ciência do direito constitucional

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Ciência do Direito Constitucional, Ciências Constitucionais e Afins Direito Constitucional (Continuação) 3. Direito Constitucional, Ciências Constitucionais e Ciências Afins Direito Constitucional: objecto e método. O direito constitucional é um ramo do direito público interno de uma ordem jurídica global: no nosso caso, a ordem jurídica moçambicana. Apesar das dificuldades da distinção, é tradicional dizer- se que o direito constitucional pertence, juntamente com outros ramos do direito - direito internacional, direito administrativo, direito criminal, direito fiscal, direito processual - ao direito público. O direito constitucional é direito público, qualquer que seja a teoria preferentemente adoptada para alicerçar a distinção entre direito público e direito privado. De acordo com o critério da posição dos sujeitos (também chamado «critério da sujeição» ou «critério da subordinação»), o direito público é caracterizado por relações de supra-infra-ordenação, enquanto o direito privado se caracteriza por relações essencialmente igualitárias. Daqui resultaria a existência, nas relações de direito público, do exercício de um poder de autoridade através de formas e procedimentos típicos (ordens, comandos, medidas normativas). Esta teoria explica satisfatoriamente a razão de na maior parte das relações reguladas pelo direito constitucional se verificar o exercício de um poder de autoridade (publica potestas). A teoria dos interesses preferentemente protegidos numa relação jurídica ou através de uma norma jurídica (protecção de interesses individuais -> direito privado; protecção de interesses públicos -> direito público) põe, de forma correcta, em relevo, o carácter público dos fins e tarefas subjacentes às normas de direito constitucional.

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Cincia do Direito Constitucional, Cincias Constitucionais e AfinsDireito Constitucional (Continuao)

3. Direito Constitucional, Cincias Constitucionais e Cincias Afins

Direito Constitucional: objecto e mtodo.

O direito constitucional um ramo do direito pblico interno de uma ordem jurdica global: no nosso caso, a ordem jurdica moambicana.

Apesar das dificuldades da distino, tradicional dizer-se que o direito constitucional pertence, juntamente com outros ramos do direito -direito internacional, direito administrativo, direito criminal, direito fiscal, direito processual- ao direito pblico.

O direito constitucional direito pblico, qualquer que seja a teoria preferentemente adoptada para alicerar a distino entre direito pblico e direito privado.

De acordo com o critrio da posio dos sujeitos (tambm chamado critrio da sujeio ou critrio da subordinao), o direito pblico caracterizado por relaes de supra-infra-ordenao, enquanto o direito privado se caracteriza por relaes essencialmente igualitrias. Daqui resultaria a existncia, nas relaes de direito pblico, do exerccio de um poder de autoridade atravs de formas e procedimentos tpicos (ordens, comandos, medidas normativas). Esta teoria explica satisfatoriamente a razo de na maior parte das relaes reguladas pelo direito constitucional se verificar o exerccio de um poder de autoridade (publica potestas).

A teoria dos interesses preferentemente protegidos numa relao jurdica ou atravs de uma norma jurdica (proteco de interesses individuais -> direito privado; proteco de interesses pblicos -> direito pblico) pe, de forma correcta, em relevo, o carcter pblico dos fins e tarefas subjacentes s normas de direito constitucional.

A teoria da especialidade (tambm chamada doutrina de ordenao ou teoria da especialidade do direito) arranca da ideia de que o direito pblico um direito especial, exclusivamente regulador dos direitos e deveres de titulares de poderes pblicos. Porm, embora um nmero significativo de normas do direito constitucional vise regular direitos e deveres dos poderes pblicos (ex.: normas de organizao do poder poltico), muitas outras normas de direito constitucional tm como destinatrios entidades privadas (normas de direitos fundamentais, normas da organizao econmica).

O Direito Constitucional uma cincia jurdica que, como avanamos anteriormente, se ocupa do estudo da constituio poltica do Estado.

Para Canotilho, existem duas perspectivas a adoptar no estudo do direito constituicional, a saber:1. Perspectiva dogmtico-constitucional, voltada para o estudo de um ramo do direito pertencente a uma ordem jurdica concreta doutrina do direito constitucional;

2. Perspectiva teortico-constitucional, interessada principalmente na fixao, preciso e aplicao de conceitos de direito constitucional, desenvolvidos a partir de uma construo terica e no com base numa constituio jurdico-positiva teoria da constituio.

