chmyz, i. etno-história e arqueologia parque nacional do iguaçu

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6.6. Aspectos Culturais e Históricos As pesquisas de campo da arqueologia, que previam enfoques amostrais em três espaços da UC, foram realizadas em janeiro e abril 1998. Em uma primeira etapa foi trabalhada a área das Cataratas e, em uma segunda, vistoriada a divisa seca do Parque, desde a altura do rio Represinha até o rio Benjamim Constant, incluindo prospecções na mata, claro, em ambos os trechos do PNI. Foram registrados 28 locais contendo indícios relacionados aos períodos pré-histórico e histórico. Amostras de material foram recolhidas para análise no Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal do Paraná (CEPA/UFPR), em Curitiba (Chmyz & Miguel, 1999). 6.6.1. Etno-história da Região do Parque Nacional do Iguaçu As primeiras informações sobre o atual território paranaense devem-se, principalmente, aos espanhóis, já no início do século XVI. Logo após a assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494 * , a Coroa Espanhola enviou expedições exploratórias à área da bacia do rio da Prata. O Tratado designava a região que atualmente compreende o centro-oeste do Estado do Paraná como pertencente ao Reino Espanhol. Para consolidar a posse da terra foram enviadas expedições para o reconhecimento da região. As penetrações foram feitas por terra, a partir da ilha de Santa Catarina, através dos caminhos indígenas, denominados Peabiru, ou subindo pelo rio da Prata. Em fins de 1515, João de Solis deixou a Espanha com o intuito de encontrar a passagem interoceânica localizada por Vespúcio (1502), Gonçalo Coelho (1503-06) e Nuno Manuel e Cristóvão de Haro (1513-14). Nos primeiros meses do ano seguinte, Solis adentrava a bacia Page 1 of 80 6 28/5/2010 mhtml:file://D:\UHE Baixo Iguaçu\Bibliografia história sudoeste\6 igor.mht

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6.6. Aspectos Culturais e Históricos

As pesquisas de campo da arqueologia, que previam enfoques amostrais em três espaços da UC, foram realizadas em janeiro e abril 1998. Em uma primeira etapa foi trabalhada a área das Cataratas e, em uma segunda, vistoriada a divisa seca do Parque, desde a altura do rio Represinha até o rio Benjamim Constant, incluindo prospecções na mata, claro, em ambos os trechos do PNI.

Foram registrados 28 locais contendo indícios relacionados aos períodos pré-histórico e histórico. Amostras de material foram recolhidas para análise no Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal do Paraná (CEPA/UFPR), em Curitiba (Chmyz & Miguel, 1999).

6.6.1. Etno-história da Região do Parque Nacional do Iguaçu

As primeiras informações sobre o atual território paranaense devem-se, principalmente, aos espanhóis, já no início do século XVI.

Logo após a assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494*, a Coroa Espanhola enviou expedições exploratórias à área da bacia do rio da Prata. O Tratado designava a região que atualmente compreende o centro-oeste do Estado do Paraná como pertencente ao Reino Espanhol.

Para consolidar a posse da terra foram enviadas expedições para o reconhecimento da região. As penetrações foram feitas por terra, a partir da ilha de Santa Catarina, através dos caminhos indígenas, denominados Peabiru, ou subindo pelo rio da Prata.

Em fins de 1515, João de Solis deixou a Espanha com o intuito de encontrar a passagem interoceânica localizada por Vespúcio (1502), Gonçalo Coelho (1503-06) e Nuno Manuel e Cristóvão de Haro (1513-14). Nos primeiros meses do ano seguinte, Solis adentrava a bacia

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do Prata, esclarecendo que não se tratava da passagem interoceânica relatada pelas expedições anteriores. Sua expedição não ultrapassou os limites da atual República do Uruguai. Quando lá desembarcaram foram atacados por índios Guarani, os quais dizimaram grande parte dos integrantes, inclusive Solis.

Os remanescentes da expedição, comandados pelo sobrevivente Aleixo Garcia, iniciaram nova aventura por terra no ano de 1521, utilizando-se do sistema de caminhos indígenas Peabiru. A rede de caminhos, partindo de São Vicente, em São Paulo, atravessava todo o território paranaense, no sentido leste-oeste, até o rio Paraná, na altura da foz do rio Piquiri. Saindo do atual território brasileiro, cortava o Chaco paraguaio, chegando aos planaltos peruanos e dali ao Oceano Pacífico.

Aleixo Garcia, ajudado por indígenas conhecedores do trajeto, chegou até a serra do Prata (Andes), ali obtendo ouro e prata. Entretanto, quando retornavam em direção à ilha de Santa Catarina, foram atacados por grupos de indígenas, resultando na morte de Garcia e de muitos homens que o acompanhavam. Alguns sobreviventes lograram chegar ao litoral catarinense, levando consigo as riquezas que haviam espoliado.

Sebastião Caboto, entusiasmado com as notícias da expedição de Garcia, deixando o litoral pernambucano onde estava assentado, rumou à Santa Catarina, empreendendo viagem, em 1527, em direção ao rio da Prata, fundando na confluência com o rio Carcanhará o porto Sancti Spiritu, local que serviria de base para a exploração da região. Essa primeira povoação teve duração efêmera, sendo destruída pelos indígenas (Colodel, 1988).

Durante esse período aconteceram, também, algumas incursões de portugueses atraídos pelos relatos das riquezas daquelas terras. Preocupado com as investidas dos portugueses, o governo espanhol enviou uma expedição com a missão de fundar povoados, assegurando, assim, a posse definitiva do território ao reino espanhol.

A expedição partiu da Espanha em 1535 comandada por Pedro Mendoza, fundando o porto de Nuestra Señora Santa Maria del Buen Aires, em 3 de fevereiro de 1536. A partir dessa povoação, subiu o rio da Prata, onde fundou os aglomerados de Corpus Christi e Nuestra Señora de Buena Esperanza. Logo após a fundação desses incipientes povoados, Mendoza veio a falecer em sua viagem de volta à Espanha, deixando no comando João de Ayolas, que também não perdurou, sendo morto junto a outros companheiros por indígenas.

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Assume, então, Domingos Martinez de Irala que, fugindo dos ataques indígenas, funda o porto de Assunção, em 1537. Esse local desempenhou importante papel na exploração da região pelos aventureiros espanhóis. Irala transfere para o porto as recém-criadas povoações de Buen Aires, Corpus Christi e Buena Esperanza, constantemente ameaçadas pelos ataques indígenas. O povoado recebeu melhoramentos urbanos e esteve sob a legislação espanhola. A partir dessa povoação foram incursionando território adentro, contando com a ajuda de índios Guarani.

Informações sobre os grupos indígenas contatados nessa incursão são encontradas no relato de Ulrico Schmidl, membro da expedição (Figura 45).

Os Cário ou Guarani habitavam grandes extensões de terra nas margens dos rios Paraguai e Paraná. Eram horticultores, praticavam a pesca e a caça. Os principais alimentos cultivados eram o milho, a mandioca, a batata, entre outros. Faziam coleta de frutas e plantas silvestres e mel em abundância. Utilizavam o algodão e praticavam o canibalismo. Segundo Schmidl: "Esto cários dominan gran território... son gente baja e gruesa y son mas resistentes que las otras naciones. Los hombres tienen en el lábio un agujerito, y por él meten un cristal de un largo como de dos jemes, grueso como el canuto de una pluma, de color amarillo y que en indio se llama parabog" (Schmidl, 1945).

Uma das aldeias dos Cário estava rodeada com duas paliçadas de troncos grossos, e em volta haviam trincheiras e fossos profundos com lanças pontiagudas fincadas. Essa estratégia de defesa foi adotada pelos espanhóis para a proteção dos povoados. Os espanhóis empreenderam combate com esses grupos até a sua rendição. Então, estabeleceram relações amistosas e a partir desse fato deram combate a outros grupos indígenas, inimigos também dos Cário.

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Figura 45 - Mapa que acompanha o relato de Ulrico Schmidl na edição de Levin Hulsius, Nuremberg, 1599 (extraído de Maack, 1968)

Ulrico Schmidt descreve ainda outras nações de indígenas nas margens do rio Paraná, como os Timbu, Corondá e Quiloaza, todos falantes do mesmo idioma. Viviam da caça e da pesca. Utilizavam canoas feitas de troncos de árvores, podendo abrigar até dezesseis homens, todos devendo remar. Os homens usavam em cada lado do nariz "...una estrellita, hecha de una piedra blanca y azul, y son gente de cuerpo grande y fornido". As mulheres usavam a face pintada com desenhos azuis "...y tapan las vergüenzas com un trapo de algodón; tienen estos indios muchos cueros curtidos de nutria y muchíssimas canoas " (Schmidl, 1945).

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Os Chaná-Salvaje encontrados nas margens do rio Paraná tinham sua subsistência baseada em pesca, caça e coleta. Não usavam vestimentas. "Es una gente igual a los salteadores que hay por Alemania: roban e asaltan y luego vuelvem a su guarida". Possivelmente habitavam o interior.

Os índios Payaguá, segundo Schmidt, foram os responsáveis pela morte de Juan Ayolas e sua comitiva, aliados aos Naperu. A belicosidade dos Payaguá já havia sido conhecida pela expedição de Sebastião Caboto, também atacada pelo grupo. O termo Payaguá parece ter sido utilizado como uma denominação geral para os grupos belicosos que habitavam os rios Paraguai e Paraná, recebendo outras denominações como Cadigue e Agace. Métraux cita-os como sendo piratas que, ao longo desses rios, abordavam as embarcações espanholas com suas longas canoas de imbé e saqueavam as populações que ali habitavam. Schmidt (1949) relata a existência de cemitérios Payaguá em ilhas fluviais.

Ulrico relata que os Curé-Maguá e os Agace viviam nas margens do rio Paraguai, onde praticavam a pesca e a caça e fabricavam "vino del algarrobas". Eram altos e robustos. Os homens usavam um "agujerito en la nariz, por allí passan una pluma de papagayo". As mulheres pintavam a face com linhas azuis e usavam desde "el ombligo hasta la rodilla com um trapo de algodón". Os sobreviventes da expedição de Caboto referem-se aos Agace como sendo os mesmos Payaguá (Métraux, 1946).

Pelos Maperi, que viviam agrupados em grande número, foram recebidos belicosamente. Os Maperi possuíam grande quantidade de canoas com capacidade para até vinte pessoas. Tais indígenas, possivelmente, mantinham inimizade com outros Tupi-guarani* mesmo antes da chegada dos europeus. A aliança entre espanhóis e os Cário contra essas nações pode corroborar tais relações belicosas entre os nativos.

Vestígios arqueológicos de três sítios situados ao norte do Município de Foz do Iguaçu, próximos ao rio Paraná, foram correlacionados com a cultura Payaguá. O material cerâmico dos sítios, a princípio, assemelhava-se muito com outras evidências encontradas na área designadas como Tupi-guarani. A análise laboratorial, entretanto, revelou características próprias, tanto nos antiplásticos utilizados na pasta, como em sua morfologia. As formas e a decoração empregadas são semelhantes àquelas descritas por Max Schmidt, da cerâmica Payaguá. Outra evidência está relacionada aos locais que abrigavam os sítios. Dois deles estavam situados em ilhas, que sofrem inundações pelo menos uma vez por ano, e um à margem do rio Paraná.

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Dos indígenas remanescentes da cultura Payaguá, da numerosa população que existia na época do contato, restaram, em 1800, cerca de mil nativos e, duas décadas depois não ultrapassavam duzentos. Max Schmidt, em 1941-42, entrevistou os últimos sobreviventes dessa cultura.

A semelhança da cerâmica tradição da fase Icaraíma, na qual inserem-se os sítios citados, com caracteres da tradição Tupiguarani**, pode confirmar a relação de miscigenação entre ambos os grupos. Schmidt relata que, entre os Payaguá, eram comuns os casamentos com tribos vizinhas e mesmo com espanhóis, portugueses e paraguaios. A presença de mulheres pertencentes à família Tupi-guarani, levadas como prisioneiras, pode ser mais um indicativo das correspondências evidenciadas entre as duas culturas, na medida em que elas reproduziam o padrão cerâmico de sua tribo.

Ainda, aparecem descritos grupos indígenas pertencentes a outras nações como os Surucusi, os quais praticavam a horticultura, eram caçadores e pescavam, além da atividade de coleta. Os homens usavam um disco de madeira do tamanho de uma ficha de dama na orelha e as mulheres usavam no lábio uma pedra de cristal do tamanho de um dedo. Havia mais de uma aldeia.

Ulrico Schmidl atuou na área do Prata até princípios da década de cinqüenta, do século XVI. Em sua viagem de retorno à Europa, a maior parte do seu trajeto foi realizada por terra, utilizando-se o Peabiru, com a ajuda de índios Guarani (Figura 46). Partiu de Assunção, subindo os rios Paraguai e Jejuí, continuando por terra até a foz do rio Mondaí. Então, desceu esse rio e prosseguiu acompanhando mais um trecho do rio Paraná, até a localidade de Gingie, no atual território argentino de Missiones. Daí continuaram por terra até o médio rio Uruguai, onde tomaram um ramal que se comunicava com o Peabiru, passando pelo atual território paranaense, para atingir São Vicente, no litoral paulista, em 13 de junho de 1553 (Maack, 1959).

Parte do itinerário de Schmidt já havia sido percorrido anteriormente por Alvar Nuñez Cabeza de Vaca (1541-42) e, provavelmente, por Aleixo Garcia (1522-24), os quais utilizaram trechos do Peabiru e de seus ramais, porém no sentido inverso do trajeto de Schmidl (Chmyz & Sauner, 1971).

Muito embora, sejam significativas as descrições contidas no relato de Schmidl, as informações não são muito objetivas e a localização exata desses grupos é de difícil reconstituição. É certo que habitavam a região da bacia do Prata, explorando o sistema fluvial e os

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recursos da densa mata subtropical. Possivelmente, segundo a narração do referido autor, a região continha majoritariamente grupos pertencentes à família lingüística Tupi-guarani.

Com a morte de Pedro Mendoza, Carlos V, Imperador do Reino da Espanha, designou Cabeza de Vaca para capitanear o governo de Assunção, o qual iniciou a viagem no começo da década de 1540, em direção à área do Prata. Partindo de Cádiz aportou, primeiramente, em Cananéia, seguindo, então, até São Francisco, ao sul, e aos 29 dias do mês de março de 1941 desembarcou na ilha de Santa Catarina.

Da ilha de Santa Catarina, sua expedição seguiu por terra, realizando, assim, a travessia, no sentido leste-oeste do Estado do Paraná, utilizando-se dos caminhos do Peabiru. Segundo Maack (1968):

"...Conduzido por índios conhecedores dos caminhos, Cabeza de Vaca deixou a 18 de outubro de 1541 a costa, perto de São Francisco do Sul, com 250 homens e 26 cavalos, para atingir o curso superior do rio Iguaçu, o qual acharam na região de Tindiquera, a atual Araucária, no dia 1º de dezembro de 1541."

Desse local teria rumado na direção noroeste, atravessando os Campos Gerais até o curso superior do rio Tibagi, nas vizinhanças de Ponta Grossa. Seguindo para o norte, chegou à região de Abapany, habitada pelos Guarani, tomando o ramal principal do Peabiru no sentido oeste. Transpôs o rio Ivaí, acima do salto Ubá, e daí a escarpa para o terceiro planalto através do vale do rio Pedra Preta. Chegando às nascentes do rio Cantu, sua tropa descansou algum tempo, abandonando o Peabiru em seguida. Teria tomado um ramal do caminho na direção sul, transpondo o alto Piquiri e o rio do Cobre para chegar ao rio Iguaçu, próximo à foz do Cotejipe, em 31 de janeiro de 1542 (Figura 46) (Maack, 1968).

A expedição de Cabeza de Vaca foi a primeira a conhecer as cataratas do Iguaçu. Contando, para isso, com a ajuda dos índios que habitavam a região. Segundo o relato, os viajantes passaram por muitas tribos indígenas da nação Guarani:

"...Todos los cuales les salían a rescebir a los caminos com muchos bastimentos, mostrando grande placer y contentamiento com su venida, y a los indios principales señores de los pueblos les daba muchos rescates, y, hasta las mujeres viejas y niños salían a ellas a los rescebir, cargados de maíz y batatas,... y antes de llegar com gran trecho a los pueblos por lo habían de passar, alimpiaban y desmontaban los caminos, y bailaban y hacían grandes regocijos de verlos" (Cabeza de Vaca, 1947).

