cidadania_etica_politica.pdf

Upload: raul-vargas

Post on 03-Mar-2018

217 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    1/144

    Cidadania,tica e Poltica

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    2/144

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    3/144

    Cidadania,tica e Poltica

    Cleber Ori Cuti Martins

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    4/144

    Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que de inteira responsabilidade dos autores a emisso de conceitos.

    Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquermeio ou forma sem a prvia autorizao da Editora da ULBRA.

    A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n 9.610/98e punido pelo Artigo 184 do Cdigo Penal.

    Cleber Ori Cuti Martins Mestre em Cincias Polticas pela UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul. Doutorando no Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Universidade Federal do Rio Grandedo Sul. Professor de Cincia Poltica, com pesquisas na rea de Estado,

    Democracia, Representao Poltica, Eleies e Estudos Legislativos.

    Conselho Editorial EADDris Cristina Gedrat (coordenadora)

    Mara Lcia MachadoJos dil de Lima Alves

    Astomiro RomaisAndrea Eick

    ISBN 978-85-7528-258-8

    Dados tcnicos do livro

    Fontes: Antique Olive, Book AntiquaPapel: offset 90g (miolo) e supremo 240g (capa)Medidas: 15x22cm

    Impresso:Grfica da ULBRAMaro/2010

    Setor de Processamento Tcnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    M386c Martins, Cleber Ori Cuti.

    C idadan ia , t i ca e po l t i ca . / C lebe r Or i Cu t i Mar t ins .

    Canoas: Ed. ULBRA, 2010.

    144p.

    1. Cidadania-Brasil. 2. Poltica. 3. Direitos humanos. I. Ttulo.

    CDU: 342.71(81)

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    5/144

    Sumrio

    Introduo .........................................................................................7

    1 Origens e conceitos de Cidadania e Poltica ..............................11

    2 Liberalismo e ascenso da burguesia ..........................................25

    3 Direito e Estado nacional ..............................................................39

    4 Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais .............53

    5 A cidadania contempornea entre o reconhecimento, a

    redistribuio e a internacionalizao .........................................65

    6 A trajetria da cidadania no Brasil: obstculos e a

    formao do Estado e da sociedade .............................................81

    7 Avanos, retrocessos e a regulao da cidadania ......................93

    8 A cidadania no regime autoritrio de 1964 a 1985 ..................105

    9 A Constituio Cidad e o reencontro da democracia

    com a cidadania ............................................................................119

    10 Impactos da cidadania na gesto pblica a partir da

    dcada de 1990 ..............................................................................133

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    6/144

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    7/144

    Introduo

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    8/144

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    9/144

    9

    Intr

    oduo

    As questes que envolvem a cidadania esto no centro dos debates

    nas sociedades contemporneas. As formas e meios para assegurar as

    garantias dos direitos formam a agenda das organizaes polticas e

    sociais e ganham nfase no mbito do Estado e da gesto pblica. H

    uma aproximao entre as concepes de cidadania e a poltica, seja na

    sociedade civil, seja nos governos, e nas inter-relaes entre ambos. O

    produto desse contexto tem como cenrio a complexidade das relaessociais na atualidade. Ao mesmo tempo, cresce a importncia das

    discusses sobre as funes do Estado, dos governos e da sociedade civil

    no campo das polticas pblicas.

    Essa complexidade influenciada pelas experincias anteriores e

    pelas compreenses acerca do desenvolvimento da cidadania ao longo

    do tempo. importante, para estabelecer parmetros de compreenso

    acerca do tema, a anlise das primeiras experincias, na democracia

    ateniense e na repblica romana e a ascenso da formatao do Estado e

    da doutrina liberal. A viso moderna da cidadania envolve a consolidao

    do Estado nacional (a partir do sculo XVIII), da democracia e dos direitos

    civis, polticos e sociais, processo ainda inconcluso e que se estende at

    a atualidade. No mundo contemporneo, com caractersticas plurais e

    diversas nas reivindaes, em um contexto de globalizao, a temtica

    envolve a busca por garantir os direitos sociais, implicando na ao

    concomitante dos governos e da sociedade civil. Essa situao envolve as

    discusses sobre os direitos nas relaes de gnero, trabalhistas, tnicas e

    no campo das condies de bem-estar e dos indivduos.

    O estudo da trajetria, avanos e retrocessos da cidadania no Brasil

    envolve as questes da desigualdade econmica e social, problemas

    centrais no pas. As razes dessa compreenso podem ser encontradas

    no tipo de relaes sociais e polticas estabelecidas nos perodos da

    colonizao, imprio e nas fases da Repblica, com poder autoritrio

    e o processo de democratizao da dcada de 1980. Paralelamente, so

    relevantes as manifestaes de cidadania que ocorreram ao longo da

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    10/144

    10

    Intr

    oduo

    Histria brasileira, especialmente na mobilizao pelo fim do regime

    militar de 1964, democratizao e na Constituio Federal de 1988, na

    qual h a consolidao formal de um conjunto de direitos, produzindo

    uma mudana na gesto pblica, a partir do desenvolvimento da

    participao poltica e de mecanismos de fiscalizao sobre as aes dos

    governantes.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    11/144

    Origens e conceitosde Cidadania e Poltica

    1

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    12/144

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    13/144

    Orig

    enseconceitosdeCidadaniaePoltica

    13

    As origens das concepes da cidadania e as relaes com a poltica

    so importantes para a sua compreenso e anlise ao longo do tempo. O

    objetivo deste captulo fornecer subsdios para o estudo da temtica,

    iniciando com o delineamento dos seus significados. A partir da,

    incorporado o processo das mudanas polticas e sociais, as origens das

    primeiras concepes e a viso moderna acerca da cidadania. O captulo

    encerrado com a abordagem das aproximaes entre poltica e cidadania.

    Porfim, as metas so propiciar uma compreenso das caractersticas gerais

    e proporcionar uma perspectiva panormica acerca dos assuntos.

    1.1 Primeira aproximao coma temtica

    A cidadania um tema que abrange quase que todos os setores da

    sociedade contempornea. So rotineiras e comuns as referncias ao

    termo nas mais variadas circunstncias. A palavra o centro, j desde

    a segunda metade do sculo XX, dos debates e conversas acerca dasanlises da situao dos pases e de propostas para melhorias das

    condies de vida das populaes e grupos sociais. Ao mesmo tempo

    em que se tornou recorrente falar em cidadania, o termo ganhou uma

    abrangncia que beira a generalidade. Ou seja, por ser amplo, o conceito

    acaba comportando definies variadas, abstratas e adaptadas a situaes

    e pocas especficas.

    As configuraes conceituais clssicas, a partir da concepo do EstadoModerno, por volta do sculo XVIII, envolvem a ideia de um conjunto de

    trs grupos de direitos, os sociais, civis e polticos (Marshall, 1967). Essa

    perspectiva transformou-se no principal parmetro de compreenso da

    cidadania e o seu processo histrico de desenvolvimento.

    A complexidade da questo, contudo, encontra-se ligada de maneira

    prxima com as caractersticas mltiplas e peculiares de cada pas e de

    cada organizao social e poltica. O percurso transcorrido, considerandoo teor das relaes sociais e o seu contexto nos ltimos sculos, colocou

    outros elementos na discusso acerca da cidadania.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    14/144

    Orig

    enseconceitosdeCidadaniaePoltica

    14

    Do conjunto amplo de direitos emergem questes contemporneas

    importantes que envolvem, por exemplo, a qualidade de vida dos

    indivduos. Nesse aspecto, ganham relevncia preocupaes e

    reivindaes por emprego, segurana, saneamento bsico, bons salrios,

    educao e mesmo por reconhecimento de direitos de minorias e de

    grupos tnicos.

    Com isso, o iderio clssico de liberdade e igualdade poltica, um dos

    fundamentos do estado democrtico de direito, ganha outras demandas,

    especialmente aquelas voltadas para busca de melhorias no bem-estar

    dos indivduos. A compreenso dos significados conceituais da cidadania

    passa a abranger as questes da rotina dos indivduos, estabelecendo

    uma relao com as polticas pblicas. A ao dos governos, em maiorou menor escala, acaba sendo permeada pela concepo de cidadania e

    pelo nvel de democratizao da gesto pblica, possibilitando um maior

    ou menor acesso da populao aos bens pblicos.

    Efetiva-se, com isso, uma compreenso do significado da cidadania que

    engloba os valores do iderio liberal-democrtico clssico com um conjunto

    de situaes concretas, as quais so vividas diariamente por todos.

    1.2 Mudana da ordem poltica e social

    possvel delinear aspectos que acompanham o processo evolutivo

    do conceito e das prticas de cidadania ao longo do tempo. Entre estes

    elementos, so importantes as noes de liberdade e de garantiasconstitucionais de direitos individuais e coletivos que perpassam as bases

    das concepes de cidadania, as quais podem ser definidas a partir do

    contexto de cada perodo histrico.

    A trajetria acompanhou as caractersticas peculiares de cada situao e

    poca, considerando momentos de restrio e de ampliao da cidadania.

    Caminho que iniciou com experincias especficas, caso da antiga

    democracia ateniense, passou por contextos com poder centralizado eabsoluto, pela formao dos estados nacionais, chegando a tentativas de

    universalizao de direitos individuais, algo que, ainda na primeira dcada

    do sculo XXI, no pode ser afirmado de maneira inequvoca.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    15/144

    Orig

    enseconceitosdeCidadaniaePoltica

    15

    As definies conceituais de cidadania refletem um carter geral, mais

    no sentido de algo que se deseja ou reivindica. Nesse aspecto, relevante

    ressaltar que o estabelecimento de garantias de liberdade, igualdade,

    enfim, de direitos, no ocorreu, via de regra, sem importantes rupturas

    e conflitos. Situao que retrata, tambm, o tipo de relao estabelecida

    entre o Estado e a sociedade, especialmente no tocante delimitao dos

    poderes do Estado (e dos governantes) e a garantia de direitos individuais

    bsicos (liberdade, propriedade e igualdade de todos perante a lei, entre

    outros), os quais seriam intocveis.

    Outro ponto importante encontra-se ligado justificao de quem

    detm o poder, isto , a legitimidade do poder passa a estar ligada a uma

    ordem legal, o chamado Estado de direito, e no mais a determinaes deordem divina ou mesmo pela fora. Nesse contexto, no sem avanos e

    retrocessos, h a passagem do modelo absolutista, com poder centralizado

    cujo fundamento principal a fora, para o modelo liberal, com base na

    ideia de poder exercido por consentimento dos governados.

