ciência política - 2ª ed - 2013 - reinaldo dias - (direitodireto)

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ciÊncia política

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  • sx o PAULOEDITOItA ATLAS S.A. - 2013

    2 EDI

  • Editora Atlas S.A.

    Rua Conselheiro Nbias, 1384Campos Elsios

    01203 904 Sao Paulo SP

    011 3357 9144

    atlas.com.br

    \...1"

    Impresso no BrasiVPrinted in Brazil

    Depsito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei nO10.994,de 14 de dezembro de 2004.

    TODOSOS DIREITOSRESERVADOS- proibida a reproduco totalou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violaco dos

    direitos de autor (Lei n 9.610/98) crime estabelecido pelo artigo 184do Cdigo Penal.

    1. Ciencia Poltica 320

    ndice para catlogo sistemtico:

    08-03781CDD-320

    1. Ciencia Poltica 1. Ttulo.

    BibliografaISBN978-85-224-7555-1

    elSBN 978-85-224-7672-5

    Dias, ReinaldoCiencia Poltica / Reinaldo Dias. - 2. ed. - Sao Paulo: Atlas, 2013.

    Dados Internacionais de Cataleqaco na Publicaco (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, Sp,Brasil)

    Capa: Leonardo HermanoCornposico e Projeto Grfico: Luciano Assis

    1. ed. 2008; 2. ed. 2013

    2008 by Editora Atlas S.A.

  • 1 Falecido emjunho de 2004, aos 86 anos, deixou urna parte de sua trajetria registrada em livro.[Dias, Eduardo. Um imigrante e a revolufuO: memrias de um militante operrio (1934-1951).Sao Paulo: Brasiliense, 1983].

    Memria de meu pai, Eduardo Dias, que, atravs da militancia poltica,buscou concretizar o sonho de urna sociedade mais justa.'

    Na sua figura, presto urna singela homenagem a todos aqueles que ousaramir alm do possvel, fazendo da atividade poltica um meio de luta pela liberdadenos regimes ditatoriais e totalitrios e por mais justica social nos regimes democr-ticos, e que mantiveram as suas convcces mesmo nas condices mais adversas.

    DEDICO

  • 2 A questo do poder 29

    2.1 O conceito de poder 292.2 As principais fontes do poder 332.3 O poder poltico 352.4 Maquiavel e o poder poltico 372.5 A dominaco poltica 382.6 A questo da legitimidade do poder poltico 42

    Legalidade e legitimidade 432.7 As elites e o poder 44

    1.1 O significado da poltica 11.2 O objeto da ciencia poltica 81.3 A relaco entre ciencia poltica e a teoriajurdica do Estado 131.4 O sistema poltico 141.5 A concepco de sistema poltico de Robert Dahl 171.6 As origen s do pensamento poltico: a Antiguidade 19

    Os sofistas 20Plato 21Aristteles 23Marco Tlio Ccero 26

    1 Introduco a ciencia poltica 1

    ...xmApresentadio a segunda edidio

    ....

    SUMARIO

  • 4.1 Os fins do Estado 894.2 Os principais elementos do Estado 914.3 O conceito de territrio do Estado 924.4 Alcance territorial 944.5 Limites territoriais 96

    Asoberania territorial 96

    4 Finalidades e elementos do Estado 89

    3.1 A concepco de Estado 503.2 Apalavra estado 543.3 A evoluco da concepco de Estado 56

    Apolis grega 56A civitas romana 57Apoca medieval e o Renascimento 57

    3.4 A origem do Estado moderno 59OEstado moderno 61

    3.5 Principais fatores na mplantaco do Estado moderno 643.6 As teorias contratualistas sobre a origem do Estado 66

    A concepco de contrato segundo Thomas Hobbes (1588-1679) 67O contrato segundo John Locke (1632 -1704) 69O contrato segundo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) 71

    3.7 O cristianismo medieval e a ideia de Estado 74Santo Agostinho 75Santo Tomas de Aquino 76

    3.8 A concepco marxista de Estado 77OEstado socialista 79A desaparico do Estado 80

    3.9 O Estado como organizaco do poder 81Aestrutura poltica do Estado 83

    3.10 A nsttuconalzaco do poder 84A concepco de representaco 85

    3.11 Asubordinaco do Estado a lei 86

    3 O conceito de Estado 49

    Teoria das elites 45A teoria de Mosca 45A teoria de Pareto 46Wright Milis 47

    viii Ciencia Poltica Dias

  • Sumrio i.x

    6 As funces do Estado 139

    6.1 O governo 1406.2 O princpio da divso de poderes 1426.3 A funco legislativa 144

    O processo legislativo 1446.4 Origem e significado do Parlamento 146

    5.1 A ideia de soberania 126Supremacia jurdica 127Autonomia do poder 127Fonte originria do poder 127

    5.2 A evoluco histrica do conceito de soberana 1285.3 A teoria da soberana 1295.4 A soberania, o poder poltico e o Estado 130

    Jean Bodin 1325.5 A soberana nacional no plano externo 133

    Hugo Grocio. A independencia dos Estados 1355.6 Soberania e territrio 1365.7 Problemas atuais do conceito de soberania 137

    5 Soberania Estatal 125

    4.6 O conceito de povo e a populaco do Estado 964.7 O Estado-naco 984.8 O conceito de naco 99

    a) A ideia de naco do ponto de vista poltico 100b) A ideia de naco como realidade tnico-cultural 102

    4.9 As naces e o direito de autodetermnaco 1024.10 A nacionalidade 105

    Modos de aquisco da nacionalidade 1054.11 A cidadana 106

    Extenso da cidadana 1064.12 Sociedade Civil e o Estado 108

    Conceito de Sociedade Civil 110A Sociedade Civil e a Democracia 111As funces democrticas da Sociedade Civil 113Relaco entre sociedade civil e Insttuconalzaco poltica 11S

    4.13 Direitos Humanos e o Estado 1174.14 Identidade e Estado-naco na Amrica Latina 120

  • 9 Os partidos polticos 191

    9.1 Introduco e origem 1929.2 Conceito de partido poltico 1949.3 A interpretaco sociolgica dos partidos polticos: MaxWeber 1969.4 Os tipos de partidos polticos 1989.5 A tipologia de partidos polticos de Duverger 203

    8 Principios do Estado democrtico 173

    8.1 A ideia de democracia 1748.2 A representaco poltica 1778.3 As eleces 1798.4 Funco das eleices 1808.5 O sufrgio 1828.6 Os sistemas eleitorais 1848.7 O sistema eleitoral como subsistema do sistema poltico 1848.8 O comportamento eleitoral 1858.9 A crise da representaco poltica 1878.10 Tocquevillee a democracia na Amrica 188

    7 157; As formas de Estado e o exerccio do poder poltico 157

    7.1 As formas de Estado 157Confederaces 158Estado federal 159

    7.2 Os regimes ou sistemas de govemo 160A) O parlamentarismo 161B) O sistema presidencialista 163

    7.3 O parlamentarismo no Brasil 1657.4 As formas de govemo (ou do exerccio do poder) 166

    As diferentes formas de exerccio do poder 1677.5 Estado democrtico e Estado autocrtico 1707.6 Diferencas entre golpe de Estado e revoluco 171

    Golpe de Estado 171Revoluco 171

    6.5 A funco executiva 1506.6 A funco jurdica 1516.7 Charles de Secondat de Montesquieu (1689-1755) 1536.8 A ideia de Poder Moderador no Brasil 154

    x Ciencia Poltica Dias

  • 11 FO'r~ polticas:grupos de presso,movmentospolticose opinopblica 251

    11.1 Os grupos de presso 25111.2 O lobby 25711.3 A opinio pblica 26011.4 Os movimentos polticos 262

    Caractersticas 262Duraco do movimento 263

    11.5 A revolta tenentista de julho de 1924 264Comits Operrios 272

    10.1 O Estado e a Constituico 22610.2 O processo constitucional na Inglaterra 22810.3 A Revoluco Americana 228

    Os FederalistPapers 23010.4 A Revoluco Francesa de 1789 23110.5 As Declaraces de Direitos 23210.6 As prime iras declaraces e os seus contedos 236

    A evoluco das declaraces de direitos 23710.7 Estado de direito 237; 10.8 O Estado liberal 238

    O Estado liberal e a democracia 23910.9 O Estado do bem-estar social (welfare State) ou Estado social 240

    Do Estado liberal ao Estado social 242O Estado brasileiro como Estado do bem-estar social 243

    10.10 As constituces brasileiras 244

    10 OEstado constitucional 225

    A) De acordo com a sua origem 203B) De acordo com a sua estrutura 204O partido de massas 206

    9.6 Os elementos de base dos partidos polticos 2069.7 Familias de partidos (agrupamentos partidrios por concepco de mundo) 2089.8 Sistemas partidrios 2109.9 Funces sociais dos partidos polticos 2119.1O Funces institucionais dos partidos polticos 2149.11 Funco partidria nos regimes nao democrticos 2169.12 As tendencias oligrquicas nos partidos polticos 2179.13 Problemas atuais dos partidos polticos 2199.14 Os partidos polticos no Brasil 220

    Sumrio xi

  • Referencias bibliogrficas 297

    12 Polticaspblicas, governancae Municpio 277

    12.1 OEstado e as polticas pblicas 27812.2 Principais elementos de urna poltica pblica 27912.3 O processo de elaboraco de urna poltica pblica 28212.4 Urna caracterizaco dos Municpiosbrasileiros 28312.5 Governanca e governabilidade 28612.6 Governanca Metropolitana 290

    Introduco: as regies metropolitanas 290As reges metropolitanas brasileiras 291Apoltica pblica metropolitana 292AGovernanca Metropolitana 293

    xii Ciencia Poltica Dias

  • Este um livro introdutrio a Ciencia Poltica e, como tal, h urna aborda-gem de temas que foram escolhidos pelo autor, levando em consideraco sua re-levancia e importancia para atender as necessidades de outras disciplinas e tam-bm para o entendimento dos atuais processos polticos.

    Nesta segunda edco foram feitas revses de contedo (com destaqueem relaco ao Alcance territorial no que diz respeito a questo do Mar Ter-ritorial e da Plataforma Continental); arnpliaces (por exemplo, do conceitode cidadania) e incluses de novos temas (Sociedade Civil, Direitos Humanose Governanca Metropolitana). Outros ajustes menores foram realizados paraadaptaco do texto e nas referencias bibliogrficas. No restante o texto perma-nece o mesmo e continuam vlidas as afrmaces da apresentaco inicial.

    Embora as escolhas tenham sido feitas tendo por base a estrita objetivida-de cientfica, sabemos que, como ciencia social, tambm a ciencia poltica padecedos mesmos males daquela, ou seja, a neutralidade na observaco dos fenmenossociais, tanto quanto os polticos, praticamente impossvel (e quem defende apossibilidade dessa neutralidade o faz por ignorancia ou m-f). O que nos resta,tendo conhecimento dessa realidade, buscar maior objetividade na anlise denosso objeto de estudo.

    Logo, as possveis omsses e incluses de temas foram opces conscientes eassumidas. Evitamos abordar questes que nao contribuiriam para a formaco ini-cial daqueles que se iniciam no ensino superior, que constituem o pblico-alvo des-te livro. Por outro lado, inclumos outros temas, principalmente aqueles vinculadosa nossa realidade, que podero contribuir para despertar maior interesse sobrea matria e tambm para melhorar a autoestima, fortalecendo os vnculos comurna realidade histrica muitas vezes propositalmente oculta no passado. Este ,por exemplo, o caso do detalhamento da revolta tenentista de 1924.

