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Certificação da Carcinicultura no Brasil o manto verde da destruição

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Certificação da Carcinicultura no Brasil

o manto verde da destruição

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Certificação da Carcinicultura no Brasilo manto verde da destruição

ANTONIO JEOVAH DE ANDRADE MEIRELES Prof. Dr. do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Integra o Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará (FDZCC).

LUCIANA DE SOUZA QUEIROZ Estudante de Doutorado em Ciência e Tecnologia Ambiental pela Universitat Autònoma de Barcelona. Integrou o Conselho Diretor da RedManglar Internacional e a equipe do Instituto Terramar.

Fortaleza - Ceará - Brasil2011

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CERTIFICAÇÃO DA CARCINICULTURA NO BRASIL: o manto verde da destruição.

AutoriaAntonio Jeovah de Andrade MeirelesLuciana de Souza Queiroz

Coordenação de ProduçãoSheila Nogueira

RevisãoVianney Mesquita

Capa e Projeto GráficoFernando Sousa

FotosArquivo Instituto Terramar

ImpressãoExpressão Gráfica

Tiragem500 exemplares

Realização Edição

Apoio

Fóru

mem

Defe

sada Zona Coste

irado

Ceará

i n s t i t u t o

18 anos

rede

MangueMar

Meireles, Antonio Jeovah de Andrade. Certificação da Carcinicultura no Brasil: o manto verde da destruição / Antonio Jeovah de Andrade Meireles, Luciana de Souza Queiroz. - Fortaleza: Instituto Terramar, 2011. 96 p.; 21x21 cm

Apoio: Avina, RedManglar Internacional, Rede MangueMar, Intervita, ICCO, Kerk in ActieISBN: 978-85-64744-01-1 1.Carcinicultura - certificação 2.Aquicultura I. Meireles, Antonio Jeovah de Andrade II. Queiroz, Luciana de Souza III. Título

M499c

CDD 639.543

As ideias e os conteúdos expresso neste trabalho são de responsabilidades de seus autores/as e não refletem, necessariamente, os pontos de vistas dos/as apoiadores/as.

O conteúdo dessa publicação pode ser reproduzido, total ou parcialmente, desde que citada a fonte.

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Movidos pela poesia da canção dedicamos esse trabalho aos companheiros e companheiras criminalizados(as) e/ou assassinados(as) esperando que seus sonhos floresçam nos de todos(as) aqueles(as) que seguem na luta pelos direitos humanos e por justiça ambiental.

Brasil: Ailson Souza da Silva, Francisco Cordeiro da Rocha, Irmã Dorothy Stang, Paulo Marinho de Almeida, Sebastian Marquez de Souza, João Dantas Brito, José Maria Filho (José Maria do Tomé), Maria do Espírito Santo da Silva e seu esposo José Claudio Ribeiro da Silva. E a criminalização dos pesquisadores e pesquisadoras Raquel Rigotto, Islene Rosa, Jeovah Meireles, Maria Amélia Leite, lideranças indígenas, camponesas e dos povos do mar.

Equador: Hay Hao Daniel Nanoto, Sebastián Cruz, Verónica Estupiñán.

México: oito líderes que resistiram a projetos impactantes em suas comunidades.

Honduras: Amilcar Martínez, Gabriel Martínez, Gertrudiz Funez Guevara, Manuel Gómez, José Aguilera, Pastor de Jesús Carranza, Silvano Mejía, Moisés Benítez, Israel Ortiz, Marin Peralta, Cristóbal Almendárez, Rolando Castro, Daniel Salinas.

Guatemala: Fernando Chicoy, Maytin Castellano. E o atentado quase mortal a Carlos Albacete e Piedad Espinoza.

“porque se chamavam homens [mulheres]também se chamavam sonhos

e sonhos não envelhecem”[Clube da Esquina nº 2,

Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges]

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Sumário

Introdução 7A Certificação da Aquicultura no Brasil 11Certificadores da Carcinicultura no Brasil 17

Naturland 17International Standardzation for Organization (ISO) 18Carrefour 19Instituto Biodinâmico (IBD) 20

A Indústria da Carcinicultura nos Estados com Fazendas Certificadas - Rio Grande do Norte e Ceará 23Contexto Ambiental das Fazendas Certificadas 31

Impactos socioambientais associados às fazendas certificadas 49Revisão do Ordenamento Jurídico Vinculado à Preservação do Ecossistema Manguezal 53Funções Ambientais e Sociais do Ecossistema Manguezal 63Discussão dos Resultados: A Decadência da Carcinicultura no Brasil 73Recomendações e Conclusões 83Referências Bibliográficas 87Lista de Siglas 93

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Introdução

No início da década de 1990, o cultivo de camarão se configurou como um vetor de desenvolvimento que se apropriou de extensos territórios na Zona Costeira brasileira e, em sua curta história, atingiu elevados níveis de crescimento: passou de 3.500ha de viveiros de camarão implantados em 1997 para mais de 15.000ha em 2004, fato representativo do aumento superior a 300%. Ainda mais expressivo foi o ascenso da produção que em 2003 atingiu 90.190 toneladas, um incremento de 2.400% em relação ao ano de 1997.

A velocidade deste crescimento esteve associada a ocupação do ecossistema manguezal e consequentemente a inúmeros impactos socioambientais, impossibilitando a garantia da sustentabilidade da atividade. Estes impactos — privatização de água e de terras públicas de uso comum, expulsão de populações extrativistas, desmatamento de mangues, poluição de águas, diminuição dos estoques de pescado e salinização de aquíferos — juntamente com a degradação da biodiversidade acarretaram efeitos cumulativos que afetaram a qualidade ambiental das bacias hidrográficas; comprometeram a soberania alimentar das comunidades tradicionais e indígenas, assim como a soberania exercida nos territórios de domínio ancestral, notadamente relacionada com a conservação dos ambientes costeiros.

Neste contexto, nas duas últimas décadas, as populações tradicionais estão vivenciando um período de profundas e rápidas transformações de seus territórios e meios de sobrevivência, devido às mudanças impostas pela industrialização num processo marcado pela apropriação dos recursos

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naturais sob a lógica desenvolvimentista instalada e associada a outros megaempreendimentos incorporados, como, por exemplo, o turismo de massa, com a disseminação de resorts e campos de golfe. Sem dúvida, é uma lógica que ameaça a persistência de modos de vida comunitária, desconsiderando a heterogeneidade social, econômica e cultural das populações locais (LIMA, 2002).

Esse novo contexto de apropriação desigual da natureza, destacando nesta análise a apropriação dos manguezais pela carcinicultura, inviabiliza o exercício das atividades tradicionais e à permanência das comunidades em seus lugares de origem, impulsionando a expropriação das terras e contribuindo para a desorganização das relações tradicionais de utilização dos recursos naturais, criando relações de empregos precarizadas e mercantilização de seus territórios.

A partir de 2004, a carcinicultura — criação de camarões em cativeiro — passa por uma crise econômica em virtude da acumulação dos impactos ambientais gerados pela busca excessiva da produtividade, ocasionando aumento dos níveis de contaminação dos mananciais, fragmentação do ecossistema manguezal, das áreas úmidas associadas e a expansão de doenças virais acometidas ao camarão. Por esta razão, a indústria do camarão, antes apresentada como uma das mais lucrativas da economia nacional entrou em colapso, fato agravado pela redução das exportações e, consequentemente, pelo abandono das fazendas.

A decadência e “falência” de vários carcinicultores, com o abandono das fazendas, no entanto, não ocorre sem que os investidores tenham alcançado altos lucros, restando para as comunidades costeiras e ribeirinhas um grande passivo ambiental — fenômeno decorrente da apropriação intensiva dos recursos naturais designado como injustiça ambiental (ACSELRAD, 2009).

Frente a crise, vários setores da sociedade, dentre os quais os empresários da carcinicultura e os governos, começaram a investir em novas estratégias para tornar a indústria do camarão rentável economicamente, voltando a atingir as altas produtividades e reconquistando mercados e consumidores.

Uma das estratégias encontradas foi a certificação da aquicultura, especialmente da carcinicultura, no sentido de normatizar as etapas de produção, embalagem, armazenagem e

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comercialização do camarão. Uma estratégia que surgiu de um conjunto de ações envolvendo empreendedores, ONGs internacionais e órgãos governamentais para o estabelecimento de procedimentos “sustentáveis” e técnicas para regulamentar “novas práticas” para produção industrial de camarão em cativeiro.

Frente a esse “boom” da certificação, esta se colocou como uma questão a ser investigada e melhor compreendida tomando em conta o debate que vem se consolidando na RedManglar Internacional e de uma forma geral no campo das organizações comprometidas com a justiça socioambiental.

Desta forma, o presente estudo teve como objetivo identificar e avaliar o processo de certificação das fazendas produtoras de camarão buscando preencher uma lacuna de informações sobre esse tipo de iniciativa no Brasil.

Nesse sentido, a proposta construída buscou: 1. Identificar as fazendas certificadas, os modelos de certificação e seus certificadores; 2. Analisar se existe coerência entre o modo de produção e instalação das fazendas certificadas com os princípios de cada certificador; 3. Avaliar a implementação de cada fazenda certificada a partir de uma análise ampla nos estuários onde essas fazendas foram instaladas de modo a definir o universo de impactos socioambientais no qual estão inseridas.

Na primeira etapa da pesquisa foi realizado um levantamento de dados secundários: artigos científicos, publicações e pareceres técnicos tanto das Universidades quanto de órgãos governamentais com o objetivo de tornar possível a comparação dos dados coletados em campo com a bibliografia, dando um maior respaldo ao estudo.

