes conjuntos de lapis: i) aqueles em que o processo dominante (associado dissoluo) se relaciona com a escorrn-cia superficial da gua; ii) as formas lapiares formadas pela aco conjunta da escorrncia e da dissoluo controlada por factores estruturais; iii) os lapis com origem fundamental-mente bioqumica, resultantes da aco da dissoluo (por permanncia da gua em super-fcies deprimidas) e dos organismos vivos.

    Palavras-chave: Lapis, classificao gentica, processos de formao, tipologia das formas, terminologia em portugus.

    abstract ClassiFiCation and typEs oF KarrEn. a ContriBution For a Karst landForms tErminology. the bibliography that refer to the forms developed in limestone rocks normally emphasizes the so called major karst forms (sinkholes, uvalas, poljes and fluvio-karstic forms), paying less attention to the so called minor karst forms, that are formed by the karren ones. in this particular field, the bibliography available in Portuguese is no exception. Hence the option of choosing this set of forms amongst all the wide range of karstic landforms, in addition to the fact that these smaller forms show better the existence

    recebido: fevereiro 2012. aceite: Julho 2012. 1 investigadora do Centro de estudos geogrficos (Ceg) do instituto de geografia e Ordena-

    mento do territrio (igOt) da Universidade de Lisboa. e-mail: [email protected]

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    of active dissolution processes at the surface that contribute decisively to the hydrologic underground karst activity. Most of the karren classifications are essentially descriptive favoring the morphology (forms and microforms), which leads to a multiplication of terms conferring a secondary role to the genesis and processes related to its formation. therefore, we tried to develop a methodology to classify the karren and the related type of forms based on the formation processes that includes the type of sediment cover and the morphology. We consider three major groups of karren: i) those in which the dominant process (associated to dissolution) is related to running water; ii) those formed by the combined action of the runoff and of dissolution controlled by structural factors; iii) those with a mostly biochemical genesis, resulting from the action of dissolution (due to the persistence of water in flattened surfaces) and of the living organisms.

    Keywords: Karren, genetic classification, formation processes, forms typology, Por-tuguese terminology.

    Rsum ClassiFiCation Et typologiE dEs lapiaz. ContriBution pour unE tErminologiE dEs FormEs KarstiquEs. La bibliographie concernant les formes qui se dveloppent dans les roches carbonates a tendance mettre en vidence les formes de karst dites majeures (dolines, ouvalas, poljs et formes fluvio-karstiques), prtant moins dattention aux formes de dissolution dites mineures composes par les formes lapiaires ou lapiaz (aussi appels lapis). Dans ce domaine, la bibliographie crite en portugais ne fait pas exception. Cest de l que vient le choix de cet ensemble dans la vaste gamme de formes karstiques, au del du fait que ce sont ces formes de dimension plus rduite qui mettent le mieux en vidence lexistence de processus de dissolution actif en surface et qui contri-buent de faon dcisive au fonctionnement hydrologique du karst sous-terrain. La majeure partie des classifications de lapiaz est essentiellement descriptive et privilgie la morpholo-gie (formes et microformes), ce qui conduit une multiplication des termes, attribuant un rle secondaire la gense et aux processus lis leur formation. Cest pour cela que lon a tent de btir une mthodologie de classification des lapiaz et une typologie des formes correspondantes, qui, partant des processus de formation, ajoute le type de couverture et la morphologie. On identifie trois grands ensembles de lapiaz: ceux pour lesquels le processus dominant (associ la dissolution) est li au ruissellement de leau; les formes lapiaires cres par laction commune de lcoulement et de la dissolution contrle par des facteurs structurels; les lapiaz dorigine essentiellement biochimique, rsultants de laction de la dissolution (par la prsence permanente deau sur les surfaces dprimes) et des organismes vivants.

    Mots-cls: Lapiaz, classification gntique, processus de formation, typologie des formes, terminologie en portugais.

    i. Os estUDOs PiOneirOs eM POrtUgaL

    Quando se fala em lapis incontornvel referir o trabalho pioneiro de ernest fleury (fleury, 1917) sobre o levantamento e caracterizao dos lapis calcrios localisados a norte do tejo. O autor considerou que as formaes lapiares so bastante frequentes em Portugal e que, algumas, se encontram extremamente desenvolvidas sendo to interessantes como as dos alpes, do Jura ou do Karst.