A perspectiva metodolgica adoptada pelo autor assenta na ideia de o discurso constitucional ganhar sentido juridicamente til quando centrado numa constituio positiva (ex.: a Constituio da Repblica de Moambique de 2004) e no numa constituio ideal, de contedo abstracto, sem qualquer ligao a uma ordem histrica concreta.

Interessa, sobretudo, compreender e analisar a fora e valor normativos de uma constituio concreta, historicamente situada. Isto significa tambm a necessidade de a cincia do direito constitucional ser constitucionalmente adequada, ou seja, uma cincia desenvolvida em torno de uma ordem jurdico-constitucional positiva.

Para Canotilho, a adopo de uma perspectivajurdico-dogmticano significa que adoutrina do direito constitucionalse possa divorciar de umateoria da constituio.Esta ltima ilumina criticamente os limites e possibilidades do direito constitucional e contribui para a investigao, descoberta e refutao das solues jurdico-constitucionais. Procurar-se-, assim, obter a conjugao de dois planos: (1) o da teoria da constituio, onde se discutem os problemas constitucionais sob um prisma teortico-poltico; (2) o da doutrina do direito constitucional que estuda, descreve e problematiza as estruturas fundamentais de uma lei constitucional positiva2.

A metdica constitucional procura fornecer os mtodos de trabalho aos aplicadores-concretizadores das normas e princpios constitucionais. Atravs da metdica captam-se as diferentes funes jurdicas de uma lei fundamental, investigam-se os vrios procedimentos de realizao, concretizao e cumprimento das normas constitucionais. metdica constitucional caber trabalhar e compreender o direito constitucional positivo (ex.: atravs da interpretao, qualificao e anlise das normas), de modo a que o trabalho jurdico possa optimizar as normas e princpios do Estado de direito democrtico constitucionalmente conformado.

Miranda sintetiza que o mtodo prprio da Cincia jurdica omtodo dogmtico, que consiste na interpretao e construo, anlise e sntese, induzir para deduzir mais tarde, andar do particular (da norma ou do preceito) para o geral (a unidade do sistema) e deste, outra vez, para o particular (a subsuno das situaes e relaes da vida); em suma, uma elucidao racionalizante e totalizante.

Este autor refere que o maior vcio do positivismo consiste na rendio do jurista perante o legislador, conjuntural ou no. O maior vcio do formalismo reside em pedir lgica mais do que aquilo que pode dar. Pelo contrrio, o Direito est acima e para alm da lei; h valores suprapositivos a atender, nicos que lhe podem imprimir razo e permanncia; a elaborao cientfica implica o apuramento de conceitos, mas no se esgota na sua concatenao; o sistema confrontado com a mediao do problema; a lgica fornece processos de raciocnio, no fornece solues.

De resto, o Direito uma realidade cultural, indesligvel das demais experincias humanas (2), e existe uma comunicao constante e dialctica entre normas e factos.

No que nossa disciplina em especial importa, haver que contar com a directa relao entre a Constituio e aquilo que se tem chamadorealidade constitucional,ou realidade poltica, econmica, social e cultural que lhe subjaz, a que pretende aplicar-se e de que depende, em maior ou menor medida, o seu modo de vigorar.

Elementos de Estudo do Direito Constitucional

O elemento primeiro e fundamental de estudo do Direito constitucional a Constituio, porm, no basta ler o texto vigente da Constituio do pas. necessrio compar-la com outras Constituies de outros pases e com Constituies j no vigentes do mesmo pas. (Miranda, 2000).

O Direito constitucional Direito vivo e prtico. As noes adquiridas tm de ser postas prova, documentadas e cotejadas com o labor e os resultados da interpretao e da aplicao das normas quer plos rgos polticos, quer plos rgos sujeitos a critrios jurdicos de actuao.

H, por conseguinte, que estar atento legislao de execuo da Constituio e jurisprudncia constitucional(latissimo sensu).

