cidade e educaÇÃo: espaços compartilháveis tfg fau usp 2014

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CIDADE E EDUCAÇÃOespaços compartilháveis

trabalho final de graduaçãomarcela sayeg johansson

professor orientadoralexandre delijaicov

fau usp julho 2014

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O Trabalho Final de Graduação na FAU tem o caráter de reunir o conhecimento desenvolvido coletivamente e as experiências vividas ao longo dos anos da graduação, a partir de um enfoque escolhido pelo estudante. À primeira vista pode parecer um trabalho individual, mas na verdade não é possível que seja. São muitos anos de encontros, conversas e silêncios, muitas pessoas envolvidas, amigos, mestres, companheiros.

Como reunião de todos esses momentos, este TFG busca sintetizar alguns conceitos que estiveram presentes na formação dos estudantes da FAU. Muitos podem passar desapercebidos, desavisados, ou mesmo distantes disso que aqui se apresenta, no entanto espera-se reforçar sua importância para o que se acredita ser a construção coletiva dos espaços públicos e da cidade como espaço de encontro.

A escolha do tema foi fortemente instigada pelo papel educador que o edifício da FAU possui para nós que nele convivemos, que durante anos é a nossa casa, nossa cidade, com muitas das relações que podem se desenvolver em uma cidade, porém em escala quase familiar.

O espaço físico dessa faculdade, assim como o de muitas outras escolas, foi concebido de maneira a relacionar suas funções pedagógicas e cívicas. Do mesmo modo com que ele abriga as atividades acadêmicas, ele acolhe o cidadão visitante. Convidado a entrar no edifício que não possui portas, que se mostra como um grande salão público (chamado de Caramelo por causa de seu piso) o visitante passa por uma série de transições, percebendo que aos poucos adentra uma esfera cada vez mais íntima. Subindo a primeira rampa chega ao piso do Museu, espaço de exposição e produção dos estudantes, onde também ficam as salas do grêmio e da atlética e a cafeteria. Após a próxima rampa está a biblioteca e mais acima estão os espaços de uso mais dos estudantes e professores, as salas dos professores, os estúdios e as salas de aula. Não existem espaços exclusivos de circulação. As próprias rampas são espaços de encontro, que assim como os largos corredores, são as ruas da nossa cidade e possuem uma importante função pedagógica de promover o encontro.

PREFÁCIO

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É a partir do encontro que se fundamenta toda a experiência pedagógica na FAU, assim como é a partir do encontro que se desenvolve a vida. Do ponto de vista desse trabalho, os momentos mais ricos de aprendizado foram aqueles nos quais tivemos a oportunidade de trocar opiniões, os momentos de assembleia, as reuniões, palestras e os fóruns que realizamos nos espaços do Caramelo e do Museu. O caráter desses espaços é claramente público e são os espaços que mais se assemelham às praças das cidades, aos lugares públicos que permitem encontros. As salas de aula são espaços fechados, com um propósito mais defi nido e possuem um forte traço de espaço privado, são espaços de refl exão mais individual, que atendem a função para a qual foram criados. Na FAU aprendemos a valorizar os espaços sem programa, que na verdade são os espaços de muitos programas, onde muitas atividades diferentes podem acontecer. A possibilidade de abrigar o inesperado, o espontâneo, é umas das maiores virtudes que consideramos que um espaço pode ter. Dar suporte à criatividade e ser fl exível para abrigar diversos usos são características que defenderemos ao longo desse trabalho, tanto para os espaços internos aos edifícios, quanto para os espaços públicos que formam uma cidade.

A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro nessa vida. Vinícius de Moraes.

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APRESENTAÇÃO

Este TFG procura apreender alguns aspectos fundadores da escola para então analisar o uso que se faz deste instrumento nos dias de hoje.

A relação entre o espaço físico e as diferentes pedagogias foi um enfoque inicial. A maneira como o espaço pode influenciar as relações que nele são produzidas é um dos objeto desse estudo. A forma como a pedagogia também se apropriou de formas arquitetônicas para melhor atingir seus objetivos é colocada de maneira a questionar a continuidade que se estende desde o início da escola como a conhecemos hoje.

A escola foi criada com certos objetivos e para eles foi pensada. No entanto os objetivos mudaram e as formas continuam praticamente as mesmas. No meio de um processo que vai se desenhar como crise da educação é necessário repensar seus meios e seus métodos.

Partindo de conceitos usados durante a graduação para compreender a cidade, tais como rede de equipamentos públicos, infraestrutura, espaços de transição, habitação, rua viva, chegou-se à hipótese de que é necessário integrar cidade e educação para que ambas atinjam o desenvolvimento desejado.

Acredita-se que por meio da crítica e da formulação de utopias é possível transcender o óbvio, que permanece dormente sob olhares acostumados.

“A utopia é revolucionária porque ela é o anúncio de um mundo que se humaniza” (FREIRE, 1971, p. 43)

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2 PREFÁCIO

4 APRESENTAÇÃO

8 INTRODUÇÃO

INVENÇÃO DA ESCOLA 12 ESCOLARIZAR E GOVERNAR

18 DAS RUAS AOS INTERNATOS

20 PEDAGOGIA E CONDUÇÃO

22 ASPECTO GRUPAL DA SALA DE AULA

24 ASPECTO INDIVIDUALIZADOR DA SALA DE AULA

26 MÉTODO GLOBAL INDIVIDUALIZADOR

TRANSFORMAÇÕES NA ESCOLA32 FUNÇÕES DA FORMA

36 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS

40 ESCOLA COMO MICRO-CIDADE

44 ESCOLAS CLASSE ESCOLA PARQUE

48 PRAÇA DE EQUIPAMENTOS SOCIAIS

ESCOLA NA CIDADE54 ESPAÇO DO APRENDIZADO E ESPAÇO DA PRÁTICA

56 REDE DE EQUIPAMENTOS

58 BAIRRO ESCOLA

64 CASO DA VILA ROMANA

68 CONSIDERAÇÕES:

ANEXOS72 VISITA À ESCOLA AMORIM LIMA

76 VISITA AO PROJETO ÂNCORA

80 BIBLIOGRAFIA

82 AGRADECIMENTOS

SUMÁRIO

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Na FAU fica evidente o quanto o espaço transforma as relações entre as pessoas. As salas de aula têm uma dinâmica, os estúdios têm outra. As aulas que acontecem em um desses lugares não são como as que acontecem no outro. Escolhemos o espaço que vamos usar para determinada aula conforme a necessidade daquele momento, se precisamos trabalhar em grupos, vamos para os estúdios, se precisamos expor uma apresentação, usamos as salas de aula. Além desses dois espaços onde basicamente as aulas acontecem, temos muitos outros espaços que podemos dizer que fazem parte desse grupo de “espaços pedagógicos”. Aqui na FAU, de fato, todos os espaços se tornam educativos e poderiam entrar nesse grupo. As rampas, o piso do museu, a biblioteca, o ateliê interdepartamental, o grêmio e o caramelo, especialmente, me fazem acreditar que são espaços verdadeiramente educativos, mas qualquer lugar pode e deve ser educativo.

A convivência com esses espaços ao longo dos últimos anos foi muito instigante e me fez buscar mais informações sobre espaços escolares, sobre um tema tão falado em arquitetura tal como é a arquitetura escolar. Por isso, estagiei durante um ano no Departamento de Edificações da prefeitura de São Paulo - EDIF 3, onde são projetadas as escolas municipais.

O título desse trabalho a princípio era Formar espaços, espaços que formam, que se refere a uma expressão em alemão (Räume bilden) que é uma espécie de trocadilho com as palavras espaço e formação. A princípio esse foi o nome dado por professores alemães a um convênio de intercâmbio entre a universidade de Siegen e o grupo de pesquisa em projeto de equipamentos públicos, do qual eu faço parte. O intercâmbio teria como objetivo colocar pessoas da FAU em contato com pessoas da universidade de Siegen, na Alemanha, em especial com os cursos de arquitetura e pedagogia. Esse nome tomou um significado ainda maior para mim, pois me parece capaz de sintetizar o objeto desse estudo. Não basta dizer arquitetura escolar para definir um tema que ultrapassa o projeto do

INTRODUÇÃO

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edifício escolar. Formar espaços, espaços que formam, é o caminho que se propõe a partir dessa pesquisa. Todos os espaços formam, dão forma tanto às mentalidades, quanto as dinâmicas que constroem o nosso aprendizado. Formar aqui não significa restringir, contornar, mas sim estruturar, construir. Espaços que formam são espaços que nos ensinam a apreender e compreender melhor a nossa realidade, o nosso espaço e o nosso tempo.

Há tempos eu imaginava como seria uma cidade onde a escola não funcionaria apenas dentro de seu próprio terreno. O lugar da escola seria um ponto de encontro para onde convergiriam todas as pessoas que quisessem aprender algo específico e que geralmente está inscrito entre os escopos dos currículos mais convencionais. Por exemplo, geralmente uma pessoa vai à escola para aprender a ler, para aprender a fazer contas, para aprender história, etc. Assim, pessoas de uma certa faixa etária se dirigem a um mesmo lugar todos os dias, com o objetivo de receber certo conhecimento. Na minha cidade imaginária, essas mesmas pessoas, e outras tantas mais, de todas as idades, se dirigiriam a escola não com o objetivo de aprender, mas para se encontrar com outras pessoas que também querem aprender. Assim, nesse ponto de encontro elas se conheceriam e se agrupariam para buscar esse conhecimento na cidade, nos equipamentos públicos e nos espaços livres. A princípio o bairro deveria prover o conhecimento básico, primário. Cada bairro acabaria por ter suas próprias especificidades, ou seja, eles se complementariam formando um conjunto de bairros educadores, totalizando uma grande cidade educadora.

Em uma cidade como essa é fundamental que os meios de transporte funcionem, conformando uma rede capaz de realizar os fluxos que cada curiosidade pode criar. Logo, se um grupo que se encontrou na escola decide que o próximo encontro que irá responder suas indagações deverá ser no teatro do bairro, por exemplo, todos os membros do grupo devem ter acesso ao meio de transporte que os levará à sua próxima “sala de aula”.

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INVENÇÃO DA ESCOLA

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Saber porque a escola que conhecemos é como é, ajuda-nos a ver quais decisões foram tomadas no passado e que processos ocorreram para chegarmos a esta determinada configuração. A escola é uma construção histórica, produto de um desenvolvimento que incluiu outras alternativas e possibilidades. Uma vez que ela é o lugar principal de encontro dos educandos, questionar por que esta opção triunfou e quais opções foram excluídas pode contribuir também para pensar outros caminhos.