A segunda etapa foi constituída pela pesquisa de campo que compreendeu visitas às fazendas certificadas no Rio Grande do Norte e no Ceará. Para realizar esta fase do estudo, os pesquisadores contaram com o apoio logístico do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente (IDEMA). Durante as visitas, em cada fazenda foi preenchida uma ficha de identificação. No entanto, gostaríamos de destacar alguns limites para realização desta etapa do estudo: impedimento do acesso dos pesquisadores a duas das fazendas certificadas, após apresentados os objetivos da visita; naquelas onde foi permitido o acesso obteve-se pouca ou nenhuma informação

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Carcinicultura no Brasil

sobre as normas dos certificadores (recolhidas no sítio eletrônico dos certificadores) e escassez de informações sobre os fiscalizadores e métodos utilizados pelos auditores.

A terceira etapa foi realizada na Universidade e destinou-se a análise dos resultados coletados em campo e das fichas de identificação, comparando esses dados com as informações coletadas na primeira etapa do presente estudo. Ao que se seguiu a elaboração das imagens, sistematização e organização dos dados (produção de quadros e tabelas) e a formulação dos argumentos que estruturam o texto.

A partir desse caminho, acreditamos ter produzido dados e reflexões capazes de revelar aspectos importantes sobre os processos de certificação da carcinicultura no Brasil, e mobilizar a produção de novas pesquisas — que somadas a esta — revelem a insustentabilidade socioambiental desta atividade e afirmem a importância do ecossistema manguezal para as populações tradicionais.

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A Certificação da Aquicultura no Brasil

Diante das preocupações da humanidade com a degradação ambiental planetária, surgem estratégias, propostas, iniciativas, políticas de governo, acordos internacionais e um novo tipo de consumidor atento ao modo de produção das indústrias.

A identificação de consumidores interessados em produtos gerados com a proteção do meio ambiente define nichos de mercado, voltados à qualidade e às condições socioeconomicas e ambientais de produção e comercialização. Uma estratégia que surge ante as demandas de mercado e a esta consciência mundial é a certificação de produtos e de suas cadeias produtivas.

De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a certificação1:

“É um conjunto de atividades desenvolvidas por um organismo independente da relação comercial com o objetivo de atestar publicamente, por escrito, que determinado produto ou serviço está em conformidade com os requisitos específicos e com as normas estabelecidas por um órgão certificador”.

A certificação é obtida com a emissão de um certificado de acordo com as regras de um sistema de certificação. O certificado é declarado cumpridor das normas técnicas ou da marca de conformidade.

1 http://www.abnt.org.br/

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Carcinicultura no Brasil

No que concerne à certificação da aquicultura em nível mundial, a Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO)2 assume um papel de liderança e facilitação na construção de suas diretrizes, que podem ser adotadas quando os padrões, práticas e produtos forem estabelecidos, dada a experiência adquirida com a elaboração das diretrizes para eco-etiquetagem de organismos aquáticos provenientes de captura marinha.

No Brasil, de um modo geral, os procedimentos de certificação foram implementados nos mais variados setores industriais, dentro das regras do Sistema Brasileiro de Certificação (SBC) ou de outros sistemas oficiais de avaliação da conformidade; sendo a certificação de caráter voluntário, quando a decisão é exclusiva da empresa que fabrica o produto ou fornece o serviço; ou compulsório, quando estabelecido pelo governo para comercialização de produtos e serviços.

Existem atualmente muitos produtos, serviços, pessoas e sistemas certificados no âmbito do SBC, que possuem seus dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO) ou ainda pela ABNT. O primeiro processo de certificação do agronegócio foi a Produção Integrada de Frutas (selo de certificação PIF), estabelecido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por intermédio da Instrução Normativa nº 20, de 20 de setembro de 2001.

Com relação à aquicultura, as iniciativas de certificação no Brasil são bem mais recentes. De acordo com o Projeto de Produção Integrada de Camarão Cultivado (PICC), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento propôs o Sistema Agropecuário de Produção Integrada (SAPI). Trata-se da certificação mediante a livre adesão, expandindo a produção integrada para outras cadeias produtivas. Além da redução de agroquímicos no cultivo, o sistema SAPI tinha como objetivos a garantia da qualidade e inocuidade do produto, a identificação de origem, a rastreabilidade dos produtos do agronegócio e atendimento de normas e diretrizes para as etapas de produção. Com estes procedimentos, principalmente para a segurança do alimento, permite-se a certificação por um Organismo de Avaliação da Conformidade (OAC), validado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO).

2 FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations. The state of world´s fisheries and aquaculture. Roma: FAO (2002).

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O PICC foi lançado em junho de 2007 pela Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República (SEAP) e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento durante o I Seminário Produção Integrada de Camarão Cultivado. Este projeto tinha como objetivo:

“Reduzir riscos e assegurar a inocuidade e rastreabilidade de alimentos, contribuindo para a superação das barreiras técnicas impostas por consumidores de países desenvolvidos através da criação de Diretrizes Gerais para a Produção Integrada de Camarão Cultivado”3.

Foi relacionado com a formulação de normas técnicas específicas para estabelecer boas práticas aquícolas, implantar um cadastro nacional de produtores e uma comissão técnica de assessoramento.

Um comitê gestor formado pelo MAPA, INMETRO, Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP-PR), Instituto Tecnológico de Pernambuco (ITEP) e a Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC) coordena a execução deste projeto. O comitê é responsável pela normalização, definição das responsabilidades institucionais e dos meios necessários para a execução da Produção Integrada de Camarão Cultivado.

É mister ressaltar que este processo para se consolidar exigia como premissas básicas o preparo profissional dos integrantes, ou seja, uma mudança de cultura organizacional da produção de camarão, com a qual o Governo brasileiro e os empresários do setor se comprometeram.

No entanto, na prática, ainda que se conheça o papel impulsionador da SEAP nesse processo, percebe-se ainda um campo de resistência à construção da proposta, sobretudo, por parte dos empresários e investidores da carcinicultura, por temerem um grande aumento nos custos de produção do camarão.

Nesse sentido, algumas iniciativas aconteceram, a exemplo do lançamento do Selo Verde da ABCC durante a Fish International em Bremen/Alemanha4. Nesta ocasião foi apresentada a

3 Trecho do Projeto de Produção Integrada de Camarão Cultivado (PICC).

4 Feira mundial de frutos do mar.

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proposta do selo que diz “atestar o compromisso dos produtores de camarão com a preservação do meio ambiente, a inocuidade dos produtos exportados e o bem-estar social dos trabalhadores envolvidos na atividade”.

Desta forma, os procedimentos dos empresários da carcinicultura para obtenção de certificados (selos verdes, produtos orgânicos, garantia de origem), levaram em conta a garantia da sustentabilidade econômica e a rentabilidade do negócio. O cenário de degradação ambiental provocado pelo desenvolvimento da monocultura intensiva de camarão foi totalmente desconsiderado, da mesma forma que ocorreu em alguns países da América Latina e Ásia, revelando o caráter insustentável desta atividade em suas diversas dimensões, seja social, ambiental e, mais recentemente, depois da crise, econômica.

Os empresários parecem interessados nos padrões de certificação para a carcinicultura, como forma de lidar com esses assuntos financeiros e, ainda, numa tentativa de melhoria da qualidade e da saúde do produto aquícola, fazendo com que este ultrapasse as barreiras internacionais e chegue à mesa do consumidor. Sendo assim, a indústria e o mercado reconheceram que a certificação reassegura os compradores, varejistas e consumidores e prometem a estabilidade ao setor. De acordo com Rocha (2008) “a priorização do fator qualidade, que precisa ser ressaltado através de certificação e de selos, como única forma de se colocar o produto brasileiro no mercado internacional, num patamar superior ao camarão Asiático”.

Em 2010, a Associação Cearense dos Criadores de Camarão (ACCC) junto com a Associação dos Carcinicultores da Costa Negra (ACCN), a Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece)5, o Instituto Agropolos e instituições de fomento iniciaram um processo de implementação de um projeto de certificação da carcinicultura no Ceará com a certificadora MPS-

5 www.adece.ce.gov.br

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ECAS6, da Holanda.

Enquanto este processo é discutido e formulado nas esferas governamentais, outro, paralelamente, acontece — a certificação da aquicultura, mais especificamente a certificação da modalidade independente de algumas fazendas de camarão. No Brasil, algumas das fazendas de camarão definiram seus certificadores e suas normas de certificação de forma independente (Tabela I).

Tabela I – Indústrias de camarão em cativeiro e seus certificadores no Brasil.

LocalizaçãoFazendas Certificador

Área do empreendimento

(ha)Município Estuário

Aracati, Ceará Jaguaribe Biocrab NATURLAND 52

Acaraú, Ceará Acaraú Lagoa Azul ISO 14001 76,52

Porto do Mangue, Rio Grande do Norte

Piranhas-Assu

CAMANORPeixe-boi CARREFOUR 600

Carnaubais, Rio Grande do Norte Água Viva I NATURLAND 22

Guamaré, Rio Grande do Norte Galinhos CAMANOR

Aratuá CARREFOUR 149

Tibau do sul, Rio Grande do Norte

Guaraíras-Papeba-Arês PRIMAR IBD 42

Canguaretama, Rio Grande do Norte Curimataú CAMANOR

Cana Brava CARREFOUR 122,37

Fonte: Dados da pesquisa

6 www.ecas.nl

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As denúncias dos movimentos sociais e das comunidades, bem como a divulgação dos resultados de pesquisas sobre os danos ambientais e sociais causados pela carcinicultura, aliados à decadência da atividade (que deixou de promover lucros exorbitantes, passando a ocasionar prejuízos), configuraram-se como elementos que impulsionaram a reflexão sobre as questões sociais e os impactos ambientais desta atividade. Assim, o setor empresarial da carcinicultura percebeu a necessidade de encontrar meios para tornar uma atividade extremamente degradadora em um produto de consumo “ecológico”.