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Chegando ao rio Iguaçu, foi informado pelos índios, que esse rio se comunicava com o rio Paraná, o qual também era conhecido como rio da Prata. Foram alertados, ainda, que entre os rios Paraná e o Iguaçu foram mortos, pelos grupos indígenas que ali habitavam, os portugueses enviados por Martin Afonso de Souza, para o reconhecimento da região.

Temendo a hostilidade dos ditos indígenas, o governador decidiu enviar parte de sua gente a cavalo, e o restante da expedição seguiu pelo rio em canoas adquiridas dos índios para reunirem-se todos no rio Paraná.

Aqueles que seguiram pelo rio logo se depararam com as quedas do Iguaçu, obrigando-os a retirar as canoas da água até a passagem daquele trecho:

"...E yendo por el dicho río de Iguaçu abajo era la corriente de él tan grande que corrían las canoas por él com mucha furia; y esto causólo que muy cerca de donde se embarcó da el río un salto por unas peñas abajo muy altas, y da el agua en lo bajo de la tierra tan grande golpe que de muy lejos se oye; y la espuma del agua, como cae com tanta fuerza, sube en alto dos lanzas..." (Cabeza de Vaca, 1947).

A chegada ao rio Paraná foi realizada a um só tempo, tanto pelos navegadores, como por aqueles que empreenderam a viagem por terra:

"...Y en la ribera del río estaban muy gran número de indios de la misma generación de los guaraníes, todos muy emplumados com plumas de papagayos y almagrados, pintados de muchas maneras y colores, y com sus arcos e flechas en las manos hecho um escuadrón de ellos, que era muy placer de los ver" (Cabeza de Vaca,1947).

O governo de Cabeza de Vaca não perdurou, devido às disputas internas entre os espanhóis e à instabilidade nas relações com os nativos.

Figura 46 - Esboço do itinerário de Ulrico Schmidt de sua viagem de Assunção à São Vicente, segundo a reconstrução de Maack (1968)

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Assumindo novamente o comando, após a prisão de Cabeza de Vaca, Irala, para assegurar o domínio espanhol, funda em 1554, o núcleo de Ontiveros. A localização exata do núcleo é ainda incerta, pois como teve curta duração não chegou a se estruturar, e seus vestígios devem se assemelhar aos de uma aldeia indígena. Dois locais com tais características foram encontrados pelas pesquisas desenvolvidas junto ao Projeto Arqueológico Itaipu, no rio Paraná. Um localizava-se ao sul da área, em Foz do Iguaçu e o outro cerca de 6km acima dos extintos saltos das Sete Quedas (Chmyz,1986).

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Em 1556, sob a determinação de Irala, o capitão Ruy Diaz Melgarejo funda a comunidade espanhola de Cuidad Real, sobre a aldeia indígena de Guairá, sendo elevada à sede da Província do Guairá, em 1600.

A última comunidade espanhola fundada no Guairá foi Villa Rica del Spiritu Sancto, na foz do rio Corumbataí com o Ivaí.

Durante o processo de ocupação espanhola na região de Guairá, a Igreja Católica esteve presente pela ação da Companhia de Jesus. As comunidades, que foram se formando na área do Prata e marginais ao rio Paraná, tinham no seus quadros administrativos e funcionais alguns setores chamados "reduções organizadas" ou "colônias de naturais". As colônias eram compostas por indígenas, estando sob a jurisdição de um clérigo, ao qual cabia a catequização dos nativos (Colodel, 1988).

As divergências entre os religiosos e os espanhóis não tardaram a aparecer, decorrentes, principalmente, dos interesses diversos que nutriam em relação aos indígenas. Para os espanhóis o único interesse era a sua utilização como mão-de-obra.

Assim, os missionários da Companhia de Jesus começaram a penetrar o interior, organizando aldeamentos de forma mais sistemática, a partir de 1610, os quais ficaram conhecidos como reduções jesuíticas.

É através da Província do Guairá que o domínio espanhol estende-se à região oeste do atual território paranaense. Em menos de duas décadas são formadas mais de dez reduções no oeste do Paraná, tendo o rio Tibagi como limite máximo da expansão (Figura 47).

Entre as reduções criadas, a redução de Santa Maria, pela cartografia jesuítica, localizava-se nas imediações das cataratas do Iguaçu, mas seu paradeiro continua desconhecido até o presente.

Embora priorizando os Guarani na sua obra catequizadora, os jesuítas tentaram, também, atuar junto aos índios referidos como Guayaná (Guanana ou Guanhanha), Gualacho, Chiqui, Ibituruna, Caaiguá, Cabeludos e Campeiros, na cartografia da época. Culturalmente

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diversos, esses índios viviam nas proximidades ou mesmo dentro dos territórios dos Guarani. A criação das reduções de Conceição de Nossa Senhora, São Pedro, São Miguel e Santo Antônio, nas margens dos rios Piquiri, Ivaí e Tibagi, dominadas pelos índios não-guarani, não prosperou porque foi estabelecida entre 1626 e 1628, quando se intensificaram as incursões portuguesas.

Conforme Meliá (1983), frases registradas pelo jesuíta Antônio Ruiz de Montoya, entre os índios da redução de Conceição de Nossa Senhora dos Gualacho, correspondem à língua hoje conhecida como Kaingáng, da família Jê.

Paralelo aos conflitos entre espanhóis e jesuítas, pela disputa do elemento indígena, os portugueses, já no início do século XVII, começaram a organizar expedições, visando o preamento dos nativos e a descoberta de metais preciosos. Mesmo com a desaprovação do governo de São Paulo, as bandeiras paulistas investiram contra os estabelecimentos jesuíticos, os quais sucumbiram em poucos anos. Sob o comando do bandeirante Antonio Raposo Tavares, as reduções do Guairá foram destruídas entre os anos de 1629 e 1632. Os sobreviventes dos ataques dos portugueses fugiram para o interior das matas ou foram transferidos para o território do Paraguai.

A movimentação dos bandeirantes no oeste paranaense provocou novos delineamentos políticos e econômicos em toda a região situada na margem esquerda do rio Paraná, a qual passou para o domínio português.

Com a desarticulação dos núcleos espanhóis e das reduções jesuíticas a região é abandonada por mais de um século:

"...Por muito tempo, após a retirada dos jesuítas e espanhóis, o Guairá permaneceu despovoado. Mais tarde, grupos de índios da família lingüística Jê, vindos do sul, e outros da Tupi-guarani, vindos do oeste, passaram a ocupar os espaços onde são divisados pelos novos exploradores" (Chmyz, 1986).

Na segunda metade do século XVIII, os portugueses voltaram a se interessar pela região, enviando expedições militares para o reconhecimento dos "Sertões do Tibagi", que abrangiam o espaço do segundo e terceiro planaltos paranaenses (Figura 48).

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A conquista da região de Guarapuava, entretanto, foi mais incisiva somente após a instalação da Corte Portuguesa no Brasil, em 1808. As expedições na década de 60 e 70 do século anterior malograram sob as incursões belicosas dos indígenas.

A expedição do Tenente Bruno Costa* (1770) não perdurou mais que um mês nos campos de Guarapuava, tendo que retroceder pela falta de alimentos e pela hostilidade dos índios, denominados pela literatura da época como bugres**.

Em 10 de novembro de 1771 partiu de Curitiba a expedição chefiada pelo Tenente Afonso Botelho, com o mesmo objetivo de conquistar os campos de Guarapuava, sendo a décima tentativa de estabelecimento português na região oeste, além do Tibagi.

Transpondo o último grande obstáculo natural da região, a serra da Esperança, em 6 de dezembro, já nos campos, levantaram a insígnia da conquista, que tombaria pouco mais de um mês depois:

"...Levantou-se ali, então, uma grande cruz benta, ao troar de uma salva de artilharia..." (Macedo, 1951).

No dia seguinte construíram um rancho e uma capela e no seguinte, dia de Nossa Senhora da Conceição, rezaram a primeira missa naqueles sertões infestados de perigos. Dias depois, assentaram acampamento mais adiante, no local denominado Porto do Rio Jordão.

Partiram, então, excursões para o reconhecimento e pesquisa da circunvizinhança contatando os primeiros sinais do nativo aos 16 dias do mês de dezembro.

"... e prosseguindo, como fica dito, chegou a um capão de mato, cuja distância ao pôrto será de cinco léguas; ao pé do dito mato se achou ua trilha de gente, e daí a pouco um caminho, que teria um palmo de largo, e bem seguido, e logo assentou com os mais oficiais segui-lo para a parte do sul a ver se encontrava o gentio, (...) Prossegui-se a viagem acompanhados bastantemente dela seguindo o mesmo

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caminho do gentio, (...) se avistou em um alto um grande rancho de gentio, onde chegando se achou deserto de poucos dias, e nele foram vistas várias alcôfas e cestinhas em que êles têm guardados os seus pobres trastes, e entre êstes foi achada ua simitrunfa, composta de penas não mal tecidas, e ua fita branca trançada à maneira de liga, dous novelos de fio muito bem fiado, panelas, porongos, ou cabaços grandes, e um cheio de mel, (...) E prosseguindo distância de duzentas braças se achou em um capão ua roça de milho, que teria alqueire de planta já apendoado, e continuando o caminho por êle se encontravam vários alojamentos (...) Em distância de três léguas boas se encontrou também outro alojamento de três ranchos grandes, que bem acomodavam cento e cinqüenta pessoas..." (Sampaio e Sousa, 1956).

Figura 47 - Trecho do mapa das regiões do Paraguai, composto pelo Padre Luís Ernot, em 1632 (extraído de Cardiff, 1936)

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Figura 48 - Mapa das expedições militares do século XVIII (extraído de Cardoso & Westphalen, 1981)

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Dessa aldeia, que serviu de posto provisório, saíram alguns homens para continuar a busca. O grupo retornou quase sem nenhum apetrecho: um dos homens, João Lopes, voltou "nu só com as ceroulas, e ponche". Foi estabelecido, assim, o primeiro contato com um grupo familiar de índios que colhiam pinhão. Os nativos vendo-os correram, sendo alcançados pelos cavalos, exceto a mulher que desapareceu no capão:

"... fazendo-lhe logo ao longe sinais de paz batendo as palmas, com que parou o índio sobressaltado, e em extremo assustado, de que logo o tiraram o tenente um barrete de pisão vermelho... em que duvidou pegar, mas lançando-lho de cima do cavalo o apanhou antes que chegasse à terra, ficando alegre, e muito mais quando o dito tenente despindo ua chimarra de baeta côr-de-rosa lha deu..." (Sampaio e Sousa, 1956).

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Recolhidos, no abarracamento do rio Jordão, Afonso Botelho e seus companheiros receberam a visita de vários indígenas, os quais mostravam-se amistosos e curiosos. Convidados a visitarem a aldeia, lá chegando, encontravam-se vestidos com as roupas dadas por seus oficiais e, portanto, apaziguados:

"...Apeados, que fomos, nos ofereceram com vozes, e acenos o abrigo dos seus pobres ranchos... e para mais os agradar entrou o tenente-coronel em um rancho quase de gatinhas pela pequenez da porta, e logo dous dêles o levaram direito ao fogo, que estava no fim do rancho, e sentando-se êles lhe ofereceram assento, o que fêz em um pedaço de pau, que ali estava, e da mesma sorte lhe ofereceram do pinhão, que se estava assando no fogo..." (Sampaio e Sousa, 1956).

As relações com os índios, a princípio amistosas, "...que vinham às barracas da nossa gente, tocando gaitas de tacoáras...", com as incursões mais ao interior e ao prazo de menos de um mês revelaram-se belicosas.

"...No dia 8 de janeiro voltou àquele pórto grandíssimo número de gentio, que se averiguou ser de diversas nasções, que confederadas se tinham unido para a traição..." (Sampaio e Sousa, 1956).

Sete homens, que se aventuraram a acompanhar o grupo numeroso dos nativos, foi dizimado, tendo sobrevivido apenas o capitão Francisco Carneiro. Sem recursos para resistir na região das investidas dos indígenas e já faltando-lhe mantimentos, Afonso Botelho decide retirar-se, partindo três dias depois.

Em fins de 1773, Afonso Botelho comandou nova entrada aos Campos de Guarapuava, erigindo pouco depois a freguesia de Nossa Senhora da Esperança, no local onde haviam ficado alguns dos seus homens quando da retirada de 1772. O estabelecimento visava assegurar o domínio português e impedir qualquer tentativa dos índios em reconquistar o segundo planalto. Situava-se, estrategicamente, ao pé da serra da Esperança, que divide os Campos Gerais de Curitiba e os Campos de Guarapuava.

"...aonde com dous dias de viagem podem os índios de Guarapuava chegar..." (Sampaio e Sousa, 1956).

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Do acampamento, Afonso Botelho despachou um grupo chefiado por Paulo de Almeida aos mesmos locais que haviam erguido os ranchos e as cruzes em 1771. Paulo de Almeida e seu grupo encontraram esses locais abandonados. Prosseguindo em busca dos nativos, encontrou além uma grande aldeia empenhada nas atividades cotidianas. Os indígenas ao avistarem o grupo, esconderam-se todos nos capões próximos.

Os portugueses, ao entrarem na aldeia, não acharam mais que as panelas ao fogo. Assentaram acampamento nas imediações da aldeia, dela nada saqueando e sim deixando-lhes "muitas prendas".

Aos poucos os índios foram retornando, mas na primeira tentativa em ganhar mais um palmo daqueles campos, [resolvendo] "... o comandante ir pôr um sinal na parte até onde podia chegar... ", viu-se completamente cercado pelos nativos que cresciam em número e lhes faziam acenos, "... que demonstravam o que se lhes não entenderia de palavra, e por êles se percebeu perfeitamente diziam que voltassem para trás... Todos vinham armados em guerra, o que só se distingue pelos infeites da cabeça, e pelas flechas, e arcos com que vinham bem guarnecidos" (Sampaio e Sousa, 1956).

Segundo o relato da viagem, os indígenas que "a nada assentiam" arremessaram contra os portugueses suas flechas, no que:

"... se revolveu a descarregar sobre aqueles bárbaros una descarga de outros tantos tiros quantos eram os homens, que ali se achavam. Sofreram os índios constantes a primeira descarga, talvez julgando que as armas de fogo só serviam para ua vez, mas vendo que se tornavam a carregar, e disparar, pondo muitos as mãos onde recebiam o dano, se voltavam com todos repentinamente para o mesmo mato, onde se haviam escondido a primeira vez" (Sampaio e Sousa, 1956).

Diante desse sucesso, o comandante, "...conhecendo eficazmente que a Virgem e Imaculada Senhora da Conceição, protetora dessa diligência, lhe mostrava o meio de poder salvar a sua vida, e a dos camaradas que o acompanhavam...", ordenou novo disparo contra os índios "...e logo à primeira descarga, tão velozmente correram, que só muito longe se viram parar alguns".

Mesmo com armas de fogo, Paulo de Almeida sabia que nada poderia meia dúzia de homens, dentro daquele território que mal conheciam, ao contrário dos inimigos decididos a expulsá-los e que, se resistissem, logo pereceriam.

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"... pois se só em menos de 24 horas se poderam ajuntar de 400 para acima, que seriam pouco mais ou menos os que se chegaram a vez, todos moços robustos, e escolhidos, o que sucederia se se demorasse ali mais tempo" (Sampaio e Sousa, 1956).

A expedição vai recuando pelo mesmo caminho, observando as cruzes, que haviam levantado novamente, lançadas ao chão. A mensagem era bastante clara. Não se renderiam nem às quinquilharias que se lhes ofereciam, nem ao poder de fogo do inimigo. A conquista do oeste paranaense, a partir de então, teve como principal empecilho a resistência das nações Jê.

A Carta Régia, assinada pelo Governo Imperial, em 1808, e dirigida ao Governador da Província de São Paulo, décadas depois, legalizou o morticínio, a usurpação e o trabalho forçado, através da violência.

A Carta ordenava que se principiasse a guerra contra as nações que se rebelassem ao jugo português, e que se organizassem milícias para esse fim. Também concedia aos milicianos ou mesmo aos moradores que aprisionassem os nativos o direito de utilizá-los segundo suas vontades pelo prazo de quinse anos.

