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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE GEOGRAFIA Marcio Jorge Afonso Júnior CIÊNCIA, GEOGRAFIA E COMPLEXIDADE: uma inspeção de como a geografia se insere no movimento científico e epistemológico da complexidade, e vice-versa Juiz de Fora 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE GEOGRAFIA

Marcio Jorge Afonso Júnior

CIÊNCIA, GEOGRAFIA E COMPLEXIDADE: uma inspeção de como a geografia se insere no movimento científico

e epistemológico da complexidade, e vice-versa

Juiz de Fora 2013

Marcio Jorge Afonso Júnior

CIÊNCIA, GEOGRAFIA E COMPLEXIDADE: uma inspeção de como a geografia se insere no movimento científico e

epistemológico da complexidade, e vice-versa

Monografia apresentada ao curso de Geografia, Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), como exigência final à obtenção do título de bacharel em Geografia. Orientadora: Profa. Dra. Clarice Cassab Torres

Juiz de Fora 2013

Marcio Jorge Afonso Júnior

CIÊNCIA, GEOGRAFIA E COMPLEXIDADE: uma inspeção de como a geografia se insere no movimento científico e

epistemológico da complexidade, e vice-versa Monografia de conclusão de curso submetida ao Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito final para a obtenção do título de Bacharel em Geografia, e aprovada pela seguinte banca examinadora:

___________________________________________ Prof

a. Dra. Clarice Cassab Torres (Orientadora) Universidade Federal de Juiz de Fora

___________________________________________ Prof. Dr. Carlos Eduardo Santos Maia Universidade Federal de Juiz de Fora

___________________________________________ Prof. Dr. Leonardo de Oliveira Carneiro

Universidade Federal de Juiz de Fora

Juiz de Fora __/__/2013

RESUMO

Este trabalho trata da epistemologia da ciência com foco na produção do conhecimento em geografia. Objetiva averiguar os termos atuais gerais de um diálogo de nível epistemológico e de abrangência interdisciplinar, entre a geografia, a ciência clássica e moderna, e a complexidade. Chega-se a isso através da pesquisa e revisão bibliográfica, que passa por considerações sobre a ciência clássica, por uma abordagem crítica da geografia, principalmente a que foi se constituindo ao longo do século XX, e pela consideração de algumas importantes questões que a ciência foi enfrentando principalmente ao longo desse mesmo século. De posse disso, busca-se considerar as características da complexidade, tanto na sua versão científica quanto principalmente na epistemológica, e como essas complexidades e a geografia, a partir daí, se ignoram e se interpenetram. Tal percurso sugere que a geografia enfrenta ao longo de sua história um problema epistemológico de incompatibilidade com o paradigma científico dominante. As possibilidades de teorizações interdisciplinares de fenômenos geográficos, nos moldes clássicos, ou de uma solução incisiva do impasse da geografia frente aos critérios de cientificidade, através de ambos vieses da complexidade, procuram ser indicadas. Verificam-se também algumas linhas de diálogo plausíveis entre a complexidade epistemológica e a geografia, tanto através de seus princípios gerais clássicos quanto por uma abordagem alternativa contemporânea de espaço.

PALAVRAS-CHAVE: Geografia. Complexidade. Epistemologia. Ciência.

ABSTRACT

This paper deals with the epistemology of science focused on the production of knowledge in geography . It aims to ascertain the current state of a general epistemological level dialogue and interdisciplinary coverage, between geography, classical and modern science and complexity. Comes to it through research and literature review, which involves considerations of classical science, a critical approach to geography, especially the geography that was constituted during the twentieth century, and the consideration of some important issues that science was facing mainly along that same century. Thereafter, we seek to consider the characteristics of complexity, both in its scientific version and mainly on its epistemological version, and how these complexities and geography, from there, ignore and interpenetrate themselves. This path suggests that throughout its history geography faces an epistemological problem of incompatibility with the dominant scientific paradigm. The possibilities of interdisciplinary theories of spatial phenomena in classic terms or the possibilities of an incisive solution of the impasse geography faces toward the scientific criteria seek to be indicated through both versions of complexity. We also check a few lines of plausible dialogue between the epistemological complexity and geography, both through its general classic principles as through an alternative contemporary approach for space.

KEYWORDS: Geography. Complexity. Epistemology. Science.

SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------- 7

2- A CIÊNCIA E O MÉTODO CIENTÍFICO ---------------------------------------------- 9

3- A GEOGRAFIA ------------------------------------------------------------------------------ 17

4- COMPLICADORES ------------------------------------------------------------------------ 27

4.1- MATEMÁTICA IMPERFEITA ------------------------------------------------------------- 28

4.2- INDOMÁVEL MASSA SUBATÔMICA -------------------------------------------------- 29

4.3- PRINCÍPIO DA INCERTEZA E MECÂNICA QUÂNTICA --------------------------- 30

4.4- TEORIA DO CAOS E SISTEMAS CAÓTICOS ----------------------------------------- 30

4.5- SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA ------------------------------------------------ 31

4.6- TEORIA DA RELATIVIDADE ------------------------------------------------------------- 33

4.7- NOVA CONCEPÇÃO DE UNIVERSO --------------------------------------------------- 34

4.8- A CIÊNCIA DIVIDIDA, NOVAS ÁREAS E PROPOSTAS INTERDISCIPLI-

NARES --------------------------------------------------------------------------------------------------- 35

5- A COMPLEXIDADE CIENTÍFICA ----------------------------------------------------- 37

5.1- COMPLEXIDADE CIENTÍFICA E GEOGRAFIA -------------------------------------- 39

6- A COMPLEXIDADE EPISTEMOLÓGICA ------------------------------------------- 42

6.1- FONTES E BASES DA COMPLEXIDADE EPISTEMOLÓGICA ------------------- 44

6.2- PRINCÍPIOS E CONCEPÇÕES COMPLEXAS ----------------------------------------- 49

6.2.1- Circularidade e articulação ---------------------------------------------------------------- 48

6.2.2- Os sistemas ------------------------------------------------------------------------------------- 48

6.2.3- A desordem ------------------------------------------------------------------------------------ 49

6.2.4- A ordem ---------------------------------------------------------------------------------------- 49

6.2.5- A organização --------------------------------------------------------------------------------- 50

6.2.6- As interações ----------------------------------------------------------------------------------- 51

6.2.7- O anel tetralógico ----------------------------------------------------------------------------- 51

6.2.8- A noção de emergência ---------------------------------------------------------------------- 52

6.2.9- A auto-eco-organização --------------------------------------------------------------------- 53

6.2.10- Ciclo recursivo e causalidade complexa ------------------------------------------------- 53

6.2.11- Necessidade de contextualização ---------------------------------------------------------- 54

6.2.12- A ecologia da ação ---------------------------------------------------------------------------- 54

7- COMPLEXIDADE EPISTEMOLÓGICA E GEOGRAFIA --------------------- 55

7.1- PRINCÍPIOS DA GEOGRAFIA CLÁSSICA E A COMPLEXIDADE --------------- 56

7.2- A LEITURA ALTERNATIVA DO ESPAÇO EM DOREEN MASSEY E A

COMPLEXIDADE ------------------------------------------------------------------------------------- 59

8- CONCLUSÃO -------------------------------------------------------------------------------- 65

9- REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------------ 68

7

1- INTRODUÇÃO

Não é inédita a necessidade de equalizar o contexto geral de uma realidade em

mutação, em evolução, do conhecimento humano e do mundo conhecido, às linhas de

produção, estoque e utilização de uma fração, ou de todas as frações, desse próprio

conhecimento:

Cada vez que as condições gerais de realização da vida sobre a terra se modificam, ou a interpretação de fatos particulares concernentes à existência do homem e das coisas conhece evolução importante, todas as disciplinas científicas ficam obrigadas a realinhar-se para poder exprimir, em termos de presente e não mais de passado, aquela parcela de realidade total que lhes cabe explicar. (SANTOS, 2002, p. 18)

A ciência tem assim seus movimentos, trajetórias e direções, e abaixo dela, de

certa forma acima ao mesmo tempo, também o tem a realidade do mundo e uma

epistemologia que interpreta e informa a validade, o caráter e a repercussão daquela ciência.

Um dos mais recentes capítulos desse diálogo constante, mesmo que quase

sempre tácito, parece ser o do surgimento das propostas da complexidade, em dois níveis: um

mais profundo nas bases do conhecimento, denominado aqui por nós como complexidade

epistemológica, e outro mais adequado à ciência então vigente, aqui complexidade científica.

Essas propostas reorientam, de qualquer forma, se não a natureza da ciência, como no

primeiro caso, ao menos suas possibilidades práticas diretas e, aí também, seu futuro.

Em meio a isso, a geografia aparentemente se coloca ainda como disciplina

científica marginal. Historicamente, suas grandes contribuições parecem retroceder sempre a

manuais de erudição, suas interpretações parecem ser sempre suplantadas por aquelas de

disciplinas mais aptas, e seu papel mais relevante na sociedade não parece ir muito além de

uma listagem de temas a serem trabalhados para o aprendizado de atualidades nas escolas.

Para a geografia a mais importante sugestão nesse novo contexto geral, tanto do

conhecimento humano quanto do mundo conhecido, é a de que não só os temas geográficos

8

podem tomar novo relevo, mas a geografia enquanto área do conhecimento pode estar prestes,

em parte, a se revitalizar, pelo viés, não somente, mas aqui especialmente, da complexidade.

Mas não sem perigo. Afinal, sob mudança tão radical, como pela complexidade

epistemológica, o futuro é inevitavelmente incerto. E sob o sucesso de uma alternativa nem

tão incisiva, mas possivelmente poderosa, como com a complexidade científica, são vários os

temas historicamente e insistentemente geográficos que correm o risco de serem, por essa

abordagem, dominados.

Dessa forma, realizamos uma revisão bibliográfica que passa (a) por aspectos da

ciência clássica e moderna, principalmente com a física, (b) por considerações gerais de uma

geografia sistematizada, principalmente através da visão de autores críticos das décadas de 80

e 90 do século passado, e (c) pela complexidade, tanto com a científica, como com a

epistemológica _ a primeira centrada, aqui, no Santa Fe Institute, e a segunda na literatura de

Edgar Morin. Busca-se assim arrolar algumas considerações, questionamentos e atualizações

dessas instâncias, de maneira interconectada, de modo a buscar, num primeiro momento, o

diagnóstico de um possível problema de fundo epistemológico na geografia. Além disso,

busca-se inspecionar as possibilidades de diálogo: da geografia com a complexidade

científica; de alguns princípios geográficos gerais tradicionais com a complexidade

epistemológica; da complexidade epistemológica com uma abordagem contemporânea do

espaço em geografia, como o produto de interações, multiplicidades e inacabamentos, com

Doreen Massey. E, além disso, objetiva-se um destaque a considerações críticas sobre a forma

como a complexidade vem sendo trabalhada na literatura geográfica atualmente.

9

2- A CIÊNCIA E O MÉTODO CIENTÍFICO

Antes de abordarmos a geografia e a complexidade, convém uma breve incursão a

respeito da ciência1 _ sua definição, características principais, desenvolvimento e

estabelecimento inexorável como fonte primeira de conhecimento nas sociedades

contemporâneas _ já que essa vem, de certa forma, antes daquelas, e as engloba e

contextualiza, necessariamente.

Mas definir o conceito de ciência seria definir o que se pode entender por ciência

em um dado momento histórico se estivermos com Jacob Bronowski (1908-1974) quando ele

escreve que “o conceito de ciência não é nem absoluto nem eterno” (BRONOWSKI, apud.

MORIN, 1977, p. 13).

Poderíamos começar dizendo que a ciência é conhecimento sistemático, que está

ligada ao ato de “entender”, de “saber”. Qualquer breve busca etimológica ou em dicionários

deixaria inferir isso. Mas o que se pretende conhecer, e como, é o que faz obviamente a

ciência tomar corpo: Poderíamos perseguir outro tipo de conhecimento, mesmo

sistematicamente, e isso nos tornaria religiosos, astrólogos, artistas, e não necessariamente

cientistas.

Stephen Hawking diz que toda a história da ciência tem sido a gradual

compreensão de que os eventos refletem uma ordem subjacente, em vez de seguirem a

vontade arbitraria de um deus ou uma aleatoriedade incompreensível.2 Por sua vez, Albert

Einstein (1879-1955) coloca que “a crença num mundo externo independente do indivíduo

que o percebe é a base de todas as ciências naturais” (EINSTEIN, apud. SANTOS, 2002, p.

43).

1 Quando falamos de ciência aqui estamos falando prioritariamente das ciências naturais, com a física à frente. Isso não quer dizer que afirmamos que as outras ciências são menos científicas ou menos válidas. Isso também não quer dizer que queremos deixar essas outras ciências de lado quando falarmos de “ciência” ou de “científico”. Pelo contrário. E que se ergam, por isso mesmo, múltiplas questões. Mas, como se verá, as ciências naturais e principalmente a física tomaram o termo ciência para si por sua hegemonia _ hegemonia essa inclusive certificada pela linha de pensamento extremamente influente do Positivismo _ aproximadamente da mesma forma com que os Estados Unidos se fizeram América a despeito de todo o continente. 2 “The whole history of science has been the gradual realization that events do not happen in an arbitrary manner, but that they reflect a certain underlying order, which may or may not be divinely inspired.” (HAWKING, 1998, p. 165).

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Ou seja, essa noção de que a natureza, em seus objetos, fenômenos e eventos, não

depende de nada mais senão dela mesma, seguindo certos padrões reconhecíveis,

apreensíveis, está no cerne daquilo que foi se constituindo sob a rubrica de científico.

Hawking diz que as primeiras tentativas de descrever e explicar o universo através

de teorias envolveram a ideia de que fenômenos naturais e eventos eram controlados por

espíritos habitando objetos naturais, como rios, montanhas e estrelas _ esses objetos tinham

emoções humanas e agiam de maneira imprevisível. Gradualmente devem ter sido notadas

certas regularidades, independentemente de se aplacar ou não os deuses ou essas entidades

com sacrifícios e reverências. O Sol, a Lua e os planetas poderiam ainda ser seres superiores,

mas obedeciam a leis estritas, aparentemente sem nenhuma exceção, de tal modo que seu

movimento poderia ser predito antecipadamente e com admirável precisão. De início,

segundo Hawking, isso aconteceu somente na astronomia e em outras poucas situações, mas a

partir principalmente de fim do século XVII e início do XVIII mais e mais regularidades e leis

foram sendo encontradas. (HAWKING, 1998, p. 247)

Assim, a apreensão de regularidade e de leis vai se dar primeiro, de maneira mais

clara e direta, na distante ordem celeste, no movimento preciso e repetitivo de objetos bem

definidos e claramente observáveis, sem, foi-se percebendo cada vez mais, qualquer

interferência humana.

E é então que, segundo Morin (1977, p. 93-94), a ciência dita clássica3 funda-se

na objetividade, com objetos existindo de modo positivo, independentes de um observador,

autossuficientes em seu ser. São entidades fechadas e distintas, isoladas num espaço neutro,

com suas características e propriedades auferíveis, seguindo infalivelmente leis objetivamente

universais. Há assim, na objetividade, uma dupla independência: Independência do objeto em

relação ao observador humano e independência do objeto em relação ao meio e aos outros

objetos.

Havia então, supôs-se, um caminho mais adequado para se chegar ao real

entendimento desses objetos que compõem o mundo externo. O conjunto refletido e

formalizado dos preceitos, guias gerais para o pensamento, para a investigação e para a

experimentação, formam na ciência o chamado método científico, que é atribuído inicialmente

3 Por ciência clássica nos referimos aqui, com base em Morin (1977, p.93, em nota de pé de página), àquela que reinou praticamente incólume até o início do século XX quando, então, se iniciou um período de relativa crise, tendo de rever em maior ou menor grau algumas de suas ideias basilares e sendo, a partir daí, chamada então de ciência moderna. Essa nomenclatura é adotada por Morin, embora ele mesmo reconheça que deveria tê-la precisado melhor na redação de O Metodo 1. (1977, p. 33, em “notas complementares para a 2.ͣ edição”).

11

a René Descartes (1596-1650), e é dito, nessa sua versão clássica, analítico, disjuntor,

simplificador, redutor ou reducionista, a depender do foco que se dá ao aborda-lo. Mas esses

termos são complementares (MORIN 1977, Pag. 94).

Das palavras do próprio Descartes, em tradução livre, seu método científico

consiste em “dividir todas as dificuldades sob exame no maior número de partes possível,

tantas quantas seria necessário para dissolvê-los [ou resolvê-los] da melhor maneira”, e

“conduzir os pensamentos numa tal ordem, começando dos objetos mais simples e de mais

fácil entendimento, e ascender gradualmente, como se fosse passo a passo, para o

conhecimento do mais complexo”. 4

Há uma diferença de fundo entre análise, disjunção, simplificação e redução,

termos que, conjuntamente com uma concepção determinista, compõem, segundo Morin

(2005, p. 1), os princípios de explicação fundamentais da ciência clássica. Mas observemos:

em nenhum momento Descartes parece querer virar as costas à complexidade do mundo. Pelo

contrário _ pretende alcançar ela através do esclarecimento de uma ordem e simplicidade de

fundo, que permeiam de modo primeiro todo fenômeno, todo objeto, todo problema. A

disjunção, que consiste em separar e isolar as dificuldades cognitivas e objetos uns dos outros,

repercutindo então na repartição dos objetos de estudo entre diversas disciplinas acadêmicas e

especializações, e a análise, que é a decomposição de um todo em seus elementos

constituintes, são assim procedimentos necessários para se chegar ao simples. Mas dizer que

esse método é reducionista é chamar a atenção para o que ele deixa para trás, para o que ele,

de alguma forma, elimina, a fim de explicar. Mas isso não é concebido como uma

desvantagem, pois se pode eliminar exatamente o que turva o entendimento, de modo que “se

você compreende tudo sobre os ingredientes, o reducionista argumenta, você compreende

todas as coisas” (GREENE, 1999) 5, ou melhor, que o todo pode ser compreendido por

completo se se compreende as partes e a natureza de sua soma. Douglas Hofstadter, citado no

prefácio do livro de Mitchell (2001, p. ix), chega a dizer que “ninguém, na parte esquerda de

seu cérebro, pode rejeitar o reducionismo” 6.

4 “René Descartes, one of reductionism’s earliest proponents, described his own scientific method thus: ‘to divide all the difficulties under examination into as many parts as possible, and as many as were required to solve them in the best way’ and ‘to conduct my thoughts in a given order, beginning with the simplest and most easily understood objects, and gradually ascending, as it were step by step, to the knowledge of the most complex’.” (MITCHELL, 2001, p.ix) 5 “If you understand everything about the ingredients, the reductionist argues, you understand everything.” (GREENE, 1999, p. 32) 6 “No one in her left brain could reject reductionism.” (HOFSTADTER, 1979, apud. MITCHELL, 2009, p.ix)

12

Foi de incrível confiança e de inegável sucesso a marcha da ciência até o início do

século XX e também, mas de uma maneira um tanto mais refratada, ao longo desse século.