    A passagem de um tipo de organizao social e poltica para outro

    enfrenta resistncias da ento ordem estabelecida. Um dos principais

    marcos dessa questo pode ser encontrado na Revoluo Francesa (1789),sustentada nos ideais de liberdade e igualdade e, tambm, na mudana

    da hierarquia de poder que comandava e determinava a ordem social. A

    queda da nobreza e a ascenso da burguesia so o smbolo da mudana das

    relaes de poder outrora slidas, consolidando, em um longo processo

    que estaria por vir, a runa do poder absoluto, centralizado e autoritrio,

    e colocando nfase no iderio liberal. O processo, porm, no ocorreu

    de maneira linear. Cada pas apresentou caractersticas peculiares deimplementao do iderio liberal. Em muitos, inclusive, o processo ocorreu

    de maneira lenta e, em outros, no se completou.

    1.3 As origens histricas das concepes

    de cidadaniaA origem do termo e de seus significados est ligada a religies antigas, a

    Grcia e a Roma (Reis, 1999). Mesmo que a palavra seja oriunda do latim civis,

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    16/144

    Orig

    enseconceitosdeCidadaniaePoltica

    16

    os fundamentos que contriburam para as definies podem ser percebidos

    em outras pocas, originando uma srie de outras palavras que hoje possuem

    grande importncia e fazem parte da rotina, tais como Estado e cidade.

    Afinal, so o tipo e a forma das relaes estabelecidas entre os

    indivduos que conformam os laos e a estrutura social. Estruturas que

    incorporam elementos centrais na organizao e regulao da vida em

    sociedade. Ao mesmo tempo formada e delimitada pelas relaes de

    poder existentes entre os grupos e classes sociais.

    Nas cidades-estado da Grcia antiga (perodo que compreende os

    sculos IX e VII a.C.) j, principalmente em Atenas, havia as noes

    de liberdade, participao e democracia (Guarinello, 2005). Portanto,

    cidade, ou plis, grega, foi atribuda a origem das concepes sobre acidadania. A plis era constituda por homens livres, os cidados, cuja

    vida na coletividade encontrava-se estabelecida a partir das concepes

    de direitos e deveres debatidos e definidos nas assembleias pblicas

    realizadas nas praas (gora), sendo que todos os homens livres tinham

    direitos garantidos. Cada indivduo livre dispunha de sua vida particular

    (a esfera privada) e coletiva (a esfera pblica), comum a todos. Todavia,

    apenas os homens livres desfrutavam de tais elementos. Ficavam excludasmulheres, crianas e escravos (Covre, 1991).

    O poltico, cidado que morava na plis, vivia em condio de

    igualdade perante a lei, isto , nenhum cidado livre tinha privilgio

    em relao aos demais. Outra caracterstica importante da democracia

    grega a que facultava aos cidados o livre exerccio das funes

    pblicas, desconsiderando ttulos ou outras caractersticas obtidas

    via hereditariedade. Por fim, o direito a manifestao nas assembleiasrealizadas naAgoraera facultado a todos os homens livres, ou seja, o direito

    de debater as questes pblicas e de governo (Bonavides, 1994).

    Naplis grega as ideias de liberdade e igualdade adquirem um carter

    poltico cuja procedncia tem origem na formao de uma estrutura

    de defesa da cidade perante ataques dos inimigos. O confronto com os

    adversrios estabeleceu um objetivo comum e solidrio, formando um

    corpo poltico capaz de tomar decises comuns e execut-las de maneiraarticulada. Assim, a politizao ganha um carter essencial para a

    concepo de cidadania (Reis, 1999).

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    17/144

    Orig

    enseconceitosdeCidadaniaePoltica

    17

    A democracia em Atenas

    - Apogeu no sculo V.

    - Forma de governo com o poder compartilhado pelos cidados.

    - Liberdade dos cidados.- Igualdade enquanto sinnimo de liberdade.

    - Relao equilibrada entre os direitos do indivduo e o poder

    pblico.

    - Direito igualdade dos cidados perante a lei.

    - Direito livre manifestao pblica e nas assembleias na gora.

    - Conceito de cidado: atenienses maiores de 21 anos. No incluindo

    estrangeiros, mulheres e servos.

    Para os romanos, especialmente no perodo republicano (509 a.C. a

    27 a.C.), a compreenso atribuda cidadania trata da vida coletiva entre

    os indivduos, os quais dividem o mesmo territrio, ainda quem em

    situao de desigualdade. Civis carrega o significado de ser humano livre

    e civitastrata da aproximao com o conceito de homens livres vivendo

    em uma sociedade (Funari, 2005). Em suma, a liberdade tem uma acepoimportante na civilizao greco-romana, ainda que com limitaes, pois

    nem todos eram livres.

    O senado passou a ser um dos centros do poder no perodo

    republicano de Roma. Os senadores tinham origem patrcia (romanos,

    nobres ou herdeiros dos fundadores de Roma) e eram os responsveis

    pela administrao em geral, finanas pblicas e pelas relaes com

    outros povos. Os cnsules e os tribunos da plebe ficavam encarregadosdas atividades executivas. A figura desses tribunos, de origem plebeia

    (no eram integrantes da nobreza) surge, em 367 a.C, pela sua luta na

    defesa de uma maior participao poltica e por melhores condies de

    sobrevivncia. O consulado era gerido por um patrcio e por um plebeu,

    ambos eleitos.

    A designao de cidadania, em Roma, tinha uma ligao aproximada

    com os direitos que determinado segmento da populao, dividida emclasses e com direitos diferentes entre si, possua. Tambm havia distino

    entre os romanos (os patrcios, nobres ou herdeiros dos fundadores de

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    18/144

    Orig

    enseconceitosdeCidadaniaePoltica

    18

    Roma) e os estrangeiros. Mesmo entre os romanos livres, apenas alguns

    podiam integrar a administrao pblica. As mulheres tambm no

    integravam a categoria livres.

    Em termos gerais, as primeiras concepes de cidadania, especialmente

    nas civilizaes grega e romana, englobam abordagens que, sculos depois,

    seriam ampliadas, ao mesmo tempo em que algumas caractersticas seriam

    deixadas de lado, substitudas por outras adequadas aos momentos

    histricos desencadeados pelo Renascimento e Iluminismo e afirmado

    na Idade Moderna (sculos XV e XVI). Desta forma, ganha relevo a

    valorizao da liberdade, da garantia dos direitos individuais e de

    propriedade, a participao dos indivduos nas questes pblicas e noes

    de igualdade. A distino entre classes, no mbito da garantia de direitos,entre homens livres e escravos e entre homens e mulheres, foi enfrentada

    ao longo do tempo, no sem retrocessos e inmeros obstculos.

    Legado romano

    - Noes de direitos polticos.

    - Uso do voto secreto.

    - Bicameralismo com a criao do Senado e da Cmara (modelo que,no sculo XVIII, foi utilizado nos Estados Unidos).

    - Ampliao da participao poltica para setores integrantes da plebe

    (no-nobres).

    - Conceito de cidadania: sociedade dividida em classes e com direitos

    diferentes os romanos (os patrcios, nobres ou herdeiros dos

    fundadores de Roma) e os estrangeiros. As mulheres tambm no

    integravam a categoria livres.

    1.4 O comeo da abordagem moderna

    A sociedade feudal, entre os sculos V e XIII d.C., estabeleceu

    parmetros distantes da compreenso acerca da cidadania na Grcia antigae mesmo em Roma. No perodo feudal, h a hegemonia do poder local, sem

    a ideia de Estado nacional, surgida aps o fim do Imprio Romano. Essa

    organizao social comea a ser superada, entre outros elementos, a partir

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    19/144

    Orig

    enseconceitosdeCidadaniaePoltica

    19

    da ascenso do capitalismo mercantil (sculos XVI e XVII), ocasionado

    pelo desenvolvimento da tecnologia de navegao. Paralelamente, h

    o avano da burguesia, grupo social no integrante da nobreza, o qual,

    com o mercantilismo, comea a acumular riqueza e passa a ter interesses

    diferentes dos da realeza.

    Um conjunto de elementos pode ser apontado para explicar a passagem

    da sociedade feudal para a concepo dos estados com poder centralizado

    e territrio unificado. Entre eles, esto a fragmentao da sociedade em

    feudos, o que a tornava alvo para invases, e a decadncia econmica.

    O Estado com poder absoluto, sucessor da organizao feudal, chega ao

    seu apogeu no sculo XVII, estendendo-se, inclusive, at o sculo XIX.

    Na fase inicial do Absolutismo a economia mercantilista favorecidapelo Estado. Entretanto, na segunda fase, em pleno desenvolvimento do

    capitalismo comercial, passa a ocorrer, no mbito da classe burguesa, uma

    rejeio ao amplo poder de interveno do Estado nos negcios comerciais.

    Em outras palavras, se, em um primeiro momento, o Estado Absolutista

    e a nobreza financiam, em parte, e colhem dividendos com a expanso

    mercantilista e comercial, depois a burguesia, j em franca ascenso social,

    comea a ambicionar uma economia livre.No mbito da disputa poltica a palavra liberdade comea a ser

    retomada enquanto reivindicao e bandeira pela burguesia, em

    contraposio ao poder centralizado e ilimitado do Estado absolutista.

    Liberdade para operar negcios mercantis e no repassar, de maneira

    obrigatria, valores altos para a nobreza, sem que esta contribusse

    para tanto. No mesmo intuito ganha importncia a discusso sobre

    a organizao e determinao de poder, alm da prpria justificativasobre os fundamentos da autoridade de quem teria poder de deciso e

    de governo.

    Passa a haver uma forte presso no sentido da desvinculao da

    religio, separando a igreja do Estado, alm da contestao teoria do

    direito divino dos reis. O poder poltico, centralizado e autoritrio, com

    origem e justificao divina, contraposto. E um dos principais elementos

    dessa contraposio, argumento central do perodo que estaria por vir,encontrava-se situado nas ideias de liberdade e de garantia de direitos,

    definidos como naturais, ou seja, eram inalienveis e no poderiam estar

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    20/144

    Orig

    enseconceitosdeCidadaniaePoltica

    20

    merc da ao do Estado, sendo o direito vida e propriedade os

    principais expoentes dessa perspectiva.

