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CINEMA E EDUCAÇÃO: A LEI 13.006 REFLEXÕES, PERSPECTIVAS E PROPOSTAS ORGANIZAçãO: Adriana Fresquet COLABORAçãO, EDIçãO E DISTRIBUIçãO: Universo Produção

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Cinema e eduCação: a lei 13.006

Reflexões, peRspeCtivas e pRopostas

OrganizaçãO: Adriana Fresquet COlabOraçãO, ediçãO e distribuiçãO: Universo Produção

Cinema e eduCação: a lei 13.006

Reflexões, peRspeCtivas e pRopostas

OrganizaçãO: Adriana Fresquet COlabOraçãO, ediçãO e distribuiçãO: Universo Produção

Prefixo editorial: 65412

Número ISBN: 978-85-65412-08-7

Título: Cinema e educação: a Lei 13.006 Reflexões, perspectivas e propostas

Tipo de suporte: Internet

Cinema e eduCação: a lei 13.006 | Reflexões, peRspectivas e pRopostas 121120

forma de negociação social” (p. 143). Para Massey (2008), “o espaço como devires coetâne-os” (p. 267) “implica o inesperado” (p. 165) sendo “uma eventualidade” (p. 89), “um produto contínuo de interconexões e não conexões [...] sempre inacabado e aberto” (p. 160), estando, portanto, “sempre em construção” (p. 29), no “entrelaçamento de trajetórias em curso, das quais algo novo pode emergir” (p. 138).

Em vários filmes brasileiros contemporâneos, podemos dizer o mesmo que Lopes (2014) escreve para o filme Transeunte: “o mais importante é dito pelo espaço, pela câmera que vai atrás, olha de frente, está próxima, escuta, sem nada revelar” (p. 74-75). O espacial seria aquilo que nos coloca diante do inevitável estar aí heterogêneo que constitui o mundo e que nos afeta e exige “tomadas de posição”, negociações no entre-trajetórias humanas e inumanas na busca de sentidos em meio aos não sentidos despregados dos encontros inusitados com algo desse aí espaço-heterogêneo. Concepção de espaço que aproximo daquilo que a epígrafe de Clarice Lispector (1964) indica: a (des)articulação entre a casa e o terreno. Casa sendo “as coisas que foram se tornando as palavras que me fazem dormir tranquila” (p. 252), tudo aquilo que já está significado na cultura. Mas “embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida” (p. 250), chão esse que escapa dessa casa-palavra e experimenta a perdição fazendo notar “o mal-estar de não entender o que se sente, de precisar trair sen-sações contraditórias por não saber como harmonizá-las” (p. 250). Terreno remetendo para o encontro com aquilo que está aí e não é palavra, algo aquém e além do signo que tranquiliza; e que é áspero, sensível, sensorial, (des)articulado.

Ao apostar nas “potências espaciais”, o cinema faz emergir encontros com esse estar aí, num modo de fazer cinema que Gonçalves (2014) denominou “narrativas sensoriais”. Nelas,

o que vislumbramos são novas modalidades de apreensão e de percepção do mundo, modos mais abertos às ambiguidades e transformações do real, onde podemos perceber não apenas o valor da representação e do simbólico, mas também das forças (instáveis, em devir), das pequenas impressões, das atmos-feras onde nada de preciso é ainda dado, onde o pensamento apenas se ensaia, se deslocando levemente da experiência (p. 18).

Ao falar das narrativas sensoriais que emergem da “lógica do sensível em Cao Guimarães”, Gonçalves (2012) diz ser ele

uma eduCação e um Cinema no teRReno? o espaCial e as imageNs verdadeiras em ferNaNd deligNy e Cao guimarães

Wenceslao Machado de Oliveira Jr.

Unicamp

Eu não quero essa casa [...] O que eu quero é muito mais áspero e mais difícil: quero o terreno.

Clarice Lispector

O terreno: espaço estilo testemunho

Muitos filmes brasileiros realizados nas últimas décadas parecem apontar para a dissolução da narrativa como forma principal, senão única, do fazer e do fruir das imagens e sons cine-matográficos. Cineastas de diversas partes do Brasil – Alexandre Veras, Eryk Rocha, Ricardo Pretti, Eduardo Coutinho, Cao Guimarães, entre outros – parecem apostar em modos de fazer cinema que fazem emergir “potências espaciais”, se tomarmos o espacial1 a partir de Doreen Massey (2008). Para essa geógrafa, o espaço “não é, de forma alguma, uma superfície” (p. 160), mas sim “a esfera da coexistência de uma multiplicidade de trajetórias” (p. 100) humanas e inumanas, “uma simultaneidade de estórias-até-agora” (p. 29) que “envolve contato e alguma

1 Tendo em vista a implementação mais aberta possível da Lei que torna obrigatória a exibição de filmes de produção na-cional nas escolas de educação básica, este ensaio traz ao leitor-professor algumas ideias acerca de um “estilo espacial” do atual cinema brasileiro, associando-o a um modo de pensar a imagem e a educação, tencionando que o próprio professor-leitor possa (ou não) lançar mão da “chave espacial” para conversar com os filmes nacionais. Este ensaio é resultante do projeto de pesquisa As geografias menores em obras de vídeo de três artistas contemporâneos, financiado pelo CNPq, no qual tenho buscado operar com a “chave espacial” nas aproximações entre a educação e as imagens audiovisuais.

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às palavras e significados já existentes. Testemunho-estilo como aquilo que faz a lingua-gem diferir ao dar passagem a matérias de expressão que se organizam ali pela primeira vez e que, por isso, criam (um) mundo, não se restringindo a dar a ver o já existente enquanto “deslocam-se levemente da experiência”.

Em filmes tão distintos como Rua de Mão Dupla (2002), A Alma do Osso (2004), Andarilhos (2006) e Acidente (2006), Cao Guimarães toma como “matérias de expressão” conteúdos espaciais e nos dá a ver o heterogêneo que constitui cada lugar, bem como faz emergir algo de novo, não intencional, no entrelaçamento da trajetória do cinema com a constelação de outras trajetórias que configuravam aqueles lugares. Ao não buscar dizer algo sobre os fenômenos e processos (trajetórias inumanas?) ou qualquer dos personagens-pessoas (trajetórias humanas?) que ali coexistem, o cinema se faz com e junto com essas trajetórias, não as distinguindo, mas sim tes-temunhando o que se desprega desse encontro entre o cinema e... Dessa forma, o cinema não expõe essas trajetórias, mas sim se abre para que expressem(se) em “imagens verdadeiras”, como diria Fernand Deligny (2009), aquelas que não estão condenadas à linguagem, nem sub-metidas pelos signos intencionais e representacionais; imagens selvagens, autistas, que giram e aparecem “para nada”, nesse terreno onde elas derivam de encontro a algo que não está nas imagens, mas delas emerge.

Localizar(se) (n)o terreno, fora do si mesmo

Para o filme Ce Gamin, lá (1975), Deligny “propôs um texto poético que não ajudava em nada a “compreender” aquilo que ele não queria que fosse compreendido nem tomado como um dogma ou um lema2” (TOLEDO, 2009, p. 9).

Na citação a seguir, mantida no formato e língua publicados, o autor desloca o si mesmo para o nada: do sujeito que se reconhece a si (e ao outro como algo fora de si) para o localizar(se)3 para além da linguagem.

2 Todas as traduções do espanhol para o português presentes neste artigo são de minha autoria.

3 O (se) colocado entre parênteses, sem hífen e grudado ao verbo busca realizar no português o estranhamento que Deligny realizava no francês ao preferir o ce (adjetivo demonstrativo) ao se (pronome), jogando com a homofonia desses termos em francês, para criticar a ideia do sujeito reflexivo.

um diretor acostumado a trabalhar sem roteiros, a operar através do improviso, da elaboração estética do acaso e do acidente, [tendo] uma grande economia e delicadeza nos modos de filmar, uma atenção especial ao banal (aos pequenos acontecimentos que emergem nas imagens), a valorização da imagem e do tempo em detrimento do fluxo narrativo (p. 213).

A “valorização da imagem e do tempo em detrimento do fluxo narrativo” pode ser traduzida como valorização do que está aí, do terreno que emerge desse modo de operar com o cinema.Cao Guimarães parece ter nesse modo espacial de fazer cinema, nesse desejo pelo terreno, um dos elementos centrais em seu estilo de estar no mundo. Estilo seria não aquilo que se repete, mas justo aquilo que, a um só tempo, difere na repetição e insiste em fazer-se notar na diferença (GODINHO, 2007).

O estilo não é uma criação psicológica individual, particular, uma construção, uma ‘maneira’ (de ordenar frases, sons, matérias de expressão de qualquer espécie) ou uma ‘forma’ (pessoal) de um conteúdo (a ‘forma’ de uma escrita, por exemplo). [...] O estilo é o modo como as matérias de expressão se organizam para exprimirem o mundo (p. 36-37).O estilo será então uma heterogeneidade que faz a diferença. Não uma organi-zação refletida, nem uma estrutura significante qualquer, nem ainda, uma inspi-ração espontânea. [...] determina uma posição, ajusta uma marca, incarna e faz devir as matérias.Dirige-se ao novo, o novo no pensamento, no modo de ver e entender e experi-mentar (p. 43).