    - ....APRESENTAC::AO A-SEGUNDA EDIC::AO

  • Reinaldo Dias

    Quanto a histria do pensamento poltico, optamos por distribu-la ao longodo livro com cada captulo apresentando as manfestaces diretamente relaciona-das com o tema tratado. Assim, Maquiavel foi discutido no captulo dedicado aquesto do poder; Hobbes, Locke e Rousseau tiveram suas idias apresentadas nocaptulo dedicado ao conceito de Estado; Bodin e Grocio tiveram tratamento pri-vilegiado naquele dedicado a soberania estatal; Montesquieu foi tratado naqueleque aborda as funces do Estado e assim por diante.

    Realizamos um esforco enorme para nao nos estendermos em temas quesao objeto principal de disciplinas como a Teoria Geral do Estado e o DireitoConstitucional; no entanto, os limites entre a Ciencia Poltica e essas duas men-cionadas nem sempre sao precisos e na verdade h maior semelhanca que dife-rencas entre elas. Neste caso, optamos por nao aprofundar ou detalhar temasque, julgamos, podero ser melhor explorados nessas outras disciplinas.

    Utilizamos uma extensa literatura em lnguas espanhola e portuguesa, oque facilita o acesso para aqueles que desejam se aprofundar em alguma tem-tica. Nos casos em que a traduco espanhola e portuguesa de textos de outraslnguas nao coincidia, deixando dvidas substantivas, alertamos para o fatonas notas de rodap, e utilizamos ambos os trabalhos, como o caso de Poggi(1981 e 1987).

    Esperamos que o objetivo de produzir um texto de fcilleitura e de quali-dade terica tenha sido alcancado.

    xiv Ciencia Poltica Dias

  • 1 Bobbio (1993), p. 954.2 Bobbio (2000), p. 160.

    A definico clssica de poltica foi legada pelos antigos gregos atravs daobra de Aristteles Poltica. O conceito de poltica derivado do adjetivo origina-do de po lis (politiks), que significa tudo que se refere a cidade e, consequente-mente, o que urbano, civil, pblico e at mesmo socivel e social.' Ou, dito deoutro modo, o conceito de poltica " habitualmente empregado para indicar aatividade ou conjunto de atividades que tm de algum modo, como termo de re-ferencia, a polis, isto , o Estado". 2

    1.1 O significado da poltica

    A ciencia poltica urna ciencia social que estuda o exerccio, a dstribuicoe a organzaco do poder na sociedade. Como ciencia social, procura estudar osfatos polticos, que envolvem tanto acontecimentos e processos polticos, como ocomportamento poltico que se expressa concretamente na nteraco social. Den-tre outros temas, descreve, por exemplo, os processos eleitorais, a resposta dapopulaco as decises polticas tomadas pelas autoridades, a consttuico e a di-nmica dos partidos polticos e dos grupos de presso, os impactos das mudancaspolticas e suas consequncias, a organzaco das diferentes formas de governo,as funces exercidas pelas autoridades no interior do Estado, o processo polticoda tomada de decises que afetam a sociedade global, as diferentes relaces depoder entre indivduos diversos, a aco dos grupos de influencia, a evoluco dopensamento poltico.

    - "-INTRODUGAO ACIENCIA POLTICA

    1

  • 3 Bobbio (2000), p. 160.4 Sartori (1981), p. 158.5 Weber (1970), p. 57.6 Schmitt (1999), p. 59-60.

    No conjunto de atividades que tm como referencia a polis, este pode sero sujeito ou o objeto da aco. A polis o sujeito pelo fato de pertencerem "a es-fera da poltica atos como o de comandar (ou proibir) algo, [...] o exerccio deum domnio exclusivo sobre um determinado territrio, o de legislar com normasvlidas erga omnes, o de extrair e distribuir recursos de um setor para outro dasociedade e assim por diante". 3

    Aristteles considerava o homem um zoon politikn (animal poltico),definindo-o assim: s "porque o homem vive na po lis - e porque a polis vivenele - que o homem se realiza como tal". Ao utilizar "animal poltico" paradefinir o homem, Aristteles exprimia a concepco grega da vida. "Urna con-cepco segundo a qual a polis era a unidade constitutiva indecomponvel e adimenso suprema da existencia. No viver 'poltico' e na 'politicidade' os gre-gos viam nao urna parte, ou aspecto, da vida, mas seu todo, sua essnca." Poroutro lado, "o homem 'nao poltico' era um ser deficiente, um dion, um sercarente (significado original do nosso termo 'idiota'), cuja insuficiencia con-sistia justamente em ter perdido (ou em nao haver adquirido) a dimenso e aplenitude da simbiose com sua po lis" .4

    O conceito de poltica como prxis humana est intimamente relacionadocom a noco de poder. Isto , quem faz poltica busca ou exerce o poder - o ho-mem exercendo poder sobre outro homem, ou sobre determinado grupo social- com o objetivo de obter alguma vantagem pessoal ou coletiva. Como afirmaWeber: "Todo homem, que se entrega a poltica, aspira ao poder - seja porqueo considere como instrumento a servico da consecuco de outros fins, ideais ouegostas, seja porque deseje o poder 'pelo poder', para gozar do sentimento deprestgio que ele confere."

    O filsofo alemo, e influente pensador poltico, Carl Schmitt concebeuurna ideia maniquesta da poltica, reduzindo-a a distnco amigo-inimigo. Paraele, "o conceito de Estado supe o de poltico". O Estado, para ele, " o statuspoltico de um povo organizado no interior de fronteiras territoriais". Para se ob-ter urna determinaco do conceito de poltico, deve-se primeiramente identificarquais sao as categorias especificamente polticas. "Pois o poltico tem seus pr-prios critrios, estes operam de mane ira muito peculiar em relaco com os di-versos domnios mais ou menos independentes do pensar e fazer humanos", emparticular em relaco a moral, ao esttico e ao econmico,"

    No campo da moral, para Schmitt, as categorias especficas sao o bem e omal; no esttico, o belo e o feo: no econmico, o benfico e o prejudicial ( ou orentvel e o nao rentvel). "Pois bem, a distinco poltica especfica, aquela a qual

    2 Ciencia Poltica Dias

  • 7 Schmitt (1999), p. 60.a Schmitt (1999), p. 60.9 Parsons (1970a), p. 9.10 Deutsch (1979), p. 27-28.11 Crick (1981), p. 6.

    podem reconduzir-se todas as aces e motivos polticos, a distinco amigo einimigo." Estas categorias especficas nao oferecem, "de imediato, urna defnicoexaustiva do poltico, nem urna descrico de seu contedo, mas sim urna deter-mnaco de seu conceito no sentido de um critrio". Este critrio pode sustentar--se tanto na teoria como na prtica, sem necessidade de aplicar simultaneamentetodas aquelas outras distinces morais, estticas, econmicas e outras.?

    Para Schmitt, "o inimigo poltico nao necessita ser moralmente mau, nemesteticamente feio", nao constitui problema se tornar-se um concorrente na eco-nomia, e at poder ser vantajoso fazer negcios com ele. O inimigo "simples-mente o outro, o estranho, e para determinar sua essnca basta que seja exis-tencialmente distinto e estranho em um sentido particularmente intensivo". 8 Esteraciocno de Schmitt tem vrias implicaces; por exemplo, induz a unidade doEstado visando ao enfrentamento do inimigo externo. Nesse contexto a plura-lidade de opinies vista como prejudicial a unio de todos (amigos) contra oinimigo comum. Pois a poltica entendida como oposico ao outro, o estranho,sendo inaceitvel urna posco em que se questione esse posicionamento, comoalternativa a concepco binria de poltica. Assim, quem nao amigo s pode serinimigo, e passa a ser perseguido. Essa viso maniquesta da poltica o levou aidentificar-se com o nazismo, tornando-se um dos seus idelogos.

    Outro autor, Parsons, destacando a relaco da poltica com o poder, consi-dera "o aspecto poltico de um sistema social como centralizado na geraco e nadistrbuico do poder". 9

    Para Karl Deutsch a poltica , "em certo sentido, a tomada de decisesatravs de meios pblicos", em contraste com a tomada de decises pessoais ecom as decses econmicas, E, assim, "ela preocupa-se fundamentalmente como governo, ou seja, com a dreco e autoadministraco de vastas comunidades depovos". A palavra poltica enfatiza "o processo de tomada de decses no que dizrespeito a atividades pblicas ou produtos: acerca do que feito, de quem o re-cebe e o que". Para ele qualquer comunidade maior do que a famlia contm umelemento de poltica. 10

    A poltica pode, tambm, ser definida "como a atividade atravs da qualsao conciliados os diferentes interesses, dentro de urna determinada unidade degoverno, dando a cada um deles urna partcipaco no poder, proporcional a suaimportancia para o bem-estar e a sobrevvncia de toda a comunidade"." Nessesentido, pode-se afirmar que a poltica " urna forma de governar nas sociedadesdivididas, sem o uso indevido da violencia". Existem "algumas sociedades com v-

    Introduco a ciencia poltica 3

  • 13 Duverger (1968), p. 27.14 Weber (1970), p. 55.15 Idem.16 Weber (1970), p. 56.

    Crick (1981), p. 98.12

    rios interesses diferentes e pontos de vista divergentes", e eticamente "a concilia-co prefervel a coerco". Nessa concepco, o govemo pacfico melhor que "odomnio violento, e que a tica poltica nao urn tipo inferior de atividade tica,seno urn nvel de vida tica completamente autocontida e plenamente justific-vel. A poltica nao justamente um mal necessrio, seno um bem realstico" .12

    Para Duverger, "a prpria essncia da poltica, sua natureza especial, suaverdadeira significaco que ela , sempre e em todo lugar, ambivalente". Segun-do o autor, apresenta duas faces, pois por um lado "O Estado - e, de modo maisgeral, o poder institudo em urna sociedade - sempre e em todo lugar, ao mes-mo tempo, instrumento de domnaco de certas classes sobre as outras" e tam-bm, por outro lado, "um meio de assegurar urna certa ordem social, urna certaintegraco de todos na coletividade para o bem comum". Considera que as duascoexistem sempre, variando somente a proporco de um ou outro elemento, se-gundo as pocas, as circunstancias e os pases."

    Para Max Weber, "O conceito extraordinariamente amplo e abrange todas asespcies de atividade diretiva auionoma. "14 De acordo com ele, pode-se falar da pol-tica de descontos de urn banco, da poltica adotada por um sindicato durante urnagreve, da poltica escolar de urna comunidade, da poltica da diretoria de urna as-sociaco e, at, "da poltica de uma esposa hbl; que procura govemar seu marido".No entanto, privilegia o entendimento da poltica como "a diredio do agrupamentopoltico hoje denominado 'Estado' ou a influencia que se exerce em tal sentido" .15

    Em outros termos, Max Weber explica que por poltica entende "o conjuntode esforcos feitos com vistas a participar do poder ou influenciar a diviso do po-der, seja entre Estados, seja no interior de um nico Estado". 16

    Nesse contexto, designa todo o complexo de atividades que se realizam naprtica para alcancar, exercer ou manter o poder estatal. A poltica, como ativi-dade, o conjunto de operaces realizadas por indivduos, grupos ou rgos doEstado com o objetivo de obtenco do bem pblico.