No entanto, verificou-se que essa preocupação está voltada para solucionar os problemas financeiros e econômicos, em detrimento da intenção verdadeira de transformação de sua lógica desenvolvimentista. Neste sentido, a certificação representa nada mais do que um processo fundamentado na “garantia” de um produto que incorpora a mercantilização da biodiversidade, água e paisagens, advindo da degradação dos territórios de subsistência das comunidades tradicionais e indígenas.

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Certificadores da Carcinicultura no Brasil

Naturland7

A Associação para a Agricultura Orgânica (Naturland) é uma sociedade de agricultores, sem fins lucrativos, para a agricultura orgânica, fundada em 1982, com sede na Alemanha. Trata-se da única organização certificadora credenciada pelas instituições internacionais IFOAM (Internacional Federation of Organic Agriculture Movements) e USDA (United States Departament of Agriculture). Apesar de trabalhar intensivamente com a agricultura, a Naturland desenvolveu ações relacionadas ao manejo florestal ecológico e à aquicultura orgânica. Em 1996, iniciou a elaboração de normas para certificação da aquicultura orgânica e em 1999 começou a certificar camarões orgânicos. Em 2000, certificou a primeira fazenda de produção orgânica de camarão no Equador (com 6 fazendas certificadas) seguido pelo Peru, Indonésia e Vietnã (C-CONDEM, 2007).

De acordo com suas normas e requerimentos para certificação de fazendas produtoras de camarão, a Naturland garante que considera as várias etapas da produção do camarão, do cultivo até o produto final, tendo a produção orgânica como uma qualidade especial ao seu produto no que se refere ao respeito à natureza e ao meio ambiente. Para alcançar esta qualidade ao longo da cadeia produtiva orgânica, a Naturland tem como pré-requisito certificar, também, os laboratórios produtores de pós-larvas e as indústrias de beneficiamento.

7 www.naturland.de

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No entanto, diante das práticas reais conhecidas através das entrevistas realizadas nas duas fazendas, verificamos que se trata de outro processo, importante de ser avaliado. A saber: quando os camarões produzidos pela Biocrab e Água Viva (fazendas certificadas no Estado do Rio Grande do Norte) são transportados para o beneficiamento, as indústrias beneficiadoras alteram os procedimentos (antes regulados para camarões não certificados), para adequar-se às normas de processamento exigidas pelo certificador. Após encerrar este beneficiamento (lotes provenientes das fazendas certificadas), a indústria retorna os camarões à linha de processamento. Este comportamento, na verdade, contradiz suas próprias normas e revela que a indústria beneficiadora não necessita modificar sua filosofia de trabalho nem incorporar normas e requerimentos integralmente sustentáveis para processar produtos originados das fazendas certificadas pela Naturland no Brasil.

International Standardzation for Organization (ISO)8

A International Standardzation for Organization (ISO) — fundada em 1947 e composta por 100 países — é uma organização não governamental, com sede em Genebra, formada por órgãos de normalização, tendo a ABNT como membro fundador.

A ISO 14001 surge como a evolução das lições aprendidas durante a implementação da ISO 9000 e, neste sentido, esta certificação passou por uma revisão que deu origem a uma sequência de três fases de certificação. A primeira delas compreende o estabelecimento da política ambiental com a definição de objetivos e metas da empresa, procedimentos a serem seguidos por todos os colaboradores e treinamento de mão de obra. A segunda fase é relacionada à elaboração dos diagnósticos e pré-auditorias para identificação, equacionamento e correção de pontos vulneráveis nos procedimentos da empresa. A terceira e última fase é a auditoria externa, que verifica a conformidade com a legislação aplicável e com manuais instituídos pela empresa.

Os procedimentos para a certificação ISO 14001 estão relacionadas com a interação dos sistemas da gestão ambiental com os da gestão da empresa, objetivando a “proteção ao meio

8 http://www.iso.org/iso/home.htm

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ambiente e a prevenção da poluição equilibrada com as necessidades socioeconômicas do mundo atual”9.

Os certificados da gestão ambiental da série ISO 14000 atestam a responsabilidade ambiental de uma organização empresarial. Para a obtenção e manutenção do certificado, os empreendimentos passam por auditorias realizadas por empresas certificadoras, associadas ao INMETRO e outros organismos internacionais.

Carrefour10

No sentido de entender a preocupação dos seus consumidores com a preservação do meio ambiente, o Carrefour criou uma linha de produtos com um sistema de “garantia de origem”. Este sistema surgiu em 1991, na França, com a aplicação do “filière qualité - garantia de origem” de responsabilidade social e ecológica. Atualmente, é utilizado em países onde o Carrefour atua junto aos seus fornecedores, certificando um total de 53 produtos.

No Brasil, o sistema “garantia de origem” teve início em 1999, quando apenas três produtos foram certificados, incorporados pelo lema “investir em qualidade sempre dá resultados!”. Com a modernização e organização de fornecedores, rapidamente este número de produtos cresceu. Diante desta realidade, o Carrefour garante que o mercado internacional se abriu para produtos brasileiros.

O selo “garantia de origem” tem como objetivo mostrar ao consumidor que ele está adquirindo produtos que, em todas as etapas do processo produtivo, do campo à gôndola, foram preparados sob conceitos rigorosos de qualidade, responsabilidade ambiental e social, atestando ao cliente a qualidade dos alimentos comprados nas lojas Carrefour.

Desta maneira, o Carrefour busca assegurar ao consumidor que conhece a procedência de todos os produtos que revende, sejam carnes, pescados, frutas e legumes; e também que monitora os processos de plantio, obtenção, transporte e armazenagem, garantindo “a saúde e a segurança

9 Idem.

10 www.carrefour.com.br/web/br/garantiaorigem/historia.asp

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da família consumidora, dos trabalhadores e do nosso planeta”11.

Para obtenção do selo “garantia de origem”, segundo as normas do Carrefour, o empreendedor compromete-se a “preservar matas e rios, obedecer às legislações ambientais e não usar aditivos químicos, mantendo cinco compromissos com o meio ambiente: “reduzir o efeito estufa, reduzir os resíduos, preservar a biodiversidade, preservar a qualidade e a disponibilidade da água e proteger os recursos hídricos”12.

Instituto Biodinâmico (IBD)13

A Associação de Certificação Instituto Biodinâmico (IBD) é uma empresa brasileira sem fins lucrativos, que desenvolve metodologias de inspeção e certificação agropecuária, de processamento e de produtos extrativistas, orgânicos e biodinâmicos. Iniciou seus trabalhos de certificação em 1990 e, desde então, opera no território brasileiro e em alguns países da América do Sul. Seus procedimentos estão relacionados com o “desenvolvimento de um padrão de agricultura sustentável baseado em novas relações econômicas, sociais e ecológicas”14.

Suas normas e diretrizes foram pautadas nos princípios social e ambiental do planeta, que sugerem a adoção de ferramentas de certificação mais específicas para auditar questões socioambientais presentes nas empresas, propriedades e grupos de produtores. Um dos focos de atuação prioritário é direcionado para implantação de relações comerciais relacionadas com os “princípios do comércio justo, no sentido de incorporar critérios de avaliação também relacionados às relações comerciais”15.

Para obter a certificação do IBD (selo ecosocial), supõe-se a garantia de que os empreendimentos “estão engajados em processos que visam o desenvolvimento sustentável,

11 Idem.

12 www.carrefour.com.br/web/br/garantiaorigem/historia.asp

13 http://www.ibd.com.br/downloads/dirleg/Diretrizes/8_1_3_DirEcoS_5Ed_110708.pdf

14 (www.ibd.br)

15 Id.

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atendendo à demanda de consumidores atentos e conscientes, cada vez mais numerosos em todos os países”16. E mais, que estão de acordo com as exigências legais de grande parte dos órgãos reguladores e fiscalizadores do comércio internacional.

Com relação aos critérios de desenvolvimento ambiental, o IBD espera que as empresas promovam a conservação ambiental e o manejo ecológico dos recursos naturais como princípios da gestão do empreendimento.

Para os empreendimentos também certificados com base nas diretrizes orgânicas do IBD, o uso de insumos deve estar em conformidade com estas normas. As empresas e propriedades com manejo convencional devem adotar “critérios rígidos de controle de possíveis danos ambientais, à saúde individual e coletiva proporcionados pelo uso de agroquímicos e outras práticas potencialmente perigosas”17.

Como critério mínimo, este certificador diz que as empresas necessitam “almejar” o cumprimento da legislação ambiental nacional, bem como a relacionada ao uso de agrotóxicos e, como “critérios de progresso”, a definição de ações que buscam minimizar os impactos ambientais decorrentes do empreendimento e promover a conservação ambiental.