4. Cincia do Direito Constitucional, Cincias Constitucionais e Cincias Afins

Ao Direito constitucional em sentido objectivo (conjunto de normas jurdicas) corresponde o Direito constitucional em sentido subjectivo (conhecimento dessas normas). Ao Direito constitucional corresponde a cincia do Direito constitucional.

A Cincia do Direito constitucional no , portanto, seno a Cincia Jurdica ou Jurisprudncia aplicada ao Direito constitucional; a disciplina cientfica que, seguindo o mtodo jurdico ou dogmtico, visa reconstruir o Direito constitucional como sistema normativo; a cincia social normativa que procura apreender o sentido de certos factos sociais, os polticos, atravs das normas que os regem.

Por outras palavras: a Cincia do Direito constitucional a cincia jurdica do Estado, aquela disciplina que tem por objecto o Estado, mas o Estado mediatizado pela Constituio - seja o que for que, em rigoroso plano doutrinal ou terico, se entenda ser a Constituio.

Sem embargo das especialidades que resultam do objecto material, a natureza e a funo da Cincia do Direito constitucional em nada diferem da natureza e da funo das demais disciplinas jurdicas.

No se trata s da unidade essencial de todo o Direito e de toda a Cincia jurdica. Trata-se tambm, porque o Direito constitucional o tronco do ordenamento estatal, da interdependncia de seu estudo e do estudo dessas outras disciplinas. Hoje, no se afigura possvel a elaborao dogmtica, pelo menos, de grandes princpios de diversos ramos de Direito sem uma referncia ou compreenso sistemtica a partir do Direito constitucional.

ATeoria Geral ou Doutrina Geral do Direito pblicoprocura, da mesma forma que a Teoria Geral do Direito civil e, de certo modo, em reaco contra tendncias demasiado privatsticas da Teoria Geral do Direito, encontrar esquemas e categorias comuns s vrias disciplinas de Direito pblico assim,v. g., osconceitos de pessoa colectiva pblica, atribuies, rgo, deliberao, funo, competncia, poder funcional, acto, procedimento, processo.

ATeoria Geral do Estado, por seu turno, pode ser tomada ou como construo judica do Estado, das suas condies de existncia e das suas manifestaes vitais, ou (menos frequentemente) como enquadramento do Estado na dupla perspectiva de realidade jurdica e realidade social. Em qualquer dos casos, visa o Estado em si ou, melhor, certo tipo de Estado, no este ou aquele Estado localizado.

Ambas estas disciplinas distinguem-se bem da Cincia do Direito constitucional, pois que no intentam reconstruir sistematicamente nenhum Direito constitucional positivo, nem perscrutar o sentido das suas normas para a aplicao aos casos concretos ou para que delas tomem conscincia os destinatrios. Todavia, so com elas comunicveis: por um lado, a Cincia do Direito constitucional assim como a Histria do Direito constitucional e o Direito constitucional comparado fornecem os dados com que trabalham as Teorias Gerais; em compensao, estas pem disposio do intrprete e do legislador instrumentos mais apurados de anlise e de formulao dos comandos normativos.

1. Direito constitucional, Histria do Direito constitucional e Direito constitucional comparado

A Cincia do Direito constitucional completada ou auxiliada pelaHistria do Direito constitucionale peloDireito constitucional comparado( semelhana do que se passa com outras disciplinas da ordem jurdica estadual, mas ainda com mais forte razo).

A Histria constitucional est para o Direito constitucional como, em geral, a Histria do Direito para a Cincia do Direito. E afasta-se da Histria das instituies polticas (um dos aspectos da Histria poltica) na medida em que a Histria das instituies apenas toma em conta as instituies como realidades existentes na vida social, ao passo que a Histria constitucional pretende chegar s instituies atravs do estudo da sucesso de normas constitucionais e das correspondentes vicissitudes.

A Histria das instituies d preferncia ao modo efectivo como se vo conformando, ao longo do tempo, as instituies polticas; a Histria constitucional parte da Constituio para chegar ao conhecimento das instituies.

O Direito constitucional comparado - se se quiser, a comparao de Direitos constitucionais -assenta em sistemas jurdicos positivos, mas no necessariamente vigentes. Ou se trata de sistemas que coexistem em determinada poca (comparao simultnea) ou de sistemas que pertencem a momentos diferentes em um ou mais de um pas (comparao sucessiva).