    Para o jurista alemo Hermann Heller, o "conceito de poltico muitomais amplo do que o do estatal", pois "existiram atividades polticas e formasde atividade poltica antes de haver o Estado, do mesmo modo que existem ain-da hoje, grupos polticos dentro dos Estados e entre os Estados". No entanto,argumenta que a linguagem usual ampliou o sentido dos termos poltica e pol-tico de forma considervel. Podemos encontrar referencias a urna poltica ecle-sistica, militar, econmica, organizacional etc., nao havendo referencia "s ao

    4 Ciencia Poltica Dias

  • 17 Heller (1968), p. 246.18 Heller (1968), p. 246-247.19 Heller (1968), p. 247.20 Heller (1968), p. 248.

    No entanto, afirma Heller, ao poder organizado e exercido por rgos espe-ciais de urna igreja, de urna corporaco econmica ou mesmo de urna organiza-c;aomilitar enquanto tal, nao damos o nome de poltico.

    No entendimento de Heller, s poderemos chegar a um conceito fundamen-tal do poltico a partir "da relaco do poltico com a polis e a sua forma mais evo-luda, o Estado". Como consequncia desse raciocnio deve-se entender que "po-ltica , no mais alto e exemplar sentido, a organzaco e atuaco autnoma dacooperaco social em um territrio". 19

    Previne Heller que "a poltica e o Estado encontram-se, em verdade, estrei-tamente relacionados tanto conceitualmente como na realidade, mas nao devemser identificados", pois "nao s o Estado que desenvolve puro poder poltico,mas tambm os grupos polticos intraestatais ou interestatais" como os partidos,as aliancas, a Organzaco das Naces Unidas (ONU), a Organizaco dos EstadosAmericanos (OEA) e, "alm dsso outros grupos cuja funco nao em si, poltica,como as igrejas e as associaces patronais e operrias". Desse modo, nem todopoder que atua politicamente um poder estatal, mas todo poder poltico aspiraa se-lo, pois "todo poder poltico ativo aspira a organizar e atuar em cooperacosocial-territorial" e esse objetivo s pode ser alcancado, em ltima anlise, porum poder poltico caso se transforme em poder estatal. 20

    Podemos tambm entender a arte da poltica como destreza, habilidade,percia, com que se maneja assunto delicado ou urna atitude j estabelecida comrespeito a determinados assuntos. Nesse sentido, tambm, urna questo se tomapoltica quando e na medida em que se transforma em urna questo polmica.

    A poltica, assim, inclui diferentes significados, mas todos de algum modorelacionados com posse, manutenco ou dstribuico do poder.

    No idioma ingles, por exemplo, podemos identificar vrios significadospara o termo poltica (o que nao ocorre em portugus, por exemplo). Esse idio-ma utiliza tres palavras distintas para expressar essas dferencas: policy, politics,

    "desenvolver e aplicar poder social organizado, ou seja, que o seu podernasce e mantm-se mediante a cooperadio humana dirigida por umaordenadio regular comum, na qual determinados indivduos cuidam doestabelecimento e seguran~a da ordenadio, assim como da atua~iouni-tria do poder de tal modo concentrado".18

    Estado e a outras insttuices polticas, mas tambm a particulares como supor-tes de tal poltica"." O que todas essas formas de "poltica" tm em comum

    Introduco a ciencia poltica 5

  • Ao longo do sculo XX, com o aumento da complexidade das sociedades,e o aumento da capacidade de intervenco do homem possibilitado pelo formi-dvel avance das novas tecnologias, a poltica se toma ainda mais importante,necessitando da ampla partcipaco nos processos de decso que ocorrem nosdiferentes mbitos de poder, em particular no Estado.

    Foram decses polticas que provocaram os grandes eventos mareantes dosculo XX, como as guerras mundiais, a decso de lancar a bomba atmica, asgrandes guerras da Coreia, do Vietn entre inmeras outras, alm das decisestomadas em relaco a vida e a manutenco desta no planeta. Os grandes proble-mas colocados na agenda mundial hoje sao problemas que passam necessaria-mente pela intervenco poltica.

    Neste sculo XXIque est apenas comecando, a poltica se insere em todosos aspectos da vida humana. O terrorismo, o aquecimento global, a dimnucoda biodiversidade, a inserco social de imigrantes, a melhoria da qualidade de

    1. Policy entendido como aco do govemo. Constitu atividade social que se pro-pe a assegurar, por meio da coerco fsica, baseada no direito, a seguranca ex-tema e a solidariedade interna de um territrio especfico garantindo a ordem eprovidenciando aces que visam a atender as necessidades da sociedade. Apo-ltica neste sentido executada por um autoridade legitimada, que busca efe-tuar urna realocaco dos recursos escassos da sociedade. A poltica neste casopode ser adjetivada em funco do campo de sua atuaco ou de especalzacoda agencia govemamental encarregada de execut-Ia, Desse modo, podemosnos referir a poltica de educaco, sade, assistncia social, agrcola, fiscal etc.Sao todas produtos de aces que tm efeitos no sistema poltico e social.

    2. Politics refere-se ao conjunto de nteraces que defmem mltiplas estratgiasentre atores para melhorar seu rendimen:to e alcancar certos objetivos. Dessemodo, podemos nos referir a poltica de urna organizaco, de urna empresa,de um clube, de urna familia ou de um grupo social especfico. Tambm podese referir a carreira profissional de um poltico, que por suas atitudes buscaobter e ampliar sua influencia. A dedcaco a poltica, nesse sentido, remete aurna atividade que tem regras de jogo especficas (dinmica partidria e elei-toral) e um estilo prprio (interesse pelo pblico e atributos de lderanca).

    3. Polity refere-se a poltica como sistema poltico, estrutura onde interagem v-rios elementos em funco do poder. Os elementos que integram essa estrutu-ra de disputa de poder que constitui o sistema poltico tm um carter insti-tucional, formalizado ou nao (consttuices, leis, normas e costumes), ondeinteragem os atores sociais, formalizados ou nao (partidos polticos, gruposde presso, movimentos sociais), coexistem num determinado perodo hist-rico e com urna cultura poltica especfica, sofrem influencia e sao influencia-dos por outros subsistemas (econmico, social, cultural etc.).

    polity. Sao tres concepces de poltica que revelam o maior grau de amadureci-mento dos estudos de ciencia poltica, em particular, nos Estados Unidos. Essesdiferentes termos apresentam em linhas gerais o seguinte significado:

    6 Ciencia Poltica Dias

  • Weber (1970), p. 123-124.

    21 Ponte: Antologia potica de Bertold Brecht. Disponvel em: . Acesso em: 16 jan. 2008.22 Crick (1981), p. 97.

    ''Apoltica um esforco tenaz e enrgico para atravessar grossas vigas de,madeira. Tal esforco exige, a um tempo, paixiio e senso de propordies. Epeifeitamente exato dizer - e toda a experiencia histrica o confirma -que nao se teria jamais atingido o possivel, se nao se houvesse tentado oimpossvel. Contudo, o homem capaz de semelhante esforco deve ser umchefe e nao apenas um chefe, mas um heri; no mais simples sentido dapalavra. E mesmo os que nao sejam urna coisa nem outra devem armar-sede forca de alma que lhes permita vencer o naufrgio de todas as suas es-perancas. Importa, entretanto, que se armem desde o presente momento,pois de outra forma nao viriio a alcancar nem mesmo o que hoje poss-veloAquele que esteja convencido de que nao se abater nem mesmo queo mundo, julgado de seu ponto de vista, se revele demasiado estpido oudemasiado mesquinho para merecer o que ele pretende oferecer-lhe, aque-le que permanece capaz de dizer 'a despeito de tudo!', aquele e s aqueletem a 'vocafio' da poltica."

    ,E nesse sentido que "a poltica merece ser altamente louvada". Pois ela

    deve "constituir a preocupaco do homem livre, e sua existencia a verifcacoda liberdade". 22

    Max Weber, ao encerrar urna palestra, mostrou de forma magnfica a im-portancia e o significado da poltica para os homens. Devido a sua atualidade, atranscrevemos na ntegra:"

    "O pior analfabeto o analfabeto poltico, ele nao ouve, nao jala, nemparticipa dos acontecimentos polticos. Ele nao sabe que o custo da vida,o preco do feijao, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do rem-dio dependem das decisiies polticas. O analfabeto poltico tao burroque se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a poltica. Nao sabeo imbecil que, da sua ignorancia poltica nasce a prostituta, o menorabandonado, e o pior de todos os bandidos, que o poltico vigarista,pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais."

    vida dos idosos, o aumento da incluso social, entre tantos outros problemas, an-tes de serem ambientais, sociais ou culturais sao essencialmente polticos, poisdependem de decis6es tomadas no mbito dos Estados, ou em fruns internacio-nais em que estes continuam a ter total relevancia e influencia.

    Enfim, mais do que nunca toma-se necessrio que a poltica seja compreen-dida pelo homem comum, tomando mais do que nunca atual a poesia de Brecht"O analfabeto poltico", que demonstra um tipo de ignorancia que pode ser fatal namelhoria das condces de vida de cada cidado. Nesse poema Brecht coloca que:"

    Introduco a ciencia poltica 7

  • Os primeiros autores que se preocuparam com a poltica, dos quais ternosregistros histricos, foram os gregos, com destaque para Plato (427-347 a.C.)e Aristteles (384-322 a.C.), que desenvolveram estudos sobre o governo da co-munidade. A eles podem-se sornar inmeros outros considerados clssicos emciencia poltica, como Nicolau Maquiavel (1469-1527), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), Alexis de Tocqueville (1805-1859) e Karl Marx(1818-1883), entre outros.

    Todos esses autores escreveram obras de referencia que sao utilizadas athoje, com contribuces que nao podem ser ignoradas em nenhum estudo cient-fico no campo da ciencia poltica. A contribuico de cada um ser exposta ao lon-go do livro. No entanto cabe destacar o florentino Nicolau Maquiavel, pelo papelque desempenhou na construco de um novo modo de pensar o poder liberandoo pensamento das amarras da teologia e da metafsica.

    Independentemente das circunstancias histricas, polticas e particularesque permitiram que Maquiavel escrevesse sua obra mais conhecida, O Prncipe,este livro teve um papel fundamental na teoria poltica. Esta, desde os temposda Grcia antiga at o Renascimento, via o poltico em relaco com a teologa, atica e a metafsica, constituindo urna forma de vida que implicava numa visodeterminada do homem e da sociedade, um modelo de valores a partir do qual sepode adotar urna vso crtica das polticas concretas.

    Com O Prncipe, deixa-se de pensar o poltico a partir desse horizonte metaf-sico, moral ou teolgico, partindo-se do pressuposto de que possui certa autonomiae cujo eixo sao as relaces de poder e sua conservaco; a poltica passa a ser enten-dida como um conjunto de tcnicas, tticas e estratgias em funco do poder. Dessemodo se inicia o realismo poltico, premissa para a construco da ciencia poltica.

    Outra importante contribuico a teoria poltica veio de Karl Marx (1818-1883), cujas ideias influenciaram decisivamente o sculo XX. Aprincipal contribui-c;aode Marx a sua vso materialista da histria, que d primazia ao econmicona explcaco das mudancas que ocorrem em outras esferas, como a da cultura e ada poltica. Para Marx, a anlise poltica superficial se nao vem acompanhada deurna abordagem sobre os determinantes histrico-econmicos, pois qualquer siste-ma de produco que ocorreu no passado apresenta relaces sociais de produco es-pecficas e determinada distrbuico do produto econmico, e isto tende a explicaras mudancas que possam ocorrer tanto na poltica como na cultura.

