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SALVADOR ALLENDE E A UNIDADE POPULAR: “UMA VIA CHILENA AO SOCIALISMO?” Pedro Batista Lima do Nascimento RESUMO Este artigo tem a finalidade de analisar o panorama político que se desenvolveu no período em que o Presidente Salvador Allende governou o Chile (1970-1973). Abordando a Unidade Popular como também os outros partidos políticos que existiam no período e suas relações com a chamada “via chilena ao socialismo”, que foi o meio discutido pela política do Chile para a implantação do socialismo através de uma via democrática, bem como fazer uma análise dos discursos do presidente Allende durante o seu governo. E por fim analisar as literaturas feitas para tentar entender o fracasso ou a derrota do governo de Salvador Allende, que teve seu fim com o golpe ditatorial feito pelo General Augusto Pinochet. Palavras-Chave: Salvador Allende, Unidade Popular e “via chilena”. INTRODUÇÃO Em 4 de novembro de 1970 sobe à presidência no Chile, o médico Salvador Allende, eleito com cerca de 36% dos votos, pelo partido da Unidade Popular (UP).Através de uma posse turbulenta no qual o presidente só teve posse do governo através de uma ratificação do parlamento devido ao número de votos não muito expressivos, esse novo governo vai propor a implantação do socialismo.Porém com um diferencial, implantado a partir de vias democráticas ou como ficou conhecida, a “via chilena ao Socialismo” ou a “experiência chilena”. Após a posse de Allende, vemos claramente em seu primeiro discurso que ele pretende implantar o socialismo no Chile de uma forma diferente de qualquer outra: “O Chile encontra-se diante da necessidade de iniciar uma nova maneira de construir a sociedade socialista. As dificuldades que encontramos (...) residem realmente na extraordinária complexidade das tarefas que nos esperam: institucionalizar a via política ao socialismo, e consegui-lo a partir de nossa realidade presente, de sociedade esmagada pelo atraso e pela pobreza próprios da dependência e do subdesenvolvimento; romper com os fatores causadores do atraso e, ao mesmo tempo, edificar uma nova estrutura socioeconômica capaz de conduzir à prosperidade coletiva (...), criando a primeira sociedade socialista edificada segundo um modelo democrático, pluralista e libertário” [1]·

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SALVADOR ALLENDE E A UNIDADE POPULAR: “UMA VIA CHILENA AO SOCIALISMO?”

Pedro Batista Lima do Nascimento RESUMO

Este artigo tem a finalidade de analisar o panorama político que se desenvolveu no

período em que o Presidente Salvador Allende governou o Chile (1970-1973). Abordando a Unidade Popular como também os outros partidos políticos que existiam no período e suas relações com a chamada “via chilena ao socialismo”, que foi o meio discutido pela política do Chile para a implantação do socialismo através de uma via democrática, bem como fazer uma análise dos discursos do presidente Allende durante o seu governo. E por fim analisar as literaturas feitas para tentar entender o fracasso ou a derrota do governo de Salvador Allende, que teve seu fim com o golpe ditatorial feito pelo General Augusto Pinochet. Palavras-Chave: Salvador Allende, Unidade Popular e “via chilena”. INTRODUÇÃO

Em 4 de novembro de 1970 sobe à presidência no Chile, o médico Salvador Allende, eleito com cerca de 36% dos votos, pelo partido da Unidade Popular (UP).Através de uma posse turbulenta no qual o presidente só teve posse do governo através de uma ratificação do parlamento devido ao número de votos não muito expressivos, esse novo governo vai propor a implantação do socialismo.Porém com um diferencial, implantado a partir de vias democráticas ou como ficou conhecida, a “via chilena ao Socialismo” ou a “experiência chilena”.

