cidadania ou emancipacao humana ivo tonet

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  • 7/24/2019 Cidadania Ou Emancipacao Humana Ivo Tonet

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    CIDADANIA OULIBERD DE

    Iv o

    T O N E T

    1

    R E S U M O :

    Este texto

    pretende

    mostrar que o mesmo ato que funda a

    sociabilidade

    capitalista o que d origem

    cidadania.

    E que, por ser fundada

    na desigualdade s o c i a l ela, necessariamente, uma formaparcial,

    limitada

    e

    formal

    de liberdade. Homens efetivamente livres s podero existir se e

    quando for superada a atual ordem

    s o c i a l

    por uma outra cujo ato fundante

    seja o trabalho associado. Por mais difcil que seja encontrar as mediaes

    necessrias,

    horizonte de uma verdadeira esquerda tem de ser a emancipao

    humana e no a cidadania.

    P A L A V R A S - C H A V E :

    Cidadania; emancipao humana.

    1 De

    como

    se

    confundeliberdade

    formal

    2

    com

    liberdade

    real

    A idia de cidadania sempre esteve, de algum modo, associada

    idia de liberdade. Mas, hoje, cidadania se tornou, simplesmente, si

    nnimo de liberdade. O raciocnio implcito , mais ou menos, o seguinte:

    ser cidado ter direitos e o exerccio dos direitos supe uma comuni-

    1 Departamento de

    F i l o s o f i a

    -

    U F A L

    - 48304-050 - Macei -

    A L .

    2

    Como util izaremos com muita freqncia os termos liberdade formal e liberdade real, convm

    que definamos, pelo menos preliminarmente, o seu significado. Por liberdade formal

    entendemos

    a

    autodeterminao em seu nvel jurdico-poltico. Por liberdade real

    entendemos

    a auto

    determinao que tem como ponto

    de

    partida e fundamento a organizao associada e no

    mercantil dos homens na produo, o que lhes permite reger, conscientemente, o processo

    s oc i a l .

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    comunidade jurdico-poltica que garanta a sua vigncia, j que os indiv

    duos so naturalmente egostas. Quanto mais aperfeioado o exerccio

    dos direitos, tanto mais l i v r e ser o indivduo.

    A f i n a l , no h liberdade sem lei e autoridade. Portanto, para que

    todos os homens possam ser livres e no

    apenas

    os mais fortes, tornou-

    se necessrio o contrato s o c i a l . O contrato

    s o c i a l

    instaura o campo no

    interior do qual os indivduos, naturalmente egostas, podem mover-se

    livremente

    na busca da satisfao dos

    seus

    interesses. Da a importncia

    dachamada l i v r e in i c ia t i v a e por que a negao da l i v r e i n i c i a t i v a

    v i s t a como sinnimo de negao da liberdade.

    N o

    escravismo e no feudalismo, a desigualdade econmica, poltica

    e jurdica restringia a liberdade aos senhores e aos nobres. No

    c a p i

    talismo, todos os homens so pressupostos como livres por natureza e

    esta afirmao ser vista como a

    base

    para sempre novas conquistas.

    claroque se reconhece tratar-sede um processo; que existem limitaes;

    que jamais ser perfeito. Mas pensar assim simplesmente ser realista

    e, portanto, melhor do que fantasiar o reino da liberdade perfeita. A

    grande novidade desta nova forma de sociabilidade, e o que faria dela

    uma possibi lidade sempre aberta ao aperfeioamento, que ela no

    est baseada - como a escravista e a feudal - na vontade pessoal, a r b i

    trria, de um, de poucos ou mesmo de muitos, mas na lei , que a ex

    presso impessoal da comunidade. Quando, na modernidade, no interior

    do campo da

    le i ,

    instaura-se a possib il idade de criar novos direitos e de

    trabalhar os conflitos sociais de modo democrtico, ento se teria

    atingido

    a forma superior da sociabi lidade, exatamente porque, da para

    diante, s poderia haver aperfeioamento, mas no mudana r a d i c a l .