    Desse modo, as relaces de produco determinam o modo pelo qual a so-ciedade se organiza para utilizar as forcas produtivas, e ao mesmo tempo saocriadas diferentes estruturas polticas baseadas em classes sociais, que serviro deinstrumento de domnaco de urna pela outra. Para Marx, as mudancas sociais ehistricas ocorrem, principalmente, pelo desenvolvimento da infraestrutura eco-nmica, e nao tanto devido a superestrutura poltica e ideolgica. Na anlise da

    1.2 Oobjeto da ciencia poltica

    8 Ciencia Poltica Dias

  • 28 Para Duverger as insttuices "sao os tipos de modelos de relaces que servem de molde a re-lacionamentos concretos. Estes relacionamentos tm assim, como caractersticas, a estabilidade, aduraco, a coeso", As relaces, por outro lado, sao as lgaces humanas que nao seguem qualquermodelo preexistente e que nao tendem a perpetuar-se em modelos duradouros: as relaces tm,portanto, um carter ocasional, efmero, instvel. Cf. Duverger (1968), p. 20 e 21.

    27

    26

    25

    Marx (1989), p. 6 (no prefcio a primeira edico),Duverger (1962), p.10.Duverger (1968), p. 26.Duverger (1968), p. 14.

    24

    realidade social, levou ao extremo esse determinismo do econmico. Chegandoao ponto de eximir a responsabilidade dos indivduos nas relaces de classe (poiss interessam na medida em que representam categorias econmicas), afirmavaque: "minha concepco do desenvolvimento da formaco econmico-social comoum processo histrico-natural exclui, mais do que qualquer outra, a responsabili-dade do indivduo por relaces, das quais ele continua sendo, socialmente, cria-tura, por mais que, subjetivamente, se julgue acima delas" .24

    Conforme Duverger, h diferentes concepces sobre o objeto de estudo daciencia poltica. Entre as grandes posices-Imite h alguns que defendem que aciencia poltica a "ciencia do poder", enquanto para outros a "ciencia do Esta-do", havendo diversas posces intermedirias. O que h de comum entre todasas defnices de ciencia poltica a concordancia de que o estudo do poder aquesto central da disciplina."

    Analisando as diversas posices, Duverger conclui que "s a definico am-pla da Ciencia Poltica pode ser aceita: a ciencia do poder sob todas as suasformas". Considera porm que a ciencia poltica nao tem o monoplio nesse do-mnio, pois "outras formas de poder sao comuns a outras ciencias sociais", nao,se cogitando usurp-las.> E urna concepco "que considera a sociologia pol-tica como a ciencia do poder, do governo, da autoridade, do mando, em todasas sociedades humanas e nao apenas na sociedade nacional". Trata-se de umaideia mais moderna, segundo ele, e que tem hoje a favor um nmero maior decientistas polticos. 27

    Procurando urna defnco para a ciencia poltica, Duverger remete aopoder, que para ele constitudo "pelo conjunto de instituices referentes aautordade, isto , ao domnio de certos homens sobre outros". Sendo assim, aciencia poltica se define "como a ciencia das insttuices relacionadas com aautoridade"."

    Buscando interpretar o real papel desempenhado pela ciencia poltica, Her-mann Heller afirma que ela s pode ter funco de ciencia caso se admita "que capaz de nos oferecer urna descrco, interpretaco e crtica dos fenmenos po-lticos que sejam verdadeiras e obrigatrias". Ao nao se aceitar isso, "urna decla-raco sobre qualquer processo poltico pode, em verdade, desempenhar a funco

    Introduco a ciencia poltica 9

  • 32 Prlot (2006), p. 59 e Duverger (1962), p. 38.Fischbach (1949), p. 9.31

    29 Heller (1968), p. 22.30 Burdeau (1964), p. 50.

    2. Instituices Polticas

    a) A Constituco

    b) O governo central

    e) O govemo regional e local

    d) A administraco pblica

    e) As funces econmicas e sociais do governo

    f) As instituices polticas comparadas

    1. Teora Poltica

    a) Teoria poltica

    b) Histria das ideias polticas

    prtica de servir como arma, na luta poltica, para a conquista ou defesa das po-sces de dominaco, mas nao cumpre urna misso terica". 29

    Georges Burdeau, por sua vez, considera que o objeto da ciencia poltica a poltica, tendo esta como foco central o poder. Em seus termos, afirma que " aciencia que se prope estudar as relaces de autoridade e obediencia e seus efei-tos sobre o comportamento dos homens, para nos proporcionar urna explcacocoerente e inteligvel da estrutura e do dinamismo das sociedades polticas". 30

    J Fischbach considera que "a poltica como ciencia o conhecmento, ob-tido atravs do exame e pesquisa das nstituices estatais, de como possvel in-fluenciar na vida poltica; em outras palavras, aspira a aquisico de um mduloou de um sistema de normas experimentais para julgar os acontecimentos polti-cos, e a possibilidade de lnfluenca-los"."

    Em 1948 a UNESCO (Organizaco para a Educaco, a Ciencia e a Culturadas Naces Unidas) convocou urna reunio de cientistas polticos com o objetivode estabelecer o objeto da disciplina. Durante o evento, houve duas posices quese destacaram: aqueles que defendiam que o objeto de estudo o estudo do po-der e aqueles que defendiam que o objeto o Estado. Nao se obtendo um consen-so, os esforcos se dirigiram a enumerar os temas que de fato interessavam para apesquisa e o ensino. Sendo assim, a UNESCOelaborou urna lista para determinaro campo de estudo da ciencia poltica, identificando quatro grandes reas: a te-oria poltica; as insttuices polticas; os partidos, grupos e opnio pblica; e asrelaces internacionais, com as seguintes subdivses:"

    10 Ciencia Poltica Dias

  • 3S

    34

    Schmitter (1979), p. 36.Schmitter (1979), p. 36.Burdeau (1964), p. 88.

    33

    1. As instituices, como o Estado ou governo, seu quadro social concreto e esta-belecido dentro do qua! participam os atores.

    2. Os recursos, como o poder; a influencia ou a autoridade, que sao os meios uti-lizados pelos atores.

    3. Os processos, como o de "decision-making" ou "policy-formation" (formulacode decises sobre linhas de conduta coletiva), que constituem as atividades

    .. . ., .pnncipas as quars se consagram os atores.4. As funces, como a resoluco nao violenta dos conflitos (pelas conseqncas

    da sua atividade para a sociedade global da qual faz parte).

    Diante de um fenmeno social, como a poltica, urna atitude intelectualpode ser qualificada como cientfica quando: Ca)exclui toda ideia preconcebida;(b) a escolha dos fatos e a anlise a qual sao submetidos obedecem a um mtodoescolhido por sua adequaco ao objeto de pesquisa; e (e) gera um conhecimentotransmissvel, ou seja, suscetvel de ser adquirido por outros que tenham a suadisposico os mesmos elementos. Se o conhecimento do poltico cumpre essestres requisitos do conhecimento cientfico - objetividade, mtodo, comuncabi-lidade -, possvel afirmar a existencia de urna ciencia poltica, como um ramodas ciencias socias."

    Outra delimitaco do campo de pesquisa da ciencia poltica foi propostapor Philippe Schmitter, partindo de quatro possibilidades de definco da pol-tica baseadas nas suas insttuices, nos seus recursos, nos seus processos e nassuas funces."

    Aessa tipologia geral de definico da poltica corresponderiam quatro cam-pos de pesquisa a Ciencia Poltica, que sao:34

    4. As Relaces Internacionais

    a) A poltica internacional

    b) Os organismos internacionais

    c) O direito internacional

    3. Partidos, Grupos e Opinio Pblica

    a) Os partidos polticos

    b) Os grupos e associaces

    c) A participaco do cdado no governo e na admnstraco

    d) A opinio pblica

    Introduco a cinca poltica 11

  • 36 Bobbio (1990), p. 55.37 Sartori (1981), p. 211.38 Sartori (1981), p. 211.39 Sontheimer (1971), p. 51.

    De acordo com Norberto Bobbio, o que se entende na atualidade por cienciapoltica o tipo de pesquisa realizada no campo da vida poltica que satisfaz as trescondices seguintes: Ca)o principio de verificaco como critrio de aceitabilidadedos resultados; (b) o uso de tcnicas da razo que permitam dar urna explcacocausal do fenmeno investigado; (e) e a abstenco dejuzos de valor,"

    Para Sartori, devemos levar em consderaco que "a poltica se expande,torna-se mais ampla, em dois aspectos: objetivo e subjetivo". De um ponto de vis-ta objetivo assiste-se a um crescimento da poltzaco, "correlacionado a crescen-te penetraco e dfuso dos credos polticos e ideologias. De um lado aumenta aesfera de ntervenco estatal; de outro, aumenta a mobilizaco, ou a participacodas massas. Vivemos, portanto, num mundo cada vez mais permeado pela poli-ticidade". E quanto ao aspecto subjetivo, ocorre "que a vemos de modo amplia-do: nao coincide mais com a doutrina do Estado". Hoje, inclui-se "na noco de'poltica' urna periferia que antes era tida como extrapoltica. Chegamos mesmoao exagero de estudar tudo o que manifesta urna 'potencialidade poltica' [...] Deoutro lado, a poltica se torna, literalmente, global"."

    Continua Sartori afirmando "que era inevitvel, e at necessrio, que estasnovidades reverberassem sobre a ciencia poltica em geral, e sobre a poltica com-parada em particular. O problema de rever seus instrumentos conceituais hojeum problema genrico de toda ciencia poltica". Principalmente para a polticacomparada, necessrio haver categorias ou conceitos que possam ser utilizadosalm do mundo ocidental, pois " claro que nosso vocabulrio poltico , em lar-ga medida, um vocabulrio que reflete as experiencias do mundo ocidental, feitopara interpret-lo". 38

    Devemos considerar que "o saber poltico precisamente na democracia nao nenhum saber estritamente profissional que est reservado somente para de-terminados oficios, mas um saber educativo que prprio da idiossincrasia e ri-queza dos diferentes grupos sociais". Alm do mais, somente considerando essepressuposto se entende a necessidade de urna formaco poltica geral, enquantoningum pensa em um ensino jurdico para todos os cidados. "Este carter es-pecfico do saber poltico como ciencia educativa em contraste com a atrbuico",determinada de modo inequvoco, do saber especializado, nao tira da ciencia po-,ltica seu carter cientfico. "Ela ciencia genuna." Ejustamente isto que a tomaimportante para a sociedade democrtica: devemos "coloc-la em condices desuperar seus problemas polticos, fundamentando-se em pontos de vista cientfi-cos e nao com o auxlio da intuico ou do passivo abandono dos acontecimentosdas lutas polticas". 39

    12 Ciencia Poltica Dias

  • 40 Heller (1968), p. 75.41 Heller (1968), p. 82.42 Sontheimer (1971), p. 33.43 Sontheimer (1971), p. 4.

    Para Heller, a "demarcaco dos campos pertencentes a esses dois ramosda ciencia nao tare fa fcil porque nao existe geral acordo sobre a nomenclatu-ra e a partilha das suas competencias". O problema para ele estaria resolvido sepor teoria do Estado "se compreendesse, unicamente, a anlise dogmtica dosconceitos gerais positivos do direito poltico, mas isso s logicamente possvelem urna Teoria do Estado sem Estado, isto , quando se identifica este com a or-dem jurdica". Considerando-se os "demais casos, as fronteiras entre a CienciaPoltica e a Teoria do Estado sao imprecsas"."