Após a posse de Allende, vemos claramente em seu primeiro discurso que ele pretende implantar o socialismo no Chile de uma forma diferente de qualquer outra:

“O Chile encontra-se diante da necessidade de iniciar uma nova maneira de construir a sociedade socialista. As dificuldades que encontramos (...) residem realmente na extraordinária complexidade das tarefas que nos esperam: institucionalizar a via política ao socialismo, e consegui-lo a partir de nossa realidade presente, de sociedade esmagada pelo atraso e pela pobreza próprios da dependência e do subdesenvolvimento; romper com os fatores causadores do atraso e, ao mesmo tempo, edificar uma nova estrutura socioeconômica capaz de conduzir à prosperidade coletiva (...), criando a primeira sociedade socialista edificada segundo um modelo democrático, pluralista e libertário” [1]·

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Esse plano político de encaminhamento do socialismo através da via democrática era apoiado pelo partido político que colocou Allende no poder, ou seja, a Unidade Popular. A Unidade Popular foi um partido criado em 1969 que agregava vários outros partidos ditos de esquerda e tinha como objetivo principal à implantação de um regime socialista no Chile e de caráter amplamente popular. As principais medidas do Governo da Unidade Popular podem ser percebidas claramente no Programa Básico de Governo[2] aprovado no dia 17 de dezembro de 1969 durante a candidatura de Salvador Allende a Presidência do Chile.Neste programa é direcionada uma série de medidas que deveriam ser tomadas durante o seu governo, entre elas a reforma agrária, alimentos a preço fixo, e também ideais como o fim do domínio estrangeiro e capitalista, enfim, a modernização do Chile.

O rumo do socialismo no Chile tomaria um outro rumo, diferente de qualquer outra forma de implantação de outro país.Segundo Aggio[3] o Chile era um país que provinha de uma história dita particular.O governo do Chile passou no decorrer de sua história uma sucessão de governos diferentes, passando por várias reformas políticas sem perder sua unidade territorial ou a sua soberania, o que deu a impressão de um governo forte e assim teria condições de implantar um socialismo através de uma via democrática.

O presidente Allende, comprometido com todos os ideais da via chilena ao socialismo, como é atestado em seus discursos políticos durante várias ocasiões, tentaria articular os meios de como implantar o socialismo no Chile, através da via democrática, mas antes para ele era necessário haver antes um fortalecimento da democracia e um acordo entre os partidos políticos para um consenso geral da implantação do socialismo e desse modo viabilizar as transformações necessárias para a “via chilena ao socialismo”.

O contexto que esse plano foi proposto deve ser ressaltado. Estamos falando da época da Guerra Fria, ou seja, os demais países tentavam se alinhar ao eixo capitalista, representado pelos Estados Unidos ou ao eixo Socialista, representado pelo poderio da extinta União Soviética. Trazendo para o contexto chileno não vemos um posicionamento frente a essas ideologias. Em relação aos EUA, o governo criticava arduamente o seu expansionismo e em relação à União Soviética não há um apoio declarado ao socialismo que o Chile desejava implantar. Assim se podemos dizer o Chile estava com “as portas abertas” para um novo tipo de implantação do socialismo, como já falado através de vias democráticas.

A “via chilena ao socialismo” seria legitimada por Salvador Allende através do fator “modernização” do Chile. Para o governo popular os ideais de modernização da nação estavam totalmente relacionados com a implantação do socialismo, e o único caminho para a modernização no Chile seria a implantação do regime socialista. Esse discurso incorporaria os ideais do “camino hacia el socialismo”.

O artigo prossegue fazendo uma análise do Governo de Salvador Allende durante sua presidência, analisando os discursos feitos pelo presidente Allende e a prática real de seu governo, analisando tanto o contexto político no interior do país e da Unidade Popular, como também analisando o contexto internacional em que o governo de Salvador Allende estava inserido. Dessa forma analiso vários discursos políticos do presidente Allende em que ele fala sobre a “via chilena” e a preocupação com a modernização do Chile.

