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Cleber Ori Cuti Martins
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Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que de inteira responsabilidade dos autores a emisso de conceitos.
Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida por qualquermeio ou forma sem a prvia autorizao da Editora da ULBRA.
A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n 9.610/98e punido pelo Artigo 184 do Cdigo Penal.
Cleber Ori Cuti Martins Mestre em Cincias Polticas pela UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul. Doutorando no Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Universidade Federal do Rio Grandedo Sul. Professor de Cincia Poltica, com pesquisas na rea de Estado,
Democracia, Representao Poltica, Eleies e Estudos Legislativos.
Conselho Editorial EADDris Cristina Gedrat (coordenadora)
Mara Lcia MachadoJos dil de Lima Alves
Astomiro RomaisAndrea Eick
ISBN 978-85-7528-258-8
Dados tcnicos do livro
Fontes: Antique Olive, Book AntiquaPapel: offset 90g (miolo) e supremo 240g (capa)Medidas: 15x22cm
Impresso:Grfica da ULBRAMaro/2010
Setor de Processamento Tcnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
M386c Martins, Cleber Ori Cuti.
C idadan ia , t i ca e po l t i ca . / C lebe r Or i Cu t i Mar t ins .
Canoas: Ed. ULBRA, 2010.
144p.
1. Cidadania-Brasil. 2. Poltica. 3. Direitos humanos. I. Ttulo.
CDU: 342.71(81)
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Sumrio
Introduo .........................................................................................7
1 Origens e conceitos de Cidadania e Poltica ..............................11
2 Liberalismo e ascenso da burguesia ..........................................25
3 Direito e Estado nacional ..............................................................39
4 Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais .............53
5 A cidadania contempornea entre o reconhecimento, a
redistribuio e a internacionalizao .........................................65
6 A trajetria da cidadania no Brasil: obstculos e a
formao do Estado e da sociedade .............................................81
7 Avanos, retrocessos e a regulao da cidadania ......................93
8 A cidadania no regime autoritrio de 1964 a 1985 ..................105
9 A Constituio Cidad e o reencontro da democracia
com a cidadania ............................................................................119
10 Impactos da cidadania na gesto pblica a partir da
dcada de 1990 ..............................................................................133
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Intr
oduo
As questes que envolvem a cidadania esto no centro dos debates
nas sociedades contemporneas. As formas e meios para assegurar as
garantias dos direitos formam a agenda das organizaes polticas e
sociais e ganham nfase no mbito do Estado e da gesto pblica. H
uma aproximao entre as concepes de cidadania e a poltica, seja na
sociedade civil, seja nos governos, e nas inter-relaes entre ambos. O
produto desse contexto tem como cenrio a complexidade das relaessociais na atualidade. Ao mesmo tempo, cresce a importncia das
discusses sobre as funes do Estado, dos governos e da sociedade civil
no campo das polticas pblicas.
Essa complexidade influenciada pelas experincias anteriores e
pelas compreenses acerca do desenvolvimento da cidadania ao longo
do tempo. importante, para estabelecer parmetros de compreenso
acerca do tema, a anlise das primeiras experincias, na democracia
ateniense e na repblica romana e a ascenso da formatao do Estado e
da doutrina liberal. A viso moderna da cidadania envolve a consolidao
do Estado nacional (a partir do sculo XVIII), da democracia e dos direitos
civis, polticos e sociais, processo ainda inconcluso e que se estende at
a atualidade. No mundo contemporneo, com caractersticas plurais e
diversas nas reivindaes, em um contexto de globalizao, a temtica
envolve a busca por garantir os direitos sociais, implicando na ao
concomitante dos governos e da sociedade civil. Essa situao envolve as
discusses sobre os direitos nas relaes de gnero, trabalhistas, tnicas e
no campo das condies de bem-estar e dos indivduos.
O estudo da trajetria, avanos e retrocessos da cidadania no Brasil
envolve as questes da desigualdade econmica e social, problemas
centrais no pas. As razes dessa compreenso podem ser encontradas
no tipo de relaes sociais e polticas estabelecidas nos perodos da
colonizao, imprio e nas fases da Repblica, com poder autoritrio
e o processo de democratizao da dcada de 1980. Paralelamente, so
relevantes as manifestaes de cidadania que ocorreram ao longo da
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Intr
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Histria brasileira, especialmente na mobilizao pelo fim do regime
militar de 1964, democratizao e na Constituio Federal de 1988, na
qual h a consolidao formal de um conjunto de direitos, produzindo
uma mudana na gesto pblica, a partir do desenvolvimento da
participao poltica e de mecanismos de fiscalizao sobre as aes dos
governantes.
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Origens e conceitosde Cidadania e Poltica
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As origens das concepes da cidadania e as relaes com a poltica
so importantes para a sua compreenso e anlise ao longo do tempo. O
objetivo deste captulo fornecer subsdios para o estudo da temtica,
iniciando com o delineamento dos seus significados. A partir da,
incorporado o processo das mudanas polticas e sociais, as origens das
primeiras concepes e a viso moderna acerca da cidadania. O captulo
encerrado com a abordagem das aproximaes entre poltica e cidadania.
Porfim, as metas so propiciar uma compreenso das caractersticas gerais
e proporcionar uma perspectiva panormica acerca dos assuntos.
1.1 Primeira aproximao coma temtica
A cidadania um tema que abrange quase que todos os setores da
sociedade contempornea. So rotineiras e comuns as referncias ao
termo nas mais variadas circunstncias. A palavra o centro, j desde
a segunda metade do sculo XX, dos debates e conversas acerca dasanlises da situao dos pases e de propostas para melhorias das
condies de vida das populaes e grupos sociais. Ao mesmo tempo
em que se tornou recorrente falar em cidadania, o termo ganhou uma
abrangncia que beira a generalidade. Ou seja, por ser amplo, o conceito
acaba comportando definies variadas, abstratas e adaptadas a situaes
e pocas especficas.
As configuraes conceituais clssicas, a partir da concepo do EstadoModerno, por volta do sculo XVIII, envolvem a ideia de um conjunto de
trs grupos de direitos, os sociais, civis e polticos (Marshall, 1967). Essa
perspectiva transformou-se no principal parmetro de compreenso da
cidadania e o seu processo histrico de desenvolvimento.
A complexidade da questo, contudo, encontra-se ligada de maneira
prxima com as caractersticas mltiplas e peculiares de cada pas e de
cada organizao social e poltica. O percurso transcorrido, considerandoo teor das relaes sociais e o seu contexto nos ltimos sculos, colocou
outros elementos na discusso acerca da cidadania.
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Do conjunto amplo de direitos emergem questes contemporneas
importantes que envolvem, por exemplo, a qualidade de vida dos
indivduos. Nesse aspecto, ganham relevncia preocupaes e
reivindaes por emprego, segurana, saneamento bsico, bons salrios,
educao e mesmo por reconhecimento de direitos de minorias e de
grupos tnicos.
Com isso, o iderio clssico de liberdade e igualdade poltica, um dos
fundamentos do estado democrtico de direito, ganha outras demandas,
especialmente aquelas voltadas para busca de melhorias no bem-estar
dos indivduos. A compreenso dos significados conceituais da cidadania
passa a abranger as questes da rotina dos indivduos, estabelecendo
uma relao com as polticas pblicas. A ao dos governos, em maiorou menor escala, acaba sendo permeada pela concepo de cidadania e
pelo nvel de democratizao da gesto pblica, possibilitando um maior
ou menor acesso da populao aos bens pblicos.
Efetiva-se, com isso, uma compreenso do significado da cidadania que
engloba os valores do iderio liberal-democrtico clssico com um conjunto
de situaes concretas, as quais so vividas diariamente por todos.
1.2 Mudana da ordem poltica e social
possvel delinear aspectos que acompanham o processo evolutivo
do conceito e das prticas de cidadania ao longo do tempo. Entre estes
elementos, so importantes as noes de liberdade e de garantiasconstitucionais de direitos individuais e coletivos que perpassam as bases
das concepes de cidadania, as quais podem ser definidas a partir do
contexto de cada perodo histrico.
A trajetria acompanhou as caractersticas peculiares de cada situao e
poca, considerando momentos de restrio e de ampliao da cidadania.
Caminho que iniciou com experincias especficas, caso da antiga
democracia ateniense, passou por contextos com poder centralizado eabsoluto, pela formao dos estados nacionais, chegando a tentativas de
universalizao de direitos individuais, algo que, ainda na primeira dcada
do sculo XXI, no pode ser afirmado de maneira inequvoca.
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As definies conceituais de cidadania refletem um carter geral, mais
no sentido de algo que se deseja ou reivindica. Nesse aspecto, relevante
ressaltar que o estabelecimento de garantias de liberdade, igualdade,
enfim, de direitos, no ocorreu, via de regra, sem importantes rupturas
e conflitos. Situao que retrata, tambm, o tipo de relao estabelecida
entre o Estado e a sociedade, especialmente no tocante delimitao dos
poderes do Estado (e dos governantes) e a garantia de direitos individuais
bsicos (liberdade, propriedade e igualdade de todos perante a lei, entre
outros), os quais seriam intocveis.
Outro ponto importante encontra-se ligado justificao de quem
detm o poder, isto , a legitimidade do poder passa a estar ligada a uma
ordem legal, o chamado Estado de direito, e no mais a determinaes deordem divina ou mesmo pela fora. Nesse contexto, no sem avanos e
retrocessos, h a passagem do modelo absolutista, com poder centralizado
cujo fundamento principal a fora, para o modelo liberal, com base na
ideia de poder exercido por consentimento dos governados.