    Para que a ciencia poltica seja urna verdadeira ciencia, segundo Heller, elaprecisa, essencialmente, "de urna Teoria do Estado, seja de maneira expressa oucomo algo tacitamente suposto", e "tem que procurar empregar as palavras Esta-do, Direito, poder estatal, Consttuico, soberania, territrio, POyO etc.; segundo,acepces inequvocas e sem contradices", 41 E nesse sentido que Heller consideraque a teoria do Estado urna parte da ciencia poltica.

    Do ponto de vista cientfico a posico de Heller indica que a ciencia polti-ca e a teoria jurdica do Estado nao podem nem devem existir em contraposicourna com a outra, mas conjuntamente. Se a ciencia poltica quer ver sua princi-pal tarefa na anlise cientfica como o modo de operar das instituices polticas,e mais ainda, a pesquisa do conjunto do processo de govemo e da formaco davontade, nada pode fazer sem a consderaco do dreto.?

    Nao sendo a ciencia poltica um que-fazer sociolgico puro, nem urna re-laco puramente jurdica, nem urna revelaco das causalidades histricas, naodeve restringir-se a aplicar mtodos isolados, mas todo mtodo que seja til parainterpretar essa realidade que se chama poltica. Esta adequaco ocorreu com ateoria do Estado quando, liberada do positivismo, admitiu o contexto poltico--social, sendo obrigada a explicar, por exemplo, o "Estado", a "Consttuico" oua "liberdade de opnio" em seu contexto real. Assim, definitivamente, a polticatem, como o jurdico, carter normativo, mas "em seu esforco terico tem quetranscender as eventuais normas constitucionais de um Estado e obter pontos devista normativos que sejam aplicveis a todos os tempos e a todo regime". 43

    1.3 A relaco entre ciencia poltica e a teoria jurdica do Estado

    De qualquer modo, como vimos, a ciencia poltica como ciencia do poder mais abrangente que consider-la como ciencia do Estado, e, nesse sentido, hoje pre-domina o entendimento de que o poder seu objeto central de estudo. E, nesse sen-tido, engloba o estudo do Estado como importante manfestaco do poder poltico.

    Introduco a cinca poltica 13

  • 4S Adaptado de Sontheimer (1971), p. 58.46 Almond e Powell Jr. (1972), p. 16-17.

    Sontheimer (1971), p. 40 e 56.44

    A utlizaco do conceito de "sistema poltico - em lugar de outros como'governo', 'naco' ou 'Estado' reflete urna nova maneira de encarar os fen-menos polticos", e chegou a ser utilizado tao amplamente porque dirige aatenco para toda a gama de atividades polticas de urna sociedade. De modogeral, "o sistema poltico associado ao uso da forca fsica legtima nas so-ciedades" e "s as autoridades polticas trn certo direito, geralmente aceito,de usar a forca e exigir obediencia com base nela". Quando se fala em siste-ma poltico, incluem-se "todas as interaces que afetam ou ameacam o uso daforca fsica legtima. Os sistemas polticos incluem nao somente organzacesgovernamentais como os legislativos, cortes de justica e rgos administrati-vos, mas todas as estruturas, inclusive grupos familiares e sociais, em seus as-pectos polticos". 46

    1.4 O sistema poltico

    Se a teoria jurdica do Estado urna ciencia normativa puramente jurdica,sem relaco com a realidade poltica e sem interesse nela, ficaria a ciencia polti-ca por sua vez unicamente com o conhecimento da realidade social da vida pol-tica, sem adentrar os pontos de vista normativos.

    No entanto, a ciencia poltica nao unicamente a ciencia do poder, damesma forma que a Teoria Jurdica do Estado nao pode ser concebida como ummero sistema de normas. A ciencia poltica se tornou urna ciencia sociolgica,em cujo centro est o problema do poder, a questo de como se o adquire, sus-tenta, distribui e perde. ''A Ciencia Poltica, com toda destaque dado a realidadepoltica empiricamente concebida, de nenhuma maneira simplesmente urnaciencia da realidade do poltico." A teoria jurdica do Estado, por seu lado , emessncia, urna ciencia poltica necessariamente aplicada a questes que exigemum tratamento jurdico."

    A identidade entre as duas disciplinas est dada e se torna evidente se leva-mos em consderaco que ambas devem ser desenvolvidas, nao somente por cau-sa de seu interesse terico, mas por possurem clara relevancia prtica para a vidaem comum. Ambas as ciencias investigam como seu objeto a ordem da conviven-cia humana, o Estado, a poltica, nao somente para saber como se constituem,nem somente no sentido de urna obra de arte ou de urna teoria da consttuicomas, em ltima instancia, no sentido de que constituem urna ciencia da ordem.Tm urna tarefa comum, pois tm que responder a velha questo de como ns,seres humanos, podemos chegar a ter urna vida racional e boa."

    14 Ciencia Poltica Dias

  • 47 Cerroni (1993), p. 160.48 Offe (1998).49 Offe (1998).50 Sartori (1981), p. 171.

    o conceito de sistema poltico ampliou "o horizonte do estudo dos fenmenospolticos", colocando em destaque, "mais do que o produto normativo final, os pro-cessos de formaco da vontade poltica e o conjunto das relaces por eles estabele-cidas ao construrem um equilibrio de poder". Para Cerroni, essa amplaco do hori-zonte de estudo foi possibilitada pela tendencia de substtuico da noco de Estado."

    O fato que a noco de sistema poltico d conta de urna realidade poltica di-versificada. Desde o advento do Estado moderno at os dias atuais, apareceram no-vos atores polticos nao estatais, que jogam um papel fundamental na arena poltica,como os partidos, sindicatos, movimentos sociais e outros grupos de presso.

    Claus Offe, por exemplo, d destaque a urna mudanca na forma de fazerpoltica, argumentando que h um novo paradigma poltico construdo tendocomo base os novos movimentos sociais que politizam aces fora do binmio ins-titucional pblico-privado (caracterstico do velho paradigma poltico). No novoparadigma, o terceiro componente (os novos movimentos sociais) constitui umpolo "poltico nao institucional", que reivindica a aco poltica dentro da socie-dade civil.48

    Para que os novos movimentos sociais sejam catalogados como polticos,Offe destaca que suas aces devem ocorrer de tal modo que sejam reconhecidoscomo legtimos seus meios de aco e que seus objetivos sejam assumidos por todacomunidade. Nao buscam ocupar o poder; mas aspiram a que este os leve em con-ta e nao interfira em determinados mbitos de seu interesse. Seus interesses saops-materiais, como a identidade sexual e a ecologia. Suas formas de organiza-~ao sao menos rgidas e procuram ser menos hierarquizadas possvel, decorrendoque seus modos de atuar sao informais e podem ser descontinuos."

    Tambm Sartori considera que nos ltimos 100 anos o Estado se ampliou,"mas os processos polticos nao podem mais ser contidos no seu mbito: emconsequnca, o conceito de Estado alargado, sendo substitudo gradualmentepelo conceito bem mais elstico de 'sistema poltico"'. Para ele, o sistema polticonao s pode ser decomposto em subsistemas (eleitoral, partidro por exemplo),"mas adquire a flexibilidad e necessria para permitir o acrscimo, se necess-rio, de variantes particulares. Por exemplo: o subsistema militar, quando os mi-litares fazem poltica, e o subsistema sindical, quando os sindicatos se tornampotentados"."

    Ao introduzir a ideia de subsistema poltico, David Easton afirma que "a pr-pria ideia de um sistema sugere que podemos separar a vida poltica do resto daatividade social, pelo menos como objetivo analtico, e examin-lo como se fosse,

    Introduco a cinca poltica 15

  • 52 Almond (1970), p. 45.53 Almond (1970), p. 46.54 Parsons (1969), p. 113. Neste caso, utilizamos a traduco em espanhol do texto de Parsons,que traduz corretamente Polity como sistema poltico e que nos pareceu melhor traduzida, nestetrecho em particular, que o texto em portugus que se encontra na pgina 95 de Parsons (1970b).55 Cerroni (1993), p. 161.

    Easton (1970), p. 23-24.51

    no momento, urna entidade autnoma", que estaria envolta num meio ambiente eestrutura nos quais opera e, no entanto, claramente diferenciada destes."

    Um sistema poltico pode ser considerado com um sistema de aco, ouseja, o estudioso de sistemas polticos lida com comportamentos observveis, e"ocupa-se de normas ou insttuces, na medida em que elas afetam o comporta-mento". Para Gabriel Almond, a vantagem da utlzaco do conceito de sistema,em relaco a processo poltico, que aquele "implica urna totalidade de unida-des relevantes, numa interdependencia entre as interaces das unidades, e certaestabilidade na nteraco dessas unidades (que talvez seja melhor descrita comoum equilbrio mutvel)"."

    Um sistema poltico, segundo Almond, "pode ser definido como um con-junto de papis em interaco, ou como urna estrutura de papis, se entender-mos estrutura como um modelo de nteraces", Nesse sentido, a tarefa de des-crever um sistema poltico passa a ser a "caracterizaco de todas as interacespadronizadas que ocorrem no seu interior". O conceito de sistema poltico deixaimplcito "que esses papis sao interdependentes e que urna mudanca signifi-cativa em qualquer papel isolado acarretar mudancas nos outros e, portanto,mudancas no sistema como um todo". 53

    Parsons considera o conceito de subsistema poltico (polity) como um con-ceito chave que deve servir de guia aos estudos de ciencia poltica; considera-ocomo um subsistema funcional primrio de urna sociedade, podendo ser compa-rado por seu status terico a economia, na acepco ampla que se d a esse con-ceito na teoria econmica moderna. O termo funcional importante, pois signi-fica neste caso que o subsistema poltico nao deve identificar-se com nenhumaestrutura especfica da coletividade dentro da sociedade, por exemplo, o governo(assim como a economia nao deve ser concebida como o conjunto das empresascomerciais), nem com nenhum tipo de atividade concreta dos indivduos. Deveser concebido analiticamente como o aspecto de toda aco relacionada com afunco da busca coletiva de metas coletvas."

    Um sistema poltico moderno pode ser "caracterizado pelo mecanismo dospartidos combinado com o sistema de representaco poltica e com a competicoentre grupos sociais organizados", apresentando-se como "o resultado da forma-c;aodo Estado nacional representativo baseado na soberania popular e nas lber-dades polticas e cvs".55

    16 Ciencia Poltica Dias

  • 56 Cerroni (1993), p. 160.57 Cerroni (1993), p. 161.58 Dahl (1970), p. 19.59 Dahl (1970), p. 29 a 43.