A diferena entre Direito Comparado e Histria do Direito consiste no seguinte: o Direito comparado tem por fim o estabelecimento de relaes de semelhana ou diferena, de afinidade ou repulsa entre institutos e sistemas; a Histria tem por fim o estabelecimento de relaes de causa e efeito entre institutos e sistemas que se sucedam cronologicamente (); o primeiro acarreta uma viso de predominncia esttica, mesmo se reportada a realidades sucessivas; a segunda uma viso dinmica e gentica mesmo se localizada em dada poca; aquee envolve abstraco; esta requer insero num vasto panorama institucional e social.

Enlace entre a Histria e o Direito constitucional comparado vem a dar-se naHistria constitucional comparada(assim, confronto entre o regime da liberdade de imprensa em Portugal e no Brasil desde 1900 ou entre o Parlamento britnico e o francs nos ltimos cem anos). Conceito complexo, o que a distingue no tanto o debruar-se sobre as instituies jurdicas ao longo dos tempos quanto o procurar captar as respectivas linhas de conservao e de transformao.

A: Cincias Constitucionais

Canotilho define cincias constitucionais como aquelas disciplinas cujo objecto de compreenso e investigao , imediatamente, nos seus aspectos fundamentais, o direito constitucional e a constituio.

1. Doutrina do Direito ConstitucionalPor Doutrina do Direito Constitucional considera-se a disciplina juridico-cientfica que tem como objecto o estudo do direito constitucional vigente em determinado pas. A tarefa principal da doutrina do direito constitucional consiste na investigao, compreenso e extrinsecao daquilo que, com base no direito constitucional positivo, considerado como jurdico-constitucionalmente vinculante. Uma Doutrina do direito constitucional reconduz-se ao estudo da ordem constitucional global ou de parte dessa mesma ordem (sistemtica do direito constitucional), com o objectivo de investigar e captar, sob uma perspectiva jurdico-constitucional, as solues constitucionais de um determinado problema concreto (metdica do direito constitucional).

2. Teoria da ConstituioNo obstante continuar a ser discutido o lugar teortico-cientfico da chamada Teoria da Constituio(Verfassungslehre,na terminologia alem), pode afirmar-se que esta cincia constitucional se assume, fundamentalmente, comoteoria poltica do direito constitucionalecomo teoria cientfica da dogmtica de direito constitucional(Morlock),pertencendo-lhe discutir, descobrir e criticar os limites, as possibilidades e a fora normativa do direito constitucional.

A ela incumbe descrever, explicar e refutar os seus fundamentos ideais e materiais, as suas condies de desenvolvimento, pondo em relevo as complexas relaes entre a constituio e a realidade constitucional.

3. Histria ConstitucionalA Histria Constitucional estuda a evoluo do direito constitucional(histria do direito constitucional)e da constituio material(histria constitucional em sentido amplo),abrangendo a histria das instituies. Enquanto a doutrina do direito constitucional estuda uma ordem constitucional concreta, positiva e vigente, a Histria Constitucional preocupa-se, sobretudo, com ordenamentos constitucionais que deixaram de ter vigncia e validade jurdica formal (mas h tambm histria do direito constitucional vigente), de forma a compreender e explicar as primeiras manifestaes do direito constitucional quer escrito quer eventualmente praticado de determinados perodos histricos23.

4. Poltica ConstitucionalA Poltica Constitucional preocupa-se com a definio de conceitos e estratgias, tendo em vista uma futura alterao do direito constitucional vigente(poltica de direito constitucional)e da prpria realidade constitucional(poltica constitucional).Consequentemente, poltica constitucional pertence: (1) discutir e explicar os fins, os meios e os resultados a obter com as suas propostas de modificao constitucional(poltica constitucional como anlise de fins, meios e resultados);(2) criticar e desenvolver estratgias de aco com a finalidade de obteno de resultados prticos de conformao constitucional(poltica constitucional como proposta de aco poltica).