O conteúdo da Carta é, em 1º de abril de 1809, revista pelo Príncipe Regente, a pedido do Governador da Província de São Paulo. Embora se dignasse reintegrar o caráter humanitário da conquista daqueles sertões, continuava ordenando a violência e a escravidão como último recurso.

Aos incessantes ataques indígenas, que se sucederam nas fazendas e povoados do oeste paranaense, se retribuíam com caçadas aos bugres. Em 1814, o Governador da Província de São Paulo declarava que os moradores de Itapeva, Castro e Apiai:

"...costumam fazer todos os anos uma caçada sôbre êles, e matando e ferindo e afugentando-os, apanham os que podem, os quais são logo reduzidos à escravidão mais abjeta; e, o que ainda é pior, vendidos, com ultraje da humanidade em praça pública ou leilão, sempre, debaixo do pretexto de que o objeto da venda é o serviço e não a pessoa..." (Machado, 1968).

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Nessa época, o segundo planalto paranaense, embora despovoado, já havia sido registrado, principalmente com o nome de ricos patriotas de São Paulo, Paranaguá e Santos. E cabia que um só homem pudesse ser proprietário de mais de uma dessas grandes fazendas, que se instalaram apenas com intuito de exploração e não de colonização, até a serra da Esperança. Ao lado desses latifúndios, outras propriedades menores se instalaram ao longo da estrada que ligava Curitiba e São Paulo, geralmente ao lado dos fogos ou povoados que ali se fixaram com o comércio dos tropeiros (Machado, 1968).

Com a emancipação política do Paraná, em 1853, tais penetrações tinham como objetivo o mapeamento das principais vias de comunicação no interior. A partir de então, foram fundadas colônias militares e aldeamentos indígenas no interior do Estado.

Com efeito, a região de Foz do Iguaçu, após a passagem de Cabeza de Vaca, ficou relegada ao esquecimento até 1876, com a expedição realizada pelo Capitão Nestor Borba.

A Colônia Militar de Foz do Iguaçu, entretanto, somente foi instalada no ano de 1889. Designada, então, pelo Governo Imperial, coube a Comissão de Estradas Estratégicas a exploração da região para a construção de uma estrada e abertura de picada entre as Cidades de Guarapuava e Foz de Iguaçu.

Encarregado da tarefa, o Capitão de Engenharia Joaquim José Firmino chegou a Foz do Iguaçu no dia 15 de julho de 1889, encontrando no local um pequeno povoado composto, majoritariamente, por estrangeiros:

"...Por ocasião da descoberta de Foz do Iguaçu o território brasileiro já era habitado. Existiam no mesmo 324 almas, assim descriptas: brasileiros, 9; franceses, 5; hespanhoes, 2; argentinos, 95; paraguayos, 212; inglez, 1" (Brito, 1977).

A abertura da picada foi realizada mediante grande sacrifício, tantos eram os perigos daqueles sertões. Brito relata a desistência de alguns homens da expedição:

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"...Das primeiras 7 léguas de picada por diante, appareceram vestigios de indios selvagens, facto que occasionou ter sido o explorador abandonado por alguns operários da turma e o descontentamento no animo dos que ficaram (...) Além disto o terreno accidentadíssimo; o ataque de tigres que rondavam e investiam contra o pessoal da turma e os animais pertencentes à mesma a ponto de devorar alguns destes. A travessia de rios caudalosos (em numero de 16) não impediram o tenente Firmino, de marchar..." (Brito,1977).

Mais adiante, ao atravessar o rio Henrique Dias, a expedição encontrou uma picada, a qual era utilizada pelos ervateiros paraguaios. A exploração da erva-mate e a extração de madeira, por grupos estrangeiros, era uma atividade corriqueira naquela região. Isolada do resto do País, são as empresas argentinas e paraguaias que primeiro se beneficiaram do comércio daqueles produtos. Mesmo com a fundação da Colônia em Foz do Iguaçu, a área continuaria, durante um longo período, sofrendo o isolamento imposto pelas longas distâncias e a falta de vias de comunicação. A Colônia, nos primeiros anos de funcionamento, abrigou muitos ervateiros que já se encontravam ali, e as atividades extrativas exercidas na região continuaram sendo, predominantemente, estrangeiras.

Nessa época, sob a responsabilidade de Brito, muitos índios Cayuá, que perambulavam pelos sertões, foram aldeados em Catanduvas:

"...Os referidos Guaranys não fallavam mais o seu idioma primitivo, sim um dialéto, corrupção deste idioma, tanto assim que o chefe da commissão e outras pessôas entendidas denominaram-n’os de Cayuás, ou cabelludos, por terem os cabellos compridos como o das mulheres. (...) É costume entre os indigenas, os velhos faserem os moços conhecer o passado desde os primordios. Em obediencia a este costume, os velhos abrem-lhes as folhas do livro verbal que receberam dos seus antepassados..." (Brito, 1977).

Os Cayuá viviam nas imediações do rio Paraná, próximo às Sete Quedas, porém tiveram que abandonar a região devido aos ataques de outros grupos conhecidos como Caingá ou Kamg ou, ainda, Coroados, os quais pertenciam à família lingüística Jê. As relações belicosas entre os Tupi-guarani e os Jê estão sempre presentes nas referências sobre os indígenas.

O autor salienta o estado de depredação encontrado nas áreas de Foz do Iguaçu e Guarapuava e as riquezas que ainda restavam em suas reservas florestais:

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"...Com excepção da familia das palmeiras, "onde canta o Sabiá", que no segundo não canta mais, porque não há em absoluto, devido a barbara devastação que soffreu e soffre dos estrangeiros saccadores de herva-matte e madeira (...). Se não há palmeira nesta região em compensação há o gigante pinheiro (...). A fauna é riquissima: Há o tigre (onça) pintado, o preto e o canguçu..." (Brito, 1977).

Abundavam na região outros animais como o tamanduá-bandeira e outro menor; duas variedades de anta, uma grande e outra pequena (denominadas pelos cablocos de "cambicica"); duas de veado, o pardo e outro menor chamado "capororóca", o queixada, o cateto e o quati.

Outras descrições de indígenas, que habitavam a região de Foz do Iguaçu e suas imediações, são relatadas por Juan B. Ambrosetti, logo depois da instalação da Colônia:

"...El area que ocupa la Colonia, está cubierta de selva virgem impenetrable, que há sido necessario voltear y quemar en parte, para poder edificar y plantar" (Ambrosetti, 1895b).

A etnografia levantada pelo pesquisador argentino é referente aos grupos Cainguá e Kaingáng, pertencentes às famílias lingüísticas Tupi-guarani e Jê, respectivamente.

As aldeias Cainguá investigadas localizavam-se na área do "Alto Paraná" e uma a meio caminho da picada entre Foz e Guarapuava. Segundo o autor:

"...Los Cainguas formam una nación poderosa que, en su mayor parte, tiene sentados sus reales en el territorio paraguayo, com una dispersión geografica vasta; puede decir-se que, en el Alto Paraná, ocupan la región boscosa hasta Iuitorocai y se internan hasta muy al centro, rodeando casi la maior parte de los herbales..." (Ambrosetti, 1894).

Esses grupos executavam músicas com grande habilidade. Na ocasião, entre seus instrumentos nativos (flautas, pitos, tacuaruzú-bombo e

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guitarra, tambores e porongo de baile), figuravam outros adotados da cultura européia como violões e violinos. Possuíam muitos cantos relacionados `as práticas religiosas e realizavam os "bailes".

Os Cainguá possuíam dois tipos de habitação: as provisórias, feitas de ramagens de palmeira, e aquelas mais estáveis, os "tapuís" que, situadas numa clareira do interior das florestas, possuíam dimensões variadas, com paredes feitas de pau-a-pique, cruzados com taquaras partidas ao meio, amarradas com cipó, revestidas em ambos os lados com grossa camada de barro, revelando a aculturação que vinham sofrendo.

Eram horticultores, praticavam a pesca, a caça e a coleta de alimentos silvestres. Obtinham o fogo pela fricção de varetas. Suas vestimentas eram as batícolas (peças de algodão com 50cm de comprimento e 1m de largura), usadas pelos homens amarradas na cintura com um cinturão de pano. As mulheres usavam uma espécie de canga de algodão da cintura até o joelho. Compunham o traje, ainda, vários adereços, como o payé (amuleto), o bocoy (pequena bolsa de couro), adornos de pluma, sementes, colares, tembetás, entre outros. As pinturas faciais realizadas pelas mulheres também foram evidenciadas.

As atividades de tecelagem, cestaria e cordelaria eram realizadas pela mulher. Tais produtos eram, também, comercializados com outros grupos. A cerâmica estava sendo substituída por recipientes de metal.

Ambrosetti (1895a) contatou, também, os Kaingáng, que habitavam o oeste do Paraná, percorrendo as selvas do Piquiri, Ivaí e Iguaçu. Formavam pequenos bandos, explorando os recursos naturais da região em estado de nomadismo. Praticavam uma agricultura incipiente, sendo o milho o principal produto cultivado. Todavia, a base da alimentação estava substanciada nas atividades de caça, pesca e coleta de vegetais e mel. Frutos silvestres como mamão-jaracatiá*, jabuticaba, vacu, guabiroba, araticu e pindó eram consumidos, também, assados. Na ausência do milho ou mandioca, produziam farinha do pindó. Coletavam insetos como o tambu, o qual poderia ser consumido cru ou frito.

A caça de animais de pequeno e médio porte era praticada através de técnicas de aprisionamento ou abate. A técnica comumente empregada na pesca consistia no aprisionamento dos peixes em cestos (paris) colocados no rio. Costumavam utilizar a defumação para conservá-los durante um período maior de tempo. O fogo era obtido, além da fricção de varetas, por meio de pederneira.

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Consumiam bebidas alcóolicas feitas de mel e milho nos "bailes". Para essas festividades, de cunho religioso, os indígenas ornamentavam-se com pinturas corporais pretas, cocares de plumas coloridas e outros adornos fabricados com sementes, dentes e contas. Os homens usavam o kuru, espécie de grande manto quadrado amarrado no ombro e uma peça de tecido parecido com uma camiseta muito curta sem mangas. Utilizavam como instrumentos musicais flautas, trombetas de taquara, chocalho e um instrumento parecido com o taquaruçu-bombo dos Cainguá, que produzia uma sonoridade surda. A dança, realizada durante a cerimônia, consistia na disposição dos homens em fila, cada qual empunhando o taquaruçu. Começavam os movimentos com uma espécie de marcha, seguindo o ritmo da batida e, de quando em quando, a marcha era interrompida com pequenos saltos.

Fabricavam tecidos a partir da fibra de urtiga-braba com os quais confeccionavam o traje masculino e o feminino. As mulheres usavam uma espécie de saiote preso na cintura com uma faixa tecida de araticu e broto de taquara.

A produção de cerâmica, na ocasião, estava sendo abandonada em função da adoção de recipientes de metais. Praticavam outras atividades artesanais como a cestaria e a cordelaria que, ao lado da tecelagem e da olaria, eram realizadas, majoritariamente, pelas mulheres.

No começo desse século os remanescentes dessa cultura foram observados pelos Antropólogos Herbert Baldus e J. Vellard.

Após a fundação da Colônia, a situação de abandono continuou inalterada. A população era composta, majoritariamente, por argentinos e paraguaios, trabalhadores dos ervais, que vieram fixar residência no território brasileiro, e por pequeno número de brasileiros, representados pelos militares e funcionários do governo.

O comércio restringia-se a alguns estabelecimentos, propiciando que o fluxo intenso das transações de mercadorias acontecesse por via fluvial. Posadas, na Argentina, era o principal centro de abastecimento da Colônia.

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Silveira Neto descreve a agitação vivenciada na Colônia quando da chegada dos vapores argentinos Edelyra e España e, também, pela movimentações dos peões e das tropas, que vinham prover o abastecimento dos acampamentos ervateiros. A bordo dessas embarcações estrangeiras eram adquiridos até mesmo produtos da pequena lavoura e aves domésticas, uma vez que a indústria extrativa, sendo mais lucrativa, absorvia toda a atividade, em detrimento da produção da agricultura de subsistência (Silveira-Neto, 1939).

Esse quadro propiciou, por um lado, que a moeda argentina circulasse livremente na Colônia e mesmo nas repartições públicas. Por outro lado, a língua mais falada na região era o castelhano. A dependência comercial da Colônia ao mercado argentino e a exploração dos recursos naturais pelas empresas platinas podem ser entendidas como o resultado do isolamento geográfico da região do extremo sudoeste do Paraná com o restante do Estado.

Para se atingir Foz de Iguaçu, partindo de Curitiba, o percurso era feito por via marítima, de Paranaguá a São Francisco e daí à Montevidéu e Buenos Aires, e depois por via fluvial, subindo o rio Paraná até Rosário, Corrientes e Posadas, na Argentina, para, então, alcançar Foz.

Em fins do século passado, logo após a Proclamação da República, a Colônia sofreu novo retrocesso com a passagem dos revolucionários federalistas, os quais invadiram e saquearam o povoado, ocasionando a fuga de parte dos habitantes, dentre os quais muitos não mais retornaram. Outro fator que levou ao abandono da região pelos moradores foi a insegurança gerada pela não-legalização da posse da terra.

Com a Proclamação da República, em 1889, o Governo do Paraná concedeu vastas extensões de terras, devolutas da União, no sudoeste do Estado, a grupos estrangeiros para a exploração da indústria do mate e da madeira. As concessões visavam a colonização e o desenvolvimento da região. Entretanto, tal objetivo nunca chegou a ser alcançado, pois grande parte das divisas obtidas pelo empreendimento acabava em mãos estrangeiras. Esse sistema de exploração e predação das riquezas naturais ficou conhecido como sistema de obrages, tendo durado até, aproximadamente, a década de cinqüenta do século corrente:

"...Essa exploração, típica desde o início do século passado na Argentina e no Paraguai, penetrou de forma natural e espontânea, pelos vales navegáveis do Paraná e Paraguai. Como o controle geoeconômico da navegação do sistema do Prata pertencia à Argentina, foram os obrageros desta nação, os principais responsáveis pela introdução desse sistema em território brasileiro, ou mais especificamente: paranaenses e matogrossense..." (Wachowicz, 1982).

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O processo de exploração predatória dos recursos naturais tornou-se mais acelerada:

"...Dos portos ribeirinhos saíam jangadas de toras de madeira de lei e embarcações carregadas de erva-mate com destino à Argentina. A exploração ia implacavelmente esgotando por dezenas de quilômetros a faixa de terra paralela ao grande rio, sem que nada de positivo restasse para o País. Também explorada era a mão-de-obra da população engajada naquela atividade, à nível de escravidão, subjugada pela prepotência dos capatazes..." (Chmyz, 1982).

Em pouco tempo a região sudoeste do Estado foi ocupada por dezenas dessas obrages e por milhares de trabalhadores:

"...Essa numerosa mão-de-obra não era brasileira, era preferencialmente paraguaia, i.é., guarani. São os denominados guarani modernos, descendentes dos índios aldeados pelos jesuítas, nas suas famosas reduções de Mato Grosso, Paraguai, Paraná e região missioneira. Muitos deles miscigenaram-se com as populações rurais, surgindo essa numerosa população que Darcy Ribeiro denomina de guarani modernos. Essa população de origem indígena, falando o guarani, há séculos convivendo com as populações brancas, consideradas civilizadas, é que vieram fornecer a leva principal de mão-de-obra para a implantação das obrages, tanto na Argentina, como no Paraguai e no Brasil..." (Wachowicz, 1982).

O Município de Foz de Iguaçu é criado em 1914 integrado a esse sistema econômico. Todavia, até o início da década de 20, o Município continua isolado dos centros urbanos mais próximos, sem vias de acesso rodoviárias.

Em 1920 é inaugurada a estrada Guarapuava/Foz do Iguaçu. A inauguração foi realizada com uma viagem oficial, na qual estavam presentes várias autoridades da Capital.

Segundo o relato, a passagem da comitiva era esperada pelos moradores como um acontecimento inaudito. Eram recebidos nas cidades, ao longo do trajeto, pelas autoridades locais com toda a pompa e festividades.

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A Cidade de Foz, nessa época já era iluminada com luz elétrica, possuía estação telegráfica, dois hotéis e um hotel-cassino, defronte às Cataratas, em construção. Suas ruas foram niveladas, em função do terreno acidentado e, algumas delas eram arborizadas. A população estava estimada em cinco mil habitantes.