    Um sistema poltico definido por Robert Dahl como "qualquer padro per-manente de relaces humanas que implique, de maneira significativa, em poder,govemo ou autordade", 58 E, de acordo ainda com Dahl, na grande maioria dossistemas polticos podem ser encontradas certas caractersticas constantes e quesao:59 o controle desigual dos recursos polticos, a busca da influencia poltica,distribuco desigual da influencia poltica, objetivos conflituosos, aquisico delegitimidade, o desenvolvimento de urna ideologia, impacto de outros sistemaspolticos e a influencia da mudanca,

    a) O controle desigual dos recursos polticosO controle sobre os recursos polticos distribui-se de maneira irregular. Re-

    curso poltico um meio pelo qual urna pessoa consegue influenciar o comporta-mento de outras; por conseguinte, compreende dinheiro, informaco, alimento,ameaca de uso da forca, empregos, amizade, posico social, o direito de elabo-rar leis, votos e urna grande variedade de outras coisas. E h quatro razes pelas

    1.5 Aconcepco de sistema poltico de Robert Dahl

    A utlzaco da noco de sistema poltico no estudo dos fenmenos polti-cos deve levar em consideraco a limitaco desses estudos que derivam da teoriageral de sistemas. Urna crtica ao uso incorreto do conceito foi feita por Cerroni,que, considerando os aspectos positivos de sua utilzaco, coloca que "tal comoa teoria geral dos sistemas, a teoria do sistema poltico nao consegue dar contada gnese histrica do sistema considerado, de suas caractersticas especficas ediferenciais". Ela tende a bloquear a pesquisa no contexto tcnico de curto prazo,ignorando que as mudancas "mais profundas do sistema poltico sao determina-das, na realidade, por causas que se inserem nas tendencias histricas e que sparcialmente se revelam a consciencia dos protagonistas". 56

    Levando-se em consderaco essas lmtaces, Cerroni afirma que o estu-do do sistema poltico deve ser feito com cuidado, "levando-se em conta que elemesmo o resultado de urna histria geral e de urna especfica histria nacionale que, como tal, apenas no curto prazo funciona como sistema decisrio por ex-celencia", enquanto nos perodos longos "opera no quadro de processos sociaise culturais que ultrapassam tanto os partidos quanto os indivduos e estruturamnovos contextos histricos". Logo, deve-se ter o cuidado de nao adotar urna ticatecnicista que "pode levar a avalaces equivocadas ao sugerir utpicos modelosuniversais e ao considerar como inaltervel o nosso prprio sistema poltico". 57

    Introduco a cinca poltica 17

  • 60 Dahl (1970), p. 35.

    quando os conflitos envolvem problemas para terceiros, como no caso degreve em urna atividade econmica chave;

    quando indivduos agem, ou ameacam agir entrando em conflito com nor-mas bsicas da sociedade. Nesses casos o govemo intervm de forma severae organizada em defesa da sociedade. Por exemplo: assassinatos, incendiospremeditados, roubo etc;

    quando o conflito pode provocar o perigo de violencia grave, prolongada ougeneralizada entre os membros da sociedade;

    d) Objetivos conflituososCertos membros de um sistema poltico perseguem objetivos conflituosos,

    os quais sao tratados, entre outras formas, pelo govemo desse sistema. Conflitoe consenso constituem dois aspectos importantes de qualquer sistema poltico.Algumas circunstancias susceptveis de levar o govemo do Estado a intervir emconflitos sao:60

    c) Distribuco desigual da influencia polticaA influencia poltica distribui-se de maneira irregular entre os membros

    adultos de um sistema poltico. Esta proposico relaciona-se claramente a pri-meira, que trata de recursos. H tres fatores fundamentais pelos quais a influ-encia poltica sempre distribuda irregularmente nos sistemas polticos: (1)em virtude de desigualdades na dstrbuico de recursos, fator j discutido;(2) em virtude das varaces na habilidade com que diferentes indivduos em-pregam seus recursos polticos; e (3) em virtude das variaces na extensocom que diferentes indivduos empregam seu s recursos com objetivos polti-cos, pois um pode aplicar maiores proporces de seus recursos para adquiririnfluencia poltica do que outros.

    b) A busca da influencia polticaAlguns membros do sistema poltico procuram adquirir influencia sobre as

    diretrizes, regras e decis6es determinadas pelo govemo - isto , influencia poltica.

    quais O controle sobre os recursos polticos se distribui de maneira irregular: (1)em toda sociedade existe certa especializaco de funces; (2) em virtud e de dife-renciaces herdadas, as pessoas todas nao comecam a vida com o mesmo acessoa recursos, e aqueles que saram na frente geralmente aumentam suas vantagens;(3) as varaces nas herancas biolgicas e sociais, junto com as varaces de expe-riencias, determinam dferencas em relaco aos estmulos e objetivos de diferen-tes elementos em urna sociedade; e finalmente (4) certas dferencas em estmulose objetivos sao em geral consideradas socialmente benficas, pois necessrioaparelhar os indivduos para diferentes especialzaces.

    18 Ciencia Poltica Dias

  • 61 Heller (1968), p. 33.62 Heller (1968), p. 31.

    Podemos identificar na antiga Grcia o berco do pensamento polticotal como o concebemos atualmente. J naquele perodo se desenvolvia urnaciencia poltica que apresentava, nos seus objetivos e mtodos, urna grandevariedade.?' ''A poltica significava para os gregos - que no perodo clssico,s conheciam de modo imediato o Estado-cidade -, todos os fenmenos esta-tais, tanto as instituices como as atividades." E, como primeiros mestres dapoltica, encontramos ento os chamados sofstas.s- E em seguida destacam-sePlato e Aristteles.

    1.6 As orgens do pensamento poltico: a Antiguidade

    h) A influencia da mudanca

    Todos os sistemas polticos sofrem mudancas. Em toda a histria das insti-tuices polticas, nenhum sistema poltico jamais foi imutvel.

    f) O desenvolvimento de uma ideologiaDe modo geral, os lderes em um sistema poltico abracam um conjunto de

    doutrinas integradas, mais ou menos persistentes, as quais pretendem explicar ejustificar sua lideranca no sistema. O conjunto de doutrinas desse tipo constituiurna ideologia. Urna das razes pelas quais os lderes desenvolvem urna ideologia dotar sua Iideranca de legitimidade.

    g) O impacto de outros sistemas polticos

    A forma pela qual um sistema poltico se comporta influenciada pela exis-tencia de outros sistemas polticos. Raramente, existe um sistema poltico isola-do. Todo sistema poltico empenha-se em relaces exteriores.

    e) Aquisco de legitimidadeSempre que meios governamentais sao empregados para acomodar urna

    situaco de conflito, os lderes no sistema poltico procuram assegurar-se deque as decises tomadas sao amplamente aceitas, nao apenas por medo daviolencia, castigo ou coerco, mas tambm pela convicco de que o procedi-mento moralmente certo e adequado. Logo, os lderes em um sistema pol-tico procuram dotar suas aces de legitimidade e transformar sua influenciaem autoridade.

    quando os indivduos em conflito nao pertencem a nenhum outro sistemapoltico capaz de mediar o conflito, a nao ser o Estado.

    Introduco a cinca poltica 19

  • 63 Gettell (1937), p. 89 - 91.64 Heller (1968), p. 31.

    No sculoVa.C., que tem incio com a guerra contra os persas e termina com acampanha do Peloponeso, o despotismo persa e a luta entre a democracia de Atenase a oligarquia de Esparta constituram eventos que geraram estmulos para a pesqui-sa poltica. Os filsofosgregos dirigiram sua atenco, a partir do mundo natural, parao exame dos fatores polticos e sociais.Amparada pela liberdade de pensamento, quepermitiu a expanso de ideias revolucionrias, desenvolveu-se urna intensa atividadeintelectual na Grcia. A aqusico do poder poltico deu lugar a urna luta entre a an-tiga camada social de proprietrios aristocrticos e a nova, formada de comerciantesinfluenciados por ideias estrangeiras e com esprito predisposto a inovaco.

    Com esse quadro se prepara o caminho para a demagogia, com o surgimen-to de urna srie de mestres que aspiravam sensibilizar o esprito pblico, por meioda oratria e das artes da controvrsia. Os sofistas representavam a tendencia de-sagregadora da poca e aspiravam proporcionar a instruco necessria para queos jovens pudessem seguir com xito a carreira poltica.

    Os sofistas se caracterizavam, mais do que por terem ideias comuns, porurna identidade de pontos de vista e pelo emprego do mesmo mtodo. Os maisnotveis dentre eles foram Protgoras, Grgias e Prodico. Eles rechacavam aideia de urna verdade universal e os princpios abstratos da justca. Acreditavamque "o homem a medida de todas as coisas", e que cada indivduo pode definire estabelecer, de acordo com as suas crencas e desejos, o que direito. Ao negara existnca de normas fixas, que regem a conduta humana, atacavam, por suavez, os princpios racionais da natureza, que constituam a base da moral e da fi-losofia gregas."

    Protgoras e Grgias "ensinavam a Poltica como urna espcie de arte paraa vida do indivduo, como urna tcnica poltica cujo fim essencial era a carreirapoltica do discpulo e que, por isso, podiam limitar-se a expor a maneira de em-pregar os meios necessrios para alcancar o fim".64

    Os sofistas baseavam a autoridade poltica na forca, porque sustentavama existencia de um carter egosta dos homens e a desigualdade de suas capaci-dades. Para eles o governo urna consequncia do compromisso dos fortes parahumilhar os mais fracos, ou do acordo dos mais fracos para defender-se dos po-derosos. Nao acreditavam na natureza social do homem; concebiam o Estadoapoiado sobre urna base individualista e artificial e que a autoridade poltica era,egosta por natureza.

    Os sofistas foram os primeiros filsofos individualistas e sustentaram queo Estado se forma atravs de um pacto social. Estabeleceram tambm urna se-

    Os sofistas

    20 Ciencia Poltica Dias

  • 6S Plato (1997).

    ,E considerado um dos primeiros filsofos polticos, classificado como um

    moralista que busca um "bom governo" e formula a teoria de um Estado idealabstrato. Plato (427-347 a.C.) desenvolveu sua teoria do conhecimento e seusconceitos ticos em um sistema metafsico e moral. Sustentava que a verdadeera um conceito abstrato somente acessvel aos indivduos que possussem fa-culdades excepcionais. As ideias de Plato, em teoria, conduzem a sujeico dosindivduos sob o govemo dos melhores. Nao chegou a desenvolver suas teoriaspolticas como um sistema cientfico independente. Combinou os princpios ti-cos e polticos, dedicou toda a sua atenco aos fins do Estado e considerou apoltica como a arte de tornar os homens mais justos e virtuosos. Suas obraspolticas sao: A repblica, O poltico e As leis.

    A obra mais importante de Plato A repblica Neste livro, tenta estabe-lecer urna concepco filosfica da justca e, neste caminho, defende a organiza-~ao de um Estado ideal, no qual prevaleca a justica. O ponto de vista de Plato, antes de tudo, moral e idealista. Plato refuta, em primeiro lugar, a tese dossofistas de que o direito nasce da forca, e coloca que o homem injusto nao feliz.Estuda a natureza do Estado, o qual considera como urna individualidade supre-ma, tracando a analogia que existe entre os ideais polticos e individuais. Emborasustente a teoria de que nao pode conceber-se o Estado fora dos indivduos que ointegram, cria urna ideia abstrata do Estado e o dota de existencia prpria, maisreal que os prprios indivduos que o compem,

    A origem do Estado se en contra na diversidade dos desejos e necessida-des humanas e na cooperaco necessria para satisfazer a estes fins. Atravs deurna analogia tica e fisiolgica entre a natureza humana e a estrutura do Es-tado, baseada na separaco de tres capacidades distintas: razo, valor e desejo,chega a concluso de que o Estado se desenvolve atravs de tres classes impor-tantes: agricultores, que satisfazem as necessidades materiais da vida humana;guerreiros, que protegem os trabalhadores e garante m a seguranca territorialdo Estado; e magistrados, que regem a comunidade para que se realize o bem--estar geral. Cada indivduo tem sua posco em urna classe determinada do Es-tado, segundo suas aptdes.