    O caminho estava, com isso, aberto para o liberalismo. Um processo

    que limitou bastante o espao para os Estados com poder absoluto,

    estabelecendo os alicerces uma nova organizao poltica, de carter liberal

    e econmico, o capitalismo.

    Contextos histricos e polticos da cidadania

    - Democracia ateniense (auge no sculo V a.C.).

    - Repblica romana (509 a.C. a 27 a.C.).

    - Liberalismo:

    Revoluo Liberal na Inglaterra 1688.Revoluo Francesa 1789.

    Independncia dos Estados Unidos 1776.

    1.5 Aproximaes entre cidadania

    e polticaDesde as primeiras manifestaes atribudas ao que se pode definir

    como cidadania, nas cidades-estado gregas, estabeleceu-se uma relao

    intrnseca com a ideia de poltica. O prprio conceito clssico do termo

    poltica tem origem no adjetivo grego plis, isto , que faz referncia

    definio de cidade, ao que pblico e urbano.

    Enfoca, portanto, a convivncia em um mesmo espao, regido porleis que definem deveres e direitos. Em ltima instncia envolve as

    conceituaes mais comuns acerca da poltica. Ou seja, o estabelecimento

    de regras, leis e normas de convivncia entre os indivduos o produto

    de uma disputa permanente de poder, diante de interesses de grupos

    sociais que podem estar em competio entre si ou que visam objetivos

    comuns. Essa disputa de poder, cujo significado a capacidade de agir e

    produzir efeitos, exprime a concretizao de um interesse, uma demanda,por imposio ou por capacidade de influncia, mediante o uso da fora

    ou convencimento e persuaso (Corsetti, 1998).

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    21/144

    Orig

    enseconceitosdeCidadaniaePoltica

    21

    H uma relao bastante prxima entre as ideias de cidadania e poltica,

    a qual, muitas vezes, a transforma em uma unidade. O estudo das suas

    caractersticas implica uma justaposio com a determinao de quem

    tem poder de deciso no mbito do governo e do Estado, uma disputa

    que ocorre na esfera da sociedade, entre os grupos sociais.

    Um dos significados do poder est na garantia da execuo de

    compromissos em um sistema de organizao coletiva. Se o compromisso

    no for cumprido, h a definio de um conjunto de sanes e punies

    (Parsons, 1983). Essa estrutura envolve o carter de legitimidade, ligado

    maneira pela qual o poder conquistado e exercido. Uma espcie de

    acordo e confiana entre os indivduos e entre estes e a organizao social

    e poltica, a sociedade e o Estado.O poder de decidir e de ser obedecido, portanto, sustenta-se na

    justificao e na legitimao. As suas fontes, via de regra, esto situadas na

    fora, por imposio ou coero, caso do Absolutismo; no consentimento

    e concordncia, relaes sociais e polticas definidas a partir da legalidade,

    leis definidas com o assentimento da sociedade, delimitando o poder do

    Estado e garantindo direitos individuais, caracterstica do Liberalismo.

    Um terceiro elemento trata da participao dos indivduos na vidapoltica da sociedade e do Estado. Em outras palavras, a incorporao do

    iderio da democracia a partir das concepes de soberania popular. H,

    desta forma, um estreito vnculo entre o desenvolvimento das instituies

    democrticas e a cidadania (Avelar, 2007). Principalmente na consolidao

    de processos eleitorais de escolha dos governantes, de constituies e

    leis elaboradas por representantes eleitos pela populao e de outras

    caractersticas, como livre manifestao de opinio e possibilidade deoposio ao governo.

    A ligao com a ideia de cidadania pode ser sintetizada a partir

    da emergncia da participao poltica, resultado dos movimentos

    revolucionrios na Europa dos sculos XVIII e XIX, considerando a

    reivindicao de direitos pelos indivduos, entre os quais a expanso do

    voto e do direito de escolher livremente os governantes.

    Se para os gregos antigos o poltico era o cidado que vivia naplis,os fundamentos das concepes de poltica e de cidadania tambm so

    inseparveis e as bases da relao entre indivduos, grupos sociais e o

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    22/144

    Orig

    enseconceitosdeCidadaniaePoltica

    22

    Estado. Os parmetros norteadores dessa relao so definidos pelo tipo

    e origem da organizao poltica e social.

    Do ponto de vista histrico, as aproximaes entre cidadania e poltica

    ganham efetividade em perodos de vigncia de regimes democrticos,

    especialmente no sculo XX. So, via de regra, nas democracias que

    a temtica ocupa posio prioritria nos debates e discusses e nas

    definies, pelos governos e sociedade, das polticas pblicas. Ou seja, o

    conjunto de direitos que envolve as garantias de cidadania necessita de

    operacionalizao, de execuo. Os direitos, em termos prticos, precisam

    ser realizados, transformados em aes concretas.

    O Caminho transcorrido desde os primeiros significados da cidadania,

    no perodo greco-romano, at as concepes modernas e contemporneas,revela que a capacidade de expanso e ampliao dos direitos possui uma

    relao direta com a poltica, especificamente, com as disputas polticas

    que ocorrem no mbito da sociedade. A partir desse contexto que envolve

    as demandas, reivindaes e interesses de grupos sociais e indivduos, e da

    sua relao com as instituies polticas (poderes Legislativo e Executivo e,

    entre outros, partidos), so estabelecidos os parmetros do entendimento

    contemporneo da cidadania.

    Referncias

    AVELAR, Lcia. Participao poltica. In: AVELAR, Lcia eCINTRA, Antnio Octvio. Sistema poltico brasileiro: uma introduo.2. ed. So Paulo: K. Adenauer e UNESP, 2007. p. 261-79.

    BONAVIDES, Paulo. Cincia Poltica . 10. ed. So Paulo:Malheiros, 1993.

    BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco.Dicionrio de Poltica. 13. ed. Braslia: UnB, 2007.

    CORSETTI, Eduardo. Poder e Poder Poltico. In: PETERSEN, Aurea;CORSETTI, Eduardo; PEDROSO, Elizabeth e ULRICH, MariaAlayde. Cincia Poltica Textos introdutrios. 4. ed. Porto Alegre:Edipucrs, 1998.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    23/144

    Orig

    enseconceitosdeCidadaniaePoltica

    23

    COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que cidadania. So Paulo:Brasiliense, 1991.

    FUNARI, Pedro Paulo. A cidadania entre os romanos. In: PINSKY,Jaime e PINSKY, Carla Bassanesi (orgs.). Histria da Cidadania. So

    Paulo: Contexto, 2005. p. 49-79.

    MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status.Rio de Janeiro:Zahar, 1967.

    GUARINELLO, Norberto Luiz. Cidades-estado na AntiguidadeClssica. In: PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla Bassanesi (orgs.).Histria da Cidadania. So Paulo: Contexto, 2005. p. 29-47.

    PARSONS, Talcott. Conceito de poder poltico. In: CARDOSO,Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam (orgs.). Poltica esociedade. 2. ed. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1983. p.21-7. v. 1.

    REIS, Elisa. Cidadania: histria, teoria e utopia. In: PANDOLFI, Dulce(org.). Cidadania, justia e violncia. Rio de Janeiro: Fundao GetulioVargas, 1999. p. 11-7. Disponvel em www.cpdoc.fgv.br.

    Questes

    1) Analise as relaes possveis entre as definies de cidadania e

    poltica.

    2) Indique os parmetros e elos entre direitos e cidadania.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    24/144

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    25/144

    Liberalismo e ascensoda burguesia

    2

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    26/144

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    27/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    27

    A formao dos conceitos modernos de cidadania possui uma forte

    ligao com o estabelecimento do Estado com poder unificado, superando

    a organizao poltica e social do perodo feudal, primeiro via poder

    absoluto e, depois, baseado no iderio liberal. Essa abordagem encontra-se

    neste captulo, junto com as interpretaes e origens da doutrina liberal,

    a fundamentao nos direitos individuais e naturais, finalizando com

    alguns itens da crtica ao Estado liberal.

    2.1 A unificao do poder no Estado

    O conceito moderno de Estado, formatado na transio da Idade Mdia

    (sculo V ao XV) para a Idade Moderna (sculo XV ao XVIII), estabeleceu

    alguns dos pontos centrais da configurao poltica e social que redundaria

    na retomada dos fundamentos (liberdade e igualdade, por exemplo) da

    concepo de cidadania originada na civilizao greco-romana antiga.

    Esse conceito trata de um sistema de dominao, ou seja, uma estrutura

    hierrquica de poder e de controle social, colocada de maneira unitriae centralizada, com carter independente interna e externamente,

    com capacidade prpria de poder e delimitao de territrio de forma

    permanente (Heller, 1983).

    Na Idade Mdia o poder encontrava-se dividido, principalmente

    no perodo feudal. Pelo peso e importncia na organizao poltica da

    poca, as funes da Igreja, dos nobres proprietrios e, entre outros, das

    cidades sobrepujavam ou se equivaliam ao poder do monarca soberano nofeudalismo (Heller, 1983). Fragmentao que contribuiu para a derrocada

    do modelo.

    Nesse sentido, a questo principal, j no final sculo XV, passa a estar

    ligada ideia da unidade poltica, militar e territorial, isto , uma forma

    para resolver a desconstituio oriunda do feudalismo e, por consequncia,

    instituir um Estado soberano, baseado na ordem e nas garantias de

    segurana e proteo.Os alicerces dessa compreenso advm, primeiro, da colocao do

    Estado como centro da poltica, em vez daplisgrega e da repblica romana

    (Bobbio, 1990). Em segundo lugar, trata do poder e do que necessrio

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    28/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    28

    para a sua manuteno de maneira unificada e estvel (Maquiavel, 1996).

    Por fim, h a compreenso de que a ordem poltica no natural, sendo

    construda a partir da disputa de poder, em grande parte sustentada pela

    fora, separando a igreja do Estado (Maquiavel, 1996).

    Essas trs premissas significam um rompimento com a viso vigente na

    Antiguidade e em parte da Idade Mdia acerca da organizao poltica. A

    ideia essencial do Absolutismo, no plano terico, est localizada na unidade

    do poder e no seu exerccio, concebendo o Estado como uma extenso

    dessa centralizao, em termos polticos e territoriais, estabelecendo um

    sistema de dominao baseado na fora e na relao entre monarcas e

    sditos, os quais possuem funes e direitos diferenciados, considerando

    uma ordenao hereditria.Portanto, so deixados de lado alguns dos valores da civilizao greco-

    romana, principalmente em relao democracia ateniense e repblica

    romana.Os pontos principais dessa perspectiva esto na considerao

    da liberdade do indivduo e na noo de igualdade dos cidados livres,

    alm da formao de um corpo poltico de carter comum, especialmente

    em Atenas, com capacidade de tomada de decises em assembleias

    pblicas e no hierarquizadas. Mulheres, servos e estrangeiros, porm,no compartilham de tal condio.