Mas, na realidade, ao analisarmos as fazendas certificadas neste estudo identificamos uma profunda contradição entre o modo de produção e instalação de cada uma dessas fazendas com as diretrizes e princípios de cada certificador. Ao implementarem os seus cultivos, essas fazendas promoveram interferências na

16 Id.

17 Id.

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distribuição espacial das marés, a fragmentação do manguezal e alterações na qualidade da água, pois os empreendimentos foram instalados em áreas de preservação permanente, associadas ao desmatamento do manguezal e utilização de setores de apicum18, ou mesmo salinizando o lençol freático.

De acordo com a análise realizada neste estudo, e demais informações dos órgãos oficiais, as fazendas certificadas foram instaladas em estuários que não contam com levantamentos dos efeitos cumulativos dos impactos gerados pelos empreendimentos. Para o licenciamento, os órgãos ambientais estaduais não levaram em conta a elevada densidade de fazendas e salinas (como no caso dos estuários onde estão as fazendas certificadas), mesmo com denúncias de mortandade de peixes e contaminação da água.

18 O termo apicum em Tupi-guarani significa mangue, brejo de água salgada – apicu – picum – apicu. In: Mauro, J.D. & Silva F.A.P. Pequeno Dicionário Tupi-português disponível em: <www.ufsc.br/~esilva/Dicionario.hml#lo>. Acesso em: 10 de agosto de 2005.

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A Indústria da Carcinicultura nos Estados com Fazendas Certificadas - Rio Grande do Norte e Ceará

O IBAMA vem atuando de forma supletiva, principalmente no monitoramento e fiscalização da atividade aquícola. No entanto, de acordo com Ação Civil Pública em andamento, o IBAMA poderá ser designado como licenciador desta atividade em todo território brasileiro. Este órgão foi o responsável pela realização de diagnósticos ambientais em vários estados, principalmente no Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia, definindo a degradação dos manguezais, bem como os danos associados às comunidades tradicionais.

O licenciamento da carcinicultura nos dois estados é realizado pelos respectivos órgãos estaduais de meio ambiente (OEMA). No estado do Ceará, o licenciamento é efetuado pela Superintendência Estadual de Meio Ambiente (SEMACE) e, no estado do Rio Grande do Norte, este procedimento é executado pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente (IDEMA). É importante salientar que a Justiça Federal, através do Ministério Público Federal da Bahia, suspendeu a concessão de licenças ambientais para implantação de novos projetos de carcinicultura na Zona Costeira do estado da Bahia sem prévio estudo de impacto ambiental (EIA/Rima) e sem participação concorrente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA/MJ/MPF/BA, 2007).

Outro importante órgão nacional de pesquisa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA, 2005), também procedeu estudos no vale do rio Jaguaribe/Ceará, diagnosticando os impactos das fazendas instaladas em ambiente tipicamente fluvial. Estes estudos, associados

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aos realizados por universidades brasileiras e técnicos de ONGs, foram analisados de modo a fornecerem os principais elementos para caracterizar, de forma integrada, as bacias hidrográficas onde estão instaladas as fazendas de camarão certificadas.

Com estes subsídios, foi possível caracterizar o estado atual de decadência da carcinicultura no Nordeste brasileiro. Evidenciou-se, a partir de 2004, quedas bruscas na produtividade e na exportação; mas os primeiros sinais, relacionados com os diversos problemas ambientais e sociais gerados por esta indústria amplamente instalada nos ecossistemas costeiros de preservação permanente, já foram detectados desde 2001. Para se ter uma idéia, pesquisadores universitários, técnicos de ONGs, representações de associações comunitárias, já haviam alertado aos órgãos ambientais desde os anos de 1996. Esse foi o período em que se iniciou uma abordagem integrada desta atividade, levando em conta os ecossistemas e comunidades atingidas. Foram também denunciados os danos ambientais relacionados com a salinização do lençol freático e a contaminação da água pelos efluentes das fazendas, amplamente instaladas no manguezal e operando sem bacias de decantação.

No entanto, mesmo frente a este conjunto de denúncias, a partir de 2002 o Conselho Estadual do Meio Ambiente (COEMA/CE) aprova a Resolução 02/2002 (ver item 6), excluindo o apicum e o salgado como parte fundamental do ecossistema manguezal, assegurando a “legalidade” para implantação de uma indústria promotora de sérios impactos negativos no seio do manguezal.

A partir de então, os órgãos ambientais e bancos privados impulsionaram o processo de licenciamento e financiamento da carcinicultura em APPs. Para isso, os

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empreendedores financiaram pesquisadores de várias universidades e institutos, de modo a dar suporte técnico aos órgãos licenciadores. Foram alterados conceitos do ecossistema manguezal já amplamente consolidados na academia, subestimados impactos socioambientais e configurados cenários extremamente “adequados” para a produção de camarão em cativeiro.

Mesmo com a demonstração de que a dinâmica dos setores de apicum e das salinas abandonadas ocorre de forma interdependente e integrada aos processos geoambientais e ecodinâmicos, que atuam nas áreas com bosque de mangue, estes foram desconsiderados como unidades fundamentais do ecossistema manguezal. Constatou-se que a retomada e a continuidade das trocas laterais proporcionaram a revegetação destes setores inseridos na planície fluviomarinha, regendo a manutenção e o aumento da biodiversidade do ecossistema manguezal (MEIRELES et al. 2007).

A figura 1 representa a integração dos fluxos de matéria e energia envolvidos

na dinâmica evolutiva do ecossistema manguezal. Evidencia a origem do apicum e sua evolução para um bosque de manguezal, assim como a degradação do ecossistema manguezal com a interferência nestes fluxos, a partir da introdução das fazendas de camarão.

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Figura 1 - Evolução do ecossistema manguezal a partir da dinâmica imposta pelos fluxos de matéria e energia. Com a chegada da carcinicultura estes fluxos foram interceptados, o apicum ocupado pelas fazendas de engorda. A recuperação das áreas degradadas pelas fazendas abandonadas passa por um processo de gestão integrada e participativa, aplicação da legislação e técnicas de restabelecimento das trocas laterais com a retomada da dinâmica das marés, para a ciclagem de nutrientes e dos níveis adequados para o incremento da biodiversidade. Fonte: Meireles et al, 2007.

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O fluxo de materiais sedimentares, através da ação das ondas e marés (long shore drift), dos ventos e aporte fluvial, promoveu a construção de bancos de areia nos canais estuarinos (PANNER & PANNIER, 1980; MEIRELES et al., 1989; PERILLO, 1995; ROMAN & NORDSTROM, 1996). Com a interação hidrodinâmica dentro dos canais, esses bancos de areia, na maioria dos estuários existentes na planície costeira cearense, evoluíram para setores de apicum e, posteriormente vegetados, atuaram como unidades de expansão do bosque de manguezal. Quando associado à origem de flechas de areia na desembocadura dos estuários, interferiram na dinâmica morfológica e batimétrica dos canais internos, promovendo desvio e soterramento de gamboas e assoreamento de áreas com vegetação de mangue, dando origem ao apicum.

A dinâmica regida pelo fluxo das marés, água doce proveniente do aquífero e do escoamento superficial, regulou os processos geoambientais para a retomada da vegetação de mangue. A diminuição da cobertura vegetal, evoluindo para a presença de indivíduos de pequeno porte, reconduzindo áreas com vegetação de mangue para o apicum, foi verificada por meio das mudanças morfológicas nos canais de maré, eventos de aportação de sedimentos arenosos sobre áreas de manguezal e a movimentação dos bancos de areia ao longo das gamboas e do canal principal.

Foi através das interferências das piscinas de engorda, envolvendo, neste caso, as fazendas certificadas, que foram avaliados os impactos ambientais, principalmente os relacionados com a produtividade primária, fragmentação do manguezal e extinção de importantes áreas de preservação permanente, vinculadas ao domínio das marés.

A Figura 2, representando os principais impactos ambientais caracterizados nas vistorias técnicas, evidencia as unidades do ecossistema manguezal (vegetação de mangue, apicum, canal de maré, gamboas e bancos de areia) e demais ecossistemas associados (mata ciliar e do carnaubal), ocupados pela carcinicultura. Estes impactos promoveram alterações na ecodinâmica, morfologia dos canais, na hidrodinâmica estuarina e fragmentação e extinção de habitats de uma diversificada fauna e flora.

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Figura 2 – Perfil longitudinal do ecossistema manguezal, mata ciliar e carnaubal e os impactos ambientais associados com a extinção do apicum, desmatamento do manguezal e da mata ciliar, soterramento das gamboas e canais de maré. Fonte: Meireles et al, 2007

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Contexto Ambiental das Fazendas Certificadas

As fazendas certificadas estão inseridas em sistemas ambientais fortemente impactados, em grande parte com sérios problemas de contaminação por efluentes industriais e domiciliares, perda de biodiversidade pela supressão de vegetação de mangue e ocupação inadequada de áreas de salgado e apicum. A tabela II evidencia os sistemas estuarinos onde estão instaladas fazendas certificadas, com o total de fazendas e área ocupada pela indústria da carcinicultura (não-certificadas).

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TABELA II - Fazendas certificadas e o total de fazendas de engorda

Estuários Fazendas Certificadas

N‘ de Fazendas Certificadas

N‘ de Fazendas Não-

certificadas

Áreas das Fazendas

CertificadasÁrea Total (ha)

Rio Grande do Norte

Piranhas-Assu

Peixe-boi (Carrefour)

2 (2,7%) 72600 (7,8%)

7.624,27Água Viva I (Naturland) 22 (0,28%)

Guamaré-Galinhos

Aratuá(Carrefour) 1 (2,7%) 36 149 (12,7%) 1.173,55

Guaraíras-Papeba-Arês

Primar(IBD) 1 (0,4%) 253 42 (3,10%) 1.276,13

Curimataú Cana Brava (Carrefour) 1 (1,8%) 55 122,37

(8,36%) 1.463,49

Ceará

Jaguaribe Biocrab(Naturland) 1 (0,7%) 129 52 ha (1,83%) 2.834,22

Acaraú Lagoa Azul(ISO 14001) 1 (3,15%) 32 76,52 ha

(6,4%) 1.195,38

Fonte: Meireles e Queiroz (2007) a partir de dados da pesquisa e do IBAMA (2005).