Instalaram-se na região as empresas ervateiras de Domingos Barthe, Nunez Gybaja & Cia., Júlio Allica e outras menores, como a de Fulgencio Pereira, Hygino Alegre, Cafferata, Pacifico Modela, Leandro Irmãos e Carvalho, as quais trabalhavam com numeroso pessoal contratado, em geral paraguaios e argentinos.

O Município contava com algumas indústrias: um engenho de serra e uma fábrica de farinha de mandioca, ambas de propriedade do prefeito Jorge Schimmelpfeng, e duas fábricas de aguardente.

As estradas e os portos existentes ao longo do rio Paraná, assim como outras benfeitorias, foram construídas, principalmente, pelas próprias indústrias extrativas. Dos portos destacavam-se os de Santa Hellena, da empresa de Domingos Barthe, São Francisco, de Nunez Gybaja & Cia., Britannia, da Companhia de Madeiras do Alto Paraná, Artaza, de Júlio Allica, e Mendes, de Larangeira. Como a margem do rio era muito íngreme, os portos funcionavam com uma espécie de elevador mecânico, conhecido como zorra (funicular).

Jaime Ballão narra sobre os saltos de Santa Maria, distantes 29km da Cidade de Foz do Iguaçu:

"...A estrada que nos conduz às cataratas, é uma rua, através da floresta virgem, por onde os autos passam, voando, a sombra das grandes árvores seculares. Em alguns pontos a estrada parece um túnel, coberta como se acha pelos frondosos galhos de gigantes ipês e outros reis da floresta..." (Ballão, 1921).

A construção da estrada rodoviária Guarapuava/Foz, entretanto, não contribuiu, significativamente, para a mudança da situação de isolamento da região. Quando chovia a estrada tornava-se intransitável e, mesmo nas épocas de estio, algumas carroças que se atreviam a levar mercadorias provenientes de Curitiba, chegavam com tal atraso, que as duplicatas venciam antes da chegada dos comboios (Andrade, 1941).

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Na década de vinte, a Cidade é novamente ocupada por mais um movimento revolucionário. Em 24 de setembro de 1924 Foz do Iguaçu é invadida, sob o comando de Juarez Távora, por um grupo de quinze soldados, tornando-se durante um período de seis meses a sede do comando revolucionário da Coluna pelo Brasil. A ocupação da região pelos tenentes revoltosos ocasionou a fuga de parte da população e a estagnação da economia. Muitas empresas estrangeiras foram invadidas pelas tropas revolucionárias, tendo suas sedes queimadas. Entre outros, por ali passaram Luiz Carlos Prestes, João Alberto Lins Barros e Siqueira Campos.

O contato com as frentes revolucionárias e o descaso com que o governo estadual tratava a região levaram a adesão, pela maioria dos habitantes, às idéias de nova divisão do País, presentes entre parte da intelectualidade brasileira. Com a revolução de 1930 essas propostas corporificam-se com a sugestão da criação dos territórios federais, entre os quais o Território Federal do Iguaçu, o qual só será levado adiante no período do Estado Novo (1937-1945) (Wachowicz, 1985).

A revolução de 30 foi um momento de redefinições para a região de Foz de Iguaçu, no sentido de sua inserção política e socioeconômica ao Estado. Nomeado interventor federal no Paraná, Mário Tourinho determinou várias medidas para a nacionalização da região. Esse movimento ficou conhecido como "Marcha para o Oeste" e objetivava a consolidação das fronteiras com a Argentina e o Paraguai. Visava o uso obrigatório da língua portuguesa e da moeda nacional no comércio e nos serviços públicos, além de anular concessões de terras a grupos estrangeiros. Com essas propostas o interventor procurava conter o avanço das idéias separatistas que imperavam desde os anos vinte.

A anulação das concessões de terras feitas às companhias colonizadoras do Rio Grande do Sul fez com que se formassem grupos de pressão junto ao Governo Federal, provocando o afastamento de Mário Tourinho. As companhias visavam a colonização do sudoeste do Estado por populações vindas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Em decorrência da valorização das terras na região, interessava, principalmente, a elas, a criação do Território Federal do Iguaçu, desligado do governo do Paraná, administrativamente.

A proposta de criação do Território Federal do Iguaçu foi efetivada em 1943, aproveitando-se do Artigo 165, da Constituição de 1937, o qual estabelecia que a faixa de 150km de terra ao longo da fronteira não poderia ser comercializada, colonizada ou receber estradas sem a aprovação do Conselho Superior de Segurança Nacional (Wachowicz, 1985).

Foz do Iguaçu, todavia, foi a capital do Território por apenas oito meses. Após esse período a sede foi transferida para Laranjeiras do Sul,

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alegando-se para isso a proximidade com outros centros urbanos.

Com o término do Estado Novo, em 1945, e com a votação da nova Carta Constitucional, em 1946, foi aprovada a emenda, que Bento Munhoz da Rocha apresentou com o apoio do então interventor federal no Paraná, Brasil Pinheiro Machado, reintegrando o Território Federal do Iguaçu ao Estado do Paraná.

Assim, até a década de 70, a região oeste e sudoeste do Estado foi colonizada por colonos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Ao lado das grandes propriedades, instalam-se outras menores, voltadas para a policultura baseada na mão-de-obra familiar com baixa tecnologia (Karsten & Ferreira, 1989).

Com efeito, esse novo delineamento na ocupação do sudoeste foi, também, o resultado da falência das indústrias estrangeiras do mate, que já na década de 30 apresentavam sérios problemas, resultantes, em parte, da nova legislação, que impunha o emprego majoritário de mão-de-obra nacional.

A região de Foz do Iguaçu, todavia, continuou enfrentando os mesmos problemas estruturais do começo do século. Ainda faltavam estradas, telecomunicações, aeroportos e uma infra-estrutura turística eficiente. O comércio continuava voltado ao mercado argentino (Karsten & Ferreira, 1989).

A intenção separatista manifestou-se novamente em 1968 com a tentativa de criação do Estado do Iguaçu. Embora reunisse lideranças representativas das regiões oeste e sudoeste do Estado, o movimento não obteve êxito. Porém, a partir de então, o governo do Estado passou a designar verbas mais significativas para a região (Wachowicz, 1985).

Somente na década de 70 grandes transformações vão impulsionar o crescimento de Foz. Nesse período, acompanhando a tendência do oeste e sudoeste do Estado, a economia do Município volta-se para a produção especializada de grãos para a exportação, com a mecanização do trabalho agrícola e a constituição de grandes latifúndios.

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Outro fator que teve grande impacto sobre a região foi a construção da UHE de Itaipu. Suas obras atingiram áreas urbanas e rurais do Município de Foz de Iguaçu, São Miguel do Iguaçu, Medianeira, Matelândia, Santa Helena, Marechal Cândido Rondon, Terra Roxa e Guaíra, desalojando grande número de colonos.

A UHE gerou, por parte do governo federal, significativos investimentos na Cidade de Foz, melhorando os serviços de telecomunicação, ampliação do aeroporto e mesmo abrindo novas avenidas e construção de bairros inteiros, para alojar os funcionários de Itaipu.

A Cidade recebeu, também, investimentos por parte da iniciativa privada, principalmente, na ampliação e na modernização da infra-estrutura voltada ao turismo e no setor de serviços em geral.

Essas mudanças foram acompanhadas por um crescimento demográfico sem precedentes. Em 1970, a Cidade contava com uma população de 20.147 habitantes, passando para 101.447, em 1980.

Com a concretização das obras da UHE houve uma diminuição dos investimentos na região. Entretanto, isso não significou a estagnação da economia do Município de Foz. Os melhoramentos efetuados, durante a construção de Itaipu, permitiram que a Cidade continuasse crescendo, explorando o potencial turístico e a produção de grãos para a exportação (Karsten & Ferreira, 1989).

Os problemas fundiários de expropriação da terra, resultantes tanto da construção de Itaipu, como da nova política agrícola do Estado, desencadearam o Movimento dos Sem Terra do Oeste do Paraná (MASTRO).

Com a construção da UHE de Itaipu, assim como em outros empreendimentos hidrelétricos, foram desalojados indígenas residentes nas áreas afetadas pelas obras e pelo reservatório. No caso da Itaipu, a nova reserva destinada ao grupo não foi aceita pelos indígenas, que alegavam não haver no local recursos suficientes para sua sobrevivência. O parecer do antropólogo Edgar de Assis Carvalho (Carvalho, 1981), designado pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), demonstrou o descaso com que as autoridades conduziam a questão

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dos Avá Guarani do Ocoí-Jacutinga:

"...Em julho do corrente ano, o "Foz do Iguaçu" afirmava de modo contundente que "a FUNAI surpreendeu a todos por sua omissão, eis que só tomou conhecimento da reserva através do CIMI, órgão da Igreja..." Mais adiante reiterava que a "Itaipu não revela o menor interesse em que aquela área seja reconhecida como reserva indígena, pois neste caso a Empresa Binacional terá que esperar novo e específico decreto desapropriatório emanado da Presidência da República para poder remover os índios para inundar" (Carvalho, 1981).

Os subterfúgios adotados pelo órgão tutelar, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), foram severamente criticados por Carvalho, uma vez que o atestado de indianidade estabelecido desclassificava a maioria do grupo:

"...Com mais esse ato de vandalismo cultural, fere-se frontalmente a lei 6.001, rompe-se com os direitos constitucionais, nega-se o exercício da diversidade a um grupo indígena que se configurou como habitante imemorial da área. Urge que o Estado cumpra com suas funções, nos estreitos limites da lei 6.0001/73, destinado à comunidade indígena, de acordo com o artigo 20, parágrafo 3º, "área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas". Que se respeite a história cultural de cada grupo indígena, que se imprima significado positivo à auto-identificação étnica, esses serão os requisitos mínimos, senão indispensáveis, para que as culturas indígenas em seu conjunto possam exercer sua diversidade no corpo da Nação brasileira" (Carvalho, 1981).

O conflito durou até a década de 90, sendo concedida uma área do entorno do lago de Itaipu, situada no Município de São Miguel do Iguaçu.

A demarcação das terras indígenas no Estado do Paraná foi desde sempre uma questão conflituosa, como em quase todo o País.

Como exemplo, em 1949 o governador do Estado do Paraná, Moysés Lupion, concedeu ao grupo Slavieiro uma área de 6.000 alqueires, até então, ocupada pelos índios do antigo aldeamento de Mangueirinha. O litígio durou décadas e, em 1979, a decisão veio a favor do grupo econômico.

Foram muitos os problemas enfrentados pelos remanescentes das inúmeras nações indígenas, que habitavam o atual território

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paranaense, com a política de desenvolvimento adotada pelo governo brasileiro, a partir da década de 60.

Em 25 de novembro de 1983, Tupã-i ou Marçal de Souza, morador da Reserva de Dourados, líder Guarani, teria sido assassinado. Até o momento o caso não foi esclarecido.

Hoje, segundo a Organização Não-governamental Terra Maters, sediada em Curitiba, vivem no Paraná, distribuídos em 15 reservas, aproximadamente 12.000 índios, sendo que 3.000 estão relacionados à família lingüística Tupi-guarani e os demais à Jê.

6.6.2. Arqueologia da Região do Parque Nacional do Iguaçu

Os primeiros dados arqueológicos sobre a ocupação indígena do oeste do Paraná são devidos ao naturalista argentino Juan B. Ambrosetti. Nas duas últimas viagens em que realizou pelo rio Paraná, entre os anos de 1892 e 1894, coletou e escavou artefatos indígenas antigos nas margens do Brasil e Paraguai. Ao visitar as cataratas do Iguaçu encontrou fragmentos de recipientes cerâmicos junto aos detritos vegetais, acumulados na margem do rio, julgando-os transportados pela caudal a partir de terrenos erodidos no interior (Ambrosetti, 1895b).

Nos trechos desmatados, Ambrosetti registrou recipientes cerâmicos, principalmente grandes urnas, e artefatos de pedra como lâminas de machados e mãos de pilões (Figura 49). O achado de tembetás de resina, no interior de urnas, possibilitou comparações com os produzidos pelos índios Cainguá dos arredores. Estudados também pelo naturalista argentino, foi esclarecido que os Cainguá comunicavam-se através de uma língua que os relacionava à família Tupi-guarani.

As ocorrências arqueológicas, que se multiplicaram nos dias em que o pesquisador permaneceu na Colônia, foram devidas às atividades dos moradores locais. Encontradas durante a faina diária, em várias ocasiões, as peças foram quebradas durante a tentativa de remoção, utilizadas como depósitos de líquidos quando retiradas inteiras ou simplesmente ignoradas. Essas foram as escavadas por Ambrosetti, com a colaboração das autoridades locais.

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Escavações foram feitas, também, em montículos de terra e pedras existentes em grande quantidade e que se revelaram estéreis aos olhos da época. Foram mencionados, ainda, artefatos de pedra lascada, entre os quais uma ponta de projétil foliácea. O acervo recolhido por Ambrosetti teve como destino o Museo de La Plata, na Argentina.

Mais de sete décadas transcorreram até que novas abordagens arqueológicas fossem realizadas naquela área. Com o incremento da região oeste, especialmente a partir da década de 40, o patrimônio arqueológico, cuja potencialidade foi vislumbrada por Ambrosetti, continuou a ser dilapidado, à medida em que avançavam o desmatamento e a ocupação do solo. Esse processo não excluía a área do Parque, que só foi criado em 1939. Até 1980, ainda existiam no PNI enclaves constituídos por pequenas e grandes propriedades, prejudicando o ambiente que deveria ser preservado.

A falta de uma infra-estrutura adequada no Parque facilitava, também, atos de vandalismo cometidos em trechos florestados e próximos da sua sede administrativa. Na década de 60, por exemplo, o CEPA/UFPR chegou a reter uma coleção de fragmentos cerâmicos, que havia sido retirada da UC por um visitante e levada para Curitiba.

Quando o CEPA/UFPR realizou as prospecções no sítio PR FI 8: Cataratas do Iguaçu, em janeiro de 1969, os pesquisadores foram guiados por um paraguaio designado, para esse fim, pela administração do Parque. O guia conhecia o local desde 1942 e havia presenciado a retirada, por outros visitantes, de várias urnas contendo restos ósseos humanos. Os buracos constatados na ocasião por toda a área corroboravam a informação.

Figura 49 - Artefatos arqueológicos recolhidos nas proximidades da Colônia Militar de Foz do Iguaçu, entre 1892 e 1894 (extraída de Ambrosetti, 1895b)

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Os trabalhos de 1969, integrados ao Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas, foram originalmente estruturados para abranger um trecho da margem do rio Paraná, ao norte da Cidade de Foz do Iguaçu. A incursão ao Parque foi ocasional e em função das notícias recolhidas sobre a existência de abundante material indígena nas proximidades das Cataratas. Pensava-se que o local poderia estar relacionado com a redução de Santa Maria, que teria sido fundada pelos jesuítas do século XVII, nas cercanias. Descartada tal possibilidade, tendo em vista que as estruturas constatadas no sítio PR FI 8 referiam-se a um estabelecimento indígena não-influenciado pelos europeus, os procedimentos adotados limitaram-se à obtenção de pequenas amostras de material para estudo comparativo.

As pesquisas então desenvolvidas na margem do rio Paraná, desde as imediações da ilha de Acaraí até o rio Bela Vista, embora dificultadas pela ainda densa vegetação ribeirinha, possibilitaram a descoberta de dezoito sítios arqueológicos. Foram mais comuns os sítios cerâmicos e relacionados à tradição Tupi-guarani. Mostrando tendências diferenciadas na tipologia e morfologia da sua cerâmica, esses sítios foram agrupados em fases denominadas Ibirajé e Sarandi. Essa última, à qual está vinculado o sítio PR FI 8, estudado no

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Parque, revelou-se como a mais recente da tradição na área (Chmyz, 1971).

Alguns sítios cerâmicos, encontrados principalmente em ilhas no rio Paraná, apresentaram características próprias e foram batizados como pertencentes à fase Icaraíma. É possível que essa fase represente os índios Payaguá, referidos historicamente (Chmyz & Schmitt, 1971).