Leibniz (1646-1716) chegou a sonhar com a descoberta de um modo automático de provar ou

refutar qualquer sentença, mostrando assim que não há nada que a matemática não poderia

conquistar _ matemática essa colocada como base lógica e operacional, a própria linguagem

da ciência. David Hilbert (1862-1943), importante matemático alemão, dentre outros,

acreditava estar à beira de realizar esse desejo. Ainda além, sob o sucesso das teorias

científicas de sua época, especialmente a teoria gravitacional de Isaac Newton (1642-1727),

Laplace (1749-1827) acreditava num universo inteiramente determinístico, de tal modo que,

sabendo-se seu estado num dado momento e munido de um conjunto de leis científicas, dentre

elas as leis de Newton, poder-se-ia em princípio prever qualquer acontecimento no futuro

(MITCHELL, 2001, p. 68).

No decorrer do século XIX a investigação analítica, reducionista, isolou e

recenseou os elementos químicos que constituem todos os objetos, indo até as moléculas e

finalmente ao átomo _ este sim, então entendido, objeto dos objetos, puro, pleno e irredutível

_ reconhecendo e qualificando os caracteres fundamentais de toda a matéria, com massa e

energia. Todo movimento, estado ou propriedade podia ser quantitativamente concebido em

relação a essa unidade primeira. (MORIN, 1977, p. 94)

Deste modo, diz Morin (1977, p. 94), em fins do século XIX, a ciência física

dispunha de todo um arsenal de grandezas capazes de caracterizar, descrever e definir

qualquer objeto.

Este universo-relógio marca o tempo e atravessa-o de modo inalterável. A sua textura, a mesma em toda a parte, é uma substância incriada (a matéria) e uma entidade indestrutível (a energia). As leis da física, até à estranha excepção do segundo princípio da termodinâmica, ignoram a dispersão, o desgaste e a degradação. O universo auto-suficiente automantém-se perpetuamente. A ordem soberana das leis da natureza é absoluta e imutável. Elas excluem a desordem desde sempre e para sempre. Apenas a fraqueza do nosso entendimento nos impede de conceber, na sua plenitude, o universal, impecável, inalterável e irrevogável determinismo. (MORIN 1977, pag. 38)

É com esse pensamento que, segundo Morin (1977, p. 38), Hegel (1770-1831)

dizia que “é unicamente à superfície que reina o jogo dos acasos irracionais”. Existe então

uma ordem pura, simples, racional, originalmente escondida, mas revelada sistematicamente

através da ciência, e que é a realidade autentica do universo.

13

A partir disso podemos afirmar que é fundamental no pensamento simplificador,

segundo Morin (1977, pag. 24-25): idealizar, crendo tanto que a realidade pode ser

inteiramente reabsorvida na ideia e também que, o que de certa forma é o mesmo, só o

inteligível é real; racionalizar, cercando a realidade estritamente na ordem e na coerência de

um sistema, inclusive justificando a existência das coisas e do mundo com um certificado de

racionalidade; e normalizar, eliminando o estranho, o irredutível, o que não cabe num

esquema linear, o que foge à própria simplificação.

Ou seja, acredita-se que há um espelhamento entre o mundo físico organizado, a

natureza regida por leis simples, universais e invioláveis, de um lado, e a compreensão

científica racional do mundo, do outro lado, de modo que o que escapa à compreensão

racional não pode estar, desta forma, presente na natureza, e o que, na natureza, escapa à

ordem, à linearidade, à repetição coerente e sistemática, é então falso, ilusório, inexistente. E

aí reside um perigo, já que mesmo que um vácuo de distanciamento seja mantido entre esses

dois planos, como preconizado, uma racionalização, ou seja, um pensamento supostamente

racional, ancorado na ordem e na coerência de um sistema, mas sobre bases ou

desenvolvimentos frágeis, inverificáveis, tendenciosos ou falaciosos, do lado do sujeito que

supostamente compreende, pode encontrar reflexos mais ou menos forçados do lado do

mundo observado/interpretado. Por esse motivo, o que se recomenda com Descartes é uma

dúvida primária, que, como diz Morin (1977, p. 19) faz do sujeito “tábua rasa”.

De qualquer forma, ou por isso mesmo, o conhecimento objetivo precisa eliminar

a subjetividade, no que se refere à parte emocional inerente a cada observador, e acaba

promovendo também a eliminação do sujeito, ou seja, do ser que concebe e sabe (MORIN,

2005, p. 11), ao menos até o momento em que ele reaparecer de maneira inevitável na base da

própria ciência física com o princípio da incerteza de Heisenberg, como veremos.

Não obstante, Morin inclui a capacidade criativa e imaginativa do cientista,

juntamente com o empiricismo (experimentação, observação, coleta de dados), a

racionalidade (teorias logicamente constituídas) e a verificação, como um desses quatro

constituintes da ciência clássica que, mesmo sem deixar de produzir conhecimento nas bases

da simplificação, a complexificam, garantindo seu movimento e a prevenindo de solidificar-se

(MORIN, 2005, p. 11)

Assim esse método de decomposição, de análise, de medida, permitiu

experimentar, manipular e transformar de fato o mundo objetivo. E o sucesso dessa ciência

clássica, através das ciências naturais e com a ciência física à frente, sob o suporte da

14

matemática, influenciou inevitavelmente as outras ciências em desenvolvimento, nos seus

métodos, na busca dos objetos particulares de estudo, na almejada objetividade, isolando seus

objetos do meio e do observador, e explicando-os através de leis gerais seguidas

inviolavelmente pelos elementos simples que os constituem. (MORIN, 1977, p. 94)

A ciência moderna fez evoluir as noções do método científico, talvez por estar

descendo a níveis de abstração cada vez maiores, mas certamente por enfrentar problemas

graves que precisavam ser, se não solucionados, ao menos contornados, como abordaremos

mais à frente.

Hawking (1998) assume a ideia simples de teoria como um modelo do universo,

ou de uma parte restrita dele, e um conjunto de regras que estabelecem a relação entre as

quantidades no modelo e as observações feitas, existindo somente nas nossas mentes e

satisfazendo, como medida de seu valor, dois critérios: conseguir descrever, com precisão, a

partir de poucos elementos arbitrários, uma grande classe de observações; e a teoria deve

conseguir fazer previsões definidas quanto aos resultados de futuras observações. 7

Além disso, importante dizer, uma única observação que refute uma teoria já é o

bastante para falseá-la, e é Karl Popper (1902-1994) quem enfatiza que uma boa teoria é

caracterizada pelo fato de fazer um número de previsões que podem em princípio ser

refutadas ou falseadas por observações. (HAWKING, 1998, p. 22)

E assim, ao longo do século XX, ironicamente, a ciência se deparou, em seu

próprio movimento, com várias descobertas e conclusões aptas a lançar questionamentos a

suas próprias bases. Mas em vez de enfrentar essas questões, tratou-se de isolá-las numa

espécie de cordão-sanitário, como advoga muito enfaticamente Edgar Morin no primeiro

volume de seu O Método (1977). Por isso pode-se assumir que o método científico, na prática

diária das inúmeras disciplinas e especializações, segue quase que com os mesmos

fundamentos epistemológicos enquanto avança no século que traria sua própria crise.

Talvez a maior das inflexões, que teve seu raio de atuação concentrado na

mecânica quântica e, por extensão, na ciência física, foi aquela exigida pelo princípio da

incerteza de Heisenberg, redefinindo-se daí um objetivo central da ciência, que passa a ser

7 “I shall take the simpleminded view that a theory is just a model of the universe, or a restricted part of it, and a set of rules that relate quantities in the model to observations that we make. It exists only in our minds and does not have any other reality (whatever that might mean). A theory is a good theory if it satisfies two requirements. It must accurately describe a large class of observations on the basis of a model that contains only a few arbitrary elements, and it must make definite predictions about the results of future observations.” (HAWKING, 1998, p. 21)

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“formular um conjunto de leis que nos possibilite predizer eventos até o limite estabelecido

pelo princípio de incerteza” (HAWKING, 1998, p. 227). Ou seja, colocam-se limites

incuráveis na previsibilidade plena e na ideia de determinismo.

De qualquer forma, e isso não se nega, é com este arcabouço científico

metodológico que foram traçados os avanços mais revolucionários do conhecimento humano,

com consequências colossais na ordem e na dinâmica do planeta ao longo dos três últimos

séculos.

Em fins do século XX, Hawking reconhece que as teorias parciais que atualmente

existem, desenvolvidas através das inúmeras subdivisões e especializações da ciência, são

suficientes para fazer predições precisas em todas exceto as mais extremas situações.

(HAWKING, 1998, p. 26)

Mas quais seriam essas “mais extremas situações”? Mitchell, falando da ciência

no século XX, diz que “apesar do grande sucesso explicando o muito pequeno e o muito

grande, a física fundamental e, de maneira mais geral, o reducionismo científico, foi

notavelmente mudo na explicação de fenômenos complexos mais próximos de nossas

preocupações em escala humana” 8.

As duas colocações parecem opostas. Hawking está na verdade se referindo ao

horizonte de eventos na superfície de buracos-negros, à configuração inicial do universo no

momento do big bang, ao conflito entre a teoria da relatividade e a mecânica quântica, abrindo

caminho para suas colocações a respeito da busca de uma teoria unificada em física, ou a

“teoria de todas as coisas”, Santo Graal da ciência reducionista. Mitchell está criticando a

capacidade da ciência reducionista fornecer explicações para os sistemas complexos, como,

em última instância, mas não somente, as sociedades humanas.

Mas Hawking (1998) admite que uma teoria unificada não resolveria nem o

problema do princípio da incerteza, nem o problema de cálculo, que vem do fato de que,

segundo ele, não podemos resolver as equações de uma teoria unificada de modo exato,

exceto para situações muito simples9. Ou seja, mesmo que se descubra uma fórmula que rege

8 “Of course within the next thirty years, physics would be revolutionized by the discoveries of relativity and quantum mechanics. But twentieth-century science was also marked by the demise of the reductionist dream. In spite of its great successes explaining the very large and very small, fundamental physics, and more generally, scientific reductionism, have been notably mute in explaining the complex phenomena closest to our human-scale concerns.” (MITCHELL, 2009, p.x) 9 “Even if we do discover a complete unified theory, it would not mean that we would be able to predict events in general, for two reasons. The first is the limitation that the uncertainty principle of quantum mechanics sets on our powers of prediction. There is nothing we can do to get around that. In practice, however, this first limitation

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tudo, nunca seremos capazes de computar suas equações a não ser para situações bastante

restritas. É em boa medida o que Mitchell critica, na ciência reducionista, quando esta se

depara com sistemas complexos: uma incapacidade operacional. Mas a complexidade que

Mitchell defende vê uma luz, possibilidades reais de previsão e de manipulação, ao se colocar

como antirreducionista, admitindo que “o todo é mais que a soma das partes” (MITCHELL,

2009, p. x), enquanto Hawking entende que uma teoria unificada seria “somente um primeiro

passo para o entendimento dos eventos ao nosso redor, e de nossa própria existência”

(HAWKING, 1998, p. 241).

E, apesar disso, em nenhuma dessas duas frentes se questiona em profundidade a

esfera do conhecimento em si. Assim, aquela ciência continua sendo, se não sinônimo do

próprio conhecimento, então seu mais bem acabado ou mesmo inviolável representante. E

isso apesar da complexidade científica tratada por Mitchell se dizer, como já falamos,

antirreducionista. Essa complexidade caminha, segundo Morin, e como reafirmaremos mais à

frente, sem questionar os grandes fundamentos do paradigma da ciência clássica (ver

MORIN, 2005).

Assim, apesar de alguns contratempos, é tal a confiança da ciência sobre ela

mesma, e das sociedades contemporâneas sobre a racionalidade científica que, segundo

Morin, “as leis da evolução e da história ilustram e consagram o aparecimento iminente da

ordem racional”, reflexo da ordem lógica do próprio universo, e que “está a fazer os seus

últimos rascunhos, tal como um artista antes da sua obra-prima” (MORIN, 1977, p. 38).

is less restrictive than the second one. It arises from the fact that we could not solve the equations of the theory exactly, except in very simple situations. (We cannot even solve exactly for the motion of three bodies in Newton’s theory of gravity, and the difficulty increases with the number of bodies and the complexity of the theory.) We already know the laws that govern the behavior of matter under all but the most extreme conditions. In particular, we know the basic laws that underlie all of chemistry and biology. Yet we have certainly not reduced these subjects to the status of solved problems: we have, as yet, had little success in predicting human behavior from mathematical equations! So even if we do find a complete set of basic laws, there will still be in the years ahead the intellectually challenging task of developing better approximation methods, so that we can make useful predictions of the probable outcomes in complicated and realistic situations. A complete, consistent, unified theory is only the first step: our goal is a complete understanding of the events around us, and of our own existence.” (HAWKING, 1998, p. 241)

17

3- A GEOGRAFIA

Milton Santos diz em seu Por uma Geografia Nova que “uma das razões

fundamentais pelas quais a geografia tem conhecido uma evolução tão lenta e tão

decepcionante (...) é imputável ao peso que as velhas ideias têm dentro desta disciplina”

(SANTOS, 2002, p. 110).

Soa no mínimo curioso falar do “peso de velhas ideias” em uma disciplina que se

diz jovem. Apesar de poder buscar referências em discursos de Estrabão (63 a.C.-24 d.C.) ou

Ptolomeu (90 d.C-168 d.C), dentre outros, seu processo de sistematização tem seus principais

pressupostos vindos da segunda metade do século XVIII, principalmente, mas não somente,

com Immanuel Kant (1724-1804), e acontecendo efetivamente somente a partir da segunda

metade do século XIX (MORAES, 2006, p. 14-20), uma vez que necessitou, para isso, do

atendimento de vários requisitos, como o conhecimento efetivo da extensão real do planeta, a

reunião de informações referentes a diferentes lugares, o aprimoramento das técnicas

cartográficas, além daquele amparo de certas formulações filosóficas e científicas, com Kant,

como dito, mas também com Herder (1744-1803), Haeckel (1834-1919), Adam Smith (1723-

1790), e Malthus (1766-1834), para citar alguns, conforme nos fala Moraes (1984). Os

principais autores tidos como fundadores da geografia enquanto disciplina sistematizada

tiveram suas mais importantes obras publicadas em meados do século XIX, como com

Alexander von Humboldt (1769-1859) e Carl Ritter (1779-1859), ou mesmo no final daquele

século e início do XX, como com Friedrich Ratzel (1844-1904) Paul Vidal de La Blache

(1845-1918).

Mas a jovialidade da geografia pode ser questionada. Ela não parece compor um

dado importante enquanto fonte de julgamentos mais profundos a respeito de seu

desenvolvimento “decepcionante”. As ciências sociais se formam contemporaneamente, ou

mesmo mais tarde que a geografia sistematizada. Tatham, citado por Moreira, fala da

“extraordinária” obra dos geógrafos do fim do século XVII que “aplainaram as barreiras do

pensamento tradicional, abrindo caminho para um progresso puro e sem obstáculos” que,

juntamente com o posterior método de pesquisa e o estilo literário dos Forster (J. H. Forster e

G. H. Forster) e a definição do ramo com Kant, estabeleceram os alicerces da sistematização

18

da geografia científica com Ritter e Humboldt (TATHAM, 1959, apud. MOREIRA, 2006, p.

20). O próprio termo geografia já está, de fato, na Γεωγραφικά, ou Gheograficá, em

transliteração, título da famosa obra de Estrabão em 17 volumes que data de final do século I

a.C. E mais, de qualquer forma, a maioria das sistematizações disciplinares na ciência tem o

mesmo estímulo epistemológico e filosófico de fundo, com Kant, Descartes e Comte (1789-

1857), principalmente, e são assim, nesse quesito, se não completamente, então quase

contemporâneas.

Esqueçamos então a alegada jovialidade da geografia e foquemos somente no

desenvolvimento e relevância da geografia dentro da produção geral de conhecimento.

Seríamos daí “tentados a pensar em involução”, como coloca Santos? E ele continua: “O

apego às velhas ideias parece uma enfermidade incurável. Os geógrafos são conhecidos pelo

seu vezo de apegar-se a um problema ou a um tema, e guarda-lo durante anos e decênios”.

(SANTOS, 2002, p. 110)

Dito isso, pergunto: Como se pôde trabalhar com os mesmos problemas e temas

“durante anos e decênios” e se pensar em involução? Dedica-se tal tempo às mesmas questões

somente na busca de sua resolução, de seu desenvolvimento, já que uma disciplina científica

não é dogma, para ser transmitida indefinidamente inviolada, nem somente mera tradição

erudita, para correr o risco de simplesmente se desgastar com o tempo, e nada mais. E então,

será que nessa fração da realidade a que os geógrafos se dedicaram não se pôde encontrar os

“objetos mais simples e de mais fácil entendimento” conforme o receituário cartesiano? E

quanto às leis objetivamente universais, que rearranjariam esses objetos disjuntos para formar

a realidade tal como ela é ou como virá a ser? Frente talvez ao insucesso ao se dedicar a

certos problemas e temas por tanto tempo, não seria conveniente mudar de foco, ou procurar

outra maneira de proceder? E se a geografia chegou a elaborar outro método, diferente do

método científico tradicional, como muitas vezes se sugeriu, quais foram afinal seus frutos?

A cada nova corrente, a cada nova formulação teórica ou estudo de caso, os

geógrafos obviamente não se diriam dando voltas infrutíferas. Muito menos se diriam

andando pra trás. Esse problema é especialmente óbvio nesses momentos de inflexão, que

começam normalmente com uma crítica da situação geral que se pretende superar, mas

acabam sendo por fim integradas nas críticas do próximo movimento, ou contra movimento,

ao mesmo tempo ou quando olhadas em retrospecto. E é exatamente nesse momento que

podemos contextualizar as palavras de Santos (2002). Mas estes reiterados movimentos de

inflexão e crítica, que poderia exatamente representar um repetido e intenso processo de

19

superação e, portanto, de evolução, parecem compor o próprio mal-estar de se estar sempre

em crise, de nunca ter encontrado o caminho ou o passo com o qual se deve seguir.

Santos cita S. H. Franklin, que em 1973 “parece ter escrito com letras de fogo”

(SANTOS, 2002, p. 117) ao dizer “estar sempre temeroso de que a próxima história da

geografia seja constituída por um obituário”, e que “repetidamente os geógrafos evitam, e

algumas vezes matam, os temas essenciais.”