No Estado do Rio Grande do Norte (Figura 3), de acordo com os dados fornecidos pelo IDEMA, nos manguezais associados às cinco fazendas certificadas foi identificado um total de 416 fazendas, o que representa 67% do total de 620 fazendas de camarão (perfazendo uma área, ocupada pela carcinicultura, de 14.539,42ha) IDEMA/ZEE/RN (2005). A carcinicultura evoluiu de forma intensiva em sete estuários do litoral potiguar: Apodi-Mossoró; Piranhas-Açu; Galinhos-Guamaré; Ceará-Mirim; Potengi; Guaraíras e Cunhaú/Curimataú.

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Essa expansão se deu em parte pela substituição das salinas por áreas ocupadas por viveiros para a criação de camarão. Cabe ressaltar que, em parte destas áreas, o manguezal estava em franca recuperação, quando da implantação dos tanques de camarão, constatando-se, desta forma, a supressão de manguezal em regeneração (CASSOLA et al., 2004). Ainda segundo esses autores, o que se torna mais problemático em relação à expansão da carcinicultura no RN é a ocupação de extensas áreas de preservação permanente, que se dá em franco descumprimento da legislação ambiental vigente.

Figura 3 - Localização regional das principais bacias hidrográficas do Rio grande do Norte e as fazendas certificadas (modificado de IDEMA, 2003).

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Em uma megaoperação de fiscalização realizada pela Diretoria de Proteção Ambiental (DIPRO) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), entre dezembro de 2001 e maio de 2002, foram autuados e embargados os empreendimentos que não dispunham de licença ambiental ou estavam instalados em áreas de manguezal. Segundo Cassola et ali (op cit.), de um total de 8.500ha, foram inspecionados 1.200ha de áreas de cultivo com 494 viveiros instalados e pertencentes a 198 proprietários. Foram lavrados 267 autos de infração e embargo, sendo 187 autos em virtude de operação dos empreendimentos, sem qualquer licença ambiental, e 80 por ocupação e supressão de áreas de preservação permanente, notadamente áreas de manguezal.

Outros problemas nos estuários com fazendas de camarão certificadas estão relacionados com a emissão de contaminantes provenientes das práticas extensivas na agricultura (p.ex. a monocultura da cana-de-açúcar); como podemos observar a partir de trecho de uma reportagem realizada por jornal local:

As primeiras análises feitas pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Estado (IDEMA) sobre o zoneamento e capacidade de suporte de sete rios do RN mostraram que o rio Curimataú, que cruza Canguaretama, Baía Formosa e Pedro Velho, está comprometido devido à degradação gerada pelas atividades da agricultura e carcinicultura instaladas nas proximidades do estuário (jornal TRIBUNA DO NORTE RN, 10/12/03)19.

De acordo com Fernandes (2005) as atividades desenvolvidas na Laguna de Guaraíras — sem planejamento e não levando em conta o comportamento do ecossistema e sua capacidade de suporte — vem causando impactos ambientais numa velocidade estarrecedora. O problema do lixo doméstico e industrial que são depositados no interior das lagunas, juntamente com os rejeitos provenientes do saneamento, sem nenhuma espécie de tratamento, também é responsável pelos danos causados à fauna e a flora.

É neste sistema ambiental fortemente impactado pela carcinicultura, por efluentes

19 http://www.semarh.rn.gov.br/detalhe.asp?IdPublicacao=1725

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domiciliares, industriais e problemas com a contaminação da água derivada dos agrotóxicos empregados na monocultura da cana-de-açúcar, que se encontra instalada a fazenda Primar (Figura 4).

A Primar está localizada no Município de Tibau do Sul, às margens do complexo lagunar-

estuarino de Guaraíras. Durante a visita realizada nesta fazenda, a equipe foi muito bem recebida e a entrevista ocorreu de modo a, inclusive, avaliar os problemas ambientais relacionados com as fazendas vizinhas. De acordo com proprietário da Primar, “toda a atividade de produção ocorre sem a utilização de ração e consorciada com a aquicultura de ostras”. Ao referir-se aos métodos de tratamento dos efluentes, argumentou que, com densidade entre 1 (um) a 3 (três) camarões por m2, não adição de ração (a engorda é “natural” e realizada através da constante renovação da água rica em nutrientes) e a criação de ostras nas próprias piscinas de camarão (policultivo), “não promove o incremento de matéria orgânica para o sistema lagunar”. Sua produção, antes destinada ao mercado internacional europeu, agora está direcionada para o mercado interno. Mas, embora reconhecendo a importância destes procedimentos, é preciso ressaltar que o sistema lagunar-estuarino raso com 252 outras áreas produtoras de camarão em cativeiro passa por um processo

Figura 4 - Fotografias da fazenda Primar (certificada pelo IBD) que evidenciam sua localização dentro do ecossistema manguezal. Fonte: www.primarorganica.com.br

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de assoreamento (colmatação com forte relação com as diversas formas de uso e ocupação da bacia hidrográfica). O elevado número de fazendas em suas margens influencia no incremento de matéria orgânica e riscos elevados de eutrofização.

A figura 5 mostra a elevada quantidade de sedimentos de fundo em forma de bancos alongados na direção do fluxo das marés, evidenciando a passagem de material em suspensão para a faixa de praia. A pluma de material em suspensão acompanha a direção preferencial da deriva litorânea (localmente de sul para norte).

Figura 5 - Sistema lagunar-estuarino de Guaraíras (Imagem Spot, 1994) evidenciando um sistema raso com os bancos de areia direcionados de acordo com a dinâmica das marés.Fonte: Imagem Spot (1994) modificada por Meireles e Queiroz, 2008.

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Das fazendas certificadas pelo Carrefour, pertencem à empresa Camanor — Cana Brava (Canguaretama/RN, figura 6), Aratuá (Guamaré/RN, figura 7) e Peixe-Boi (Porto do Mangue/RN, figura 8) — 02 (duas) estão inseridas em complexos estuarinos e relacionadas com os impactos ambientais associados às interferências em áreas de preservação permanente (IDEMA/ZEE/RN, 2005).

Figura 6 - Evolução do sistema estuarino de Guaraíras, onde está instalada a fazenda Camanor (certificada pelo Carrefour), evidenciando o intenso processo de ocupação de áreas de preservação permanente. Evidencia-se a extensão ao longo da margem esquerda do estuário.

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Contrariando os critérios “garantia de origem”, não foi autorizado o acesso às fazendas certificadas pelo Carrefour. Mesmo tratando-se de um sistema de certificação integrado ao programa “Portas Abertas”20 (para que os clientes possam conhecer o sistema de produção e suas práticas socioambientais), não foi possível entrevistar os gerentes e trabalhadores, para elaboração do diagnóstico de suas práticas ambientais.

20 “Visita às fazendas parceiras: (...) Esse evento é chamado de “Portas Abertas”, o que significa não só o compromisso em levar conhecimento aos clientes, mas a confiança de sempre trabalhar nas condições ideais para levar o melhor produto à mesa do consumidor” (www.carrefour.com.br/Default.aspx?url=http%3A//www.carrefour.com.br/web/br/garantiaorigem/acoeslojas.asp).

Figura 7 - imagem Landsat (2000) com as fazendas plotadas a partir de imagem Quik Bird (2005, em vermelho). Observa-se que a fazenda Aratuá (certificada pelo Carrefour) encontra-se dentro do ecossistema manguezal e diretamente associada à cidade de Guamaré.

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Diante dos problemas ambientais e alterações no valor do dólar, a fazenda Água Viva localizada no Município de Carnaubais/RN e certificada pela Naturland passou a investir no mercado interno. Algumas iniciativas, no entanto, começaram a acontecer para a retomada das exportações, como é o caso da certificação com o selo Naturland. Entre março e abril de 2007 esta fazenda conseguiu exportar seu primeiro lote de camarão orgânico do Brasil para o mercado europeu (Alemanha, Suíça, Áustria, França, Espanha). Este fato, porém, não significou o retorno considerável

Figura 8 - Evolução da área de manguezal relacionada à implantação das Fazendas de camarão entre 2000 e 2007. Observa-se a elevada densidade de fazendas que ocuparam áreas de manguezal e apicum. É neste contexto que se encontra a fazenda Peixe-boi certificada pelo Carrefour. Fonte: Imagem Landsat (2000) modificada por Meireles e Queiroz, 2008.

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da sustentabilidade econômica do negócio, conforme observamos a partir do depoimento abaixo:

Não existe uma relação direta [do produto] orgânico com preço maior, mas existe um nicho de mercado. Nós não ganhamos em preço, mas voltamos a exportar depois de quase dois anos tentando retomar. Hoje só quem exporta são os grandes, se uma fazenda pequena conseguiu e se o orgânico possibilitar pra (sic) nós somente a possibilidade de voltar a exportar, isso já é um ganho. (sócio da fazenda Água Viva).