Outros sítios, finalmente assinalados por concentrações de lascas e artefatos de pedra, foram agrupados na fase pré-cerâmica Pirajuí. Vinculados à tradição Humaitá, amplamente difundida no sul do Brasil e países limítrofes, esses sítios atestaram a ocupação milenar do oeste do Paraná.

Novos trabalhos arqueológicos foram realizados nas proximidades do Parque, em decorrência da construção da UHE de Itaipu. Desenvolvido entre 1975 e 1983, em concomitância com as obras de engenharia civil, o Projeto Arqueológico Itaipu registrou 243 sítios nas margens brasileiras do rio Paraná, afetadas pelas edificações e reservatório do empreendimento hidrelétrico. A periodização arqueológica iniciada em 1969 foi completada e ampliada, abrangendo um espaço de tempo situado entre 6000 a.C. e 1920 d.C. (PAI, 1976; 1977; 1978; 1979; 1980; 1981 e 1983 e Chmyz, 1979; 1982; 1987a; 1987b e 1989).

Nessas abordagens, a localização de sítios foi facilitada pela crescente atividade agrícola da região. Com a erradicação de grande parte da cobertura vegetal primária ou secundária e o revolvimento do solo para o plantio, as evidências arqueológicas ficavam muitas vezes expostas nos campos agrícolas. Por outro lado, essa interferência ocasionou danos irreparáveis aos sítios, dispersando os seus traços e eliminando quase todas as suas estruturas. Embora ainda encerrando potencial informativo, a possibilidade da sua interpretação foi diminuída.

Os sítios arqueológicos encontrados em todas as pesquisas representavam os resíduos dos estabelecimentos humanos do passado. Dependendo do tipo do solo, condições topográficas do terreno e cronologia, os resíduos, que se acumularam em espaços restritos, ocorriam superficialmente ou a mais de 1m de profundidade, formando camadas. Ocupavam áreas com poucos metros quadrados, atestando rápidas atividades periféricas de coleta, caça e pesca ou maiores, com mais de 16.000m², nos quais os grupos permaneceram por mais tempo. Os primeiros constituíram sítios-acampamento e os últimos, geralmente, sítios-habitação. Em alguns dos últimos, pela disposição dos resíduos, formando pequenas concentrações espaçadas, foi possível a reconstituição topográfica das habitações, que

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compunham originalmente a aldeia indígena.

Com exceção de sítios da tradição Itararé, às vezes também identificados por estruturas em relevo, como casas subterrâneas e aterros circulares ou elípticos, os demais, de origem indígena, não apresentavam quaisquer indícios que os assinalassem acima da superfície do terreno.

Um sítio histórico encontrado no extremo norte da área apresentou estruturas em forma de muros alongados e paralelos, construídos de terra, pela técnica da taipa de pilão. Relacionava-se ao período de domínio espanhol, nos séculos XVI e XVII.

Nos sítios, conforme o estágio de desenvolvimento cultural dos seus formadores, conservaram-se, além dos indícios das estruturas habitacionais, artefatos elaborados sobre núcleos e lascas de rocha, os resíduos da sua confecção, objetos feitos de resina e ossos, fragmentos de recipientes e objetos cerâmicos e restos alimentares, representados por sementes e ossos de animais, os últimos geralmente associados com estruturas de combustão. Em poucas ocasiões foram detectados recipientes cerâmicos intactos. Mesmo as grandes urnas carenadas, enterradas com restos humanos em profundidades maiores, apresentavam-se quebradas.

Como resultado das pesquisas efetuadas na área de Foz do Iguaçu, foram definidas dez fases arqueológicas. As mais antigas, consideradas pré-cerâmicas e vinculadas a grupos de caçadores-coletores generalizados, receberam as denominações Vinitu, Pirajuí, Ipacaraí e Tatuí. As mais recentes, atribuídas a grupos que tinham em comum a produção de cerâmica e a horticultura, foram denominadas como fases Itacorá, Ibirajé, Sarandi, Icaraíma, Cantu e Assuna. Foram percebidos, ainda, indícios de outras ocupações que, por apresentarem traços diferentes, não puderam ser incluídos nas fases estabelecidas.

A fase Vinitu teve poucos sítios nas imediações de Foz do Iguaçu, sendo mais representada ao norte, em direção a Guaíra. Ocupavam áreas com menos de 1.000m² e apresentavam-se superficialmente ou formando camada a mais de 1m de profundidade. Os seus artefatos, elaborados quase exclusivamente sobre pequenas lascas e lâminas obtidas pela percussão direta. Retocadas pelas técnicas escamada, escamada progressiva e paralela, demonstram avançado conhecimento tecnológico de trabalho em pedra. Correspondem a peças bem definidas e funcionais, como pontas de projéteis lanceoladas ou foliáceas, e outras com pedúnculo e aletas, facas e muitas variedades de raspadores (Figura 50). Foram freqüentes, também, lascas não retocadas, mas usadas como facas e raspadores.

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Mais numerosos foram os sítios da fase Pirajuí. Com áreas chegando a ultrapassar 3.000m², os seus sítios encontravam-se até 65cm de profundidade. Caracteriza-ram-na artefatos de grandes dimensões, obtidas pela percussão direta, com retoques através de lascamentos escamados e escamados progressivos. São representados por lâminas de machados, bifaces angulares, picões, talhadores e variedades de raspadores (Figura 51). Lascas e núcleos sem modificação posterior, foram utilizados como trituradores, percutores, facas, raspadores e goivas. As datações para essa fase oscilam entre 4960 a.C. e 335 a.C.

Figura 50 - Material lítico da fase Vinitu (extraída de PAI 3, 1978)

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O terceiro grupo identificado, denominado como fase Ipacaraí, foi pouco representado em número de sítios. Suas áreas eram pequenas, alcançando, no máximo, 700m²; seus depósitos raramente chegavam até 40cm de profundidade. Os artefatos foram produzidos pelas técnicas de percussão direta e bipolar e poucos foram retocados pelo lascamento escamado. Constituem talhadores, picões, lâminas de machados e poucas variedades de raspadores (Figura 52). A datação da fase é estimada por volta de 3000 a.C.

Figura 51 - Material lítico da fase Pirajuí (extraída de PAI 2, 1977)

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Pouco expressiva no extremo sul da área da UHE de Itaipu foi, também, a fase Tatuí a última pré-cerâmica definida pelas modernas pesquisas. Os seus sítios foram localizados principalmente em terrenos de várzea, onde atingiam até 140cm de profundidade e ocupavam áreas com até 3.500m². Nas camadas arqueológicas ocorreram muitas lascas residuais, obtidas pela percussão direta e pouquíssimos artefatos retocados pela técnica escamada. As peças não modificadas posteriormente, entretanto, mostravam sinais de utilização como trituradores, quebradores de coquinhos, facas, alisadores e raspadores (Figura 53). As datações situam-se entre 2115 a.C. e 660 d.C.

Os grupos ceramistas horticultores que passaram a ocupar a área durante a era Cristã, devem ter substituído gradativamente algumas das populações anteriores. Sendo mais numerosos, habitaram-na intensamente, implantando grandes aldeias. Cada grupo produzia cerâmica conforme os seus padrões culturais. A prática da cerâmica entre eles, porém, não excluía o uso de artefatos de pedra. Esses continuaram a ser confeccionados através das técnicas de percussão direta e escamada, mas surgiram novas tecnologias de retoque, como o picoteamento ou martelamento, alisamento e polimento. Esses retoques foram usados para a produção de lâminas de machados, pilões e mãos de pilões, além de objetos especiais, como tembetás e pendentes.

Figura 52 - Material lítico da fase Ipacaraí (extraída de PAI 1, 1976)

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A cerâmica era confeccionada pela técnica acordelada e queimada ao ar livre. Existem exemplos de peças modeladas. Quanto ao acabamento da superfície, as vasilhas eram simplesmente alisadas ou decoradas com o auxílio dos dedos, unhas, estiletes ou espátulas, carimbos, tecidos ou trançados, sabugos de milho e tintas, resultando nos acabamentos classificados como simples, corrugado, ungulado,

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serrungulado, inciso, entalhado, ponteado, carimbado, escovado, pintado etc. Outros objetos eram feitos com argila: cachimbos, rodelas de fuso, suportes de panelas, carimbos e adornos.

Entre os grupos ceramistas, os mais numerosos foram os pertencentes à tradição arqueológica Tupiguarani. Os seus grupos foram agrupados nas fases Itacorá, Ibirajé e Sarandi. Tal divisão, que se baseou em vários traços diagnósticos, entre os quais a freqüência de decorações cerâmicas, tem conotação cronológica, sendo mais antiga a primeira.

Figura 53 - Material lítico da fase Tatuí (extraída de PAI 7, 1983)

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Os sítios dessas fases eram superficiais, tinham áreas que chegavam a 13.000m², e eram normalmente constituídos por concentrações de material espaçadas. As concentrações, freqüentemente acentuadas por manchas de terra preta, correspondiam às bases das habitações e informavam sobre o padrão de implantação das aldeias. Conforme a fase, as concentrações dispunham-se em círculo, semicírculo e

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alinhadas em forma de L e T.

Os recipientes cerâmicos foram produzidos pela técnica acordelada, com grande variedade de formas, desde a pequena tigela até a grande urna carenada. A técnica da modelagem foi constatada em pequenos recipientes. Na fase Itacorá foram classificadas 37 formas de vasilhas e, na Ibirajé, 25 (Figura 54). Nas três fases o acabamento da superfície foi variado também, incluindo o simples e as decorações por pintura, engobo vermelho, corrugação, incisão, entalhe, ungulação, escovado etc. A pintura foi praticada sobre a face do recipiente previamente preparada com engobo branco. Empregando tintas vermelha, marrom e preta, executavam motivos geométricos, como triângulos, retângulos, gregas, círculos, semicírculos etc. Esses motivos foram, muitas vezes, combinados, dando à peça belo efeito visual.

De cerâmica foram, ainda, confeccionados cachimbos tubulares e angulares, rodelas de fuso, suportes de panelas e carimbos. Urnas contendo pequenos recipientes, adornos e Tembetás de resina e quartzo, informavam sobre os rituais funerários ( Figura 55).

Figura 54 - Morfologia cerâmica da fase Itacorá (extraída de PAI 3, 1978)

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Lascas e núcleos de pedra foram utilizados como facas, raspadores, trituradores, quebradores de coquinhos e abrasadores. Os retocados por picoteamento, alisamento e polimento correspondem a lâminas de machados, mãos de pilões, pilões, pendentes e tembetás em forma de T. As datações obtidas para as fases Itacorá, Ibirajé e Sarandi cobrem uma faixa temporal que vai de 1190 d.C até 1695 d.C.

Em alguns sítios das fases Ibirajé e Sarandi foram encontradas peças originárias do contato inicial com os europeus a partir da primeira

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metade do século XVI. Quatro sítios mostraram, inclusive, fortes alterações na sua cerâmica em conseqüência do contato. Os recipiente com base plana e em pedestal produzidos pelos índios tornaram-se comuns, assim como pratos, castiçais e base de estatueta. As vasilhas decoradas com engobo vermelho aumentaram em freqüência e surgiram as que tiveram a sua face marcada com tecido e escovada com pente. Essas alterações na prática indígena tradicional comparam-se àquelas observadas nas vilas espanholas e reduções jesuíticas estabelecidas no oeste paranaense, entre os séculos XVI e XVII.

Figura 55 - Conjunto funerário em sítio da tradição Tupiguarani (extraída de PAI 4, 1979)

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Os sítios da fase Icaraíma somente foram encontrados nas proximidades de Foz do Iguaçu. Eram superficiais e tinham áreas com menos de 500m². A tipologia cerâmica é muito parecida com a das fases da tradição Tupiguarani, porém, diferenças marcantes são notadas na sua morfologia e na forma da aplicação das decorações na sua superfície (Figura 56). A cerâmica Icaraíma pode ser comparada com a produzida pelos índios Payaguá, contatados pelos espanhóis nas margens dos rios Paraná e Paraguai, em 1528.

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Figura 56 - Morfologia cerâmica da fase Icaraíma (extraída de Chmyz & Schmitt, 1971)

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A fase Cantu foi muito representada. Seus sítios eram superficiais e chegavam a atingir 16.000m² de área; junto a alguns havia casas subterrâneas e aterros. A incidência de cerâmica, geralmente representada por fragmentos de recipientes simples, foi pequena. Alguns mostravam decorações por engobo vermelho, carimbo e marcas de cordel. As dez formas reconstruídas, referem-se a vasilhas de pequenas dimensões com paredes delgadas (Figura 57).

O material lítico foi mais abundante nos sítios, sendo elaborados sobre lascas e núcleos. Estavam presentes facas, raspadores, goivas, alisadores, talhadores, pilões, mãos de pilões, lâminas de machados e quebradores de coquinhos. Obtidos pelas percussão direta e bipolar, algumas peças foram retocadas pelo lascamento escamado, picoteamento e alisamento.

Não há datação absoluta para essa fase, mas a sua cerâmica ocorreu de forma intrusiva em sítios Tupiguarani, indicando a sua contemporaneidade. A fase Cantu pertence à tradição arqueológica Itararé, e é provável que esteja relacionada aos índios da família lingüística Jê.

Figura 57 - Morfologia cerâmica da fase Cantu (extraída de PAI 2, 1977)

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Indícios de outro grupo indígena, assinalados por um pequeno sítio superficial, foram encontrados. Com área inferior a 100m², englobava, principalmente, fragmentos de recipientes cerâmicos simples. De qualidade inferior, em relação à cerâmica da fase Cantu, a desse sítio era constituída por pequenos recipientes de formas geralmente cônicas (Figura 58). Alguns cachimbos angulares foram registrados, estando um deles decorado com incisões. O material lítico foi escasso, salientando-se um quebrador de coquinhos.

É possível que esse sítio isolado, denominado como PR FI 145, esteja relacionado aos índios Kaingáng, pertencentes à família lingüística Jê. Os Kaingáng viveram na área entre o final do século passado e o início do atual. Não se deve descartar, entretanto, a possibilidade de que o sítio represente um assentamento de índios Guayaki, observados na mesma época e que produziam uma cerâmica comparável à

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encontrada. Alguns autores filiaram os Guayaki à família lingüística Tupi-guarani, admitindo que a cerâmica tenha sido por eles adotada dos Kaingáng.

A fase Assuna representa a ocupação ceramista mais recente da região. Seus sítios foram encontrados somente nas imediações de Foz do Iguaçu; eram superficiais e abrangiam áreas com pouco mais de 600m² de área. Correspondiam aos estabelecimentos de pequenos e rarefeitos grupos familiares neobrasileiros ou caboclos.

Figura 58 - Morfologia cerâmica do sítio PR FI 145 (extraída de PAI 4, 1979)

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A cerâmica da fase Assuna reflete a fusão de tecnologias indígenas e portuguesas. A fusão mostrou-se mais intensa que a verificada nos produtos indígenas das vilas espanholas e reduções jesuíticas dos séculos XVI e XVII. Mesmo assim, notou-se nela a incidência de grande parte dos traços diagnósticos da fase Sarandi, da tradição Tupiguarani. As formas dos recipientes não foram muito variadas, mas estava presente a carenada (Figura 59). As bases planas e em pedestal ocorreram com freqüência. A superfície das vasilhas foi alisada ou decorada com engobo vermelho, escovado, corrugado, incisão etc. Foram comuns peças que apresentavam técnicas decorativas associadas. Cachimbos angulares também foram registrados, assim como poucos raspadores, talhadores, abrasadores, quebradores de coquinhos e pederneira de pedra.

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Cronologicamente esta fase está situada entre a segunda metade do século XIX e princípios do atual, quando o oeste do Paraná passou a sofrer profundas mudanças sociais e econômicas.

Além das pesquisas acima resumidas, existem informações de outras desenvolvidas pelo Museu Paranaense, ao lado do Parque, no Município de Capanema, quando cinco urnas funerárias da tradição Tupiguarani foram expostas pela erosão da margem esquerda do rio Iguaçu. Apesar da depredação causada por moradores locais, uma das peças foi resgatada intacta pelos arqueólogos. A peça media cerca de 80cm de altura e continha restos ósseos humanos e oferendas constituídas por recipientes, peças líticas e resíduos alimentares (Gazeta do Povo, 09/08/1983).