E analisando o governo de Allende e seus discursos políticos feitos à Nação Chilena, encaminho o artigo para a discussão de vários autores que analisam o período da

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implantação da “via chilena”. Nesse ponto a discussão historiográfica fica um tanto ambígua, pois são várias as visões que apontam ora para uma derrota de Allende devido às pressões externas, outras apontam para uma própria desestruturação ideológica dentro da Unidade Popular. Isso nos remete a primeiramente duas perguntas: Houve realmente uma via chilena ao socialismo? E se houve, ela foi alvo de uma derrota ou foi um fracasso?

O GOVERNO DE SALVADOR ALLENDE

O governo do Chile caminhou assim na sua denominada “via chilena ao socialismo”. Esse caráter da via chilena ao socialismo é reforçado em seu discurso feito um ano após a sua posse a presidência, discurso esse realizado no dia Quatro de novembro de 1971[4]: “(...) Por eso más que nunca hay que tener conciencia de lo que és la via chilena y el camino autenticamente nuestro, que és o camino del pluralismo, la democracia e la libertad.Que és el camino que abre lãs puertas ao socialismo (...)”

Podemos ver que no primeiro discurso de Salvador Allende, nos transparece uma continuação com o projeto da Unidade Popular, proposto em 1969 durante a candidatura de Salvador Allende a presidência, vemos que as reformas sociais que eles objetivaram surtiram um efeito positivo na economia do país e que o apoio popular é forte. Os projetos sociais que foram implantados visavam melhorar a condição para os chilenos no setor primário, secundário e terciário da economia.Assim o Governo Popular fazia suas medidas rumo a uma maior satisfação dos interesses da nação e sempre obedecendo às vias democráticas[5].

Para Salvador Allende a democracia era o primeiro passo a ser fortalecido. Dizia claramente que era necessário um reforço da democracia e sempre caminhar obedecendo ao “povo” e aos direitos constitucionais acima de tudo, nunca atropelando nenhum direito democrático, podemos ver em seu primeiro discurso após um ano de governo:

“(...)en el processo revolucionário que vivemos, son cinco os pontos esenciales em que confluye nuestro combate político y social: a legalidade, a institucionalidade(...)”[6]

No primeiro ano de governo, o apoio popular a Allende é quase inevitável por parte

da população.O país está se “modernizando”, a economia do país avança devido às medidas implementadas pelo governo popular. Essa política de nacionalização das empresas e dos recursos naturais tem seu ápice na “Nacionalização do cobre”, que era um dos principais produtos de exportação no período. E se assim podemos dizer o nacionalismo é presente nessa época para legitimar o processo da “via chilena ao socialismo”.

Falar de Nacionalismo é um tanto complicado, pois o conceito apresenta inúmeras possibilidades de interpretações historiográficas.O Nacionalismo tem sido amplamente desgastado na sociedade moderna devido aos ideais nacionalistas extremos que foram divulgados durante o nazismo alemão e o fascismo italiano, mas trago aqui o nacionalismo para o meio Latino-Americano[7] e desse modo o Nacionalismo vai sendo ressignificado; vai ter o sentido de valorizar o sentimento nacional para combater o imperialismo estrangeiro e promover tanto a modernização como a industrialização dos paises que são hoje ditos

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emergentes na sociedade atual.O Nacionalismo é presente nos Discursos de Salvador Allende, no projeto da Unidade

Popular de sua candidatura como também nos discursos proferidos durante o seu mandato existe sempre a exaltação de que o povo do Chile deve lutar contra a ameaça estrangeira e contra as empresas capitalistas e ao mesmo tempo valorizava as riquezas do país, como o cobre, que foi um recurso natural estatizado, o povo chileno e sua cultura, destacando o poeta Pablo Neruda, ganhador do Premio Nobel de Literatura, ou seja, sempre exaltando as qualidades do país.