Sendo um encontro não refletido e “aproximando dois objetos diferentes, mesmo vizinhos mas distantes [que] se misturam de alguma maneira, se ligam, trocam ou associam, embora não formem uma unidade” (GODINHO, 2007, p. 37), o estilo seria uma maneira de testemunhar. O testemunho, na acepção de Eugénia Vilela (2010), é a criação de um intervalo entre o vivido e ele mesmo, onde o acontecimento vem se fazer linguagem. Cada testemunho é um ato inaugural na e da linguagem, sendo algo aquém e além dela, o (im)possível a que se chega, não a partir de uma intenção prevista, mas que se encontra quando se é forçado a ir de encontro à linguagem para criar um ato-linguagem que escapa

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Nessa esteira de pensamento4, para Deligny, a imagem “escapa ao conhecimento”, uma vez que as “imagens verdadeiras” seriam como os gansos selvagens, aqueles que “não foram aprisionados5, enquanto que as imagens do cinema são como os gansos domesticados e cheios de significação” (idem, p. 11).

“Eu não vejo nenhuma diferença entre os gansos e as imagens. Trata-se de prendê-los?” (DELIGNY, 2009, p. 124-125). Ele escreve que, entre os gansos, há algo como uma “memória da espécie” que é um bater de asas e esticar do pescoço que

persiste de um voo não ocorrido. Este pedacinho de voo articula, entre os gansos selvagens, o que os permitirá formar uma unidade, um corpo comum, quando, por coincidência, uns indícios muito díspares decidam que o momento é oportuno, e então, como que de improviso, alçam o voo (idem, p. 123-124 – grifos meus).

Um ganso preso já não é um ganso [verdadeiro, selvagem], é uma ave eventualmente comestível e domesticável à vontade, sob o risco de perder seu aspecto e seu vigor. […] é certo que as imagens estão encarregadas de ser significativas, encarregadas é pouco, sobrecarregadas, abarrotadas de significação, e então se arrastam, preenchi-das de sentido, cheias de símbolo, saturadas das intenções grosseiramente alusivas que passam, como se usa dizer, na tela. [...] Se pelo céu passa um voo de gansos selvagens, os gansos que se arrastam batem as asas e esticam o pescoço, desespe-radamente, presos de um frenesi fugaz (idem, p. 124-5).

Os gansos-imagens domesticados pela prisão no signo intencional quase não conseguem mais levantar voo6, em grande medida por não formarem mais um comum entre eles, no lugar – “topos” – onde vivem.

As imagens [verdadeiras], como os gansos, não são imagens a não ser quando formam tropas, e nessa formação vão de uma para outra, refletindo(se) umas nas

4 “Nosso projeto consiste em arremeter contra as palavras e seus abusos” (DELIGNY, 2009, p. 46).

5 Aqui, talvez, fosse melhor escrever “apre(e)ndidos”.

6 “As imagens não se imaginam [...] As imagens imaginadas estão domesticadas e não voam muito longe” (DELIGNY, 2009, p. 129).

Él gira sobre sí mismo pero se ese dichoso SÍ-mismo está en realidad ausente vacante Ese niño gira alrededor de NADA sobre nada perdidamente perdido

¿será pues que o está buscando, ese sí mismo que se estaría buscando?

no hemos seguido esa pista ese chico giraba ni bien ni malmás allá más allá del bién y del malque son cosas del habla. (DELIGNY, 2009, p. 69)

O niño a que se refere Deligny era autista. Esse autor entende que os autistas são humanos que não se “localizam” no mundo pela linguagem e através dela, mas sim num localizar(se) mútuo do e no lugar onde vivem, com e junto das coisas que aí coexistem. “Ao ‘tudo é linguagem’ [de Lacan] ele opõe um ‘topos’, um meio fora do tempo e do comum onde a especificidade das coisas e as referências espaciais substituem o signo” (TOLEDO, 2009, p. 10). Para Deligny, o bem, o mal e o si mesmo são produtos da linguagem como instituidora de mundos, do mundo. Para ele, os autistas não estão condenados pela linguagem, pelos signos, pela significação e, por isso, são tidos como selvagens, por estarem fora da linguagem, uma vez sendo essa aquilo que humanizaria o homem. Propõe, então, como central para se lidar com os autistas (mas não só com eles!) “a noção de território; mas um território não identitário, um lugar onde viver, onde situar-se no espaço, sentir o corpo de um e estrangeirar o outro” (TOLEDO, 2009, p. 13). Seria no estar aí que se daria o verda-deiro da vida de cada homem, mas não necessariamente do (tido como) humano.

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Em busca das imagens verdadeiras: intervalos mostração amostragens

Aponto a seguir breves exemplos, no filme Acidente, de imagens que parecem ter força seme-lhante às “imagens verdadeiras” justo por escapar da linguagem – do cinema documentário – ao terem sido criadas ou localizarem(se) diante de nós sem a intenção de significar ou repre-sentar, e por isso abrirem(se) para mostrar e amostrar coisas, lugares, gestos, acasos do e no encontro entre cinema e cidade-lugar, organizando matérias de expressão para exprimirem o mundo no terreno que se efetivou aí, no próprio encontro-espaço-imagem, indistintos que tornaram(se) ali esses três termos.

Um poema atravessa Acidente desde seu início como cinema. No resumo do filme no site do artista, lê-se:

Um poema composto por 20 nomes de cidades de Minas Gerais, Brasil, é o corpo rítmico deste filme, que se abre ao imprevisto e ao improviso. Instigados pelos nomes destas cidades, a equipe percorre por uma primeira vez cada uma delas. Num movimento de imersão e submersão, o filme se faz através de duas camadas narrativas – uma formada pela história do poema e outra pelos eventos ordiná-rios que surgem acidentalmente diante da câmera em cada uma das cidades. Percepção aberta para deixar-se mesclar ao cotidiano de cada lugar e atenta para eleger um acontecimento qualquer, possível de se relacionar com o poema e capaz de revelar o quanto a vida é imprevisível e acidental.

Esse poema atua como “intervalo operador” das próprias filmagens e da montagem final, constituindo-se como um “guia aberto” que faz emergir acontecimentos acidentais em vinte cidades enquanto narra (em múltiplos desvios) uma história de amor. No intervalo entre estas filmagens e o poema constituíram(se) blocos de imagens e sons “nomeados”.

No primeiro desses blocos, Heliodora, veremos cenas captadas numa noite de chuva e sem iluminação elétrica. Somente a luz dos relâmpagos e dos faróis dos automóveis iluminam as imagens: iluminação acidental e movente que faz circular pelo quadro sombras e negrumes que se movem, mesmo estando imóveis na paisagem filmada. Em seguida, sob a luz de uma vela, entra em quadro a primeira personagem humana do filme: um homem maquiado caminha até a casa onde vive enquanto fala das (im)possibilidades do amor homossexual.

outras. Só podem existir nesse acordo e esse acordo é entre elas; delas procede (idem, p. 129 – grifo do original).

Desta forma, assim como os gansos verdadeiros (os selvagens), as imagens verdadeiras, para Deligny, seriam “aquelas cuja existência persistente não vem de nenhuma intenção” (2009, p. 131) e “não estão sobrecarregadas em representar nada, tendo, entre elas, formas que só esperam as circunstâncias oportunas para alçar voo” (idem, p. 128 – grifos meus). Porém, adverte-nos: “Mas preste atenção aonde nos levam os gansos [selvagens]; até a liberdade” (idem, p. 127).

Será que as imagens, quando verdadeiramente selvagens, podem nos forçar a essa mesma condição de autistas, para além dos signos e da linguagem, para o contato com as “coisas”? Podem nos forçar à liberdade que seria estar aí, no meio, no terreno específico onde vivemos? É nesse sentido que Deligny dizia que o lugar lhe era muito importante, pois nele o locali-zar(se) substitui o si mesmo na configuração do comum, do nós: no lugar, “topos”, há tropa constituída entre aquilo que está aí, tropa que agrupa não somente as trajetórias humanas, mas também as inumanas, tropa como as múltiplas trajetórias que configuram o espaço onde vive(se) refletindo(se) uns nos outros, estrangeirando(se) uns nos outros, ali mesmo.

O filme estava ali, pronto para que o fizéssemos. Quinze rapazes em busca dos maquis por toda parte, à beira dos caminhos, a memória das pessoas. Quinze rapazes que solicitavam, com a câmera na mão, que fossem revividos, postos de novo em cena, alguns restos da história dos maquis, que fossem interpreta-dos, depois de terem sido vividos, por aqueles camponeses sobreviventes do Pas de l’Aiguille, por aquele velho que discutia com as patrulhas inimigas enquanto embaixo do feno de sua granja os “terroristas” não se atreviam a respirar (DELIGNY, 1971, p. 224).