Se uma pessoa pergunta espontaneamente na rua o que é uma escola, pode receber muitas respostas. Em algumas delas, pode aparecer a sala dos professores, a biblioteca, os pátios; em outras, a diretora, o porteiro. Se pensarmos em uma escola rural, talvez a figura da diretora seja ao mesmo tempo a da professora, o pátio talvez seja o campo ao redor e a biblioteca, uma reivindicação pendente há anos. Entretanto, podemos quase garantir que em todas as respostas aparecerá um lugar que todos conhecemos e que surge como o núcleo, o elemento insubstituível da escola: a sala de aula. (DUSSEL, 2003, p. 29, grifo do autor).

Considerando então a sala de aula como elemento fundamental para a caracterização do que chamamos de escola, é necessário pontuar o surgimento desse elemento e a conjuntura que o criou. A sala de aula foi introduzida somente no final da Idade Média e início da Idade Moderna, assumiremos então por volta de 1500. Nesse momento as formas de governo se reestruturavam ao redor do poder do rei e sob o olhar do cristianismo, consolidando uma nova unidade coletiva diferente da organização feudal. “Este processo é muito complexo, uma vez que muitos fatores concorrem para sua estruturação: econômicos (o surgimento do capitalismo), políticos (a expansão colonial até a América, a Ásia e a África), sociais (a crescente urbanização da Europa ocidental) e religiosos (o desafio protestante).” (DUSSEL, 2003, p. 41)

ESCOLARIZAR E GOVERNAR

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Os fatores religiosos são especialmente relevantes para analisarmos o que ocorreu no âmbito da educação. Tornou-se necessária a interiorização das crenças e o exercício de um controle sobre elas para evitar que os fiéis se identificassem com a outra religião. O processo de autoconhecimento, estimulado principalmente pelo protestantismo, desencadeia o que Michel Foucault chamaria de técnicas do eu. A consciência toma lugar central na religião, sendo então crucial o domínio sobre as formas de se auto conduzir. A obediência como “boa consciência”, a obediência “interior”, torna-se cada vez mais importante e forma a base de nossa conduta.

A pedagogia desempenhará papel fundamental na estruturação das obediências e na configuração das moralidades (DUSSEL, 2003, p. 43).

Temos então um processo constitutivo de uma moral coletiva, no qual os indivíduos são incentivados a conduzir a si próprios, através do julgamento de sua consciência. Esse processo de moralização interessa particularmente aos reis e a outras autoridades da época. Já não se trata de impor a obediência cega sob ameaça de violência, mas de obter a obediência reflexiva, aceita como correta. Para governar torna-se necessário atuar de forma a conduzir as conduções individuais. Primeiramente a população precisa sentir que deve conduzir a si mesma, que deve cumprir regras e saber que caso não o faça deverá arcar com as consequências. Embora essa noção já tivesse antecedentes na Antiguidade clássica, ela se expandiu somente a partir desse momento. Apesar de o camponês da Idade Média ser obrigado a pagar impostos ao rei, ele não devia detalhadas explicações sobre o seu comportamento, sua vida tinha regulações provenientes de sua relação com a natureza, com sua religiosidade e seu trabalho. O rei não estava interessado na forma como o seu subordinado pensava, sentia e fazia, a não ser em relação as suas obrigações mínimas.

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Num segundo momento, após a população ter aceito que deve conduzir-se a si própria, é necessário agrupar, organizar e selecionar essas conduções individuais. Governar significa definir essas conduções dos súditos, é a condução das conduções.

A esse respeito afirmou Michel Foucault: “Em minha opinião, o ponto de contato no qual a forma de dirigir os indivíduos está ligada a outras conduções, como a forma de condução de si próprio, pode ser chamado de governo. Em um sentido amplo da palavra, ‘governo’ não é uma forma de forçar os homens a fazer coisas que o governante deseja; na realidade, trata-se antes de um equilíbrio móvel com agregados, e de conflitos entre as técnicas que garantem a obediência (imposição) e os processos através dos quais uma pessoa se desenvolve e se transforma” (Foucault, 1993, p. 203-204). Ou seja, para criar um governo, para criar um estado de “governamentalidade”(uma mentalidade de governo, que aceite e valorize o governo), duas coisas são necessárias: em primeiro lugar a condução de si próprio; e em segundo lugar a articulação, a união, a combinação de muitas conduções (a do pai, a do professor, inclusive a do médico) com a condução global de um estado moderno. (DUSSEL, 2003, p. 44)

Para articular as conduções, ou seja, para produzir um governo que deve ser produzido de maneira constante, embora já tenha sempre existido um certo número de leis e táticas de governo, durante a Idade Moderna esse processo vai se desenvolver e além das leis e códigos existentes, passa-se a investir em determinados empreendimentos econômicos, gerando intervenções que regularão outros aspectos da vida social, introduzindo novos agentes e instituições.

A escola faz parte desses novos tipos de intervenção: a preocupação em formar a consciência da população e de criar uma nova

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Aprendizagem da gramática na Alta Idade Média, extraído de um manuscrito inglês do século XIV.Fonte: DUSSEL, 2003, p. 50

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aceitação para as coisas que já existiam (os impostos, por exemplo) ou para as novas intervenções (o serviço militar obrigatório, por exemplo). (DUSSEL, 2003, p. 45)

Governar é, portanto, conduzir uma população e não somente reinar sobre um território ou um certo número de famílias. O próprio conceito de população vai além do que era conhecido na época e torna-se um conceito natural no decorrer das práticas de governo. A pedagogia é fundamental para governar, uma vez que trata de educar as consciências e os corpos. É na sala de aula que se dão as situações sociais nas quais se produzem as conduções, sendo, por um lado, requisitado da criança que ela conduza-se a si própria, obedecendo a ordem estabelecida e também conduzindo o seu próprio pensamento durante a aprendizagem. Por outro lado, tanto as crianças e os jovens, quanto os professores, estão numa situação na qual também precisam ser conduzidos, assim estão todos combinados em uma condução central, ou governo.

A relação entre essas duas esferas de condução, a individual e a coletiva, estabelece pontos de conflito, onde muitas vezes criam-se espaços de liberdade. Do ato de governar, por meio da regulação das condutas, aprende-se a fazer o uso da liberdade, que surge do encontro entre as conduções e do aprendizado gerado por ele. A mudança do sistema feudal, baseado na servidão, para o sistema capitalista, é impulsionada também por essa noção de liberdade.

Assim, o governo moderno, longe de ser a antítese da liberdade, é sua condição de possibilidade – pois a condução de si próprio e dos demais implica, paradoxalmente, a administração e a regulação da liberdade: governar-se é aprender a fazer uso da liberdade, de uma liberdade que nem é pura nem está livre de contaminação, mas que surge das aprendizagens sociais, das regulações e dos espaços intersticiais criados por elas. (DUSSEL, 2003, p. 44)

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Sala de aula na Alemanha, 1575.Fonte: DUSSEL, 2003, p. 30.

Escola da comunidade católica Brethren of the Common Life, fundada nos Países Baixos no século XIV, por Gerard Groote, famoso por ter sido o idealizador de escolas para pobres numa época em que isso era bastante incomum. Os centros da comunidade se dedicavam à transcrição de livros.Fonte: http://www.bildung.uni-siegen.de

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DAS RUAS AOS INTERNATOS

O edifício da escola tem seu surgimento atrelado a pressão eclesiástica de moralização da vida estudantil. Segundo o pensamento de Philippe Ariès, quando os jovens se mudavam para as cidades para frequentar as aulas e passavam a morar em pensões, fez-se necessário, por parte da Igreja, que tais pensões se transformassem em espécies de internatos. O objetivo era proteger os jovens das influências indesejadas pela Igreja, provenientes do contato com a vida na rua. Não era somente uma questão de garantir aos estudantes pobres a manutenção de suas vidas, mas sim de subjugá-los a uma certa maneira de conduzi-las.

Tratava-se de tirar os estudantes de seu espaço de liberdade: a rua. (DUSSEL, 2003, p. 49)

Aos poucos a arquitetura desses internatos foi se tornando mais complexa, ganhando outros espaços, tais como lugares para oração, claustros e salas de aula. Essas eram organizadas em duas filas de assentos voltadas uma para a outra ao longo da sala, onde sentavam os estudantes, enquanto o professor se sentava em uma das extremidades ou percorria o espaço no meio. Os internatos passaram a ser considerados a condição ideal para a aprendizagem, mas não se generalizaram como modelo por serem considerados muito caros. Mesmo assim, os espaços utilizados para a educação foram se tornando cada vez mais normatizados, buscando uma ordem que não encontrava-se nas ruas.

O governo das crianças ajustou-se progressivamente a um modelo de confinamento em instituições que buscavam a formação completa, em todos os aspectos, da criança ou do adolescente. (DUSSEL, 2003, p. 50)

É importante colocar que a separação dos espaços ainda não estava vinculada a idade dos alunos e que não havia um método específico de ensino. A infância como identidade que demanda tratamento e sensibilidade particulares ainda estava sendo formada.

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A questão a ser colocada é, no âmbito da sala de aula, por que motivo as crianças precisariam de uma forma de comunicação “metódica” especial. E já num âmbito mais abrangente, vale questionar a condução da Igreja com o intuito de afastar o aprendizado daquilo que acontecia na rua.

Interior de sala de aula do século XVI. As aulas se assemelhavam aos rituais religiosos.Fonte: http://kids.britannica.com/

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PEDAGOGIA E CONDUÇÃO

A palavra pedagogia compartilha sua raiz – ped: pé, aquele que anda a pé – com a palavra pedante, que é aquele que “se diz sábio”, aquele que pretende ser erudito. As primeiras definições buscavam diferenciar o pedagogo – entendido como um educador no sentido mais amplo, responsável pela educação – do pedante, que significaria “mestre que ensina gramática as crianças”, tendo um sentido mais restrito, encarregado do ensino. De uma forma ou de outra, a palavra está ligada a ideia de condução, sendo o pedagogo aquele que conduz. A maneira como se dará essa condução passou a ser o assunto da pedagogia, mas a noção de pedagogia como “a arte e a ciência de ensinar e educar as crianças”, que hoje nos parece natural, é uma invenção recente, surgida no século XIX (DUSSEL, 2003, p. 20).

Com a nova formação espacial das salas de aula, a pedagogia teve que buscar novas formas de comunicação, modelos de como dirigir e ensinar um conjunto de alunos. Além do modelo militar, o exército ainda não era a instituição que reconhecemos atualmente, com suas formações disciplinadas e uniformizadas, tinha-se o modelo do pastorado. “Tudo parece indicar que, àquela época, os pedagogos não viam numerosos conjuntos de alunos como uma “tropa”, mas sim como um “rebanho” (DUSSEL, 2003, p. 63). Liderar uma situação de sala de aula a partir dessa ideia, articulando a conduta de si mesmo, baseada na consciência, com a condução de um grupo, vincula a ação pedagógica ao poder pastoral.