Essa referência nossa a um texto de 40 anos atrás poderia ser contestada como

ultrapassada, mas é admirável que o que se segue nos soe extremamente atual:

... não é surpreendente, mas é desconcertante que nenhum dos livros recentes sobre a crise no meio ambiente tenha sido escrito por um geógrafo. Não é surpreendente, mas é mais uma vez desconcertante que em matéria de desenvolvimento regional sejam os economistas e não os geógrafos que dominam a literatura (S. H. Franklin, 1973, apud. SANTOS, 2002, p. 117).

Mas quais seriam esses temas essenciais de que fala Franklin? Milton Santos

escreve que muito esforço e talento foram desperdiçados na busca de soluções imediatistas e

particulares para problemas considerados imediatos e específicos, que “a busca de uma

identidade ou de uma legitimação realmente científica deixou de ser uma preocupação

permanente para ser um estorvo”, e que “o debate de fundo foi substituído pela discussão das

questões de forma e uma infatigável querela de vocabulário substituiu a procura dos

mecanismos fundamentais” (SANTOS, 2002, p. 119).

Mesmo que essas críticas de Santos venham aí exatamente para abrir caminho à

sua própria proposta de concepção de espaço e de uma geografia nova, no contexto de crise

da geografia de compêndios regionais descritivos da primeira metade do século XX e da

fundamentada aversão de Santos às fórmulas e modelos da geografia teorético-quantitativa do

terceiro quartel desse século, elas são certamente valorosas na nossa perspectiva central de

uma crítica geral das estruturas do conhecimento científico, através da complexidade, na

geografia. Isso porque o que se nos sugere é que esses “temas essenciais” descem fundo,

exatamente, até aquilo que poderia ser chamado de epistemologia da geografia: a concepção

do papel da geografia na produção de um conhecimento válido e de valor, e como, através de

que meios, se poderia chegar efetivamente a isso.

Não seria o caso de uma inadequação de base entre as pretensões geográficas e

aquela epistemologia vigente, hegemônica, com um receituário metodológico disjuntivo,

simplificador? Marcos Bernardino de Carvalho (2005) nos indica isso como sendo inerente à

20

geografia, ao dizer que ela “resulta, em certo sentido, de uma recusa a adotar os caminhos que

os diversos reducionismos buscam lhe impor”.

Desde as primeiras buscas de sua identidade científica, a geografia pretendeu ser

uma ciência de síntese (SANTOS, 2002, p. 125). Ela deveria interpretar os fenômenos que

ocorrem sobre a superfície terrestre com a ajuda de um instrumental vindo tanto das

disciplinas naturais e exatas quanto das disciplinas sociais e humanas. Mas já em Kant, onde

já se prescreve a vocação sintética da geografia, fica latente uma dupla zona de conflito: De

um lado, tempo e espaço, juízos sintéticos10 e a priori11, estariam a cargo, cada um,

respectivamente, da história _ narrando os fenômenos que formam o mundo “na ordem da

sucessão em que se movem [as] coisas no passado, presente e futuro” _ e da geografia _

descrevendo os fenômenos “na ordem da distribuição das coisas na extensão que nos cerca” _

sendo o tempo da ordem da nossa internalidade, portanto subjetivo, e o espaço da ordem da

nossa externalidade, portanto objetivo (MOREIRA, 2006, p. 18-19). Somado a isso, segundo

Moraes, em meio às disciplinas empíricas, em meio àquelas de síntese, haveria uma separação

entre a antropologia, enquanto síntese dos conhecimentos relativos ao homem, e a geografia,

enquanto síntese dos conhecimentos sobre a natureza (MORAES, 1984, p. 14). Então a

geografia deveria achar seu lugar, de certa forma, excluindo não só o tempo, mas também o

homem.

Foi essa última distinção, entre antropologia e geografia, homem e natureza, o

tom central da querela disciplinar entre a Antropogeografia de Ratzel e a constituição das

ciências sociais, principalmente com Durkheim (1858-1917) (CARVALHO, apud SILVA &

GALENO, 2004, p. 89). Essa disputa foi apaziguada com La Blache _ que fez da geografia de

fato humana, mas não social, e antes regional e descritiva, enquanto estudo da paisagem,

principalmente (MORAES, 1984, p. 72) _ e exortada nesse favor com Lucien Febvre (1878-

1956):

Há uma ciência que pretende constituir-se para responder à seguinte pergunta: "quais são as influências que exerce o meio geográfico sobre as diversas manifestações das sociedades humanas?" Mas esse problema é imenso. Decompõe-se em uma multidão de questões secundárias que são, todas elas, do domínio de ciências claramente distintas. Como, pois, um único homem,

10 Juízos sintéticos são aqueles onde, segundo Kant, o predicado acrescenta qualificações ao sujeito, contrariamente aos juízos analíticos, que somente dizem do sujeito aquilo que já lhe é próprio (MOREIRA, 2006, p. 18). 11 Juízos a priori são, em Kant, dados da razão, e não da sensibilidade, que seriam, estes, a posteriori, como é o caso de todos os outros juízos sintéticos. (MOREIRA, 2006, p. 18).

21

incompetente em cada uma destas ciências se tornaria, com o nome de geógrafo, competente em todas elas? (FEBVRE, apud CARVALHO, apud SILVA & GALENO, 2004, p. 94)

Ao que continua:

A geografia assim concebida não é mais que uma rapina audaciosa dos domínios reservados aos economistas e aos sociólogos: não há nenhuma de suas conclusões que não pertença ao domínio de alguma disciplina sociológica especial. Desvanece-se, deve se desvanecer como ciência distinta. Não pode reclamar logicamente para si mais que uma espécie de existência "apendicular", se cabe aqui tal palavra. Só o sociólogo (sociólogo, gênero; demógrafo, etólogo, etc., espécies) tem o direito de tratar, em realidade, com método e cautela, das questões que até o presente os geógrafos reivindicaram temerariamente para si. (FEBVRE, apud CARVALHO, apud SILVA & GALENO, 2004, p. 94-95)

Essa querela se insere naquela fase, segundo Ruy Moreira, de fim da influência

idealista alemã e de emergência do positivismo12, “inaugurando, em todos os campos

científicos, uma fase de extrema fragmentação do conhecimento” (MOREIRA, 2006, p. 24),

com a “pulverização e especialização dos saberes (...) refletindo o advento do naturalismo

mecanicista da filosofia positivista como novo princípio epistêmico da ciência” (p. 27).

A consequência desse novo paradigma geral do conhecimento, na geografia, foi

sua própria pulverização interna ou, quando muito, possivelmente com influências de um

contramovimento de crítica através de um neokantismo (MOREIRA, 2006, p. 28), a

aglutinação dessas diversas geografias sistemáticas ou setoriais ao redor de grandes agregados

com a geografia física, a geografia humana e a geografia regional. Com o desaparecimento

dos conceitos e fundamentos que constituíam a geografia até então, desarmada do “caráter

espacial da geografia estabelecido desde Kant” e do “método comparativo formulado por

Ritter” e, completo, com base no próprio Moreira, certamente sem a visão de conjunto

interrelacional das esferas inorgânica e orgânica de Humboldt, tornou-se então, segundo

Moreira, citando Tatham, “impossível realizar um sistema geográfico coerente” (MOREIRA,

2006, p. 26).

12 O Positivismo é entendido aqui por nós, com base em Moreira (2006), Moraes (1984), além de Morin (1977) como o desdobramento, principalmente através de Auguste Comte (1798-1857), da própria metodologia científica cartesiana, portanto disjuntora, redutora e simplificadora. Mas há aí então um destaque de sua faceta física e empirista aplicável também aos fenômenos humanos, inclusive como preceito ético. O conhecimento, necessariamente fragmentado entre as disciplinas deve reduzir-se, antes de qualquer coisa, a seu conteúdo físico e matemático, sendo, a partir dessas disciplinas de base, a matemática e a física, estruturado e guiado, até o topo da pirâmide disciplinar, onde, por sua maior complexidade, se encontra a sociologia, ou “física social”, condicionado tudo a um naturalismo mecanicista e organicista.

22

Assim, a inconsistência de base entre as pretensões originais da geografia e todo o

estatuto de cientificidade que vai se consolidando ao longo do século XIX e XX,

principalmente quando olhado sob o prisma das especializações disciplinares, parece então

clara. A geografia procurava antes sintetizar, enquanto o que passou a ser preconizado cada

vez mais como científico foi, antes, a análise. Interessava-se ela por objetos em nada

objetivos, com a superfície terrestre, as paisagens, a diferenciação de áreas, relações entre

homem e meio, o espaço, para citar algumas propostas tradicionais (MORAES, 1984),

enquanto a objetividade na ciência clássica, como já dito, fundou-se na independência do

objeto em relação ao observador humano e ao meio natural, na sua autossuficiência, distinção,

isolamento e fechamento. Enquanto o que está em voga é a busca pelas unidades simples e a

divisão do trabalho científico em tantas frentes quantos objetos distintos de interesse,

inclusive deixando a sociedade e o homem a cargo, por direito, das ciências sociais, a

geografia pretendia reunir o que se separava, fazendo isso através de conceitos e temas que

tendiam a ligar, relativizar, contextualizar, complexificar e muitas vezes, assim, a afrontar.

Por fim, poderia “um espírito irônico dizer que, nos dias de hoje, há muitas

geografias mas nenhuma geografia”, conforme escreve Santos (2002, p. 119, grifo meu). E é

ele mesmo quem completa na mesma passagem, com sua crítica aguda, dizendo que a

geografia é um puzzle informe e incoerente, destituído de um mínimo de teoria geral, a se

armar conforme interesses de grupos13.

De um lado a geografia sofre aí “pressões simplificadoras que atuam no sentido

da superação das contradições e incertezas, ou na eliminação das dicotomias e ambiguidades,

investindo obsessivamente na precisão dos objetos, no fraco envolvimento dos sujeitos e na

filiação especializada” (CARVALHO, 2005, p. 156). Mas ao mesmo tempo, por outro lado,

as outras ciências chegaram a ser chamadas de “ciências auxiliares” e a se pensar o geógrafo

como “chefe da orquestra”, como coloca Milton Santos ao ironizar a “mania de grandeza” da

geografia. É uma “pretensão insuportável”, continua Santos, tanto “porque a geografia jamais

desenvolveu o instrumental necessário para realizar a necessária síntese”, mas também porque

esse papel de ciência de síntese não poderia ser reservado exclusivamente à geografia, já que

“todas as ciências são de síntese ou simplesmente não são ciências” (SANTOS, 2002, p. 125-

126).

13 Milton Santos escreve isso no final da década de 1980, na crítica, como dito, da geografia de compêndios regionais descritivos que tinha se firmado como produção geográfica preponderante na primeira metade do século XX, e da geografia teorético-quantitativa, principalmente.

23

Mas somos obrigados a acrescentar, sob a perspectiva da epistemologia clássica

então hegemônica: Todas as ciências são de síntese especializada, dentro da objetividade e da

parcela da realidade que lhes cabe, e após a análise disjuntiva e simplificadora com que são

guiadas.

Mas e a Antropogeografia de Ratzel? Os gêneros de vida de La Blache? E a

“geografia da civilização” desses dois? O resgate de Ritter em Hettner e Reclus? A virada

metodológica de Hartshorne com sua Geografia Idiográfica e Nomotética? A teoria dos anéis

agrários de Von Thünen ou a teoria da centralidade de Christaller? Olhada em retrospecto, a

geografia parece um grande mosaico de revisões e releituras pontuais, destituídas de grande

continuidade, e, como Santos (2002) parece defender, destituída de qualquer sinal mais ou

menos evidente de real evolução, no sentido de agregar, refinar, fazer avançar. Ao menos não

naquilo que é definido como realmente científico.

Até a década de 1970, o contexto de ciência, de produção do conhecimento, com

o qual a geografia prioritariamente tem que lidar, repito, é esse de análise, disjunção,

simplificação e redução, de uma ciência linear e objetivamente fragmentada em diversas

frentes especializadas, não comunicantes entre si ou, no máximo, de comunicação parca e

inevitavelmente parcial em favor de alguma escola, linha, perspectiva ou categoria da

realidade em detrimento das outras (MORIN, 1977; CAVALHO, 1999).

Essa ótica de pensamento, que vê o descompasso entre a essência da geografia e

da ciência num nível epistemológico ao longo do século XX, lança luz sobre esse diagnóstico,

mais uma vez nas palavras de Santos, de que “desde a fundação do que historicamente se

chama geografia científica (...) jamais nos foi possível construir um conjunto de proposições

baseadas num sistema comum e entrelaçado por uma lógica interna”. (SANTOS, 2002, p. 18)

A unidade relativa da geografia até os anos 1970 era garantida tanto pela filiação

positivista quanto por uma série de princípios tidos como inquestionáveis, como coloca

Moraes (1984, p. 21). Ele se refere aqui, em sua geografia crítica, como Santos,

principalmente à geografia regional descritiva e à teorético-quantitativa. Daí, entre esses

princípios: o da unidade terrestre; da individualidade dos lugares; da atividade ou do

constante dinamismo da natureza; da conexão ou da inter-relação de todos os elementos e

lugares da superfície terrestre; da comparação, onde a individualidade só pode ser apreendida

através da contraposição individualidades; e os princípios da localização e da extensão, onde

24

qualquer fenômeno pode ter sua manifestação e abrangência localizáveis e delimitáveis

(MORAES, 1984, p. 25) 14.

Segundo Moraes é o “nível bastante elevado de generalidade e vaguidade” destes

princípios que deu espaço aos dualismos, a “propostas díspares e mesmo antagônicas” que

perpassam todo o pensamento geográfico tradicional, com as geografias física/humana,

geral/regional, sintética/tópica, unitária/especializada (MORAES, 1984, p. 26).

E o processo de renovação da geografia, principalmente a partir dos anos 1970,

com a crise da geografia tradicional, lançando mão de uma visão não tão estanque da divisão

das ciências, não colocando barreiras tão rígidas entre as disciplinas e, assim, não possuindo

uma necessidade tão premente de formulação formal de objeto, acabou por acrescentar outra

ordem de problemas: a da falta de unidade ou, ao menos, a generalização dessa falta. E assim,

“buscando sua legitimidade na operacionalidade (para o planejamento) ou na relevância social

de seus estudos” a Geografia Renovada pareceu se diluir num grande mosaico de novos

diversos caminhos, linguagens e propostas (MORAES, 1984, p. 19-20).

E então, depois dos dualismos que impregnam a geografia tradicional, uma

miríade de geografias vem à luz a partir da década de 1970, tomando emprestado não só

vários métodos originados ou efetivamente utilizados em outras disciplinas (prática essa já

relativamente costumeira), mas também várias novas ou nem tão novas linhas de pensamento

filosóficas/epistemológicas que então foram surgindo ou ganhando espaço. Moraes (1984)

divide essas novas geografias entre “pragmáticas” e “críticas”, mas não somente para

diferenciar a profundidade da crítica à geografia tradicional, mas principalmente para dizer se

essa geografia vai ou não à base social na produção do seu conhecimento (base social essa

sempre oculta ou dissimulada, para os críticos, naquelas concepções que não a incorporam).

Esse aspecto é fundamental para Moraes.

Mas o que queremos destacar aqui é que a crise da ciência cartesiana, clássica, ou

a crise do positivismo, que engendra propostas metodológicas e epistemológicas alternativas,

em diversas frentes, mais ou menos pontuais em disciplinas distintas, parece se reproduzir em

todo seu volume e de uma só vez dentro da geografia. Se se podia dizer da geografia

naturalista, ou positivista, empírica e de síntese, agora ela pode ser também estruturalista,

existencialista, construcionista, fenomenológica, analítica, histórico materialista, marxista,

neopositivista, sistêmica, desconstrucionista, complexa, além de matemática, estatística,

14 Voltarei a esses princípios mais tarde, ao falar da “complexidade epistemológica da geografia”.

25

computacional, ou, como esta é rotulada, teorético-quantitativa, já que se vale também das

mais novas tecnologias e técnicas de aproximação, aferição e processamento de dados

geográficos (ver MORAES, 1984, e MOREIRA, 2006, p. 39).

Mas, de modo geral, a crise do pensamento geográfico e esse processo de

renovação se desenvolveram principalmente, segundo Moraes, a partir de dois pontos tidos

como críticos na geografia tradicional: a indefinição do objeto de análise e a incapacidade de

se chegar a efetivas explicações genéricas. Segundo ele “as únicas generalizações

empreendidas se fizeram à custa de simplismo e do mecanicismo determinista, ou com a

perda da unidade do estudo geográfico” com estudos tópicos15, e “a Geografia unitária, que

buscava apreender um conjunto de fenômenos em síntese, sempre permaneceu nos estudos de

singularidades” (MORAES, 1984, p. 97).

A pluralidade de propostas a partir dessa crise dos anos 1970 torna a questão “o

que a geografia estuda?” ainda mais irrespondível, e faz de qualquer pretensão de unidade ou

de “efetivas explicações genéricas” um sonho, quando não pueril, então ultrapassado. Não há

qualquer base comum de pensamento, e assim, vista de fora, um ecletismo generalizado

parece dominar a literatura mais recente.

Daí, o quebra-cabeça informe e incoerente “a armar conforme o interesse do

freguês” que é então a geografia, como alegado em fins da década de 1980 por Santos (2002,

p. 119), parece ter sobrevida, com uma freguesia mais e mais diversificada (e talvez confusa),

e parece constituir, de certa forma, não respostas à crise, mas a própria crise em andamento.

Afinal, mais que em qualquer outro momento de sua história, valendo-se genericamente desse

momento de indefinição, desestruturação (na crítica aguda às suas já relativamente frágeis

bases) e abertura, a geografia parece tratar e versar, sem rigor ou profundidade, sobre toda e

qualquer coisa, através dos mais variados caminhos.

E com a complexidade epistemológica, principalmente com Morin, isso se tornar

especialmente grave. Basta uma leitura rápida do sumário de “ensaios transdisciplinares” em

livros como Geografia: ciência do complexus (2004) para se ter uma ideia: desde “a ideia de

conexidade em Vidal de La Blache” até “o espaço urbano e a arquitetura em Matrix”, sim, o

filme, e passando por outros como “geopoéticas artaudianas”, que fala sobre “cartografia do

delírio” ou “espaços oníricos”, dentre outra coisas, numa “geografia interior” de Antonin

Artaud, poeta e dramaturgo francês da primeira metade do século XX, ou “diálogo com a

15 Como com a Geografia Nomotética de Richard Hartshorne.

26

escrita sobre o sertão”, que rebobina esse tema 500 anos, para divagar sobre como ele

aparece em alguns textos desde Pero Vaz de Caminha. Isso nos sugere que há na geografia, ao

menos na literatura brasileira, uma pseudo-conceitualização de complexidade epistemológica

como uma epistemologia de vale-tudo discursivo.