Anteriormente, no início da década de 1960, Antonio Schimmel, realizando prospecções na margem argentina do rio Iguaçu, localizou, entre a sua confluência com o rio Paraná e o Hotel das Cataratas, peças relativas a ocupações pré-cerâmicas e cerâmicas (Schimmel, 1967). A maior parte dos indícios foi encontrada ao longo de caminhos e junto a terrenos remexidos para a instalação da infra-estrutura do hotel argentino.

Os dados produzidos pelas abordagens arqueológicas desde o final do século passado, no interior e nas proximidades do Parque, comprovaram a intensa ocupação do espaço por grupos indígenas através de milênios. Permitiram, também, a avaliação das características culturais e estruturais dos diferentes estabelecimentos, corroborando o relato etno-histórico, a partir do século XVI. As pesquisas que os geraram enfatizaram, por outro lado, o acelerado processo de dilapidação do patrimônio arqueológico em função das atividades agropastoris e urbanas modernas.

Figura 59 - Morfologia cerâmica da fase Assuna (extraída de PAI 3, 1978)

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Diante desse quadro, a área do PNI, por encerrar sítios em grande parte preservados, mostra-se muito importante também para futuros estudos arqueológicos.

6.6.3. Arqueologia da Área do Parque Nacional do Iguaçu

6.6.3.1. As Pesquisas

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Além das ocorrências relatadas no item anterior, referentes às peças descontextualizadas, observadas por Juan B. Ambrosetti na margem do rio Iguaçu, junto às Cataratas, e ao sítio PR FI 8: Cataratas, registrado pelo CEPA/UFPR, não se tem conhecimento de outra abordagem feita por especialista na área do PNI.

Muitas informações existem, entretanto, especialmente da parte de moradores do seu entorno, sobre sítios arqueológicos nele encontrados em várias ocasiões e sobre peças cerâmicas dele retiradas. Por se tratar de constatações geralmente associadas a atividades ilegais e não condizentes com as finalidades do Parque, os relatos são muito vagos. Sendo os achados atribuídos a outras pessoas que não os informantes, torna-se difícil a sua comprovação.

Notícias mais consistentes, recolhidas durante os trabalhos, referiam-se a "construções circulares e retangulares de terra", descobertas há poucos anos por um médico argentino, a urnas cerâmicas erodidas, na margem direita do rio Iguaçu, nas proximidades do porto da balsa da estrada do Colono, e a "amontoados de pedras com sinalizações ilegíveis" perto do rio Benjamim Constant. As "construções" foram encontradas entre os rios Gonçalves Dias e Castro Alves e, com a morte do descobridor, a sua localização na mata só é do conhecimento do Guarda Florestal Dioni Ceganfredo, que o acompanhou. O sítio com as urnas, "que boiaram nas águas da enchente do rio" e as "pedras com sinalizações ilegíveis" foram relatadas pelo Guarda Florestal Rubens Luiz Barreto.

O grande volume de dados resultantes das pesquisas desenvolvidas ao longo do rio Paraná e trechos do médio rio Iguaçu, da Cidade de Foz do Iguaçu, para o norte, e da barragem da UHE de Salto Caxias para, leste, respectivamente, demonstrando a ocupação dos espaços por grupos indígenas pré-históricos e históricos, bem como por europeus a partir do século XVI, pode ser tomado como prognóstico para a área do Parque.

Apesar das fontes secundárias existentes para a região, julgou-se importante e necessária uma abordagem arqueológica no Parque que permitisse a verificação da intensidade dos indícios, sua composição e do estado de conservação.

As prospecções foram realizadas em dois curtos períodos, no primeiro semestre de 1998, por dois pesquisadores do CEPA/UFPR, com o apoio logístico proporcionado pelo PNI. O projeto previa três enfoques: um na margem direita do rio Iguaçu, nas proximidades das

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Cataratas, outro ao longo da estrada do Colono e o último junto aos formadores do rio Floriano.

O primeiro trecho foi acessado através das trilhas existentes e pelo rio principal. Na mata foram abertas picadas acompanhando cursos fluviais. Além da visualização superficial do terreno, pequenos cortes-experimentais foram praticados espaçadamente para a localização de traços arqueológicos.

Na margem do rio Iguaçu, situada entre as corredeiras da Irene e a foz da Sanga Boqueirão, as picadas foram intensificadas para o interior, à procura de elementos relacionados à redução de Santa Maria. Nesse trecho, na cartografia jesuítica do século XVII, está assinalada "S. Maria" (Figura 47). Tal referência poderia ser apenas alusiva às Cataratas, assim como ao "Salto Grande", que foi destacado no mesmo mapa, no rio Paraná. A diferença entre as nominações é a cruz acompanhando a de S. Maria, convenção presente nas demais reduções marcadas no mapa jesuítico.

Vários dias foram empregados nessa procura e as picadas abertas, muito difíceis e vagarosas, não foram suficientes para se vasculhar todo o espaço pretendido. As possíveis ruínas da redução de Santa Maria não foram encontradas.

Na seqüência, as pesquisas sofreram alterações quanto à programação original. Impossibilitada de atuar na estrada do Colono, o que permitiria uma avaliação do impacto que tenha causado ao patrimônio arqueológico e a constatação do sítio erodido na margem do rio Iguaçu, próximo ao porto da balsa, a Equipe limitou-se a um trabalho ao longo da divisa seca do Parque. A existência de estradas carroçáveis, margeando a floresta, algumas delas constituídas por trechos da antiga via de comunicação entre Guarapuava e Foz do Iguaçu, facilitou o acesso e a observação das características ambientais.

Indícios arqueológicos foram detectados na linha fronteiriça compreendida entre os rios Represinha e Silva Jardim. Foram percebidos superficialmente nos barrancos da estrada e junto aos palanques da cerca do Parque ou através de cortes-experimentais, ao longo das picadas abertas na mata adjacente.

Nessa oportunidade, foram localizadas as "pedras com sinalizações ilegíveis", que estavam relacionadas a um túmulo histórico, com

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lápides.

O terceiro enfoque na área do Parque não chegou a ser executado devido a problemas gerenciais dessa revisão do Plano de Manejo.

Tendo em vista os objetivos dos trabalhos, foram adotados procedimentos que possibilitassem, no momento da constatação dos indícios arqueológicos, a coleta de dados sobre a sua contextualização, dispersão, conservação e filiação cultural. Procedeu-se, também, ao recolhimento de amostras em todos os locais, para o seu manuseio em laboratório.

Medições feitas desde a margem dos cursos fluviais até os pontos das ocorrências, permitiram o seu posicionamento nas cartas geográficas disponíveis. Para efeito de controle, os indícios foram numerados seqüencialmente e, dessa forma, foram assinalados na Figura 60.

As peças recolhidas foram marcadas conforme a numeração seqüencial, juntamente com a sigla PNI, a da UC. Para a descrição dos indícios constatados, foi obedecida a ordem do seu achado.

Indícios cerâmicos e líticos foram localizados a 110m da margem direita do rio Iguaçu, a cerca de 5km acima das Cataratas (Figura 60). Ocupavam a encosta de suave elevação, ao lado de uma faixa de terreno plano inundável (141m snm*. Dominado pela vegetação arbórea rarefeita, o local era constituído pelo latossolo avermelhado.

Buracos esparsos pela área indicavam antigas atividades de escavadores clandestinos; outras perturbações eram devidas a tocas de animais. Fragmentos cerâmicos isolados ou amontoados ocorriam pela superfície do terreno. Um recipiente parcialmente quebrado e grandes pedaços de outros foram encontrados em meio às folhas e solo humoso, formando um conjunto na porção central do espaço ocupado. As porções expostas estavam cobertas de musgo. Essas peças foram retiradas do local.

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I. Os Indícios Arqueológicos do Parque Nacional do Iguaçu

A dispersão do material arqueológico na superfície do terreno, além dos cortes-experimentais praticados, serviram de base para o estabelecimento aproximado da área abrangida pela ocupação. Seus vestígios compreendiam um espaço elíptico, com 160 x 140m (17.584m²). A configuração apresentada pelos indícios, formando concentrações espaçadas, inferia a existência de várias bases de habitações.

Nos cortes praticados, o material tendia a formar uma camada entre 14 e 19cm de profundidade. Peças descontextualizadas ocorriam desde a superfície do terreno, até o início da camada. O solo mostrava-se granuloso e de cor marrom até 16cm de profundidade, tornando-se compacto e avermelhado para baixo. Blocos e lascas de basalto e riolito eram comuns.

Do local foram retiradas peças de cerâmica de cor marrom escovadas com antiplástico grosso que, após os procedimentos laboratoriais, tiveram suas características definidas. Também foram encontrados fragmentos de recipiente cerâmico.

Outros indícios cerâmicos e líticos localizados a 275m da margem direita do rio Iguaçu e a 140m da margem direita do córrego Santa Luzia. Estavam 50m a nordeste da lagoa Jacaré (Figura 60, no 2). Ocupavam a encosta de uma elevação, a 200m snm. O local encerrava vegetação arbórea rarefeita, encontrando-se próximo a uma extensa pastagem de fazenda desativada. O terreno era constituído pelo latossolo avermelhado. Os indícios arqueológicos foram achados junto ao solo preso nas raízes de grande árvore tombada e nas imediações e compreendem fragmento de cerâmica simples com antiplástico fino, lasca simples em forma de cunha e um fragmento de bloco de rio liso, alterado pela exposição ao calor do fogo.

Novos indícios líticos localizados a 240m da margem direita do rio Iguaçu, acima da ilha das Palmeiras e, a 350m da margem direita do córrego do Mingau (Figura 60, no 3). Ocupavam a encosta de uma elevação suave, a 202m snm. Coberto pela vegetação arbórea rarefeita, o terreno do lugar era constituído por solo argilo-arenoso, de coloração marrom-escuro. Essa formação era localizada, estendendo-se um pouco em direção ao rio e nos arredores predominava o latossolo avermelhado.

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Os indícios foram revelados pelos cortes-experimentais, aos 15cm de profundidade. Todas as peças são originárias de seixos-rolados e mostram lascamentos pela técnica da percussão direta, correspondendo a uma lasca simples com crosta de riolito, uma lasca simples em forma de cunha de riolito e um núcleo esgotado de quartzito.

Recipiente cerâmico também foi localizado a 200m da margem direita do Iguaçu, acima da ilha das Palmeiras e a 400m da margem direita do córrego do Mingau (Figura 60, no 4). Ocupava a encosta de uma suave elevação, a 204m snm. A peça foi encontrada na superfície do terreno, a cerca de 40m a sudoeste dos indícios PNI – 03, e a vegetação e o solo apresentavam as mesmas características daquele local. Estava quebrada, mas um dos pedaços faltantes foi recuperado logo abaixo, coberto pelas folhas (Figura 61c). Trata-se de uma tigela de boca constricta, base convexa e faces simples. A pasta foi temperada com antiplástico grosso. Mede 7cm de altura, 12cm de diâmetro e 10cm na abertura. A sua espessura é de 7mm.

Ainda, indícios cerâmicos e líticos foram localizados a 600m da margem direita do rio Iguaçu, acima da ilha das Palmeiras e, a 70m da margem direita do córrego do Mingau (Figura 60, no 5). Ocupavam o flanco de uma elevação suave, a 198m snm.

No lugar, a vegetação arbórea era pouco cerrada e o terreno constituído por latossolo marrom-escuro; nos arredores era avermelhado. Os cortes-experimentais, praticados ao longo de uma picada, revelaram os indícios por uma extensão de 15m, o que poderia representar uma das dimensões da base habitacional. As peças ocorreram continuamente, até 15cm de profundidade e referem-se a duas tradições culturais: à Tradição Tupiguarani (três fragmentos de cerâmica simples com antiplástico grosso e um fragmento de cerâmica pintada com antiplástico grosso) e à Tradição Itararé (dois fragmentos de cerâmica simples com antiplástico fino; duas lascas simples em forma de cunha; três microlascas retiradas de seixos-rolados de riolito (2) e silexito (1) e um fragmento de silexito sem evidências da ação humana).

Em outro sítio foram localizados indícios líticos a cerca de 1.550m da margem direita do rio Iguaçu e, a 50m da margem esquerda de um afluente do rio São João (Figura 60, no 6). Estavam no leito da trilha do Poço Preto, no flanco de uma suave encosta (220m snm). A trilha cortava o latossolo avermelhado e era ladeada pela vegetação arbórea.

As peças foram encontradas superficialmente, mas devem ter sido expostas pela movimentação de terra, sendo dois núcleos esgotados de riolito. Mostram facetas de lascamentos pela técnica da percussão direta, sendo originários de seixo-rolado e de bloco,

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respectivamente.

Indícios líticos localizados a 6.000m da margem direita do rio Iguaçu e a 30m da margem esquerda do rio Caapaço (Figura 60, no 7) ocupavam a encosta de uma elevação íngreme, a 240m snm. O espaço era dominado pela vegetação arbórea. Os indícios foram encontrados superficialmente, junto à cerca do PNI. Podem ter sido expostos pela erosão do latossolo avermelhado ou pelos cortes destinados a fixação dos palanques da cerca. Correspondem a duas lascas simples, com crosta obtidas pela técnica da percussão direta de blocos de basalto.

Indícios líticos e cerâmicos foram localizados a 5.200m da margem direita do rio Iguaçu e a 20m da margem esquerda de um afluente do rio Caapaço. Distavam 250m da sua margem esquerda (Figura 60, no 8). Ocupavam a encosta de uma suave elevação, a 250m snm.

Figura 60 - Sítios arqueológicos (veja os números) localizados e estudados no Parque Nacional do Iguaçu

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Figura 61 - Recipientes cerâmicos da tradição Tupiguarani. a, b, urnas; tigela, retiradas do Parque Nacional do Iguaçu

Foram encontrados ao longo da cerca divisória do Parque e no leito da estrada carroçável contígua. Eram superficiais e espalhavam-se por uma área com 6m de diâmetro. O terreno era constituído pelo latossolo avermelhado e, na área do Parque, dominado pela vegetação arbórea. Prospecções realizadas nas margens do rio Caapaço e nas de alguns dos seus afluentes revelaram fragmentos de carvão vegetal em vários pontos. Situavam-se entre 12 e 15cm de profundidade.

São representadas por um fragmento de cerâmica simples com antiplástico grosso; uma lasca simples com crosta, obtida pela técnica da percussão direta de um seixo-rolado de riolito; uma lasca preparada de silexito, resultado do lascamento pela técnica da percussão direta e três núcleos esgotados de silexito, correspondentes a seixos-rolados com facetas de lascamentos pela percussão direta.

Indícios líticos localizados a 5.200m da margem direita do rio Iguaçu e a 400m da margem direita do rio Caapaço (Figura 60, no 9) ocupavam a encosta de uma elevação, a 258m snm. Foram encontrados na superfície do latossolo avermelhado, ao lado da cerca do

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Parque. As peças são: uma lasca simples em forma de cunha, resultado de um lascamento pela percussão direta de seixo-rolado de riolito e um seixo-rolado de riolito, que foi utilizado como bigorna, com sinais de uso nas porções centrais de ambas as faces; esmagamentos existentes em um de seus lados apontam para a sua utilização, também, como percutor.

Indícios líticos localizados a 15.600m da margem direita do rio Iguaçu e a 250m da margem direita do córrego Pinheirinho (Figura 60, no

10) ocupavam a encosta de uma elevação, a 270m snm. As peças estavam ao lado da cerca do Parque, junto a um rebaixamento do terreno. Tratava-se de um canal de escoamento de águas pluviais da estrada carroçável adjacente. O corte no latossolo avermelhado atingiu 50cm de profundidade.

Os objetos recolhidos correspondem a 1) uma lasca simples com crosta, obtida pela percussão direta de seixo-rolado de riolito; a lasca foi utilizada como faca. Os sinais de uso ocorrem em ambas as faces da sua extremidade distal, e 2) um núcleo retocado de riolito, obtido de bloco; a peça foi configurada como biface angular através da percussão direta. Retoques escamados foram produzidos em ambas as faces de uma extremidade (Figura 62).