5. Direito Constitucional ComparadoPor cincia do Direito Constitucional Comparado entende-se a cincia que estuda, descreve e explica vrios sistemas constitucionais positivos, tentando captar as suas dimenses fundamentais e os seus traos unificadores e compreensivos(Cincia do Direito Constitucional Comparado).

Repare-se, porm, que qualquer das cincias constitucionais anteriormente referidas doutrina do direito constitucional, histria constitucional, teoria da constituio e poltica constitucional pode ser objecto de estudos comparados (comparatstica), motivo pelo qual se fala no apenas de Cincia do Direito Constitucional Comparado mas deCincias Constitucionais Comparadas

B. As Cincias Afins do Direito ConstitucionalEssas disciplinas so designadas, algumas vezes, como Cincias Afins do Direito Constitucional.

1. Teoria Geral do EstadoNo obstante a problematicidade do objecto, mtodo e forma de conhecimento, a Teoria Geral do Estado ainda hoje compreendida como o estudo do que respeita ao Estado em si, como fenmeno da histria poltica e da vida social. De um modo geral, ela procura captar as caractersticas do Estado, o seu aparecimento e transformao, as vrias formas de Estado, as ideias sobre o Estado e os fins do Estado. Inicialmente, os propsitos de uma Teoria Geral do Estado eram os de teorizar sobre tudo o que diz respeito ao Estado de todos os Estados, independentemente do tempo, espao e condicio-nalismos sociais (a Teoria Geral do Estado como teoria da Cincia do Estado)28. A Teoria Geral do Estado, ao pretender captar o serdo Estado (H.Krger) oua essncia do Estado(Ermacora)corre o risco de se transformar numa cincia estatista e a-histrica, com falsas generalizaes e descontextualizaes.

2. Direito do EstadoPorDireito do Estadocompreende-se hoje a disciplina que estuda o complexo de normas de direito pblico respeitantes aos princpios estruturantes do Estado, sua organizao e funcionamento, e s relaes fundamentais entre o Estado e os cidados. Para a caracterizao do Direito do Estado, utilizam-se conjuntamente trs critrios: (1) ocritrio formaltoma sobretudo em conta o criador das normas (quem faz o direito do Estado, respondendo se em geral que o Direito do Estado umdireito estadualmente legislado;(2) ocritrio dos destinatrios,porque o Direito do Estado se dirige aos rgos do Estado (a quem se aplicam as normas do Direito do Estado); (3)critrio material ou funcional,pois as normas integradas no Direito do Estado regulam a ordem fundamental do Estado.

As relaes do Direito do Estado com o Direito Constitucional podem caracterizar-se assim: (a) o Direito do Estado inclui no seu estudo as normas que fixam a competncia do Estado, organizam as instituies estaduais e definem as tarefas do Estado, mas no se limita a ser (nem ) um estudojurdicodas normas do Estado, nem restringe o seu mbito extensional s normas do Estado, pois abrange questes de poltica, sociologia, histria (b) o Direito do Estado inclui o estudo de normas de direito constitucional que dizem respeito organizao e funcionamento dos rgos do Estado (e, nesta medida, o Direito do Estado Direito Constitucional e o Direito Constitucional e Direito do Estado), mas inclui tambm o estudo de normas constantes de simples diplomas legais (ex.: lei da nacionalidade, leis eleitorais, leis sobre a organizao do governo, regimentos parlamentares. Desta forma, o Direito do Estado mais extenso que o Direito Constitucional, pois nem todas as normas jurdicas disciplinadoras do Estado esto ou devem estar plasmadas na Constituio; por outro lado, existem problemas constitucionais regulados no reconduzveis a problemas do Direito do Estado (ex.: normas sobre direitos fundamentais, direito municipal).