    A legitimao do Estado medieval, em termos gerais, situa-se na

    compreenso de que o poder pblico tem origem divina (Khnl, 1983).

    O soberano governa por delegao de deus, quando no se auto-

    intitula como divino, e tem capacidade ilimitada de decidir e impor sua

    deciso. Essa ordenao contestada pelo Iluminismo (sculos XVII

    e XVIII), perodo no qual ganha fora a viso de que o Estado deveser concebido como um produto humano, uma instituio sem base

    sobrenatural, construda pelos indivduos e legitimado pela vontade

    do povo (Khnl, 1983). Muda, desta forma, a relao estabelecida, no

    mbito da organizao poltica e social, entre os indivduos e destes

    com o poder soberano.

    A sada do modelo feudal tem uma ligao inerente com a formao

    das cidades e a unificao das regies, deixando de lado a organizaofragmentada que caracteriza o feudalismo. A partir da, iniciam os

    processos de unificao dos estados, a qual variou, dependendo da

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    29/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    29

    regio da Europa, entre os sculos XIV e XIX (Covre, 1991). Portugal

    e Espanha, por exemplo, nos sculos XIV e XV, passaram a ter uma

    organizao poltica unificada e centralizada antes da Inglaterra e da

    Frana. Unificao que significa uma maior capacidade de manter a

    ordem interna e de garantir o territrio diante de ameaas de invases

    estrangeiras (Maquiavel, 1996).

    Caractersticas do Absolutismo

    - Centralizao e unificao poltica.

    - Monarquia. Rei com poderes quase que ilimitados.

    - Concentrao dos poderes.

    - Autoritarismo.- Governo sem necessidade de consentimento da sociedade.

    - Uso da fora e da violncia pelo Estado.

    - Relao de desigualdade entre nobres e sditos.

    - Unificao e delimitao territorial.

    2.2 Origem das ideias liberais

    A determinao da administrao poltica centralizada no Estado,

    colocada de maneira permanente em um territrio delimitado, somada

    ideia de soberania legitimada na vontade do povo, aproxima-se

    do processo de desenvolvimento do capitalismo (Covre, 1991). A

    formao da burguesia, grupo ou classe integrada por indivduosque, no sendo nem aristocratas, nem nobres, estabeleciam redes de

    comrcio, de compra e venda de produtos, entre os burgos (cidades),

    implica em uma mudana no sentido da possibilidade de acumulao

    de capital e recursos econmicos por indivduos que no faziam

    parte da nobreza, de maneira no hereditria, em um contexto de

    expanso da vida urbana, do mercantilismo, do desenvolvimento

    de comrcio entre os povos, das navegaes e descobrimentos deoutros continentes.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    30/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    30

    Em sntese, indivduos de origem no nobre passaram a acumular

    riquezas oriundas do comrcio e da fabricao de produtos. A ampliao

    da importncia da burguesia, primeiro no mbito econmico, tem

    uma implicao importante na organizao poltica. Os seus interesses

    passam a entrar em conflito com o tipo de Estado e de soberania em

    vigor, cujas caractersticas incluam o poder do soberano em dispor da

    propriedade, de determinar leis e tributos, enfim, de governar baseado

    na fora e no no consentimento, sem levar em conta os interesses dos

    governados e sditos.

    A superao do modo de produo feudal, a ascenso do capitalismo

    mercantil e a decadncia do poder sustentado em uma origem divina ou

    sobrenatural, trazem para o centro da disputa poltica do perodo (sculos

    XVII e XVIII) a problemtica da justificativa e legitimao do poder.

    Considerando que a burguesia, ento detentora de poder econmico,

    comea a contestar e a combater os desgnios da soberania absolutista,

    cuja base o uso da fora, surge uma concepo poltica, o Liberalismo,

    com capacidade para se opor ao Absolutismo (Khnl, 1983).

    Portanto, o iderio liberal comea um processo de contraposio

    estrutura poltica e de poder do Absolutismo. Os argumentos centrais dessa

    contraposio situam-se na definio e defesa dos direitos individuais e

    na delimitao do poder do Estado. Assim, h o estabelecimento de

    um novo tipo de relao entre os indivduos e destes com o Estado e

    governantes.

    2.3 Fundamentos da doutrinado Liberalismo

    A primeira concepo do Estado criado a partir do consentimento,

    de um contrato ou pacto, est situada em Thomas Hobbes (2004).

    Entretanto, para Hobbes, o pacto deve produzir um Estado com base

    absolutista, ainda que surgido por consentimento, e poder soberanode carter ilimitado. No contrato, os indivduos abrem mo de sua

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    31/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    31

    vontade para garantir a segurana, a propriedade e a vida, saindo de

    uma situao de violncia e medo tpica do Estado natural na verso

    de Hobbes. O Estado (simbolizado na figura bblica do Leviat, um

    animal monstruoso e cruel), com isso, torna-se o detentor da soberania

    delegada pelos indivduos em assemblia, sendo que se d pela fora

    o exerccio do poder.

    John Locke (1983), um dos tericos fundadores do Liberalismo,

    compactua com a ideia de pacto, na qual indivduos no estado de

    natureza unem-se para conceber um contrato que d origem ao Estado.

    O consentimento, no entanto, na instituio do organismo poltico

    mantm, diferente de Hobbes, os direitos naturais, implementando a

    lei e assegurando liberdade para cada indivduo, suas aes, posses epropriedade; e coloca o poder supremo no Legislativo (formado por

    representantes), busca o bem comum e a conservao da propriedade

    e da vida.

    O contraponto a esse iderio est em Jean-Jacques Rousseau (1997).

    Mesmo incorporando a ideia do contrato, diferencia a soberania do

    governo. Para Rousseau, a soberania est na vontade geral, na qual os

    cidados so, de maneira direta, sem representao poltica, a autoridadesoberana na elaborao das leis. Cada indivduo manifesta-se por si, de

    maneira direta e sem intermedirios. Os cidados, soberanos, so, ao

    mesmo tempo, sditos, pois, individualmente, devem submeter-se s

    leis feitas por todos. O governo trata, apenas, de executar e cumprir a

    vontade geral.

    Outro elemento central na concepo liberal, e que tambm influenciou

    a grande maioria dos estados, a separao dos poderes. O Baro deMontesquieu (1997) elaborou a tese de que a liberdade garantida na

    medida em que o poder utilizado para conter o prprio poder. Para tanto,

    necessria a diviso dos poderes em executivo, judicirio e legislativo,

    sendo este ltimo o soberano, cada um com funes diferentes e em uma

    situao de equilbrio e controle mtuo. A separao uma contraposio

    ao modelo absolutista, cujas caractersticas so o poder unificado, ilimitado

    e centralizado.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    32/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    32

    Doutrina liberal

    - Liberdade.

    - Igualdade de todos diante da lei.

    - Estado: produto de um acordo, contrato ou pacto entre osindivduos.

    - Poder poltico exercido mediante consentimento.

    - Separao dos poderes do Estado: Executivo, Legislativo e

    Judicirio.

    - Delimitao do poder do Estado.

    - Garantias dos direitos naturais dos indivduos: liberdade,

    propriedade e igualdade.- Soberania: poder exercido com base nas leis e no consentimento

    dos governados.

    2.4 Consentimento e direitos individuais

    A argumentao liberal diante do Absolutismo pode ser centralizadana determinao dos direitos naturais dos indivduos. Cada pessoa, desde

    o nascimento e independente de qualquer coisa, passa a ter o direito

    vida, segurana, liberdade, igualdade e propriedade. Tais prerrogativas

    no poderiam ser desconsideradas pelo soberano e pelo Estado.

    A afirmao dos direitos individuais desencadeada pela inverso

    da representao da relao poltica, com o estabelecimento da relao

    Estado/cidado, no lugar da relao soberano/sdito (Bobbio, 1992).Em um Estado nacional, h uma relao direta do cidado com a

    autoridade soberana; diferente das organizaes polticas medievais,

    quando apenas os nobres mantinham uma ligao direta com o soberano

    (Bendix, 1983). Nessa perspectiva, o cerne da constituio das naes est

    na demarcao dos direitos e deveres individuais.

    O iderio liberal, sintetizado na defesa da liberdade, igualdade e

    propriedade, foi operacionalizado a partir da contestao da origem elegitimao do poder absoluto. Os argumentos, nesse sentido, amparam-se

    nos direitos naturais dos indivduos, na limitao do poder do Estado e no

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    33/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    33

    consentimento como fator de legitimao e justificao dos governantes.

    Paralelamente, o pensamento burgus busca separar o Estado da sociedade,

    dividindo o pblico do privado e limitando as possibilidades de interveno

    da autoridade estatal na ordem econmica e na vida dos indivduos.

    Para justificar o exerccio do poder, em contraponto s justificaes

    sustentadas na origem divina e na fora, a frmula encontrada baseia-se

    nas teorias contratualistas. Ou seja, o Estado e sua constituio tm origem

    em um contrato realizado entre os indivduos, cujo consentimento

    imprescindvel para o exerccio do poder. Em outras palavras, os indivduos

    que vivem em um estado natural, sem segurana e sem garantias, fazem um

    acordo, um pacto, para garantir um conjunto de direitos e deveres. Porm,

    para garanti-los, surge a necessidade da construo de um organismo compoder e capacidade para tanto. Organismo que, moldado e limitado pelas leis

    produzidas a partir dos indivduos ou seus representantes em assemblia,

    passa a ter a funo de assegurar o cumprimento dos direitos naturais,

    especialmente a liberdade, a igualdade e, entre outros, a propriedade, junto

    com os instrumentos necessrios para punir os indivduos que descumprem

    as regras do contrato, ou seja, as leis.

    O pacto que d origem ao Estado, organismo construdo para garantir aordem, na tica liberal, passa a ser a explicao, mediante consentimento,

    para o exerccio do poder. Ao mesmo tempo, o consentimento com as

    leis do contrato tem um significado de contraposio ao tipo de poder

    do Estado absolutista.

    importante ressaltar a importncia, no processo de desenvolvimento

    da cidadania, do iderio calcado nos direitos individuais, garantidos

    constitucionalmente. Desta forma, tornam-se decisivas as consideraessobre a separao do pblico e do privado, retirando do Estado o

    monoplio do controle da economia e do mercado, a legitimao do poder

    no consentimento dos cidados, liberdade de pensamento e expresso. A

    mudana mais importante, todavia, a colocao da soberania no Poder

    Legislativo, no qual representantes da populao definem as leis.