O primeiro discurso é bem emblemático sobre a situação do Chile após o primeiro ano de mandato; o que se pode atestar dele é que as transformações pelas quais o Chile está passando estão rumando o país para o socialismo. Mas é bem ressaltado que esse caminho não está completo. As medidas tomadas nesse período são de claro fortalecimento da democracia e de amplas medidas contra o imperialismo de países estrangeiros, ou seja, um fortalecimento do nacionalismo para a modernização do país.

Allende fala sobre os inimigos que ameaçam “a via chilena ao socialismo”; ele cita alguns atentados que ocorreram em algumas partes do país, como também a intervenção estadunidense dentro do Estado para tentar deslegitimar o seu governo; ele fala que sente por essas pessoas um profundo desprezo, pois estão indo contra os “verdadeiros ideais da nação”. Mas ao mesmo tempo nos coloca em dúvida, será realmente esse o meio ideal para a implantação de uma sociedade socialista no Chile, não poderia ser de outra forma? Será que a única solução seria através da “via chilena ao socialismo?”

Esses atentados e oposições é que irão marcar os anos seguintes do Governo de Salvador Allende. As reformas políticas que o governo popular tenta implantar começam a não surtir efeito na economia do país, aliado a isso a oposição começa a criticar a forma que o governo Popular dá rumo às suas políticas sociais. Para além deste ponto temos que perceber também o contexto em que está inserido o período, no qual boa parte dos paises latino-americanos está sob o comando de ditaduras e que os Estados Unidos fazem pressão sobre a direita chilena, como também nas direitas dos demais países latino-americanos para afastar qualquer “ameaça” de uma tentativa socialista nas “Américas”.

Na minha concepção o Chile estava “ilhado” em meio a um número de países capitalistas. Tem que se ressaltar que a América latina estava mergulhada em uma teia de ditaduras militares unidas pela chamada operação Condor. No discurso de Salvador Allende nas Nações Unidas, feito em quatro de Setembro de 1972, este discursa sobre o bloqueio econômico feito pelos países capitalistas, como também pela constante pressão dos grupos financeiros contra o Chile, porque não subsidiam empréstimos para o seu fortalecimento em um contexto em que o Chile sofria de graves problemas estruturais, econômicos e sociais. Assim o discurso de Allende traz um tom de denúncia exigindo um maior apoio para o Chile que caminhava para o socialismo.

O Governo do Chile no ano de 1973, devido às constantes represálias e aos bloqueios econômicos sofre com uma crise que se passa no país, aonde à inflação chegava a cifras de cerca de 380% e os setores populacionais entram em pânico solicitando medidas do governo para amenizar a crise. O Governo Popular, em meio a uma situação caótica, não consegue resolver os problemas do país e fragilizado sofre o Golpe de 1973, com o apoio da CIA, pelo

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General Pinochet no dia 11 de Setembro. UMA VIA CHILENA AO SOCIALISMO?

Analisando o governo de Salvador Allende é quase impossível não perceber que o seu ideal é a implantação do socialismo no Chile. Porém deve ser ressaltado é se realmente essas medidas que o governo popular tentou implantar davam rumo para um regime socialista. A “via chilena ao socialismo” é exaustivamente colocada nos discursos de Allende como se estivesse funcionando, mas temos que fazer uma reflexão se nesse período, e aqui me refiro ao período de 1970-1973, houve uma efetiva forma de implantação do socialismo.

Para Aggio o socialismo chileno a ser alcançado se aproximava das propostas do “socialismo de esquerda europeu”[8] que tinha como um de seus teóricos, o socialista Lélio Basso.Encontram-se vários pontos de convergência entre esse teórico e Allende.Um destes pontos seria a “via pacifica ao socialismo” ou seja, sem a necessidade de uma revolução proletária e por outro lado também o aparelho burocrático pré-socialista deveria apontar para uma prática de nacionalizações e reforço da democracia, nestes dois aspectos vemos claramente a união entre esse “socialismo de esquerda europeu” com a “via chilena ao socialismo” ou com um possível socialismo de Allende.