3. Cincia PolticaNo fcil hoje dar uma definio de Cincia Poltica nem precisar o seu objecto e mtodo de investigao. Fala-se, antes, depluralidadede perspectivas teorticas subjacentes s vrias orientaes da Cincia Poltica: (a) aperspectiva ontolgico-normativaremonta s tradies da filosofia prtica e da filosofia poltica, procurando captar os fins e os bens prosseguidos pela actividade poltica (ou que devem ser prosseguidos), falando-se assim emcincia normativa da poltica;(b)perspectiva emprico-analticaque transfere para a anlise dos fenmenos polticos os postulados do conhecimento cientfico (verificabilidade, sistema, generalidade), procurando explicar a realidade poltica de uma forma descritiva e neutral; (c)perspectiva dialctico-histrica(tambm chamada, por vezes, Cincia Poltica Crtica) que pretende analisar o poltico e a poltica baseada numa teoria da sociedade e numa teoria da histria, de forma a tornar transparente os fenmenos do domnio poltico (Estado, luta de classes, totalidade social, aparelhos ideolgicos e repressivos, etc.)

Por sua vez, Miranda ensina que alm da Cincia do Direito constitucional, outras disciplinas tm por objecto material, dos seus ngulos prprios, o fenmeno poltico. So a Cincia Poltica, a Sociologia Poltica, a Sociologia do Direito constitucional, a Cincia Poltica Comparada, a Histria Poltica Comparada.

A Cincia do Direito constitucional considera a sociedade (poltica) atravs das normas que se lhe dirigem; debrua-se sobre a ordem da sociedade, e no sobre a sociedade enquanto tal; desvenda a imagem do Estado que so as normas, e no (ou no tanto) a que d a sua prtica. As outras disciplinas cada uma das quais, alis, oferecendo certa variedade de orientaes de base e de metodologia voltam-se para os factos, no seu desenrolar emprico e funcional;

Assim, enquanto que a Cincia do Direito constitucional configura o Estado na veste de instituio jurdica, a Cincia Poltica toma-o como sistema de relaes, foras e comportamentos, tendo como fundo o poder ou a interferncia no poder. Enquanto que a Cincia do Direito constitucional se ocupa, antes de mais, da regularidade ou da validade da aco do poder, a Cincia Poltica ocupa-se (ou ocupa-se principalmente) da sua efectividade.

A distino entre a Cincia do Direito constitucional e a Sociologia Poltica no oferece hoje grande melindre, passada a voga do sociologismo de incio do sculo. Outra coisa vem a ser a separao da Cincia Poltica da Sociologia Poltica e desta da Sociologia do Direito Constitucional.

Aproximativamente, dir-se- que a Cincia Poltica estuda o fenmeno poltico em si, as estruturas govemativas e as estruturas de participao poltica, estuda e tenta reconstituir os sistemas de poder; a Sociologia Poltica estuda o fenmeno poltico situado no domnio mais vasto dos fenmenos sociais e pretende conhecer as aces recprocas entre o Estado e outras manifestaes da vida social, pretende conhecer a aco e reaco que existe entre o fenmeno poltico e os demais fenmenos sociais; a Cincia Poltica descreve e analisa os sistemas polticos; a Sociologia Poltica procura explic-los atravs de mtodos sociolgicos adequados.

A Sociologia do Direito Constitucional a sociologia jurdica especial cujo fito consiste em dar a conhecer o modo como surgem, perduram e se aplicam as regras constitucionais; ou, doutra perspectiva, a sociologia jurdica especial que se volta para as instituies constitucionais toando-as como instituies sociais (). Mas poder acabar por haver larga zona de sobreposio.

Quanto Cincia Poltica Comparada, ela est para a Cincia Poltica como o Direito Constitucional Comparado para o Direito Constitucional.

E tambm disciplina de charneira a Histria Poltica Comparada, paralela da Histria Constitucional Comparada.

Cincia do Direito Constitucional como com a Cincia Poltica, estruturalmente uma cincia prtica.

4. Caracteres Distintivos e constitutivos do Direito Constitucional

Apesar da inexistncia de um critrio nico e seguro para distinguir entre direito pblico e direito privado, a caracterizao do direito constitucional como direito pblico tem uma funo didctica e prtica, pois permite pr em relevo algumas manifestaes tpicas deste direito:1. Enquanto o direito pblico tendencialmente caracterizado pela adopo de formas de aco unilateralmente ditadas (lei, regulamento, acto administrativo, sentena direito coactivo),no direito privado predomina essencialmente (mas no exclusivamente) a autonomia privada (ordem igualitria direito flexvel);