    A frmula kantianasapere

    aude

    resume apropriadamente a proposta

    i l u m i m s t a : o l i v r e exerccio da razo, parametrado

    apenas

    pelas regras

    estabelecidas por ela prpria, permitir aos homens efetivarem aquela

    disposio natural para a liberdade. No Deus, nem a natureza, nem o

    poder arbitrrio quem estabelece os l i m i t e s , as regras do jogo , mas os

    prprios homens, fazendo uso de uma faculdade que comum a todos:

    a razo. Obviamente, quem se autodetermma

    l i v r e ,

    ou, pelo menos,

    est no caminho

    i n f i n i t o

    da autoconstiuo como ser l iv re .

    Conquistar, ampliar, c o r r i g i r , criar novos direitos: eis o processo

    i n f i n i t o

    de construo da liberdade. Por isso, a construo da cidadania

    inseparvel do jogo democrtico, pois a luta pela cidadania deve ser

    feita

    respeitando determinadas regras, estabelecidas com a participao

    de todos e por todos aceitas. Essa nfase no respeito s regras do jogo

    particularmente endereada ao velho

    i l u m i n i s m o

    e ao

    s o c i a l i s m o ,

    que

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    tinham

    um forte acento voluntarista, que se expressava na prtica sob a

    forma

    de querer tornar os homens livres fora. Admite-se a progresso

    i n f i n i t a ,

    mas por um caminho considerado mais realista: a democracia. E

    democracia, afirma-se, i m p l i c a admitir o outro como um adversrio que

    deve ser respeitado e no como um i n i m i g oa ser

    destrudo.

    Infelizmente, constatam os neo-iluministas atuais, a razo instru

    mental subsumiu a razo emancipatria, ambas vi rtual idades do projeto

    i l u m i m s t a ,

    de modo que o processo de libertao do homem no teve a

    trajetria linear pensada pelos iluministas, mas sofreu enormes percalos

    e deformaes. A aliana e/ou a submisso da razo ao poder bloqueou

    as virtualidades emancipatrias da razo. Diga-se, de passagem, que

    esse

    atrelamento da razo ao poder ter-se-ia dado por uma espcie de

    descuido da

    prpria

    razo. Descuido que se deveria ignorncia. A

    descoberta do seu poder teria tornado a razo de tal modo arrogante

    que ela no teria percebido as armadilhas

    postas

    no seu caminho. As

    armadilhas seriam constitudas pelo carter ideolgico, pelos interesses

    que se ocultavam atrs do conhecimento e pelas motivaes mais

    profundas do inconsciente. Nem a problemtica da ideologia, cujos

    elementos decisivos teriam sido apontados por

    M a r x ,

    nem a do

    insconsciente, descoberto por Freud, tinham sido ainda

    tratadas. A s s i m ,

    a razo julgava-se um poder puramente lgico e objetivo, um facho de

    luz

    - aufklrung - que ia dissipando as trevas da ignorncia.

    R e c o

    nhecida essa situao, impor-se-ia

    resgatar

    os aspectos emancipatrios

    do projeto ilumimsta. Mas

    esse

    resgate,

    agora, no poderia

    s i g n i f i c a r ,

    simplesmente, a

    v o l t a

    ao velho ilummi smo, ingnuo. Tornada mais

    modesta e mais prudente pela experincia e armada com os novos

    conhecimentos acerca da ideologia e do inconsciente, a razo seria

    mais crtica. E j que ningum mais inocente - neutro e objetivo -, a

    melhor maneira seria aceitar entrar num dilogo que

    pressupe

    a boa

    vontade de

    todas

    as

    partes.

    Eis a a razo comunicativa resgatando

    criticamente o projeto

    i l u m i n i s t a .

    Ora, a democracia justamente

    esse

    jogo do respeito e no da inteno de destruio do outro.

    2 De

    como

    se distingueme se

    articulamliberdade

    formal

    e liberdade

    real

    C o m o vimos, o i l u m i n i s m o :

    funda a liberdade numa pretensa natureza humana A-HISTRICA

    pensa a liberdade como um atributo do indivduo, no como um pro

    cesso implicandoindivduo e gnero, subjetividade e objetividade;

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    pensa o homem como um ser que age,

    no como um

    ser

    que

    atividade.

    Nossos pressupostos so outros.