A ideia básica do poder pastoral é que o poder do pastor não é exercido sobre um espaço, uma cidade, mas sim sobre um rebanho ou um conjunto de homens que se deslocam.(Foucault, citado em: DUSSEL, 2003, p. 64)

Foucault contrapõe esse modelo ao modelo grego da cidade e do cidadão. Enquanto em sua forma ateniense o exercício do poder constitui um direito e é a base da democracia, no caso das formações pastorais é visto como uma obrigação

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moral do pastor para com seu rebanho, e deste com relação a seu pastor. (DUSSEL, 2003, p. 64)

Esta forma de poder, além de acentuar as “obrigações”, e não os direitos, além de governar as pessoas, e não as coisas, tinha um objetivo maior, que não dizia respeito somente a disposição das coisas para os homens, mas sim a sua salvação. Para isso, eram necessárias técnicas que mantivessem o rebanho como totalidade e, ao mesmo tempo, que se ocupassem de cada membro individualmente. A obediência, no caso do pastorado, é uma dessas técnicas, um meio para alcançar a salvação; já no caso da sala de aula “obedece-se para alcançar um estado de obediência” (Foucault, citado em: DUSSEL, 2003, p. 65), a obediência converte-se ela própria em virtude.

Os primeiros pedagogos que procuraram criar modelos de ensino eram também clérigos, por isso existem muitas coincidências entre as técnicas de condução da pedagogia e as técnicas de condução das igrejas. No caso do poder pastoral, podemos perceber como modelo o momento da pregação, quando o pastor dirigia-se a totalidade de seu rebanho, ou então o momento da confissão, quando o fiel se dirige ao pastor. Desses modelos de relações derivaram formas diferentes de atuar numa nova proposta de sala de aula, agora voltada para um número muito maior de alunos, pensada por aqueles que estavam preocupados com a universalização da mensagem divina e com a moralização de grandes massas.

As formas de comunicação na sala de aula variaram principalmente entre vertentes que podem ser analisadas conforme suas abordagens, se mais individual e individualizante, dando ênfase ao modelo baseado no momento da confissão; ou se mais global, relacionando-se com o momento da pregação, voltando a atenção ao grupo como um todo.

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ASPECTO GRUPAL DA SALA DE AULA

Um pensador importante foi o clérigo checo Jan Amos Comenio (1592-1670), que ficou conhecido por muitos de seus livros didáticos “sensoriais” (aprender por meio de imagens, como em Orbis Sensualium Pictum), mas o escrito chamado Didactica Magna (1632) foi a obra que marcou a fundação da didática escolar moderna. Sua tese central baseava-se em metáforas com a natureza como criação divina, colocando o homem como parte desse conjunto. Assim, as práticas de ensino deveriam se basear na observação da natureza e essa seria a maneira de se alcançar a perfeição. Comenio comparava o professor ao sol e os alunos aos seres terrestres, que se iluminam pelo sol e só podem existir plenamente sob sua luz. O papel central do professor unifica as funções vitais da sala de aula, ele se coloca a frente de seus alunos e transmite o conhecimento. Essa relação deu origem ao nome do método de Comenio, que passou a ser chamado de Global. Por causa da posição espacial do professor em relação aos alunos, esse método também foi chamado de Frontal.

Seguindo a lógica protestante na qual todos deveriam se conduzir por meio da consciência, o método Global se opõe a mera memorização das lições e coloca que a obediência deveria ser alcançada não por meio de repreensões, mas sim por meio da compreensão. Comenio propunha que os usais salões impessoais e sombrios fossem substituídos por salas de aula bem iluminadas, limpas e com pinturas educativas sobre as paredes. Tanto o tom do professor, quanto o clima do espaço deveriam se afastar do padrão repressivo, estimulando o desenvolvimento do grupo de maneira ordenada.

A educação elementar passa a ser moralmente obrigatória, apesar de ainda não o ser legalmente, assim as escolas recebem donativos de famílias mais ricas e também dos Estados. Para Comenio o aumento do número de alunos nas salas de aula não impede que o professor continue sendo a figura centralizadora e unificadora do grupo. Por mais que existisse a figura do monitor, um aluno mais adiantado que auxilia o trabalho na sala de aula, as funções mais importantes ainda se concentram sob a responsabilidade do professor.

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O governo das crianças apresenta-se nesta versão por meio de sua condução grupal. Comenio acreditava que a obediência grupal, mais do que o controle individual, constituía a técnica escolar adequada para conduzir a alma das crianças maciçamente. (DUSSEL, 2003, p. 75)

Sala de aula inglesa, gravura de 1836.Fonte: DUSSEL, 2003, p. 30.

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ASPECTO INDIVIDUALIZADOR DA SALA DE AULA

Se Comenio relacionava a aula ao funcionamento da pregação, com o professor se dirigindo ao grupo como o pastor se dirige ao seu “rebanho”, existiu, por outro lado, uma pedagogia que acentuou o outro aspecto do poder pastoral: a atenção a cada indivíduo, provavelmente derivada da prática católica de confissão e absolvição, criticada pelos protestantes.

Os jesuítas regulamentaram uma pedagogia para todas as escolas da ordem em todo o mundo, escrita ao longo de várias décadas sob o nome Ratio Studiorum. A primeira versão foi sancionada em 1599 e manteve-se em vigor até 1832. Os jesuítas dedicaram-se a formação de um corpo erudito com o objetivo de ensinar outras gerações, não só aquelas que faziam parte da ordem, mas também dentro do Estado.

O número de alunos que vão as escolas aumenta e as salas de aula chegam a atender uma média de 200 a 300 alunos. Essas salas eram espaços claramente recortados da vida diária, só se permitia falar latim e se ensinava conteúdos literários clássicos. Contrariamente a pedagogia de Comenio, nesse método a compreensão ficava numa posição secundária, sendo mais importante a memorização e a prontidão ao receber as ordens. A figura do monitor foi inventada pelos jesuítas para auxiliar no controle dos alunos, que eram requisitados individualmente a recitar as tarefas memorizadas. A aula era uma parte pequena da jornada escolar e o contato individual era enfatizado.

Os alunos do método jesuíta aprendem que a obediência é uma virtude. O importante não é compreender o que significa o texto, mas sim recitá-lo de acordo com a ordem, exercendo seu papel de indivíduo que colabora com o bom funcionamento do grupo. O corpo singular torna-se um elemento, não importando sua força, mas sim o lugar que ele ocupa, a ordem segundo a qual ele opera seu deslocamento. Essa composição de forças exige um sistema preciso de comandos (FOUCAULT, 2009, p. 156). O sistema de vigilância sobre a obediência é mais desenvolvido e organizado do que no caso do método

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Global, pois é instaurada a individualização da obediência. Além do sistema de castigos, cria-se um sistema de notas para incentivar o que é considerado a boa conduta, o que gera a competição entre os indivíduos.

Gravura de 1592, provavelmente de uma escola de latim, onde se vêem o professor e seus colaboradores.Fonte: DUSSEL, 2003, p. 30.

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MÉTODO GLOBAL INDIVIDUALIZADOR

O cura francês Jean-Baptiste de La Salle organizou, por volta de 1680, uma fundação que se encarregou de arrecadar doações dos ricos e dos municípios com o intuito de abrir escolas e casas para crianças pobres. Com o apoio financeiro dos municípios sua rede de “escolas livres” expandiu-se consideravelmente e a fundação criou também um sistema de auxílio financeiro para as famílias que mandavam seus filhos para a escola.

Foi publicado em 1720 um Manual de orientação, escrito por La Salle, que detalhava tudo o que deveria ser feito desde o momento de abertura da escola, até seu fechamento, descrevia também os meios úteis e necessários para manter a ordem na sala de aula e definia critérios para a inspeção das escolas e a formação de professores. La Salle adotou o método Global em suas escolas, porém manteve a visão moralizadora das escolas jesuítas, desenvolvendo o que se denominou uma pedagogia do detalhe.

A minúcia dos regulamentos, o olhar esmiuçante das inspeções, o controle das mínimas parcelas da vida e do corpo eram características de sua estratégia (FOUCAULT, 2009, p. 136)

A comunicação na sala de aula ganhou um sistema de sinais que criava um ritual de obediência. O silêncio predominava, a não ser nos momentos de leitura simultânea, quando todos liam o mesmo texto juntos, a partir de livros iguais, como o material didático escrito por Comenio. Os sinais também requeriam respostas dos alunos como um grupo, que devia sentar-se ao receber determinado sinal, por exemplo. No entanto La Salle adotou também diversas formas disciplinadoras individualizadoras dos jesuítas, ampliando-as a ponto de exercer uma vigilância constante sobre o corpo infantil e sobre o corpo docente.

A localização ou disposição espacial definia dentro da classe categorias às quais os alunos ficavam vinculados. Enquanto

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no método de Comenio o grupo constituía uma massa indefinida, a disposição lasalleana tornou o espaço “serial”: um lugar para cada um, posições permanentes. A massa de alunos tornou-se analítica, com componentes que podiam ser considerados isoladamente. A partir desse sistema, ainda que chegasse a ter 100 alunos por classe, o docente sabia por que motivo cada um estava em cada lugar.

Pouco a pouco – mas principalmente depois de 1762 – o espaço escolar se desdobra; a classe torna-se homogênea, ela agora só se compõe de elementos individuais que vêm se colocar uns ao lado dos outros sob os olhares do mestre. A ordenação por fileiras, no século XVIII, começa a definir a grande forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios; colocação atribuída a cada um em relação a cada tarefa e a cada prova. (FOUCAULT, 2009, p. 141)

Além de contemplar aspectos práticos organizacionais, a proposta de La Salle produzia um “pastorado” equilibrado entre o método global e a individualização, o que representava uma grande vantagem para atender as diversas demandas de uma sociedade com pouca mobilidade social, com estratos bem definidos, onde importavam a obediência como grupo, o reforço da moralização e a disciplina maciça.

La Salle produziu uma síntese na qual a obediência grupal e a individual se combinavam, mas o método global foi priorizado, sendo o grupo o grande interlocutor. Assumia-se assim uma forma de condução onde a obediência grupal era decisiva, sendo que a desobediência individual podia ser corrigida, enquanto que a desobediência grupal era considerada uma catástrofe.

Uma das questões levantadas por Foucault (2009) diz respeito a descrição como um meio de controle. As crianças das escolas estavam submetidas a uma análise contínua de seu desenvolvimento, seus progressos eram recompensados

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com notas, suas faltas eram punidas com castigos. A “arte de punir”, no caso desse regime disciplinar, não visa nem a expiação, nem mesmo a repressão. Por meio de descrições do dia a dia das crianças é possível comparar uns aos outros, diferenciar os indivíduos entre si, hierarquizá-los, torná-los uma classe homogênea e excluir os indesejáveis “anormais”. Em suma, o método de dominação constituído por um sistemático trabalho de “descrição individualizadora” tem como objetivo final normatizar os indivíduos, gerando um grupo de indivíduos “normais”. Concluímos que o desejado como “indivíduo normal” na época em que se estruturaram as escolas era aquele capaz de se conduzir, ser obediente pela virtude de ser obediente, conforme as técnicas disciplinadoras, seja por meio de sua própria consciência, sob o efeito do medo gerado pela possibilidade de punição, ou incentivado pela competição das notas.