Não farei um apanhado das tendências mais atuais da geografia a fim de justificar

o enfoque desse presente trabalho16. Mas aqui se buscará, ao menos indiretamente, uma

espécie de crítica àquela utilização indiscriminada do termo complexidade enquanto amparo a

um ecletismo sem critério.

E destaco por fim uma contradição bastante antiga e inercial: mesmo buscando

quase sempre um certificado de cientificidade, se colocando, sem pestanejar, como uma

disciplina científica dentre as outras, mesmo tendo durante tanto tempo as ciências naturais

como sua referência básica enquanto uma ciência pura e bem sucedida, receituário do próprio

positivismo tão marcante em seu meio (MORAES, 1984; MOREIRA, 2006), a geografia

permaneceu amplamente ignorante de várias novas questões e novos desdobramentos

profundos que se imiscuíam não só pelas margens, mas também pelo centro daquela produção

da ciência em sua aparentemente mais bem acabada versão, com a física, a astronomia e a

microfísica. E o que nos surpreende, e o que motiva mesmo esse presente trabalho, é a

percepção de que muitas das repercussões dessas novas questões colocam em revisão, há

tempos, conceitos e ideias de ordem epistemológica que eram mesmo aquelas com que a

geografia _ contra as quais, ou em favor das quais _ ineficazmente digladiava.

16 Com exceção da proposta de Doreen Massey em seu Pelo Espaço, de 2005, que analisarei no item “complexidade epistemológica e geografia”.

27

4- COMPLICADORES:

Muitos prêmios Nobel, distribuído anualmente desde 1901, foram agraciados

àqueles que mostraram que o universo não é tão simples como se pensava.

Em boa medida, a ciência se complicou, tanto por causa da quantidade e variedade

de novas teorias, quanto pela velocidade em que as teorias são modificadas para dar conta de

novas observações (HAWKING, 1998, p. 264).

Mas além de se tornar ininteligível ao não especialista, a ciência conheceu no

século XX, mesmo que parcialmente ou bastante superficialmente, o questionamento de suas

próprias bases epistemológicas e metodológicas através dos avanços e desdobramentos dela

própria. As consequências dessas “crises” foram variadas, muitas vezes nem sendo encaradas

de fato como críticas.

E mais, esse movimento interno da ciência deve ser pensado lado a lado com os

movimentos da conjuntura socioeconômica global: paralelamente a todos esses complicadores

não podemos deixar de lembrar que, tanto influenciadas quanto influenciando suas trajetórias,

está a fase de aceleração sem precedentes de uma forma de globalização jamais imaginada, de

transporte e comunicação, economias e políticas de alcance e envergadura cada vez maiores e

entrelaçados.

Aqui analisaremos duas repercussões, uma mais e outra menos radical, mesmo

que sob bases semelhantes, desse movimento duplo: a complexidade epistemológica, geral ou

generalizada, com as obras principalmente, para nós17, de Edgar Morin, e a complexidade

científica ou restrita18, centrada, aqui, nos estudos e publicações do Santa Fe Institute.

17 Edgar Morin sofre talvez de uma regionalização de sua influência: Ele nós parece muito mais conhecido e, principalmente, reconhecido no Brasil que nos países de língua inglesa. A título de inferência indireta, vemos que é um caso aparentemente raro de um escritor internacional cujo artigo em português no Wikipedia é mais detalhado que o em inglês, espanhol ou alemão, apesar de ser, nesse em português, também não muito completo e, contudo, evidentemente, bastante aquém do artigo em francês. 18 Morin diferencia em seu texto de 2005 entre “complexité générale” ou “généralisée”, e “complexité restreinte”. Aqui, no presente trabalho, preferi chamá-las de complexidade epistemológica e complexidade científica, respectivamente.

28

Ambos absorveram de maneiras distintas as novas questões que se colocam à

ciência, e apontaram assim para caminhos diversos. E se, por seu lado, a complexidade

epistemológica abarca a científica, esta não considera aquela.

Trataremos dessas duas frentes, e veremos como elas se aproximam, perpassam

ou mesmo ultrapassam problemas, temas e ideias tidos, pelos geógrafos, como eminentemente

geográficos. E se se admite que muitos dos problemas da geografia tiveram origem mesmo na

inadequação histórica entre as pretensões dessa disciplina e a própria cientificidade vigente,

como advogo, com base em Morin (1977) ao lado da leitura de Santos (2002), Moraes (1984),

Carvalho (2004) e outros, o interesse do estudo dessas complexidades para a geografia é ainda

mais relevante na medida em que elas vem, em maior ou menor grau, como resposta

exatamente aos problemas de redução, simplificação, definição precisa de objeto de estudo,

dualismos internos e divisão e distanciamento das ciências, previsibilidade e quantificação

envolvendo fenômenos sensíveis e imbricados _ problemas esses que, pelo que se percebe,

assolaram a geografia ao longo da sua história.

4.1- MATEMÁTICA IMPERFEITA

Dos vinte e três problemas que David Hilbert colocou no Congresso Internacional

de Matemática de 1900, dentre os então mais importantes problemas ainda sem solução na

matemática, dois acabaram se mostrando, de fato, contra as apostas do próprio Hilbert e de

inúmeros matemáticos e filósofos de seu tempo, problemáticos. Não eram somente problemas

de matemática, mas problemas sobre a matemática em si, possíveis de serem provados

valendo-se dela mesma. Em termos gerais o que estava em questão era: a) se a matemática é

completa, ou seja, se todo enunciado pode ser provado ou refutado dado um conjunto de

axiomas, b) se a matemática é consistente, ou seja, se somente enunciados verdadeiros podem

ser provados verdadeiros, e não os falsos e c) se todo enunciado em matemática é

“decidível”19, que quer dizer se há um procedimento definido aplicável a cada enunciado que

diz em tempo finito se esse enunciado é verdadeiro ou falso. (ver MITCHELL, 2009, p. 58)

Em 1930 Kurt Gödel (1906-1978) apresentou o seu teorema da incompletude,

provando que se a resposta à segunda questão acima é “sim”, então a primeira tem de ser

19 “Decidable” no original inglês em Mitchell.

29

“não” _ se a matemática é consistente, ela necessariamente é incompleta. E mais, Alan Turing

(1912-1958), tendo primeiramente definido rigorosamente a noção de “procedimento

definido”, demonstrou o que poucos esperavam: há sim limites para o que pode ser

computado. Ou seja, ele provou que a resposta à questão da decidibilidade é também

negativa. Juntos, os “resultados de Gödel e Turing cancelaram as esperanças de uma

matemática e computação de possibilidades ilimitadas”. Contudo, vale destacar que com sua

resposta negativa Turing forneceu as bases para o desenvolvimento dos computadores

eletrônicos programáveis (MITCHELL, 2009, p. 59-68).

Apesar disso, as repercussões epistemológicas dessas constatações não foram

muito bem exploradas, talvez obliteradas pelo próprio sucesso sem precedentes dos

computadores modernos. De qualquer forma, Morin fala da “brecha última e irreparável que o

teorema de Gödel abre na lógica do conhecimento” (MORIN, 1977, p. 196).

4.2- INDOMÁVEL MASSA SUBATÔMICA

O átomo, desvirtuando o próprio nome com que fora batizado, há muito já se

mostrou divisível, composto por prótons, nêutrons e elétrons. Mas desceu-se mais fundo, e no

século XX chegou-se à partícula. E ela, longe louvar a objetividade durante séculos

preconizada (e justificada), antes de ser o constituinte primordial distinto, fechado e

autossuficiente da matéria, trouxe consigo uma “crise de ordem e uma crise de unidade” além

de, e sobretudo, uma “crise de identidade”, de modo que “foi a própria ideia de unidade

elementar que se tornou problemática” (MORIN, 1977, p. 95)

Além da identidade contraditória, hesitante entre onda e corpúsculo, a partícula

pode já nem ser o elemento primeiro, podendo ser concebida como um “sistema composto por

quarks”, um “‘campo’ de interações específicas” ou ser talvez somente uma etapa a mais de

um continuum não individualizável e não isolável (MORIN, 1977, p. 95)

De qualquer forma, e isso é visceral, não é possível mais isolar a partícula,

enquanto objeto observado, da observação.

30

4.3- PRINCÍPIO DA INCERTEZA E MECÂNICA QUÂNTICA

Essa interferência da observação no objeto enquanto partícula é enunciada pelo

princípio da incerteza de Heisenberg, formulado inicialmente em 1927 por Werner

Heisenberg (1901-1976), se colocando a partir daí como uma propriedade fundamental e

inescapável do mundo20.

Sua formulação original pode parecer por demais específica e técnica: Não é

possível, a um só tempo, saber a posição e a velocidade de uma partícula no espaço21. Mas as

implicações dessa limitação são profundas, assinalando, no mínimo, o fim do sonho de

Laplace de uma teoria científica completamente determinista, já que, conforme Hawking

(1998), “não se pode predizer eventos futuros com exatidão se não se pode nem ao menos

medir o presente estado do universo com precisão” 22.

A mecânica quântica, que incorpora o princípio de incerteza para trabalhar na

escala subatômica, introduz então um inevitável elemento de imprevisibilidade ou

aleatoriedade na ciência.

4.4- TEORIA DO CAOS E SISTEMAS CAÓTICOS

Mas a perfeita predição sofre ainda mais um golpe com as ideias de caos e de

sistemas caóticos. Elas se baseiam na chamada “dependência sensível a condições iniciais”23,

que diz que minúsculas incertezas de medição de posição e momentum iniciais em certos

sistemas podem resultar em enormes erros em predições de longo prazo dessas quantidades.

(MITCHELL 2009, p. 20)

20 “Heisenberg’s uncertainty principle is a fundamental, inescapable property of the world” (HAWKING, 1998, p.79). 21 “[…] Werner Heisenberg’s 1927 ‘uncertainty principle’ in quantum mechanics, which states that one cannot measure the exact values of the position and the momentum (mass times velocity) of a particle at the same time” (MITCHELL, 2009, p. 20). 22 “One certainly cannot predict future events exactly if one cannot even measure the present state of the universe precisely!” (HAWKING, 1998, p.79). 23 “Sensitive dependence on initial conditions” conforme Mitchell (2009, p. 28).

31

É interessante observar que o comportamento aparentemente aleatório de alguns

sistemas pode ser facilmente demonstrado em sua generalidade através de simples equações

matemáticas _ deterministas, portanto24. E é exatamente nesses casos que qualquer mínima

alteração nas variáveis iniciais trazem enorme alteração na evolução dos resultados dessa

equação.

Dito isso, pode-se afirmar que comportamentos aparentemente aleatórios podem

emergir de sistemas inteiramente deterministas, sem qualquer fonte externa de aleatoriedade

(MITCHELL, 2009, p. 39).

E mais: O comportamento de alguns sistemas simples, deterministas, é mesmo em

princípio impossível de se prever no longo prazo, devido a esta dependência sensível a

condições iniciais (MITCHELL, 2009, p. 39), ainda mais se levarmos também em

consideração, somado a isso, as implicações do princípio de incerteza de Heisenberg.

Entretanto, apesar da predição tornar-se impossível num nível detalhado, existem

alguns aspectos de nível geral de sistemas caóticos que são de fato previsíveis (MITCHELL,

2009, p. 39), resultados esses incorporados pela teoria dos sistemas dinâmicos _ de forma

comparável à utilização do princípio de incerteza pela mecânica quântica.

Para Morin essa noção de caos, que fala de uma aparente desordem e de

imprevisibilidade, ainda resguarda o determinismo, em princípio, mas diz que ele é

inoperável, já que não se pode conhecer exaustivamente as condições iniciais (MORIN, 2005,

p. 4).

4.5- SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA

Se o princípio de incerteza e a ideia física de caos dissolvem as pretensões de

previsibilidade absoluta, o futuro do universo, independente de qualquer previsão, se mostra

fadado a dissolver-se em desorganização, com os desdobramentos da segunda lei da

termodinâmica.

A primeira lei da termodinâmica, formulada em 1850 por Rudolf Clausius (1822-

1888), reconhece a indestrutibilidade da energia, com um poder polimorfo de transformação,

24 Para isso, ver tópico sobre Logistic map em Mitchell, 2009, p. 27.

32

oferecendo “ao universo físico uma garantia de autossuficiência e de eternidade para todos os

seus movimentos e trabalhos” (MORIN, 1977, p. 38).

Já a segunda lei, esboçada por Nicolas Carnot (1796-1832) em 1824 e formulada

por Clausius em 1850, não contradiz a primeira, já que não fala de perda, mas introduz a ideia

de degradação da energia. Ela anuncia, segundo Hawking (1998, p. 140), que “a entropia de

um sistema isolado sempre cresce”, e que “quando dois sistemas são unidos, a entropia do

sistema combinado é maior que a soma das entropias dos sistemas individuais”25, sendo a

entropia, nas palavras de Morin, a “diminuição irreversível da aptidão [da energia] para

transformar-se e para efetuar um trabalho, própria do calor” (MORIN. 1977, p. 39).

Ou seja, toda transformação realizada no interior de um sistema fechado, não

alimentado por energia exterior, promove uma degradação energética irreversível crescente

até um máximo, que é um estado homogêneo e de equilíbrio térmico, e assim sem qualquer

aptidão para o trabalho ou outra possibilidade de transformação (MORIN, 1977, p. 39).

E Morin destaca que esse princípio de degradação da energia transformou-se em

princípio da degradação da ordem com Boltzmann, Gibbs e Planck, uma vez que “a desordem

e a desorganização identificam-se com a maior probabilidade física no caso dum sistema

fechado” (MORIN, 1977, p. 40).

Mas o problema levantado pela segunda lei da termodinâmica permaneceu

anestesiado por muito tempo no meio científico, segundo Morin, sendo “minada logicamente

pelo demônio de Maxwell”, que de um ponto de observação privilegiado conseguiria

supostamente diminuir a entropia num sistema através da simples obtenção de informação e

acionamento de uma válvula, “controlada cientificamente pela teoria de Boltzmann”, que

trabalhava com os estados mais prováveis, e não com estados precisos e detalhados de um

sistema térmico, “e utilizada produtivamente” pelas máquinas térmicas, além de esbarrar na

“evidência contrária da evolução física, biológica e antropológica” (MORIN, 1977, p. 41).

25 “It states that the entropy of an isolated system always increases, and that when two systems are joined together, the entropy of the combined system is greater than the sum of the entropies of the individual systems.” (HAWKING, 1998, p. 140)

33

4.6- TEORIA DA RELATIVIDADE

Nada obliterada foi a reformulação sem precedentes em concepções ainda mais

fundamentais: As duas teorias da relatividade de Albert Einstein (1879-1955) promovem uma

reviravolta sem paralelo naquilo que parecia mais óbvio _ nossa concepção de espaço e

tempo.

A teoria especial da relatividade, ou relatividade restrita, de 1905, vem resolver

um conflito entre nossa intuição sobre movimento e as propriedades da luz, uma vez que essa

se mostra de velocidade invariável independente da velocidade do observador ou da fonte

emissora. Isso exigiu a substituição da tradicional visão de espaço e tempo como estruturas

rígidas e objetivas por uma nova concepção em que espaço e tempo dependem intimamente

do movimento relativo entre o observador e o observado26 _ o tempo se desacelera e o espaço

se alonga com o aumento da velocidade do objeto observado em relação ao observador. Os

mais precisos aparelhos de medição do mundo vêm comprovar essa teoria. E nada, nem

objetos materiais nem sinais ou influência de qualquer tipo, pode superar a velocidade da

luz27, que se confunde então com a velocidade da passagem do tempo. Deslocar-se no espaço

é deixar de se deslocar parcialmente nessa quarta dimensão temporal, o que faz do espaço e

do tempo termos intercambiáveis, através do movimento28.

Mas, por sua vez, essa concepção entra em conflito com a noção newtoniana de

gravidade, que se comunicaria instantaneamente entre os objetos no espaço. Esse conflito é

resolvido por Einstein com a Teoria Geral da Relatividade, publicada em 1915, onde a

gravidade, que se percebe ser indistinguível da noção de movimento acelerado, se deve, na

verdade, à curvatura do espaço-tempo na presença de matéria29.

26 “The constancy of the speed of light has resulted in a replacement of the traditional view of space and time as rigid and objective structures with a new conception in which they depend intimately on the relative motion between observer and observed.” (GREENE, 1999, p.75) 27 “A central feature of special relativity is the absolute speed barrier set by light. It is important to realize that this limit applies not only to material objects but also to signals and influences of any kind.” (GREENE, 1999, p.89) 28 “We now see that time slows down when an object moves relative to us because this diverts some of its motion through time into motion through space. The speed of an object through space is thus merely a reflection of how much of its motion through time is diverted.” (GREENE, 1999, p.79) 29 “Since he had already shown gravity and accelerated motion to be effectively indistinguishable, and since he now had shown that accelerated motion is associated with the warping of space and time, he made the following proposal for the innards of the “black box” of gravity—the mechanism by which gravity operates. Gravity, according to Einstein, is the warping of space and time.” (GREENE, 1999, p. 105)

34

Mas os efeitos da relatividade especial “apesar de centrais para o entendimento do

espaço, tempo e movimento” são extremamente pequenos e, portanto, desprezíveis dentro das

baixas velocidades cotidianas que vivenciamos no mundo (GREENE, 1999, p. 116). E o

aperfeiçoamento de cálculo com a teoria geral da relatividade em lugar da teoria da gravidade

de Newton é bastante sutil para a maioria dos cálculos astronômicos mais comuns30.

Mas aplicando equações matemáticas para descrever a evolução do espaço, tempo

e matéria para o universo como um todo a partir de sua teoria geral da relatividade, Einstein

chegou a uma conclusão surpreendente: o tamanho total do universo deveria estar mudando

com o tempo. Para corrigir isso ele acrescentou à suas fórmulas o que chamou de constante

cosmológica (GREENE, 1999, p. 124).

4.7- NOVA CONCEPÇÃO DE UNIVERSO

A constante cosmológica foi encarada pelo próprio Einstein, como ele a colocou

nas suas equações para conseguir um modelo estático do universo, como “o maior erro de sua

vida” (HAWKING, 1998, p. 204). Essa velha ideia do universo tal como o mais perfeito dos

relógios foi por fim substituída pela de um universo dinâmico, em expansão, que parece ter

tido um começo no passado e talvez conheça um fim no futuro31 naquilo que, segundo

Hawking, compõe uma das maiores revoluções intelectuais do século XX. Mas não foi a

teoria da relatividade a operar essa revolução de que falamos agora.