    Plato

    paraco entre o direito e a moral, sustentando que a lei, enquanto derivada daautoridade poltica, coage e obriga os homens, em muitos casos, a trabalharabertamenre, contra as normas da razo, Embora, a prime ira vista, possa pare-cer desmoralizadora, a doutrina poltica dos sofistas sustentou que a razo indi-vidual a fonte de todo conhecimento, e destruiu os velhos dogmas e preparouo caminho para as doutrinas de Scrates, Plato e Aristteles.

    Introduco a cinca poltica 21

  • 66 Heller (1968), p. 32.

    Plato d pouca importancia aos indivduos que integram as classes mi-litares e trabalhadoras. Sua preocupaco central est na classe governante,composta por homens seletos de idade madura. Esta classe se educa seguindodeterminado sistema de ensino; nao tem famlia, nem interesses materiais;tem urna vida comum, estuda filosofia e tem sob sua responsabilidade as ta-refas do governo.

    Para assegurar a unidade orgnica do Estado, Plato prope a abolicoda propriedade privada e dos laces familiares. Fica sob responsabilidade doEstado a seleco dos progenitores, com o objetivo de assegurar urna boa des-cendencia; e tambm sob seus cuidados a educaco fsica e intelectual dos jo-vens. A educaco, vigiada pelos magistrados, capacitaria cada indivduo paraurna funco especial, escolhendo-se um conjunto seleto para integrar o grupodos filsofos e governantes.

    A ideia poltica, fundamental, de A repblica a doutrina de que a autori-dade govemamental tem que estar associada a cultura e ao conhecimento maisamplo, e que o filsofo deve ser o homem de Estado. A necessidade de urna uni-dade orgnica no sistema poltico e a primazia da educaco como funco pblicasao tambm pontos de vista importantes nesse esquema.

    A questo predominante na Repblica de Plato "continua sendo a do Es-tado ideal, moralmente o melhor. Nas Leis, entretanto, aproxima-se de urna con-sideraco mais emprica do mundo poltico, pois, nelas, aparece o ideal de umEstado mais prximo da realidade dada". 66

    Plato concebia um ciclo de vida dos govemos, no qual estes iam passan-do do esplendor do Estado ideal as formas de decadencia poltica. No topo dosistema figurava a aristocracia, o governo dos mais sbios, inspirados no idealde justica, considerado por ele como o Estado ideal. Na etapa seguinte surgia atimocracia; nesta nova forma de governo os homens nao sero somente aristo-cratas, outras classes dele faro parte - especialmente a militar - e haver dis-puta pela posse e controle de riquezas. Em seguida, estabelece-se a oligarquia,quando os proprietrios adquirem o poder poltico. A ernancpaco das massasfaz surgir a democracia, e do abuso da liberdade nasce a anarquia. No final des-te processo, surge a tirania, que a etapa mais distante da justica (que impera-va no Estado ideal), quando as disputas das rnassas exigem a presenca de umgovemante forte no Estado.

    O Estado ideal de Plato repousava numa aristocracia selecionada pelainteligencia. As nicas pessoas capacitadas a governar sao aquelas que adqui-rem urna concepco abstrata do Estado. Acreditava que a tirania a pior formade governo.

    22 Ciencia Poltica Dias

  • 67 Heller (1968), p. 32.68 Aristteles (1996), p. 119.69 O termo cidade aqui empregado no sentido de cidade-estado, a po lis grega.70 Aristteles (2005), p. 99.

    Em sua outra obra Poltica, Aristteles reforca a ideia de que o fim ltimoda poltica o bem coletivo;" "em todas as ciencias, assim como em todas as ar-tes, a finalidade um bem; e o maior de todos os bens encontra-se, sobretudo,naquela entre todas as ciencias que a mais alta; ora, tal ciencia a poltica e obem, em poltica, a justca, quer dizer, a utilidade coletiva".

    Aristteles em sua obra nao traca o perfil de um govemo, que sirva paratodas as condces sociais, mas defende a tese de que devem adaptar-se as cons-ttuces as necessidades de cada POyo.Ao contrrio de Plato, que consideraa moral como a ciencia fundamental e da qual faz parte a poltica, Aristtelesconsidera a poltica como a ciencia mais importante, porque dentro do Estado se

    "Urna vez que a ciencia poltica usa as ciencias restantes e, mais ain-da, legisla sobre o que devemos fazer e sobre aquilo de que devemosabster-nos, a finalidade desta ciencia inclui necessariamente a fina-lidade das outras, e entio esta finalidade deve ser o bem do homem.Ainda que a finalidade seja a mesma para um homem isoladamentee para uma cidade,69 a finalidade da cidade parece de qualquer modoalgo maior e mais completo [...l; embora seja desejvel atingir a fi-nalidade apenas para um nico homem; mais nobiliante e mais di-vino atingi-la para uma nadio ou para as cidades."

    Aristteles (384-322 a.C.) foi discpulo de Plato e, embora adote algu-mas ideias deste, difere bastante do mestre pelo mtodo e os pontos de vistaque aparecem em seu sistema poltico. Aristteles prtico, lgico e sistem-tico. Suas ideias sao o resultado de um processo indutivo, partido do estudocientfico e comparativo dos governos que existiam em seu tempo. Sua exposi-co, baseada na histria e na observaco, clara e precisa, com poucas nuancesalegricas e poticas. Constri a poltica como ciencia independente, tirando atica do campo dessa disciplina.

    O tipo de ciencia poltica mais semelhante a atual "foi criado na Grcia porAristteles, ao dar o salto da especulaco lgica e metafsica ao campo do emp-rico". "Devemos a Aristteles urna descrico e crtica, extensas e exatas, das cons-ttuices polticas histricas dos atenienses e dos espartanos, dos cretenses e fe-rucios. Ao estudar mais de cem consttuces histricas, veio a ser o fundador daCiencia histrico-descritiva da Poltica."?

    Aristteles estabeleceu que o fim ltimo da ciencia poltica a busca dobem comum, como afirmar"

    Aristteles

    Introduco a cinca poltica 23

  • cumprem OS fins mais elevados do homem. Para ele a melhor forma de governo aquela em que todos os indivduos atuam na vida poltica.

    Embora tenha tido um forte sentido prtco, Aristteles sempre considerou quea poltica urna ciencia abstrata que busca o bem-estar total do homem. Ele fez urnestudo detalhado das complexas correntes que afetam a vida pblica, dos mtodosde governo e dos meios utilizados para aplicar as reformas polticas, de acordo comos diversos interesses em disputa e as circunstancias variveis de cada perodo.

    Aristteles escreveu seu livro Poltica depois de ter feito urn estudo detalha-do dos governos mais importantes de seu tempo e das obras de pensadores queo precederam (principalmente Plato), Estudou 158 consttuices de cidades--estado gregas, embora tenha chegado aos dias atuais somente a constituico deAtenas. A Politica, mais que um trabalho sistemtico de filosofia poltica, umtratado sobre a arte do governo. Analisa no livro os males que existiam nas cida-des gregas e os defeitos de seus sistemas polticos, sugerindo medidas prticaspara contornar problemas futuros.

    Aristteles encontra a origem do Estado nos esforcos do homem para satis-fazer seus desejos e necessidades individuais. A sociedade entre o homem e a mu-lher para a perpetuaco da espcie, do amo e do escravo para a produco de ali-mentos, d nascimento a familia ou comunidade domstica. Enquanto os homensse contentavam em levar urna existencia pobre, satisfazendo suas necessidadesmais elementares, nao se tornou necessrio urna sociedade poltica. Mas quandodesejaram urna vida melhor, foi necessrio reunir aquelas comunidades domsti-cas em urna entidade superior, com extenso adequada, a cidade-estado, a po lis .

    A cidade-estado, de acordo com Aristteles, urna forma perfeita de asso-caco, e como o homem por natureza um animal poltico, somente pode alean-car seus fins essenciais atravs do Estado. Fora da vida social, o homem urnabesta. Neste sentido, o Estado, como ideia, anterior ao homem. O que constituio homem em ser racional, diferentemente dos outros anmais, a faculdade dalinguagem e o sentimento de associaco em relaco a seus semelhantes. O Estadoprecede, desse modo, ao indivduo, porque somente sob sua influencia deixa deser o homem urna besta para alcancar urna categoria superior.

    O Estado existe, assim, para satisfazer as necessidades intelectuais e moraisdos homens. A familia ou comunidade domstica, dentro do Estado, aten de a sa-tsfaco das necessidades fsicas da vida. O Estado se justifica de forma utilitriae, neste sentido, a escravdo perfeitamente legal e natural. Como os homensdiferem em poder fsico e capacidade intelectual, uns nasceram para senhorese outros para escravos. Os homens aptos para governar sao aqueles dotados dealtas condces espirituais; os que tm somente vigor fsico e entendimento pou-co cultivado nao sao aptos para dirigir, mas para cumprir ordens. Partindo des-se pressuposto, a escravido til e benfica para todos, se o senhor nao abusade sua autoridade. A escravdo dos prisioneiros de guerra sempre justificadaquando o triunfo da batalha implica a superioridade dos vencedores, nao se apli-ca no caso de que sofram os homens inteligentes as desventuras da guerra. No

    24 Ciencia Poltica Dias

  • 71 Aristteles (2005), p. 92 - 94.72 Aristteles (2005), p. 77 - 87.

    tempo de Aristteles, havia a crenca geral entre os gregos de que tinham superio-ridade intelectual sobre os POyOSvizinhos, e isto justificaria o raciocnio de queos gregos, devido a essa condco, nao poderiam ser escravos."

    Aristteles acreditava que a unidade do Estado poderia ser obtida atravs deurna organzaco adequada de diversos tipos individuais, nao pela submisso rgidados indivduos a um regime disciplinar. Desse modo, Aristteles nao era partidrio,como Plato, da abolco da propriedade privada e dos laces familiares, pois isto lm-taria a vida humana e impedirla a existencia de fortes vnculos sociais, embora defen-desse a manutenco de um sistema obrigatrio no ensino e educaco dos indivduos.

    Aristteles destacou limitaces na atividade do Estado, mas sem suspen-der, em contraposico, a ideia dos direitos individuais, que sao intangveis parao mesmo Estado. Aristteles, no entanto, se referia ao bem-estar dos cidados,considerados como indivduos, mais do que a concepco abstrata de bem-estar dasociedade. Considerava o Estado como o meio mais idneo para assegurar o bem--estar supremo dos cidados; sustentava que para realizar estes fins necessrioque se permita aos indivduos certo grau de liberdade. Pois, como os homens dfe-rem em aptdes e necessidades, o meio mais adequado para o desenvolvimentode suas capacidades consistir num sistema que permita a cada um certa lberda-de no desenvolvimento de sua vida.

    Aristteles definiu o Estado como uma organizaco coletiva de cidados, edefiniu este (cidado) como o indivduo que tem direito de participar do gover-no. Acreditava que o trace caracterstico da cidadania consistia na participacodos indivduos nas assembleias, no exerccio ativo dos direitos polticos. A cda-dania determina a capacidade de governar e ser governado."

    Aristteles distingue claramente os termos Estado e govemo. O Estado, paraele, est integrado pelo corpo total dos cdados; o govemo, por aqueles que orde-nam e regulam a vida daquele, ocupam os postos pblicos e exercem o poder.

    Na opinio de Aristteles, a melhor forma de govemo a que correspondeao carter e necessidade de cada POyo. O Estado ideal somente possvel par-rindo-se do pressuposto de que exista tambm urna sociedade ideal. Caso fossepossvel encontrar homens proeminentes e extraordinrios, a monarquia e a aris-tocracia seriam as melhores formas de governo. Mas, levando em consderaco anatureza humana, deve-se decidir por urna democracia moderada.