    E m

    primeiro lugar, o carter integralmente histrico-social do ser

    socral.

    Isto

    quer dizer que no se admite uma natureza humana a-histrica.

    A natureza humana, muito mais do que um ponto de partida, sempre

    umponto (relativo) de chegada, resultado da atividade

    s o c i a l

    dos homens

    em intercmbio com a natureza.

    E m segundo lugar, o carter brpolar do ser s o c i a l . O ser s o c i a l

    uma processualidade composta de dois plos: o plo da singularidade

    e o da

    universalidade.Indivduo

    e gnero se determinam reciprocamente.

    Para exemplificar: a sociedade das abelhas resultado da interao

    das abelhas, mas o ser essencial de cada abelha no resulta das

    ativida

    des das abelhas, ele precede a sua vivncia socral. Ao contrrio, no ser

    s o c i a l , ambos - i n d i v i d u o e sociedade - so resultado de mtua

    deter

    minao. O fato de a soc iabi lidade ter como eixo a comunidade - a t a

    Idade Mdia - ou o indivduo - na poca moderno-atual - no uma

    determinao natural, mas um fato s o c i a l , ou seja, o resultado dos pr

    priosatos humanos.

    E m

    terceiro lugar, o carter de

    atividade

    do ir-sendo s o c i a l : entre

    homem e mundo no h uma relao de extenoridade. Subjetividade e

    objetividade

    so resultado de um movimento de

    mtua

    determinao.

    E x e m p l o :

    no mundo capitalista, o homem c r i aum mundo competitivo e

    o mundo competitivo

    c r i a

    um homem egosta. Pensar o homem como

    ser que age diferente de apreend-lo como sendo atividade. No

    primeiro

    caso, sua natureza essencial precede a sua existncia; no se

    gundo caso, todo o seu ser resultado da sua atividade s o c i a l . Desse

    modo, objetivar-se, criar objetos, pr-se exteriormente, faz parte da

    essnciado homem. Podemos, ento, dizer que o homem o que faz e

    que, portanto, o homem no pode ser

    realmente

    l i v r e se o mundo que

    ele produz no um mundo realmente l i v r e . Para provocar: enquanto

    esta

    mesa no for l i v r e , o homem no ser efetivamente l i v re .

    D e

    fato, havia no escravismo e no feudalismo uma desigualdade

    reconhecida

    como de origem ou natural oudivino-natural.Desse modo,

    s

    os senhorese nobres seriam l i v r e s , ainda que precariamente, dado o

    estgio de desenvolvimento s o c i a l .

    Partindo

    dos pressupostos acima, vejamos o que acontece na so

    ciedade moderna:

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    . Partimos do pressuposto de que o ato ontolgico-primrio da

    sociabilidade moderna a compra e venda de fora de trabalho. Da

    nascem a propriedade privada, o capital, o trabalho assalariado, o

    v a l o r

    de troca, o produto como mercadoria, a m a i s - v a l i a , a c o n

    corrncia, a explorao, a dominao, o estranhamento. C o m o de

    corrncia, o interesse privado o

    p r i n c i p i o

    regente

    desta forma de

    sociabilidade. C o m o conseqncia, o homem que da resulta

    necessariamente um ser egosta, competitivo, oposto aos outros,

    autocentrado. A liberdade, para ele, consistir em fazer tudo o que

    desejar para satisfazer os

    seus

    interesses desde que no prejudique

    os outros, ou seja, dentro de determinadas regras. Acontece que a

    definio do que seja prejudicar os outros uma definio jurdica e

    no s o c i a l . (Ex: compra e venda de fora de trabalho, propriedade

    privada etc).

    Mas, para que o capital possa reproduzir-se, ele preci sa de homens

    l i v r es ,

    iguais e proprietrios. E por isso exige a extino da servido.

    A cidadania moderna concebida (de

    concipere),

    pois, quando a

    reproduo do capital exige homens

    livres, iguais e

    proprietrios.