Em 1923, na sua tentativa de determinar a distância das inúmeras galáxias então

descobertas, Edwin Hubble (1889-1953) precisou utilizar métodos indiretos de medição,

diferentemente dos métodos que, para auferir a distância de estrelas próximas, se valem das

posições relativas dessas estrelas enquanto a Terra translada ao redor do Sol. Analisando

então características como brilho aparente, luminosidade e espectro da luz de estrelas mais

distantes, em outras galáxias, percebeu-se um deslizamento dos comprimentos de onda do

30 “The effects of special relativity, although central to a fundamental understanding of space, time, and motion, are extremely small in the slow-velocity world we typically inhabit. Similarly, the deviations between Einstein’s general relativity—a theory of gravity compatible with special relativity—and Newton’s theory of gravity are also extremely small in most common situations”. (GREENE, 1999, p. 116) 31 “The old idea of an essentially unchanging universe that could have existed, and could continue to exist, forever was replaced by the notion of a dynamic, expanding universe that seemed to have begun a finite time ago, and that might end at a finite time in the future”. (HAWKING, 1998, p.48)

35

espectro da luz por elas emitida em direção ao vermelho. Dizia respeito ao Efeito Doppler32,

correspondente a um movimento de afastamento daquelas galáxias. E mais, viu-se que

praticamente todas as galáxias estão se afastando, e quanto mais distantes, tanto mais rápido

(HAWKING, 1998, p. 57).

Morin fala da “revolução hubbleana”, onde a grande aquisição foi descobrir que a

extensão do universo corresponde a uma expansão, que é dispersão, que, por sua vez, é talvez

de origem explosiva (MORIN, 1977, p. 43), e que assim, longe da antiga astronomia de um

sistema solar em rotação precisa, máquina perpétua, o universo é na verdade “cascatas de

acontecimentos, acidente, rupturas, morfogêneses” (p. 84), uma “miríade de sistemas-sóis” (p.

96), que, para Morin, como veremos mais à frente, “necessita dum princípio complexo de

explicação” (p. 48).

A reviravolta de perspectiva imbuída nessa nova concepção é, ou deveria ser, tão

ou mais radical que a revolução copernicana com a mudança de uma visão geocêntrica para

uma heliocêntrica. Afinal, agora o universo é a um só tempo “poli-cêntrico, acentrado,

descentrado, disseminado, diasporizante” (MORIN, 1977, p. 82). Ou seja, não é só mais uma

crise de definição de um centro de referência, mas uma crise também de evolução, de

formação e de devir.

A física estuda então, na cosmologia, os possíveis aspectos de configuração inicial

que expliquem o estado atual do universo conforme observado, refaz os modelos que possui e

traça daí inferências do seu futuro, de dispersão absoluta ou recolapso, numa história única,

singular ou cíclica (ver HAWKING 1998). Mas, principalmente, para o conhecimento, uma

história novamente aberta, dinâmica e incerta.

4.8- A CIÊNCIA DIVIDIDA, NOVAS ÁREAS E PROPOSTAS INTERDISCIPLINARES

Reducionista, procurando objetos simples, separando o estudo da realidade entre

suas diversas disciplinas e especializações, a ciência conheceu um avanço sem igual no século

XX. Chegou ao quantum de energia, ao entendimento e ao uso do átomo, revolucionou mais

uma vez a visão de mundo com o vislumbre de um colossal número de galáxias em dinâmica

32 O Efeito Doppler diz respeito ao alargamento ou encurtamento dos comprimentos de ondas sonoras a depender do movimento relativo da fonte emissora, facilmente observável na variação audível do som emitido por um automóvel ao se aproximar ou afastar em alta velocidade de um observador.

36

a distâncias inimagináveis, interpretou sedimentos, fósseis, os seres vivos, o DNA. Na busca

de unidades manipuláveis e de efeitos auferíveis, conseguiu “manipular, de fato, todos os

sistemas através da manipulação dos seus elementos”. Porém “as estruturas destes saberes

estão dissociadas entre si” e o mundo, “fragmentado entre as disciplinas”, está “pulverizado

em informações”. (MORIN, 1977, p. 17)

Como já dissemos: a ciência como um todo se torna ininteligível ao não

especialista. Só ele pode esperar ter o devido conhecimento de uma pequena porção das

teorias científicas, e ainda deve dedicar todo seu tempo para isso se quiser acompanhar o

progresso em sua área (HAWKING, 1998, p. 264).

Hawking, ao refletir sobre as possibilidades de uma teoria unificada na ciência,

não deixa de considerar que “se todas as coisas no universo dependem de todas as outras de

uma forma fundamental, talvez seja impossível chegar perto de uma solução completa

investigando as partes do problema separadamente” 33.

Por seu lado, Mitchell (2009, prefácio, p.x) defende que muitos fenômenos

bloquearam o programa reducionista, muitos dos quais fenômenos acelerados ou

intensificados num mundo que se torna mais e mais interconectado, demandando um

entendimento interdisciplinar baseado em fundamentos científicos que, ao menos até a metade

do século XX, ainda não tinham sido inventados.

Além disso, uma consciência crescente do poder potencialmente destrutivo da

ciência e do progresso se reforça frente eventos como o de Hiroshima, a secagem do Mar de

Aral, o acidente de Chernobyl, por exemplo, além das incessantes guerras, como a do Vietnã,

do perigo de armas químicas e biológicas, e dos inúmeros desastres ambientais.

E então, ao longo do século XX, alimentados em diferentes graus por uma dose de

insatisfação ou estímulos vindos dos desdobramentos do próprio desenvolvimento das

disciplinas isoladas, muitas vezes em zonas de fronteira ou de vanguarda, diversas propostas

mais ou menos marginais de novos campos interdisciplinares ou reformulações mais

profundas vão surgindo, com diferentes enfoques e diferentes níveis de abordagem. É o caso

da ecologia, da cibernética, da teoria dos sistemas, da complexidade, dentre outros tantos.

33 “If everything in the universe depends on everything else in a fundamental way, it might be impossible to get close to a full solution by investigating parts of the problem in isolation. Nevertheless, it is certainly the way that we have made progress in the past.” (HAWKING, 1998, p. 24)

37

5- A COMPLEXIDADE CIENTÍFICA

Apesar dos problemas de definição e enquadramento do que de fato se entende

por complexo, o que abordamos neste trabalho como complexidade científica é aquilo que é

na literatura chamado de ciências da complexidade ou, mais especificamente, ciência dos

sistemas complexos, enquanto:

Um campo de pesquisa interdisciplinar que procura explicar como um grande número de entidades relativamente simples se organiza, sem a contribuição de qualquer controle central, em um todo coletivo que cria padrões, utiliza informação e, em alguns casos, evolui e aprende. (MITCHELL, 2009, p. 4)

Esse campo de pesquisa vem na esteira de outros campos que tentaram romper

tanto a barreira do reducionismo quanto a barreira disciplinar na explicação de fenômenos

sistêmicos aparentemente irredutíveis, como com a cibernética, a “sinergética” ou a teoria dos

sistemas, como destacado por Mitchell em seu prefácio. É um campo que se nutre também da

tecnologia de processamento de dados, se valendo de modelos elaborados, rodados e testados

computacionalmente, além de ideias vindas da genética, teoria evolucionista, teoria da

informação, teoria do caos, conhecimentos sobre autômatos celulares, ciência das redes,

dentre outras, amarradas com um refinado aparato matemático (ver MITCHELL, 2009).

A personificação institucional do estudo de sistemas complexos se encontra na

formação do Santa Fe Institute, no estado do Novo México nos Estados Unidos. Isto data de

1984, quando um grupo de cientistas e matemáticos forjaram os fundamentos de um novo

instituto destinado à pesquisa de “um grande número de sistemas altamente complexos e

interativos que podem ser devidamente estudados somente num ambiente interdisciplinar”. E

mais, objetivaram “promover uma unidade de conhecimento e o reconhecimento de

responsabilidade compartilhada que se colocará em forte contraste com a atual crescente

polarização das culturas intelectuais” 34 (MITCHELL, 2009, p.x)

34 “In 1984, a diverse interdisciplinary group of twenty-four prominent scientists and mathematicians met in the high desert of Santa Fe, New Mexico, to discuss these “emerging syntheses in science.” Their goal was to plot

38

Seu enfoque é bastante abrangente, porque com tal objeto de estudo essa

complexidade acaba por abarcar fenômenos como, por exemplo, o sistema imunológico, a

organização social de colônias de formigas, organização econômica, cidades, questões sobre a

evolução ou a organização da rede mundial de computadores, para citar algumas

aproximações.

Acredita-se que existam princípios gerais que perpassam todos esses sistemas

complexos. Mas, como dito, a definição de complexidade é extremamente difícil, e a

unificação desse campo, um sonho aparentemente distante. Mas Mitchell não se mostra

preocupada em relação à possibilidade ou aos frutos de generalizações e leis gerais. Ela pensa

que princípios comuns, e não necessariamente gerais, entre diferentes fenômenos ou sistemas,

podem fornecer novas ideias e conceitos que seriam bastante difíceis a se chegar estudando-os

separadamente, tomando isso parte num ciclo de retroalimentação da pesquisa em

complexidade, com a descoberta de princípios comuns ajudando no entendimento de

fenômenos específicos que, por sua vez, fornecem novos insights (MITCHELL, 2009, p.

294).

Sistema complexo, ou melhor, sistema adaptativo complexo, pode ser definido

como “um sistema em que uma grande rede de componentes com regras simples de operação

e sem controle central dá origem a um comportamento coletivo complexo, processamento

sofisticado de informação, e adaptação através de aprendizado e evolução”35 (MITCHELL,

2009, p. 12).

A grande maioria dos sistemas de interesse da complexidade são adaptativos, ou

seja, o papel da adaptação do sistema à mudanças é relevante. Além disso, são sistemas auto-

organizados, já que o seu comportamento organizado surge sem controle ou liderança interna

ou externa. E são necessariamente sistemas dinâmicos, ou seja, de comportamento mutável no

nível macroscópico, exibindo aí emergências não-triviais36, que segundo Mitchell se devem

ao fato de que regras simples no nível dos componentes, individualmente, produzem, no nível

out the founding of a new research institute that would “pursue research on a large number of highly complex and interactive systems which can be properly studied only in an interdisciplinary environment” and “promote a unity of knowledge and a recognition of shared responsibility that will stand in sharp contrast to the present growing polarization of intellectual cultures.” Thus the Santa Fe Institute was created as a center for the study of complex systems.” (MITCHELL, 2009, p.x) 35 “a system in which large networks of components with no central control and simple rules of operation give rise to complex collective behavior, sophisticated information processing, and adaptation via learning or evolution.” (MITCHELL, 2009, p. 12) 36 Nontrivial emergent behavior em Mitchell.

39

do conjunto, um comportamento complexo de difícil previsão (MITCHELL, 2009, p. 13 e

15).

Mas “essa complexidade é restrita aos sistemas que se julga complexos porque

esses se apresentam empiricamente em uma multiplicidade de processos inter-relacionados,

interdependentes e retroativamente associados” (MORIN, 2005, p. 4) 37. Na verdade, para

Morin, essa complexidade não é interroganda nem pensada epistemologicamente. Permanece-

se dentro da epistemologia da ciência clássica, apesar da rachadura: procura-se

prioritariamente leis, matematiza-se antes de tudo, como nos moldes mais tradicionais da

ciência clássica, e apesar de seu auto-proclamado anti-reducionismo, “em realidade evita-se o

problema fundamental da complexidade que é epistemológico, cognitivo, paradigmático”.

Reconhece-se aí, segundo Morin, a complexidade, mas descomplexificando-a38.

5.1- COMPLEXIDADE CIENTÍFICA E GEOGRAFIA

Existiria algum interesse da complexidade científica pela geografia? Pouco

provável, já que se está dentro dos padrões de cientificidade clássicos, e a capacidade de

quantificação e o caráter de previsibilidade é aqui ainda a maior medida de valor por meio das

teorias e fórmulas. A complexidade científica perpassa áreas como sociologia, ciências da

computação, biologia, genética, economia, epidemiologia, dentre várias outras, mas a

geografia não entra na ciência dos sistemas complexos senão como que subentendida num par

de temas. Há alguns estudos sobre dinâmica populacional, ou sobre questões sócio-

econômicas que poderiam interessar aos geógrafos, mas queremos aqui destacar somente uma

área atualmente aberta de pesquisa no Santa Fe Institute que é temática bastante cara à

geografia, apesar de apropriada há muito pelos urbanistas: as cidades.

37 “Seulement cette complexité est restreinte aux systèmes que l’on juge complexes parce qu’empiriquement ils se présentent dans une multiplicité de processus interrelationnés, interdépendants et rétroactivement associés. De fait, la complexité n’est jamais interrogée ni pensée épistémologiquement. ” (MORIN, 2005, p.4) 38 “Il s’est formé un hybride entre les principes de la science classique et les avancées vers son au-delà. En réalité, l’on évite le problème fondamental de la complexité qui est épistémologique, cognitif, paradigmatique. En quelque sorte, on reconnaît la complexité, mais en la décomplexifiant. De ce fait, on ouvre la brèche, puis on essaie de la colmater : le paradigme de la science classique demeure, seulement fissuré.” (MORIN, 2005, p.4)

40

“Cidades, escalares39 e sustentabilidade” é o nome dessa área de “pesquisa

interdisciplinar e de síntese quantitativa dos aspectos organizacionais e dinâmicos de

organizações sociais humanas, com ênfase nas cidades”. Segundo a descrição, na página do

site do Santa Fe Institute, o objetivo é a geração de uma compreensão integrada e quantitativa

das cidades. Procura-se, na reunião de diferentes perspectivas disciplinares, a

interdependência de indicadores urbanos com variáveis que caracterizam o sistema como um

todo, como com o tamanho populacional, através da análise de escalares. Um foco importante

é o “desenvolvimento de insights teóricos a fim de informar análises quantitativas de

sustentabilidade de longo-prazo da cidade em termos de inter-relação entre a configuração de

suas atividades econômicas e sociais e inovação, apropriação de recursos e consumo”. Outros

focos de interesse incluem “a identificação de padrões gerais de escalares em infraestrutura e

dinâmica urbana ao redor do mundo”, além da “quantificação das redes de distribuição de

recursos nas cidades e sua inter-relação com o tecido socioeconômico da cidade, questões de

aceleração temporal e densidade espacial, e dinâmicas de longo-prazo dos sistemas urbanos” 40.

Os possíveis resultados dessas pesquisas parecem claramente de interesse dos

geógrafos. Apesar da abordagem especialmente quantitativa, pretende-se juntar numa só

equação fenômenos urbanos que transpassam as disciplinas tradicionais, numa abordagem

sistêmica bastante refinada. Mas frente essa nova análise integrada da cidade, poderíamos

voltar às palavras de Franklin, de quarenta anos atrás, citado por Santos (SANTOS, 2002, p.

117) e aqui já transcritas, mas agora de forma reformulada: não é surpreendente, pelas

próprias pretensões quantitativas e de previsibilidade desses estudos, mas é de qualquer forma

desconcertante que, nas recentes áreas de estudo das cidades segundo uma aproximação

sistêmica complexa de diversas características e fenômenos urbanos interconectados, sejam os

39 Ou scaling em inglês, que se refere a variáveis abordáveis segundo a lei de potência da física, onde basicamente uma variável varia exponencialmente em relação à outra. 40 “SFI's Cities, Scaling, and Sustainability research effort is creating an interdisciplinary approach and quantitative synthesis of organizational and dynamical aspects of human social organizations, with an emphasis on cities. Different disciplinary perspectives are being integrated in terms of the search for similar dependences of urban indicators on population size - scaling analysis - and other variables that characterize the system as a whole. A particularly important focus of this research area is to develop theoretical insights about cities that can inform quantitative analyses of their long-term sustainability in terms of the interplay between innovation, resource appropriation, and consumption and the make up of their social and economic activity. This focus area brings together urban planners, economists, sociologists, social psychologists, anthropologists, and complex system theorists with the aim of generating an integrated and quantitative understanding of cities. Outstanding areas of research include the identification of general scaling patterns in urban infrastructure and dynamics around the world, the quantification of resource distribution networks in cities and their interplay with the city's socioeconomic fabric, issues of temporal acceleration and spatial density, and the long-term dynamics of urban systems.” (SANTA FE INSTITUTE, 2013)

41

economistas, sociólogos, psicólogos sociais, antropologistas, planejadores urbanos e os novos

teóricos dos sistemas complexos os chamados para dar sua contribuição, e nenhum geógrafo.

Esse nosso presente trabalho não pretende uma incursão mais aprofundada que

isso. O objetivo desses dois tópicos sobre complexidade científica, ou sobre os estudos de

sistemas complexos no Santa Fe Institute, é o de incitar a uma maior investigação do que aí,

de interessante à geografia, vem sendo feito, e contextualizar na atualidade a, ao que tudo

indica, persistente marginalidade da disciplina geográfica em meio às outras velhas e novas

disciplinas científicas e áreas do conhecimento. Essas outras ciências ainda se inseririam

dentro dos parâmetros básicos de validade do conhecimento da ciência clássica, mesmo em

casos como o das ciências da complexidade, que, repito, se advogam antirreducionistas, mas

sem uma abertura crítica de nível epistemológico, como defende Morin (2005, p. 4).

42

6- A COMPLEXIDADE EPISTEMOLÓGICA

Como já indicamos, uma das respostas àquilo que foi se colocando de maneira

mais ou menos crítica à ciência principalmente durante o século XX foi uma proposta de

reformulação das próprias estruturas do saber. Morin é, ao menos no Brasil, talvez o maior

expoente dessa tentativa de verdadeira revolução epistemológica e paradigmática.

Segundo ele, “todas as ciências mais avançadas chegaram a problemas filosóficos

fundamentais que achavam ter eliminado”, renovando-os. Por isso o conhecimento científico

“deve conter em si uma reflexão epistemológica de seus fundamentos, princípios e limites” 41.

O problema crucial, como visto por Morin, “é o do princípio organizador do

conhecimento”, de modo que o que é vital agora é “reorganizar o nosso sistema mental para

reaprender a aprender” (1977, p. 24): é preciso reformar profundamente toda nossa maneira

de conhecer e de pensar (2005, p. 21).

Morin advoga que nossa capacidade de conectar é subdesenvolvida,

contrariamente à nossa capacidade de separar, por força de uma resposta epistemológica

histórica que dita mesmo a forma como que somos educados. Essa deficiência se torna ainda

mais crítica num mundo globalizado, complexificado, já que o ato de saber é, ou deveria ser,

ao mesmo tempo separar e conectar, fazer análise e síntese (2005, p. 21).

Assim “as elucidações da ciência reducionista foram pagas com o obscurantismo”

(1977, p. 120). Mas Morin não aspira a um enciclopedismo banal (p. 22), o que seria insistir

no próprio problema, nem a uma totalidade prepotente, já que, segundo ele, a verdadeira

concepção de totalidade reconhece sua insuficiência (p. 124). O que ele pretende na verdade é

promover uma “mudança no mundo dos nossos conceitos, e pôr em questão os conceitos-

chave com que pensamos e aprisionamos o mundo” (p. 69), buscando um paradigma de

41 “Ainsi toutes les sciences les plus avancées arrivent aux problèmes philosophiques fondamentaux qu’elles croyaient avoir éliminés. Elles ne font pas que les retrouver, elles les renouvellent. (…) Enfin et surtout toute connaissance y compris scientifique doit comporter en elle-même une réflexion épistémologique sur ses fondements, ses principes et ses limites.” (MORIN, 2005, p. 14)

43

complexidade42. E a complexidade aqui é aquela mesmo de sua raiz latina, complexus, que é o

que está tecido, entrelaçado junto.