    As consequncias principais dessa mudana de perspectiva, saindo

    do Absolutismo para o Liberalismo, podem ser percebidas a partir daconsiderao de que o exerccio do poder, no Estado, passa a ocorrer sob

    a determinao de leis elaboradas por representantes da populao, ou

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    34/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    34

    de parte dela. O Estado tambm fica com a incumbncia de assegurar as

    condies para os direitos individuais.

    A noo de liberdade e de igualdade de todos perante a lei, a defesa da

    razo e a delimitao legal da autoridade transformaram-se em paradigmas

    e influenciaram grande parte das constituies de vrios pases. As origens

    dessa concepo esto na Revoluo Liberal da Inglaterra, em 1688, na

    qual houve um acordo entre a monarquia e a burguesia, com a primeira

    aceitando submeter-se s leis e ao parlamento; na Revoluo Francesa, em

    1789, com a monarquia sendo derrubada do poder e na Constituio dos

    Estados Unidos da Amrica, em 1776. Todas consagraram os princpios

    de liberdade, igualdade de todos perante a lei e direitos individuais. E em

    outras palavras, estabeleceram os princpios da cidadania na sua versomoderna, que configurariam a interpretao contempornea da questo.

    A Revoluo Liberal Inglesa (1688)

    - Poder estatal passa para as mos da burguesia.

    - A monarquia se mantm com o compromisso de aceitar e cumprir

    as leis civis.

    - Limitao do poder do Estado.- Garantias dos direitos individuais.

    - Monarquia parlamentarista.

    - Parlamento formado por representantes dos nobres e dos comuns

    (no-nobres).

    A Revoluo Francesa (1789)

    - Conceito de soberania nacional: nao soberana por ser integradapelo conjunto de cidados.

    - Leis: manifestao da vontade geral.

    - Formatao dos princpios do Estado nacional.

    - Lema: liberdade, igualdade e fraternidade.

    - Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado: Todos os homens

    nascem e permanecem livres e iguais em direitos.

    - Direitos civis para todos.- Liberdade individual.

    - Direito propriedade e a resistir opresso.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    35/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    35

    A Independncia dos Estados Unidos (1776)

    - Experincia de democracia liberal.

    - Liberdades e direitos individuais.

    - Bicameralismo: Cmara e Senado.- Constituio da figura do presidente, responsvel pelo Poder

    Executivo.

    - Liberdades de associao e de imprensa.

    - Partidos polticos.

    - Federao: vrios estados com governo descentralizado.

    - Leis nacionais objetivas.

    2.5 A crtica ao Liberalismo e cidadania

    A concepo moderna de cidadania passou a ter, em termos prticos eterico-filosficos, com o Liberalismo a sua variante definitiva. Houve, emmuitos casos, a retomada de alguns dos conceitos vigentes nas civilizaes

    greco-romana antigas.Os vnculos entre direitos e legalidade e liberdade e igualdade

    passaram a ser constantes nas leis e constituies de vrios pases. Umainfluncia que chega contemporaneidade, balizando as organizaespolticas e sociais dos estados atuais.

    O pressuposto de que os indivduos possuem direitos fundamentais,ou naturais, os quais devem ser respeitados e garantidos, junto com a

    delimitao do poder e da atuao do Estado, significa um parmetroforte no sentido das compreenses sobre a temtica da cidadania.

    Da advm o Estado de direito, cujo fundamento est nas leis feitas demaneira politicamente legtima, com consentimento da populao. Assim,ficam estabelecidos os direitos e deveres dos indivduos na convivnciaem sociedade e na sua relao com o Estado.

    Na doutrina liberal, o Estado de direito formado por instrumentosconstitucionais que criam obstculos ao uso arbitrrio e ilegtimo do

    poder e que produz garantias dos direitos fundamentais e, a princpio,

    inviolveis, dos cidados (Bobbio, 1990). Esses instrumentos visam

    defender o indivduo do uso abusivo do poder.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    36/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    36

    Ao mesmo tempo em que limita o poder e as funes do Estado,

    o iderio liberal possibilita a participao do indivduo no campo da

    poltica, concebendo leis para a conquista legtima do poder e o seu

    exerccio. Porm, um Estado liberal no , necessariamente, democrtico.

    O Liberalismo configurou-se em sociedades com importantes restries

    participao nos governos, controlados em grande parte pelas classes

    proprietrias (Bobbio, 1990).

    O processo de democratizao, resultado da ampliao do direito ao

    voto at a sua universalizao, colocou o Estado liberal clssico em crise

    (Bobbio, 1990). Portanto, o processo de desenvolvimento da cidadania,

    efetivada, em termos constitucionais a partir da doutrina liberal, passa a

    enfrentar outros obstculos e imperfeies. A perspectiva desenvolvidapor Karl Marx (2001) apresenta os parmetros da crtica ao Estado

    liberal. Crtica que j foi, em parte, formulada por Jean-Jacques Rousseau

    (1997), para quem a propriedade e a representao poltica produzem

    desigualdade e desfiguram a soberania popular.

    Na viso de Marx e Engels (2001), a classe dominante (a burguesia,

    proprietria dos meios de produo) utiliza o poder coercitivo do Estado

    e o seu poder econmico em benefcio dos interesses dela em preservare ampliar a propriedade. Paralelamente, submete a classe dominada (os

    trabalhadores, proletrios) hegemonia burguesa. O Estado, assim, no

    garante a igualdade, mas defende e privilegia os interesses burgueses em

    detrimento dos interesses do proletariado.

    Nessa perspectiva, as etapas do desenvolvimento da burguesia,

    considerando a superao do Feudalismo e do Absolutismo, possuem

    uma correspondncia com as mudanas polticas, a partir da derrocadado predomnio dos senhores feudais e da nobreza absolutista, e com

    as mudanas econmicas, englobando o mercantilismo e as etapas

    da industrializao (manufatura e tecnologia de produo em escala

    industrial) (Marx e Engels, 2001). A chegada da burguesia aos postos de

    poder no mbito do Estado, com as revolues liberais, e a expanso do

    capitalismo efetivou um modelo de explorao da mo de obra da classe

    de trabalhadores (Marx e Engels, 2001). Desse ponto de vista, os proletriospassam a ser a classe dominada e excluda, na prtica, de muitos dos

    direitos da doutrina liberal.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    37/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    37

    Paralelamente, a compreenso de Marshall (1967), definindo um

    conjunto de direitos (sociais, polticos e civis) e uma sequncia de obteno

    e conquista, abrange a ideia de um processo longo e no destitudo de

    obstculos. Os avanos e retrocessos da conquista e garantia dos direitos,

    com isso, diferem nas trajetrias dos pases e nos diversos tipos de

    organizaes polticas e de relaes sociais.

    Referncias

    BENDIX, Reinhard. A ampliao da cidadania. In: CARDOSO,Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam (orgs.). Poltica esociedade. 2. ed.. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1983. p.389-402. v. 1.

    BENDIX, Reinhard. Construo nacional e cidadania estudos de nossaordem social em mudana. So Paulo: Edusp, 1996.

    BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 3. ed. So Paulo:Brasiliense, 1990.

    HELLER, Hermann. A teoria do Estado. In: CARDOSO, FernandoHenrique e MARTINS, Carlos Estevam (orgs.). Poltica e sociedade. 2.ed. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1983. p. 79-111. v. 1.

    HOBBES, Thomas. Leviat ou matria, forma e poder de um Estadoeclesistico e civil.So Paulo: Editora Nova Cultural, 2004.

    KHNL, Reinhard. O modelo liberal de exerccio de poder. In:CARDOSO, Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam(orgs.). Poltica e sociedade. 2. ed.. So Paulo: Companhia EditoraNacional, 1983. p. 242-56. v. 1.

    LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. So Paulo: Abril,1983.

    MAQUIAVEL, Nicolau. O Prncipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1996.

    MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status.Rio de Janeiro:Zahar, 1967.

    MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista(1848).Porto Alegre: LPM, 2001.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    38/144

    Libe

    ralismoeascensodaburguesia

    38

    MONTESQUIEU. Do esprito das leis. So Paulo: Nova Cultural,1997.

    ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. So Paulo: NovaCultural, 1997.

    TOCQUEVILLE, Alexis de.A democracia na Amrica.Braslia: UnB,1982.

    WEFFORT, Francisco (org.). Os clssicos da poltica.So Paulo: tica,1996. v. 1 e 2.

    Questes

    1) Analise as principais diferenas entre o Absolutismo e a doutrina

    liberal.

    2) Qual o papel do Estado nacional na formao da cidadania?

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    39/144

    Direitos e Estadonacional

    3

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    40/144

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    41/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    41

    A concepo moderna da cidadania teve uma forte influncia e ocorreu

    paralelamente formao do Estado nacional. Este captulo destina-se a

    apresentar alguns dos elementos principais desse processo, enfatizando as

    questes que envolvem os trs tipos de direitos (civis, polticos e sociais),

    fundamentais ao desenvolvimento da cidadania. O pano de fundo desse

    contexto reside na forma com a qual se efetiva a relao do indivduo com

    o Estado, considerando os pontos de vista sustentados no Liberalismo e

    na democracia, e na complexidade das percepes da igualdade legal e

    da igualdade scio-econmica.

    3.1 A importncia do Estado nacionalna formatao da cidadania

    As mudanas polticas e sociais que ocorreram nos pases da Europa

    Ocidental, cujo marco principal pode ser encontrado no sculo XVIII,

    com a Revoluo Francesa, ocorreram de maneira paralela a um conjunto

    de outras mudanas (Bendix, 1996). O avano da industrializao,urbanizao, de inovaes no campo da educao, entre outras, somadas

    s alteraes polticas, modificou a sociedade e definiram o conceito

    de modernidade. Outras situaes histricas importantes envolvem a

    transformao econmica e poltica da Inglaterra (com as duas revolues

    industriais), a independncia e a constituio dos Estados Unidos (1776) e

    a criao do Estado nacional na Revoluo Francesa (1789) (Bendix, 1996).

    Portanto, h uma associao entre as alteraes nos planos tecnolgico,social e poltico, as quais produziram o conceito de modernidade, que se

    desenvolve junto com o capitalismo.