Localizar(se), então, é estar atento ao que se passa entre a tropa para que alcem voo –façam(se) cinema e filme – quando “uns indícios muito díspares decidam que o momento é oportuno”. Localizar(se) seria encontrar(se) com aquilo que afeta o corpo no terreno, que efetiva o sensível que (se) constitui (uma) vida ali; encontros que se dão nas e através das er-râncias que cada corpo realiza enquanto é afetado pelas “coisas” do mundo, pelas trajetórias heterogêneas e copresentes no lugar.

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tercambiáveis entre si, mas cambiáveis a tornarem-se poema, dobradas pela escrita a ilustrações brincalhonas, poéticas, doridas, de um amor vivido intensamente, mas tão brutalmente reprimido que nem mesmo na memória suas marcas se mantiveram. O filme terminará ao som da cadeira de balanço onde estivera uma velha senhora que (não) se lembra mais das Dores de Campos.

O poema constitui-se como algo que flutua entre as imagens e sons, tendo sido o artifício para o próprio processo “acidental” de captar e editar essas imagens e sons. Ao mesmo tempo, o poema mantém-se abstrato ao filme, escapa dele e, justamente por isso, faz oscilar os sentidos das imagens entre aqueles que se ligam ao poema e aqueles sentidos que se ligam ao lugar ou mesmo ao nome do lugar, impedindo que se estabilizem, provocando uma variação contínua, fazendo com que os sentidos sejam também sem sentidos: Heliodora pode vir a ser a virgem e o homem gay e o nome da cidade e a velha senhora e tantos outros sentidos que emergem nas (des)conexões entre esses sentidos mais explícitos, fazendo do intervalo o terreno onde essas cidades-imagens ganham vida.

Nesse filme, a narrativa é frágil. No lugar dela, ganha força a mostração. O que temos nele é uma (a)mostragem aleatória de encontros nos lugares que compõem o mundo, que configu-ram o estético (sensível) que lhe é imanente. Imanente ao mundo e às coisas que o compõem. Dessa quebra ou fragilizacão da narrativa temporal como exigência na fruição do filme, restam estilhaços de cenas, imagens e sons aparentemente soltos, esburacados, rasurados nos sentidos que poderiam vir a ter num fluxo narrativo qualquer. O que opera nesse modo de fazer cinema, nessa expansão do cinema pela vida afora (não só pela arte afora), pelo que está aí é uma exigência no reparar dos detalhes e também na criação de vãos e passagens que, como imagens verdadeiras, libertam as próprias imagens e àqueles que com elas fizerem tropa-unidade em torno de “alguns indícios díspares”.

Opera, portanto, na mostração dos lugares enquanto um estar aí; não para dizer algo sobre eles, mas para implicá-los no cinema, no filme, em novos e possíveis devires, fazer emergir neles – através deles, atravessados neles e junto com eles – outras matérias de expressão, outros modos de serem habitados, num processo de intensificação da diferenciação e de fuga dos clichês, do já dado, do previsível, processo que se dá na medida mesma que a linguagem também se desvia de seus clichês para acolher ali a nova organização das matérias de expressão.

Em lugar da narrativa que encaminha a tropa para um sentido previsto, intencional, aparece uma aposta em dar passagem à expressão do sensível; sensível como estético a um só tempo

O próximo bloco será o de Virgem da Lapa, o qual, no poema, torna(se) codinome de Heliodora, dobrando a primeira cidade-bloco de imagens e sons sobre a segunda e vice-versa, as quais, con-juntamente, se espraiarão por todo o poema (e filme) nos inúmeros vãos abertos a cada nova cidade, que, como num dominó, junta e separa os blocos: linhas e entrelinhas, imagens e sons e cortes e nomes e sequências e sentidos e sem sentidos que grudam e escapam a todo momento.

Variando suportes de filmagem – digital e super-8, enquadramentos, ângulos, movimentos, cores, duração etc., a montagem faz oscilar cada tipo de experiência espacial com as cidades-imagens7, provocando muito mais intervalos entre elas que conclusões acerca delas, tornando-as não só in-

7 “Uma tela onde o grão da película de super-8 tá explodindo o tempo inteiro, já algo acontece aí. [...] Existe aquela coisa química do grão do super-8 ou do 16 ou do 35 milímetros e que você vê aquele grão. Aquilo... se você filmar o nada com aquilo já é alguma coisa.” Em Ver é uma fábula, entrevista com Cao Guimarães. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=n88Ieqcy1Rw. Acesso em: 13 abr. 2015.

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localize(se) (n)o mundo que o afeta e constitui(se) como relacional em encontros inusitados com um brilho, um buraco, um pensamento sutil, um desvio mínimo que faz derivar toda uma constelação de outras possibilidades de fruição do filme, da linguagem, das imagens, da vida, daquela vida que se fez notar (localizar) ali.

Um estilo que se faz através da expressão desse espacial (des)articulado e aberto, da (a)mos-tração de lugares que (se)localizam quando fazem tropa com o corpo de “alguém” e junto a ele, configurando(se) um “topos”, terreno onde emergem tanto signos quanto sensações e pensa-mentos a-significados e a-significantes que, como imagens verdadeiras, alçam voo.

REFERêNCIAS

DELIGNY, F. Permitir trazar ver. Barcelona: Museu d’Art Contemporani de Barcelona, 2009.

DELIGNY, F. Los vagabundos eficaces. Barcelona: Editorial Estela, 1971.

GODINHO, A. Linhas do estilo – estética e ontologia em Gilles Deleuze. Lisboa: Relógio D’água, 2007.

GONÇALVES, O. Narrativas sensoriais – a lógica do sensível em Cao Guimarães. In: Anais do XIII Estudos de Cinema e Audiovisual – Socine, vol. 1. São Paulo: Socine, 2012.

GONÇALVES, O. Narrativas sensoriais. In: GONÇALVES, O. (Org.). Narrativas sensoriais. Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2014.

LISPECTOR, C. Mineirinho. In: LISPECTOR, C. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964.

LOPES, D. Sensações, afetos e gestos. In: GONÇALVES, O. (Org.). Narrativas sensoriais. Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2014.

MASSEY, D. Pelo espaço – uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.

TOLEDO, S. A. Introdución. In: DELIGNY, F. Permitir trazar ver. Barcelona: Museu d’Art Contemporani de Barcelona, 2009.

VILELA, E. Silêncios tangíveis. Porto: Edições Afrontamento, 2010.

FILMOGRAFIA

DELIGNY, F. Ce Gamin, Lá. França, 1975.

GUIMARÃES, C. Acidente. Brasil, 2006.

GUIMARÃES, C. A Alma do Osso. Brasil, 2004.

GUIMARÃES, C. Andarilhos. Brasil, 2006.

GUIMARÃES, C. Rua de Mão Dupla. Brasil, 2002.

ROCHA, E. Transeunte. Brasil, 2010.

artístico e cotidiano, como nos aponta Godinho (2007), como algo que se constitui de um excesso ainda não sensível e que pode vir a tornar(se) sensível no filme, através dele, em conexão com o que dele emerge no lugar, “topos” onde (se)localizou. Como o azul que também é o céu da cidade de Tombos, em Acidente.

Um elemento espacial feito cor no quadro; uma cor feita céu no filme; azul celeste feito “topos”, intervalo entre as quinas do enquadramento e das construções, empurrando para fora do chão a cidade, para fora do quadro o olhar, o ouvir, resistindo ao modo centralizado habitual com que as “coisas” do espaço aparecem no quadro cinematográfico. Mostras e amostras do que vêm a ser outras miradas possíveis para as cidades, desviadas do retângulo, livres de um sentido intencional já dado, a um só tempo reconhecíveis e estranhas.

Pode-se dizer que o estilo em Cao Guimarães se efetiva nos encontros com o espacial hetero-gêneo (MASSEY, 2008), encontro errático pelas imagens e através delas, com exíguos direcio-namentos da narrativa, dos jogos de ângulos e enquadramentos. Ao fragilizar-se do si mesmo, das intenções, e localizar(se) naquilo que encontra por acaso, esse estilo expressa o mundo em imagens e sons “equivalentes”, como a dizer – estamos aqui, um finito de coisas em infini-tas (des)conexões, dentro e fora do quadro mirado. Ao testemunhar um estar aí, as imagens e sons dos filmes (nos) exigem: deixe-se aqui entre nós, ou melhor, solte-se de você, seja nós,

Quaestio, Sorocaba, SP, v. 18, n. 1, p. 67-84, maio 2016.

Outros espaços no cinema contemporâneo: campo de experimentações

escolares?

Wenceslao Machado de Oliveira Junior

Resumo: O artigo traz ao leitor possibilidades de efetivar resistências cruzadas aos hábitos e clichês do Cinema, da

Geografia e da Educação, ao avizinharmos práticas de pensamento e modos de fazer destes três campos de

experimentação da vida, através das “potências espaciais” presentes no cinema contemporâneo. São

apresentados “outros espaços” criados neste novo cinema e apontadas algumas possíveis aberturas deste

cinema para testemunhar experiências e inventar experimentações escolares, em especial vinculadas a duas

práticas habituais da geografia escolar - estudo do meio e caminho casa-escola - por meio do

atravessamento dessas práticas por distintos estilos cinematográficos.