O princípio de redução em uma epistemologia clássica deve ser substituído por

um princípio que conceba a relação de implicação mútua do todo-partes, já que nem o

conhecimento das partes, nem o do todo enquanto todo, ignorando as partes, é suficiente. O

princípio de disjunção, de separação, que se estende não só aos objetos, mas também às

disciplinas e às noções e entre o sujeito e o objeto do conhecimento, como vimos, deve ser

substituído por um princípio que mantenha a distinção, mas que tente estabelecer a relação. E

o princípio do determinismo generalizado deve ser substituído por um princípio que conceba

a relação entre ordem, desordem e organização (MORIN, 2005, p. 6-7).

Não é difícil ver como tal proposta se insinua como uma saída epistemológica

radical (e perigosa) ao dilema de mais de um século de uma geografia sem lugar em meio às

outras disciplinas científicas.

Mas, de qualquer forma, Morin diz que a complexidade não deve ser pensada

como um método a ser aplicado automaticamente ao mundo e a qualquer coisa. Ele a coloca

na verdade como um conjunto de princípios auxiliando o espírito no ato de conhecer,

estimulando, com sua problemática, uma estratégia autônoma (2005, p. 24). Ou seja, uma

epistemologia complexa não pode ter as mesmas pretensões de previsibilidade e controle da

epistemologia clássica.

Vejamos mais de perto alguns dos principais estímulos, inquietações e

interpretações que levaram Morin às formulações de um paradigma complexo em lugar de um

de redução e simplificação. E é interessante observar como algumas dessas questões fazem

paralelo com os problemas levantados e enfrentados pela geografia desde fins do século XIX.

42 “Puisqu’un paradigme de simplification contrôle la science classique, en imposant un principe de réduction et un principe de disjonction à toute connaissance, il devrait y avoir un paradigme de complexité qui imposerait un principe de distinction et un principe de conjonction.” (MORIN, 2005, p.4)

44

6.1 – FONTES E BASES DA COMPLEXIDADE EPISTEMOLÓGICA

O esvaziamento do conceito de homem, dissociado entre os conceitos de

indivíduo, sociedade e espécie, pode ser colocado como o primeiro impulso a um princípio de

explicação complexo em Morin, já que essa dissociação desfaz, segundo ele, uma relação

permanente e simultânea. Mas tal articulação não deveria se limitar somente à esfera

antropossocial e biológica, mas abranger também a esfera física, donde a importância de uma

teoria da auto-organização. (MORIN, 1977, p. 14).

Para avançar na compreensão dessas esferas, pela sua articulação, sem colocar

nenhuma como base das outras, Morin propõe uma associação circular, num circuito física-

biologia-antropossociologia. Mas não é difícil ver aí já um triplo problema (MORIN, 1977, p.

16): Um problema enciclopédico, já que esse circuito invade todo o campo do conhecimento e

exige um saber impossível; um problema epistemológico, já que o que está em jogo é a

possibilidade de um princípio capaz de ligar novamente o separado e o isolado; e um

problema lógico, já que o próprio conhecimento faz parte do circuito como componente tanto

neurológico (biofísico) como antropossocial e depende assim de esferas que ele mesmo

concebe, num círculo vicioso.

Pois, ao menos os dois primeiros desses problemas, o enciclopédico e o

epistemológico, se colocaram diretamente também à geografia desde o começo de sua

formalização. O problema enciclopédico é bem reconhecido, diagnosticado mesmo pelas

inúmeras subdivisões internas à que a geografia recorreu, quase sempre paralelamente na

fronteira com as outras disciplinas. O problema epistemológico se revela na geografia através

da formulação de propostas metodológicas diversas ao longo da sua história, chegando-se

mesmo a se defender que uma disciplina se constitui por seu método particular, e não mais

por seu objeto de estudo, com Richard Hartshorne (MORAES, 1984, p. 87). Mas antes,

diferentemente, em fins do século XIX e início do XX, a ciência disjuntora estava se

constituindo, e as pretensões geográficas eram encaradas, muitas vezes, como vimos, como

enfermidades de uma “ciência jovem” e descomedida.

Entendo aqui que as propostas da complexidade a essas questões hoje são

propostas que interessam à geografia, tendo esta encontrado ou não alternativas ao longo de

sua história para o desenvolvimento pleno de suas potencialidades na construção de

45

conhecimento, na interpretação da realidade terrestre e como guia para ação e intervenção

realmente conscientes: as propostas da complexidade epistemológica se referem a um corpo

tão basilar de ideias que podem abarcar e mesmo dar terreno fértil àquelas da geografia de

outrora e de agora.

Morin reconhece os avanços promovidos pela ciência, apesar, ou através mesmo,

daquilo que chama de “ditadura da simplificação disjuntiva e redutora” (MORIN, 1977, p.

23). Ele não pretende virar as costas para tudo o que se adquiriu em matéria de conhecimento,

mas é com grande eloquência que ele vê a premência da tomada de consciência e da tentativa

de superação dos limites que se colocam:

Podemos satisfazer-nos com o facto de só considerarmos o indivíduo excluindo a sociedade, a sociedade excluindo a espécie, o humano excluindo a vida, a vida excluindo a physis, a física excluindo a vida? Podemos aceitar que os progressos locais, em matéria de precisão, se façam acompanhar por um halo de imprecisão sobre as formas globais e as articulações? Podemos aceitar que a medida, a previsão e a manipulação façam regredir a inteligibilidade? Podemos aceitar que as informações se transformem em ruído, que uma chuva de micro-elucidações se transforme em obscurecimento generalizado? Podemos aceitar que as questões-chave sejam lançadas no esquecimento? Podemos aceitar que o conhecimento se funde na exclusão do cognoscente, que o pensamento se funde na exclusão do pensante, que o sujeito seja excluído da construção do objecto? Que a ciência seja totalmente inconsciente da sua inserção e da sua determinação sociais? Podemos considerar normal e evidente que o conhecimento científico não tenha sujeito, e que o seu objecto se divida entre as ciências, e se fragmente entre as disciplinas? Podemos aceitar semelhante noite sobre o conhecimento? (MORIN, 1977, p. 18)

Diferentemente de qualquer especialização que busque elucidar a simplicidade

subjacente à parcela que lhe cabe, Morin entende que “as leis [da natureza] que regiam o

mundo não eram mais do que um aspecto providencial duma realidade interaccional

complexa”, um “fenômeno multifacetado que comporta também a sua face de desordem e a

sua face de organização”. (MORIN, 1977, p. 54)

E é aí que Morin da destaque ao fato de que a segunda lei da termodinâmica não

representa somente uma tendência à degradação da energia _ ela se transforma, já na segunda

metade do século XIX, no princípio da degradação da ordem, uma vez que o aumento da

energia calorífica num sistema significa o aumento da agitação e da aceleração dos

movimentos desordenados das moléculas (MORIN, 1977, p. 39). Ou seja, a entropia não se

formula mais somente em termos de trabalho e sua degradação, mas sim também em termos

de ordem e organização, que não só tendem à desordem e à desorganização, mas são mesmo

estados improváveis. A própria evidência ontológica da ordem e da organização é assim

derrubada (MORIN, 1977, p. 41).

46

A fórmula “a entropia do universo tende para um máximo” não se refere somente

à inexorável morte térmica do universo, mas agora também à desorganização e desordem

generalizada (MORIN, 1977, p. 40). E isso coloca uma questão capital: Como pode a

progressão irreversível da desordem ser compatível com o desenvolvimento organizador do

universo material e da vida?

Mas o desenvolvimento da termodinâmica mostra que não há sempre exclusão,

mas por vezes complementaridade entre fenômenos desordenados e fenômenos organizadores

(MORIN, 1977, p. 44). Assim “é possível explorar a ideia dum universo que constitui a sua

ordem e a sua organização na turbulência, na instabilidade, no desvio, na improbabilidade e

na dissipação energética” (p. 45).

Uma inferência importante é que o retrocesso da entropia, com o desenvolvimento

organizacional, ou a manutenção de entropia estacionária, através de trabalho e

transformação, em toda atividade organizacional, paga-se com um aumento da entropia no

ambiente que engloba o sistema, e, portanto, no universo (MORIN, 1977, p. 71). A segunda

lei, mais uma vez, não é violada. Mas é incorporada às concepções de ordem e de

organização, de maneira complexa: da mesma forma que a organização trabalha para a

dispersão, a dispersão trabalha para a organização (p. 71).

E isso fica ainda mais premente no nível cósmico. As novas concepções da

evolução do universo, que não é mais aquele de movimentos perfeitos e eternos, se abrem em

Morin com as ideias de catástrofe e de caos, a fim de dar às noções de desintegração, ruptura,

gênese, dispersão, nucleação, ordem e desordem, o papel que lhes cabe nessa nova leitura.

Afinal, é preciso compreender a partir de agora “que a organização e a ordem do mundo se

edificam no e pelo desequilíbrio e a instabilidade” (MORIN, 1977, p. 47).

Criticando a noção de big bang, e assumindo que o problema da origem comporta

necessariamente uma contradição insuperável (p. 47), Morin prefere a ideia de catástrofe,

como “noção verdadeiramente teórica” (p. 47), significando “mudança/ruptura de forma em

condições de uma singularidade irredutível” (p. 47), ligando todo processo de criação de

forma a um processo de ruptura de forma.

E a ideia de caos, buscada em seu sentido grego original, apesar de já aí marginal,

vem destacar a noção de desintegração organizadora, unidade antagônica de uma “espantosa

práxis” de desigualdades, turbulências, agitações, encontros aleatórios enquanto “forja

cósmica da ordem e da organização” (MORIN, 1977, p. 42).

47

Morin vê na questão da cosmogênese a questão-chave da gênese do método, já

que para concebê-la, sem hierarquizar uma noção primeira no antagonismo e na

complementaridade de ideias a princípio repulsivas uma à outra (como ordem, desordem e

potencialidade organizadora) “é preciso muito mais do que uma revolução teórica”. Trata-se

assim “duma revolução dos princípios e do método” (MORIN, 1977, p. 48).

Temos de mudar de mundo. O universo herdado de Kepler, Galileu, Copérnico, Newton e Laplace era um universo frio, gelado, de esferas celestes, de movimentos perpétuos, de ordem impecável, de medida e de equilíbrio. Temos de trocá-lo por um universo quente, de nuvem ardente, de bolas de fogo, de movimentos irreversíveis, de ordem misturada com a desordem, de gasto, de desperdício e de desequilíbrio. O universo herdado da ciência clássica estava centrado. O novo universo é acêntrico, policêntrico. É mais uno do que nunca, no sentido em que é um cosmo muito singular e original, mas, ao mesmo tempo, está estilhaçado e fragmentado. Aquilo que constituía o esqueleto e a arquitectura do universo torna-se um arquipélago à deriva numa dispersão sem estrutura. O antigo universo era um relógio perfeitamente regulado. O novo universo é uma nuvem incerta. O antigo universo controlava e destilava o tempo. O novo universo é arrastado pelo tempo; as galáxias são produtos, momentos num devir contraditório. Formam-se, titubeiam, fogem umas das outras, chocam e dispersam-se. O antigo universo estava coisificado. Tudo o que existia participava duma essência ou duma substância eterna; tudo —ordem, matéria— era incriado e inalterável. O novo universo está descoisifícado. Não significa apenas que no universo tudo está em devir ou em transformação. Significa que está ao mesmo tempo, a todo o momento, em parto, em gênese, em decomposição. O antigo universo instalava-se nos conceitos claros e distintos do determinismo, da lei e do ser. O novo universo abala os conceitos, transborda-os, fá-los estalar, obriga os termos mais contraditórios a associarem-se, sem todavia perderem as suas contradições, numa unidade mística. (MORIN, 1977, p. 63)

Além dessas, há outras questões, outros estímulos a um pensamento complexo em

Morin, que incitam a explorar de maneira profunda as fronteiras cognitivas, como por

exemplo com a questão microfísica, as instâncias de imprevisibilidade, de conectividade e

sistêmica que aí se colocam.

6.2 – PRINCÍPIOS E CONCEPÇÕES COMPLEXAS

Com base nesses estímulos e se amparando em todo um referencial bibliográfico

vasto centrado principalmente nos anos 1960 e 1970, contemporaneamente então ao seu

Método 1 (1977), Morin lança aí já os fundamentos de princípios e concepções complexos,

dentro da premência desse novo paradigma. Vejamos alguns:

48

6.2.1- Cincularidade e articulação

Um artifício muito utilizado por Morin, a fim de “recusar a simplificação

abstrata”, é o de montar circuitos circulares com conceitos chave, como por exemplo com a

relação circular física-biologia-antropossociologia, já citada, ou o circuito tetralógico ordem-

desordem-interação-organização, concebendo assim, a um só tempo, a relação complementar,

concorrente e antagônica ou, como ele muitas vezes chama, por isso mesmo, complexa das

noções43. A ideia é “recusar a hipóstase dum conceito dominante” e recusar “o discurso linear

como ponto de partida e fim”. Para ele, “romper a circularidade e eliminar as antinomias é,

precisamente, tornar a cair sob o império do princípio de disjunção/simplificação”. (MORIN,

1977, p. 21)

Daí, o aparente restabelecimento de um conhecimento objetivo com o

rompimento da circularidade é ilusório. Conservar a circularidade é, portanto, “respeitar as

condições objetivas do conhecimento humano, que comporta sempre, algures, paradoxo

lógico e incerteza”. Manter a associação de duas proposições isoladamente reconhecidas

como verdadeiras, mas que juntas se negam uma à outra, é conceber as duas “faces duma

verdade complexa”, revelando a relação de interdependência entre noções, dando chance à

investigação dessa relação (MORIN, 1977, p. 21).

E mais: Morin defende que, “enquanto concebemos facilmente que os átomos se

associam para formar uma molécula, que as moléculas associadas constituem uma

macromolécula, ainda não atingimos o nível molecular das idéias onde os conceitos se

associam num macroconceito” (MORIN, 1977, p. 139). É nessa circularidade e articulação de

múltiplos conceitos que ele busca superar essa deficiência.

6.2.2- Os sistemas

A ideia de sistema é básica, não só na complexidade geral de Morin, onde

qualquer sistema é necessariamente complexo, mas também na complexidade restrita. Mas

43 Ver, como exemplo da definição do a um só tempo complementar, concorrente e antagônico como complexo: p. 113 ou p. 248, em MORIN, 1977.

49

em Morin é uma ideia especialmente radical, ao mesmo tempo em que precisa ser

ultrapassada44. Ele chega mesmo a falar que “ali onde a teoria do sistema é cada vez menos

suficiente, é onde se torna cada vez mais necessária” (MORIN, 1977, p. 144).

Um sistema, para Morin, é uma relação entre partes, que podem ser bastante

diferentes umas das outras, mas que juntas constituem um todo a um só tempo organizado,

organizando e organizador, de onde, como veremos com a noção de emergência, novas

qualidades ou propriedades aparecem, devido à própria organização das partes em um todo,

mas também, por isso mesmo e ao mesmo tempo, qualidades e propriedades presentes nas

partes podem ser inibidas pela organização do todo (MORIN, 2005, p. 5).

6.2.3- A desordem

A desordem, que era apenas confusão num mundo perfeitamente ordenado na

física clássica, vira força dominante e hegemônica a partir, principalmente, das repercussões

da segunda lei da termodinâmica. Mas desordem não é só dispersão e desintegração, mas

também pode ser bloqueio, colisão, irregularidade (MORIN, 2005, p. 2), desigualdade,

agitação, turbulência, encontro aleatório, ruptura, catástrofe, flutuação, instabilidade,

desequilíbrio, difusão, retroação positiva, runaway, explosão (MORIN, 1977, p. 52).

A desordem, longe de ser afastada como erro, imprecisão ou incompreensão, é

incorporada de modo fundamental no pensamento complexo. Ela “é a ecologia nutritiva duma

ordem e duma organização em desenvolvimento” (MORIN, 1977, p. 65) e fonte primeira de

qualquer encontro e, portanto, de qualquer interação (p. 53).

6.2.4- A ordem

Ordem não diz respeito somente a leis, mas também a estabilidades,

regularidades, ciclos de organização (MORIN, 2005, p. 2). Ela, que era na ciência clássica

hegemônica, absoluta, tornou-se relativa, relacional, provincial, marginal, local, temporária,

44 Não é difícil confundir sistema e organização em Morin, já que ele faz uso desses conceitos de modo imbricado a fim mesmo de ultrapassa-los, somando a eles, ao mesmo tempo, a ideia de inter-relação.

50

improvável e mesmo desviante. Mas a ordem consegue, com e através da organização, e por

meio de um princípio de seleção natural física, resistir à desordem (MORIN, 1977, p. 55).

6.2.5- A organização

Para se conceber o nascimento da organização física, Morin defende, necessita-se

chegar a uma lógica complexa, uma vez que noções que normalmente se repelem

logicamente, como unidade e pluralidade, ou unidade e diversidade, precisam ser unidas

(MORIN, 2005, p. 6).

A organização, que substitui junto com o sistema a ideia de elemento simples da

antiga física (MORIN, 1977, p. 92), é aqui “a disposição de relações entre componentes ou

indivíduos, que produz uma unidade complexa ou sistema, dotada de qualidades

desconhecidas ao nível dos componentes ou indivíduos” (p. 101).

Mesmo sendo improvável, frente ao universo que se desintegra, frente à

inevitabilidade da segunda lei da termodinâmica, a organização, uma vez constituída, cria sua

própria ilha de probabilidade local e temporária, aumenta suas possibilidades de

sobrevivência e de desenvolvimento, institui sua própria ordem, e forma as bases para uma

nova organização, por si só ainda mais improvável, ainda mais minoritária, mas que se

beneficia daquela relativa estabilidade de base, constituindo, daí, sua própria probabilidade,

sua própria ordem, e assim por diante (MORIN, 1977, p. 81).

A organização é capaz de progresso, que a transforma. E mais, quanto mais rica é

a organização, “mais desordem a ordem comporta, tornando-se a desordem um ingrediente da

ordem organizacional”, que se refina, mas também se torna cada vez mais regional e frágil

(MORIN, 1977, p. 78).