    No campo scio-poltico, a partir do desmoronamento do feudalismo

    e do Absolutismo e da ascenso do Liberalismo, as principais alteraes

    encontram-se nas declaraes de igualdade dos direitos de cidadania

    e na contestao doutrina do poder hereditrio e de origem divina.

    Nesse sentido, a sociedade moderna torna-se diferente das anteriores porpromover um processo de democratizao, incluindo grupos e classes

    sociais que antes no participavam de maneira ativa da vida poltica, a

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    42/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    42

    partir do uso do voto para a escolha dos governantes e do estabelecimento

    de controles formais para fiscalizar e delimitar as aes dos governos

    (Bendix, 1996). A compreenso de organizao social, com isso, ampliada,

    sendo integrada por todas as pessoas que vivem em um determinado

    pas, formadores da sociedade e com uma relao de interdependncia e

    igualdade enquanto cidados.

    Para Reinhard Bendix (1996) outro fator diferencial da organizao

    poltica moderna est na aproximao dos conceitos de Estado e de

    nao. A identidade nacional, formada por indivduos que vivem em

    situao de igualdade formal, em um mesmo e delimitado territrio,

    sob um mesmo governo e sistema legal e jurdico, com caractersticas

    semelhantes de cunho cultural, um dos marcos do processo de

    modernizao. Ou seja, o termo nao faz referncia ideia de

    comunidade poltica e ganhou efetivao na Revoluo Francesa,

    gnese do Estado nacional.

    O Estado moderno, na viso de Max Weber (1999), uma associao

    poltica que possui o monoplio legtimo do uso da violncia em um

    territrio, exercendo o controle dos recursos polticos e administrativos

    atravs de uma direo monocrtica (poder unificado). A fonte da

    legitimao do poder, no moderno Estado capitalista, a lei, ou seja, a

    obedincia no se d a uma pessoa, mas ao estatuto legal, produzindo

    direitos.

    Deste modo, as caractersticas comuns na formatao da estrutura

    poltica e social que se convencionou chamar de modernidade

    incorporam a doutrina liberal, enquanto base tica e filosfica, e oprogresso econmico e tecnolgico. Os princpios de igualdade de

    todos perante a lei, de governos escolhidos pelo voto e com atuao

    definida e delimitada na ordem legal e as garantias de direitos

    individuais so os fundamentos da cidadania, cuja base encontra-se

    no surgimento e efetivao do Estado nacional e seus marcos jurdicos.

    Nesse sentido, todos os indivduos so, formalmente, cidados

    possuidores de direitos iguais diante de uma autoridade nacionalsoberana (Bendix, 1983).

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    43/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    43

    Estado moderno

    - Exerccio do poder unificado em um territrio.

    - Concepo liberal: uma parcela de todos os indivduos (a burguesia)

    reivindica o poder soberano.- Igualdade formal.

    - Formao de uma identidade nacional.

    - Democratizao: ampliao da participao poltica e do direito ao

    voto.

    - Busca dos direitos sociais.

    3.2 O desenvolvimento da concepodos direitos individuais

    O Estado de direito, fruto das mudanas sociais e polticas que

    perpassaram os sculos XVI, XVII, XVII e XIX, tem por fundamento a

    determinao das leis enquanto delimitadoras da ao dos indivduos e

    instituies em uma sociedade. A legislao expressa, em termos formais,

    a vontade da coletividade e define os direitos, deveres e punies, visando,

    teoricamente, o bem comum.

    O sistema jurdico, base do Estado de direito, a instituio que

    assegura o cumprimento das prerrogativas constitucionais e, em ltima

    instncia, dos direitos individuais. Integram essa definio as garantias

    acerca das liberdades fundamentais estabelecidas nas leis. A obedincia s

    leis ocorre na medida em que a legitimao do poder advm do estatuto

    legal-racional que fundamenta a estruturao do Estado (Weber, 1999).

    A poltica e as suas resolues, considerando o iderio liberal, tm como

    alvo essencial o indivduo e seu bem-estar (Khnl, 1983).

    Em outras palavras, o Estado feito pelos indivduos e no o

    contrrio, incluindo a proposio, presente na declarao constitucional

    da Revoluo Francesa de 1789, de que, para o indivduo, primeiro vm

    os direitos, depois os deveres e, para o Estado, primeiro vm os deveres(Bobbio, 1992). Desta forma, o reconhecimento dos direitos ocupa um lugar

    central nas constituies democrticas modernas (Bobbio, 1992).

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    44/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    44

    Ao mesmo tempo, os direitos fundamentais representam as garantias

    do exerccio das funes polticas dos cidados e das instituies. No

    primeiro caso, ficam asseguradas as liberdades de opinio, expresso,

    associao e direito ao voto. Em relao s instituies, especialmente a

    imprensa e os partidos, valem os mesmo princpios (Khnl, 1983).

    Processo da liberdade no Estado moderno

    - Liberdade em relao ao Estado: proteo do indivduo atravs da

    delimitao legal da ao do Estado.

    - Liberdade no mbito do Estado: efetivao dos direitos polticos,

    voto e participao poltica.

    - Liberdade por meio do Estado: garantias dos direitos sociais.

    3.3 Elementos prioritrios dos direitos

    O processo evolutivo dos direitos dos cidados na Europa Ocidental,

    que viria a infl

    uenciar vrios outros pases, atravessa, pelo menos, trssculos, a partir das revolues liberais dos sculos XVII e XVIII, perodo

    permeado por vrios conflitos sociais, disputas e instabilidade.

    A sntese estrutural da concepo e tipificao dos direitos civis,

    polticos e sociais, elaborada por T. H. Marshall (1967), estabelece a diviso

    do conceito de cidadania em trs partes.

    So relevantes, nesse sentido, os quatro elementos que embasam

    a constituio da cidadania moderna, considerando a perspectiva deMarshall (Lavalle, 2003). O primeiro trata da universalidade da cidadania,

    no qual estabelecida a abrangncia dos direitos para as categorias

    sociais formalmente definidas, diferenciando-se dos perodos anteriores,

    quando eram produzidos benefcios apenas a setores sociais especficos

    (estamentos e castas).

    A territorializao da cidadania o segundo item. Nesse caso, h a

    combinao da defi

    nio da cidadania restrita s leis vlidas para umterritrio determinado. O alcance dos direitos e deveres tem como critrio

    a territorializao, substituindo as especificidades de carter corporativo.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    45/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    45

    Abrange, assim, todos os cidados, em situao de igualdade, e no

    exclusivamente corporaes ou agrupamentos.

    O terceiro ponto incorpora o princpio plebiscitrio da cidadania ou

    individualizao da cidadania, colocando de maneira direta os vnculos

    entre o indivduo e o Estado nos termos da legitimao da subordinao

    poltica. Com isso, excludo o princpio antigo do governo indireto, o

    qual correspondia delegao das funes do Estado a intermedirios que

    no faziam parte, de maneira efetiva, do aparato estatal, por exemplo, o

    clero, proprietrios de terras e oligarquias. A relao poltica, assim, ocorre

    entre o indivduo e o aparato estatal, no entre grupos.

    Por fim, o quarto elemento est ligado ndole estatal-nacional da

    cidadania, conectando-a com a construo do Estado nacional. Desta forma,h a congregao da compreenso do Estado com poder centralizado em

    um territrio delimitado com a populao estabelecida, enquanto uma

    comunidade poltica e cultural, portadora de uma identidade comum.

    Bases do conceito moderno da cidadania

    - Carter universal e nacional.

    - Determinao territorial.- Foco no indivduo.

    - Direitos civis, polticos e sociais.

    - Liberdade de organizao e manifestao.

    3.4 Os direitos civis, polticos e sociais

    A questo essencial dos direitos de cidadania surge com o princpio da

    igualdade dos indivduos perante a lei. Em termos formais, interrompida

    a concepo na qual os nobres e governantes tinham prerrogativas

    diferenciadas e a capacidade de produzir leis em seu prprio nome

    e interesses. O indivduo, com a igualdade, passa a ter a liberdade

    para estabelecer contratos, adquirir propriedades, elimina a servidohereditria, amplia os direitos para os estrangeiros, legaliza o casamento

    civil e iguala o statusde marido e esposa (Bendix, 1983).

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    46/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    46

    O primeiro conjunto de direitos so os civis, e a sua composio trata

    dos direitos que dizem respeito liberdade individual. So, nesse sentido,

    a liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento e de exerccio religioso.

    O direito propriedade, justia e de estabelecer contratos vlidos

    legalmente tambm fazem parte dessa perspectiva. O direito justia

    consiste na defesa e na afirmao de todos os demais direitos, sendo que

    os tribunais de justia so as instituies associadas a esse conjunto de

    direitos (Marshall, 1967).

    J os direitos polticos tratam da capacidade de participar do exerccio

    do poder poltico. Cada indivduo faz parte de um organismo possuidor de

    autoridade poltica e elege os governantes. As instituies que tratam desses

    direitos so o parlamento e os rgos do governo local (Marshall, 1967).O terceiro conjunto de direitos envolve os elementos sociais. A

    abordagem inclui desde o direito de bem-estar econmico e de segurana,

    de integrar e ter acesso aos meios de civilizao, conhecimento e

    socializao. O sistema educacional e os servios sociais so as instituies

    que tratam desse conjunto (Marshall, 1967).

    Os trs tipos de direitos, cuja definio tem carter nacional, diferente

    de experincias de cidadania locais e especficas anteriores ao sculoXVIII, esto separados, ao longo da histria, uns dos outros. Os direitos

    civis formaram-se no sculo XVIII, com a ascenso dos princpios liberais.

    No sculo XIX foi a vez dos direitos polticos e os sociais no sculo XX,

    segundo a anlise da experincia inglesa (Marshall, 1967).

    A formatao dos direitos civis possui como caracterstica a incluso

    gradual de novos direitos, os quais se somavam aos j existentes. Por

    exemplo, a liberdade foi, aos poucos, tornando-se universal, extinguindoo trabalho servil e escravo, e a cidadania deixou de ser de amplitude local

    para passar a ter escala nacional (Marshall, 1967).