    O autor refere ainda (ob. cit., p. 133) que naquela poca a lapiesao era geralmente explicada pela corroso qumica secundada pela eroso mecnica das guas e, por vezes

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    tambm, por certos organismos vegetais. Quanto natureza e estrutura das rochas, desem-penham papis variados que so quer favorveis, quer restritivos.

    no seu ensaio de terminologia lapiar, segundo o grau de evoluo das formas, fleury considera trs tipos de formas: juvenis, de maturidade e senis (para alm de referir tambm as formas enterradas, fsseis e rejuvenescidas). O autor considera que as formas juvenis so muito raras e espordicas, resultando normalmente do rejuvenescimento de formas antigas recentemente desenterradas. J as formas maduras so as mais frequentes encontrando-se sempre enraizadas, sendo esta distino que exprime o estdio de evoluo, mais do que a idade das formas.

    Quanto aos factores lapiares, fleury resume-os em trs grandes conjuntos: 1 - os geo-grficos (onde inclui os climticos e os topogrficos); 2 - os petrogrficos (que englobam os petrogrficos propriamente ditos como a composio, dureza e solubilidade das rochas, os estruturais como as diaclases, fendas, fracturas, fissuras e juntas e os tectnicos como as fa-lhas, dobras e outros acidentes); 3 - os biolgicos (onde integra o papel desempenhado pelos musgos, liquenes, outros vegetais, animais entre os quais o Homem).

    Outro trabalho fundamental dedicado ao carso em Portugal a obra de alfredo fernan-des Martins sobre o Macio Calcrio estremenho (Martins, 1949). a propsito dos lapis, o autor comea por considerar que estes so formas bem caractersticas e tpicas do carso: a rocha nua cinzelada, perfurada, e lavrada por sulcos mais ou menos profundos e estreitos, imprime um cunho particular s regies calcrias (ob. cit., p.143).

    embora fernandes Martins discuta fundamentalmente questes relacionadas com as fases da lapiesao e a possvel idade dos lapis cobertos, em fase de exumao, existentes no Macio, refere tambm alguns processos/factores ligados com a sua formao. a este propsito, distingue os lapis dos abruptos e vertentes dos existentes nas superfcies aplana-das, embora todos revelem que a dissoluo segue na pista das guas de escorrncia (ob. cit., p.144), sendo tal mais evidente nas encostas onde as estrias se orientam com o de-clive. faz ainda notar a sulcagem patente nas camadas pouco inclinadas, cortadas por sulcos mais ou menos paralelos, com perfil em V ou em U. salienta igualmente as relaes com a microtectnica, correspondendo as fendas abertas nas rochas a diaclases abertas pela corro-so. Outro aspecto interessante que o autor refere diz respeito ao facto de os lapis enterrados continuarem a evoluir sob a terra rossa (embora no se tenham formado nessas condies), o que provoca o adoamento das formas.

    ii. CritriOs De CLassifiCaO DOs LaPis

    existem vrias classificaes dos lapis, desde as obras pioneiras de Cvijic retomadas por Bogli (1960), at s tipologias definidas por outros autores estrangeiros (sweeting, 1972; nicod, 1972; summerfield, 1991, baseado fundamentalmente em Jennings, 1985; ford e Williams, 2007, entre outros) e portugueses (Crispim, 1987 ou Cunha, 1990).

    Contudo, as classificaes existentes so essencialmente descritivas, privilegiando as formas e microformas dos lapis (o que pode levar a uma multiplicao quase infinita dos ter-mos), mas secundarizando a gnese e os processos ligados sua formao. Concordamos in-teiramente com nicod (1972: 23) quando afirma que toda a classificao deve ter em conta os processos, motivo pelo qual distingue trs conjuntos: os lapis devidos ao escoamento (incluin-do a humidificao por gua de fuso da neve); os devidos combinao de escoamento e de influncias tectnicas; as vasques de dissoluo e os lapis cavernosos de origem bioqumica.

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    no esta, no entanto, a opo da maioria dos autores que se dedicaram ao estudo da morfologia crsica. Por isso, Cunha (1990: 170) tentou integrar a classificao morfolgica dos lapis nos grupos definidos por Bogli (1960) semelhana do que tem sido feito por quase todos os que directa ou indirectamente se debruaram sobre a problemtica da geomor-fologia crsica. Cunha (ob. cit., p.170-173) apresentou quatro conjuntos de lapis (totalmen-te enterrados, enterrados em vias de exumao, resultantes de evoluo sob cobertura e lapia-sao actual e subactual), integrando em cada um alguns dos tipos morfolgicos estabelecidos por Bogli (1960).