A ideia de organização deve ser concebida, segundo Morin, em função do

macroconceito triplo sistema/inter-relação/organização, do qual então participa. Precisa ser

pensada de modo articulador e multirramificado, e comporta as ideias de reciprocidade de

ação e de retroação. A retroação aqui fecha o sistema sobre si mesmo num todo que se volta

sobre as suas partes, onde os “produtos finais se fecham sobre os elementos iniciais”

(MORIN, 1977, p. 129) podendo assim a organização ser concebida como organização da sua

própria organização. E para isso, ao lado das emergências, a organização cria e desenvolve

regulações ativas, controles e especializações internas, ou seja, impõe restrições ou sujeições

sobre as partes que o compõem (p. 110).

51

6.2.6- As interações

As interações são ações recíprocas que afetam de alguma forma elementos,

corpos, objetos ou fenômenos. Elas formam o elo entre ordem, desordem e organização,

exigindo tanto elementos, seres ou objetos que podem encontrar-se, quanto as condições para

os encontros, por agitação, turbulência, fluxos contrários, etc. Assim, para que haja interação,

é necessário haver encontros, e para esses, é necessário haver desordem. Há um grau de

ordem nas interações, um grau de imposição, que depende da natureza dos elementos,

podendo assim a interação tomar a forma de inter-relação, originando fenômenos de

organização através de associações, ligações, combinações, comunicação (MORIN, 1977, p.

53-54).

Dessa forma, via interações, compõe-se o circuito no qual ordem, desordem e

organização mantêm relações complexas, portanto complementares, concorrentes e

antagônicas, entre si (MORIN, 1977, p. 54).

6.2.7- O anel tetralógico

O anel tetralógico é o primeiro desses macroconceitos em Morin que toma seu

sentido através da repercussão de cada sub-conceito sobre o outro, como um sistema, ou uma

organização, que mesmo constituído de partes, se torna uno e faz emergir daí algo _ aqui uma

noção, uma ideia _ que as partes isoladas desconhecem.

No circuito tetralógico as interações são inconcebíveis sem a desordem; ordem e

organização são inconcebíveis sem interações; e nenhum corpo ou objeto pode ser concebido

sem se considerar as interações que o formaram e sem as interações nas quais participa

necessariamente. Além disso, como já citado, o anel tetralógico informa que quanto mais a

ordem e a organização se desenvolvem, mais se tornam complexas, e mais toleram, utilizam e

necessitam da desordem (MORIN, 1977, p. 58).

52

A relação entre os conceitos do anel tetralógico é então complexa. Existe

complementaridade, já que tudo o que é físico necessita da desordem para se organizar, não

sendo a desordem somente anterior ou posterior à organização, mas também presente nela de

modo potencial e/ou ativo (MORIN, 1977, p. 128) e tudo o que é organizado ou organizador

trabalha também para a desordem, através, no mínimo, do aumento da entropia, em qualquer

de suas transformações ou mesmo na manutenção de seu estado. Existe concorrência, já que

esses termos promovem a um só tempo a “dispersão generalizada” e o “desenvolvimento em

arquipélagos de organização”. E existe antagonismo, uma vez que a “desordem destrói a

ordem organizacional (...) e a organização recalca, dissipa e anula as desordens” (MORIN,

1977, p. 80).

6.2.8- A noção de emergência

Emergência se refere às “qualidades ou propriedades de um sistema que

apresentam um caracter de novidade em relação às qualidades ou propriedades dos

componentes considerados isoladamente” ou ainda dos componentes dispostos de maneira

diferente (MORIN, 1977, p. 104). É assim ao mesmo tempo relativo ao sistema do qual

depende, e absoluto, por sua novidade, pela sua virtude de acontecimento e seu caráter de

irredutibilidade. E para conceber de fato a emergência, temos que pensa-la à luz de uma

retroatividade organizacional complexa, “produto de síntese e virtude de síntese”, onde a

emergência contribui “para produzir e reproduzir aquilo que a produz” (p. 107). E a

emergência propicia um efeito cascata, de modo que “os sistemas de sistemas de sistemas são

emergências de emergências de emergências” (p. 108).

E ao lado das emergências, que fazem do todo mais que a soma das partes, há

também a imposição de restrições ou sujeições, como já citado, que fazem do todo, de certo

modo e ao mesmo tempo, menos que a soma das partes.

A noção de emergência é extremamente importante em Morin, e com ela ele

advoga o oposto da concepção reducionista, uma vez que, aqui, saber as qualidades das partes

não nos permite inferir as qualidades novas de um todo organizado. A emergência é

indedutível das qualidades das partes e, assim, como dito, irredutível a essas partes _ a

emergência só surge a partir da organização do todo. (MORIN, 2005, p. 6)

53

Pode-se entrever por aqui que a ideia reducionista talvez só possa ser bem

aplicada a um universo composto pela justaposição precisa de objetos bem definidos, cada um

obedecendo a leis simples e universais dentro do sistema ordenado que compõem. Uma

exigência muito distante do novo “universo de fogo” que alimenta a epistemologia de Morin.

6.2.9- A auto-eco-organização

A definição das organizações vivas como auto-eco-organizações se deve à ideia

de que auto-organizações, ou seja, uma organização que mantém a si mesma, dependem do

seu ambiente como fonte de energia e informação, na busca de alimento e na defesa contra

ameaças, já que, para manter-se, ela degrada energia com seu trabalho, além de ter de ser

capaz de conviver com o mínimo de vicissitudes externas. A autonomia não pode assim ser

concebida sem sua dependência ecológica. (MORIN, 2005, p. 7)

“A organização viva abre-se para fechar-se”, que quer dizer garantir a sua

autonomia, preservar a sua complexidade, e “fecha-se para abrir-se”, ou seja, trocar,

comunicar, gozar, existir (MORIN, 1977, p. 130), e essas duas noções precisam ser, então,

pensadas juntas.

6.2.10- Ciclo recursivo e causalidade complexa

Assim, ainda mais, é necessário ver na auto-organização um processo auto-

generativo e de auto-produção, num ciclo recursivo que exige uma quebra da ideia clássica de

causa-efeito. Aqui, causas produzem efeitos que são necessários para sua própria causa

(MORIN, 2005, p. 7).

Morin diz que a ideia de feedback já é uma ideia que complexifica a causalidade,

mas é mal explorada epistemologicamente. O feedback negativo é o que torna possível o

cancelamento de desvios que incessantemente tendem a se formar no seio de uma

organização. O feedback positivo se desenvolve quando a regulação do sistema não é mais

capaz de cancelar o desvio. E Morin destaca que o feedback positivo, ou seja, o desvio

crescente, é um elemento que possibilita a transformação na história da humanidade (MORIN,

2005, p. 7).

54

6.2.11- Necessidade de contextualização

Mesmo que a ciência possa conhecer certo número de qualidades e propriedades

dos objetos através de experimentações que os isolam em um ambiente artificial e controlado

a fim de estudá-los em função de perturbações e variações sistemáticas aos quais são

submetidos, eles só adquirem real significado na complexidade através da sua

contextualização. Isso é bastante claro quando nos referimos a seres vivos, a auto-eco-

organização, mas Morin cita o caso da Represa de Assuã no Egito ou o desvio de rios na

Sibéria pelo governo soviético como exemplos de desastrosas ações descontextualizadas

(MORIN, 2005, p. 10).

Contextualizar em Morin não é então muito diferente daquele impulso geográfico

de agregar conhecimentos disjuntos através do fator espacial, procurando não só abordar de

maneira mais contundente o real, mas também dar direcionamentos a ações de modo

consciente.

6.2.12- A ecologia da ação

À partir do momento que uma ação entra em um dado ambiente, ela escapa da

vontade e intenção daquele que a criou, entrando numa série de interações e múltiplos

feedbacks e vai se encontrar derivada de suas finalidades, de forma muitas vezes inesperada e

mesmo contrária às finalidades originais. Morin acredita que o princípio da ecologia da ação é

central e tem valor universal (MORIN, 2005, p. 15).

55

7- COMPLEXIDADE EPISTEMOLÓGICA E GEOGRAFIA

A percepção de que as ideias da complexidade nesse nível epistemológico abrem

portas e faz arejar as ideias ou o lugar mesmo da geografia na produção do conhecimento não

é aqui original. Ruy Moreira fala da chegada lenta de um olhar não-fragmentário, de um

holismo ambiental na geografia, velocidade essa devido, “talvez, à impregnação ainda

fortemente positivista (fragmentária e físico-matemática) e kantiana (o conceito cartesiano-

newtoniano de espaço e tempo) da noção de natureza (...) que predomina na geografia como

um todo” (MOREIRA, 2006, 43). Escreve isso em 2006 e fala do “começo de presença do

pensamento da complexidade” em alguns autores.

Mas Morin já eleva, ele mesmo, a geografia ao status de ciência eminentemente

complexa. Em A Cabeça Bem-Feita (2000), onde propõe uma reformulação dos paradigmas

educacionais, pela complexidade, Morin coloca a geografia como uma daquelas ciências que

já nascem dentro se sistemas complexos de investigação. Ele reconhece que, ao ir da natureza

à cultura, ao transpassar o econômico e o social, “as explicações geográficas seguem vias que

encontram, conectam e interpenetram caminhos e direções múltiplas” (DANTAS, apud

SILVA & GALENO, 2004, p. 237). Mas daí deriva a instabilidade de seu objeto, as incertezas

sobre a validade de seu conhecimento, seu embate com as exigências paradigmáticas da

ciência clássica. Daí, segundo Dantas, “se, por um lado, a ausência de um modelo fechado

cria angústias, por outro, antecipa experiências que colocam essa ciência [geográfica] e seus

partícipes em vantagem com relação às demais ciências”. E a autora, com base em Morin,

completa dizendo que hoje a geografia talvez seja o saber mais apto a um conhecimento

“ancorado na interface dos outros saberes”, e isso, mesmo que “tenha negligenciado uma

formulação epistemológica consistente sobre isso” (p. 238) .

Frente a esses estímulos, frente a essa suposta elevação da geografia ao seu lugar

de destaque de direito, através agora da complexidade epistemológica, vários são os autores

que vão buscar o paralelismo entre ideias da complexidade e formulações de autores

clássicos, numa espécie de complexidade seminal na geografia de Humboldt, Raztel, La

Blache, dentre outros.

56

Marcos Bernardo de Carvalho, por exemplo, em seu texto Geografia e

Complexidade (CARVALHO, apud SILVA & GALENO, 2004), fala das preocupações

epistemológicas, dos estímulos às aproximações disciplinares, principalmente entre as

ciências de homem, numa “unidade complexa formada pelos integrantes do sistema Terra”, e

das sugestões de métodos facilitadores dessas aproximações nas obras de Ratzel. Aldo Aloísio

Dantas da Silva (SILVA, apud SILVA & GALENO, 2004), fala da ideia de conexidade em

Vidal de La Blache e sua similitude com algumas colocações da complexidade atualmente.

Há também quem busque em Humboldt a essência do caráter complexo dos estudos

geográficos, ou mesmo em Ritter e outros, como que para reafirmar, numa justificativa

historicamente fundamentada na tradição, o papel de destaque atual então talvez reservado à

geografia. É como se a essência dessa disciplina tivesse se esvaído no século XX, frente à

ciência clássica, e agora fosse hora de resgatá-la em seus primórdios.

Aqui optamos por fazer um caminho diverso. Vamos primeiramente olhar a

complexidade imbuída naqueles princípios enunciados por Moraes, que já citamos ao

abordarmos a geografia. Depois, tentaremos ver como a obra importante e atual de Doreen

Massey, Pelo Espaço _ que busca uma releitura profunda da forma como se pensa o espaço _

dialogaria com a as ideias de uma complexidade epistemológica.

7.1- PRINCÍPIOS DA GEOGRAFIA CLÁSSICA E A COMPLEXIDADE

Como já citamos, Moraes (1984) vê a unidade relativa na geografia clássica tanto

através da filiação positivista quando pela aceitação acrítica de alguns princípios. Esses

princípios, de grande generalidade e vaguidade, segundo Moraes, possibilitaram o

estabelecimento dos dualismos, propostas díspares e mesmo antagônicas com que é

diagnosticado criticamente o pensamento geográfico tradicional.

Mas aqui, inspecionaremos brevemente os princípios destacados por Moraes à luz

de uma epistemologia complexa, a fim não de sugerir uma solução, mas de abrir um problema

muito maior que poderia talvez ser mais bem explorado na atualidade.

Pois, o princípio da unidade terrestre postula que a Terra é um todo que só pode

ser compreendido numa visão de conjunto, ao mesmo tempo em que o princípio da

individualidade destaca que cada lugar tem um caráter que lhe é próprio (MORAES, 1984, p.

57

25). O que está em jogo aqui é uma relação todo-partes, explorada por vários autores na

geografia, desde Ritter. Juntamente com o princípio da comparação, onde “a diversidade dos

lugares só pode ser apreendida pela contraposição das individualidades”, tal relação, num

paradigma clássico, nunca pode ser pensada fora dos termos de que o todo é a soma das

partes. Isso tem implicações profundas. Comparar assim as partes, separadas umas das outras

e destacadas do todo, seria o caminho direto para revelar suas especificidades, diagnosticar as

características que as ultrapassam, por repetição ou por uma questão de escala, e, além de

fazer avançar sua compreensão, possibilitaria, por nova justaposição, a compreensão do todo.

O método comparativo de Ritter, antes do estabelecimento da hegemonia

positivista no meio geográfico, partia indutivamente das partes, mesmo que arbitrariamente

construídas, comparando-as, para se chegar a um plano de generalização. De posse deste,

voltava-se às partes, que por dedução iriam ganhando os contornos de suas especificidades

(ver MOREIRA, 2006, p. 21). A influência positivista só pôde ir tornando tal procedimento

mais rigoroso, com as partes bem delimitadas, os parâmetros estritamente definidos, e as

características gerais concebidas inevitavelmente como aprisionadas nas próprias partes.

O caminho que talvez tenha se sugerido timidamente na geografia, e que se torna

central na complexidade, é outro. Aí, primeiramente, o todo é mais que a soma das partes.

Não é difícil ver isso em Humboldt, onde, no Cosmos, a apreensão do todo conduz o espírito a

um sentimento de deslumbramento que corresponde à essência de uma realidade elevada,

como um perfume que só ganha as narinas nesse nível superior de apreciação. Mas, na

complexidade epistemológica de Morin, o todo é também, ao mesmo tempo, menos que a

soma das partes, e as partes, mais e menos que frações do todo. Por esse viés, a comparação

das partes sob o paradigma clássico se daria tanto à custa de uma mutilação, já que se retira

das partes aquilo que só lhes pertence enquanto partes de um todo, quanto à custa de

apêndices relativos, já que se passa a diagnosticar nas partes aspectos que nestas, quando

inseridas num todo, se revelariam inibidos.

Mas qualquer divisão das partes na geografia pode ser vista, mais que em

qualquer outra ciência, como um exercício de abstração. Obviamente não se consegue, como

nas ciências experimentais, isolar e manipular a realidade geográfica para assim verificar

controladamente seus movimentos e reações frente estímulos sistematicamente aplicados.

Essa indisjuntabilidade está enunciada no princípio da conexão, que diz que todos os

elementos da superfície terrestre e todos os lugares estão inter-relacionados. Isso retoma

inevitavelmente à geografia sua complexidade inata, nem que seja como reflexo de uma

58

suposta incompetência científica, por mais que a leitura da relação todo-partes se faça de

forma linear e reducionista: mesmo separando as partes e entendendo o todo como sua

simples e redutível soma, nunca se poderia efetivamente mutilar ou adulterar por completo as

realidades sob análise. Mas o reconhecimento ou não desse nuance muda de fato o tom do

discurso, o caráter da interpretação _ insistir em adequar tal realidade objetivamente complexa

numa forma epistemológica reducionista barra a evolução e os desdobramentos cognitivos da

produção desse conhecimento. De tal modo que, em última instância, seriamos talvez tentados

a pensar em involução. Daí, acreditamos, a geografia ter trabalhado por décadas com seus

dualismos mais inevitáveis e nunca ter conseguido efetivamente superá-los conceitualmente.

E mais: na epistemologia da ciência clássica, a noção de ordem é, se não única,

então preponderante. O princípio da conexão, que fala da inter-relação dos elementos, e o

princípio da atividade, onde tudo na natureza está em constante dinamismo, só o são numa

lógica fechada e perfeita, de encaixes precisos e ciclos rigorosos. Essa visão repercute num

futuro de (im)possibilidades, fechado e circunscrito. Mas para a complexidade, como vimos, a

desordem toma de assalto o reinado da ordem, e se mostra então essencial para a possibilidade

de existência das próprias interações. Aquele suposto jogo de encaixes precisos, ordenados e

delimitáveis passa a ser visto como um complexo jogo de sobreposições, auto-eco-regulações,

desvios, convergências, catástrofes, nucleações, desgastes, dispersões, etc. O futuro se reabre

em incerteza, conforme veremos melhor no próximo tópico.

Frente a uma noção complexa de sistemas de sistemas de sistemas, ou de

organizações ao lado e sobre outras organizações, o princípio da extensão _ todo fenômeno

manifesta-se numa porção variável do planeta _ pode ser diluído em ricas zonas de transição e

de sobreposição, e o princípio da localização _ a manifestação de todo fenômeno é passível de

ser delimitada _ torna-se altamente relativo e relacional, incluindo a consciência do

desdobramento das repercussões de qualquer fenômeno à luz de uma ecologia da ação.

E aqui, mais uma vez, a ideia se reforça: Nessa linha de pensamento

epistemológica, exatamente por a realidade ser complexa, mesmo que só sob o filtro

inevitável do nosso entendimento e de nossa participação no mundo, é que aqueles princípios

geográficos, dentro de uma ótica redutora, não conseguiram render bons frutos _ criavam

contradições e dualismos que, sinônimos então de erro, eram barrados, isolados, rechaçados,

eliminados.

Ou seja, e por isso esses parágrafos acima: Repensar os fundamentos da geografia

à luz de uma complexidade epistemológica sugere-se mais importante que simplesmente

59

resgatar velhas ideias com retoques de complexidade, historicamente malogradas ao longo do

século de hegemonia positivista, a fim de reivindicar por esse meio talvez um

reposicionamento de relevo da geografia em meio à produção geral do conhecimento. Esse

reposicionamento só vai se dar caso, como aposta Morin, a geografia conseguir se repensar,

pela complexidade, no contexto desse novo tempo da atualidade _ por ter a semente para isso,

e não já a resposta pronta guardada há séculos.

Não queremos dizer aqui que demonstrar a insipiência e a força de uma ideia

protocomplexa na geografia em Humbolt ou Ratzel, por exemplo, deva ser abandonada _

esses resgates servem, no mínimo, de inspiração. Mas a complexidade epistemológica só se

torna uma proposta acabada no contexto atual, regada por inúmeros estímulos e articulações

que se dão ao longo principalmente do século XX, como vimos. Não se pode fazer da

geografia de 150 anos atrás o modelo de uma geografia complexa para a atualidade, da

mesma forma que a complexidade de hoje passa longe de um simplório resgate de uma

perspectiva holista do século XIX, por mais rica que esta, lá, porventura tenha sido.