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Sala de aula infantil, escola de Londres em 1906. Fonte: DUSSEL, 2003, p. 31.

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TRANSFORMAÇÕES NA ESCOLA

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FUNÇÕES DA FORMA

Durante os anos de surgimento das escolas, como vimos no capítulo anterior, a arquitetura dos espaços e a preocupação com a disposição dos elementos na sala de aula foi se tornando cada vez maior. Num primeiro momento a sala de aula ainda não era equipada sequer com mesas e cadeiras adequadas, mas isso foi mudando com o passar dos anos. O desenvolvimento das atividades pedagógicas desencadeou a necessidade de se pensar o espaço também como um instrumento para realizar os propósitos da escolarização. A esse respeito Foucault escreve tanto sobre escolas, quanto sobre hospitais, fábricas e prisões, colocando o edifício como um sujeito ativo que atua sobre os indivíduos; o hospital como operador terapêutico e a escola como operador de adestramento (FOUCAULT, 2009, p. 166).

Por muitos anos, e mesmo até hoje, o espaço das escolas empregou um esquema arquitetônico criado para facilitar e promover a vigilância. Em meados do século XVIII o filósofo Jeremy Bentham desenvolve um desenho para um novo ideal de prisão, no qual as celas ficam lado a lado na periferia de uma construção circular e no centro fica a torre de vigilância. As aberturas nas paredes permitem que quem estiver na torre possa enxergar todas as celas, no entanto quem está na cela não consegue ver quem está na torre. Dessa forma, é impossível verificar se realmente existe alguém na torre, mas tem-se sempre a presença da vigilância. Foucault coloca que tal dispositivo dissocia o poder de um determinado indivíduo, já que qualquer um poderia entrar na torre e observar, exercendo o poder da vigilância. É o edifício que transforma essa relação de poder, assegurando que com a disposição dos corpos no espaço estabelece-se a nova relação.

Quanto mais numerosos esses observadores anônimos e passageiros, tanto mais aumentam para o prisioneiro o risco de ser surpreendido e a consciência inquieta de ser observado. O Panóptico é uma máquina maravilhosa que, a partir dos desejos mais diversos, fabrica efeitos homogêneos de poder. (FOUCAULT, 2009, p. 192)

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O esquema panóptico permite que o poder que era exercido e centralizado num único indivíduo, uma autoridade, seja compartilhado entre todos. No caso das escolas, e de outras instituições panópticas, qualquer um pode entrar para visitar e, por meio de sua curiosidade, entender como funciona aquela instituição, mas ao mesmo tempo estará exercendo uma vigilância e garantindo o seu funcionamento. A tendência é de que a vigilância, que era exercida por indivíduos específicos, seja uma vigilância constante de cada um sobre os outros.

O esquema panóptico, sem se desfazer nem perder nenhuma de suas propriedades, é destinado a se difundir no corpo social; tem por vocação tornar-se aí uma função generalizada. (FOUCAULT, 2009, p. 196)

O espaço escolar se consolidou com essa forma panóptica, exercendo uma função para a qual havia sido pensado. As salas de aula se organizaram uma ao lado das outras ao longo de corredores, pelos quais era possível observar cada uma. A divisão seriada se especializou, dividindo as turmas de 200 alunos e separando-os conforme suas aptidões, seu ritmo de progresso e idade. A economia do tempo, ou seja, a maneira como o tempo deveria ser gerida, é também foco de preocupação; é preciso capitalizar o tempo, apropriando-se das existências singulares, isolando o tempo de formação do período da prática e gerando uma dependência individual

Panóptico, centro penitenciário modelo, desenhado em 1789 pelo filósofo Jeremy Bentham. Sua forma facilitava a vigilância e gerou um conceito que depois foi aplicado a escolas, hospitais, prisões e fábricas, instituições que precisavam desse tipo de controle sobre as pessoas que nela estavam.

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em relação ao mestre. Um sistema de graduações vai se encarregar de classificar os indivíduos em relação ao tempo e às suas aptidões.

Esse é o tempo disciplinar que se impõe pouco a pouco à prática pedagógica – especializando o tempo de formação e destacando-o do tempo adulto, do tempo do ofício adquirido; organizando diversos estágios separados uns dos outros por provas graduadas; determinando programas, que devem desenrolar-se cada um durante uma determinada fase, e que comportam exercícios de dificuldade crescente; qualificando os indivíduos de acordo com a maneira como percorreram essas séries. (FOUCAULT, 2009, p. 153)

A despeito de todas as transformações nas relações pedagógicas dos próximos séculos e alheia às novas interações desejadas em sala de aula, a arquitetura seguiu reproduzindo o mesmo espaço dos séculos de sua formação, que em combinação com as novas práticas, ao invés de reproduzir o comportamento que sempre produziu, passou a produzir comportamentos conflitantes com esse espaço e essas novas relações. O espaço se tornou um empecilho para a realização das práticas pedagógicas que se pretendiam emancipadoras, mas que se combinavam a um espaço criado para induzir a vigilância e, consequentemente, a obediência. A utilização de uma forma criada com as funções de classificar, ordenar, comparar e finalmente excluir o diferente, para fins de agrupar e promover a convivência está condenada a não extrair do espaço as possibilidades que ele pode promover.

Planta do projeto de Eugene Beaudoin e Marcel Lods para a Open-Air school de Suresnes, Paris, 1935.

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Nos anos 1920-30 houve um surto de tuberculose que obrigou as escolas a tornarem seus espaços mais ventilados. A demanda causou mudanças no espaço das escolas, mas a forma pedagógica continuou a mesma.

Os alunos permanecem na mesma posição, enfi leirados, de frente para a lousa e o professor. Open-air School de Suresnes, Paris, 1935.

Vista aérea da Open-air School de Suresnes, Paris, 1935.Distribuição das salas de aula separadas umas das outras para permitir melhor ventilação.

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A arquitetura tem se aproximado infalivelmente do projeto de escolas a partir de uma posição menos do que crítica. (HERTZBERGER, 2008, p. 11)

Com exceção de algumas experiências, a arquitetura, de fato, como critica Hertzberger, pouco contribuiu com as renovações pedagógicas dos anos que se seguiram após a revolução industrial. Os edifícios escolares permaneceram basicamente iguais desde então, com suas numerosas salas de aula ao longo dos corredores.

O crescente número de alunos fez da participação deles em sua própria aprendizagem um elemento importante para possibilitar o melhor aproveitamento do tempo. Os métodos pedagógicos se desenvolveram nessa lógica entre os séculos VXII e XIX, por meio da escola mútua, mas o método global foi paulatinamente se afirmando. Apesar disso, a posição centralizadora do professor passou a ser relativizada. Nas pedagogias do século XIX os alunos são incentivados a buscar elementos de aprendizagem na interação entre si e fora do ambiente da sala de aula.

Algumas escolas desenvolveram salas específicas para o estudo de determinados assuntos, fazendo com que os alunos tivessem que se movimentar por entre elas, conferindo uma dinâmica diferente para o conjunto da escola. Essa descentralização comprometeu a hegemonia da sala de aula como um espaço autônomo e isso transformou as escolas, onde agora os alunos visitavam salas de diferentes assuntos em cada período; a sala de aula como o lugar permanente e único das aulas foi se tornando uma coisa do passado. (Hertzberger, 2008, p. 24-25)

O aparecimento de salas especiais, como laboratórios de ciências, pouco influenciou no arranjo arquitetônico da escola, que infelizmente se contentou em encaixar as salas especiais dentro da mesma forma de uma sala qualquer. Alguns casos eram exceção, como o ginásio, que por ser bem maior também abrigava as atividades que reuniam

MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS

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Open-air school de J. Duiker, Amsterdam, 1929. Foi a primeira escola do tipo open-air. Com o surto de tuberculose da época os projetos das escolas passaram a contar com espaços mais abertos e ventilados.

Planta do segundo piso, com salas de aula separadas por um pátio aberto que favorecia a ventilação das salas.

Foto aérea: a escola fi ca no interior de uma quadra, cercada por edifícios habitacionais. O pórtico na fachada entre as casas sinaliza a entrada da escola.

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mais de uma classe. Aos poucos os corredores entraram no território de aprendizagem, primeiro com sua função de conectar as salas; ainda eram somente um espaço de circulação, mas por causa da intensificação dessa, o corredor foi adquirindo outras funções, como apresentar cartazes e trabalhos de uma classe para outra, ou até mesmo promover o encontro entre os alunos.

A interação do conjunto de classes se tornou parte da rotina da escola e os professores perceberam que era possível melhor verificar os efeitos do ensino em sala de aula quando os alunos interagiam fora desse espaço, como se estivessem fora da escola (Duarte, 2009). No Brasil, o arquiteto Hélio Duarte inseriu o pátio no programa das escolas a partir dessa observação. Analisando as transformações da nova dinâmica da escola comparamos os corredores com as ruas da cidade, onde os cidadãos se deslocam, mas principalmente se encontram; o pátio seria a praça, onde todos interagem. Essa analogia com a cidade estava estabelecida nos espaços e também na pedagogia, já que temos pedagogos como Anísio Teixeira, que vão colocar a escola como um lugar onde as crianças estão treinando para serem melhores cidadãos.

Espaço interior de uma das Apollo school - são dois edifícios com o mesmo projeto, no mesmo terreno. A escada é, ao mesmo tempo, circulação e espaço de convívio.

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A mesma escada, sendo usada como auditório, agora ocupada pelos estudantes.

A mesma escola, fotografada do mesmo ângulo, em 1980. Podemos reparar que na foto recente existem grades novas que segregam a escola do passeio público, que antes era integrado.

Apollo school, Amsterdam, 1980, Herman Hertzberger.Foto tirada em 2013.