    Parece-nos importante uma classificao dos lapis quanto cobertura pelas interes-santes indicaes que pode fornecer quanto evoluo sofrida pelas formas. no entanto, verifica-se frequentemente que os lapis que evoluem actualmente sob cobertura so tipolo-gicamente idnticos a formas superficiais, isto , os processos que esculpiram o fundamental das formas podem ter sido os mesmos (embora actualmente a frescura dos contornos se apre-sente adoada ou parcialmente obliterada). Quanto cobertura possvel utilizar uma classi-ficao mais simples, subdividindo os lapis em: enterrados (ou cobertos), semi-enterrados (ou semi-cobertos) e nus.

    a classificao dos lapis quanto morfologia , contudo, a mais divulgada, baseando- -se nos termos germnicos estabelecidos por Bogli (1960). neste mesmo sentido foi elabora-da a classificao dos tipos de lapis simples apresentada por sweeting (1972: 75), largamen-te baseada na de Bogli (ob. cit.), tendo a autora acrescentado, a cada tipo principal, dados referentes dimenso mdia das formas, tipo de cobertura, disposio das rochas do substra-to e forma das arestas.

    nesta classificaoi no se distinguem critrios que apontem directamente para a gne-se e processos envolvidos na elaborao dos lapis. O caso talvez mais evidente o respei-tante aos Rundkarren cujo nico critrio de distino consiste em apresentarem as formas suavizadas por evoluo sob cobertura. no se sabe, assim, se so formas de cripto-corroso (como o fundo corrodo das depresses que evoluram sob cobertura), ou se so formas de um paleocarso (correspondendo, portanto, a formas de origem subarea enterradas).

    Outras classificaes so mais completas (e complexas), como o caso da discutida por J. Jennings (1985, in summerfield, 1991: 149), e pretendem conjugar o tipo de cobertura e a morfologia dos lapis.

    so definidos quatro grandes conjuntos de formas que se desenvolvem: em calcrios cobertos (que incluem dois tipos de lapis); em calcrios parcialmente cobertos (trs tipos de lapis); em calcrios nus, subdivididos em dois subtipos referentes s que se formam devido concentrao do escoamento (trs tipos de lapis), e s que se desenvolvem atravs de uma humidificao no concentrada (cinco tipos de lapis).

    num artigo dedicado aos lapis do carso do algarve, Crispim (1987) prope uma clas-sificao onde tenta conciliar o tipo de cobertura e as condicionantes estruturais. so apre-sentados oito tipos de lapis: residuais, enterrados, semi-enterrados, de arestas vivas, de dia-clases, de juntas de estratificao, em brechas e megalapis. a maior parte dos tipos definidos por Bogli (1960) surgem apenas no ponto referente s formas menores de corroso dos lapi-s, subdividido em formas de carso nu, formas de carso enterrado e aspectos epidrmicos (Crispim, 1987: 3-6).

    Como nenhuma das classificaes expostas apresenta como critrio fundamental os processos que esto na gnese das formas lapiares, parece-nos que a metodologia a seguir poderia ser a de, partindo dos processos, acrescentar o tipo de cobertura e as formas, confor-me o esquema que se apresenta na fig.1.

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    fig. 1 Metodologia de classificao das formas lapiares.Fig. 1 Methodology of karren classification.

    neste esquema subdividiu-se a eroso hdrica apenas nos dois grandes componentes do escoamento (superficial e subsuperficial), embora existam, como se sabe, vrios tipos de escorrncia difusa e concentrada que do lugar a variaes na forma dos lapis.

    a ideia de classificar os lapis com base fundamentalmente nos processos que controlam a sua formao no indita. segundo ford e Williams (2007) o prprio Bogli (1980) ter escrito que the multiplicity of possible karren forms makes a morphological system endless, while a genetic one allows a meaningful collection. aqueles autores tambm concordam com o princpio que uma classificao gentica prefervel a uma morfolgica, mas acabam por adoptar uma classificao morfolgica por considerarem que a gnese de muitos lapis ainda no bem compreendida e porque muitos resultam de uma combinao de processos.

    iii. terMinOLOgia e tiPOLOgia DOs LaPis

    aps esta breve reflexo sobre a classificao dos lapis, permanecem os problemas relacionados com a terminologia em portugus, que se reporta sempre terminologia inter-nacionalmente mais divulgada em alemo. apresenta-se aqui uma proposta de termos, utili-zados por rodrigues (1998) em trabalho dedicado ao Macio Calcrio estremenho, acrescen-tando-se uma pequena descrio dos processos envolvidos, tipo de evoluo e caractersticas morfolgicasii.