É quase inevitável não pensar que as atitudes de Salvador Allende em seu governo foram apenas medidas ditas nacionalistas ou reformistas, ou seja, apenas tocam em pontos que a sociedade necessitava e logo não havendo uma efetiva transição para um regime socialista. E é justamente isso que irei discutir no decorrer do artigo.

Abordando o que já foi citado anteriormente, devemos ver que o Chile não era um todo homogêneo. Assim se “a via chilena ao socialismo” era incansavelmente difundida pelo Governo Popular ela também vai ser duramente criticada durante os três anos de governo pelos setores tanto de direita como alguns grupos de esquerda.

Segundo Aggio[9] a eleição já demonstrava um sinal de dúvida em relação ao próprio governo de Allende; ele coloca que apenas 36% das pessoas o apoiaram, o que deixava uma grande margem de pessoas que se assim podemos dizer, não acreditava em seu governo. Ele também salienta que a esquerda que constituía os partidos da Unidade Popular tinha interesses diferentes, quando não contraditórios.

A Unidade Popular era constituída por vários setores de esquerda englobando o Partido Comunista (PC), o Partido Socialista (PS), os Radicais, o Partido Social Democrata, a ação popular independente, o MAPU (Movimiento de Acción Popular Unitária), dentre outros partidos de caráter popular. Tanto o Partido Comunista Chileno como o Partido Socialista Chileno tinham suas próprias ideologias e formas de como pensar o socialismo e sua implantação. O Partido comunista e o Partido socialista, no contexto chileno, segundo Alberto Aggio:

“Para o PC, contudo, devido a sua estratégia de revolução por etapas, fase de libertação nacional. Na qual se inseria o governo da UP, deveria processar-se sem a alteração substancial da institucionalidade vigente (...)”[10] “ Para o PS, a resolução da questão do poder se colocava no interior do processo de transição

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(...) Para os socialistas não existia uma” via chilena ao socialismo”, isto é, um processo ou uma formulação inédita que alteraria o percurso dos processos revolucionários.A particularidade chilena confirmaria, mais uma vez, as leis universais da Revolução”[11] Percebemos aí a própria contrariedade que era instituída dentro da Unidade Popular.

Os dois partidos que tinham uma grande influência e constituíam uma base forte dentro do partido possuíam contrastes e logo, nos dando a entender que os planos de uma “via chilena ao socialismo” poderiam ser articulados de forma incompleta ou ineficaz para o contexto político.Esses Partidos se por um lado tinham o mesmo objetivo que era o do socialismo, por outro tinham comportamentos políticos antagônicos vendo de variadas formas à implantação do socialismo.O Presidente Allende tinha forte apoio do PS o qual lhe colocou no poder, mas no seu mandato se aproximou mais do PC que lhe apoiava em relação “a sua via democrática”, pois se aproximava de uma de suas idéias que era a formação de uma “ditadura do proletariado” que precedia o regime socialista.Porém esses partidos apoiavam o Presidente apenas de forma simplificada, nunca de forma completa, apoiando às vezes apenas algumas características do governo.

Outra visão seria a do partido da Democracia Cristã (DC), que constantemente atacava a governo, afirmando que a “via chilena” não passava de simples retórica política. Para eles era impossível uma conciliação entre democracia e socialismo.

Esse Partido Político tinha a maioria no Parlamento e controlava grande parte do aparelho político do Estado chileno. Então era fundamental a negociação do Governo Popular com o Partido Democrata-Cristão para a implantação do socialismo através das “vias democráticas”, no caso de o Governo Popular não conseguir a negociação estaria destruindo os direitos constitucionais e logo o princípio que legitimava a “via chilena ao socialismo”.

Muitas são as literaturas que colocam o governo de Allende como um simples reformismo político, literaturas estas me refiro as produções historiográficas que foram feitas posteriormente ao governo de Salvador Allende para analisar a “via chilena”, e que na verdade o Governo Popular e a via chilena ao socialismo era apenas um projeto político e que nunca houve verdadeiramente um meio de trânsito entre democracia e socialismo.