Palavras-chave: Cinema contemporâneo. Experimentação. Geografia escolar. Testemunho. Estilos

cinematográficos.

Other spaces in contemporary cinema: school experimentation field?

Abstract: The article provides the reader possibilities of effecting cross-resistance to the habits and clichés of

cinema, geography and education to neighbor practices of thinking and ways of doing these three

experimental fields of life through "spacial potencies" present in contemporary cinema. The author

presents "other spaces" created by this new cinema and suggests some possible openings of this cinema to

witness experiments and invent school experimentation, especially linked to two usual practices of school

geography – study of the environment and the way home-school – through the crossing of these practices

by different cinematographic styles.

Keywords: Contemporary cinema. Experimentation. Scholar geography. Testimony. Cinematographic styles

68 OLIVEIRA JR., Wenceslao Machado de. Outros espaços no cinema contemporâneo: campo de experimentações

escolares?

Quaestio, Sorocaba, SP, v. 18, n. 1, p. 67-84, maio 2016.

Potências espaciais do cinema expandido: outras práticas, outros espaços

Nos últimos anos, o cinema1 vem se expandindo, tendo como um de seus apoios as

possibilidades das longas gravações em vídeo2, permitindo artistas a deixarem-se levar pelo acaso

dos encontros no espaço vivido e, a partir deles, junto com pessoas e paisagens encontradas,

criarem situações de interação, de composições fílmicas através das negociações que surgem

entre o cinema (equipe, câmeras, cultura audiovisual...) e a “constelação de trajetórias”3

(MASSEY, 2008) encontradas naquele lugar. Nesses encontros no espaço, o cinema vem

inventando filmes que arrastam para si as pessoas e paisagens encontradas, impondo a elas

devires cinematográficos, devir-personagem, devir-cenário. Devires esses com potência, mesmo

que imperceptível, de provocar variações nas formações subjetivas e paisagísticas que dali se

desdobrarem.

Nesse encontro intensivo entre cinema e vida cotidiana não cabem distinções rígidas entre

pessoa e personagem, entre espontaneidade e encenação, entre casa e cenário, entre qualquer

coisa que estaria fora do cinema e algo que estaria dentro dele (no filme), pois ali tudo é cinema,

uma vez que foi ele que produziu não só as imagens e sons, mas também operou como

intercessor para todos aqueles gestos e cenários ganharem existência na/para/através da câmera,

sendo, portanto, filme o que emerge nesse encontro. Filme aqui entendido como um conjunto de

“blocos de sensações” (DELEUZE, 2007) em imagens e sons que vibram e ressoam antes,

durante e depois das projeções, pois que foram, são e serão vida não só para os espectadores, mas

para tudo aquilo que para o filme convergiu pelo (através/com o) cinema.

O próprio cinema é vivificado – tornado outro – ao operar como mais uma trajetória na

constelação que constitui aquele lugar como “ponto de encontro”4, lugar que (se) expressa no

1 Este artigo é um desdobramento da pesquisa “As geografias menores nas obras em vídeo de três artistas

contemporâneos” realizada como Pós-Doutorado no Departamento de Geografia da Universidade do Minho

(Portugal), e financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq (Brasil) entre

agosto de 2014 e julho de 2015. Uma versão inicial desse artigo foi apresentada no IV Colóquio “A educação pelas

imagens e suas geografias”, em dezembro de 2015.

2 Os escritos acerca do cinema contemporâneo e os contatos com obras desse cinema expandido indicam uma certa

impropriedade na distinção entre cinema e vídeo devido à forte interpenetração de ambos nos últimos anos,

fazendo com que as conexões da linguagem audiovisual com outras práticas artísticas e sociais venha se dando de

maneira mais variada e constante, como já apontava Mello (2008) para o caso do vídeo.

3 O espaço é “a justaposição circunstancial de trajetórias previamente não conectadas [criadora de um] estar juntos

[...] não-coordenado” (MASSEY, 2008, p. 143).

4 Na perspectiva de Doreen Massey, o conceito de lugar está associado à copresença de uma constelação específica

de trajetórias, fazendo com que um lugar seja estabelecido pelas interconexões e desconexões entre essas trajetórias

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filme e que não existia antes e nem existiria daquela forma sem o cinema. Por fim, e mais

importante, lugar que entrou em devir através do cinema – transformou-se, ganhou vida –, ao se

expor ao cinema, ao ser atravessado pelo cinema. Metamorfoses espaciais que fazem emergir

geografias menores5 (OLIVEIRA JR, 2010; 2014), outras maneiras de habitar o espaço nas e

pelas imagens que parecem apostar em modos de fazer cinema que fazem emergir “potências

espaciais”6.

Nota-se nesse cinema expandido múltiplas potencialidades que o vídeo trouxe ao cinema

para que este se avizinhasse não somente de outras práticas e linguagens artísticas (MELLO,

2008), mas também para avizinhar-se de outras práticas sociais7, imiscuindo-se nelas, criando ali

novas maneiras de habitar o mundo, outras negociações – articulações e desarticulações – entre a

constelação de trajetórias copresentes e (des)conectadas que configuram cada lugar.

Uma das maneiras mais instigantes e produtivas desse cinema é fazer emergir histórias

ficcionais em estreita conexão com o vivido nos lugares, extraindo desse vivido não propriamente

e não por algum parâmetro de localização, de extensão, de origem ou de identidade (MASSEY, 2008). “Lo que

confiere a un lugar su especificidad no es ninguna larga historia internalizada sino el hecho que se ha construido a

partir de una constelación determinada de relaciones sociales, encontrándose y entretejiéndose en un sitio

particular. Si nos desplazamos desde el satélite hacia el globo, manteniendo en la cabeza todas estas redes de

relaciones sociales, movimientos y comunicaciones, entonces cada «lugar» puede verse como un punto particular y

único de su intersección. Es, verdaderamente, un punto de encuentro. Entonces, en vez de pensar los lugares como

áreas contenidas dentro de unos limites, podemos imaginarlos como momentos articulados en redes de relaciones e

interpretaciones sociales en los que una gran proporción de estas relaciones, experiencias e interpretaciones están

construidas a una escala mucho mayor que la que define en aquel momento el sitio mismo, sea una calle, una

región o incluso un continente. Y a su vez esto permite un sentido del lugar extrovertido, que incluye una

conciencia de sus vínculos con todo el mundo y que integra de una manera positiva lo global y lo local (MASSEY,

1991, p. 126).

5 “A expressão geografias menores é tributária de nosso contágio com alguns conceitos da filosofia da diferença,

sobretudo os conceitos de minoridade, resistência e fabulação, provenientes de diversas obras de Gilles Deleuze e

Félix Guattari. [...] Geografias menores são forças minoritárias que se agitam no interior da Geografia maior. Não

existem como formas acabadas, mas como potência de devir naquilo que já está estabelecido. Seriam, portanto,

todas aquelas forças (conceituais, formais, temáticas, metodológicas etc) que operam rupturas, fraturas e

esburacamentos, oscilações, dúvidas e incorporações novas naquilo que antes já era Geografia. São antes aquilo

que promove outras conexões e possibilidades, não necessariamente rompimentos ou negações; ampliam as

margens em que o pensamento geográfico se dá, abrindo nele novos possíveis” (OLIVEIRA JR, 2014, p. 487).

6 Essa expressão busca apontar o espaço como potente na oferta de experiências e encontros nos quais emergem

outros tipos de imagens, justo por elas terem sido gestadas em estilos e dispositivos cinematográficos que se abrem

para os acasos e exigências singulares que as experiências e encontros espaciais impõem ao cinema em cada lugar

do qual ele se aproxima sem roteiros prévios ou com roteiros que se voltam não para a produção das imagens e

sons, mas para a produção de encontros e experiências onde imagens – quais? – poderão – talvez – vir a configurar-

se de outras maneiras – surpreendentes? – fazendo outros o cinema e o lugar.

7 No que se refere ao avizinhamento do cinema com a escola e suas práticas diversas, indico a leitura do recente livro

“Inevitavelmente cinema – escola, política e mafuá” (MIGLIORIN, 2015).

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aquilo que ele é – o que faria o filme ser uma obra sobre o lugar –, mas aquilo que esse vivido

pode vir a ser, fazendo-se filme uma obra com e pelo lugar (“pelo” significa “em intenção de” e

não “em nome de”), onde devires antes não sensíveis ali podem vir a tornar-se sensíveis. Esse

cinema se imiscui no lugar e é atravessado por ele, pelas forças e materiais que compõem as

trajetórias heterogêneas que ali se reúnem, se tensionam, se (des)articulam, produzindo sempre

novos devires. Os filmes sendo, então, mais um desses devires dos lugares onde o cinema aporta

e se mistura, se (re)inventa sem se distinguir do que nele se movimenta, seja o vídeo, sejam as

nuvens, seja a escrita, sejam as pessoas, seja a narrativa ou os intervalos não narrativos, sejam os

significados ou as linhas de fuga, fazendo-se rizoma que se avizinha em novas conexões e derivas

e...