7.2- A LEITURA ALTERNATIVA DO ESPAÇO EM DOREEN MASSEY E A

COMPLEXIDADE

Doreen Massey defende em seu Pelo Espaço (2008) uma abordagem alternativa

do espaço. Logo nas “proposições iniciais” ela lança as noções básicas com que reorienta a

perspectiva espacial, noções essas que desenvolverá ao longo do livro, e que aqui nos

interessam imediatamente, a saber: a) o espaço como produto de interações; b) o espaço como

a esfera da possibilidade da existência da multiplicidade, da coexistência da heterogeneidade,

de distintas trajetórias; c) o espaço como sempre em construção, jamais acabado, nunca

fechado (MASSEY, 2008, p. 29).

Essas proposições implicam uma à outra: “Sem espaço, não há multiplicidade;

sem multiplicidade, não há espaço. Se espaço é, sem dúvida, o produto de inter-relações,

então deve estar baseado na existência da pluralidade” (MASSEY, 2008, p. 29), e, por isso

mesmo, detém necessariamente essa característica de inacabamento, de constante estado de

construção.

60

Assim, “o espaço não existe antes de identidades/entidades e de suas relações. De

um modo mais geral, (...) identidades/entidades, as relações ‘entre’ elas e a espacialidade que

delas faz parte são todas co-constitutivas” (MASSEY, 2008, p. 30).

Para Massey, podemos imaginar o espaço como uma simultaneidade de estórias-

até-agora45. E o espaço deve ser, tal como a história, aberto. Aí “há sempre conexões ainda

por serem feitas, justaposições ainda a desabrochar (ou não) em interação (...), relações que

podem ou não ser realizadas” (MASSEY, 2008, p. 32)

O espaço jamais poderá ser essa simultaneidade completa, na qual todas as interconexões já tenham sido estabelecidas e no qual todos os lugares já estão ligados a todos os outros. Um espaço, então, que não é nem um recipiente para identidades sempre-já constituídas nem um holismo completamente fechado. Um espaço de resultados imprevisíveis e de ligações ausentes. Para que o futuro seja aberto, o espaço também deve sê-lo. (MASSEY, 2008, p. 32)

Analisando a forma de se conceber o espaço em Henri Bergson, Michel de

Certeau, Ernesto Laclau e, por extensão, na modernidade e na pós-modernidade, Massey

destaca a conclusão “disseminada e não questionada” da equiparação do espaço à

representação, associando assim o espacial com estabilização (MASSEY, 2008, p. 51), em

contraposição ao tempo, que estaria ligado à evolução, ao dinamismo. No estruturalismo, num

“caminho que tinha a suposta intenção de priorizar a espacialidade”, o resultado também é

semelhante, com o espaço sendo “apresentado como a esfera da estase e da fixidez”

(MASSEY, 2008, p. 66). Daí a interpretação dele como a-político, já que é “conceituado

como um todo sem costuras, como o sistema totalmente fechado e interconectado de uma

estrutura sincrônica” (MASSEY, 2008, p. 71). Além, em Laclau, se destaca a noção de

“fechamento causal” enquanto característica crucial do espaço, onde há articulação imediata e

completa de todos os elementos do todo, reservando ao tempo a possibilidade de

desarticulação e, assim, a própria possibilidade de liberdade46, num insistente binarismo de

oposição entre espaço e tempo (MASSEY, 2008, p. 73-74)

Mas Massey defende a co-implicação do tempo e do espaço, de modo que

“imaginar um deles de um modo particular deveria implicar (...) uma forma particular de

pensar sobre o outro”. Então se é a abertura do temporal que está em jogo, por exemplo, nas

obras de Laclau e De Certeau, “o não-reconhecimento da simultaneidade de multiplicidades

45 Stories-so-far no original. 46 “Desarticulação é a fonte da liberdade.” (LACLAU, 1990, p. 60, apud MASSEY, 2008, p.71)

61

de extremidades abertas que compreende o espacial pode invalidar o projeto de abertura da

temporalidade” (MASSEY, 2008, p. 79-80).

O espaço precisa ser compreendido, simultaneamente à abertura do tempo, “como

uma produção aberta contínua”, que “injeta temporalidade no espacial” e dá margem a uma

“genuína multiplicidade de trajetórias”. (MASSEY, 2008, p. 89)

Os termos são então imbricados. De um lado, “há temporalidade integrante de

uma simultaneidade dinâmica”, portanto, no espaço. De outro, o espaço está integrado ao

tempo, enquanto “condição para a existência [das] relações que geram o tempo”, assim: O

tempo é mudança, e “a mudança requer interação”, inclusive a de multiplicidades internas;

“para haver interação, teria de ocorrer multiplicidade discreta”; “para haver (tal forma de)

multiplicidade, teria de ocorrer o espaço”. Mas isso não garante a abertura do futuro, já que

“se admitirmos o desdobramento de uma identidade essencialista, os termos da mudança já

teriam sido dados pelas condições iniciais” (MASSEY, 2008, p. 90).

E, mesmo imbricados, cada um, tempo e espaço, resguardam o que os diferencia:

Se o tempo se revela como mudança, então o espaço se revela como interação. Nesse sentido, o espaço é a dimensão social não no sentido da sociabilidade exclusivamente humana, mas no sentido do envolvimento dentro de uma multiplicidade. Trata-se da esfera da produção contínua e da reconfiguração da heterogeneidade, sob todas as formas _ diversidade, subordinação, interesses conflitantes. (MASSEY, 2008, p. 98)

E aqui talvez poderíamos começar a sugerir a permeabilidade entre as ideias de

uma visão alternativa de espaço em Massey e a complexidade epistemológica com Morin.

Massey abre as possibilidades da interação criativa, de resultados não já dados pelas

condições iniciais, fazendo referência à auto-poiesis em termos de uma ligação entre

“estruturas dissipativas” (MASSEY, 2008, p. 90), mas não vai muito além nisso que seria a

semente fundamental da abertura espacial. Já em Morin, como vimos, a possibilidade de

criação, do novo, depende intimamente da dissipação, mas lá através de uma conceituação

mais abrangente e fundamental, com a desordem, no anel tetralógico: desordem e interação

enquanto termos essenciais ao lado da ordem e da organização. E nesse contexto ele insere as

ideias de catástrofe, de auto-organização, retroação e circuito recursivo, emergência e

inúmeras outras, inclusive a ideia de poiesis, generatividade, enquanto instâncias

interconectadas de um universo que é, não relógio preciso, mas nuvem incerta.

62

A “abertura da história”, a possibilidade aí imbuída de criação, inovação, sua

imprevisibilidade, já defendida há muito por autores como Bergson, só encontra aval nas

ciências da natureza mais recentemente, como proclamado pela complexidade. Esse fato é

criticado por Massey, para quem essas referências às ciências naturais não podem ser

mobilizadas como um tipo de corroboração final ou tribunal superior. Para ela, na verdade,

nessa temática de abertura do tempo, e assim, agora, também do espaço, “já não precisamos

mais lutar contra uma ‘ciência’ que parece dizer monoliticamente o contrário” (MASSEY,

2008, p. 63).

Mas isso, creio, não invalida a contribuição que os desdobramentos últimos de

inúmeras questões surgidas na, ou recolocadas pela ciência, até uma epistemologia complexa,

poderiam trazer à reformulação da noção de espaço e a uma reconfiguração profunda da

abordagem geográfica. Principalmente, essa não mais preponderância das ciências da natureza

enquanto conhecimento científico mais bem acabado não invalida a possibilidade de a

complexidade epistemológica dialogar com as pretensões de Massey. Afinal, a complexidade

de Morin usa daqueles “complicadores” da ciência, como destacamos, e outros mais, de forma

horizontal: como a convergência última de caminhos diversos e mesmo opostos, nas bases do

conhecimento, e o prenúncio então de uma necessidade de mudança paradigmática geral e

profunda.

Mas Massey vê essa possibilidade de “interlocução” com reservas:

Não se pode, de maneira alguma, argumentar contra a interlocução entre diferentes campos (...). Mas devem-se recomendar cautela e, da maior importância, uma percepção explicita dos termos da conversação. À luz dessa história há a necessidade de ser cauteloso sobre a atual fascinação com a teoria da complexidade, os fractais, a mecânica quântica e o resto. Não apenas essa versão das coisas, como as anteriores, poderia desaparecer gradualmente, ou se tornar apenas uma parte da estória, mas também precisamos estar absolutamente conscientes de suas potenciais implicações políticas. (MASSEY, 2008, p. 114)

Seriam profícuas as influências de uma epistemologia da complexidade numa

abordagem alternativa do espaço como proposto por Massey, ou mesmo o contrário disso?

Essa resposta não cabe a nós aqui, mas que permaneça a pergunta e essa espécie de incitação.

O espaço como produto de interações, como a esfera da possibilidade da

multiplicidade e como inacabamento contínuo, como instância aberta, não se distancia muito

de uma nova cosmogênese, questão-chave da gênese do método em Morin, como vimos, onde

o universo está em devir, em transformação, a um só tempo em parto, em gênese, em

63

decomposição. O que Massey procura fazendo do espaço, antes fechado e estagnado, agora

então aberto, parece estar próximo daquela troca do “universo de movimentos perpétuos, de

ordem impecável, de medida e de equilíbrio” por um “de movimentos irreversíveis, de ordem

misturada com a desordem, de gasto, de desperdício e de desequilíbrio” (MORIN, 1977, p.

63). Tal virada em Morin não é só uma revolução da concepção temporal desse universo em

evolução, mas também, e mesmo antes, uma revolução do entendimento das próprias

estruturas atualizadas das coisas no universo.

Mas Morin não faz reflexões claras a respeito da instância espacial em suas

reformulações, a não ser indiretamente. Talvez ele tenha assim suprimido, mesmo que não

deliberadamente, a dicotomia contraditória entre espaço e tempo para superá-la. Mas, não há

dúvida, uma abordagem explícita do espaço no Método teria influenciado diretamente a

geografia. De qualquer forma, qualquer articulação de ordem epistemológica tem

repercussões inexoráveis nos entendimentos temporais e, sim, espaciais. Talvez por isso

Massey tenha se precavido com páginas intituladas Confiar na ciência? em meio a seu Pelo

Espaço (2008). Ela argumenta contra a hierarquização paradigmática, e procura assim isentar

seu pensamento de tributos às ciências naturais, com a física à frente. O entendimento de

Massey do espaço como instância aberta de “envolvimento dentro de uma multiplicidade” de

“estórias-até-agora” em constante interação e construção não se deve, para ela, a

reconsiderações sobre a segunda lei da termodinâmica ou a uma nova visão a respeito da

evolução cosmológica de um universo em diáspora. Muito menos ela pensa assim por causa

da teoria do caos, do princípio de incerteza ou das teorias da relatividade.

Mas obviamente o meio geográfico é também físico, além de social, biológico,

cultural, econômico, político, etc. Pensar a epistemologia é pensar exatamente além de cada

uma dessas frações. Enquanto a epistemologia clássica se nutria quase que exclusivamente de

uma ciência física, a epistemologia complexa se abre a uma constelação cognitiva inevitável:

não é somente uma perspectiva paralela que tenta fazer frente a uma hegemônica, mas uma

exigência da própria perspectiva hegemônica que se vê como que sem outra saída. Daí a

margem do conhecimento poder vir tomar o centro. Isso pode ser antes oportunidade que

desaforo, apesar dos perigos.

Massey se preocupa também com as repercussões da sua abordagem alternativa

do espaço na política, e isso lhe é vital. Não há, de fato, margem para a atuação política num

espaço estático, em estase, de causalidades fechadas. A abertura do espaço é a abertura das

possibilidades reais de uma esfera política efetiva. Para Morin, como dito, a complexidade é

64

colocada como um conjunto de princípios que auxiliam o espírito no ato de conhecer, que

estimulam uma estratégia autônoma. A epistemologia da complexidade abre o universo de tal

maneira que passa a ser insensato buscar, através dela, respostas finais, caminhos

inquestionáveis, desdobramentos inexoráveis. Mais uma vez, aqui, vemos surgir as bases

primeiras para uma esfera política efetiva.

Repito: se tais abordagens podem de fato convergir em uma interlocução profícua,

não cabe a esse trabalho, limitado por sua própria natureza, diagnosticar. O máximo que cabe

aqui é a sugestão.

65

8- CONCLUSÃO

Fica claro, ao chegarmos aqui, o caráter de “inspeção” que já se anuncia no título

do presente trabalho. Tudo aqui está permeado por um inacabamento evidente: desde o

entendimento do que é a ciência até, principalmente, as possibilidades de interlocução entre a

geografia e a complexidade epistemológica. Não lutar contra esse inacabamento foi a

estratégia inevitável que propiciou o passeio por instâncias que, acredito, se somam umas às

outras, e lançam luz umas nas outras.

A título de exemplo, por inacabamentos, poderíamos indicar a não verificação das

possíveis reviravoltas com uma teoria unificada na física, talvez com a teoria das cordas, no

entendimento do espaço e do tempo, ou ainda mais, nas bases epistemológicas do

conhecimento. Caberia também, sugere-se, uma análise de como as colocações de Thomas

Kuhn a respeito da Estrutura das Revoluções Científicas poderiam ajudar na interpretação do

surgimento das complexidades. O papel da matemática na ciência clássica e as repercussões

profundas das colocações de Gödel e Turing também foram negligenciados. Há mais, mas,

além disso, e mais importante, poderíamos ter nos aprofundado em alguns artigos do Santa Fe

Institute, arrolado vários outros “complicadores”, além de inúmeros outros “princípios e

concepções complexas” da proposta epistemológica de Morin e suas interlocuções possíveis

com a geografia.

Esses são alguns exemplos de como a investigação do que foi exposto está longe

de ter se esgotado. Mas de qualquer forma esse inacabamento não diminui o que foi

trabalhado, dentro do propósito de inspeção inicial geral a que nos voltamos. O grande mérito

aqui é levantar questões, e instigar ampliações e aprofundamentos.

(...)

Tal como a mecânica quântica retira toda sua força de um princípio que parece

destruir as possibilidades de aferição e predição, a complexidade científica faz uso de uma

coleção de novas conceituações e abordagens antirreducionistas para seguir na pretensão de

dominar os objetos aos quais se inclina. Se em suas fórmulas matemáticas refinadas vai se

66

abrir a possibilidade de liberdade e criação, ou se o domínio e controle da realidade se dará,

mesmo que sem a consciência geral e generalizada disso, são questões cuja resposta parece

estar além de qualquer literatura.

Ao mesmo tempo, a complexidade epistemológica traz novas perspectivas que

invocam uma virada paradigmática radical nas práticas de criação e utilização do

conhecimento, começando pelas nossas estruturas mentais de aproximação e interpretação do

universo, promovendo aí a possibilidade de leituras mais ricas, abertas, mais completas

principalmente no reconhecimento de sua incompletude.

Mas daí, como nunca antes, a necessidade de seguir no diálogo constante, na

configuração e reconfiguração contínua, crítica e aberta, da natureza da produção, do estoque

e do uso do conhecimento humano, por e para o ser humano.

A geografia, nesse interim, se articula como um conhecimento pivô, na medida

em que se torna cada vez mais necessária, enquanto vai se mostrando, por outro ângulo, cada

vez mais impossível. Agora parece se colocar afinal um novo momento histórico em que ela é

chamada a ocupar um lugar central. Mas há ainda, se assim for, muito que se fazer _ a

geografia certamente não ocupará esse lugar automaticamente, ou somente arrolando

paralelismos entre sua tradição e novas ideias vindas de fora, muito menos se valendo de

ecletismos sem critério, que partem de qualquer lugar para chegar a lugar nenhum, mesmo

que com a melhor das intensões.

Mas é então que, através de um suposto paradigma de complexidade,

encontramos muitas das tentativas de releitura dos temas geográficos, da própria geografia e

de suas obras e autores clássicos. Se se passou mesmo tanto tempo “ignorando-se os temas

fundamentais”, não é tanto de se surpreender que a chegada exógena de tal reviravolta de

nível epistemológico tenha repercutido, a despeito da grande aposta que se faz exatamente na

geografia, numa larga desutilização do termo complexidade como selo de autenticação de

inúmeros tratados livres sobre qualquer coisa.

De toda forma, como na citação de Santos em nossa introdução, ficamos

obrigados a nos realinhar para podermos “exprimir, em termos de presente e não de passado,

aquela parcela de realidade total” que nos cabe explicar. Afinal, as condições gerais de

realização da vida sobre a terra de fato se modificam, sem interrupção e cada vez mais

aceleradamente. Além disso, também a interpretação dos fatos concernentes à existência do

homem e das coisas pode realmente estar conhecendo evolução generalizada e da maior

67

importância. Se há qualquer grau de insatisfação, em nós, no que diz respeito à nossa ciência,

à apropriação, organização e utilização do conhecimento humano, tal como ele se dá, hoje, é

aqui que depositamos nossa fé.

E fica então a vontade de contribuir, de somar esforços nessa empreitada. A

próxima história da geografia, que já se vive, parece ser o clímax desse drama inacabado: o

maior dos obituários, ou os grandes louros de sua ventura.

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9- REFERÊNCIAS

CARVALHO, Marcos Bernardo de. Geografia e Complexidade. In. SILVA, Aldo A. Dantas da, GALENO, Alex (Org.). Geografia: ciência do complexus: ensaios interdisciplinares. Porto Alegre: Sulina, 2004. p. 67-131.

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DANTAS, Eugênia Maria. Caminhos de uma Geografia Complexa. In. SILVA, Aldo A. Dantas da; GALENO, Alex (Org.). Geografia: ciência do complexus: ensaios interdisciplinares. Porto Alegre: Sulina, 2004. p. 237-252.

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HAWKING, Stephen. A brief history of time. New York: Bantam, 1998.

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MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. 3ª. ed. São Paulo: Hucitec, 1984.

MOREIRA, Ruy. Para onde vai o pensamento geográfico? São Paulo: Contexto, 2006.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

_______. Complexite restreinte, complexite generale. 2005. Disponível em: <http://www.learndev.org/dl/BtSM2007/EdgarMorin-FR.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2013.

69

_______. O método 1: a natureza da natureza. 2ª ed. Mem Martins: Publicações Europa-América, Lda. 1977.

SANTA FE INSTITUTE. Cities, scaling and sustainability. Santa Fe: Santa Fe Institute. 2013. Disponível em: <http://www.santafe.edu/research/cities-scaling-and-sustainability/> Acesso em 10 out. 2013.

SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Edusp, 2002.

SILVA, Aldo A. Dantas da, GALENO, Alex (Org.). Geografia: ciência do complexus: ensaios interdisciplinares. Porto Alegre: Sulina, 2004.