Na visão de Moulian, a UP não realizou uma nova forma de implantação do socialismo de maneira efetiva:

“... não se concebia como uma revolução, mas vocalizava a revolução estridentemente, sem os meios para realizá-la; constituiu-se, enfim, numa ilusão revolucionária...”[12]

Segundo Moulian, a esquerda chilena naquele momento não tinha um aparato

teórico e cultural que pudesse superar o imaginário revolucionário, ou seja, era impossível a esquerda chilena pensar outra forma de implantação do socialismo e logo inconciliável com o plano de governo de Salvador Allende. Assim, para Moulian o governo de Allende não passou de simples falácia política para se manter no poder, não existindo os meios para se concretizar a “via chilena”.

Ilusão Revolucionária, esta seria uma visão sobre o Governo de Allende; para muitos, um governo sem sentido que por fim sonhava com uma utopia que resultou em fracasso por suas próprias contradições políticas, como foi relatado pela Revista Veja aqui no Brasil, ”como

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uma utopia fadada ao fracasso”[13], sem perceber todo o ideal em torno da “via chilena ao socialismo”.

Aggio faz o seu discurso na visão de que a Unidade Popular não era uma unidade ideológica própria e que a esquerda do Chile tinha os seus limites de influência e de projetos políticos. Este autor argumenta que era essencial uma formulação de projeto político que desse rumo à “via chilena ao socialismo”, porém ele diz que não havia nem um consenso entre o próprio grupo dirigente do país e logo com esse desacordo “a via chilena ao socialismo” redundaria em fracasso.

Aggio se fixa nesse ponto, argumentando que não houve um acordo entre as grandes forças políticas de natureza distintas e que não houve um fortalecimento das instituições que fizessem o tal consenso e dessem significação à “via chilena ao socialismo”.

O processo da via chilena ao socialismo ainda não se respondeu totalmente, podemos ver na concepção de Antônio Cortés Terzi que ele desloca a visão de Aggio em relação ao fator do número de votos que o presidente Allende teve na sua eleição. Ele fala que nem a correlação de forças e nem a maioria no Parlamento, que era em sua maioria por políticos da democracia cristã, foram obstáculos na implantação da “via chilena”.

Ele defende que a Democracia Cristã tinha ideais que se aproximavam dos ideais da Unidade Popular, e que não seria difícil um diálogo entre os dois partidos políticos. Para Cortés, o presidente Allende via a Democracia Cristã como uma futura aliada política no processo. E em relação à maioria no Senado, para Antônio Cortés, nas eleições de 1970 a esquerda obteve mais da metade de votos da eleição e também no período das eleições parlamentares de 1973, a esquerda recebeu mais de 40% dos votos, e tudo isso em meio a uma situação de crise no país. Portanto esses números são superiores aos do número de votos que colocaram o Presidente Allende na presidência, o que demonstra que poderia ter uma maioria de esquerda e um apoio da população aos ideais da “via chilena” e que os números de votos jamais foram um fator decisivo para o fracasso ou derrota da “via chilena”.

Cortés também analisa que o governo de Allende foi ineficaz em perceber o que acontecia ao seu redor, falo aqui da confiança total do governo no apoio militar e em um contexto internacional em que os Estados Unidos teve fracasso na chamada “Guerra do Vietnã”, não havendo uma previsão da agressividade que o Governo Estadunidense teria sobre o projeto da “via chilena”. Ele coloca que o fracasso do governo de Allende se deve a uma denominada “solidão intelectual” da via chilena:

“A via chilena nunca teve um amparo, uma sustentação teórica aceitável ou assimilável por parte das

correntes de pensamento político que dominavam a esquerda chilena. Era um projeto de esquerda sem teoria de esquerda”.[14]

Ou seja, ele coloca aqui, e se aproximando um pouco da ideologia de Alberto Aggio, ou seja, que houve uma ausência de maior sustentação teórica para haver uma efetiva implantação do socialismo.