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ESCOLA COMO MICRO-CIDADE

Existem escolas onde o conteúdo a se transmitir numa aula não é o objetivo principal. Como dito anteriormente, a escola deveria atender a necessidade de formar cidadãos aptos a conviverem em sociedade. Não é o bastante ensinar a ler e a contar, é preciso praticar a convivência de maneira a preparar as crianças e os jovens para atuar na vida.Nessas escolas, o momento em sala de aula se desdobra em atividades em grupo e a interação entre os alunos ou o trabalho individual é mais importante do que assistir a aula. Em salas assim existem múltiplos centros de atenção e, em cada um, uma atividade se desenvolve; já em salas onde o professor centraliza a transmissão do conhecimento, a sala se transforma em um único grupo de ouvintes. No primeiro caso o espaço precisa abarcar diferentes situações, sendo mais apropriado um espaço articulado, que potencialize tanto o encontro de grupos pequenos, quanto a concentração de um aluno sozinho. Para a sala de aula com um grupo só ouvindo o professor, basta um espaço de apenas um ambiente. Apesar dessas diferenças, poucas escolas se adaptaram espacialmente a essas novas dinâmicas de interação. Encontramos bons exemplos da sala articulada nas escolas Montessori de Delft e Amsterdã, projetadas por escritórios públicos holandeses. A pedagogia de Maria Montessori começou a ser usada em escolas que adaptavam casas comuns, onde é na sala e na cozinha que as crianças passavam a maior parte do tempo. Quando as escolas são projetadas ainda são previstas salas de aula com espaços de cozinha e sala articulados, espaços que ajudam nas atividades que a pedagogia propõe.As escolas no Brasil mantiveram o padrão espacial das salas de um ambiente só, geralmente retangulares. No entanto, as pedagogias adotadas aqui também promovem momentos em grupo e momentos mais individuais, que nãos se adaptam bem ao espaço, gerando situações de conflito. Por não permitirem a formação de centros de atenção independentes, como a sala articulada permite, os espaços das salas retangulares causam uma sobreposição de atividades que não ajuda nem o trabalho em grupo, nem a concentração individual.Podemos estabelecer um paralelismo entre as salas de aula

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Sala de aula da mesma escola. De acordo com a pedagogia do método de Maria Montessori, as crianças trabalham em atividades que elas mesmas escolhem. Por isso, o espaço deve possibilitar tanto o trabalho em grupo, quanto a concentração individual. As salas de aula são articuladas, oferecendo oportunidade para a formação de grupos de diferentes tamanhos, em espaços integrados, mas também aconchegantes.

Entrada da escola Montessori de Delft, projeto de Herman Hertzberger enquanto funcionário do escritório público de arquitetura de Amsterdam. O pequeno desnível na entrada, com os bancos, formam um espaço de transição e acolhimento - um convite para entrar na escola.

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de uma escola e as casas de uma cidade. Cada turma tem a sua casa e dentro dela, cada indivíduo deve ser capaz de se sentir acolhido. Esse é o aspecto mais privado da sala de aula, que deveria funcionar como um porto seguro, uma base de onde os alunos podem sair para explorar a escola, para explorar a cidade.Um espaço interessante da escola Montessori de Delft é a antessala, que faz a transição entre a sala de aula e o pátio. Ali os alunos da sala podem expor seus trabalhos para o restante da escola, mostrando sua identidade de grupo. Esse espaço é uma transição tanto espacial, quanto conceitual, que relaciona a classe com o grupo escolar. Também oferece um lugar onde é possível formar grupos com indivíduos de outras turmas, é como um território neutro de aproximação entre elas. Essas antessalas poderiam ser comparadas aos espaços coletivos da cidade, tais como os cafés, padarias, bares, livrarias. Assim, se caracterizam, principalmente, por promover encontros entre grupos diversos, ainda que pertençam a um certo grupo.O pátio é o centro da vida na escola, assim como a praça é o centro das cidades pequenas. Tradicionalmente a praça é o lugar da vida pública, dos mercados e das grandes trocas, na escola o pátio é o lugar onde todos se encontram, individualidades e grupos. Assim o é também em Atenas da antiguidade, embora seja importante frisar que a praça, Ágora, não é o espaço que associamos com o exercício da democracia, função reservada ao espaço da assembleia, Pnyx, que só era acessível aos cidadãos: homens livres da alta aristocracia excluindo mulheres, pequenos comerciantes, crianças e escravos. Os espaços que poderíamos associar àqueles de exercício da vida política estão, na escola, concentrados nas áreas dos adultos: na sala dos professores, na diretoria, na administração... As crianças não costumam ter muito acesso a eles, a não ser por meio de participações nos conselhos e representações discentes, que muitas vezes precisam ser conquistadas pelos alunos. Poucas escolas estimulam a participação dos alunos nas suas decisões políticas e, mesmo aquelas que possuem um grêmio de estudantes, raramente se valem desse instrumento com esse objetivo.

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ESCOLAS CLASSE ESCOLA PARQUE

Preocupado com as relações entre educação e arquitetura, o educador Anísio Teixeira, se inspirou nas experiências de John Dewey e suas escolas Platoon, que foram visitadas por Anísio quando este estudou nos Estados Unidos, para, juntamente com o arquiteto Diógenes Rebouças, desenvolver o projeto-piloto dos Centros Populares de Educação.

Enquanto Secretário Geral de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, o educador Anísio Teixeira planejou a construção de 28 Escolas Platoon.

As escolas Platoon eram dividas entre salas de aula ordinárias, onde eram dadas as aulas teóricas, e salas de aula especiais, onde se davam práticas que complementavam o aprendizado teórico, incluindo no currículo o contato entre o saber e o fazer.

As salas especiais abrigavam atividades como música, artes plásticas, direção vocacional; também ofereciam novos espaços, como sala de leitura, ginásio, salas de trabalhos manuais, sala de ciências, biblioteca, clínica e refeitório. Este último desempenhava um papel fundamental: era o lugar onde se encontravam as crianças, que eram dividas em dois turnos, chamados pelotões. Foi possível otimizar o uso dos espaços por meio dessa divisão, com cada turno usando um tipo de sala.

Após essa experiência, Anísio assumiu, em 1947, a Secretaria de Educação da Bahia e passou a planejar os Centros Populares de Educação (DUARTE, 2009, p. 103). Este projeto foi destinado ao nível primário e era um sistema de vários conjuntos constituídos por subsistemas de Escolas Classe e Escola Parque.

As Escolas Classe são assim chamadas por serem formadas pelo conjunto de salas de aula ordinárias, enquanto a Escola Parque era o conjunto das salas especiais. No funcionamento desse sistema as crianças se revezavam entre os dois diferentes tipos de escolas. Por ser uma grande inovação a escola parque chama a atenção, tornando a

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Acima esquema do Centro Educacional Carneiro Ribeiro: 4 escolas classe de uma região são atendidas por uma escola parque.

Ao lado: turnos de revezamento das turmas nas escolas classe e escola parque. Fonte: DUARTE, 2009, p. 124-125.

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ideia do sistema mais comumente conhecida pelo binômio Escolas Classe – Escola Parque, ou, simplesmente, Escola Parque.

No conjunto construído havia 4 Escolas Classe para uma Escola Parque. O primeiro Centro foi inaugurado em 1950, em Salvador, e logo de início, passou a ser chamado de Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Apesar de, dentre os dez planejados, só um centro ter sido construído, o que se seguiu foi a implementação do sistema das Escolas Classe – Escola Parque no plano piloto de Brasília. A experiência marcou a história da educação brasileira.

Interior do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, Escola Parque construída em Salvador, idealizada pelo educador Anísio Teixeira, que buscava incluir atividades práticas e artísticas no cotidiano escolar.

Exemplo de escola rural projetada por Lelé, como a de Visconde de Mauá, construída usando o seu famoso sistema de pré-moldados em argamassa armada. As peças eram produzidas em fábricas que o arquiteto planejou, facilitando o processo de construção no canteiro de obras.

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Desenho de Oscar Niemeyer para o projeto dos CIEPs, 1984, Rio de Janeiro.O projeto, assim como o dos CEUs, nos anos 2000, também se inspirou nas escolas parques de Anísio Teixeira.Fonte: http://www.oscarniemeyer.org.br/

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PRAÇA DE EQUIPAMENTOS SOCIAIS

Equipamentos públicos são instalações e espaços de infraestrutura destinados aos serviços públicos de educação, saúde, cultura, assistência social, esportes, lazer e saneamento, onde é prestado de forma presencial algum tipo de serviço do poder público à pessoa física ou jurídica. (http://dados.gov.br/group/equipamentos-publicos - visitado em 12/05/2014)

A novidade concebida por Anísio Teixeira era esse sistema de ensino baseado num conjunto de espaços especialmente pensados para complementar as atividades das Escolas Classe. Embora esses espaços tenham sido planejados para atender uma concepção própria da Escola Nova, poderíamos dizer que, a princípio, a Escola Parque equivaleria ao conceito de praça de equipamentos sociais.

A obra de Anísio Teixeira se tornou inspiração para outros projetos que também iriam fundamentar-se no conceito de praça de equipamentos, como os CIEPs e CIACs projetados por Oscar Niemeyer e João Filgueiras Lima, nos anos 80, no estado do Rio de Janeiro, e os Centros Educacionais Unificados, conhecidos simplesmente como CEUs, projetados nos anos 2000, por meio do Departamento de Edificações (EDIF), escritório público da prefeitura de São Paulo.

O projeto dos CEUs buscou reativar uma visão sistêmica sobre o funcionamento dos equipamentos públicos. Foram planejados como praças de equipamentos sociais para se integrarem à rede de escolas existentes e à comunidade de seu entorno, potencializando-as. Os equipamentos que não possuíam espaços de cultura, lazer e esporte poderiam usufruir dos espaços dos CEUs, assim como todas as pessoas do bairro, já que eles foram pensados para ficarem sempre abertos, inclusive nos finais de semana. A princípio foram previstas 45 unidades e escolheu-se terrenos onde a carência de equipamentos públicos voltados para cultura e lazer fosse maior. Pensados, para desencadear um processo de mudanças

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CEU: projeto implementado em São Paulo a partir dos anos 2000. As unidades são compostas pelos blocos didático (com as varandas), cultural (mais fechado, por conter o teatro) e a creche (circular).Na proposta inicial as piscinas seriam fechadas e aquecidas, para prática de esportes. Graças à participação das comunidades elas ganharam espaço para tomar sol e o caráter recreativo. Nos andares superiores do bloco didático ficam as salas de aula, de acesso mais específico dos alunos, com janelas voltadas para uma varanda que dá a volta no bloco. Em contraposição aos corredores fechados de algumas escolas, as varandas têm vista para a cidade e são largas, abrangem 2,5 metros de piso e 3,5 metros de teto, como o convés de um navio. Nas extremidades ficam os pátios das escolas, como popa e proa. A biblioteca, os vestiários, o refeitório e a padaria comunitária ficam no térreo, mais próximo do acesso público à toda comunidade.

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no lugar em que fossem construídos, atuam como pólo catalisador de uma rede.

A participação da comunidade foi uma ferramenta crucial, desde o momento da escolha dos terrenos até a elaboração do programa de necessidades dos equipamentos, processo que vamos chamar de arquitetura do programa. Faz parte desse processo elencar quais tipos de atividades poderiam se desenvolver e que espaços seriam adequados. Por exemplo, decidir onde iria ficar a piscina e como ela seria usada, se fechada e aquecida, ou se aberta, com espaço para tomar sol; ou qual seria o formato do teatro - na primeira proposta a plateia seria móvel, mas a população decidiu que o teatro deveria ter um auditório fixo e um palco com cortina de veludo.