    Os principais tipos de lapis em que o processo dominante (associado dissoluo) se relaciona com o escoamento superficial da gua, so os lapis em sulcos ou regueiras (Rin-nenkarren), os lapis meandriformes (Meanderkarren), os lapis em caneluras (Rillenkarren), os lapis em sulcos suavizados (Hohlkarren) e os lapis em sulcos arredondados (Rundkarren).

    Os lapis em sulcos ou regueiras (Rinnenkarren) so devidos a processos de sulcagem. as formas so semelhantes aos sulcos que se desenvolvem noutros tipos rochosos devidos ao escoamento concentrado superficial, pelo que a sua largura aumenta normalmente para jusan-te. Desenvolvem-se em superfcies rochosas inclinadas e apresentam dimenses variadas, em mdia com 30 a 50cm de profundidade e 20 a 50cm de largura. Podem apresentar padres diversos associados drenagem, embora sejam mais frequentes os padres paralelos (seguin-do o declive) e dendrticos. as arestas so normalmente agudas mas o fundo pode ser leve-

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    mente arredondado (fig. 2). nos sulcos de maior dimenso, j equivalentes a ravinas, quando as vertentes do canal so muito ngremes podem apresentar lapis em caneluras (Rillenkar-ren). Os lapis em sulcos foram associados ao termo Rillenkarren por nicod (1972: 23) e Cunha (1990: 171), mas a generalidade dos autores segue a tipologia de Bogli (1960).

    fig. 2 Lapis em sulcos ou regueiras. Vertente oriental da serra de Candeeiros, Bezerra, Macio Calcrio estremenho.

    Fig 2 Rinnenkarren. Eastern slope of Serra de Candeeiros, Bezerra, Macio Calcrio Estremenho.

    Os lapis meandriformes (Meanderkarren) so uma variedade de lapis em sulcos que se desenvolvem em superfcies rochosas apenas levemente inclinadas (fig. 3). Devido a uma diminuio da velocidade da escorrncia frequente encontrar a sua combinao com formas em pias e alvolos de dissoluo localizadas em pontos onde existe uma permanncia mais demorada da gua e um predomnio da corroso qumica.

    fig. 3 Lapis meandriforme. Vertente oriental da serra de Candeeiros, Bezerra, Macio Calcrio estremenho.

    Fig. 3 Meanderkarren. Eastern slope of Serra de Candeeiros, Bezerra, Macio Calcrio Estremenho.

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    Os lapis em caneluras (Rillenkarren) desenvolvem-se em superfcies rochosas forte-mente inclinadas e em paredes verticais, devido a fluxos canalizados. existem dvidas quan-to aos factores que influenciam a sua localizao, apontando-se, entre outros a influncia de processos biocrsicos (Fiol et al., 1996) ou a percentagem de calcite existente na rocha e no cimento micrtico (vincent, 1996). Possuem um padro paralelo, rectilneo e regularmente espaado. transversalmente o seu perfil pode ser em U ou em V, possuindo arestas vivas ou levemente arredondadas. a dimenso mdia das formas de 1 a 2cm de profundidade e 20 a 50cm de largura.

    Os lapis em sulcos suavizados (Hohlkarren) so idnticos aos lapis em sulcos, mas apresentam diferenas devidas a uma evoluo semi-enterrada. assim, os sulcos tm tendn-cia para alargar em direco base, provavelmente devido presena de solos e matria orgnica que mantm a rocha em contacto prolongado com guas cidas. Predominam em superfcies rochosas inclinadas e suavemente inclinadas, possuindo, normalmente, dimen-ses mdias superiores aos sulcos em rocha nua.