A passagem de um tipo de organizao social e poltica para outro
enfrenta resistncias da ento ordem estabelecida. Um dos principais
marcos dessa questo pode ser encontrado na Revoluo Francesa (1789),sustentada nos ideais de liberdade e igualdade e, tambm, na mudana
da hierarquia de poder que comandava e determinava a ordem social. A
queda da nobreza e a ascenso da burguesia so o smbolo da mudana das
relaes de poder outrora slidas, consolidando, em um longo processo
que estaria por vir, a runa do poder absoluto, centralizado e autoritrio,
e colocando nfase no iderio liberal. O processo, porm, no ocorreu
de maneira linear. Cada pas apresentou caractersticas peculiares deimplementao do iderio liberal. Em muitos, inclusive, o processo ocorreu
de maneira lenta e, em outros, no se completou.
1.3 As origens histricas das concepes
de cidadaniaA origem do termo e de seus significados est ligada a religies antigas, a
Grcia e a Roma (Reis, 1999). Mesmo que a palavra seja oriunda do latim civis,
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os fundamentos que contriburam para as definies podem ser percebidos
em outras pocas, originando uma srie de outras palavras que hoje possuem
grande importncia e fazem parte da rotina, tais como Estado e cidade.
Afinal, so o tipo e a forma das relaes estabelecidas entre os
indivduos que conformam os laos e a estrutura social. Estruturas que
incorporam elementos centrais na organizao e regulao da vida em
sociedade. Ao mesmo tempo formada e delimitada pelas relaes de
poder existentes entre os grupos e classes sociais.
Nas cidades-estado da Grcia antiga (perodo que compreende os
sculos IX e VII a.C.) j, principalmente em Atenas, havia as noes
de liberdade, participao e democracia (Guarinello, 2005). Portanto,
cidade, ou plis, grega, foi atribuda a origem das concepes sobre acidadania. A plis era constituda por homens livres, os cidados, cuja
vida na coletividade encontrava-se estabelecida a partir das concepes
de direitos e deveres debatidos e definidos nas assembleias pblicas
realizadas nas praas (gora), sendo que todos os homens livres tinham
direitos garantidos. Cada indivduo livre dispunha de sua vida particular
(a esfera privada) e coletiva (a esfera pblica), comum a todos. Todavia,
apenas os homens livres desfrutavam de tais elementos. Ficavam excludasmulheres, crianas e escravos (Covre, 1991).
O poltico, cidado que morava na plis, vivia em condio de
igualdade perante a lei, isto , nenhum cidado livre tinha privilgio
em relao aos demais. Outra caracterstica importante da democracia
grega a que facultava aos cidados o livre exerccio das funes
pblicas, desconsiderando ttulos ou outras caractersticas obtidas
via hereditariedade. Por fim, o direito a manifestao nas assembleiasrealizadas naAgoraera facultado a todos os homens livres, ou seja, o direito
de debater as questes pblicas e de governo (Bonavides, 1994).
Naplis grega as ideias de liberdade e igualdade adquirem um carter
poltico cuja procedncia tem origem na formao de uma estrutura
de defesa da cidade perante ataques dos inimigos. O confronto com os
adversrios estabeleceu um objetivo comum e solidrio, formando um
corpo poltico capaz de tomar decises comuns e execut-las de maneiraarticulada. Assim, a politizao ganha um carter essencial para a
concepo de cidadania (Reis, 1999).
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A democracia em Atenas
- Apogeu no sculo V.
- Forma de governo com o poder compartilhado pelos cidados.
- Liberdade dos cidados.- Igualdade enquanto sinnimo de liberdade.
- Relao equilibrada entre os direitos do indivduo e o poder
pblico.
- Direito igualdade dos cidados perante a lei.
- Direito livre manifestao pblica e nas assembleias na gora.
- Conceito de cidado: atenienses maiores de 21 anos. No incluindo
estrangeiros, mulheres e servos.
Para os romanos, especialmente no perodo republicano (509 a.C. a
27 a.C.), a compreenso atribuda cidadania trata da vida coletiva entre
os indivduos, os quais dividem o mesmo territrio, ainda quem em
situao de desigualdade. Civis carrega o significado de ser humano livre
e civitastrata da aproximao com o conceito de homens livres vivendo
em uma sociedade (Funari, 2005). Em suma, a liberdade tem uma acepoimportante na civilizao greco-romana, ainda que com limitaes, pois
nem todos eram livres.
O senado passou a ser um dos centros do poder no perodo
republicano de Roma. Os senadores tinham origem patrcia (romanos,
nobres ou herdeiros dos fundadores de Roma) e eram os responsveis
pela administrao em geral, finanas pblicas e pelas relaes com
outros povos. Os cnsules e os tribunos da plebe ficavam encarregadosdas atividades executivas. A figura desses tribunos, de origem plebeia
(no eram integrantes da nobreza) surge, em 367 a.C, pela sua luta na
defesa de uma maior participao poltica e por melhores condies de
sobrevivncia. O consulado era gerido por um patrcio e por um plebeu,
ambos eleitos.
A designao de cidadania, em Roma, tinha uma ligao aproximada
com os direitos que determinado segmento da populao, dividida emclasses e com direitos diferentes entre si, possua. Tambm havia distino
entre os romanos (os patrcios, nobres ou herdeiros dos fundadores de
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Roma) e os estrangeiros. Mesmo entre os romanos livres, apenas alguns
podiam integrar a administrao pblica. As mulheres tambm no
integravam a categoria livres.
Em termos gerais, as primeiras concepes de cidadania, especialmente
nas civilizaes grega e romana, englobam abordagens que, sculos depois,
seriam ampliadas, ao mesmo tempo em que algumas caractersticas seriam
deixadas de lado, substitudas por outras adequadas aos momentos
histricos desencadeados pelo Renascimento e Iluminismo e afirmado
na Idade Moderna (sculos XV e XVI). Desta forma, ganha relevo a
valorizao da liberdade, da garantia dos direitos individuais e de
propriedade, a participao dos indivduos nas questes pblicas e noes
de igualdade. A distino entre classes, no mbito da garantia de direitos,entre homens livres e escravos e entre homens e mulheres, foi enfrentada
ao longo do tempo, no sem retrocessos e inmeros obstculos.
Legado romano
- Noes de direitos polticos.
- Uso do voto secreto.
- Bicameralismo com a criao do Senado e da Cmara (modelo que,no sculo XVIII, foi utilizado nos Estados Unidos).
- Ampliao da participao poltica para setores integrantes da plebe
(no-nobres).
- Conceito de cidadania: sociedade dividida em classes e com direitos
diferentes os romanos (os patrcios, nobres ou herdeiros dos
fundadores de Roma) e os estrangeiros. As mulheres tambm no
integravam a categoria livres.
1.4 O comeo da abordagem moderna
A sociedade feudal, entre os sculos V e XIII d.C., estabeleceu
parmetros distantes da compreenso acerca da cidadania na Grcia antigae mesmo em Roma. No perodo feudal, h a hegemonia do poder local, sem
a ideia de Estado nacional, surgida aps o fim do Imprio Romano. Essa
organizao social comea a ser superada, entre outros elementos, a partir
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da ascenso do capitalismo mercantil (sculos XVI e XVII), ocasionado
pelo desenvolvimento da tecnologia de navegao. Paralelamente, h
o avano da burguesia, grupo social no integrante da nobreza, o qual,
com o mercantilismo, comea a acumular riqueza e passa a ter interesses
diferentes dos da realeza.
Um conjunto de elementos pode ser apontado para explicar a passagem
da sociedade feudal para a concepo dos estados com poder centralizado
e territrio unificado. Entre eles, esto a fragmentao da sociedade em
feudos, o que a tornava alvo para invases, e a decadncia econmica.
O Estado com poder absoluto, sucessor da organizao feudal, chega ao
seu apogeu no sculo XVII, estendendo-se, inclusive, at o sculo XIX.
Na fase inicial do Absolutismo a economia mercantilista favorecidapelo Estado. Entretanto, na segunda fase, em pleno desenvolvimento do
capitalismo comercial, passa a ocorrer, no mbito da classe burguesa, uma
rejeio ao amplo poder de interveno do Estado nos negcios comerciais.
Em outras palavras, se, em um primeiro momento, o Estado Absolutista
e a nobreza financiam, em parte, e colhem dividendos com a expanso
mercantilista e comercial, depois a burguesia, j em franca ascenso social,
comea a ambicionar uma economia livre.No mbito da disputa poltica a palavra liberdade comea a ser
retomada enquanto reivindicao e bandeira pela burguesia, em
contraposio ao poder centralizado e ilimitado do Estado absolutista.
Liberdade para operar negcios mercantis e no repassar, de maneira
obrigatria, valores altos para a nobreza, sem que esta contribusse
para tanto. No mesmo intuito ganha importncia a discusso sobre
a organizao e determinao de poder, alm da prpria justificativasobre os fundamentos da autoridade de quem teria poder de deciso e
de governo.