2. Os poderes pblicos tm de agir e s podem agir quando tm competncia constitucional ou legalmente fixada (princpio da determinao constitucional de competncias), ao passo que os sujeitos privados gozam de tendencial liberdade na conformao de relaes jurdicas (embora haja tambm tipicizao de competncias ou de atribuies nas relaes jurdicas de certos ramos de direito privado como o direito das coisas, o direito de famlia, o direito de sucesses);

3. A actuao dos poderes pblicos subordina-se aprincpios constitucionaisinderrogveis princpio da constitucionalidade, princpio da legalidade, princpio da publicidade que no valem, ou valem em medida e grau diferente, para as relaes jurdico-privadas;

4. Ocontrolo jurisdicionaldos actos das entidades pblicas pode justificar jurisdies e processos especficos (processo de inconstitucionalidade -> Tribunal Constitucional; controlo da legalidade -> tribunais administrativos) enquanto para as relaes jurdicas privadas se fala numavia judiciria ordinria(tribunais comuns).[1]

Caractersticas do Direito ConstitucionalODireito Constitucional converte-se em elemento de unidade do Ordenamento Jurdico da Comunidade no seu conjunto, tendo em conta que na Constituio onde se estabelece pressupostos de criao, vigncia e execuo das normas do restante ordenamento jurdico.

Assim, o Direito Constitucional possui determinadas particularidades que o identificam, quais sejam:

A: Posio Hierarquico-normativa

O direito constitucional um ramo de direito dotado de certas caractersticas especiais. Tem uma voz especfica expressa atravs da forma, do procedimento de criao e da posio hierrquica das suas normas. Estes elementos permitem distingui-lo de outras constelaes normativas do ordenamento jurdico.

O direito constitucional caracteriza-se pela suaposio hierarquico-normativa superiorrelativamente aos outros ramos do direito. Ele estabelece-se numa posio superior em relao aos outros ramos do direito. Esta superioridade hierarquico-normativa concretiza-se e revela-se em trs perspectivas:

(1) as normas do direito constitucional constituem umalex superiorque recolhe o fundamento de validade em si prpria(autoprimazia normativa);(2) as normas de direito constitucional sonormas de normas (norma normarum),afirmando-se como fonte de produo jurdica de outras normas (normas legais, normas regulamentares, normas estatutrias); (3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o princpio da conformidade de todos os actos dos poderes polticos com a constituio.

1. A auto-primazia normativa: As normas constitucionais no buscam a sua validade a partir de outras normas com dignidade hierrquica superior, ou seja, elas so umalex superiorique recolhem o fundamento da sua validade em si prprias (autoprimazia normativa), normas democraticamente elaboradas, aceites e portadoras de um valor normativo formal e material superior.

A superioridade normativa do direito constitucional implica, como se disse, oprincpio da conformidadede todos os actos do poder poltico com as normas e princpios constitucionais. Em termos aproximados e tendenciais, o referido princpio pode formular-se da seguinte maneira: nenhuma norma de hierarquia inferior pode estar em contradio com outra de dignidade superior (princpio da hierarquia), e nenhuma norma infraconstitucional pode estar em desconformidade com as normas e princpios constitucionais, sob pena de inexistncia, nulidade, anulabilidade ou ineficcia (princpio da constitucionalidade).

As normas de Direito Constitucional so normas normae normarum, afirmando-se como fonte de produo jurdica de outras normas, isto so normas de normas ou fonte primria de produo jurdica implica, o que implica a existncia de um procedimento de criao de normas jurdicas no qual as normas superiores constituem as determinantes positivas e negativas das normas inferiores;

Conformidade de todos os actos do poder poltico com a Constituio e princpios constitucionais, isto nenhuma norma de hierarquia inferior pode estar em contradio com outra de dignidade superior (principiode hierarquia das normas), e nenhuma norma infraconstitucional pode estar em desconformidade com as normas e princpios constitucionais, sob pena de inexistncia, nulidade, anulabilidade ou ineficcia (principio da constitucionalidade). Isto vem a significar que as normas superiores constituem fundamento da validade das normas inferiores e determinam, at certo ponto, o contedo material destas ltimas;

Limitadora das normas de hierarquia inferior, dado que as normas de direito Constitucional desempenham uma funo de limite relativamente s leis ordinrias e regulam parcialmente o prprio contedo das normas inferiores de forma a obter-se no apenas uma compatibilidade formal entre as normas constitucionais e as normas ordinrias, mas tambm, uma verdadeira conformidade material.