    Os lapis em sulcos arredondados (Rundkarren) so o resultado de formas de sulca-gem que evoluem por dissoluo sob cobertura. Ocorrem em superfcies rochosas inclinadas, possuem formas esbatidas e, eventualmente, degradadas por aco das razes das plantas e so devidos aos vrios tipos de escoamento subsuperficial. apresentam dimenses mdias semelhantes ou ligeiramente inferiores aos lapis em sulcos que evoluem superfcie.

    embora constituam formas de pormenor, as ondulaes de dissoluo de pequeno com-primento de onda (solution ripples) desenvolvem-se transversalmente direco do escoa-mento em superfcies inclinadas. Podem ter uma altura de 2 a 3cm e uma extenso horizontal superior a 10cm, apresentando o lado mais declivoso exposto ao fluxo.

    Um segundo conjunto de formas lapiares formado pela aco conjunta do escoamen-to e da dissoluo, controlada por factores estruturais. Dele fazem parte os lapis em fendas ou ranhuras (Kluftkarren)iii, os lapis em mesa (Karrentisch ou Flachkarren), os corredores de dissoluo (bogaz) e os lapis em agulhas (Spitzkarren).

    Os lapis em fendas ou ranhuras (Kluftkarren) so formas orientadas pela presena de fracturas existentes nas rochas calcrias. estas descontinuidades estruturais podem corres-ponder a falhas, diaclases, juntas de estratificaoiv, etc. (fig. 4). Desenvolvem-se predomi-

    fig. 4 Lapis em fendas ou ranhuras. topo da Costa de alvados, Macio Calcrio estremenho.Fig. 4 Kluftkarren. Top of Costa de Alvados slope, Estremadura Limestone Massif.

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    nantemente em superfcies rochosas horizontais ou sub-horizontais com exposio subarea, embora possam evoluir sob cobertura parcial ou total. Possuem dimenses variadas em fun-o da progresso dos processos de dissoluo, desde poucos centmetros a vrios metros de profundidade e largura at 2 metros (fig. 5). inicialmente as fendas apresentam formas em V (dzulynski et al., 1988), podendo, com o alargamento progressivo, mostrar formas em U ou de fundo plano (nuas ou parcialmente entulhadas por materiais finos e clastos calcrios).

    fig. 5 Lapis em fendas ou ranhuras. topo norte da serra de Candeeiros (serra da Pevide), Macio Calcrio estremenho.

    Fig. 5 Kluftkarren. Northern top of Serra de Candeeiros (Serra da Pevide), Estremadura Limestone Massif.

    Os lapis em mesa (Karrentisch ou Flachkarren) so lapis em fendas que se desen-volvem segundo um padro de fracturao ortogonal, definindo blocos calcrios com formas superficiais quadrangulares ou rectangulares (fig. 6). Conservam-se com mais facilidade em calcrios macios, sendo a dimenso das mesas funo da densidade da fracturao.

    fig. 6 Lapis em mesa. Planalto de st antnio, Macio Calcrio estremenho.Fig. 6 Karrentisch or Flachkarren. Planalto de St Antnio, Estremadura Limestone Massif.

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    Os corredores de dissoluo (bogaz) so, frequentemente, o resultado da progressiva abertura das fendas lapiares por dissoluo. em certos casos podem corresponder tambm ao abatimento do tecto de condutas crsicas (normalmente fsseis), situadas prximo da super-fcie topogrfica. Possuem grandes dimenses (largura e profundidade superior a 2m) e apre-sentam o fundo plano normalmente coberto por materiais diversos propcios ao desenvolvi-mento da vegetao. Casos particulares de carsos com lapis gigantes e corredores de dissoluo (Karstgassen), so referidos, por exemplo, por Julian et al. (1978).

    Os lapis em agulhas (Spitzkarren) so caractersticos pelas suas formas aguadas e rendilhadas que podem atingir vrios metros (fig. 7). no pormenor podem apresentar arestas em lmina (Karrengrat) ou em bico (Karrendorn). a sua gnese controlada pela tectnica e pela litologia, pois desenvolvem-se em calcrios intensamente fracturados, ao longo das juntas de estratificao de camadas com pendor muito forte e em rochas com elevada percen-tagem de carbonatos.

    fig. 7 Lapis em agulhas. Vertente oriental da serra de Candeeiros, Macio Calcrio estremenho.Fig. 7 Spitzkarren. Eastern slope of Serra de Candeeiros, Macio Calcrio Estremenho.