Figura 62 - Biface angular da tradição Humaitá encontrado no sítio arqueológico PNI - 10, no Parque Nacional do Iguaçu

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Outros indícios cerâmicos e líticos foram localizados a 15.400m da margem direita do rio Iguaçu e a 120m da margem esquerda do córrego Itaipu, conhecido localmente como lajeado do Polaco. O ponto dista 430m da margem direita do córrego Pinheirinho (Figura 60, no

11). Ocupavam o flanco de uma elevação, a 282m snm. Foram encontrados ao lado da cerca do Parque, na superfície do latossolo avermelhado. Compõem-se de 1) um fragmento de cerâmica simples com antiplástico fino; com espessura de 4mm, o fragmento representa uma porção do bojo do recipiente, e 2) duas lascas preparadas, obtidas pela técnica da percussão direta de núcleos de riolito; a maior foi utilizada como faca, estando os desgastes dessa função situados na sua extremidade distal.

Outro indício lítico foi localizado a 14.300m da margem direita do rio Iguaçu e a 250m da margem direita do rio Silva Jardim (Figura 60, no

12). Ocupava o flanco de uma elevação suave, a 262m snm. A peça, encontrada ao lado da cerca do Parque e na superfície do latossolo avermelhado, corresponde a uma lasca simples em forma de cunha; é um seixo-rolado de riolito pela percussão direta.

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Mais indício lítico foi localizado a 14.200m da margem direita do rio Iguaçu e a 15m da margem direita de um pequeno afluente do córrego Bananeiras. Distava 250m da margem direita desse (Figura 60, no 13). Ocupava a encosta de suave elevação, nas proximidades de extensa várzea, a 264m snm. Estava ao lado da cerca do Parque, na superfície de um solo argiloso de cor preta, sendo uma lasca simples em forma de cunha, resultante do lascamento pela técnica da percussão direta de um seixo-rolado de riolito.

Indícios líticos localizados a 12.900m da margem esquerda do rio Iguaçu e a 25m da margem direita do córrego referido no item anterior distavam 500m a sudoeste do ponto anterior (Figura 60, no 14). Ocupavam a encosta de suave elevação, nas proximidades de extensa várzea (262m snm). A peças foram vistas ao longo da divisa do Parque, por uma extensão de 15m. Encontravam-se na superfície do solo argiloso de coloração preta.

Os indícios correspondem a uma lasca simples com crosta, obtida pela técnica da percussão direta em seixo-rolado de riolito; três lascas simples em forma de cunha, retiradas de seixos-rolados, através da percussão direta; duas são de riolito e uma de silexito; duas microlascas de riolito, resultadas de seixos-rolados lascados pela percussão direta, e dois fragmentos atípicos de silexito, sem indícios de interferência humana.

Indícios líticos foram localizados a 12.600m da margem direita do rio Iguaçu e a 100m da margem direita do córrego citado nos dois últimos pontos. Distavam 350m a sudoeste do PNI 14 (Figura 60, no 15). Ocupavam o flanco de suave elevação, nas proximidades de uma extensa várzea, a 264m snm. Foram encontrados junto à cerca do Parque, por uma extensão de 25m, na superfície de um solo argiloso de cor cinza.

As peças apresentam-se como 1) três lascas simples em forma de cunha; foram retiradas de seixos-rolados de riolito pela técnica da percussão direta; 2) uma lasca preparada, obtida pela técnica da percussão direta de núcleo de basalto; 3) duas lascas simples em forma de cunha, utilizadas como raspadores de extremidade; ambas foram retiradas de seixos-rolados de riolito; os desgastes de uso ocorrem na extremidade distal das peças, limitando-se a uma de suas faces; 4) três microlascas, procedentes de seixos-rolados, sendo duas de riolito e uma de silexito; 5) quatro núcleos esgotados, seixos-rolados parcialmente lascados; dois são de riolito e dois de silexito, e 6) um núcleo utilizado como talhador; apresenta-se como um seixo-rolado de riolito, que sofreu lascamentos pela percussão direta em parte da face de uma extremidade; no gume formado, ocorrem desgastes de uso.

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A 3.800m da margem direita do rio Iguaçu e a 25m da margem esquerda do córrego Voltinha (Figura 60, no 16), indícios líticos ocupavam a encosta de uma suave elevação, a 232m snm. Estavam sobre o latossolo avermelhado, ao longo da divisa do Parque, por uma extensão de 80m.

Mostram as seguintes características: 1) duas lascas simples com crosta, procedentes de seixos-rolados de riolito; 2) três lascas simples em forma de cunha, retiradas de seixos-rolados de riolito (2) e silexito (1); 3) duas lascas preparadas, obtidas de núcleos de riolito e silexito; 4) uma lasca simples em forma de cunha, utilizada como raspador de extremidade; retirada de um seixo-rolado de riolito, a peça apresenta desgaste em uma face da extremidade distal; 5) três microlascas de riolito; 6) três núcleos esgotados, correspondentes a seixos-rolados de riolito, com alguns lascamentos pela percussão direta; 7) dois núcleos utilizados como talhadores; são seixos-rolados de riolito, que receberam lascamentos pela técnica da percussão direta e 8) duas peças atípicas; fragmentos de núcleos de basalto e riolito, sem evidências de interferência humana.

Indícios líticos localizados a 3.500m da margem direita do rio Iguaçu e a 50m da margem direita de um córrego afluente do rio Represa Grande (Fig. 60, no 17) ocupavam a encosta de suave elevação, a 248m snm. Foram recolhidas superficialmente, ao longo de 10m da divisa do Parque. Estavam sobre o latossolo avermelhado.

As peças compreendem 1) duas lascas simples com crosta, retiradas de seixos-rolados de riolito; 2) uma lasca simples em forma de cunha, obtida de um seixo-rolado de riolito; o artefato mostra desgastes em conseqüência do uso em uma face da extremidade distal; 3) dois núcleos esgotados de silexito, seixos-rolados que serviram para produção de lascas, e 4) um núcleo utilizado como percutor; seixo rolado de riolito que mostra, em uma face e um lado, esmagamentos causados pelo uso.

Indícios cerâmicos e líticos encontravam-se a 3.650m da margem direita do rio Iguaçu e a 5m da margem esquerda do rio Represa Grande (Figura 60, no 18). Ocupavam a encosta de suave elevação, a 210m snm. Ocorreram na divisa do Parque, por uma extensão de 30m. Estavam na superfície do latossolo avermelhado.

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Referem-se a três 1) fragmentos de cerâmica simples com antiplástico grosso; 2) sete fragmentos de cerâmica simples com antiplástico fino (Figura 63); 3) duas lascas simples com crosta, resultantes de lascamentos efetuados em seixos-rolados de riolito; 4) doze lascas simples em forma de cunha, procedentes de seixos-rolados de riolito (10) e silexito (1) e de bloco de basalto (1); 5) quatro lascas preparadas obtidas de seixos-rolados de riolito (3) e silexito (1); 6) cinco lascas utilizadas, retiradas de seixos-rolados de riolito (3), silexito(1) e quartzo (1); 7) cinco microlascas obtidas de núcleos de riolito (3), silexito (1) e quartzo (1); 8) três núcleos esgotados; dois seixos-rolados de silexito e um de riolito, que serviram para a produção de lascas, e 9) um fragmento de artefato; parte de um percutor de riolito conserva na porção restante do seixo-rolado esmagamentos em conseqüência do uso.

Outros indícios cerâmicos e líticos foram localizados a 3.750m da margem direita do rio Iguaçu e a 50m da margem direita do rio Represa Grande, um pouco abaixo da foz do rio Moreno (Figura 60, no 19). Ocupavam a encosta de uma elevação, a 212m snm. Foram encontrados desde a divisa do Parque até um espaço agrícola existente ao lado. Espalhavam-se por uma área com 30m de diâmetro (706,50m²). Eram superficiais, distribuindo-se esparsamente pelo latossolo avermelhado.

Os indícios consistem em 1) três fragmentos de cerâmica simples com antiplástico grosso; 2) 22 fragmentos de cerâmica simples com antiplástico fino (Figura 63); 3) duas lascas simples com crostas resultantes do lascamento de seixos-rolados de riolito e silexito; 4) seis lascas simples em forma de cunha; 5) seis lascas usadas, sendo uma lasca simples em forma de cunha, retirada de seixo-rolado de riolito, foi usada como faca, duas são raspadores laterais sobre lascas simples em forma de cunha, uma delas foi usada, também, como raspador de escotadura; as três últimas, representadas por lascas preparadas, retiradas de núcleos de riolito, foram usadas como raspadores de extremidade; os bordos ativos situam-se na extremidade proximal de uma e na distal de duas; em duas peças ocorrem, ainda, sinais de uso como faca e goiva; 6) uma lâmina produzida a partir de seixo-rolado de riolito; 7) uma lâmina utilizada como faca; os desgastes incidem em ambos os lados; resultou do lascamento de seixo-rolado de riolito; 8) oito microlascas obtidas de seixos-rolados de riolito (7) e silexito (1); 9) cinco núcleos esgotados; seixos-rolados de riolito (2), quartzito (2) e silexito (1), com lascamentos de percussão direta; 10) dois núcleos utilizados; um núcleo de quartzito foi usado como percutor, com esmagamentos em um bordo; a outra peça é um talhador de um seixo-rolado de silexito, que recebeu lascamentos em uma extremidade e um lado; 11) um núcleo retocado; seixo-rolado de riolito, que mostra lascamentos por percussão direta em uma face; o retoque por lascamento escamado, que o definiu como raspador convexo, foi efetuado em uma extremidade e porções contíguas dos lados; 12) duas pedras gretadas; correspondem a fragmentos de riolito que sofreram a ação do calor do fogo; 13) quatro fragmentos atípicos; pedaços de silexito e quartzito sem indício da ação humana, e 14) uma peça intrusiva; fragmento de louça porcelana branca, corresponde a uma parte da aba de prato.

Em mais um sítio encontraram-se indícios líticos e cerâmico localizados a 3.850m da margem direita do rio Iguaçu e a 110m da margem direita do rio Represa Grande (Figura 60, no 20). Ocupavam o flanco de suave elevação, a 220m snm. Ocorriam ao longo da cerca do

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Parque, por uma extensão de 20m; atingiam, também, uma parte da área agrícola próxima. Estavam na superfície do latossolo avermelhado.

Figura 63 - Recipientes cerâmicos da tradição Itararé. Formas reconstruídas a partir de fragmentos recolhidos nos sítios arqueológicos PNI - 08, 18 e 19, no Parque Nacional do Iguaçu

O material apresenta as seguintes características: um fragmento de cerâmica simples com antiplástico fino; duas lascas simples com crosta; três lascas simples em forma de cunha; uma lasca usada em forma de cunha; seis núcleos esgotados e dois núcleos usados.

No sítio 21 (Figura 60, no 21) encontram-se indícios líticos localizados a 4.760m da margem direita do rio Iguaçu e a 5m da margem esquerda do rio Represinha. Ocupavam o flanco de suave elevação, a 210m snm. Encontrados na divisa do Parque, por uma extensão de 12m, os indícios apresentavam uma tendência de concentração nas proximidades do rio. Dispunham-se superficialmente no latossolo avermelhado.

Correspondem a: 1) três lascas preparadas; 2)duas lascas usadas; 3) uma lâmina; 4) quatro microlascas; 5) uma microlasca usada,

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produzida através do lascamento de um núcleo de quartzo; a peça tem sinais de uso como faca no lado esquerdo, e 6) um núcleo esgotado.

Mais indícios líticos localizados a 4.700m da margem direita do rio Iguaçu e a 100m da margem esquerda do rio Represinha foram encontrados (Figura 60, no 22). Ocupavam a encosta de uma elevação suave, a 218m snm. Foram encontrados esparsamente, por uma extensão de 120m, acompanhando a divisa do Parque. Dispunham-se superficialmente no latossolo avermelhado.

As peças recolhidas apresentam-se como: 1)duas lascas simples com crosta; 2) quatro lascas simples em forma de cunha; 3) três microlascas, procedentes de seixos-rolados de riolito; 4) uma microlasca usada, resultante do lascamento de um núcleo de quartzo; 5) dois núcleos esgotados e 6) três atípicos, fragmentos de núcleos de riolito, sem evidência de trabalho humano.

Indício cerâmico foi localizado a 3.650m da margem direita do rio Iguaçu e a 35m da margem direita do rio Represa Grande (Figura 60, no

23). Ocupava a encosta de suave elevação, a 212m snm.

Em trechos de ambas as margens do rio Represa Grande foram realizados cortes-experimentais. Muitos deles evidenciaram fragmentos de carvão vegetal entre 15 e 20cm de profundidade. Um dos cortes forneceu, aos 20cm de profundidade, um fragmento de cerâmica simples com antiplástico fino. Representando uma poção do bojo de recipiente, o fragmento tem 5mm de espessura. Uma coleta do carvão associado à cerâmica foi efetuada para futura datação.

Possíveis estruturas funerárias foram localizadas a 5.500m da margem direita do rio Iguaçu. Encontram-se a, aproximadamente, 100m da nascente de um afluente da margem esquerda do rio Caapaço (Figura 60, no 24). Ocupam a encosta de elevação muito suave, a 278m snm.

Foram constatados dois montículos na superfície do terreno formado pelo latossolo avermelhado. Um deles está situado a 9,50m da divisa do Parque e o outro a 21m. Distam cerca de 520m da torre do Posto de Fiscalização da Capoeirinha, existente próximo à estrada do

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Colono.

A única intervenção realizada foi na estrutura encontrada mais internamente no Parque e consistiu na limpeza dos arbustos que a cobriam. De formato elíptico, o montículo tem 2,00m de comprimento e na base 1,20m de largura; a sua altura máxima atinge 0,40m. Uma depressão circunda a base da estrutura, que é constituída pelo mesmo tipo de solo dos arredores. A estrutura medida havia sido observada por um dos moradores da vizinhança a mais de trinta anos, quando freqüentava assiduamente o Parque.

Possíveis estruturas funerárias encontram-se a 140m da margem direita do rio Iguaçu e a 70m da margem direita do córrego Apepu (Figura 60, no 25). Ocupavam a parte plana do terreno e a encosta da elevação contígua, a 200m snm. Ocorrem dispersos pela, área apresentando, em geral, as mesmas características dos observados em PNI – 24. Existem, porém, entre aqueles, alguns montículos de formato circular.

Indícios líticos localizados a 7.700m da margem direita do rio Iguaçu e a 800m da margem direita do córrego Capoeirinha (Figura 60, no

26). Ocupavam a encosta de suave elevação, a 284m snm. Foram encontrados na divisa do Parque, na superfície do latossolo avermelhado.

Consistem em 1) uma microlasca de silexito; 2) um núcleo utilizado e 3) um fragmento atípico; pedaço de quartzito, sem evidência de trabalho humano.

Novo sítio (27) continha indícios líticos, localizados a 12.100m da margem direita do rio Iguaçu e a 100m da margem direita de um afluente do córrego Bananeiras (Figura 60, no 27). Distavam 300m a sudoeste do sítio 15. Ocupavam a encosta de suave elevação, nas proximidades de extensa várzea, a 264m snm. Foram encontrados superficialmente, no solo argiloso de coloração cinza, ao lado da divisa do Parque.

Apresentam as seguintes características: 1) duas lascas simples em forma de cunha; 2) uma microlasca retirada de núcleo de riolito e 3)

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um núcleo esgotado; seixo-rolado de silexito, que apresenta vários lascamentos por percussão direta.

Estrutura funerária histórica foi localizada a 15.600m da margem direita do rio Iguaçu e a 300m da margem esquerda do córrego Pinheirinho, um afluente da margem direita do rio Benjamim Constant (Figura 60, no 28). Ocupa a encosta de suave elevação, a 300m snm.

O remanescente da estrutura encontra-se junto à divisa do Parque, englobado pela vegetação arbórea e ao lado da antiga estrada Guarapuava – Foz do Iguaçu. Envolto em lendas que circulam entre os moradores dos arredores, o local foi dilapidado por escavadores de tesouros. A ação clandestina foi extremamente danosa e atingiu, principalmente, o túmulo. O entorno foi, também, vandalizado.

Durante a intervenção arqueológica, realizou-se uma limpeza superficial do terreno. Com a remoção de pequenos arbustos e das folhas acumuladas, ficaram visíveis as porções ainda intactas do conjunto funerário e dos seus componentes deslocados e espalhados pelos arredores.

Era constituído por uma mureta, o jazido e um possível cordão de isolamento (Figura 64). As matérias-primas utilizadas na sua edificação referem-se a rochas (de basalto, riolito e mármore) e metais (ferro e ferro galvanizado). Em alguns pontos foi constatado o emprego de argamassa de cal e cimento.