    Os direitos polticos, por sua vez, surgem quando os civis, incluindo

    a liberdade, j se encontravam estabelecidos. A principal mudana situa-

    se na ampliao para novos setores da populao da possibilidade de

    votar (e com voto secreto) e escolher governantes. At o sculo XIX, o

    voto era monopolizado por grupos sociais especficos, por exemplo, ovoto censitrio, exercido apenas pelos proprietrios ou portadores de um

    determinado nvel de renda. nesse momento que os direitos polticos,

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    47/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    47

    em processo de universalizao, passam a integrar as concepes de

    cidadania, antecedendo, no sem enfrentar obstculos, aos direitos sociais

    (Marshall, 1967).

    Assim, possvel sintetizar o desenvolvimento dos direitos do

    homem em trs fases (Bobbio, 1992). Na primeira, houve a afirmao

    dos direitos de liberdade, os quais visam limitar o poder do Estado e a

    reservar para o indivduo, ou para os grupos particulares, um ambiente

    de liberdade em relao ao Estado. A segunda fase trata da proposio

    dos direitos polticos, redundando na ampliao da participao dos

    integrantes de uma comunidade no poder poltico, ou seja, a liberdade

    no Estado. Os direitos sociais, a terceira fase, so a expresso de

    novas exigncias e valores, essencialmente de bem-estar e igualdadeno apenas formal, implicando na busca de liberdade atravs ou por

    intermdio do Estado.

    A evoluo dos trs tipos de direitos

    Sculo XVIII Direitos civis

    - Liberdade.- Igualdade de todos diante da lei.

    - Direitos naturais vida e segurana.

    - nfase na concepo individual.

    - Direitos individuais limitam o poder do Estado.

    Sculo XIX Direitos polticos

    - Ampliao da participao no poder poltico.- Direito a votar e ser votado.

    - Representao poltica no parlamento e no Poder Executivo.

    Sculo XX Direitos sociais

    - Condies mnimas de igualdade econmica e social.

    - Direito ao trabalho assalariado.

    - Educao.- Sade.

    - Assistncia social.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    48/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    48

    3.5 Desigualdade e direitos

    A determinao da igualdade diante da lei pode ser situada junto com

    a questo da desigualdade social e econmica. O direito dos indivduosem exercer e garantir as liberdades civis bsicas formal. Assim, a

    igualdade da cidadania transcorre paralelamente com a desigualdade

    social (Bendix, 1983).

    Essa questo transformou-se, desde as ltimas dcadas do sculo XIX,

    no centro dos debates na Europa Ocidental, onde o Estado nacional foi

    estabelecido primeiramente. Um dos pontos centrais, nesse sentido, situa-

    se na defi

    nio dos nveis de tolerncia da desigualdade econmica e sociale o que poderia ser feito para ameniz-la, situao que tende a ultrapassar

    os limites da igualdade formal e das liberdades individuais.

    Ao mesmo tempo em que todos possuem o livre direito de formar

    associaes e expressar suas demandas e interesses, inclusive na instncia

    poltica, podendo votar e ser votado, o Estado passa a ser o alvo das

    reivindaes e mobilizaes dos setores sociais que vivem em situao

    de desigualdade. A extenso dos direitos, antes inacessveis, a todosimplica na colocao de todas as classes na arena poltica, propiciando a

    participao e a formao de movimentos de cunho popular.

    Em sntese, a igualdade formal diante da lei beneficia mais os

    cidados que possuem a independncia social e econmica para

    usufruir os direitos legais.

    O direito associao, representao e organizao, junto com a

    insero poltica de setores sociais antes impedidos de participao, ganha, a

    partir do iderio socialista, um reforo prtico e doutrinrio. Principalmente,

    na crtica s revolues de origem burguesa, as quais, nessa perspectiva,

    produzem emancipao poltica limitada e sem emancipao social. Assim,

    ainda no sculo XIX, h a emergncia da organizao sindical e de partidos

    das classes trabalhadoras (Bendix, 1983).

    Diante disso, as etapas do desenvolvimento do Estado moderno so

    formadas, primeiro, pela concepo liberal, no qual apenas uma parcela

    de todos os indivduos (a burguesia) reivindica o poder soberano. Em

    segundo lugar, a etapa da democratizao, reivindicada por todos os

    indivduos. Por fim, a terceira etapa engloba a questo social, onde

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    49/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    49

    todos os indivduos, ento j considerados soberanos e sem distines

    formais de classe, passam a requerer, alm dos direitos de liberdade,

    os direitos sociais. (Bobbio, 1992).

    A sequncia de direitos definida por T. H. Marshall (1967) a partir da

    anlise da Inglaterra nos sculos XVIII, XIX e XX, produz, principalmente, a

    partir dofinal do sculo XIX, um contexto que apresenta mais dificuldades

    para a consolidao dos direitos sociais. Influenciado, em parte, pelo iderio

    socialista e pela capacidade de mobilizao e organizao poltica da classe

    operria, o aparato estatal passa a ser exigido a ter uma formatao capaz

    de apresentar respostas s demandas de ordem social, com o surgimento

    do Estado de bem-estar social (o welfare state), uma contraposio, de certa

    forma, ao iderio liberal clssico. A funo de bem-estar social, com isso,

    incorporada ao Estado nacional (Esping -Andersen, 1991).

    O desenvolvimento da sequncia de direitos coloca a concepo social

    em um ambiente de bastante complexidade. A considerao acerca da

    importncia sequencial da ordem dos direitos, e seu carter cumulativo,

    ao estabelecer os direitos polticos, como precursores dos sociais, pode ser

    compreendida a partir do estabelecimento de uma relao prxima com

    as disputas polticas do perodo (fins do sculo XIX e primeiras dcadas

    do sculo XX).

    A democratizao ocasionada, por um lado, pelas liberdades de

    organizao, formao de sindicatos e partidos, por exemplo, e de

    manifestao de opinio; e, por outro lado, pela ampliao do voto,

    colocou novas reivindaes e demandas no centro das disputas polticas.

    Reivindaes que tinham um forte sentido social, buscando a incorporao

    dos direitos sociais a setores da populao que ainda no os tinham,

    mesmo possuidores dos direitos civis e polticos.

    Os direitos sociais tratam do atendimento de necessidades bsicas na

    vida dos indivduos. Fazem parte desse conjunto de direitos as questes

    vinculadas ao acesso alimentao, habitao, sade e, entre outros,

    educao. Todos so temas que, ao longo do sculo XX, transformaram-

    se no cerne das discusses sobre cidadania, em paralelo s funes do

    Estado no mbito social.

    Na relao paradoxal entre a igualdade formal de todos diante da

    lei, base do Liberalismo, e da desigualdade econmica e social, emerge a

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    50/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    50

    temtica do confronto entre o iderio democrtico e a doutrina liberal. O

    estudo de Alexis de Tocqueville (1982) sobre a experincia da fundao

    dos Estados Unidos da Amrica indica a primeira organizao poltica e

    social que aproxima o liberalismo da democracia, apontando um Caminho

    para amenizar a tenso entre a igualdade, base da democracia ateniense,

    e a liberdade, fundamento do Liberalismo.

    A combinao resultante da democracia-liberal transforma a antiga

    igualdade democrtica em um procedimento legal que garante igualdade

    de direitos, enquanto uma condio formal (Bobbio, 1990). Salvaguardados

    os direitos fundamentais dos indivduos, a democracia passa a ser um

    mtodo de escolha de governantes e no, como ocorria em Atenas, de

    exerccio direto de poder pelos cidados. Os representantes eleitos legislam

    e executam as funes de governo, mantendo as liberdades de associao,

    organizao e expresso.

    A alterao no conceito de igualdade, advinda do Liberalismo,

    contraposta ao de igualdade de condies, inclusive econmicas e sociais,

    insere um parmetro importante no processo de desenvolvimento da

    cidadania, especialmente no tocante aos direitos sociais.

    3.6 A cidadania e a relao com o Estado

    A concepo moderna de cidadania, portanto, possui um estreito

    vnculo com a formao dos estados nacionais, na Europa Ocidental, a

    partir do sculo XVIII. A expanso da cidadania, junto com a formaode uma comunidade de cunho nacional, tem um significado fundamental

    no estabelecimento de uma organizao poltica e social diferente da que

    havia no perodo do feudalismo e dos estados absolutistas.

    A sequncia dos trs tipos de direitos civis, polticos e sociais,

    considerando o modelo ingls, so o produto das disputas internas entre

    os grupos sociais de cada pas, situao que redunda no aparecimento

    de peculiaridades em cada caso analisado. No campo tico-filosfico, osprincpios liberais tornaram-se centrais nas legislaes dos mais diversos

    pases. No mbito de sua aplicao prtica e efetiva, contudo, apresentam

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    51/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    51

    diferenas relevantes, especialmente se considerados os pases com baixo

    desenvolvimento econmico-social.

    A afirmao e a efetivao dos direitos oscilaram ao longo dos sculos.

    Assim, as garantias e as definies sobre os direitos so produzidas pela

    realidade de cada Estado, sendo o saldo de contextos e situaes histricas

    especficas. Os direitos, enquanto produtos histricos, so passveis de

    mudanas frequentes, de transformaes e de ampliao (Bobbio, 1992).

    Outro elemento central na questo trata das relaes dos indivduos

    entre si e com o Estado (Bobbio, 1992). O Liberalismo, em sua primeira

    fase, determina a proteo do indivduo atravs da delimitao legal da

    ao do Estado, a partir dos direitos naturais, assegurados e protegidos.

    Desta forma, trata-se da liberdade em relao ao Estado. No processo deestabelecimento dos direitos polticos, no sculo XIX, h a concepo da

    liberdade no mbito do Estado. E, enfim, no terceiro conjunto de direitos,

    os sociais, h a liberdade atravs ou por meio do Estado.

    Em outras palavras, o desenvolvimento dos direitos e da prpria

    cidadania moderna pode ser compreendido pelas regras de limitao do

    poder do Estado, da autonomia poltica do indivduo e da colocao do

    Estado como responsvel para efetivar e assegurar os direitos sociais.

    Referncias

    BENDIX, Reinhard. A ampliao da cidadania. In: CARDOSO,Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam (orgs.). Poltica esociedade. 2. ed. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1983. p.389-402. v. 1.

    BENDIX, Reinhard. Construo nacional e cidadania estudos de nossaordem social em mudana. So Paulo: Edusp, 1996.

    BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 3. ed. So Paulo:Brasiliense, 1990.

    BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,1992.

    ESPING-ANDERSEN, Gosta. As trs economias polticas do welfarestate.Revista Lua Nova, nmero 24, 1991.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    52/144

    Dire

    itoseEstadonacional

    52

    KHNL, Reinhard. O modelo liberal de exerccio de poder. In:CARDOSO, Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam(orgs.). Poltica e sociedade. 2. ed. So Paulo: Companhia EditoraNacional, 1983. p. 242-56. v. 1.