    O paradoxo que se exigem homens l i v r e se iguais para realizar um

    ato que, na essncia, no nem l i v r e nem entre iguais. O ato de

    libertao da servido no torna os servos efetivamente l i v r es ,

    apenas

    altera os obstculos liberdade que se opem reproduo do capital,

    criando

    nova forma de escravido que tem um carter inteiramente

    s o c i a l , ou seja, que resulta exclusivamente de

    atos

    humanos (no de

    determinaes biolgicas, como na servido), consciente e livremente

    praticados.

    Para que o capital possa reproduzir-se, preciso que os homens

    sejam formalmente, mas norealmente l i v r e s , iguais e proprietrios.

    Isso s i g n i f ic aque se comprador e vendedor de fora de trabalho fossem

    realmente l i v r e s , isto , se autodeterminassem efetivamente, a

    existncia

    do capitalismo seria impossvel.

    Esse patamar de liberdade e igualdade e outros direitos e instituies

    da esfera jurdico-poltica se chama Emancipao Poltica. a esse

    espao jurdico-poltico que pertence a cidadania.

    A emancipao poltica , ao mesmo tempo, expresso (invertida)

    e condio de reproduo da escravido e da desigualdade reais. Ela

    apenas

    supera a desigualdade e a falta de liberdade do mundo feudal

    sob o aspecto jurdico-politico, mas no sob o aspecto s o c i a l .

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    A emancipao poltica expressa e reproduz uma forma de socia-

    bilidade d i v i d i d a em privado e pblico (sendo o primei ro o fundamento

    do segundo), egosta, competitiva, exploradora.

    A emancipao poltica expressa uma forma de sociabilidade em

    que os homens s podem ser formalmente livres porque quem

    realmente l i v r e o capital. Como diz

    M a r x ,

    a l i v r e i n i c i a t i v a no a efe

    t i v a

    liberdade humana, mas

    antes

    a forma mais plena de negao da

    liberdade humana. Pensa-se, muitas vezes, que a nica alternativa

    l i v r ei n i c ia t i v a o planejamento estatal centralizado e total. A primeira

    p o s s i b i l i t a r i a e o segundo anularia a liberdade do indivduo. Nada mais

    f a l s o . Ambos so negao da liberdade real. Falaremos adiante do que

    se ope l i v r e i n i c i a t i v a em direo liberdade efetiva.

    A

    liberdade formal nos ilude, fazendo-nos crer que somos livres e

    que esta a ltima e superior forma da liberdade humana, i n d e f i n i

    damente

    aperfeiovel e que, i n c l u s i v e ,por meio dela, poderemos chegar

    acontrolar o capital. isto que se expressa quando se diz que a socie

    dade c i v i l consciente e organizada poder controlar o Estado que, por

    sua vez, controlaria o capital. Ora, o inverso que verdadeiro. Quem

    controla o Estado o capital. Em vrios de

    seus

    textos, como A

    necessidade do controle social (1987) e especialmente emBeyond Capital

    (1995), Mszros j deixou claro que o capital incontrolvel. Pode ser

    suprimido, mas no controlado. Da aquela idia genial de

    M a r x ,

    j de

    1844,

    nas

    Glosas

    crticas de que a revoluo do trabalho tem de ser

    uma

    revoluo poltica comalma social.

    O

    equvoco dos lummistas, de ontem e de hoje, est em que no

    perceberam (nem percebem), que as virtualidades emancipatrias, assim

    como as virtual idades manipulatrias da razo moderna, em seu vetor

    predominante, so expresso do movimento de reproduo do capital

    e, portanto, ambasnecessariamente limitadas. E l a sno constituem um

    campo indefinidamente aberto, mas o campo elstico da emancipao

    poltica. E l a ss podem levar at a liberdade f o r m a l , no mais, porque,

    para alm disso, s com a supresso do capital .

    Da

    que iluso querer, hoje,

    resgatar

    as virtualidades emanci

    patrias do uminismo, pois ele a expresso ideal do momento ascen-

    s i o n a l da burguesia, cujo horizonte essencialmente limitado.

    A

    cidadania, momento essencial do projeto

    i l u m i n i s t a ,

    o espao

    da

    conquista da liberdade f o r m a l ,no da liberdade real. Oprprio acento

    que hoje adquire a luta pelos direitos de toda ordem, ao mesmo tempo

    em

    que aumentam a desigualdade e o cerceamento da liberdade real,

    umaprova do queestamosdizendo. Exatamente porque o nico aspec-

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    to em que pode haver um efetivo avano, ainda que f o r m a l ,na melhoria

    da

    sociabilidade.