Passa a haver uma forte presso no sentido da desvinculao da
religio, separando a igreja do Estado, alm da contestao teoria do
direito divino dos reis. O poder poltico, centralizado e autoritrio, com
origem e justificao divina, contraposto. E um dos principais elementos
dessa contraposio, argumento central do perodo que estaria por vir,encontrava-se situado nas ideias de liberdade e de garantia de direitos,
definidos como naturais, ou seja, eram inalienveis e no poderiam estar
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merc da ao do Estado, sendo o direito vida e propriedade os
principais expoentes dessa perspectiva.
O caminho estava, com isso, aberto para o liberalismo. Um processo
que limitou bastante o espao para os Estados com poder absoluto,
estabelecendo os alicerces uma nova organizao poltica, de carter liberal
e econmico, o capitalismo.
Contextos histricos e polticos da cidadania
- Democracia ateniense (auge no sculo V a.C.).
- Repblica romana (509 a.C. a 27 a.C.).
- Liberalismo:
Revoluo Liberal na Inglaterra 1688.Revoluo Francesa 1789.
Independncia dos Estados Unidos 1776.
1.5 Aproximaes entre cidadania
e polticaDesde as primeiras manifestaes atribudas ao que se pode definir
como cidadania, nas cidades-estado gregas, estabeleceu-se uma relao
intrnseca com a ideia de poltica. O prprio conceito clssico do termo
poltica tem origem no adjetivo grego plis, isto , que faz referncia
definio de cidade, ao que pblico e urbano.
Enfoca, portanto, a convivncia em um mesmo espao, regido porleis que definem deveres e direitos. Em ltima instncia envolve as
conceituaes mais comuns acerca da poltica. Ou seja, o estabelecimento
de regras, leis e normas de convivncia entre os indivduos o produto
de uma disputa permanente de poder, diante de interesses de grupos
sociais que podem estar em competio entre si ou que visam objetivos
comuns. Essa disputa de poder, cujo significado a capacidade de agir e
produzir efeitos, exprime a concretizao de um interesse, uma demanda,por imposio ou por capacidade de influncia, mediante o uso da fora
ou convencimento e persuaso (Corsetti, 1998).
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H uma relao bastante prxima entre as ideias de cidadania e poltica,
a qual, muitas vezes, a transforma em uma unidade. O estudo das suas
caractersticas implica uma justaposio com a determinao de quem
tem poder de deciso no mbito do governo e do Estado, uma disputa
que ocorre na esfera da sociedade, entre os grupos sociais.
Um dos significados do poder est na garantia da execuo de
compromissos em um sistema de organizao coletiva. Se o compromisso
no for cumprido, h a definio de um conjunto de sanes e punies
(Parsons, 1983). Essa estrutura envolve o carter de legitimidade, ligado
maneira pela qual o poder conquistado e exercido. Uma espcie de
acordo e confiana entre os indivduos e entre estes e a organizao social
e poltica, a sociedade e o Estado.O poder de decidir e de ser obedecido, portanto, sustenta-se na
justificao e na legitimao. As suas fontes, via de regra, esto situadas na
fora, por imposio ou coero, caso do Absolutismo; no consentimento
e concordncia, relaes sociais e polticas definidas a partir da legalidade,
leis definidas com o assentimento da sociedade, delimitando o poder do
Estado e garantindo direitos individuais, caracterstica do Liberalismo.
Um terceiro elemento trata da participao dos indivduos na vidapoltica da sociedade e do Estado. Em outras palavras, a incorporao do
iderio da democracia a partir das concepes de soberania popular. H,
desta forma, um estreito vnculo entre o desenvolvimento das instituies
democrticas e a cidadania (Avelar, 2007). Principalmente na consolidao
de processos eleitorais de escolha dos governantes, de constituies e
leis elaboradas por representantes eleitos pela populao e de outras
caractersticas, como livre manifestao de opinio e possibilidade deoposio ao governo.
A ligao com a ideia de cidadania pode ser sintetizada a partir
da emergncia da participao poltica, resultado dos movimentos
revolucionrios na Europa dos sculos XVIII e XIX, considerando a
reivindicao de direitos pelos indivduos, entre os quais a expanso do
voto e do direito de escolher livremente os governantes.
Se para os gregos antigos o poltico era o cidado que vivia naplis,os fundamentos das concepes de poltica e de cidadania tambm so
inseparveis e as bases da relao entre indivduos, grupos sociais e o
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Estado. Os parmetros norteadores dessa relao so definidos pelo tipo
e origem da organizao poltica e social.
Do ponto de vista histrico, as aproximaes entre cidadania e poltica
ganham efetividade em perodos de vigncia de regimes democrticos,
especialmente no sculo XX. So, via de regra, nas democracias que
a temtica ocupa posio prioritria nos debates e discusses e nas
definies, pelos governos e sociedade, das polticas pblicas. Ou seja, o
conjunto de direitos que envolve as garantias de cidadania necessita de
operacionalizao, de execuo. Os direitos, em termos prticos, precisam
ser realizados, transformados em aes concretas.
O Caminho transcorrido desde os primeiros significados da cidadania,
no perodo greco-romano, at as concepes modernas e contemporneas,revela que a capacidade de expanso e ampliao dos direitos possui uma
relao direta com a poltica, especificamente, com as disputas polticas
que ocorrem no mbito da sociedade. A partir desse contexto que envolve
as demandas, reivindaes e interesses de grupos sociais e indivduos, e da
sua relao com as instituies polticas (poderes Legislativo e Executivo e,
entre outros, partidos), so estabelecidos os parmetros do entendimento
contemporneo da cidadania.
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Questes
1) Analise as relaes possveis entre as definies de cidadania e
poltica.
2) Indique os parmetros e elos entre direitos e cidadania.
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A formao dos conceitos modernos de cidadania possui uma forte
ligao com o estabelecimento do Estado com poder unificado, superando
a organizao poltica e social do perodo feudal, primeiro via poder
absoluto e, depois, baseado no iderio liberal. Essa abordagem encontra-se
neste captulo, junto com as interpretaes e origens da doutrina liberal,
a fundamentao nos direitos individuais e naturais, finalizando com
alguns itens da crtica ao Estado liberal.
2.1 A unificao do poder no Estado
O conceito moderno de Estado, formatado na transio da Idade Mdia
(sculo V ao XV) para a Idade Moderna (sculo XV ao XVIII), estabeleceu
alguns dos pontos centrais da configurao poltica e social que redundaria
na retomada dos fundamentos (liberdade e igualdade, por exemplo) da
concepo de cidadania originada na civilizao greco-romana antiga.
Esse conceito trata de um sistema de dominao, ou seja, uma estrutura
hierrquica de poder e de controle social, colocada de maneira unitriae centralizada, com carter independente interna e externamente,
com capacidade prpria de poder e delimitao de territrio de forma
permanente (Heller, 1983).
Na Idade Mdia o poder encontrava-se dividido, principalmente
no perodo feudal. Pelo peso e importncia na organizao poltica da
poca, as funes da Igreja, dos nobres proprietrios e, entre outros, das
cidades sobrepujavam ou se equivaliam ao poder do monarca soberano nofeudalismo (Heller, 1983). Fragmentao que contribuiu para a derrocada
do modelo.
Nesse sentido, a questo principal, j no final sculo XV, passa a estar
ligada ideia da unidade poltica, militar e territorial, isto , uma forma
para resolver a desconstituio oriunda do feudalismo e, por consequncia,
instituir um Estado soberano, baseado na ordem e nas garantias de
segurana e proteo.Os alicerces dessa compreenso advm, primeiro, da colocao do
Estado como centro da poltica, em vez daplisgrega e da repblica romana
(Bobbio, 1990). Em segundo lugar, trata do poder e do que necessrio
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para a sua manuteno de maneira unificada e estvel (Maquiavel, 1996).
Por fim, h a compreenso de que a ordem poltica no natural, sendo
construda a partir da disputa de poder, em grande parte sustentada pela
fora, separando a igreja do Estado (Maquiavel, 1996).
Essas trs premissas significam um rompimento com a viso vigente na
Antiguidade e em parte da Idade Mdia acerca da organizao poltica. A
ideia essencial do Absolutismo, no plano terico, est localizada na unidade
do poder e no seu exerccio, concebendo o Estado como uma extenso
dessa centralizao, em termos polticos e territoriais, estabelecendo um
sistema de dominao baseado na fora e na relao entre monarcas e
sditos, os quais possuem funes e direitos diferenciados, considerando
uma ordenao hereditria.Portanto, so deixados de lado alguns dos valores da civilizao greco-
romana, principalmente em relao democracia ateniense e repblica
romana.Os pontos principais dessa perspectiva esto na considerao
da liberdade do indivduo e na noo de igualdade dos cidados livres,
alm da formao de um corpo poltico de carter comum, especialmente
em Atenas, com capacidade de tomada de decises em assembleias
pblicas e no hierarquizadas. Mulheres, servos e estrangeiros, porm,no compartilham de tal condio.
A legitimao do Estado medieval, em termos gerais, situa-se na
compreenso de que o poder pblico tem origem divina (Khnl, 1983).
O soberano governa por delegao de deus, quando no se auto-
intitula como divino, e tem capacidade ilimitada de decidir e impor sua
deciso. Essa ordenao contestada pelo Iluminismo (sculos XVII
e XVIII), perodo no qual ganha fora a viso de que o Estado deveser concebido como um produto humano, uma instituio sem base
sobrenatural, construda pelos indivduos e legitimado pela vontade
do povo (Khnl, 1983). Muda, desta forma, a relao estabelecida, no
mbito da organizao poltica e social, entre os indivduos e destes
com o poder soberano.