    LAVALLE, Adrian Gurza. Cidadania, igualdade e diferena. RevistaLua Nova. Nmero 59. 2003.

    MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status.Rio de Janeiro:Zahar, 1967.

    TOCQUEVILLE, Alexis de.A democracia na Amrica.Braslia: UnB,1982.

    WEBER, Max. Os tipos de dominao. In: Economia e sociedade:Fundamentos de sociologia compreensiva. Braslia: Ed. UnB,1999.

    WEFFORT, Francisco (org.). Os clssicos da poltica.So Paulo: tica.1996. v. 1 e 2.

    Questes

    1) Estabelea os parmetros da relao entre o indivduo e o Estado na

    perspectiva do Liberalismo.

    2) Analise o processo evolutivo dos direitos civis, polticos e sociais.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    53/144

    Democracia, Estadode bem-estar

    e os direitos sociais

    4

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    54/144

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    55/144

    Dem

    ocracia,Estadodebem-e

    stareosdireitossociais

    55

    A consolidao dos direitos civis e polticos foi a base para o processo de

    obteno dos direitos sociais, todos centrais na compreenso da cidadania.

    O objetivo deste captulo apresentar algumas caractersticas dos tipos de

    percursos para o estabelecimento da cidadania, incluindo elementos para

    a compreenso dos temas que envolvem a implementao dos direitos

    sociais, atravs do Estado de bem-estar social (welfare state) na Europa

    Ocidental. Tambm esto includas algumas caractersticas da crise do

    welfare,a partir da dcada de 1970.

    4.1 Tipologia das trajetriasda cidadania

    A efetivao dos direitos enquanto intrnsecos s compreenses a

    respeito da cidadania propiciam a anlise das formas, na perspectiva de

    Bryan Turner (1996), com as quais a sua obteno ocorreu. O primeiro

    aspecto opera na diferenciao entre a cidadania alcanada a partir da

    mobilizao da populao e, pelo contrrio, a obtida pela iniciativa primeirado Estado. Situam-se no primeiro caso os direitos civis conquistados nas

    lutas contra os estados absolutistas. Integram a segunda possibilidade os

    pases nos quais o Estado teve a iniciativa da implantao dos direitos.

    Outro ponto importante encontra-se na distino entre pblico e

    privado. Nesse sentido, a cidadania pode ser adquirida no espao pblico,

    resultado da conquista do Estado, e ou dentro do espao privado, pela

    afirmao dos direitos individuais enquanto limitadores das aesestatais.

    As duas formas de compreender a evoluo, considerando se a

    iniciativa partiu da populao ou do Estado, se no ambiente pblico ou

    privado, produzem quatro tipos de cidadania (Turner, 1996). O primeiro

    faz referncia experincia ocorrida na Frana, quando, via Revoluo, a

    primazia na conquista partiu de setores da populao no mbito do espao

    pblico, sendo que a ao revolucionria se afi

    rma pela transformaodo Estado em nao.

    O segundo tipo, caso dos Estados Unidos, possui a mesma caracterstica

    do francs, com as garantias dos direitos obtidas por iniciativa da

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    56/144

    Dem

    ocracia,Estadodebem-e

    stareosdireitossociais

    56

    populao. A diferena, nesse ponto de vista, est que os movimentos

    ocorreram no espao privado, isto , fora do Estado.

    A cidadania obtida pela universalizao dos direitos individuais,

    definidos como espao pblico, o terceiro tipo, corresponde ideia do

    cidado enquanto sdito. O caso ingls o exemplo mais comum, com

    a Revoluo Liberal de 1688 mantendo a monarquia e esta tendo sua

    ao limitada por leis, o que redundou na formatao da monarquia

    parlamentarista inglesa.

    O caso da Alemanha o quarto tipo de cidadania, construda a partir

    da iniciativa do Estado no espao privado. Assim, h a efetivao de laos

    de lealdade do cidado com o Estado.

    Portanto, em termos tericos, as concepes e formataes da cidadaniapossuem um vnculo direto com os nveis de democratizao e estrutura

    poltica de uma determinada sociedade. Nesse sentido, os resultados da

    incorporao dos direitos de acordo com cada realidade, principalmente

    no que se refere aos direitos sociais.

    Quatro modelos da cidadania

    - Revoluo Francesa: iniciativa de setores da populao no mbitodo espao pblico.

    - Estados Unidos: iniciativa da populao e efetivao no espao

    privado, fora do campo de ao do Estado.

    - Inglaterra: cidadania definida pela universalizao dos direitos

    individuais, com origem no prprio espao pblico.

    - Alemanha: iniciativa pela interveno do Estado no espao

    privado.

    4.2 Origens do Estado social(welfare state)

    O embate estabelecido entre a igualdade formal dos indivduos perante alei e as desigualdades de ordem social e econmica transforma-se, ao menos

    desde o comeo do sculo XX, no cerne das discusses em torno das funes

    e do papel do Estado. Integram esse contexto os princpios advindos da

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    57/144

    Dem

    ocracia,Estadodebem-e

    stareosdireitossociais

    57

    doutrina liberal, enfocando a limitao do poder do Estado, a interveno

    mnima na economia e na vida dos indivduos e as garantias legais da

    liberdade. O avano cumulativo do acesso a direitos civis, no sculo XVIII,

    polticos, no sculo XIX, e sociais, no sculo XX, colocaram os governos e as

    organizaes polticas diante de novas reivindaes e demandas de grupos

    sociais que antes no tinham condio de mobilizao.

    A tipificao dos direitos em civis, polticos e sociais tambm representa

    uma sequncia capaz de possibilitar os avanos e a prpria ampliao da

    sua abrangncia (Marshall, 1967). Nesse sentido, a conquista dos direitos

    polticos tem uma importante implicao na organizao poltica de setores

    que no tinham acesso a muitos dos elementos que viriam a configurar

    os direitos sociais, tais como moradia, sade e educao. Ao mesmotempo, a mobilizao, a capacidade de organizao, a livre expresso

    de reivindaes e demandas, a formao e o aumento da participao

    em partidos e sindicatos resultaram no aumento da presso no Estado e

    governos por polticas pblicas com o objetivo de dar respostas a esses

    indivduos, os quais, por exemplo, passaram a ter um peso importante

    na arena eleitoral.

    A organizao estatal baseada, em grande parte, nos princpios liberaisfoi uma tendncia que permaneceu, via de regra, na Europa, at o fim

    da 1 Guerra Mundial (1914 1918). Nesse perodo, a vontade poltica

    era quase que exclusivamente produzida pelos estratos superiores da

    sociedade, considerando que o Estado liberal, de maneira efetiva, no

    teve uma ordenao centrada na competio entre cidados com iguais

    possibilidades. Ao contrrio, possui ordenao jurdica fundada na

    propriedade e na cultura; uma sociedade que, embora no exclua ningum,tem por guia as leis do mercado (Habermas, 1983).

    Nesse contexto, o capitalismo j se encontra, em muitos pases,

    efetivado, em termos de princpios, com o Estado, na compreenso de

    Max Weber (1996), fundamentado nos estatutos legais, no incremento da

    funo pblica exercida pela burocracia moderna, a qual formada por

    funcionrios dotados do domnio da qualificao tcnica e especializao,

    sendo que os governantes so eleitos mediante eleies peridicas. diferena entre as garantias formais de direitos polticos e

    sociais e a sua realizao prtica soma-se o processo de expanso

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    58/144

    Dem

    ocracia,Estadodebem-e

    stareosdireitossociais

    58

    da participao dos indivduos na vida poltica. Surgem, a partir

    dessa perspectiva, dois movimentos. O primeiro engloba as garantias

    formais dos direitos, inclusive os de ordem poltica, e o segundo trata

    da ampliao do voto e da participao poltica, colocando novas

    demandas ao Estado.

    Esses dois movimentos, a partir da 1 Guerra, quando passam a ser

    essenciais as intervenes do Estado na produo e na distribuio de

    renda, comeam a conviver de maneira interdependente (Habermas, 1983).

    O resultado disso a transformao do Estado liberal em Estado social,

    levando em conta que apenas garantias jurdicas no so suficientes para

    o desenvolvimento da sociedade. Torna-se necessria a interveno do

    Estado em reas antes reguladas pelo mercado, tidas com sendo de ordemparticular (Habermas, 1983).

    Nessa anlise, o Estado passa a ser responsvel por influenciar

    a vida social, executando polticas de proteo, de compensaes e

    redistribuio em favor de grupos sociais como trabalhadores assalariados

    e consumidores. A promoo de polticas de cunho social, redistribuio

    de renda, por exemplo, e o fornecimento de servios pblicos, como

    sade e transportes, transformam-se em uma incumbncia dos governos(Habermas, 1983).

    Tpicos da contraposio entre o Estado liberal e o Estado

    de bem-estar social

    - Igualdade formal perante a lei versus desigualdade social e

    econmica.

    - Complexidade das relaes sociais com o avano da urbanizaoe industrializao.

    - Direitos polticos produzem organizao e mobilizao poltica.

    - Reduzida iniciativa do Estado nas polticas sociais versus

    reivindaes por direitos sociais.

    - Ampliao do eleitorado e da competio pelos votos do

    proletariado.

  • 7/26/2019 CIDADANIA_ETICA_POLITICA.pdf

    59/144

    Dem

    ocracia,Estadodebem-e

    stareosdireitossociais

    59

    4.3 Os sistemas de proteo social

    Tem origem nesse contexto de igualdade legal formal e de

    desigualdade scio-econmica a busca, por alguns governos e Estados,da aplicao de polticas de cunho social capazes de remediar a

    situao. Vrias experincias1no sentido de produzir aes, muitas

    tambm asseguradas na legislao, ocorreram antes do sculo XX.

    No sculo XVIII, ustria, Prssia, Rssia e Espanha, j desenvolviam

    aes assistenciais.

    A Inglaterra, ainda no fim do sculo XIX, estabelece um conjunto de

    leis regulamentando o trabalho nas fbricas. Outro exemplo importante deaes desse tipo pode ser encontrado na Alemanha, quando foi implantado,

    entre 1883 e 1889, um sistema de previdncia social e programas de

    seguros para atendimento na rea da sade, velhice e invalidez. Essas

    duas medidas influenciaram aes semel