    O acento no aspecto jurdico-poltico a contrapartida

    da

    impotncia no aspecto econmico. Liberdade efetiva, real, supe a

    superao da cidadania. Seno vejamos:

    Liberdade s i g n i f i c a , essencralmente, autodeterminao. Quanto

    maior a autodeterminao, maior a liberdade. C o m oo homem um ser

    f imto

    e contingente, evidente que a autodeterminao nunca poder

    ser absoluta. A questo, ento, : qual o mximo patamar de autodeter

    minao (relativa) que o homem pode atingir?

    Se olharmos a histria da humanidade, veremos que um prrmerro

    momento na luta pela autodeterminao foi a conqui sta do domnio

    sobre a natureza. A i n d a em processo, sob forma estranhada, mas funda

    mentalmente real izado. Um segundo momento foi e ser a conquista

    do domnio sobre o processo s o c i a l .

    N o

    interior

    deste

    segundo momento, temos dois passos

    3

    decisivos:

    a conquista da emancipao poltica: a libertao da submisso a

    uma autoridade arbitrria (poltica e/ou religiosa) e a submisso a

    uma autoridade impessoal, consentida e racionalmente fundada: lei

    e Estado;

    a conquista da emancipao humana, o mximo e ltimo patamar

    de liberdade que o homem pode atingir. ltimo porque i n f i n i t o .

    Entre

    esses

    dois passos no h uma

    l i n h a

    de continuidade essencial,

    mas uma ruptura

    r a d i c a l :

    revoluo, uma efetiva

    aufhebung.

    Detenhamo-nos na emancipao humana.

    V i m o s que o ato ontolgico-primrio da soc iabi lidade capitalista

    a compra e venda de fora de trabalho. E que

    esse

    ato impe limites

    insuperveis liberdade por ele matrizada. Por isso mesmo, a conquista

    da liberdade plena,

    4

    ou seja, da autodeterminao no seu grau mais

    elevado,

    tem como pressuposto inarredvel a superao do capital e de

    todos os elementos a ele conexos, nos campos econmico, jurdico-

    3 A idia de passosno tem um significadopuramente cronolgico, como se em todos os pases

    tivesse que se realizar primeiro a emancipao poltica e, em seguida, a humana. Se a seqncia

    cronolgica pode valer para os pases de formao capitalista clssica, o mesmo no vale paia

    os outros pases, dada a diversidade do momento histrico e a relao contraditria existente

    entre os primeiros e os segundos.

    4 Por liberdade plena, entendemos uma forma de sociabilidade em que os homens, tendo por

    baseo trabalho associado, tenham

    acesso

    riqueza que permita satisfazer assuas necessidades

    (mateiiais e espirituais) e tenham o domnio consciente (e necessariamente coletivo) do conjunto

    do processo socral.

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    poltico, s o c i a l e ideolgico.

    V a l e

    dizer: uma revoluo. S i g n i f i c a t i v a

    mente, todas as teonzaes atuais, e so muitas, que descartam a revo

    luo, tm como pressuposto,

    e x p l i c i t o

    ou implcito, a possibilidade de

    controle

    do capital e que

    esse

    controle se fa r iamediante atividade jur-

    dico-poltica.

    A esto includas todas as teorizaes da chamada

    esquerda democrtica, sem

    e x c l u i r

    as dos socialistas democrticos,

    como Habermas,

    Offe, P r z e w o r s k i , M i l i b a n d ,

    Hobsbawn, Touraine.

    Se

    for verdade que o homem

    atividade.

    Se for verdade que o mundo que o homem c r i aexpressa e produz o

    que o homem .

    Ento, para autocnar-se como ser efetivamente

    l i v r e

    (mxima

    autodeterminao possvel) e para criar um mundo que seja a expresso

    de sua liberdade, o ato ontolgico-primrio tem que ser um ato efeti

    vamente

    l i v r e .