A sada do modelo feudal tem uma ligao inerente com a formao
das cidades e a unificao das regies, deixando de lado a organizaofragmentada que caracteriza o feudalismo. A partir da, iniciam os
processos de unificao dos estados, a qual variou, dependendo da
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regio da Europa, entre os sculos XIV e XIX (Covre, 1991). Portugal
e Espanha, por exemplo, nos sculos XIV e XV, passaram a ter uma
organizao poltica unificada e centralizada antes da Inglaterra e da
Frana. Unificao que significa uma maior capacidade de manter a
ordem interna e de garantir o territrio diante de ameaas de invases
estrangeiras (Maquiavel, 1996).
Caractersticas do Absolutismo
- Centralizao e unificao poltica.
- Monarquia. Rei com poderes quase que ilimitados.
- Concentrao dos poderes.
- Autoritarismo.- Governo sem necessidade de consentimento da sociedade.
- Uso da fora e da violncia pelo Estado.
- Relao de desigualdade entre nobres e sditos.
- Unificao e delimitao territorial.
2.2 Origem das ideias liberais
A determinao da administrao poltica centralizada no Estado,
colocada de maneira permanente em um territrio delimitado, somada
ideia de soberania legitimada na vontade do povo, aproxima-se
do processo de desenvolvimento do capitalismo (Covre, 1991). A
formao da burguesia, grupo ou classe integrada por indivduosque, no sendo nem aristocratas, nem nobres, estabeleciam redes de
comrcio, de compra e venda de produtos, entre os burgos (cidades),
implica em uma mudana no sentido da possibilidade de acumulao
de capital e recursos econmicos por indivduos que no faziam
parte da nobreza, de maneira no hereditria, em um contexto de
expanso da vida urbana, do mercantilismo, do desenvolvimento
de comrcio entre os povos, das navegaes e descobrimentos deoutros continentes.
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Em sntese, indivduos de origem no nobre passaram a acumular
riquezas oriundas do comrcio e da fabricao de produtos. A ampliao
da importncia da burguesia, primeiro no mbito econmico, tem
uma implicao importante na organizao poltica. Os seus interesses
passam a entrar em conflito com o tipo de Estado e de soberania em
vigor, cujas caractersticas incluam o poder do soberano em dispor da
propriedade, de determinar leis e tributos, enfim, de governar baseado
na fora e no no consentimento, sem levar em conta os interesses dos
governados e sditos.
A superao do modo de produo feudal, a ascenso do capitalismo
mercantil e a decadncia do poder sustentado em uma origem divina ou
sobrenatural, trazem para o centro da disputa poltica do perodo (sculos
XVII e XVIII) a problemtica da justificativa e legitimao do poder.
Considerando que a burguesia, ento detentora de poder econmico,
comea a contestar e a combater os desgnios da soberania absolutista,
cuja base o uso da fora, surge uma concepo poltica, o Liberalismo,
com capacidade para se opor ao Absolutismo (Khnl, 1983).
Portanto, o iderio liberal comea um processo de contraposio
estrutura poltica e de poder do Absolutismo. Os argumentos centrais dessa
contraposio situam-se na definio e defesa dos direitos individuais e
na delimitao do poder do Estado. Assim, h o estabelecimento de
um novo tipo de relao entre os indivduos e destes com o Estado e
governantes.
2.3 Fundamentos da doutrinado Liberalismo
A primeira concepo do Estado criado a partir do consentimento,
de um contrato ou pacto, est situada em Thomas Hobbes (2004).
Entretanto, para Hobbes, o pacto deve produzir um Estado com base
absolutista, ainda que surgido por consentimento, e poder soberanode carter ilimitado. No contrato, os indivduos abrem mo de sua
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vontade para garantir a segurana, a propriedade e a vida, saindo de
uma situao de violncia e medo tpica do Estado natural na verso
de Hobbes. O Estado (simbolizado na figura bblica do Leviat, um
animal monstruoso e cruel), com isso, torna-se o detentor da soberania
delegada pelos indivduos em assemblia, sendo que se d pela fora
o exerccio do poder.
John Locke (1983), um dos tericos fundadores do Liberalismo,
compactua com a ideia de pacto, na qual indivduos no estado de
natureza unem-se para conceber um contrato que d origem ao Estado.
O consentimento, no entanto, na instituio do organismo poltico
mantm, diferente de Hobbes, os direitos naturais, implementando a
lei e assegurando liberdade para cada indivduo, suas aes, posses epropriedade; e coloca o poder supremo no Legislativo (formado por
representantes), busca o bem comum e a conservao da propriedade
e da vida.
O contraponto a esse iderio est em Jean-Jacques Rousseau (1997).
Mesmo incorporando a ideia do contrato, diferencia a soberania do
governo. Para Rousseau, a soberania est na vontade geral, na qual os
cidados so, de maneira direta, sem representao poltica, a autoridadesoberana na elaborao das leis. Cada indivduo manifesta-se por si, de
maneira direta e sem intermedirios. Os cidados, soberanos, so, ao
mesmo tempo, sditos, pois, individualmente, devem submeter-se s
leis feitas por todos. O governo trata, apenas, de executar e cumprir a
vontade geral.
Outro elemento central na concepo liberal, e que tambm influenciou
a grande maioria dos estados, a separao dos poderes. O Baro deMontesquieu (1997) elaborou a tese de que a liberdade garantida na
medida em que o poder utilizado para conter o prprio poder. Para tanto,
necessria a diviso dos poderes em executivo, judicirio e legislativo,
sendo este ltimo o soberano, cada um com funes diferentes e em uma
situao de equilbrio e controle mtuo. A separao uma contraposio
ao modelo absolutista, cujas caractersticas so o poder unificado, ilimitado
e centralizado.
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Doutrina liberal
- Liberdade.
- Igualdade de todos diante da lei.
- Estado: produto de um acordo, contrato ou pacto entre osindivduos.
- Poder poltico exercido mediante consentimento.
- Separao dos poderes do Estado: Executivo, Legislativo e
Judicirio.
- Delimitao do poder do Estado.
- Garantias dos direitos naturais dos indivduos: liberdade,
propriedade e igualdade.- Soberania: poder exercido com base nas leis e no consentimento
dos governados.
2.4 Consentimento e direitos individuais
A argumentao liberal diante do Absolutismo pode ser centralizadana determinao dos direitos naturais dos indivduos. Cada pessoa, desde
o nascimento e independente de qualquer coisa, passa a ter o direito
vida, segurana, liberdade, igualdade e propriedade. Tais prerrogativas
no poderiam ser desconsideradas pelo soberano e pelo Estado.
A afirmao dos direitos individuais desencadeada pela inverso
da representao da relao poltica, com o estabelecimento da relao
Estado/cidado, no lugar da relao soberano/sdito (Bobbio, 1992).Em um Estado nacional, h uma relao direta do cidado com a
autoridade soberana; diferente das organizaes polticas medievais,
quando apenas os nobres mantinham uma ligao direta com o soberano
(Bendix, 1983). Nessa perspectiva, o cerne da constituio das naes est
na demarcao dos direitos e deveres individuais.
O iderio liberal, sintetizado na defesa da liberdade, igualdade e
propriedade, foi operacionalizado a partir da contestao da origem elegitimao do poder absoluto. Os argumentos, nesse sentido, amparam-se
nos direitos naturais dos indivduos, na limitao do poder do Estado e no
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consentimento como fator de legitimao e justificao dos governantes.
Paralelamente, o pensamento burgus busca separar o Estado da sociedade,
dividindo o pblico do privado e limitando as possibilidades de interveno
da autoridade estatal na ordem econmica e na vida dos indivduos.
Para justificar o exerccio do poder, em contraponto s justificaes
sustentadas na origem divina e na fora, a frmula encontrada baseia-se
nas teorias contratualistas. Ou seja, o Estado e sua constituio tm origem
em um contrato realizado entre os indivduos, cujo consentimento
imprescindvel para o exerccio do poder. Em outras palavras, os indivduos
que vivem em um estado natural, sem segurana e sem garantias, fazem um
acordo, um pacto, para garantir um conjunto de direitos e deveres. Porm,
para garanti-los, surge a necessidade da construo de um organismo compoder e capacidade para tanto. Organismo que, moldado e limitado pelas leis
produzidas a partir dos indivduos ou seus representantes em assemblia,
passa a ter a funo de assegurar o cumprimento dos direitos naturais,
especialmente a liberdade, a igualdade e, entre outros, a propriedade, junto
com os instrumentos necessrios para punir os indivduos que descumprem
as regras do contrato, ou seja, as leis.
O pacto que d origem ao Estado, organismo construdo para garantir aordem, na tica liberal, passa a ser a explicao, mediante consentimento,
para o exerccio do poder. Ao mesmo tempo, o consentimento com as
leis do contrato tem um significado de contraposio ao tipo de poder
do Estado absolutista.
importante ressaltar a importncia, no processo de desenvolvimento
da cidadania, do iderio calcado nos direitos individuais, garantidos
constitucionalmente. Desta forma, tornam-se decisivas as consideraessobre a separao do pblico e do privado, retirando do Estado o
monoplio do controle da economia e do mercado, a legitimao do poder
no consentimento dos cidados, liberdade de pensamento e expresso. A
mudana mais importante, todavia, a colocao da soberania no Poder
Legislativo, no qual representantes da populao definem as leis.