A pista de skate, segundo esporte mais praticado na cidade de São Paulo, foi outra conquista da população. O projeto original não previa esse equipamento e foi a partir da participação dos jovens nos debates que a pista foi incorporada ao projeto arquitetônico. (PEREZ, 2010, p. 216)

O momento de construção das ideias é o início do projeto arquitetônico e foi fundamental que possibilitasse a participação de todos. A construção coletiva do imaginário foi uma das maneiras encontradas para incentivar a noção de pertencimento entre a comunidade e os novos equipamentos dos CEUs.

Além de estreitar o vínculo entre as pessoas e o novo projeto, estavam ativando a noção de comunidade, que seria fundamental para a gestão daqueles espaços. O projeto arquitetônico e as intenções de promover transformações sociais caminham juntos. A intenção era que os CEUs fossem geridos por líderes escolhidos pela comunidade, pessoas que estão mais envolvidas com as demandas e também desejos ainda não formulados, mas sensíveis àqueles que vivem no lugar.

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Os CEUs foram construídos em regiões onde a carência de equipamentos culturais era mais alta.Alguns, como o CEU Navegantes (fotos ao lado), estão em áreas onde poucas casas possuem infraestrutura de esgoto, por exemplo. Nesse CEU foi planejada uma micro-estação de tratamento de esgoto, que poderia tratar até 99% dos resíduos. Porém os órgãos responsáveis pelo tratamento de esgoto em São Paulo não permitiram a ativação, alegando que a água deveria ser 100% tratada. A ideia dos CEUs era levar esse tipo de discussão para as regiões que ainda precisam lutar pela infraestrutura.

A construção dos CEUs é a síntese de processos que envolvem tanto a construção coletiva do imaginário, quanto a construção coletiva do lugar. O espaço físico é um esqueleto que assume diferentes caráteres, dependendo de sua apropriação, que é a vida do lugar. É o uso e a maneira de cuidar do espaço físico que realça ou esconde as intenções projetadas. O traço é do arquiteto, mas é guiado pelas vontades coletivas e é por elas compreendido e apreendido. Ele pode ser concretizado na forma arquitetônica como um convite para o encontro e cabe às pessoas que vivem naquele espaço aceitá-lo.

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ESCOLA NA CIDADE

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ESPAÇO DO APRENDIZADO E ESPAÇO DA PRÁTICA

Muitas vezes afirma-se que a escola não é mais o lugar de somente transmitir alguns conhecimentos especiais, mas sim “o lugar onde as crianças vivem e, diariamente, são postas em contato com a reais experiências industriais e sociais, da comunidade da vida, experiências que as educam e armam para os mais árduos problemas da existência adulta que os espera” (Anísio Teixeira, citado em DUARTE, 2009, p. 99). Mas, de qualquer forma, mesmo aproximando-se o aprendizado da prática, as crianças estarão separadas da vida real.

Fica claro o papel de destaque que a infância conquistou, ganhando, inclusive, um espaço diferenciado. No entanto, na maioria da vezes, a infância fica reduzida a uma preparação para a vida adulta, como se as crianças fossem incompletas enquanto estivessem em “processo de formação”. Cria-se um mundo a parte, longe das mazelas do mundo, que fica do lado de fora dos muros da escola, onde as crianças podem praticar.

Os muros da escola dividem dois mundos, um que se pretende como o da prática para as crianças, e um outro: o da prática dos adultos. Quem passa ao lado desse muro só pode tentar imaginar o que acontece no outro mundo. A relação entre os dois mundos é estabelecida, do lado de dentro, pelos adultos que organizam o mundo das crianças que se preparam para um dia enfrentar o mundo dos adultos, do lado de fora. O poder está nas mãos daqueles que podem escolher o que vai entrar de um mundo para o outro e, quase sempre, são alguns poucos adultos que fazem isso.

Ao mesmo tempo que os muros colocam as crianças nesse lugar de aprendizado, eles excluem todos os outros que ficam do lado de fora. O aprendizado fica recluso, assim como as crianças, tornando os dois exclusivos daquele espaço cercado. As experiências práticas do mundo dos adultos, ficam no território inacessível externo a escola. Mas por não estarem no espaço predestinado ao aprendizado, essas experiências não passam de afazeres do dia-a-dia dos apressados adultos, que as vezes não enxergam mais que podem aprender com elas.

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Assim como é caro à educação que as crianças tenham acesso às experiências reais da vida, é também aos adultos, que ficam fora da escola, que eles possam ter acesso as experiências de aprendizado e que possam, junto com as crianças, continuar aprendendo. Já que o espaço de aprendizado é um elemento importante aos dois mundos, mesmo que muitas vezes permaneça como uma incógnita para quem não vai mais à escola, seria ideal que esses mundos pudessem compartilhar o mesmo espaço. Afinal, ao que tudo indica, os dois mundos se ativam e se potencializam mutuamente.

Crianças no Tibet, em um campo de refugiados, 1960.Mesmo sem o espaço físico da sala de aula, eles se organizam como se estivessem nela. Fonte: HERTZBERGER, 2010.

Street cubes, Amsterdam. Simples cubos de concreto oferecem possibilidade de encontro e convivência na cidade.Fonte: HERTZBERGER, 2010.

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REDE DE EQUIPAMENTOS

Anísio Teixeira escreve sobre as Escolas Parque: “destinadas a complementar a tarefa das escolas-classe, [...] mediante uma rede de instituições ligadas entre si, dentro da mesma área” (DUARTE, 2009, p. 141). Para o pedagogo era necessário um novo meio para complementar o aprendizado, e, para isso, ele propôs a criação desse lugar que reuniria tudo o que fosse colaborar.

O que vai nos importar a partir dessa descrição é a ideia de uma rede de instituições. Entendemos que existe um conjunto de equipamentos públicos em São Paulo que não é apreendido como uma rede. Há uma diferença fundamental entre ser gerido como rede e ser usado como tal. Também é essencial o entendimento de que existem redes independentes, que funcionam dentro de secretarias diferentes, como a rede de escolas é independente da rede de hospitais. No entanto é a integração das redes existentes, de forma a conectá-las através do uso, que nos interessa.

A obra de Anísio abriu caminho para projetos como o dos CEUs. O processo de construção coletiva que aconteceu em São Paulo acordou diversos setores da sociedade. Articulou diferentes secretarias, integrando ao âmbito da educação âmbitos como o da cultura, saúde, esporte, lazer e assistência social. Ativou um processo de participação das comunidades, dando a elas voz ativa nas decisões e na gestão do projeto.

Todas as conquistas desse processo nos indicam que é possível promover uma integração de diversos setores por meio de um viés que é caro a todos: a educação. É possível aproveitar como motivação para essa integração o objetivo que guiou Anísio Teixeira: o de educar cidadãos. Tendo isso como meta, entendemos que a escola se mostrou parte fundamental desse processo, mas ao longo dos ano foi se aproximando da cidade para se aperfeiçoar em suas possibilidades.

A rede de equipamentos deve ser usada como tal, um equipamento promovendo o uso de outro. A escola, como um equipamento aglutinador da comunidade, pode ajudar a dar o passo inicial.

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BAIRRO ESCOLA

Ah! a rua.Só falam de tirar as crianças da rua.Para sempre?Eu sonho com as ruas cheias delas.É perigosa, dizem: violência, drogas…E nós adultos, quem nos livrará do perigo urbano?De quem eram as ruas?da polícia e dos bandidos?Vejo por outro ângulo:um dia devolver as ruas às crianças,ou devolver as crianças às ruas;ficariam, ambas, muito alegres.(Paulo Freire, citado em Caderno territórios educativos para educação integral).

Ressignificar a prática educativa, abrindo a escola e levando as suas atividades para além de seu espaço específico. Essa é uma meta que muitas pessoas, comunidades e organizações vêm buscando nos últimos tempos. Algumas experiências pontuais, como o caso de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, ou de Belo Horizonte, se tornaram incentivo para outras aventuras desse tipo. Em ambos os casos, as escolas fizeram parcerias com pessoas ou organizações de seu entorno com o objetivo de ampliar a jornada escolar, oferecendo educação integral. Os espaços que faltavam nas escolas para receber as atividades extras foram encontrados por meio dessas parcerias: um vizinho ofereceu a piscina, outro o salão de festas, e assim por diante. O voluntariado foi a base de tudo isso, que no início funcionou muito bem, mas que por falta de infraestrutura e compromisso, acabou se tornando apenas uma experiência pontual (LAVINAS, 2011).

O Programa Mais Educação, do governo federal, soube aproveitar as conquistas dessas experiências e passou a incentivar outras escolas e comunidades a fazerem novas tentativas, publicando cadernos a respeito do que já havia sido concretizado e dando diretrizes para estruturar os próximos passos para as escolas adotarem a educação integral. A educação desejada e incentivada é integral, pois seu tempo se estende ao longo do dia; é integrada, pois seu

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Escola na Califórnia incentiva as crianças a irem a pé para a escola promovendo rotas seguras. Essa é uma maneira da educação se incluir na cidade, mas indica que a cidade não inclui a educação. Isso acaba gerando mais espaços exclusivos, onde se exclui a violência e se forja um ambiente seguro, como o da escola.

Crianças indo pra escola sozinhas. Não existem rotas especiais - as crianças podem andar onde quiserem e todos aprendem a conviver e viver assim. Foto: Siegen, Alemanha, 2013.

Ônibus normal da rede pública leva crianças para piscina pública. Em determinados horários os ônibus de linha usam uma sinalização que indica o uso escolar, mas todos podem usar o mesmo ônibus. Foto: Siegen, Alemanha, 2013.

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espaço é aberto e inclui o bairro e, por fim, é integradora, pois promove o encontro entre a comunidade escolar e as comunidades em torno dela.

Como se verifica no material publicado pelo ministério da educação, é de extrema importância a integração entre cidade e educação. É reconhecido o papel pedagógico de todos os espaços em que vivemos, não só aqueles exclusivos das escolas. A partir de diferentes pontos de vistas, pensadores de áreas diversas, desde a sociologia, passando pela geografia e arquitetura, vão defender a integração desses espaços.

Ressaltar o papel de alguns pensadores é algo importante dentro do âmbito deste trabalho final de graduação. Primeiro destacar o que Paulo Freire irá chamar de “círculos de convivência”. Esses seriam fundamentais espaços de diálogo que substituiriam o caráter “bancário” da educação – que Freire denomina a educação entendida como um processo de transferência, de depósito de conhecimento, transmitido do educador ao educando. Essa seria uma das maneiras de “desescolarizar a escola”. Paralelamente à esse conceito vêm se acrescentar as ideias de Ivan Illich, que troca cartas com Freire e na mesma época vai falar em “redes de convivialidade”. Sua proposta é a desescolarização da sociedade, posto que analisa a escola como um aparelho utilizado pelas classes dominantes para reproduzir seus valores e manter a exclusão. A escolarização, de seu ponto de vista, é uma maneira de criar categorias e excluir aqueles que não se encaixam ou não atingiram determinado ponto. Freire coloca que o processo de aprendizagem é inerente ao amadurecimento do ser humano, logo faz parte de todas as etapas da vida, independente da idade da pessoa e se ela está na escola ou não.