No Estado do Ceará, de acordo com o IBAMA (2005), do total de 245 fazendas licenciadas em 2004 pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE), 84,1% promoveram impactos ao ecossistema manguezal (fauna e flora do mangue, apicum e salgado); 25,3% o desmatamento do carnaubal e 13,9% ocuparam áreas antes destinadas a outros cultivos agrícolas de subsistência.

A figura 9 apresenta os principais estuários analisados e os que estão associados às fazendas certificadas ao longo da planície costeira cearense. Em todas as bacias hidrográficas foram instaladas fazendas de camarão. Para o processo de licenciamento não foram realizados estudos relacionados com a definição do potencial de suporte e de vulnerabilidade ambiental para a instalação desta indústria. Canais fluviomarinhos, sistemas lacustres e uma diversidade de aspectos dinâmicos locais (sedimentológicos, morfológicos, hidrológicos e habitats) não foram levados em conta. Os sistemas ambientais foram amplamente utilizados para a instalação dos tanques de engorda, — que inclusive guardaram as dimensões das estruturas de produção implantadas nos grandes estuários — a construção de extensos canais de adução e o lançamento de efluentes.

No rio Jaguaribe, que abriga 129 fazendas, perfazendo um total de 2.834,22ha; 44,2% das piscinas de camarão foram construídas, interferindo diretamente no ecossistema manguezal e 63,6% promoveram danos de elevada magnitude a um dos mais importantes carnaubais das bacias hidrográficas cearenses.

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Situação que se expressa na fazenda Biocrab, localizada no município de Aracati/CE e certificada pela Naturland, que opera em um contexto completamente dominado por fazendas não certificadas. Em um raio de aproximadamente 4km, foram instaladas mais de dez fazendas de camarão, superando os 250ha permitido por sua certificadora, a Naturland. Além disso, todas retiram água do canal principal do rio, através de diques e canais de maré.

Analisando os impactos cumulativos e, localmente, os relacionados com a possibilidade de salinização do lençol freático — já amplamente denunciados pelos moradores das comunidades atingidas — e os problemas com o tratamento dos efluentes, conclui-se que a fazenda certificada

Figura 9 – Localização regional das fazendas certificadas ao longo da Zona Costeira do estado do Ceará – nordeste do Brasil (rio Jaguaribe: Fazenda Biocrab/NATURLAND – rio Coreaú: Fazenda lagoa Azul/ISO 14.001). Fonte: Imagem Landsat (2000) modificada por Meireles e Queiroz, 2008.

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Biocrab está instalada em um sistema seriamente comprometido por esta indústria21. Estudos desenvolvidos nesta região permitiram constatar que 77% das fazendas de camarão não contam com bacias de sedimentação, lançando seus efluentes na água dos rios, lagoas e estuários. Desta forma, os principais setores do ecossistema manguezal (apicum, gamboas, salgados, bosques de manguezal) se relacionam diretamente com a água proveniente dos eventos de despesca do camarão. Até lagoas de água doce foram utilizadas como bacias receptoras de efluentes, sem o devido tratamento. No rio Jaguaribe, 70,31% das fazendas de camarão não contam com lagoas de estabilização.

Isso explica o fato dos municípios localizados no médio curso do rio Jaguaribe — onde as fazendas utilizam água doce ou salobra — enfrentarem dificuldades com a disponibilidade de água e os núcleos urbanos passarem por sérios problemas de infra-estrutura de saneamento básico. De acordo com Araújo et al. apud (EMBRAPA, 2004), o rio Jaguaribe recebe alta carga de poluição, seja pontual ou difusa, por esgotos domiciliares e hospitalares, efluentes de matadouros públicos, resíduos sólidos, criatórios de animais e drenagem de perímetros irrigados que, direta ou indiretamente, afetam a qualidade da água exigida para o cultivo do camarão.

Durante a visita a Biocrab (figura 10), identificou-se que a fazenda foi instalada em terraço fluvial, inserida em um contexto onde estão associadas várias outras fazendas não certificadas. Todas associadas ao canal de maré vinculado ao leito principal do rio Jaguaribe, de onde retiravam a água para realizarem os cultivos. Foi possível identificar, também, que a fazenda se encontrava em fase de ampliação dos viveiros, para qual se previa a utilização de uma área antes associada ao carnaubal — desmatado para a implantação das piscinas — cujo impacto provavelmente seria a salinização do lençol freático e ampliação da abrangência da salinização. Segundo EMBRAPA (2004):

21 Ver dados do IBAMA, 2005 e EMBRAPA, 2004

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As características do solo influenciam diretamente no consumo de água em fazendas de camarão. As localizadas em solos arenosos requerem um maior volume de água para reparar as perdas elevadas por infiltração. Numa fazenda cujo solo apresenta teor de areia de 199 g/kg, silte 677 g/kg, argila 124 g/kg e com porosidade de 50%, as perdas no viveiro chegam a 40 mm/dia no período noturno sem drenagem do viveiro, referente à infiltração. De acordo com o Código de Boas Práticas na Criação de Camarão da Aliança Global de Aqüicultura (Global Aquaculture Alliance, 2003), os solos ideais para a carcinicultura são os que possuem uma mistura balanceada de areia, silte e argila e que possuem não mais que 10% de matéria orgânica.

Figura 10 - Fazendas de camarão associadas com a Biocrab e áreas aproximadas em hectares.Fonte: Imagem Google-2005, modificada por Meireles e Queiroz, 2008.

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Para a construção do canal de adução foi utilizada antiga drenagem natural e realizada dragagem para aprofundamento e retificação de suas margens. A partir destas obras, possibilitou-se a entrada do volume de água adequado para suprir os tanques de engorda. As figuras 11 e 12 mostram o local de bombeamento de água do estuário e permitem verificar que foram realizados movimentos de terra e desmatamento do carnaubal.

Figura 12 - Canal de adução da fazenda Biocrab. Fonte: Meireles, 2005.

Figura 11 - Localização da fazenda Biocrab em um contexto geoambiental representado por terraços fluviais e fluviomarinhos. Foi desmatada uma área de carnaubal para a implantação dos tanques de engorda, canais de adução e de descarte de efluentes.Fonte: Imagem Google (2005), modificada por Meireles e Queiroz, 2008.

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No baixo curso da bacia hidrográfica do rio Acaraú — onde se encontra instalado o empreendimento certificado pelo ISO 14001, denominado Lagoa Azul (76,527ha; figura 13) — a carcinicultura, como nas demais bacias hidrográficas, está promovendo impactos socioambientais negativos e de elevada magnitude.

Figura 13 - Localização da fazenda Lagoa Azul, estuário do rio Acaraú, inserida em Área de Preservação Permanente (APP).Fonte: IBAMA, 2005.

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A fazenda certificada encontra-se instalada em espaço com um total de 32 empreendimentos em uma área de 1.195,38ha (com uma área média por fazenda de 38,56ha). Do total dos empreendimentos, 96,9% apresentaram interferência direta no apicum; 78,1% promoveram danos associados ao bosque de manguezal; 21,9% utilizaram áreas pertencentes ao setor tabuleiro litorâneo; 6,3% utilizaram sistemas dunares para implantação dos equipamentos e 3,1% interferiram em áreas antes utilizadas para o plantio de subsistência. Dos empreendimentos existentes na bacia do Acaraú, verificou-se que 30 foram instalados em ambientes caracterizados como Áreas de Preservação Permanente (APP), dos quais 18 promoveram o desmatamento do ecossistema manguezal (IBAMA, 2005).

A demanda de água para o desenvolvimento do processo industrial é intensa, isto em decorrência das necessidades de renovação diária e por ciclo, pelas perdas por infiltração e por evaporação em condições de clima semi-árido. O consumo foi estimado entre 132 a 373m3/ha. A demanda foi definida em 7,2 milhões de m3/mês em 2002, superior ao consumo da população daquela época na região (médio e baixo curso do rio Jaguaribe) (CEARÁ, 2008).

Frente a esta demanda por água, os carcinicultores alcançaram índices de inadimplência junto à Companhia de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (COGERH) na ordem de R$ 735.950,00 (pagando apenas 1,8% do valor cobrado) (CEARÁ, 2008). Dívidas superiores às alcançadas por todo setor industrial do Estado.

As piscinas de engorda impactaram importantes sistemas reguladores dos eventos de máxima vazão fluvial (cheias), durante o período de invernos rigorosos, quando o volume de água canalizado extrapola as margens do Rio, ocupando as áreas da planície fluviomarinha e de várzea. Ao serem utilizadas pela carcinicultura, ocorreram alterações na hidrodinâmica dos canais, provocando inundações e atingindo unidades afastadas do domínio fluvial (utilizadas para a agricultura de subsistência e núcleos habitacionais). A ocupação de setores da planície fluviomarinha poderá incrementar os riscos de inundações e afetar áreas urbanizadas, antes dispostas em setores desprovidos de riscos de cheias.

A maioria dos empreendimentos relacionados com as fazendas certificadas promoveu a disseminação de espécies exóticas, pois, quando ausentes, contavam com precários mecanismos

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de segurança para evitar a invasão da espécie de camarão Litopenaeus vannamei, estranha e nociva aos manguezais do Brasil.