As consequncias principais dessa mudana de perspectiva, saindo
do Absolutismo para o Liberalismo, podem ser percebidas a partir daconsiderao de que o exerccio do poder, no Estado, passa a ocorrer sob
a determinao de leis elaboradas por representantes da populao, ou
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de parte dela. O Estado tambm fica com a incumbncia de assegurar as
condies para os direitos individuais.
A noo de liberdade e de igualdade de todos perante a lei, a defesa da
razo e a delimitao legal da autoridade transformaram-se em paradigmas
e influenciaram grande parte das constituies de vrios pases. As origens
dessa concepo esto na Revoluo Liberal da Inglaterra, em 1688, na
qual houve um acordo entre a monarquia e a burguesia, com a primeira
aceitando submeter-se s leis e ao parlamento; na Revoluo Francesa, em
1789, com a monarquia sendo derrubada do poder e na Constituio dos
Estados Unidos da Amrica, em 1776. Todas consagraram os princpios
de liberdade, igualdade de todos perante a lei e direitos individuais. E em
outras palavras, estabeleceram os princpios da cidadania na sua versomoderna, que configurariam a interpretao contempornea da questo.
A Revoluo Liberal Inglesa (1688)
- Poder estatal passa para as mos da burguesia.
- A monarquia se mantm com o compromisso de aceitar e cumprir
as leis civis.
- Limitao do poder do Estado.- Garantias dos direitos individuais.
- Monarquia parlamentarista.
- Parlamento formado por representantes dos nobres e dos comuns
(no-nobres).
A Revoluo Francesa (1789)
- Conceito de soberania nacional: nao soberana por ser integradapelo conjunto de cidados.
- Leis: manifestao da vontade geral.
- Formatao dos princpios do Estado nacional.
- Lema: liberdade, igualdade e fraternidade.
- Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado: Todos os homens
nascem e permanecem livres e iguais em direitos.
- Direitos civis para todos.- Liberdade individual.
- Direito propriedade e a resistir opresso.
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A Independncia dos Estados Unidos (1776)
- Experincia de democracia liberal.
- Liberdades e direitos individuais.
- Bicameralismo: Cmara e Senado.- Constituio da figura do presidente, responsvel pelo Poder
Executivo.
- Liberdades de associao e de imprensa.
- Partidos polticos.
- Federao: vrios estados com governo descentralizado.
- Leis nacionais objetivas.
2.5 A crtica ao Liberalismo e cidadania
A concepo moderna de cidadania passou a ter, em termos prticos eterico-filosficos, com o Liberalismo a sua variante definitiva. Houve, emmuitos casos, a retomada de alguns dos conceitos vigentes nas civilizaes
greco-romana antigas.Os vnculos entre direitos e legalidade e liberdade e igualdade
passaram a ser constantes nas leis e constituies de vrios pases. Umainfluncia que chega contemporaneidade, balizando as organizaespolticas e sociais dos estados atuais.
O pressuposto de que os indivduos possuem direitos fundamentais,ou naturais, os quais devem ser respeitados e garantidos, junto com a
delimitao do poder e da atuao do Estado, significa um parmetroforte no sentido das compreenses sobre a temtica da cidadania.
Da advm o Estado de direito, cujo fundamento est nas leis feitas demaneira politicamente legtima, com consentimento da populao. Assim,ficam estabelecidos os direitos e deveres dos indivduos na convivnciaem sociedade e na sua relao com o Estado.
Na doutrina liberal, o Estado de direito formado por instrumentosconstitucionais que criam obstculos ao uso arbitrrio e ilegtimo do
poder e que produz garantias dos direitos fundamentais e, a princpio,
inviolveis, dos cidados (Bobbio, 1990). Esses instrumentos visam
defender o indivduo do uso abusivo do poder.
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Ao mesmo tempo em que limita o poder e as funes do Estado,
o iderio liberal possibilita a participao do indivduo no campo da
poltica, concebendo leis para a conquista legtima do poder e o seu
exerccio. Porm, um Estado liberal no , necessariamente, democrtico.
O Liberalismo configurou-se em sociedades com importantes restries
participao nos governos, controlados em grande parte pelas classes
proprietrias (Bobbio, 1990).
O processo de democratizao, resultado da ampliao do direito ao
voto at a sua universalizao, colocou o Estado liberal clssico em crise
(Bobbio, 1990). Portanto, o processo de desenvolvimento da cidadania,
efetivada, em termos constitucionais a partir da doutrina liberal, passa a
enfrentar outros obstculos e imperfeies. A perspectiva desenvolvidapor Karl Marx (2001) apresenta os parmetros da crtica ao Estado
liberal. Crtica que j foi, em parte, formulada por Jean-Jacques Rousseau
(1997), para quem a propriedade e a representao poltica produzem
desigualdade e desfiguram a soberania popular.
Na viso de Marx e Engels (2001), a classe dominante (a burguesia,
proprietria dos meios de produo) utiliza o poder coercitivo do Estado
e o seu poder econmico em benefcio dos interesses dela em preservare ampliar a propriedade. Paralelamente, submete a classe dominada (os
trabalhadores, proletrios) hegemonia burguesa. O Estado, assim, no
garante a igualdade, mas defende e privilegia os interesses burgueses em
detrimento dos interesses do proletariado.
Nessa perspectiva, as etapas do desenvolvimento da burguesia,
considerando a superao do Feudalismo e do Absolutismo, possuem
uma correspondncia com as mudanas polticas, a partir da derrocadado predomnio dos senhores feudais e da nobreza absolutista, e com
as mudanas econmicas, englobando o mercantilismo e as etapas
da industrializao (manufatura e tecnologia de produo em escala
industrial) (Marx e Engels, 2001). A chegada da burguesia aos postos de
poder no mbito do Estado, com as revolues liberais, e a expanso do
capitalismo efetivou um modelo de explorao da mo de obra da classe
de trabalhadores (Marx e Engels, 2001). Desse ponto de vista, os proletriospassam a ser a classe dominada e excluda, na prtica, de muitos dos
direitos da doutrina liberal.
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Paralelamente, a compreenso de Marshall (1967), definindo um
conjunto de direitos (sociais, polticos e civis) e uma sequncia de obteno
e conquista, abrange a ideia de um processo longo e no destitudo de
obstculos. Os avanos e retrocessos da conquista e garantia dos direitos,
com isso, diferem nas trajetrias dos pases e nos diversos tipos de
organizaes polticas e de relaes sociais.
Referncias
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HELLER, Hermann. A teoria do Estado. In: CARDOSO, FernandoHenrique e MARTINS, Carlos Estevam (orgs.). Poltica e sociedade. 2.ed. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1983. p. 79-111. v. 1.
HOBBES, Thomas. Leviat ou matria, forma e poder de um Estadoeclesistico e civil.So Paulo: Editora Nova Cultural, 2004.
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MONTESQUIEU. Do esprito das leis. So Paulo: Nova Cultural,1997.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. So Paulo: NovaCultural, 1997.
TOCQUEVILLE, Alexis de.A democracia na Amrica.Braslia: UnB,1982.
WEFFORT, Francisco (org.). Os clssicos da poltica.So Paulo: tica,1996. v. 1 e 2.
Questes
1) Analise as principais diferenas entre o Absolutismo e a doutrina
liberal.
2) Qual o papel do Estado nacional na formao da cidadania?
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Direitos e Estadonacional
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A concepo moderna da cidadania teve uma forte influncia e ocorreu
paralelamente formao do Estado nacional. Este captulo destina-se a
apresentar alguns dos elementos principais desse processo, enfatizando as
questes que envolvem os trs tipos de direitos (civis, polticos e sociais),
fundamentais ao desenvolvimento da cidadania. O pano de fundo desse
contexto reside na forma com a qual se efetiva a relao do indivduo com
o Estado, considerando os pontos de vista sustentados no Liberalismo e
na democracia, e na complexidade das percepes da igualdade legal e
da igualdade scio-econmica.
3.1 A importncia do Estado nacionalna formatao da cidadania
As mudanas polticas e sociais que ocorreram nos pases da Europa
Ocidental, cujo marco principal pode ser encontrado no sculo XVIII,
com a Revoluo Francesa, ocorreram de maneira paralela a um conjunto
de outras mudanas (Bendix, 1996). O avano da industrializao,urbanizao, de inovaes no campo da educao, entre outras, somadas
s alteraes polticas, modificou a sociedade e definiram o conceito
de modernidade. Outras situaes histricas importantes envolvem a
transformao econmica e poltica da Inglaterra (com as duas revolues
industriais), a independncia e a constituio dos Estados Unidos (1776) e
a criao do Estado nacional na Revoluo Francesa (1789) (Bendix, 1996).
Portanto, h uma associao entre as alteraes nos planos tecnolgico,social e poltico, as quais produziram o conceito de modernidade, que se
desenvolve junto com o capitalismo.
No campo scio-poltico, a partir do desmoronamento do feudalismo
e do Absolutismo e da ascenso do Liberalismo, as principais alteraes
encontram-se nas declaraes de igualdade dos direitos de cidadania
e na contestao doutrina do poder hereditrio e de origem divina.