    Aristteles sustentava que o fim do Estado se concentra no bem-estar dacomunidade, e que o poder poltico tem que ser distribudo entre os cidados namedida em que contribuam para a realzaco do Estado. O POyO,atuando politi-camente como unidade, prefervel a aruaco de qualquer de suas partes; logo,a autoridade deve residir, em ltima instancia, no conjunto dos cidados, Atravsdas assemblias, tratam das questes fundamentais e escolhem seus magistrados.

    Introduco a cinca poltica 25

  • 73 Heller (1968), p. 33.74 Gettell (1937), p. 138 - 141.

    Na poca em que viveu Ccero (106-43 a.C.) destacou-se urn perodo deagtaco e guerras que destruram a Repblica Romana. O equilibrio mantido atento entre as diversas forcas polticas tornou-se impraticvel quando afloraramo dio e a hostilidade entre as diversas facces, conduzindo a bancarrota e a re-voluco. As transformaces econmicas que se seguem ao desenvolvimento doImprio Romano produzem urna profunda dviso entre a nobreza opulenta, quecompe o Senado, e o POyO, representado nas Assembleias; da luta e oposcoentre estes grupos surge a guerra civil, no curso da qual destacam-se os nomes deGraco, Mrio, Sila, Pompeu e Csar, que preparam o caminho para o estabeleci-mento do Imprio. Nesse contexto, na obra de Ccero se encontra urna exposcofiel e eloquente das concepces romanas em relaco a natureza do Estado e dalei, buscando resistir a essas mudancas e voltar aos mtodos tradicionais de go-yerno reconhecidos pelos cidados romanos. 74

    ,E considerado um dos maiores oradores romanos e ltimo grande defen-

    sor dos princpios da repblica. Eleito cnsul em 63 a.C., teve que enfrentar urnarevolta de seu rival derrotado, Catilina, que pretendia tomar o poder pela forca,Ccero pronunciou urna srie de discursos no Senado, as Catilinrias, que condu-ziram a execuco dos conspiradores. Suas principais obras de filosofia poltica,que foram escritas em forma de dilogo, sao Das leis e, principalmente, Da rep-blica, na qual defendia ideais republicanos, embora admitisse a necessidade de

    Marco Tlio Ccero

    Mas, acima da soberania do POyO,Aristteles coloca a soberania da lei. A auto-ridade humana, em sua opnio, conserva sempre reminiscencias da forca mate-rial; a autoridade da lei, racional e natural, participa da divindade.

    O tipo ideal de Estado para os POyOSgregos, segundo Aristteles, est de-terminado pela cidade, com um territrio relativamente pequeno e urna popula-co limitada, para que todos os cidados possam se conhecer e tenham acessofcil a vida pblica. De acordo com ele, todas as classes da sociedade devem terrepresentaco no Estado, mas somente sero cdados os administradores, osguerreiros e os sacerdotes. Estes indivduos devem possuir a terra e ter tempopara cumprir seus deveres de cdados,

    Herman Heller destaca a rica diversidade do pensamento poltico da Anti-guidade grega, reconhecendo "que j na antiga Grcia se desenvolve urna CienciaPoltica que apresenta, nos seus objetivos e mtodos, urna grande variedad e" .73

    Dando continuidade ao pensamento grego, em Roma destacou-se MarcoTlio Ccero.

    26 Ciencia Poltica Dias

  • 75 Ccero (1973), p. 155.76 Ccero (1973), p. 155 a 157.

    lderancas dotadas de deciso e autoridade pessoal. Alm dessas obras, deixouum tratado de eloquncia, Do orador, e outras poticas e tratados filosficos e re-ligiosos. Urna de suas ltimas obras de cunho poltico, As filpicas, constitui outroimportante documento de defesa da repblica romana.

    No seu Da repblica, Ccero deixa clara a influencia das condces e necessi-dades de sua poca, e utiliza a organzaco governamental de Roma para esbocaros juzos, anlises e exemplo de seu estudo.

    De acordo com ele, o Estado a conseqncia natural dos instintos sociaisdo homem. Ve no Estado urna instituco poltica distinta da sociedade em geral;pois destaca igualmente urna separaco entre o Estado e o govemo, reservando aautoridade poltica suprema ao POyO, entendido como um todo, e considerandoo govemo como um agente de sua vontade. Define a repblica como a reuniodos homens "que tem seu fundamento no consentimento jurdico e na utilidadecomum". Considera que os homens se renem devido a seu "instinto de sociabi-lidade em todos inato; a espcie humana nao nasceu para o isolamento e para avida errante, mas com urna disposico que, mesmo na abundancia de todos osbens, a leva a procurar o apoio comum"."

    Ccero adota urna classficaco de governo que distingue monarquia, aristo-cracia e democracia. Cada urna das quais possui certas vantagens e esto subme-tidas a um ciclo revolucionrio que vai de forma pura a impura. De acordo comele, as formas simples, por ordem de preferencia e perfeico, sao: primeiro, a mo-narquia, depois a aristocracia e por ltimo a democracia. No entanto, se declarapartidrio de urna forma mista, em que estejam reunidas as vantagens das outrase, na sua opinio, o regime republicano de Roma constitui um exemplo admir-vel, onde possvel manter-se a estabilidade na vida poltica, o que contribui paraa existencia de um bom governo."

    Um dos principais mritos da obra de Ccero a sua exposico do concei-to de lei natural, estabelecendo um sistema onde coloca em correspondenciadireta os princpios da razo abstrata e da lei natural com a atividade da razohumana e a Iegslaco do Estado. Os princpios da moral se aplicam tanto nomundo poltico quanto na vida privada; a lei legtima e verdadeira se constituino imprio da raza o, de conformidade com as normas da natureza, que eter-na e universal.

    No tratado Das leis, que constitui um complemento do livro Da repbli-ca, Ccero persiste na sua concepco de que a lei positiva est baseada nosprincpios da raza o natural, e qualquer dsposco que apareca em oposico asleis da natureza nao possui forca legal. Ccero estimula os cidados romanoscom os ideais supremos de patriotismo e justca. Apresenta urna concepcouniversal na qual todos os homens esto submetidos aos mesmos princpios

    Introduco a cinca poltica 27

  • naturais de direito. Assim como Plato, Ccero, tomando por guia estes prin-cpios, traca com detalhes um cdigo civil e constitucional de acordo com asnormas da lei natural.

    O mrito principal de Ccero est em ter transmitido ao mundo romano asideias da Grcia em suas obras, embora muitas vezes com propsitos diferentes.A doutrina da lei natural serve de fundamento, em Ccero, a um sistema legal quese destina a reger as relaces jurdicas do mundo. Os homens possuem os mes-mos direitos, de acordo com a natureza, e devem estar sujeitos aos mesmos prin-cpios universais. Nestas ideias se encontra urna base de apoio ao estabelecimen-to do Imprio, vislumbrando a existencia do poder de Roma como um desgnioprovidencial para levar adiante os planos da razo divina.

    A obra de Ccero exerceu pouca influencia na poltica de seu tempo, carac-terizado pela animosidade das lutas internas e a crise de patriotismo; mas suasideias sobre a justica e a lei natural ficaram profundamente enraizadas no pensa-mento jurdico de Roma e deixaram urna marca profunda nos juristas posterioresda poca imperial e nos primeiros escritores cristos, Sua concepco da unidadedo mundo e de urna autoridade e urna lei universal constituram um importanteprincpio do pensamento poltico que percorre todo o perodo medieval.

    28 Ciencia Poltica Dias

  • O exerccio do poder um processo social, na medida em que indivduos ougrupos sociais apresentam condices de modificar ou alterar o comportamentode outros grupos ou pessoas. O exerccio do poder est diretamente vinculado a

    2.1 O conceito de poder

    o poder, certamente, constitu-se num dos mais importantes processossociais das sociedades humanas, nao se registrando historicamente nenhumaque tenha prescindido dele. As relaces de poder esto disseminadas por toda asociedade, havendo, no entanto, urna hierarquia que difere de um grupo socialpara outro. O que comum a todos que h um poder supremo a todos os ou-tros, ao qual esto submetidos, que o poder poltico. Quer seja com a funcode organizar a vida em sociedade, ou de estabelecer a domnaco de um grupopelo outro, um fato indiscutvel a sua ascendencia sobre os demais poderes.Sua legitimidade deriva de sua necessidade para estabelecer a necessria con-vivencia social, e desse modo tolera-se em grau maior ou menor a dominacode um grupo sobre os demais.

    A despersonalzaco do poder tambm contribui para a acetaco desse tipode domnaco. A partir do momento em que se obrigado a aceitar a domnacode um ente abstrato, fica facilitada a submisso e aceitaco de suas determina-ces. No entanto, o exerccio do poder feito por pessoas reais, que detm numdeterminado momento histrico a primazia de determinar as aces dos demais.Esse grupo, dominante em determinado momento, que sucessivamente substi-tudo por novos indivduos que perpetuam as relaces de poder, denominadoelite. Esses diversos elementos que configuram as relaces de poder, em especialo poltico, sero estudados neste captulo.

    --A Q1]ESTAO DO PODER

    2

  • 1 Fleiner-Gerster (2006), p. 246.2 Friedrich (1970), p. 132.

    cultura dos grupos sociais que estabelecem aquilo que tem ou nao valor naquelasociedade particular. Se a forca fsica valorizada, ela que se tornar o princi-pal componente do poder. Caso seja a capacidade dos indivduos em relacionar--se com a divindade, os sacerdotes tero mais valor e desse modo exercero maispoder. Em grupos menores, por exemplo num grupo de amigos, ter mais poderaquele que detm os elementos mais valorizados pelo grupo.

    O poder pressupe sempre urna relaco entre duas ou mais pessoas, ouduas ou mais organzaces, Segundo Fleiner-Gerster, "ele repousa sobre a forca ea superioridade de urna parte e, simultaneamente, sobre a - relativa - dependen-cia ou fraqueza da outra". Ao lado da forca e da autoridade do Estado, em Esta-dos onde a economia centralizada e estatizada, a dependencia econmica podeser utilizada para impor decis6es do Estado.'

    O exercco do poder constitui-se numa das mais importantes nteracessociais existentes. O poder intervm em todas as relaces sociais, quer sejam eco-nmicas, militares, culturais, familiares etc., expressando-se como poder militar,econmico, sindical etc. e tambm como poder poltico. Desse modo, podemosafirmar que na sociedade coexistem vrios tipos de poder e cada ator social (in-divduos, grupos, classes, organzaces etc.) apresenta determinada quota de po-der que d lugar a diversos tipos de enfrentamentos que constituem urna partefundamental da vida social, constituindo-se de fato no pleno exerccio da vontadee da liberdade.

    Para Friedrich, "a origem do poder que urna posse primordialmente acoaco. Quando o detentor de um cargo adquire certa soma de poder, ele adqui-re tambm a capacidade de coagir". Por outro lado, segundo esse mesmo autor,a "origem do poder relacional bastante consensual e cooperativa. Um lder queprocure desenvolver certa organzaco depender muito de um poder dessa esp-ce. Ele organizar seus seguidores despertando neles o desejo de aderir aos seusobjetivos e propsitos". 2

    Opoder sempre implica relaco, a capacidad e de deciso sobre o outro. Opoder constitui urna relaco social. O indivduo encontra-se com o poder quandoa sua conduta nao decidida por ele mesmo, mas urna deciso tomada