Partimos disso para refletir que, se a escola não é o único espaço da educação, se o aprendizado faz parte da vida, então o espaço da escola não pode ser entendido como equivalência de aprendizado. Pensar na instituição “escola” como sinônimo de educação é o mesmo que dizer quanto mais salas de aula, mais alunos serão educados. A qualidade

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Ao lado, divisões das microbacias hidrográfi cas, que precisam ser geridas como sistema e poderiam ser uma nova proposta de divisão.

Abaixo, divisões do município de São Paulo em distritos e secretarias regionais de ensino, que se baseiam em limites determinados pelos caminhos dos carros, não tendo relação com o que é o bairro ou a comunidade, que ainda não podem ser delimitados ofi cialmente.

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da educação deriva da qualidade de seus aspectos, tanto em relação ao espaço, quanto em relação às pessoas envolvidas. Por isso, o isolamento da prática educativa dentro das escolas é nocivo, não só para os educandos, mas para toda a sociedade, que se vê alienada da possibilidade de se desenvolver conjuntamente, em processos que se alavancam.

Não basta encarar o lado de fora da escola como um ambiente a ser explorado pelos alunos, como objeto de estudos ou parte de um projeto. Não basta criar rotas específicas por onde os alunos podem caminhar tranquilamente. Não se trata de criar espaços de exclusão da violência cotidiana para forjar extensões da escola. Pensar a cidade de forma a acolher a educação é diferente de pensar em incluir a educação na cidade. São dois processos diferentes, mas que defendemos que devem acontecer solidariamente para se potencializarem. As experiências de bairro escola como as de Nova Iguaçu tentaram incluir a educação na cidade, mas falhou pois a cidade não foi pensada ao mesmo tempo para se adaptar a nova situação.

Defendemos que a cidade deve ser construída e deve se construir pensando no acolhimento dos tais “círculos de convivência” ou “redes de convivialidade”. “Se construir” é papel de toda a sociedade, que pode colaborar, por exemplo, respeitando as leis de trânsito. “Ser construída” é dever do Estado, que precisa investir em novas formas de acolher as pessoas e promover os encontros entre elas.

Para promover o encontro o espaço público deve oferecer qualidades tais que possibilitem a convivência. Nós já temos muitas “esquinas culturais”, onde o encontro já acontece: são, por exemplo, bares, padarias, cafés. O que nos falta são espaços que ofereçam a possibilidade de encontro sem, necessariamente, se basear no consumo, como é o caso desses espaços. Falta espaço onde possamos simplesmente nos encontrar e conviver, seja estudando, seja trabalhando em algum projeto coletivo, mas que possamos, juntos, construir conhecimento e aprender.

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Assim, o “bairro escola” é um conceito que ao mesmo tempo inclui a educação num espaço, mas também exclui ela dos lugares onde ele não existe. É um bom começo para entender que a educação não está só nas escolas, que ela pode, e deve, fazer parte do bairro. Entretanto, é preciso ter cuidado para não criar um falso novo conceito, ou neologismo, que, num processo ideológico, vá naturalizar um raciocínio que só amplia o território da escola, mas não integra ele de verdade ao funcionamento da cidade.

É preciso que, junto ao movimento das escolas em direção a integração com o bairro, sejam estabelecidas as maneiras que poderão reconstruir e construir a cidade. Isso é algo que deve ser feito por meio de processos, como os já citados, que resultaram na criação de praças de equipamentos como a Escola Parque, os CIEPs e os CEUs, mas que possam continuar e ir além, concretizando de fato o objetivo deles, o de criação de uma rede integrada de equipamentos públicos voltados à educação. E, quando dizemos que um equipamento é voltado a educação, é preciso compreender que isso inclui todas as áreas da vida (saúde, lazer, esporte, trabalho, transporte, habitação...), já que a vida é o primordial processo educativo, no qual estamos todos inclusos. A ideia principal do bairro escola é levar essa consciência de que todas essas áreas podem ser parte do processo educativo e, já que podem, melhor que sejam.

Dessa forma, a educação nada mais é do que um viés pelo o qual podemos enxergar a vida. Podemos planejar e projetar para que tudo possa exercer seu caráter educativo, já que o fazer faz parte do saber e ambos se promovem e se incentivam. Integrar o projeto e planejamento da cidade à esse caráter deve ser um objetivo de todos nós, arquitetos, cidadãos.

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CASO DA VILA ROMANA

Foi a partir do SESC Pompéia que comecei a caminhar pela região da Vila Romana. Já conhecia um pouco os arredores e achava interessante que algumas características que se perderam em outros bairros ainda permaneciam na região, como as pequenas marcenarias, oficinas e predinhos de poucos andares, com o térreo comercial. Alguns lugares, por guardarem esses traços, podem ser tomados como exemplos daquilo que na FAU aprendemos a chamar de rua viva.

Na rua viva os encontros são comuns e o vai e vem de pessoas é marca do cotidiano. Os prédios abrigam serviços e comércios no térreo e possuem poucos andares, o que aproxima os moradores da vida que passa na rua. As esquinas são como pólos culturais, com seus café e padarias sempre movimentados.

Um pouco desse clima está ainda presente em algumas partes da Vila Romana e foi também por isso que me interessei pelo bairro. Em um dos passeios por lá me deparei com uma quadra toda murada, mas diferente daquelas que guardam grandes torres de apartamentos. Nessa quadra há uma escola infantil, um teatro, uma unidade básica de saúde e uma quadra de esportes. Todos eles são equipamentos públicos e poderiam formar, juntos, um grande ponto de encontro.

Logo em frente, atravessando a rua, há uma quadra, também em toda a sua volta murada, onde fica um grande galpão da editora melhoramentos. Esse lugar já teve sua importância reconhecida pela comunidade do bairro, que pediu o seu tombamento. De fato é um terreno com um grande potencial construtivo e muitos empreendimentos estão surgindo nessa região com o interesse de construir grande condomínios fechados. Em contraposição aos interesses das grandes incorporadoras, existe um grande potencial para que o conjunto da praça e do galpão se tornem parte de um território educativo.

Além dessa praça de equipamentos, há também uma biblioteca pública a poucos metros de distância,

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a Biblioteca Mario Schenberg. Mais distante um pouco, a 1km da praça, está a Estação Ciência, outro equipamento público, vinculado a USP, que recebe visitas de inúmeras escolas de São Paulo. Essa é uma região muito bem servida de equipamentos públicos, mas o uso desses espaços não é muito frequente nem incentivado. A própria escola possui mais vagas do que alunos, existem 58 vagas remanescentes. Muitas crianças que vivem nessa região frequentam as escolas particulares, que são muitas. Essas não são conclusões exatas, mas podem ser intuídas ao se consultar os dados das escolas públicas que são fornecidos no site da prefeitura e ao se caminhar pelo bairro e ver quantas escolas particulares recebem crianças que chegam a pé, acompanhadas pelos pais ou babás.

O mais importante sobre esse recorte feito na Vila Romana é que ele exemplifi ca uma situação que é pouco observada, já que as atenções geralmente se concentram em regiões mais carentes. São Paulo possui uma rede de equipamentos públicos que se concentram em regiões nas quais a população tem dado preferência aos espaços privados. Isso se torna um dado preocupante, pois consideramos que esses espaços estão deixando de ser valorizados e junto com isso estamos perdendo qualidade de vida, de vida pública, aquela que se faz nas ruas e que faz as ruas vivas.

Imagem de satélite da região com praça de equipamentos e galpão da editora Melhoramentos em destaque. Na praça há: escola, unidade básica de saúde e o Teatro Cacilda Becker. Ao lado do terreno da editora há um condomínio que se encerra em uma quadra inteira.Fonte: Google earth.

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Exemplo de um predinho de esquina com uso misto: habitação em cima e comércio embaixo.O comércio é fundamental para manter a rua viva.

A região é sinalizada como rota para bicicletas. O uso compartilhado das vias é uma das reivindicações dos cicloativistas do mundo todo. Aqui em São Paulo ainda não conquistamos as vias exclusivas para bicicletas e não lutamos pelo uso compartilhado.

Muro da praça de equipamentos, que deveria ser aberta, como uma praça de fato. Os passeios públicos em torno da praça parecem recém- reformados e os muros pintados. Mas nenhum projeto ousou abrir o espaço.

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Galpão da editora Melhoramentos em frente à quadra de equipamentos. O terreno que ele ocupa é do tamanho da quadra, igual à da praça. Esse espaço está em processo de tombamento, o que indica o reconhecido de seu caráter histórico-cultural.

Refeitório do SESC Pompéia, projeto de restauro de antigos galpões de fábricas, Lina Bo Bardi. O SESC é um equipamento cultural do bairro que está sempre movimentado e atende também à pessoas de muitas outras regiões.

Esta foto mostra o processo de verticalização intenso que está acontecendo no bairro. Os condomínios fechados que ocupam quadras inteiras com seus muros estão tomando o espaço de antigos sobrados. É importante adensar a cidade, mas a verticalização na área é exacerbada.

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CONSIDERAÇÕES

É importante reconhecer que a escola figura em meio a uma construção histórica e foi concebida em um determinado momento, com objetivos específicos daquela conjuntura. Faz parte do processo analítico crítico perceber que as formas com as quais convivemos hoje não são como são ao acaso e, sim, são resultados de um processo.

É a partir dessa retomada da perspectiva histórica que será possível a transformação das estruturas que temos hoje.

O espaço físico da escola não sofreu grandes mudanças ao longo dos últimos 6 séculos, se consideramos o seu surgimento durante o início do século XVI, marcado pela crise do sistema feudal e crescimento dos centro comerciais que iriam originar as cidades.

Desde então alunos sentam-se enfileirados de frente para o professor, que lhes transmite o conhecimento. Houve experiências que marcaram definitivamente a nossa história por terem se aventurado em novas formas de educar e outras maneiras de pensar o espaço. Algumas delas foram citadas aqui, como as Escolas Parque de Anísio Teixeira, que inspiraram outras tantas, como os CIEPs, no Rio de Janeiro, no anos 1980, e os CEUs, em São Paulo, nos anos 2000.

Todas elas se fundamentam no conceito de praça de equipamentos sociais, que é considerado um dos espaço da convivência, do aprendizado e da vida pública. Assim como nas praças, o processo educativo pode acontecer em todos os espaços, já que ele faz parte de toda a vida - não está recluso nem no tempo, nem no espaço.

No entanto é necessário que os espaços sejam pensados de maneira sistêmica para receberem a educação e não apenas essa procure indiscriminadamente se encaixar nos espaços desqualificados existentes. Educação e cidade podem promover a interação e integração entre as diferentes áreas do conhecimento, uma alavancando a outra.

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ANEXOS

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Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado. Rubem Alves.