    5

    Se

    o ato ontolgico-primrio de qualquer

    sociabilidade

    o trabalho,

    ento o ato o r i g i n a l de uma forma de sociabilidade efetivamente l i v r e

    tem que ser o trabalho associado. Porque ele corta, pela r a i z , a pos

    s i b i l i d a d e

    da explorao do homem pelo homem com todos os

    seus

    conexos.

    A o instaurar o v a l o r de uso como princpio regente, o trabalho

    associado pe o atendimento s necessidades humanas como objetivo

    d e c i s i v o

    da produo.

    A o

    eliminar o carter de mercadoria dos produtos, ele impede que

    os poderes sociais se transformem em poderes estranhados que se voltem

    contra o homem.

    A oeliminar a propriedade privada, ele permite que todos os homens

    tenham acesso riqueza produzida por toda a humanidade e assim

    possam desenvolver as

    suas

    potencialidades.

    A o i m p o s s i b i l i t a r a diviso da sociedade em classes, ele permite

    que os homens construam uma verdadeira comunidade na qual funcione

    o

    p r i n c i p i o

    de cada um segundo as

    suas

    possibilidades, a cada um

    segundo as

    suas

    necessidades .

    5

    A q u i

    se v, com toda a clareza, o sentido e o

    l i m i t e

    essencial da concepo kantiana da liberdade.

    Concepo a que, no por acaso,

    tantos

    autoresatuais esto se voltando. Porm, na medida em

    que ela uma concepo formal,

    percebe-se

    que o homem pode ser

    l i v re

    mesmo produzindo um

    mundo que no o expressa como ser l i v re .Ora, em um mundo no l ivre(mundo da mercadorra),

    o homem s pode ser formalmente

    l ivre .

    A volta a Kant se e x p l i c a pelo fato de que ele, como

    nenhum outro, fundamentou, com genial idade, essa forma contraditria da liberdade, que

    expresso da insupervel contradio da sociab ilidade do capital, dotando-a de um carter de

    aparente

    universalidade

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    F i n a l i z a n d o : cidadania no sinnimo de liberdade. Cidadania

    sinnimo de liberdade f o r m a l . Por isso mesmo, conceber a luta pela

    cidadania como o eixo da luta s o c i a l subsumir a luta dos trabalhadores

    aos interesses do capital porque supe o controle do capital pelos

    cidados.

    M a s ,

    preciso repetir ad

    nauseam,

    criticar

    a cidadania no

    s ig n i f ic a

    neg-la ou desvaloriz-la, mas ser efetivamente realista, ou seja, apreender

    as suasreais possibi lidades eseuslimites e, por isso mesmo, valoriz-la

    comomomento especfico, e contraditrio, na trajetria da autoconstruao

    d a humanidade. Entre a desvalorizao taticista e a supervalorizao

    desistoricizadora est a justa apreciao como uma forma concreta de

    liberdade

    que constituiu um grande progresso para a humanidade, mas

    que precisa ser ultrapassada em direo a uma forma superior de liberdade

    real. A liberdade real, efetiva, supe a superao da cidadania, o que

    i m p l i c a

    a superao do capital.

    T O N E T ,

    I.

    C i ti z e n s h i p

    and freedom.Perspectivas (SoPaulo), v . 2 2 , p . 8 5 - 9 4 ,

    1 999 .

    ABSTRACT:

    This paper

    intends to

    show that

    the same act

    that

    is in the

    origin of the social relations in the capitalistsystemis in the foundation of

    citizenship. And

    that,

    by having its source in the social inequality, the

    citizenship in consequently a partial, limited and formal way of freedom.

    Men effectively

    free

    couldonly

    exist

    if and

    when

    thepresentsocial order be

    surpassed by another onewhosefoundations

    are

    the collectivework.Although

    it isveryhard to find thenecessary

    means,

    the horizon of

    a

    true

    left

    mustbe

    the emancipation and not the citizenship.

    KEYWORDS:

    Citizenship: emancipation; marxism.

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  • 7/24/2019 Cidadania Ou Emancipacao Humana Ivo Tonet

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    Resposta

    questo:

    o que o

    esclarecimento?

    In: .

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