Nesse sentido, a sociedade moderna torna-se diferente das anteriores porpromover um processo de democratizao, incluindo grupos e classes
sociais que antes no participavam de maneira ativa da vida poltica, a
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partir do uso do voto para a escolha dos governantes e do estabelecimento
de controles formais para fiscalizar e delimitar as aes dos governos
(Bendix, 1996). A compreenso de organizao social, com isso, ampliada,
sendo integrada por todas as pessoas que vivem em um determinado
pas, formadores da sociedade e com uma relao de interdependncia e
igualdade enquanto cidados.
Para Reinhard Bendix (1996) outro fator diferencial da organizao
poltica moderna est na aproximao dos conceitos de Estado e de
nao. A identidade nacional, formada por indivduos que vivem em
situao de igualdade formal, em um mesmo e delimitado territrio,
sob um mesmo governo e sistema legal e jurdico, com caractersticas
semelhantes de cunho cultural, um dos marcos do processo de
modernizao. Ou seja, o termo nao faz referncia ideia de
comunidade poltica e ganhou efetivao na Revoluo Francesa,
gnese do Estado nacional.
O Estado moderno, na viso de Max Weber (1999), uma associao
poltica que possui o monoplio legtimo do uso da violncia em um
territrio, exercendo o controle dos recursos polticos e administrativos
atravs de uma direo monocrtica (poder unificado). A fonte da
legitimao do poder, no moderno Estado capitalista, a lei, ou seja, a
obedincia no se d a uma pessoa, mas ao estatuto legal, produzindo
direitos.
Deste modo, as caractersticas comuns na formatao da estrutura
poltica e social que se convencionou chamar de modernidade
incorporam a doutrina liberal, enquanto base tica e filosfica, e oprogresso econmico e tecnolgico. Os princpios de igualdade de
todos perante a lei, de governos escolhidos pelo voto e com atuao
definida e delimitada na ordem legal e as garantias de direitos
individuais so os fundamentos da cidadania, cuja base encontra-se
no surgimento e efetivao do Estado nacional e seus marcos jurdicos.
Nesse sentido, todos os indivduos so, formalmente, cidados
possuidores de direitos iguais diante de uma autoridade nacionalsoberana (Bendix, 1983).
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Estado moderno
- Exerccio do poder unificado em um territrio.
- Concepo liberal: uma parcela de todos os indivduos (a burguesia)
reivindica o poder soberano.- Igualdade formal.
- Formao de uma identidade nacional.
- Democratizao: ampliao da participao poltica e do direito ao
voto.
- Busca dos direitos sociais.
3.2 O desenvolvimento da concepodos direitos individuais
O Estado de direito, fruto das mudanas sociais e polticas que
perpassaram os sculos XVI, XVII, XVII e XIX, tem por fundamento a
determinao das leis enquanto delimitadoras da ao dos indivduos e
instituies em uma sociedade. A legislao expressa, em termos formais,
a vontade da coletividade e define os direitos, deveres e punies, visando,
teoricamente, o bem comum.
O sistema jurdico, base do Estado de direito, a instituio que
assegura o cumprimento das prerrogativas constitucionais e, em ltima
instncia, dos direitos individuais. Integram essa definio as garantias
acerca das liberdades fundamentais estabelecidas nas leis. A obedincia s
leis ocorre na medida em que a legitimao do poder advm do estatuto
legal-racional que fundamenta a estruturao do Estado (Weber, 1999).
A poltica e as suas resolues, considerando o iderio liberal, tm como
alvo essencial o indivduo e seu bem-estar (Khnl, 1983).
Em outras palavras, o Estado feito pelos indivduos e no o
contrrio, incluindo a proposio, presente na declarao constitucional
da Revoluo Francesa de 1789, de que, para o indivduo, primeiro vm
os direitos, depois os deveres e, para o Estado, primeiro vm os deveres(Bobbio, 1992). Desta forma, o reconhecimento dos direitos ocupa um lugar
central nas constituies democrticas modernas (Bobbio, 1992).
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Ao mesmo tempo, os direitos fundamentais representam as garantias
do exerccio das funes polticas dos cidados e das instituies. No
primeiro caso, ficam asseguradas as liberdades de opinio, expresso,
associao e direito ao voto. Em relao s instituies, especialmente a
imprensa e os partidos, valem os mesmo princpios (Khnl, 1983).
Processo da liberdade no Estado moderno
- Liberdade em relao ao Estado: proteo do indivduo atravs da
delimitao legal da ao do Estado.
- Liberdade no mbito do Estado: efetivao dos direitos polticos,
voto e participao poltica.
- Liberdade por meio do Estado: garantias dos direitos sociais.
3.3 Elementos prioritrios dos direitos
O processo evolutivo dos direitos dos cidados na Europa Ocidental,
que viria a infl
uenciar vrios outros pases, atravessa, pelo menos, trssculos, a partir das revolues liberais dos sculos XVII e XVIII, perodo
permeado por vrios conflitos sociais, disputas e instabilidade.
A sntese estrutural da concepo e tipificao dos direitos civis,
polticos e sociais, elaborada por T. H. Marshall (1967), estabelece a diviso
do conceito de cidadania em trs partes.
So relevantes, nesse sentido, os quatro elementos que embasam
a constituio da cidadania moderna, considerando a perspectiva deMarshall (Lavalle, 2003). O primeiro trata da universalidade da cidadania,
no qual estabelecida a abrangncia dos direitos para as categorias
sociais formalmente definidas, diferenciando-se dos perodos anteriores,
quando eram produzidos benefcios apenas a setores sociais especficos
(estamentos e castas).
A territorializao da cidadania o segundo item. Nesse caso, h a
combinao da defi
nio da cidadania restrita s leis vlidas para umterritrio determinado. O alcance dos direitos e deveres tem como critrio
a territorializao, substituindo as especificidades de carter corporativo.
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Abrange, assim, todos os cidados, em situao de igualdade, e no
exclusivamente corporaes ou agrupamentos.
O terceiro ponto incorpora o princpio plebiscitrio da cidadania ou
individualizao da cidadania, colocando de maneira direta os vnculos
entre o indivduo e o Estado nos termos da legitimao da subordinao
poltica. Com isso, excludo o princpio antigo do governo indireto, o
qual correspondia delegao das funes do Estado a intermedirios que
no faziam parte, de maneira efetiva, do aparato estatal, por exemplo, o
clero, proprietrios de terras e oligarquias. A relao poltica, assim, ocorre
entre o indivduo e o aparato estatal, no entre grupos.
Por fim, o quarto elemento est ligado ndole estatal-nacional da
cidadania, conectando-a com a construo do Estado nacional. Desta forma,h a congregao da compreenso do Estado com poder centralizado em
um territrio delimitado com a populao estabelecida, enquanto uma
comunidade poltica e cultural, portadora de uma identidade comum.
Bases do conceito moderno da cidadania
- Carter universal e nacional.
- Determinao territorial.- Foco no indivduo.
- Direitos civis, polticos e sociais.
- Liberdade de organizao e manifestao.
3.4 Os direitos civis, polticos e sociais
A questo essencial dos direitos de cidadania surge com o princpio da
igualdade dos indivduos perante a lei. Em termos formais, interrompida
a concepo na qual os nobres e governantes tinham prerrogativas
diferenciadas e a capacidade de produzir leis em seu prprio nome
e interesses. O indivduo, com a igualdade, passa a ter a liberdade
para estabelecer contratos, adquirir propriedades, elimina a servidohereditria, amplia os direitos para os estrangeiros, legaliza o casamento
civil e iguala o statusde marido e esposa (Bendix, 1983).
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O primeiro conjunto de direitos so os civis, e a sua composio trata
dos direitos que dizem respeito liberdade individual. So, nesse sentido,
a liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento e de exerccio religioso.
O direito propriedade, justia e de estabelecer contratos vlidos
legalmente tambm fazem parte dessa perspectiva. O direito justia
consiste na defesa e na afirmao de todos os demais direitos, sendo que
os tribunais de justia so as instituies associadas a esse conjunto de
direitos (Marshall, 1967).
J os direitos polticos tratam da capacidade de participar do exerccio
do poder poltico. Cada indivduo faz parte de um organismo possuidor de
autoridade poltica e elege os governantes. As instituies que tratam desses
direitos so o parlamento e os rgos do governo local (Marshall, 1967).O terceiro conjunto de direitos envolve os elementos sociais. A
abordagem inclui desde o direito de bem-estar econmico e de segurana,
de integrar e ter acesso aos meios de civilizao, conhecimento e
socializao. O sistema educacional e os servios sociais so as instituies
que tratam desse conjunto (Marshall, 1967).
Os trs tipos de direitos, cuja definio tem carter nacional, diferente
de experincias de cidadania locais e especficas anteriores ao sculoXVIII, esto separados, ao longo da histria, uns dos outros. Os direitos
civis formaram-se no sculo XVIII, com a ascenso dos princpios liberais.
No sculo XIX foi a vez dos direitos polticos e os sociais no sculo XX,
segundo a anlise da experincia inglesa (Marshall, 1967).
A formatao dos direitos civis possui como caracterstica a incluso
gradual de novos direitos, os quais se somavam aos j existentes. Por
exemplo, a liberdade foi, aos poucos, tornando-se universal, extinguindoo trabalho servil e escravo, e a cidadania deixou de ser de amplitude local
para passar a ter escala nacional (Marshall, 1967).