A mureta dista 3,30m da margem da estrada, acompanhando-a por uma extensão de 13,50m. Com uma altura de 0,55m e largura de 0,95m, foi construída com blocos de basalto e riolito. De várias dimensões, as pedras foram encaixadas sem o uso de argamassa, resultando uma parede regular. Não foi perturbada, mas está sofrendo alguns deslocamentos na extremidade sul devido ao crescimento de árvores.

O jazigo encontra-se a 7,50m de distância da estrada ou 3,50m da mureta. A determinação das suas dimensões ficou prejudicada pelo vandalismo Dele resta a porção frontal, que é constituída por blocos de rocha, geralmente em forma de lajotas irregulares, unidos com argamassa de cal. De forma piramidal, com o ápice situado a 0,90m da superfície do terreno, as paredes aprofundam-se por mais 0,60m.

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Cessam abruptamente no latossolo avermelhado. O acabamento cuidadoso da face externa das paredes e limitado às junções das pedras pode ser verificado na porção exposta, acima da superfície do terreno.

Com exceção do pequeno trecho da abóboda frontal, todo o espaço do túmulo foi escavado. O profundo buraco resultante, que se estende um pouco para o lado sul, deve corresponder às suas dimensões originais: cerca de 3,50m de comprimento e 2,00 de largura.

Entre o túmulo e a mureta permanece fincada no solo parte de uma estaca quadrangular de cimento armado. Fragmento de outra estaca, foi encontrada junto à cerca do Parque, no meio dos blocos de rocha deslocados. Talvez relacionem-se a um cordão de isolamento em torno do túmulo.

Figura 64 - Planta da estrutura funerária histórica encontrada no sítio arqueológico 28, no Parque Nacional do Iguaçu

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Misturados com os escombros, do lado norte, ocorreram fragmentos de outros componentes do jazigo, como parte de pedestal com cruz incompleta e fragmentos de lápides. O pedaço de pedestal, com 40cm de comprimento e 22cm de largura, é escalonado e encimado por uma haste de ferro. Próximo à extremidade livre da haste, permanece a amarração de arame galvanizado que fixava a haste horizontal de cruz. A haste vertical mede 60cm de altura e 2cm de largura.

O fragmento de uma das lápides, com 35cm de comprimento e 16cm de largura, é de mármore branco e ainda está presa a uma porção da estrutura das pedras; conserva partes do epitáfio em alto-relevo.

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Quatro pedaços de outra lápide produzida com pó de mármore cinza-claro estavam parcialmente ocultos pelas pedras e terra amontoadas. Uma delas refere-se às margens angulares e só apresenta uma estreita moldura em alto-relevo. As demais trazem porções do epitáfio em alto-relevo (Figura 65).

Os fragmentos da segunda lápide, por serem de pequenas dimensões e passíveis de roubo, foram recolhidos. É provável que as porções restantes de ambas as lápides ainda estejam no local, assim como indícios de outros elementos associados ao conjunto funerário. Para o seu registro satisfatório seria necessária uma abordagem arqueológica mais demorada.

Das várias tentativas feitas com moradores das cercanias, para a recuperação da memória do cemitério isolado, uma foi produtiva. Um habitante das proximidades do córrego Itaipu (lajeado do Polaco), informou que conheceu a estrutura intacta, que era de forma piramidal e assinalada por duas lápides, uma com palavras que não entendia e outra em português. Não se lembrou o nome do sepultado, mas explicitou a data: 1923.

Figura 65 - Fragmentos da lápide da estrutura funerária procedente do sítio arqueológico 28, encontrado no Parque Nacional do Iguaçu

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6.6.3.2. O Diagnóstico

Embora não se tenha executado o projeto original, as abordagens feitas em dois trechos da área do PNI proporcionaram elementos suficientes para a avaliação do patrimônio arqueológico existente. Confirmaram, inclusive, os prognósticos em função dos dados

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disponíveis para o oeste do Paraná.

Dos contatos mantidos com a população vizinha ao Parque, resultaram informações sobre a ocorrência de artefatos arqueológicos em campos agrícolas do seu entorno, indicando a mesma densidade de sítios constatada na área do Projeto Arqueológico Itaipu, na margem do rio Paraná.

Na área do Parque, os indícios de assentamento antigos foram sempre encontrados nas proximidades do rio Iguaçu e de seus afluentes, em pontos elevados e não suscetíveis a enchentes. Ocupavam grandes espaços, caracterizando sítios-habitação ou menores, exemplificando sítios-acampamento. Os primeiros referem-se às antigas aldeias indígenas e indicam permanência mais prolongada dos seus habitantes. São locais que encerram estruturas mais complexas.

Os menores informam sobre acampamentos, instalados para as atividades periféricas dos moradores das aldeias, como caça, pesca ou coleta. Os grupos mais recentes, além de explorar os recursos naturais, produziam alimentos em roças. Cada uma dessas práticas requeria um assentamento provisório diferenciado, dependendo do tempo em que os pequenos grupos permaneciam afastados da aldeia. Essa interpretação baseia-se no tamanho dos espaços ocupados pelos indícios e na sua composição.

Partindo da aldeia, para obtenção de alimento, matéria-prima etc., os grupos dominavam um espaço que poderia abranger mais de 5km ao seu redor. Como as aldeias eram abandonadas após alguns anos e reimplantadas em outro trecho não explorado, o padrão de subsistência anterior repetia-se no novo espaço. A multiplicação de assentamentos referentes às aldeias e acampamentos durante os 7.000 anos de história da área foi, em parte, revelada pelas atuais pesquisas, estimando-se a mesma densidade para os trechos não vistoriados.

Os indícios foram encontrados na superfície do terreno e em profundidades maiores. Tais situações são devidas à idade dos assentamentos, além dos processos de sedimentação que envolvem tipo de solo e topografia. Os relativos a grupo pré-ceramista estavam a 50cm de profundidade (sítio 10), enquanto os ligados aos ceramistas encontravam-se na superfície (sítio 04) ou até 15 ou 20cm de profundidade (sítios 01, 05 e 23).

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Horizontes formados por fragmentos de carvão vegetal, constatados nas proximidades dos indícios sítios 07, 08, 09, 20 e 23, atestam atividades periféricas, como as agrícolas. Esse dado, muito importante para a compreensão do uso do solo, é raríssimo em áreas perturbadas.

A intensidade da ocupação do Parque foi revelada, ainda, pela superposição de camadas arqueológicas. Um espaço apresentava traços pertencentes a culturas distintas, que se acumularam em tempos diferentes (sítio 05).

Além dos indícios comentados, em dois pontos da área foram observados pequenos aterros elípticos e circulares (sítios 24 e 25). Essas estruturas especiais foram registradas em outras partes do sul do Brasil e estão relacionadas a práticas funerárias indígenas. No vale do rio Piquiri, no Estado do Paraná, túmulos parecidos faziam parte de um sítio-habitação denominado PR UB 4: Rio Carajá - 1, que também encerrava um túmulo de grandes dimensões, casas subterrâneas, bases de habitações superficiais e caminho.

O relevo apresentado pelas estruturas do sítio do rio Piquiri, descoberto e estudado logo após a derrubada da floresta, pode ser comparado com o descrito pelo Guarda Florestal Dioni Ceganfredo, com relação às "construções de terra" encontradas entre os rios Gonçalves Dias e Benjamim Constant, dentro do Parque.

As análises laboratoriais permitiram a filiação cultural dos traços coletados durante as pesquisas. Os indícios assinalados no sítio 10, no médio curso de um dos mais importantes tributários do rio Iguaçu, englobados pelo Parque, referem-se a grupo pré-ceramista da fase Pirajuí, tradição Humaitá. Devem corresponder a um sítio-acampamento. O artefato biface angular recolhido é um traço diagnóstico da fase. Definida na área do Projeto Arqueológico Itaipu, a fase Pirajuí tem datações variando de 4960 a.C. a 335 a.C.

Os outros indícios recolhidos referem-se às tradições ceramistas Tupiguarani e Itararé. Os primeiros foram constatados na margem do rio Iguaçu, exemplificando sítios-habitação (sítios 01, 02 e 05) e sítio-acampamento (04).

A área do sítio 01 foi levantada correspondendo, as suas dimensões, aos sítios-habitação dessa tradição na região. Apresentou, também, bases de habitações dispostas espaçadamente, que não foram delimitadas. Encerrava grande quantidade de traços arqueológicos, muitos

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deles expostos pela exploração clandestina. Os referentes a urnas cerâmicas, alvos principais do vandalismo podem, ainda, ser recuperados e, após restauração, utilizados em mostras museológicas. Apesar dos danos sofridos, esse sítio oferece condições de pesquisa e poderia ser aproveitado para fins turístico-culturais através de projeto específico. O sítio 01 pertence à fase Sarandi. As demais ocorrências da tradição Tupiguarani não puderam ser filiadas a fases devido à pequena amostragem.

Os trabalhos realizados no sítio 05 permitiram a delimitação parcial de uma das bases de habitação. O sítio não está perturbado e possibilita estudos detalhados.

Tendo em vista o resultado das pesquisas e as informações recolhidas, como a do sítio existente nas proximidades do porto da balsa, da estrada do Colono, verifica-se que a tradição Tupiguarani instalou-se preferencialmente na margem do rio Iguaçu. Seus vestígios não foram encontrados mais internamente no Parque.

Os indícios referentes à tradição Itararé, porém, além de serem mais numerosos, no interior, foram detectados em todos os trechos vistoriados. Para efeito de tipologia prévia, os indícios 14, 15, 16, 18, 19, 20, 22 e 23 foram considerados como sítios-habitação. Não apresentando, nas suas áreas, estruturas mais elaboradas como as do acima citado PR UB 4, esses sítios poderiam exemplificar acampamentos ocupados por espaço de tempo maior, para atividades mais prolongadas. Os demais, assinalados em 03, 05, 06, 07, 08, 09, 11, 17, 21 e 26, inferem acampamentos resultantes de atividades exploratórias de curta duração.

As ocorrências rotuladas provisoriamente como sítios-habitação estavam junto aos formadores dos cursos fluviais secundários e afastados do rio principal.

As prováveis estruturas funerárias observadas nos sítios 24 e 25 podem estar ligadas à tradição Itararé, uma vez que foram registradas em sítios da fase Cantu, na área do Projeto Arqueológico Itaipu.

A tendência apresentada pelos indícios dessa tradição, indica que o mesmo padrão interiorano deve se repetir no trecho compreendido entre os rios Benjamim Constant e Gonçalves Dias. Desse espaço procedem informações que talvez levem à descoberta de um sítio típico

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da tradição Itararé. Nele ocorre a araucária, que é componente importante do ambiente preferido pela tradição.

Os traços arqueológicos referentes aos outros grupos indígenas, identificados pelas pesquisas anteriores na região de Foz do Iguaçu, não foram detectados nas atuais. Tal resultado deve-se unicamente ao curto espaço de tempo despendido na avaliação.

Sobre as ruínas da redução jesuítica de Santa Maria, que também não foram encontradas, cabem algumas considerações complementares. No comentário inicial desse item tentou-se precisar o significado da grafia "S. Maria". Em mapa jesuítico do século XVII, a posição da redução está assinalada ou nomeia as Cataratas. Assim como nas atuais pesquisas, as ruínas foram procuradas em outras oportunidades por várias pessoas, inclusive o médico argentino já referido, que julgou tê-las localizado no médio rio Gonçalves Dias.

No Mapa Topográfico da Província do Paraná, publicado em 1876 (Paraná, 1876), as ruínas de Santa Maria figuram na margem do rio Paraná, um pouco acima da confluência do rio Iguaçu e próximo ao local que seria ocupado pela Colônia Militar de Foz do Iguaçu, em 1889. Elaborado com base nos levantamentos dos engenheiros Beaurepaire Rohan e Rebouças para a região oeste, o mapa assinala outras localidades espanholas e jesuíticas extintas, algumas delas de forma incorreta.

Historiadores que trataram do assunto, como Jaeger (1957) e Cardozo (1970), não mencionam a redução de Santa Maria, na Província do Guairá. Foi considerada por Chmyz (1976) e por Montoya (1985), nos anexos à tradução da Conquista Espiritual de Montoya. Na obra de Cortesão (1951), que transcreve e comenta os manuscritos da Coleção de Angelis, sobre o Guairá, existem vagas referências a uma redução na margem do rio Iguaçu.

Referências, essas, contidas na Carta Ânua (carta-relato) do Padre Nicolau Durán, em que dá conta das reduções do Paraguai, durante os anos de 1626 e 1627: "...Quatro leguas se navegan por el Parana desde la reducion del Iguazu, hasta la de la Natd. de N. Señora de la Acaray poblacion que aunque a algunos años se le dió principio han sido tan tenues los que hasta agora há tenido que se han pasado en silencio en las otras annuas."

A redução de Natividad de Nuestra Señora de Acaray foi fundada em 1619, na margem do rio homônimo, próximo à sua confluência no rio

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Paraná, no Paraguai.

A outra alusão a redução do rio Iguaçu consta da mesma Carta Ânua: "...Luego despache recaudos a todos los demas que quedaban por reducir muchas leguas alrededor, i dentro de un mês vino tanta gente, que no siendo antes mas de 100 las familias se hizo un pueblo muy grande y aiudaron despues para que se hiziese la reduccion del Iguazu... Quentase en ella 400 familias y 1050 bautizados, los 500 son adultos, los demas infantes, y todos ya proximos al bautismo, y el dia de oy estaran ya todos bautizados..."

De difícil administração, devido ao ambiente favorável ao desenvolvimento de mosquitos hematófagos e à resistência de pajés e índios avessos à nova ordem, essa redução, estabelecida pelo Padre Diego de Boroa, em 1626, não deve ter se estruturado urbanisticamente como as mais antigas do rio Paranapanema. A data da sua fundação estava muito próxima da destruição da Província do Guairá, pelos bandeirantes, em 1631.

Mesmo que não encerre restos de edificações em taipa de pilão, que permitiriam a sua identificação superficial, o ponto ocupado pela redução pode ser definido através de uma pesquisa sistemática. Entre os sítios arqueológicos da tradição Tupiguarani que venham a ser registrados, o que serviu de base para o trabalho jesuítico fornecerá indícios do contato que incluirão produtos indígenas alterados e peças de origem européia.

Além dos índios Tupi-guarani tutelados na redução de Santa Maria, a carta jesuítica refere-se a outros existentes nas proximidades: "...Hanse echo y se hazen algunas salidas por medio de los indios de esta reduccion, que los invian los padres a correr toda la tierra al

rededor y a cojer unos indios que hallan deramados, y han llevado mucho al pueblo, entre estos com dos o 3.es famillas de una particular nacion que mas son selvajes que hombres, porque viven siempre por los montes muy espessos sin tener lugar determinado. tienenlos rostros como de monos, andan todos encorbado, tienen tan torpe la facoltad motiva que de ninguna manera saven, ni pueden correr, y estan entre los demas indios del pueblo como atonitos y el mondo nuevo. Eran 15 por todos, y luego se llevo para si el cielo tres niños y un adulto, que en la hora de la muerte se bautizaron, y el P. me escrive que entiende que muy en breve haran los demas el mismo camino, porque como se criaron en montes cerrados estan en lo raso y como en ayeno elemento."

Esses índios seriam os Guanhanho ou Gualacho, conforme a terminologia da época, e podem estar relacionados à tradição Itararé,

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identificada pela arqueologia, especialmente em terrenos mais elevados do Parque.

Os outros indícios observados durante as pesquisas dizem respeito a um túmulo e a um complexo hidrelétrico. Ambas as estruturas datam da primeira metade do presente século.

O túmulo, conforme já explicado, encontra-se na divisa do Parque, ao lado da antiga estrada Guarapuava/Foz do Iguaçu. Foi vandalizado, mas ainda pode ser trabalhado arqueologicamente, para a recuperação das lápides e o detalhamento da sua área. Esses elementos, juntamente com os resultados de entrevistas com moradores locais, permitirão o resgate da sua história.

Entre as estruturas relacionadas à Usina Hidrelétrica São João, algumas encontravam-se demolidas. Alicerces e paredes de edificações em alvenaria de pedras e tijolos foram constatados, alinhados no meio da mata. O efeito visual das ruínas nesse ambiente é instigante e poderia, depois de um planejamento, ser aproveitado para visitação.

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