É um cinema contemporâneo que resiste e insiste em fazer variar as maneiras como

estamos no mundo. Ele tem sido chamado de “cinema de garagem que busca outras dramaturgias

e encenações, no contexto de barateamento da produção, permitido pelo uso de suportes digitais

[...]. Mais que mudanças nas formas de produção, trata-se de um resgate do coletivo como modo

de vida” (LOPES, 2013, p. 80). Também já foi chamado de “cinema de cozinha”, tendo “cozinha

como lugar do exercício do afeto diário” (GUIMARÃES, 2008, s/p) ou de cinema pós-industrial,

que

se constitui com uma outra estética do set e das produtoras. Grupos e coletivos

substituem as produtoras hierarquizadas, com pouca ou nenhuma separação entre os que

pensam e os que executam. […] Em diversas partes do país existem coletivos que estão

constantemente inventando formas de desierarquizar a produção, seja pelo

embaralhamento das equipes, seja na relação mesmo que estabelecem com atores e

personagens [ou no] processo de construção em que o projeto é composto de intenções,

encontros, performances, compartilhamentos – e não de roteiro e realização

(MIGLIORIN, 2011, s/p).

Para além das mudanças que ocorrem no próprio fazer (do) filme, ou melhor, no fazer

(do) cinema, são também apontadas mudanças bastante significativas na maneira como a arte

contemporânea lida – incorpora, desfaz, expõe, numa palavra, experimenta – com e através do

cinema (e dos filmes) múltiplas variações na “forma-tela” e na “montagem espacializada”,

levando o cinema a “escapar” da sala escura e da tela branca:

A videoinstalação e tudo que chamamos de “o cinema de exposição” cultivou pouco o

princípio de unicidade intensiva da imagem e, sabemos bem, desenvolveu

preferencialmente o princípio da multiplicação das telas no espaço do museu: várias

imagens para se ver, ao mesmo tempo ou não, mais ou menos na luz, sobre telas de

tamanho mais ou menos reduzido, dispostas em um espaço segundo modalidades

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específicas, e o visitante-espectador se desloca de uma para outra tela, segundo a sua

vontade e segundo os arranjos feitos pelo autor (e o curador da exposição) (DUBOIS,

2014, p. 136).

Essa expansão do cinema, portanto, arrasta consigo variações diversas nas equipes, nos

meios de captação de imagens e sons, nas telas, etc. A mesma expansão também arrasta o

espectador para outras experiências através e com as imagens audiovisuais, assim como é

arrastada pela expansão dos espectadores e criadores para outras possibilidades de

experimentação com e através do espaço, dos encontros com uma constelação específica de

trajetórias que configuram os lugares. Em outras palavras, nesse cinema expandido, espaço e

cinema vivificam-se mutuamente.

Retomando um pouco algumas ideias já citadas acima, a título de reforço, pode-se dizer

também que seria verdadeiro (senão no todo, pelo menos em parte) que esse novo cinema foca-se

mais no espaço, permite-se mais ao espaço, despe-se do tempo controlado pela narrativa-história

para expor-se ao tempo como desdobra do espaço como eventualidade (MASSEY, 2008), quando

o espaço é entendido como uma constelação de trajetórias heterogêneas – humanas e inumanas –

que inevitavelmente se encontram e “negociam” devires, outras possibilidades de vida. Talvez

possamos generalizar para esse modo de fazer cinema as palavras de Lopes para o filme

Transeunte (2010): “o mais importante é dito pelo espaço, pela câmara que vai atrás, olha de

frente, está próxima, escuta, sem nada revelar. Tudo resumido ao básico, ao mínimo” (LOPES,

2014, p. 74-75). O que os filmes nos “dão a ver” não estaria naquilo que se vê ou se ouve, mas

naquilo que passa entre o visto e ouvido: os blocos de sensações; sendo esses blocos de sensações

compostos por aquilo que excede à realidade sensível mas que já a constitui virtualmente e que os

filmes nos dão a “sentir”8, sentir esse entendido muito mais como um conjunto de sensações a-

significantes e a-significadas do que como um sentimento já significado (DELEUZE, 2007). Ou,

como aponta Cézar Migliorin,

8 Osmar Gonçalves denomina de “narrativas sensoriais” aquilo que vemos emergir neste cinema, nas quais “o que

vislumbramos são novas modalidades de apreensão e de percepção do mundo, modos mais abertos às

ambiguidades e transformações do real, onde podemos perceber não apenas o valor da representação e do

simbólico, mas também das forças (instáveis, em devir), das pequenas impressões, das atmosferas onde nada de

preciso é ainda dado, onde o pensamento apenas se ensaia, se deslocando levemente da experiência”

(GONÇALVES, 2014, p. 18). Para esse autor, nesse tipo de cinema gestam-se “obras cuja força parece emergir de

certo rigor descritivo, de um olhar fotográfico – essencialmente distendido e silencioso – que se volta às

delicadezas, às insignificâncias, às pequenas epifanias do cotidiano. Numa palavra: obras sobre quase nada, filmes

e instalações que parecem recusar a história em benefício do “simples acidente”, do simples fluir da vida” (p. 10).

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a maior aposta destas produções talvez seja forjar, através da experiência estética

mediada por dispositivos eletrônicos, o aparecimento, mesmo que fugidio, de algo que

nos ultrapassa – a beleza, o estranho, o insólito – mas que ao mesmo tempo está no

mundo, está no que nos cerca, é parte do que vivemos (MIGLIORIN, 2010, s/p).

Estamos diante de obras cinematográficas que nos forçam a não mais acompanhar a

narrativa (forma habitual de nos colocarmos diante de um filme) ao desfazer-se dela tornando-a

frágil ao retirar os amparos que antes a faziam ser nosso elo de ligação entre a primeira e última

imagem do filme. Desfaz-se, também, da centralidade dos personagens humanos (de seus corpos

e expressões), das palavras e grandes gestos humanos como fios condutores, da continuidade

espacial ou temporal, da profundidade de campo como amparo para o realismo, entre outras

estratégias que forçam-nos a deparar com outras coisas que atravessam o filme – objetos, luzes,

maquiagens, paisagens, cores, pequenos gestos... – ainda que elas sejam quase imperceptíveis,

mas que, a despeito disso ou justamente por isso, tem a potência de nos afetar por surgirem como

novos blocos de sensação que engendram a obra enquanto dela emergem.

Esse cinema expandido faz-se como um campo de experimentações que dobra sobre as

imagens e sons fílmicos as experiências e lugares que vão tanto ao encontro do cinema quanto

aquelas e aqueles que vão de encontro com o cinema, forçando esse último a inventar maneiras –

a inventar linguagem – para acolher aquilo que se expressa nesses encontros e que “ainda não

cabe” na linguagem do cinema que já existe.

Potências escolares e espaciais-geográficas: testemunhar?

As potencialidades de todas essas mudanças no/do cinema expandido para vivificar a

educação em geral e a geografia escolar em especial me parecem instigantes. Aponto somente

algumas delas que, por sua vez, interpotencializam-se ao mesclarem-se umas às outras: a)

equipes abertas e oscilantes, com decisões coletivas que permitem os escolares variarem suas

posições na equipe a partir das próprias decisões e mudanças durante a realização dos filmes; b)

filmes dedicados e disparados pelo cotidiano, pelas sensações intensivas que pedem expressão

através dos corpos jovens; c) roteiros abertos para trazer ao filme cenas captadas ao acaso na

deambulação dos escolares; d) exibição ou exposição ou “aparecimento” das obras em diversas

superfícies e telas e formatos (como filmes para serem vistos em celulares ou pátios), permitindo

diversas “dobras” dos filmes sobre o espaço arquitetônico e social da escola e suas futuras

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desdobras na criação de filmes a serem experimentados “naquele” lugar e não em outro; e) filmes

criados para instalações ou mesmo como obras de site specific, realizados para fazer variar aquele

lugar específico (escola ou parte dela), para arrasta-lo para outros sentidos ou sem-sentidos,

desprega-lo das significações e usos que o aprisionam na rotina mortificadora e dar àquela escola

um caráter vívido ao forçá-la a entrar em deriva nas novas composições que o cinema (e os

filmes) fizerem das trajetórias copresentes que compõem aquele lugar-escola. Tudo isso num

contexto digital onde os custos são muito baixos ou quase inexistentes para realizar as captações

e armazená-las, bem como para editá-las posteriormente.

Através das práticas experimentadas por esse cinema contemporâneo expandido temos

mais possibilidades para o aparecimento de “cineastas escolares” e de “cinemas de escola”:

filmes produzidos em escolas, pelas e com as escolas? Penso que sim.

Trago aqui, como exemplo já realizado, os “personagens corpos-sem-cabeça”, que

aparecem em uma das muitas experimentações do Minuto Lumière (SEBOLLA FILMES, s/d) do

Projeto CINEAD9, realizadas em escolas de Educação Básica. Teria sido a vergonha ou a timidez

dos jovens, ou a regulação jurídica de não identificação de menores de idade, que levou a essa

escolha estética de filmar “corpos sem cabeça”? Ou tudo isso junto? Ou nada disso e os motivos

me escapam nessa mirada de longe? No limite, para os propósitos de meu argumento, importam

pouco os motivos. Importam sim, e muito, as invenções que se desdobraram dessa escolha

estética e que provocaram uma pequena variação nos filmes e no cinema ali realizados.