Os direitos polticos, por sua vez, surgem quando os civis, incluindo
a liberdade, j se encontravam estabelecidos. A principal mudana situa-
se na ampliao para novos setores da populao da possibilidade de
votar (e com voto secreto) e escolher governantes. At o sculo XIX, o
voto era monopolizado por grupos sociais especficos, por exemplo, ovoto censitrio, exercido apenas pelos proprietrios ou portadores de um
determinado nvel de renda. nesse momento que os direitos polticos,
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em processo de universalizao, passam a integrar as concepes de
cidadania, antecedendo, no sem enfrentar obstculos, aos direitos sociais
(Marshall, 1967).
Assim, possvel sintetizar o desenvolvimento dos direitos do
homem em trs fases (Bobbio, 1992). Na primeira, houve a afirmao
dos direitos de liberdade, os quais visam limitar o poder do Estado e a
reservar para o indivduo, ou para os grupos particulares, um ambiente
de liberdade em relao ao Estado. A segunda fase trata da proposio
dos direitos polticos, redundando na ampliao da participao dos
integrantes de uma comunidade no poder poltico, ou seja, a liberdade
no Estado. Os direitos sociais, a terceira fase, so a expresso de
novas exigncias e valores, essencialmente de bem-estar e igualdadeno apenas formal, implicando na busca de liberdade atravs ou por
intermdio do Estado.
A evoluo dos trs tipos de direitos
Sculo XVIII Direitos civis
- Liberdade.- Igualdade de todos diante da lei.
- Direitos naturais vida e segurana.
- nfase na concepo individual.
- Direitos individuais limitam o poder do Estado.
Sculo XIX Direitos polticos
- Ampliao da participao no poder poltico.- Direito a votar e ser votado.
- Representao poltica no parlamento e no Poder Executivo.
Sculo XX Direitos sociais
- Condies mnimas de igualdade econmica e social.
- Direito ao trabalho assalariado.
- Educao.- Sade.
- Assistncia social.
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3.5 Desigualdade e direitos
A determinao da igualdade diante da lei pode ser situada junto com
a questo da desigualdade social e econmica. O direito dos indivduosem exercer e garantir as liberdades civis bsicas formal. Assim, a
igualdade da cidadania transcorre paralelamente com a desigualdade
social (Bendix, 1983).
Essa questo transformou-se, desde as ltimas dcadas do sculo XIX,
no centro dos debates na Europa Ocidental, onde o Estado nacional foi
estabelecido primeiramente. Um dos pontos centrais, nesse sentido, situa-
se na defi
nio dos nveis de tolerncia da desigualdade econmica e sociale o que poderia ser feito para ameniz-la, situao que tende a ultrapassar
os limites da igualdade formal e das liberdades individuais.
Ao mesmo tempo em que todos possuem o livre direito de formar
associaes e expressar suas demandas e interesses, inclusive na instncia
poltica, podendo votar e ser votado, o Estado passa a ser o alvo das
reivindaes e mobilizaes dos setores sociais que vivem em situao
de desigualdade. A extenso dos direitos, antes inacessveis, a todosimplica na colocao de todas as classes na arena poltica, propiciando a
participao e a formao de movimentos de cunho popular.
Em sntese, a igualdade formal diante da lei beneficia mais os
cidados que possuem a independncia social e econmica para
usufruir os direitos legais.
O direito associao, representao e organizao, junto com a
insero poltica de setores sociais antes impedidos de participao, ganha, a
partir do iderio socialista, um reforo prtico e doutrinrio. Principalmente,
na crtica s revolues de origem burguesa, as quais, nessa perspectiva,
produzem emancipao poltica limitada e sem emancipao social. Assim,
ainda no sculo XIX, h a emergncia da organizao sindical e de partidos
das classes trabalhadoras (Bendix, 1983).
Diante disso, as etapas do desenvolvimento do Estado moderno so
formadas, primeiro, pela concepo liberal, no qual apenas uma parcela
de todos os indivduos (a burguesia) reivindica o poder soberano. Em
segundo lugar, a etapa da democratizao, reivindicada por todos os
indivduos. Por fim, a terceira etapa engloba a questo social, onde
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todos os indivduos, ento j considerados soberanos e sem distines
formais de classe, passam a requerer, alm dos direitos de liberdade,
os direitos sociais. (Bobbio, 1992).
A sequncia de direitos definida por T. H. Marshall (1967) a partir da
anlise da Inglaterra nos sculos XVIII, XIX e XX, produz, principalmente, a
partir dofinal do sculo XIX, um contexto que apresenta mais dificuldades
para a consolidao dos direitos sociais. Influenciado, em parte, pelo iderio
socialista e pela capacidade de mobilizao e organizao poltica da classe
operria, o aparato estatal passa a ser exigido a ter uma formatao capaz
de apresentar respostas s demandas de ordem social, com o surgimento
do Estado de bem-estar social (o welfare state), uma contraposio, de certa
forma, ao iderio liberal clssico. A funo de bem-estar social, com isso,
incorporada ao Estado nacional (Esping -Andersen, 1991).
O desenvolvimento da sequncia de direitos coloca a concepo social
em um ambiente de bastante complexidade. A considerao acerca da
importncia sequencial da ordem dos direitos, e seu carter cumulativo,
ao estabelecer os direitos polticos, como precursores dos sociais, pode ser
compreendida a partir do estabelecimento de uma relao prxima com
as disputas polticas do perodo (fins do sculo XIX e primeiras dcadas
do sculo XX).
A democratizao ocasionada, por um lado, pelas liberdades de
organizao, formao de sindicatos e partidos, por exemplo, e de
manifestao de opinio; e, por outro lado, pela ampliao do voto,
colocou novas reivindaes e demandas no centro das disputas polticas.
Reivindaes que tinham um forte sentido social, buscando a incorporao
dos direitos sociais a setores da populao que ainda no os tinham,
mesmo possuidores dos direitos civis e polticos.
Os direitos sociais tratam do atendimento de necessidades bsicas na
vida dos indivduos. Fazem parte desse conjunto de direitos as questes
vinculadas ao acesso alimentao, habitao, sade e, entre outros,
educao. Todos so temas que, ao longo do sculo XX, transformaram-
se no cerne das discusses sobre cidadania, em paralelo s funes do
Estado no mbito social.
Na relao paradoxal entre a igualdade formal de todos diante da
lei, base do Liberalismo, e da desigualdade econmica e social, emerge a
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temtica do confronto entre o iderio democrtico e a doutrina liberal. O
estudo de Alexis de Tocqueville (1982) sobre a experincia da fundao
dos Estados Unidos da Amrica indica a primeira organizao poltica e
social que aproxima o liberalismo da democracia, apontando um Caminho
para amenizar a tenso entre a igualdade, base da democracia ateniense,
e a liberdade, fundamento do Liberalismo.
A combinao resultante da democracia-liberal transforma a antiga
igualdade democrtica em um procedimento legal que garante igualdade
de direitos, enquanto uma condio formal (Bobbio, 1990). Salvaguardados
os direitos fundamentais dos indivduos, a democracia passa a ser um
mtodo de escolha de governantes e no, como ocorria em Atenas, de
exerccio direto de poder pelos cidados. Os representantes eleitos legislam
e executam as funes de governo, mantendo as liberdades de associao,
organizao e expresso.
A alterao no conceito de igualdade, advinda do Liberalismo,
contraposta ao de igualdade de condies, inclusive econmicas e sociais,
insere um parmetro importante no processo de desenvolvimento da
cidadania, especialmente no tocante aos direitos sociais.
3.6 A cidadania e a relao com o Estado
A concepo moderna de cidadania, portanto, possui um estreito
vnculo com a formao dos estados nacionais, na Europa Ocidental, a
partir do sculo XVIII. A expanso da cidadania, junto com a formaode uma comunidade de cunho nacional, tem um significado fundamental
no estabelecimento de uma organizao poltica e social diferente da que
havia no perodo do feudalismo e dos estados absolutistas.
A sequncia dos trs tipos de direitos civis, polticos e sociais,
considerando o modelo ingls, so o produto das disputas internas entre
os grupos sociais de cada pas, situao que redunda no aparecimento
de peculiaridades em cada caso analisado. No campo tico-filosfico, osprincpios liberais tornaram-se centrais nas legislaes dos mais diversos
pases. No mbito de sua aplicao prtica e efetiva, contudo, apresentam
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diferenas relevantes, especialmente se considerados os pases com baixo
desenvolvimento econmico-social.
A afirmao e a efetivao dos direitos oscilaram ao longo dos sculos.
Assim, as garantias e as definies sobre os direitos so produzidas pela
realidade de cada Estado, sendo o saldo de contextos e situaes histricas
especficas. Os direitos, enquanto produtos histricos, so passveis de
mudanas frequentes, de transformaes e de ampliao (Bobbio, 1992).
Outro elemento central na questo trata das relaes dos indivduos
entre si e com o Estado (Bobbio, 1992). O Liberalismo, em sua primeira
fase, determina a proteo do indivduo atravs da delimitao legal da
ao do Estado, a partir dos direitos naturais, assegurados e protegidos.
Desta forma, trata-se da liberdade em relao ao Estado. No processo deestabelecimento dos direitos polticos, no sculo XIX, h a concepo da
liberdade no mbito do Estado. E, enfim, no terceiro conjunto de direitos,
os sociais, h a liberdade atravs ou por meio do Estado.