Em relação à geração de empregos, segundo dados utilizados pela ABCC, a carcinicultura promove 1,89 emprego direto por hectare no Ceará e 1,2 no Rio Grande do Norte (SAMPAIO e COUTO, 2003). De acordo com o IBAMA (2005), entretanto, no rio Jaguaribe esta gerou 0,89 e 0,41 empregos por hectare nas fazendas instaladas no estuário e sistema fluvial, respectivamente (o índice mais elevado está relacionado com empregos promovidos pelo beneficiamento). No rio Acaraú, foram registrados 0,58 emprego por hectare (IBAMA, 2005). No Rio Grande do Norte, as fazendas certificadas promovem índices ainda mais baixos, conforme podemos observar na tabela III, que evidencia as fazendas certificadas e os empregos gerados.

Comparando os índices gerais divulgados pela ABCC (2004) com os associados às fazendas certificadas (sem levar em conta os gerados pelo beneficiamento do camarão na fazenda Cana Brava/Camanor/Carrefour), verifica-se o alcance de índices de até seis vezes menos empregos por hectare. Constatou-se que, tanto na indústria com elevada produtividade como nas que estão apostando nos selos de garantia (regidos fundamentalmente pela introdução da baixa produtividade), os empregos oferecidos são poucos. Como afirmam Batista e Tupinambá (2004), o cultivo de camarão obedece à lógica do agronegócio, sendo uma atividade mais intensiva na busca da lucratividade do que na capacidade de gerar empregos, ou seja, oferece poucas oportunidades de emprego para as populações costeiras e rurais, e, quando oferecem, são trabalhos temporários, mal remunerados e que, na maioria das vezes, não oferecem segurança ao trabalhador.

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TABELA III - Empregos por hectare nas fazendas de camarão certificadas

Fazendas Certificadas Área (ha) N0 de empregos Emp./ha Certificados

Rio Grande do Norte

Peixe-boi (CARREFOUR) 600 201 0,33

Água Viva I (NATURLAND) 22 8 0,36

Aratuá (CARREFOUR) 149 72 0,49

Primar (IBD) 42 12 0,28

Cana Brava (CARREFOUR) 122,37 266* 1,77*

Ceará

Biocrab (NATURLAND) Rio Jaguaribe

8 12 1,5

Lagoa Azul (ISO 14.001)

Rio Acaraú76,527 76 1,0

Fonte: Compilado por Meireles e Queiroz a partir de dados da pesquisa do IBAMA (2005) e como não tivemos acesso as fazendas da Camanor utilizamos informações do site (http://www.camanor.com.br/).(*) Considerando também o beneficiamento.

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Impactos socioambientais associados às fazendas certificadas

No que tange aos impactos socioambientais, os resultados ajudam a constatar que as fazendas certificadas degradaram o ecossistema manguezal e a mata ciliar, estando inseridas em sistemas ambientais com elevado número de fazendas não certificadas e, desta forma, vinculadas ao conjunto de impactos socioambientais que alteraram a qualidade da água, a biodiversidade e o modo de vida comunitários dos povos do mar e etnias. Estas fazendas não conseguem romper com esse ciclo de degradação. Além disso, os impactos cumulativos não foram levados em conta no processo de certificação, realizado de forma isolada e aleatória, sem critérios integrados com o sistema ambiental e, muito menos, com os diversos problemas ambientais (principalmente os relacionados com a qualidade da água) ao longo das bacias hidrográficas.

A tabela IV evidencia uma síntese dos impactos ambientais entre as fazendas certificadas e as não certificadas. Observou-se um esforço dos carcinicultores quanto à necessidade de não utilizar ração industrial, entretanto, sem critérios definidos de modo a utilizar implementos e processos produtivos também relacionados com sistemas de certificação.

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TABELA IV – Síntese dos impactos socioambientais

Impactos Fazendas Certificadas Fazendas NÃO Certificadas

Degradação do ecossistema manguezal

Foram evidenciados viveiros de camarão inseridos em áreas de preservação permanente

A maioria das fazendas está operando dentro do ecossistema manguezal

Degradação da mata ciliar

A fazenda que não se encontra no manguezal conta com viveiros construídos na margem do sistema fluvial, dentro de áreas de preservação permanente

Foram evidenciados viveiros de camarão inseridos em áreas antes ocupadas por carnaubal e complexo vegetacional definido como mata ciliar

Conflitos com as comunidades tradicionais e indígenas

Inseridas em bacias hidrográficas com conflitos de uso dos recursos ambientais de usufruto tradicional

Danos ambientais e utilização de áreas antes relacionadas com uso tradicional por pescadores e indígenas para a pesca e mariscagem

Larvicultura Parte das fazendas certificadas não adquire larvas certificadas Larvas não certificadas

Ração

Esforço dos produtores em não utilizar ração industrial, apesar dos implementos (farinha de mandioca, melaço de cana-de-açucar) não serem certificados

Ração industrial

Efluentes

Evidenciaram-se práticas relacionadas com a diminuição dos impactos, isto devido aos baixos índices de adensamento de camarão nos viveiros e utilização de ração não industrializada (não foi possível evidenciar este procedimento nas fazendas da CAMANOR)

Sérios problemas ambientais com a qualidade da água dos estuários com o lançamento dos efluentes sem tratamento adequado durante os eventos de despesca

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Impactos Fazendas Certificadas Fazendas NÃO Certificadas

Beneficiamento

Verificou-se que parte das fazendas utiliza processo de beneficiamento na mesma indústria que realiza esta atividade para as não certificadas

Indústrias não certificadas

Processo de certificação

Não leva em conta os danos socioambientais e os impactos cumulativos nas bacias hidrográficas. Fazendas inseridas em estuários com sérios problemas vinculados à qualidade da água (poluição dos efluentes domiciliares e industriais)

-

Danos à biodiversidade

Fragmentação dos ecossistemas manguezal e mata ciliar, bloqueio das trocas laterais, extinção de setores de apicum. Ocuparam áreas de domínio dos fluxos flúvio-marinhos e fluviais

Impactos evidenciados pela utilização dos ecossistemas manguezal e mata ciliar. Foram evidenciados eventos de mortandade de peixes e caranguejos denunciados pelas comunidades tradicionais

Fonte: Dados da pesquisa.

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Revisão do Ordenamento Jurídico Vinculado à Preservação do Ecossistema Manguezal

Para definir as bases jurídicas relacionadas com a proteção e preservação do ecossistema manguezal, bem como ações de uso e ocupação da Zona Costeira e ecossistemas associados, realizou-se uma pesquisa no ordenamento jurídico brasileiro.

A Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Capítulo VI, que trata Do Meio Ambiente, em seu Art. 225 diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de

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impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade; § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei; § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados; § 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

Como se percebe a partir do texto, a Constituição Federal atribui como dever do Poder Público e dos particulares preservar a biodiversidade, notadamente a flora, a fauna, os recursos hídricos, as belezas naturais e o equilíbrio ecológico, evitando a poluição das águas, solo e ar, pressuposto intrínseco ao reconhecimento e exercício do direito de propriedade, nos termos dos arts. 5º, caput (direito à vida) e inciso XXIII (função social da propriedade), 170, VI, 186, II, e 225;

E, praticamente, todos os parágrafos e incisos do Art. 225 da Constituição Federal foram regulamentados por leis complementares:

Lei Federal Nº 9.605, de 12.02.1998 – Lei dos Crimes Ambientais: Dispõe sobre as sanções penais e administrativas lesivas ao meio ambiente.

Lei Federal Nº 9.985, de 19 de julho de 2000 – Lei do SNUC: institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e dá outras providências. Regulamenta o art.

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225, § 1º, incisos I, II, III e IV da Constituição Federal.

Lei Federal N° 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Código Florestal22) e Medida Provisória 2.166-67, estabelecem Áreas de Preservação Permanente (APPs):

Art. 3° - Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:a) a atenuar a erosão das terras;b) a fixar as dunas;c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas; h) a assegurar condições de bem estar público.

No entanto, o que temos observado nos estados onde foram definidas as fazendas certificadas é um total desacordo com a Resolução CONAMA 303/2002 (Conselho Nacional do Meio Ambiente) de 20 de março de 2002; que estabelece o seguinte:

Art. 1º Constitui objeto da presente Resolução o estabelecimento de parâmetros, definições e limites referentes às Áreas de Preservação Permanente.Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:(...)

22 Atualmente o Código Florestal brasileiro passa por um processo de reforma que exclui explicitamente os apicuns e salgados — produtores de nutrientes e sais minerais, refúgio e alimentação das aves locais e migratórias, setores de mariscagem e pesca, sistemas ambientais essenciais para a biodiversidade — como pertencentes ao ecossistema manguezal. Esta flexibilizaçãodo é entendida como uma oportunidade para a retomada da mercantilização da natureza com a expansão dos empreendimentos aquícolas. Para as comunidades costeiras, organizações da sociedade civil e pesquisadores essa reforma é motivo de grande preocupação o que significa impactos cumulativos que produzem externalidades relacionadas com a degradação contínua das funções e serviços socioambientais do ecossistema manguezal.

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IX - manguezal: ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos baixos, sujeitos à ação das marés, formado por vasas lodosas recentes ou arenosas, às quais se associa, predominantemente, a vegetação natural conhecida como mangue, com influência flúvio-marinha, típica de solos limosos de regiões estuarinas e com dispersão descontínua ao longo da costa brasileira, entre os estados do Amapá e Santa Catarina;Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:(...)IX - nas restingas: a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima; b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues;X - em manguezal, em toda a sua extensão;XIII - nos locais de refúgio ou reprodução de aves migratórias;(...)XIV - nos locais de refúgio ou reprodução de exemplares da fauna ameaçadas de extinção que constem de lista elaborada pelo Poder Público Federal, Estadual ou Municipal;Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:I - em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima, de:a) trinta metros, para o curso d`água com menos de dez metros de largura;b) cinqüenta metros, para o curso d`água com dez a cinquenta metros de largura;c) cem metros, para o curso d`água com cinquenta a duzentos metros de largura;d) duzentos metros, para o curso d`água com duzentos a seiscentos metros de largura;e) quinhentos metros, para o curso d`água com mais de seiscentos metros de largura.