Importa aqui destacar que os meios do cinema encontraram naquela escola esse percurso,

um percurso singular que foge ao habitual de se concentrar nos rostos e, justamente por isso, nos

força a prestar atenção em outras relações entre as demais partes dos corpos humanos e delas com

os demais diversos elementos que compõem aquele lugar, promovendo possíveis variações em

nossas maneiras de habitar aquele lugar.

O mesmo percurso singular disparado pelos “personagens corpos-sem-cabeça” nos faz

notar que o cinema se reinventa quando é forçado a desviar-se do que é mais comum ao

encontrar-se com um conjunto de experiências que se expressam para além da linguagem habitual

do cinema. É nesse sentido que seria importante e potente – para o cinema e para a escola-lugar –

9 A experimentação aqui citada ocorreu na Escola Municipal Vereador Antônio Ignácio Coelho. Nela também podem

ser vistas outras estratégias de (des)aparecimento do rosto-identificação pessoal, tais como a filmagem de cenas por

meio de sombras e reflexos ou a presença constante de sons.

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que insistamos naquilo que brota de novo na linguagem audiovisual em cada encontro permitido

pela expansão do cinema através da escola; cabe salientar que será sempre um novo brotado

justamente no encontro com aquela escola, com cada uma delas.

Nesse encontro entre cinema e escola, importa, portanto, que insistamos nos novos

devires que o experimentar com cinema na e da escola faz vibrar ao dar passagem às “matérias de

expressão” que ali se fizeram sensíveis e fizeram variar o cinema e sua linguagem. E, como

desdobra do próprio filme gestado – do próprio cinema experimentado –, talvez emerjam devires

também na e da escola como eventualidade espacial, aberta às (des)articulações entre as múltiplas

trajetórias que a configuram como lugar.

Muitas perguntas desdobram-se daí: quais experiências vividas na escola poderiam

expandir-se nesse (e expandir esse) cinema contemporâneo? Fariam o cinema vir a ser outro,

inventando linguagem para expressar aquilo que se passa nas escolas, em cada uma delas,

singular que é nas negociações entre as trajetórias heterogêneas que a configuram? De que

maneiras se expandiria o cinema ao encontrar-se com e junto de uma escola? Perguntas que os

próprios meios de expandir o cinema já nos dão pistas para responder, mas que somente pelas e

através de experimentações escolares é que descobriremos o que se passará no cinema e em cada

escola quando essas duas trajetórias que compõem o espaço contemporâneo se misturarem mais.

Nos parágrafos acima foram apresentadas algumas potencialidades e perguntas da relação

entre esse cinema expandido e a educação de maneira geral. Do ponto de vista mais específico da

geografia escolar, caberia perguntar: nesses encontros entre escola e cinema, inventaremos outros

modos de experimentar “ver e viver” o espaço através e junto com o cinema10

?

De um lado há a estabilidade dos significados das imagens nas práticas escolares (e

mesmo científicas) na esfera (praticamente única) da representação (registro) da realidade

espacial como superfície extensiva (no caso dos mapas) ou materialidade (audio)visual (no caso

das fotografias e filmes); do outro lado, há a mobilização, cada dia maior e mais diversificada,

das imagens em outras práticas sociais pelos jovens escolares, sobretudo por meio dos celulares,

sendo que nessas mobilizações as imagens tem tanto o sentido de registro-representação (como

10

A esta pergunta fazem-se paralelas outras, presentes no projeto da pesquisa referido na nota 2: “Como dar às

crianças e jovens linguagens que só comunicam e informam, sem lhes propor também que fraturem estas

linguagens para poderem dizer – dizer? –, expressar o que lhes acontece com e neste espaço onde vivemos? Como

permitir e incentivar estas crianças e jovens para que possam expressar que espaço é este onde vivem? ... uma vez

que este nosso espaço está num turbilhão, em franco devir, em múltiplas metamorfoses e rotas, mais ou menos

aleatórias ou previsíveis, incapaz de ser testemunhado nas linguagens que temos já dadas e conhecidas?”

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em fotos e vídeos feitos para registrar fatos vividos em locais comuns ou em locais pouco

comuns para mostrar aos amigos como se dissessem: estive aqui) quanto o sentido de criação, ao

atuarem sobre a imagem de inúmeras maneiras de modo a fazê-las escapar da estética do registro-

representação e aproximar-se de uma “expressão pessoal”11

ou de um “objeto artístico” (como em

fotos e vídeos postados no Instagram ou no Facebook). Nesses últimos, gestos criativos ou

criadores, talvez venha a dar-se o testemunho do que atravessa intensivamente aquele corpo

jovem, uma vez que “no testemunho, o indivíduo não enfrenta apenas [...] a resistência dos

acontecimentos e dos corpos a serem nomeados, enfrenta também as feridas da linguagem através

do corpo a corpo com o representável” (VILELA, 2010, p. 439).

Uma vez que há uma instabilidade enorme no mundo que vivemos, fazendo com que

ocorram mudanças frequentes nas experiências espaciais contemporâneas, elas exigem, portanto,

transformação nas próprias linguagens para que nelas encontrem passagem para exprimirem-se,

estabelecendo um corpo a corpo constante com o que ainda não é representável. Sobretudo

aquelas experiências espaciais que atualmente são atravessadas pelo cruzamento de ruas –

espaços corporais físicos (onde o corpo é inevitavelmente afetado pelo entorno) – e redes –

espaços digitais virtuais (onde o corpo pode ser afetado se e quando conecta-se com alguma rede)

– gerando dobras e redobras, misturas e metamorfoses no vão aberto no corpo-espaço entre ruas e

redes, ampliando a intensidade dos cruzamentos-atravessamentos por ser esse corpo-espaço-entre

afetado por muitas mais trajetórias ali copresentes, fazendo com que o conceito de testemunho

nos permita pensar a necessidade de formas expressivas que ultrapassem as linguagens já

existentes, sendo, portanto, algo que se dá para além do que conseguimos pensar como possível e

previsível. Nesse sentido, o testemunho a que me refiro deve ser pensado como o (im)possível a

que se chega, não a partir de um traçado já previsto, possível de ser trilhado, mas que se encontra

quando se é forçado a criar um ato-linguagem para dizer algo que escapa às palavras e

significados já existentes. “O testemunho é procura: perda e encontro, presença e ausência”

(VILELA, 2010, p. 437). Estamos diante da capacidade de estranhar-se da própria linguagem em

suas relações com as experiências humanas, a capacidade de fazer-se aberta, incompleta, em

11

Expressão pessoal que prefiro pensar não como algo deliberado de um indivíduo, mas sim como um gesto/objeto

que dá expressão a um aglomerado de forças um tanto indistintas que afetam um corpo qualquer. Portanto, a

expressão pessoal é uma espécie de vazamento do mundo através de um corpo que age nesse mesmo mundo, o

qual, por sua vez, no argumento desse artigo, pode ser tomado como espaço e lugar onde a vida se efetiva e afeta as

trajetórias humanas e inumanas.

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devir. Uma linguagem, portanto, que não se reduz à mera comunicação (para si mesmo ou para o

outro), mas uma linguagem que se abre para expressar o novo testemunhado.

Se lembrarmos que, na instabilidade das experiências espaciais gestadas pelas redes, as

imagens têm papel importante, sendo elas, em grande medida, a interface em que as redes

ganham presença e afetam os corpos dos jovens, as novas práticas engendradas pelo cinema

expandido talvez tenham maior potência para gestar testemunhos e, através deles, vivificar a

educação e a geografia escolar.

Seja como for, é muito provável que, com estas experimentações, pipoquem geografias

menores na/da/através da escola. O verbo pipocar foi deliberadamente escolhido para trazer

ironia à frase, mas também para fazer vibrar aqui a própria materialidade da pipoca que, para

existir, deve virar do avesso aquilo que estava antes, fazer o dentro desdobrar-se no fora para,

então, ser temperado, comido, degustado disperso pelo espaço, o qual, nesse novo cinema, não é

experimentado somente sentado e imóvel, mas caminhando, tocando, interagindo com as telas,

sons, imagens e todas as demais trajetórias que se cruzam e negociam poderes e devires naquele

lugar onde o cinema fez-se como mais uma das trajetórias ali atuantes.

Outras maneiras de lidar com o (aprendizado de) espaço podem surgir daí. Por exemplo,

valerão para as experimentações escolares com e através do cinema a mesma pergunta que o

documentarista faz-se quando chega a um lugar desconhecido: “Como se aproximar do evento

com tão pouco conhecimento, mas com os meios do cinema?” (MIGLIORIN, 2014, p. 239).