Em outras palavras, o desenvolvimento dos direitos e da prpria
cidadania moderna pode ser compreendido pelas regras de limitao do
poder do Estado, da autonomia poltica do indivduo e da colocao do
Estado como responsvel para efetivar e assegurar os direitos sociais.
Referncias
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MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status.Rio de Janeiro:Zahar, 1967.
TOCQUEVILLE, Alexis de.A democracia na Amrica.Braslia: UnB,1982.
WEBER, Max. Os tipos de dominao. In: Economia e sociedade:Fundamentos de sociologia compreensiva. Braslia: Ed. UnB,1999.
WEFFORT, Francisco (org.). Os clssicos da poltica.So Paulo: tica.1996. v. 1 e 2.
Questes
1) Estabelea os parmetros da relao entre o indivduo e o Estado na
perspectiva do Liberalismo.
2) Analise o processo evolutivo dos direitos civis, polticos e sociais.
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Democracia, Estadode bem-estar
e os direitos sociais
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A consolidao dos direitos civis e polticos foi a base para o processo de
obteno dos direitos sociais, todos centrais na compreenso da cidadania.
O objetivo deste captulo apresentar algumas caractersticas dos tipos de
percursos para o estabelecimento da cidadania, incluindo elementos para
a compreenso dos temas que envolvem a implementao dos direitos
sociais, atravs do Estado de bem-estar social (welfare state) na Europa
Ocidental. Tambm esto includas algumas caractersticas da crise do
welfare,a partir da dcada de 1970.
4.1 Tipologia das trajetriasda cidadania
A efetivao dos direitos enquanto intrnsecos s compreenses a
respeito da cidadania propiciam a anlise das formas, na perspectiva de
Bryan Turner (1996), com as quais a sua obteno ocorreu. O primeiro
aspecto opera na diferenciao entre a cidadania alcanada a partir da
mobilizao da populao e, pelo contrrio, a obtida pela iniciativa primeirado Estado. Situam-se no primeiro caso os direitos civis conquistados nas
lutas contra os estados absolutistas. Integram a segunda possibilidade os
pases nos quais o Estado teve a iniciativa da implantao dos direitos.
Outro ponto importante encontra-se na distino entre pblico e
privado. Nesse sentido, a cidadania pode ser adquirida no espao pblico,
resultado da conquista do Estado, e ou dentro do espao privado, pela
afirmao dos direitos individuais enquanto limitadores das aesestatais.
As duas formas de compreender a evoluo, considerando se a
iniciativa partiu da populao ou do Estado, se no ambiente pblico ou
privado, produzem quatro tipos de cidadania (Turner, 1996). O primeiro
faz referncia experincia ocorrida na Frana, quando, via Revoluo, a
primazia na conquista partiu de setores da populao no mbito do espao
pblico, sendo que a ao revolucionria se afi
rma pela transformaodo Estado em nao.
O segundo tipo, caso dos Estados Unidos, possui a mesma caracterstica
do francs, com as garantias dos direitos obtidas por iniciativa da
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populao. A diferena, nesse ponto de vista, est que os movimentos
ocorreram no espao privado, isto , fora do Estado.
A cidadania obtida pela universalizao dos direitos individuais,
definidos como espao pblico, o terceiro tipo, corresponde ideia do
cidado enquanto sdito. O caso ingls o exemplo mais comum, com
a Revoluo Liberal de 1688 mantendo a monarquia e esta tendo sua
ao limitada por leis, o que redundou na formatao da monarquia
parlamentarista inglesa.
O caso da Alemanha o quarto tipo de cidadania, construda a partir
da iniciativa do Estado no espao privado. Assim, h a efetivao de laos
de lealdade do cidado com o Estado.
Portanto, em termos tericos, as concepes e formataes da cidadaniapossuem um vnculo direto com os nveis de democratizao e estrutura
poltica de uma determinada sociedade. Nesse sentido, os resultados da
incorporao dos direitos de acordo com cada realidade, principalmente
no que se refere aos direitos sociais.
Quatro modelos da cidadania
- Revoluo Francesa: iniciativa de setores da populao no mbitodo espao pblico.
- Estados Unidos: iniciativa da populao e efetivao no espao
privado, fora do campo de ao do Estado.
- Inglaterra: cidadania definida pela universalizao dos direitos
individuais, com origem no prprio espao pblico.
- Alemanha: iniciativa pela interveno do Estado no espao
privado.
4.2 Origens do Estado social(welfare state)
O embate estabelecido entre a igualdade formal dos indivduos perante alei e as desigualdades de ordem social e econmica transforma-se, ao menos
desde o comeo do sculo XX, no cerne das discusses em torno das funes
e do papel do Estado. Integram esse contexto os princpios advindos da
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doutrina liberal, enfocando a limitao do poder do Estado, a interveno
mnima na economia e na vida dos indivduos e as garantias legais da
liberdade. O avano cumulativo do acesso a direitos civis, no sculo XVIII,
polticos, no sculo XIX, e sociais, no sculo XX, colocaram os governos e as
organizaes polticas diante de novas reivindaes e demandas de grupos
sociais que antes no tinham condio de mobilizao.
A tipificao dos direitos em civis, polticos e sociais tambm representa
uma sequncia capaz de possibilitar os avanos e a prpria ampliao da
sua abrangncia (Marshall, 1967). Nesse sentido, a conquista dos direitos
polticos tem uma importante implicao na organizao poltica de setores
que no tinham acesso a muitos dos elementos que viriam a configurar
os direitos sociais, tais como moradia, sade e educao. Ao mesmotempo, a mobilizao, a capacidade de organizao, a livre expresso
de reivindaes e demandas, a formao e o aumento da participao
em partidos e sindicatos resultaram no aumento da presso no Estado e
governos por polticas pblicas com o objetivo de dar respostas a esses
indivduos, os quais, por exemplo, passaram a ter um peso importante
na arena eleitoral.
A organizao estatal baseada, em grande parte, nos princpios liberaisfoi uma tendncia que permaneceu, via de regra, na Europa, at o fim
da 1 Guerra Mundial (1914 1918). Nesse perodo, a vontade poltica
era quase que exclusivamente produzida pelos estratos superiores da
sociedade, considerando que o Estado liberal, de maneira efetiva, no
teve uma ordenao centrada na competio entre cidados com iguais
possibilidades. Ao contrrio, possui ordenao jurdica fundada na
propriedade e na cultura; uma sociedade que, embora no exclua ningum,tem por guia as leis do mercado (Habermas, 1983).
Nesse contexto, o capitalismo j se encontra, em muitos pases,
efetivado, em termos de princpios, com o Estado, na compreenso de
Max Weber (1996), fundamentado nos estatutos legais, no incremento da
funo pblica exercida pela burocracia moderna, a qual formada por
funcionrios dotados do domnio da qualificao tcnica e especializao,
sendo que os governantes so eleitos mediante eleies peridicas. diferena entre as garantias formais de direitos polticos e
sociais e a sua realizao prtica soma-se o processo de expanso
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da participao dos indivduos na vida poltica. Surgem, a partir
dessa perspectiva, dois movimentos. O primeiro engloba as garantias
formais dos direitos, inclusive os de ordem poltica, e o segundo trata
da ampliao do voto e da participao poltica, colocando novas
demandas ao Estado.
Esses dois movimentos, a partir da 1 Guerra, quando passam a ser
essenciais as intervenes do Estado na produo e na distribuio de
renda, comeam a conviver de maneira interdependente (Habermas, 1983).
O resultado disso a transformao do Estado liberal em Estado social,
levando em conta que apenas garantias jurdicas no so suficientes para
o desenvolvimento da sociedade. Torna-se necessria a interveno do
Estado em reas antes reguladas pelo mercado, tidas com sendo de ordemparticular (Habermas, 1983).
Nessa anlise, o Estado passa a ser responsvel por influenciar
a vida social, executando polticas de proteo, de compensaes e
redistribuio em favor de grupos sociais como trabalhadores assalariados
e consumidores. A promoo de polticas de cunho social, redistribuio
de renda, por exemplo, e o fornecimento de servios pblicos, como
sade e transportes, transformam-se em uma incumbncia dos governos(Habermas, 1983).
Tpicos da contraposio entre o Estado liberal e o Estado
de bem-estar social
- Igualdade formal perante a lei versus desigualdade social e
econmica.
- Complexidade das relaes sociais com o avano da urbanizaoe industrializao.
- Direitos polticos produzem organizao e mobilizao poltica.
- Reduzida iniciativa do Estado nas polticas sociais versus
reivindaes por direitos sociais.
- Ampliao do eleitorado e da competio pelos votos do
proletariado.
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4.3 Os sistemas de proteo social
Tem origem nesse contexto de igualdade legal formal e de
desigualdade scio-econmica a busca, por alguns governos e Estados,da aplicao de polticas de cunho social capazes de remediar a
situao. Vrias experincias1no sentido de produzir aes, muitas
tambm asseguradas na legislao, ocorreram antes do sculo XX.
No sculo XVIII, ustria, Prssia, Rssia e Espanha, j desenvolviam
aes assistenciais.
A Inglaterra, ainda no fim do sculo XIX, estabelece um conjunto de
leis regulamentando o trabalho nas fbricas. Outro exemplo importante deaes desse tipo pode ser encontrado na Alemanha, quando foi implantado,
entre 1883 e 1889, um sistema de previdncia social e programas de
seguros para atendimento na rea da sade, velhice e invalidez. Essas
duas medidas influenciaram aes semel