2. Fonte Primria da Produo Normativa: O carcter das normas de direito constitucional comonormas de normasoufonte primria da produo jurdicaimplica a existncia de um procedimento de criao de normas jurdicas no qual as normas superiores constituem asdeterminantes positivas e negativasdas normas inferiores. No quadro deste processo de criao, concebido verticalmente como um processo gradual, as normas superiores constituem fundamento de validade das normas inferiores e determinam, at certo ponto, o contedo material destas ltimas. Da a existncia de umahierarquia das fontes do direito,isto , uma relao hierrquica, verticalmente ordenada, semelhana de uma pirmide jurdica.

3. Direito heterodeterminante- Uma das consequncias mais relevante da natureza das normas constitucionais concebidas comoheterodeterminaes positivas e negativasdas normas hierarquicamente inferiores a converso dodireito ordinrioemdireito constitucional concretizado.Comodeterminantes negativas,as normas de direito constitucional desempenham umafuno de limiterelativamente s normas de hierarquia inferior; comodeterminantes positivas,as normas constitucionais regulam parcialmente o prprio contedo das normas inferiores, de forma a poder obter-se no apenas uma compatibilidade formal entre o direito supra-ordenado (normas constitucionais) e infra-ordenado (normas ordinrias, legais, regulamentares), mas tambm uma verdadeira conformidade material.

4. Natureza supra-ordenamental- A concepo de normas constitucionais no sentido denormae normarum,isto , normas sobre a produo jurdica, significa ainda que o ordenamento constitucional umsupra-ordenamentorelativamente aos outros ordenamentos jurdicos do territrio moambicano.

B: Auto garantia do Direito ConstitucionalO direito constitucional um direito que gravita em volta de si mesmo, porque a observncia dessas normas no assegurada pela forca de outras instncias superiores da ordem jurdica, apelando para as suas prprias forcas e garantias de forma a assegurar as condies de realizao e execuo das suas normas (auto garantia).

Todos os rgos dos poderes pblicos, de forma especial os rgos de soberania, devem assumir a responsabilidade de respeitar e cumprir as normas constitucionais, independentemente de estas serem ou no susceptveis de execuo forada, e a sua no observncia poder acarretar algum tipo de sano.

Por vezes, considera-se mesmo o direito constitucional como direito sem sano ou como um conjunto de normasimperfectaeouminus quam perfectae,dado que a sua violao no acompanhada por medidas de coero (sanes) jurdicas adequadas.

Porm, o Direito Constitucional, semelhana de muitos outros ramos da ordem jurdica, no tem hoje apenas uma funo repressiva; incumbe-lhe igualmente uma funo promocional.

A ideia de direito constitucional como direito sem sano s vlida se com ela se quer aludir ideia de autogarantia, como trao diferenciador deste direito relativamente aos outros ramos da ordem jurdica. A observncia das suas normas no assegurada pela fora de outras instncias superiores da ordem jurdica; um direito que gravita sobre si mesmo, apelando para as suas prprias foras e garantias, de forma a assegurar as condies de realizao e execuo das suas normas. Da que no haja, rigorosamente, um defensor da constituio fora ou acima do direito constitucional: todos os rgos dos poderes pblicos, e, de forma especial, os rgos de soberania, devem assumir a responsabilidade do respeito e cumprimento das normas constitucionais, independentemente de estas serem ou no susceptveis de execuo forada (coercibilidade) e de no observncia das mesmas se ligar qualquer tipo de consequncia desfavorvel (sano).

C: TransversalidadePor fora do lugar iminente que ocupa o Direito Constitucional, faz-se com que este trace as grandes opes da comunidade, o que determina a sua relao com inmeros temas relevantes para a convivncia colectiva.

D: PolicidadeDado que o seu objecto o estatuto do poder poltico;

E: EstadualidadePor ser o Direito Constitucional, um sujeito e objecto do prprio Estado e por representar a radicalidade da soberania estadual.