Duas possíveis experimentações escolares: potências da arte

Para exemplificarmos a partir de atividades educativas bastante comuns em aulas de

Geografia, imaginemos um estudo do meio no bairro da escola que tomasse os meios do cinema

do brasileiro Cao Guimarães para ser realizado12

. Em seus filmes, suas entrevistas e nos autores

que escrevem sobre sua obra, fica explícita a importância que o espacial tem em seu estilo13

de

12

Essa experimentação também pode ser tomada como potente no âmbito da implementação da lei 13.006 que torna

obrigatória a exibição de duas horas de cinema nacional nas escolas brasileiras. Ver Fresquet (2015).

13 “O estilo não é uma criação psicológica individual, particular, uma construção, uma ‘maneira’ (de ordenar frases,

sons, matérias de expressão de qualquer espécie) ou uma ‘forma’ (pessoal) de um conteúdo (a ‘forma’ de uma

escrita, por exemplo). [...] O estilo é o modo como as matérias de expressão se organizam para exprimirem o

mundo” (GODINHO, 2007, p. 36-37). “O que denominamos um estilo, que pode ser a coisa mais natural do

mundo, é precisamente o procedimento de uma variação contínua” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 44).

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agir com e no cinema, destacando a sensorialidade e o acaso como estratégias para a composição

de seus documentários apoiados na criação de imagens (e sons) que escapam do intencional e do

já estabelecido (como linguagem) no cinema: imagens criadoras de intervalos que operam entre

seus múltiplos sentidos, que abrem vãos no “chão documental”, imagens, enfim, que oscilam e se

negam a serem significadas ou mesmo fruídas nos habituais modos representativos de entender as

imagens audiovisuais, sobretudo as documentais; em poucas palavras, imagens (e sons, é bom

dizer) que escapam do dizer sobre, assumindo-se explicitamente como um expressar com aquilo

que nos colocam diante dos olhos, dos ouvidos e, por assim dizer, da pele, aquilo que emerge do

e no espaço-imagem, como espaço-imagem, indistintos que ficam nesse cinema onde o encontro

inusitado (e intenso) é a tônica de onde se desdobram conversas e demoras, escolhas a um só

tempo éticas e estéticas como, por exemplo, usar o digital para deixar a conversa e a câmera fluir

ao sabor dos tempos e movimentos das pessoas-personagens encontradas e também usar o super-

8 para deixar acontecer, na imagem, algo ainda insuspeito, como no dizer do próprio Cao

Guimarães:

uma tela onde o grão da película de super-8 tá explodindo o tempo inteiro, já algo

acontece aí. Existe aquela coisa química do grão do super-8 ou do 16 ou do 35

milímetros e que você vê aquele grão. Aquilo... se você filmar o nada com aquilo já é

alguma coisa (GUIMARÃES, 2013).

Aquilo... aquilo a que Cao Guimarães se refere é já a imagem, aponta para o desfazimento

do referente, da paisagem, na medida mesma que aponta também para o “fazer-se imagem”, para

o “sobre” da imagem que dobra-se na paisagem, “sobre” esse que excede a realidade

contemporânea justamente ao constituí-la na/através/pela imagem, como imagem. Esse excesso,

grãos quase invisíveis que nos afetam – enquanto algo que, a um só tempo, refere-se ao que está

fora da imagem e se desfaz desse referente – é aquilo que irá compor o vir a ser do olhar que

daremos ao mundo, grãos quase invisíveis de um olhar que se exercerá como toque, mão e pele

nesse mundo, um olhar, por assim dizer, sensorial, fazendo o mundo devir sutilmente outro ao

estar constituído junto com as imagens e sons cinematográficos.

A obra desse artista onde sinto estas características mais adensadas é Acidente (2005).

Nesse filme, Cao Guimarães, em parceria com Pablo Lobato, criou um poema que opera como

“narrativa frágil” e “guia aberto” para fazer as filmagens em cada uma das vinte cidades que

compõem, a um só tempo, o poema e o filme, como aponta a sinopse a seguir, além de comporem

uma geografia menor que atravessa e é atravessada pelo filme-poema:

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Um poema composto por 20 nomes de cidades de Minas Gerais, Brasil, é o corpo

rítmico deste filme, que se abre ao imprevisto e ao improviso. Instigados pelos nomes

destas cidades, a equipe percorre por uma primeira vez cada uma delas. Num movimento

de imersão e submersão, o filme se faz através de duas camadas narrativas - uma

formada pela história do poema e outra pelos eventos ordinários que surgem

acidentalmente diante da câmera em cada uma das cidades. Percepção aberta para

deixar-se mesclar ao cotidiano de cada lugar e atenta para eleger um acontecimento

qualquer, possível de se relacionar com o poema e capaz de revelar o quanto a vida é

imprevisível e acidental (GUIMARÃES, 2006).

Tendo em vista sua duração não muito longa, cerca de 50 minutos, é mais tranquila sua

inserção em situações escolares, como exemplo de outras maneiras de lidar com o cinema em

seus encontros com lugares onde vamos realizar algum estudo do meio. É nesse sentido que

tenho experimentado ver e conversar a partir desse filme nas oficinas com jovens escolares

realizadas no Brasil e em Portugal na interface geografia e linguagem audiovisual. Nelas,

Acidente provoca variados (des)encantamentos e reverberações, desde a força que tem o “guia

aberto” para trazer uma grande diversidade de situações vividas, até as muitas possibilidades de

entendimento e identificação com as personagens, justo por elas serem apresentadas num

intervalo entre cidade e poema-história de amor criado pela “narrativa frágil” ali alinhavada,

passando pela íntima (e desconcertante) relação entre imagens e sons e pelas “capturas estéticas”

de certas imagens que geram falas titubeantes, como a do jovem português que, ao ser perguntado

acerca do filme, disse mais ou menos assim, referindo-se a uma imagem da cidade-bloco de

sensações Abre Campo: “fiquei com uma imagem que parece ser de um chão de pedra com um

brilho, uma rua... havia duas linhas que saíam dali e se estendiam para longe... não sei bem

porquê... achei bonita...”. Nesse titubeio entrevejo o “afeto sensorial” com que a imagem-bloco

de sensações tocou – “fiquei com...” – esse jovem; algo para aquém e além do visível está ali,

“expresso na e com a imagem” e, no entanto, permanece ainda sem lugar na linguagem falada

que, através dos titubeios e hiatos, é forçada a ultrapassar-se para, talvez, alcançar signos que

venham a expressar o que dali reverberou no corpo jovem.

A assistência do filme Acidente também provoca tédios que, segundo a maioria dos

jovens, é devido à lentidão de certas sequências. Tédio que se junta aos desassossegos com aquilo

que alguns jovens chamam de “abertura demasiada” dos significados e entendimentos que o filme

como um todo ou certas imagens em particular permitem ou mesmo exigem. Penso estar

justamente aí, nesse tédio, uma das potências educativas desse filme, uma vez que, via de regra,

esses desassossegos são tributários da maneira como muitas das sequências de Acidente escapam

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do modo habitual como esses jovens se colocam perante uma obra audiovisual, a saber, como

uma explicação sobre algo que, ao final, é compreendido de forma mais ou menos semelhante por

todos que assistiram o filme. Nessa perspectiva, uma das provocações feitas por mim nas oficinas

é propor aos jovens lidarem com o tédio e o desassossego como sensações intencionais do estilo

desse cinema, intenções estas presentes na fala do próprio de Cao Guimarães:

Tenho também uma vontade consciente de ir contra essa velocidade que o mundo anda

hoje em dia”, talvez por isso “o erro é fundamental na obra”, como uma quebra, uma

ruptura, um desmoronamento de qualquer tentativa de entrar no ritmo do mundo e

entender tudo de uma vez e seguir adiante, passar pra outra (GUIMARÃES, 2013).

Parece-me que esse erro a que o diretor se refere é uma das estratégias de estilo que

forçam o espectador a ficar no filme, mais que isso, ficar na imagem, não exatamente na forma

em que ela se apresenta, mas nas forças que emergem junto aos materiais e formas singulares que

configuram a imagem. Forças que só sentimos como efeito sobre nossos corpos, portanto, não

visíveis na imagem, mas sensíveis através dela. Ficar na imagem é expor-se a ela e ser afetado

por aquilo que é exigido pelos intervalos criados no filme. Intervalos onde oscilam pelo menos

dois grandes conjuntos de sentido: 1. os sentidos figurados das imagens no poema, que remetem a

uma ficção criada com fragmentos da realidade encontrada em cada cidade e 2. os sentidos

representacionais das imagens em cada cidade, que remetem para aquilo que existe em cada uma

delas (que configura aqueles lugares).

Mas também intervalos abertos entre imagens e sons, que ora são realistas e se conjugam

num só sentido, ora são trilha sonora, ora são ruídos que podem ser realistas ou trilha sonora, ora

são apenas vento, flauta, silêncio... Um apenas que faz desviar tudo, rasurando os sentidos que

tentavam se estabilizar.

Há muitos outros intervalos em Acidente, como os que emergem entre o que é roteirizado

e o que não é, fazendo com que o espectador nunca saiba ao certo o que foi primeiro pensado

para o filme e depois filmado e o que foi primeiro filmado e depois ganhou lugar no filme

editado.