    Por ltimo, um terceiro conjunto de lapis tem uma origem fundamentalmente bioqu-mica, resultante da aco conjunta da dissoluo (por permanncia da gua em superfcies deprimidas) e dos organismos vivos. salientam-se as bacias ou pias de dissoluo (Kamenit-zas ou solution pans or basins)v, os alvolos de dissoluo ou lapis alveolares (Grubchenkar-ren), os alvolos de dissoluo suavizados (Deckenkarren) e os lapis em ninhos ou favos de abelha (honeycomb e rainpit microforms).

    as bacias ou pias de dissoluo (Kamenitzas) desenvolvem-se em estruturas horizon-tais (onde possuem formas simtricas), ou subhorizontais (normalmente com formas dissi-mtricas). incluem depresses geralmente circulares com fundo em calcrio nu ou coberto por materiais predominantemente finos e pouco espessos. Constituem locais de permanncia mais ou menos prolongada da gua da chuva cuja agressividade pode ser reforada por aco

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    orgnica (quando isso acontece as pias de dissoluo alargam junto base). em superfcies inclinadas as bacias dissimtricas podem dar lugar a formas abertas e mesmo a pequenos sulcos alimentados pela gua concentrada na bacia (fig. 8). Possuem dimenses variadas, mas so normalmente mais largas (poucos centmetros a 3/4m) do que profundas (poucos centmetros a pouco mais de 50cm).

    fig. 8 Bacia ou pia de dissoluo dissimtrica. Macio Calcrio estremenho.Fig. 8 Asymmetrical solution pan or basin (also Kamenitza). Estremadura Limestone Massif.

    Os alvolos de dissoluo ou lapis alveolares (Grubchenkarren) tm uma gnese idntica das pias, embora por vezes sejam, de forma mais evidente, tambm condicionados por pequenas diferenas litolgicas ou pela microfracturao. no entanto, a aco orgnica (lquenes, algas, musgos, razes, etc.) parece desempenhar um papel dominante na sua loca-lizao (fig. 9). so formas centimtricas que se podem desenvolver qualquer que seja o declive das superfcies.

    fig. 9 alvolos de dissoluo ou lapis alveolar. topo norte da serra de Candeeiros (serra da Pevide), Macio Calcrio estremenho.

    Fig. 9 Grubchenkarren. Northern top of Serra de Candeeiros (Serra da Pevide), Estremadura Limestone Massif.

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    Os alvolos de dissoluo suavizados (Deckenkarren) so formas alveolares que evo-luem sob cobertura. Possuem, por isso, arestas boleadas, sendo a sua origem normalmente atribuda aco directa das razes de plantas arbustivas e arbreas.

    Os lapis em ninhos ou favos de abelha so microformas com poucos milmetros a alguns centmetros que podem evoluir para formas alveolares. em vertentes suaves talha-das em calcrio nu podem ser iniciados pela aco mecnica e qumica das gotas de chuva (rainpit). a coalescncia destas formas elementares de variada dimenso pode dar lugar a um micromodelado irregular e cariado (fig. 10), ou mesmo ocorrncia de rochas perfuradas (Kavernosenkarren).

    fig. 10 Lapis em ninhos ou favos de abelha. Cadouos, depresso de alvados, Macio Calcrio estremenho.

    Fig. 10 Kavernosenkarren. Cadouos, Alvados depression, Estremadura Limestone Massif.

    esta tipologia, baseada na classificao gentica apresentada, foi aplicada no estudo dos lapis do Macio Calcrio estremenho (rodrigues, 1998), tendo sido relativamente fcil distinguir as formas produzidas essencialmente por escoamento superficial das devi-das infiltrao da gua ao longo de superfcies de descontinuidade (como as fracturas, diaclases e juntas de estratificao), ou das resultantes fundamentalmente de processos bioqumicos.

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    i adoptada, numa verso em lngua castelhana, pelo Departamento de geomorfologa y geo-tectnica, facultad de Ciencias da Universidad de Zaragoza.

    ii Deixa-se para altura mais oportuna o estabelecimento de um quadro sinptico completo dos tipos de lapis, que nos parece dever ser o resultado de discusses alargadas no seio da comunidade cientfica.

    iii Designados por lapis de diaclases (Crispim, 1987) e fendas de corroso (Cunha, 1990).iv Crispim (1987) considera os lapis de juntas de estratificao como um tipo separado, distin-

    guindo as formas que se desenvolvem em estrutura horizontal, das existentes em estruturas inclinadas.v tambm designadas por escudelas de corroso (Crispim, 1987) e vascas de corroso qumica

    (Cunha, 1990).