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima fica muito próxima à USP, em uma travessa da Av. Corifeu de Azevedo Marques. Como qualquer escola, ela deve seguir algumas regras básicas determinadas pelo MEC, o que não lhe impede de elaborar o seu projeto político pedagógico autonomamente. Como o próprio site da escola expõe no item História, já faz dezesseis anos que as mudanças mais significativas começaram a tomar lugar. “Foi a partir de 1996, com a chegada de Ana Elisa Siqueira, atual diretora, que a escola passou a viver suas transformações mais profundas. Preocupada com a alta evasão – e ciente do triste fim que vinham a ter os alunos evadidos visto que, para muitos, era a escola o único vínculo social concreto – o primeiro esforço da nova diretoria foi no sentido de manter os alunos na escola, durante o maior tempo possível. Nesta época, derrubaram-se os alambrados que cerceavam a circulação no pátio, num voto de respeito e confiança. A escola passou a ser aberta nos fins de semana, melhoraram-se os espaços tornando-os agradáveis e voltados à convivência. Enfim, a escola foi aberta à comunidade.” Fica exposto logo de início o quão simbólicas são as transformações feitas no espaço físico. A retirada dos alambrados foi um marco inicial nessa história de mudanças, dando lugar ao um espaço de convivência mais convidativo.

VISITA À ESCOLA AMORIM LIMA

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Sendo assim, as mudanças que se iniciaram em 1996 convergiram no projeto pedagógico, inspirado no projeto da Escola da Ponte, e que foi colocado em prática a partir de 2004, resultando nessa escola que pude visitar em 2012, uma escola sem separação por séries e sem paredes entre as salas de aula.

Além do espanto que me causou ver um salão formado por quatro módulos de sala de aula (geralmente com vão de 7,20 metros, no caso o salão teria então 4 vezes esse comprimento), me impressionou o fato de a visita ser guiada não por um funcionário da escola, mas sim por uma aluna. O interesse em mostrar a escola parte dos alunos, que vão até a sala da diretora para decidir quem irá guiar a próxima visita. Aliás, isso foi outra coisa que me impressionou. Todos da escola, funcionários e alunos, entram e saem o tempo todo da sala da diretora. O contato com ela é muito desejado por eles, muito diferentemente do que já vivenciei em outras escolas, onde a sala da diretora é um lugar temido e evitado.

A partir disso podemos concluir que os espaços simbolizam as relações que se constituem no conjunto da escola, assim como o é em toda parte. A sala de aula, então, tem o seu significado. Essa estrutura espacial, sua conformação tal como ela é empregada ainda hoje, não surgiu por acaso, mas se perpetua sem muita reflexão a respeito. Parece que na Amorim Lima a reflexão sobre a sala de aula levou, a meu ver, à melhor das conclusões: determinou-se a extinção da sala de aula. Elas deram lugar aos salões, que no andar de cima abriga o ciclo 2 e no andar de baixo o ciclo 1. Essa foi uma solução que ficou um tanto quanto “no meio do caminho”, considerando-se que a proposta almejava a integração das crianças de todas as idades. Interpreto que dessa forma elas estão numa fase de transição, se preparando para o momento de integração total. Alguns estudos já deram conta dessa questão, tanto é que temos dois TFGs da FAU que propõem novos edifícios para a Amorim Lima, nesse mesmo terreno onde ela está atualmente.

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Uma das poucas salas que ficam nas esxtremidades dos salões é usada por alunos em alfabetização.

O salão maior é usado pelos alunos do ciclo 2 e e menor, pelos alunos do ciclo 1. A reforma foi feita pelo departamento de edificações - EDIF 3 - da Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras - SIURB, de São Paulo, assim como costumam ser todas as reformas de escolas municipais na cidade.

Os alunos trabalham em grupos ou individualmente, desenvolvendo os projetos que eles elaboraram junto com os professores-tutores.Na Amorim Lima não tem aula todo dia, só em ocasiões específcas. Os alunos podem decidir como, quando e o que fazer, mas têm que cumprir o combinado.

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“Os professores só poderão dar respostas se os alunos lhes dirigirem perguntas.” (José Pacheco em ALVES, 2011, p. 107)

Visitei o Projeto Âncora no segundo semestre de 2012, quando iniciei as pesquisas para o TFG. A ideia inicial do trabalho era conhecer diferentes pedagogias e compreender o uso que elas faziam do espaço. A proposta pedagógica do projeto é baseada nas experiências da Escola da Ponte, que fica em Portugal. Eu havia lido A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir, de Rubem Alves, e tinha me encantado com as estórias que o livro conta. Chegando ao Projeto, fomos recebidos pela arquiteta que projetou alguns dos espaços de lá e também trabalhava como orientadora pedagógica. Esse contato foi algo que mudou o rumo da minha pesquisa. Ela ressaltou a importância de se projetar pensando na cidade, inclusive pensando na escola como um lugar integrado à cidade.O Projeto Âncora é uma ONG que fica em Cotia, São Paulo, com 17 anos de atuação na área social. Antes de iniciar sua experiência como escola o projeto funcionava no contraturno das escolas da região, recebendo as crianças que saiam das aulas e iam passar a tarde no terreno que conta com quadra, pista de skate, biblioteca, refeitório, sala de música e, bem no centro de tudo, uma enorme tenda de circo. A partir de abril de 2011 a equipe do projeto passou a trabalhar em conjunto com o educador e idealizador da Escola da Ponte, José Pacheco. No início de 2012 a escola começou a funcionar, contando com uma equipe de sete educadores, 180 alunos que estariam matriculados no ensino fundamental 1 e mais 52 alunos na educação infantil. Digo estariam pois lá eles não são separados nas tradicionais séries (1º a 5º ano). Os alunos do Projeto Âncora são divididos entre alfabetização, desenvolvimento e aprofundamento, parecido com o que acontece na Escola da Ponte. Isso não implica necessariamente em uma divisão por idades, mas o ideal é iniciar a alfabetização aos 6 ou 7 anos de idade, assim como é indicado em outras linhas pedagógicas. A diferença é que cada aluno pode seguir o seu próprio ritmo de aprendizagem, já que não precisa “passar de ano” ou “mudar de série”.

VISITA AO PROJETO ÂNCORA

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As circulações possuem um tipo de guarda-corpo com formas geométricas coloridas entre as quais as crianças brincam, enquanto isso uma das professoras me explica: “a gente confia que as crianças sabem até onde elas podem ir”. Na foto ao lado direito há um poste tipo de bombeiros, mas estava fechado porque as crianças estavam fazendo mal uso dele. Quando visitei o projeto elas estavam negociando a sua reabertura. Esses elementos passam a fazer parte dos processos de aprendizado.O bloco da biblioteca abriga também o refeitório, onde as crianças têm aula de culinária. A comida é um apoio da prefeitura, as crianças podem fazer todas as refeições do dia lá. Junto da biblioteca há uma oficina de artes e um mezanino que também é usado pela oficina. Ao lado desse bloco há uma sala de marcenaria e outra de música, mas as aulas podem ser em outro espaço quando os alunos decidem.

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O aprendizado é verificado através das reuniões semanais com os tutores, que atendem grupos de 25 alunos cada um. Assim, o aluno tem tempo para estudar durante a semana, e ao final de um ciclo conversa sobre seu aprendizado com um tutor. As crianças definem suas atividades e horários a seguir, sendo auxiliadas pelos tutores. Elas não têm aulas. A busca do conhecimento parte de cada uma, ou de cada grupo formado conforme os interesses. Por isso muitas delas parecem estar brincando o tempo todo, pois o aprendizado também vem das atividades que elas sentem mais prazer em realizar. Não existem muitas salas com o tamanho parecido com o de uma sala de aula convencional. Como diz José Pacheco em entrevista transcrita no livro A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir, o professor não possui o papel de instrutor, mas sim de orientador das pesquisas de interesse dos alunos. Ele parafraseia Olivier Reboul: “ensinar não é inculcar, nem transmitir, é fazer aprender”. No Projeto Âncora as crianças têm aulas de música, tem a sala de música. Mas isso não quer dizer que a aula seja dada, nem que aconteça dentro desse espaço. No horário de aprender música as crianças pegam os instrumentos guardados na sala de música e vão estudar música no jardim, ou na secretaria, ou onde bem entenderem. Se tiverem uma dúvida, podem perguntar para quem quiserem, em alguns casos até procurar o professor de música. Geralmente as dúvidas são esclarecidas por quem estiver por perto e caso a dúvida interesse ao outro ela pode se tornar uma pesquisa.

A pesquisa faz parte do dia a dia das crianças. Na educação infantil, na época em que eu fiz a visita, as crianças estavam muito interessadas pelas formigas que passeavam pelo jardim onde elas brincam. A coordenadora me contou que elas levavam os pais para verem as formigas e tudo naquele momento girava em torno desse tema. Verificado esse interesse, a coordenação da educação infantil aproveitou a deixa para promover o estudo das formigas, como elas se organizam em sociedade, como funciona a hierarquia, etc. A partir daí, desse interesse peculiar das crianças, foram desenvolvidos outros temas que fariam parte do currículo que o MEC propõe para essa idade, ou que até mesmo extrapolam esse currículo.

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Ao fundo, amarelo, bloco com algumas salas de reunião e as salas onde podem acontecer as aulas.Mais a frente ficam as oficinas, em seguida a biblioteca e, em primeiro plano, o refeitório.

Detalhe da janela das oficinas. Fotos de Flávio Bragaia.

A creche fica numa casa de arquitetura moderna, vedações de tijolo aparente e estrutura de concreto. As crianças desenvolvem projetos a partir do interesse delas, na época da visita elas estudavam como as formigas se organizam em sociedade e como isso se relaciona com a vida elas.

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TRILLA, Jaume. Otras Educaciones. Animación sociocultural, formación de adultos y ciudad educativa. Barcelona: Antrhopos, 1985.

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Agradeço à FAU, espaço educador, por ter me colocado em contato com tantas pessoas maravilhosas que desde o primeiro olhar, mesmo sem saber, já estavam contribuindo. Não existe nada mais importante para mim do que os encontros dessa vida e muitos deles eu devo à FAU.

A todos os amigos, os mais lembrados e os mais sumidos, pois assim que os encontro me sinto mais inteira e não seria mesmo inteira sem vocês.

Agradeço sempre, ou quase nunca, a minha família, que, eu espero, saiba, mesmo sem palavras, que são uma coisa muito preciosa, que não existe palavra melhor do que amor para definir.

Agradeço aos meus mestres, os vastos como oceanos ou “profundos como um pires”, os que escrevem romances ou que escrevem haikais, que me desorientam para que eu encontre o meu caminho.

AGRADECIMENTOS

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A CIDADE IDEALchico buarque

mas não, mas nãoo sonho é meu e eu sonho quedeve ter alamedas verdesa cidade dos meus amorese, quem dera, os moradorese o prefeito e os varredorese os pintores e os vendedoresas senhoras e os senhorese os guardas e os inspetoresfossem somente crianças

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