É sobretudo essa imersão num conjunto de blocos de sensações que misturam sentidos e

sem sentidos que me parece ser uma das principais potências educativas do cinema de Cao

Guimarães para fazer emergir pensamento desviantes, minoritários acerca do espaço e de cada

lugar.

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Imaginemos agora outra atividade bastante comum nas aulas de Geografia: o percurso

casa-escola, dobrando sobre ela alguns elementos do estilo do cineasta português João Salaviza

para fazer do cinema um “meio de observação da intimidade no espaço público”, intimidade essa

que emerge, sobretudo, quando ocorrem desvios – derivas para nada14

– no percurso “objetivado”

entre um ponto e outro do espaço extensivo, desvios que levam a encontros inusitados onde,

talvez, podem emergir gestos em que alguma intimidade pode deixar-se observar, conforme as

palavras do próprio cineasta:

Nos meus filmes eu gosto muito de sentir que a presença da câmara está ali para observar as

coisas a acontecerem, mas não necessariamente numa lógica que seja puramente narrativa no

sentido clássico da coisa, em que há uma personagem que vai do ponto A ao ponto B e a voz da

narração que de algum modo acompanha a movimentação dessa personagem15

.

Uma câmera (e um cinema), portanto, que não busca explicar, mas simplesmente estar ali

a observar o que, talvez, emerja como obra de arte, tomando a arte como aquilo que tem força

para vivificar algo desde dentro dele mesmo ao provocar ou tornar sensível alguma variação,

mínima que seja, nesse algo, como aponta João Salaviza no trecho abaixo.

Parece-me muito claro que o miúdo do Rafa sentar-se naquele espaço [praça] onde os miúdos do

centro da cidade estão a andar de skate e ele mal conseguir estabelecer uma relação com eles, e

sentar-se dentro daquele espaço, mas a parte, a olhar para os miúdos a andar de skate... e acho

lindíssima a forma como ele rouba aquela carteira porque é de uma precisão e de uma candura

ao mesmo tempo... como o gesto de roubar pode ser bonito também... e filmar isso quase como

uma pequena obra de arte, como ele faz ali, como as mãos roubam aquela carteira ou, no fim do

filme, como ele protege o bebé; de repente, naquele corpo bruto e rude também há vestígios de

uma delicadeza enorme, e acho que isso é muito revelador. Acho que fazer um filme também é

estar atento a esses pequenos gestos em que o corpo se tenta esconder e não consegue16

.

Seriam estes pequenos gestos observados pela câmera aquilo a que Salaviza chama de

intimidade gestada no encontro entre equipe de cinema e habitantes de um lugar que lhe é

estranho – por isso Rafa senta-se à parte – e, justo por lhe ser estranho, exige gestos novos que

emergem nesse encontro com um lugar-outro.

14

O nada aqui referindo-se à ausência de preferências de percurso ou objetivos a serem atingidos – fazer o caminho

mais curto ou o mais rápido, por exemplo –, portanto, as derivas para nada referem-se a um esvaziamento de

intenções que é simultâneo a uma abertura para encontros inusitados e ocasionais.

15 Trecho de entrevista concedida por João Salaviza à pesquisadora Helena Pires, em 2014, a quem agradeço a

gentileza da disponibilização da transcrição.

16 Trecho de entrevista concedida por João Salaviza ao autor, em 2015, numa tasquinha de Lisboa.

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Esse tipo de intimidade também é gestada no vão que se abre entre uma pessoa e seu

personagem no filme, sendo a câmera somente um “veículo de observação dos movimentos na

cidade” para captar os mínimos gestos desses corpos híbridos – pessoa-personagem – e as

possíveis ínfimas transformações dos cenários em outros modos de habitar – pensar, sentir,

viver... – aquele lugar quando esses corpos e cenários são afetados pelo encontro com o cinema:

“há muitos momentos que me interessam em que simplesmente as personagens desaparecem e o

espaço continua a reflectir”17

. O espaço e os lugares sendo, então, matérias de pensamento ao

nos fazer pensar não a partir da presença dos humanos, mas sim a partir de seus rastros.

Esse cineasta encontra no fio tênue de uma história de fácil compreensão a maneira de

abrir o cinema para aquilo que é trazido para o filme pelo espaço durante as filmagens das

andanças um tanto aleatórias dos personagens através dos lugares. Seja um jovem em prisão

domiciliar que sai pelo bairro em busca dos garotos que lhe roubaram o dinheiro, em Arena

(2009), ou um menino que sai de seu bairro periférico para “buscar” a mãe que encontra-se na

prisão no centro da cidade, em Rafa (2012), ambos são apenas o mote para fazer alguém sair do

espaço privado e ir a público, um mote para colocar alguém a andar e, nessa perambulação, os

personagens derivam pelos lugares ao sabor dos encontros ocasionais que lhes desviam do

objetivo traçado quando são atraídos por alguma outra trajetória presente no espaço-lugar: o

brilho da luz do sol no topo do prédio, um cão preto na beira do cais, um grupo de jovens

andando de skate numa praça. Perder-se como possibilidade de aprendizado (PREVE, 2013),

como possível encontrar-se no e com o mundo. Perder-se como maneira de observar o mundo

enquanto esse mundo afeta os corpos a, talvez, serem outros, a inventarem outros gestos e

sentidos e sem-sentidos (porque não?) em seu estar no mundo justamente ao ir ao e de encontro a

ele.

Essa seria uma das potências educativas do modo de fazer cinema de João Salaviza: a de

assumir o cinema como algo que provoca encontros outros – nas derivas – entre pessoas e

lugares, entre personagens e espaço e, como tal provocador, o cinema observa as reverberações

desses encontros nos corpos e cenários. Um cinema, portanto, que age – participa, observa –

desde dentro do espaço-lugar como encontro e não um cinema que busca observar de forma

neutra o espaço como forma ou processo externo à câmera.

17

Trecho da já citada entrevista concedida à pesquisadora Helena Pires, em 2014, numa mesa de mercado público de

Lisboa.

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Retomando as íntimas relações entre os conceitos de espaço e lugar propostos por Massey

(1991 não teria que ser 2012 pela referência; 2008), podemos dizer que Salaviza efetiva um modo

de fazer cinema que toma o cinema como uma das trajetórias copresentes no lugar e que promove

esse lugar como ponto de encontro onde se gestam devires tanto mais inusitados e imprevistos

quanto mais essa trajetória cinematográfica fizer emergir aquilo (íntimo e ínfimo?) que não

aconteceria caso o cinema não tivesse ali aportado e fizesse resistir – re-existir – algumas das

trajetórias ali cruzadas, inclusive a do próprio cinema.

Resistências cruzadas pela arte: cinema, espaço, educação

Ao promover o avizinhamento das obras de arte dos cineastas com atividades educativas

tradicionais, me parece que ambos ganham outras potências em seus modos de afetar o mundo,

de afetar as pessoas. Criar estas vizinhanças é também criar novas possibilidades tanto para o

cinema quanto para a educação, vivificando-os ao fazê-los re-existir em outras paragens, antes

não previstas.

Escrever re-existir é uma maneira mais literal de escrever o efeito do exercício de

resistência afirmativa, conforme aponta Paulo Oneto, a partir de Deleuze e Guattari:

resistimos à fixação das relações entre nós e o meio, pois é isto que nos bloqueia e nos

cerceia. Mas a resistência é – antes de qualquer coisa, e como indica o prefixo ‘re’ –

repetição de um movimento, e só em segundo lugar um movimento contrário a algo.

Resistimos porque insistimos. Resistimos porque ‘devimos’, porque queremos

ultrapassar a nós mesmos. A resistência é primeiramente ‘em’ (no devir) e só

secundariamente ‘a’ (ONETO, 2009, p. 202).

O conceito de resistência, nesta perspectiva, está associado à criação como reexistência de

algo que se metamorfoseia e devém-outro na medida mesma que é habitado por outros possíveis

modos de existir.

Nesse sentido, resistir não é ato realizado pela negação dos hábitos e clichês, mas sim ato

que se realiza ao trazer estes hábitos e clichês ondulando diante de nós, colocados à deriva no

adensamento (poético?) que os avizinha e conecta com algo que antes não fazia parte deles,

fazendo com que sofram rasuras ou sejam esburacados em suas imagens estabelecidas, não mais

se sustentando como tais e abrindo-se para outras paragens, sendo habitados por outras

possibilidades de pensamento.

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O esforço de escrita desse artigo visou trazer ao leitor a possibilidade de efetivar

resistências cruzadas aos hábitos e clichês do cinema, da geografia e da educação na medida

mesma que buscou avizinhar práticas de pensamento e modos de fazer destes três campos de

experimentação da vida a partir das potências que a expansão do cinema contemporâneo traz para

pensar o espaço e a educação nas outras possibilidades que emergiram nesse cinema expandido.

Como desdobra destas mesmas potências, vislumbramos a ampliação das margens do próprio

cinema nas conexões que este fizer emergir nas escolas e lugares onde vier a efetivar outros

modos de habitar o mundo em meio aos seus acasos, encontros e experimentações em imagens e

sons.

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