As produções historiográficas sobre o período do governo de Salvador Allende são diversas e vastas, porém quase sempre colocam questionamentos em uma ou outra característica da experiência chilena, não dando um destaque a um processo global de análise.

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Devo ressaltar que em nenhum momento do artigo apresento a visão de que uma via chilena ao socialismo seja impossível; estou apenas analisando as perspectivas da experiência chilena vista de diversos autores. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer do artigo analisei a conjuntura política no qual Salvador Allende ocupou

o cargo de presidente do Chile, como também a “via chilena ao socialismo” que ele queria implantar na sociedade chilena.Porém, a experiência chilena do governo de Salvador Allende ficou contra os ideais da direita e do capitalismo, fortes na América Latina, e não resistiu a uma forte pressão externa e foi interrompido pelo Golpe de 11 de Setembro de 1973, feito pelo General Augusto Pinochet com apoio da CIA, órgão do governo dos Estados Unidos da América. No que se refere a “via chilena ao socialismo”, percebe-se que é uma teoria repetida exaustivamente no discurso de Salvador Allende, porém nos deixa a desejar nesses discursos uma posição mais consistente do governo em relação ao fortalecimento democrático, que segundo Allende era o meio necessário para a “via chilena ao socialismo”. Como implantar essas medidas? Como conciliar os diversos poderes antagônicos no interior da sociedade Chilena? A Unidade Popular teria condições e unidade política para implantar essas políticas?

As fontes nos dão várias respostas, mas não uma conclusão sobre o assunto. A “via chilena ao socialismo” ainda persiste em suas interrogações e questionamentos. As fontes às vezes são confusas e muitas vezes, contraditórias. O fato é que o enigma sobre a “via chilena ao socialismo” continua aberto para maiores reflexões e análises.

Finalizo meu artigo com a última mensagem de Salvador Allende ao povo Chileno em seus últimos momentos no governo e em vida antes do bombardeio no Palácio de La Moneda:

!Viva o Chile! !Viva el pueblo!! Viva os trabajadores!

Estas son minha ultimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrifício no será em vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será uma lección moral que castigará a felonía, la cobardia e la traición.

(Santiago do Chile, 11 de Setembro de 1973) NOTAS [1] Aggio, Alberto.Democracia e Socialismo: a experiência chilena.São Paulo: editora da universidade estadual Paulista,1993.[2] Sóto, Oscar.El ultimo dia de Salvador Allende.Grupo Santillana de Ediciones,S.A, pp. 183-209, 1998.[3] Aggio, Alberto.Op.cit.[4] www.archivochile.com/entrada.html (Acesso em 10/10/08)[5] Idem.

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[6] Idem.[7] KONIG,Hans Joachim.En el Camino Hacia la Nacion.Nacionalismo em el processo de formacion Del Estado y de la Nacion de la Nueva Granada,1750-1856. Bogotá: Banco de la República,pp. 19-22, 1994.[8] http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=948 (Acesso em 27/10/08)[9]Aggio, Alberto. Op.cit.[10] AGGIO, Albesrto. O Chile de Allende: entre a derrota e o fracasso. In: Carlos Fico; Marieta de Moraes Ferreira; Maria Paula Araujo; Samantha Viz Quadrat. (Org.). Ditadura e Democracia na América Latina. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008, v. 1, p. 83[11]Idem. p. 84 [12] Idem p. 91[13] Para uma melhor compreensão sobre assunto Ver: Cf Braga, Francisco Victor Pereira. O anúncio de uma utopia fadada ao fracasso:A revista Veja e o anúncio do golpe militar no Chile em 197.In: Ameríndia.Volume 4 número 2/2007 www.amerindia.ufc.br (22/10/08)[14]Ver em: http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=947 (Acesso em 15/11/08)