No Estado do Ceará, com o rápido desenvolvimento da carcinicultura em planícies hipersalinas (apicum) e nos bosques de manguezal, foi elaborada, por técnicos da SEMACE e consultores vinculados à ABCC, a Resolução Nº 02/2002 de 27 de março de 2002. Com esta resolução estadual foram reelaborados conceitos já consagrados pela literatura científica:

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Art. 1º Para efeito desta resolução são adotadas as seguintes definições:(...)IX - Manguezal: é o ecossistema litorâneo, com influência flúvio-marinha, que ocorre em terrenos sujeitos à ação das marés, formado por vasas lodosas ou arenosas recentes, às quais se associa, predominantemente, a vegetação natural conhecida como mangue, e cuja importância ecológica concentra-se na exportação significativa de matéria orgânica particulada e dissolvida para os ecossistemas estuarino e marinho e na proteção contra a erosão da linha de costa. X - Salgado: é o ecossistema desprovido de vegetação vascular desenvolvendo-se entre o nível médio das preamares de quadratura e o nível das preamares de sizígia equinociais, em faixa de terra hipersalina com valores da água intersticial acima de 100 ppm (partes por milhar), normalmente situado em médio-litoral superior. XI - Apicum: é o ecossistema de estágio sucessional tanto do manguezal como do salgado, onde predomina solo arenoso e relevo elevado que impede a cobertura dos solos pelas marés, sendo colonizado por espécies vegetais de caatinga e/ou mata de tabuleiro. XII - Salinas: são áreas antropizadas que geram ecossistemas apresentando hipersalinidade residual de solo, e consequentemente baixa capacidade de regeneração natural por vegetação de mangue.

O Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) da Zona Costeira do estado do Ceará define apicum utilizando a Resolução descrita acima e evidencia que deverá ser utilizado “acima do nível médio das marés com 20% de áreas de salgado ou apicum preservadas” (SEMACE, 2004). O referido documento classifica estas unidades do ecossistema manguezal como pertencentes ao sistema fluviomarinho, inclusive atribuindo o domínio das marés em seu processo evolutivo “os apicuns, atingidos apenas por marés de equinócio, ocupam as partes mais altas dos ambientes flúvio-marinhos. Sua vegetação é frequentemente constituída de gramíneas e carnaubais que suportam solo com alto grau de salinidade” (SEMACE, 2004). Verificou-se, claramente, incompatibilidade entre as definições relacionadas com a legislação e o referido documento, que, no mínimo, poderia ser classificado como terreno de marinha (pertencente à União) ou como Área

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de Preservação Permanente, segundo leis federais e resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

Mas, resultados de pesquisas e diagnósticos ambientais realizados por órgãos do Governo Federal e universidades brasileiras (IBAMA, 2005; EMBRAPA, 2004; SHAFER-NOVELLI, 2006; CASSOLA, 2004) definiram que o apicum é regido pelos processos ecodinâmicos e geoambientais que se desenvolvem no ecossistema manguezal. Prova disso é que antigos setores de apicum agora se encontram completamente cobertos pela vegetação de mangue, o que contraria frontalmente a Resolução COEMA 02/2002 (estado do Ceará) “ecossistema de estágio sucessional tanto do manguezal como do salgado, onde predomina solo arenoso e relevo elevado que impede a cobertura dos solos pelas marés, sendo colonizado por espécies vegetais de caatinga e/ou mata de tabuleiro”.

A evolução espaço-temporal da cobertura vegetal em salinas abandonadas demonstrou alta capacidade de regeneração por vegetação de mangue. Verificou-se que bastou ser restabelecida a entrada das marés (rompimento dos diques), desencadeando as trocas de matéria e energia com a hidrodinâmica estuarina, a ciclagem de nutrientes e a mudança nos valores de salinidade da cobertura sedimentar, para o início da revegetação e a entrada da fauna (MEIRELES e VICENTE DA SILVA, 2006).

Nesse sentido, a referida resolução tratou equivocadamente a dinâmica ambiental do ecossistema manguezal, quando definiu salinas abandonadas como “áreas antropizadas que geram ecossistemas apresentando hipersalinidade residual de solo, e consequentemente baixa capacidade de regeneração natural por vegetação de mangue”.

Os aspectos geomorfológicos (altitude correlata às oscilações de maré, superfície plana e declividade suave), a relação com as oscilações das marés, e a constituição sedimentológica dos setores de apicum, propiciaram uma interação particular com o fluxo subterrâneo de água doce. Ao direcionar-se para os baixos cursos fluviais e para as áreas estuarinas, encontramos neste setor uma importante zona de exutório. A água doce ressurgente é conduzida por uma densa rede de canais de maré, regulando, assim, a salinidade intersticial e dissolvendo os sais precipitados em superfície. Desta forma, evidenciou-se o apicum que faz parte do ecossistema manguezal e

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trata-se de estado sucessional de acordo com a dinâmica imposta por uma elevada quantidade de componentes biológicos e físico-químicos.

Ou seja, a evolução do apicum está diretamente relacionada com os fluxos de matéria e energia. Estando estes distribuídos no estuário e integrados pelos processos geoambientais e ecodinâmicos ao longo da bacia hidrográfica. Mas, com a introdução da carcinicultura, desencadeou-se o bloqueio das trocas laterais e a fragmentação do ecossistema manguezal e, consequentemente, estagnação dos apicuns. No entanto, estudos apontam que estuários do Ceará, setores de apicum e salinas abandonadas foram revegetados em até 12 anos, bastando somente a retomada dos fluxos (ciclagem de nutrientes, sais minerais e demais componentes geoquímicos), antes interceptados pelos diques das piscinas de engorda.

Vale destacar que a estagnação dos fluxos que movimentam a vegetação do apicum está atrelada a ação das fazendas de camarão, inclusive as certificadas, que promovem interferências na distribuição espacial das marés, fragmentação do manguezal e alterações na qualidade da água. Além disso, estão instaladas em áreas de preservação permanente, promovendo desmatamento do manguezal e utilização de setores de apicum, ou mesmo salinizando o lençol freático.

De acordo com a Resolução CONAMA No 312/02, de 18 de outubro de 2002, que dispõe sobre o licenciamento ambiental dos empreendimentos de carcinicultura na zona costeira, temos, conforme o Art. 5º “[…] que empreendimentos com área superior a 50ha [são] sujeitos à apresentação de EIA/RIMA”; e ainda:

Art. 7º que a atividade de carcinicultura poderá apresentar impactos em nível regional em função do efeito cumulativo dos vários empreendimentos localizados em uma mesma região, fazendo-se necessária a implantação de zoneamento, para um melhor ordenamento das áreas produtoras e redução dos impactos ambientais.

No entanto, tomando em conta a análise realizada neste estudo e demais informações dos órgãos oficiais, as fazendas certificadas foram instaladas em estuários que não contam com levantamentos dos efeitos cumulativos dos empreendimentos. Para o licenciamento, os órgãos

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ambientais estaduais não levaram em conta a elevada densidade de fazendas de camarão e salinas (como no caso dos estuários onde estão as fazendas certificadas), mesmo frente as denúncias de mortandade de peixes e contaminação da água. É importante salientar que a referida Resolução associa a definição de áreas propícias à carcinicultura fundamentada na realização do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) e que este considera áreas de salgado como APP.

Mas o que se observa na prática é que as piscinas de engorda impactaram importantes sistemas reguladores dos eventos de máxima vazão fluvial (cheias) durante o período de invernos rigorosos. Quando o volume de água canalizado extrapola as margens do rio, ocupa as áreas da planície fluviomarinha e da várzea. Ao serem ocupadas pela carcinicultura, ocasionaram mudanças na hidrodinâmica dos canais, provocando inundações e atingindo unidades afastadas do domínio fluvial (utilizadas para a agricultura de subsistência e núcleos habitacionais, principalmente de comunidades tradicionais). A ocupação de setores da planície fluviomarinha poderá incrementar os riscos de inundações e cheias nas proximidades da desembocadura e afetar áreas urbanizadas antes implantadas em setores desprovidos de riscos de inundações. A fiscalização e punição desse tipo de impacto deveria ser uma ação dos órgãos competentes, no entanto, o que vivenciamos na realidade é uma ineficiente atuação desses órgãos quanto à responsabilização por esses danos.

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A Resolução CONAMA No 341/2003, também, dispõe sobre critérios para a caracterização de atividades ou empreendimentos turísticos sustentáveis, como de interesse social, para fins de ocupação de dunas originalmente desprovidas de vegetação, na Zona Costeira. Mas, no estuário do rio Jaguaribe várias fazendas foram implantadas em contato direto com as dunas móveis. Ou seja, longe de garantir a aplicabilidade de lei, os órgãos ambientais têm contribuído para um maior desenvolvimento de atividades econômicas degradadoras, como é o caso da carcinicultura.

Um avanço nesse sentido foi dado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), que publicou recentemente a Instrução Normativa No 03 (16/04/2008), um instrumento que reconhece que os manguezais são “extremamente frágeis e têm importância fundamental nas economias locais, em função da atividade pesqueira”; evidencia que “os empreendimentos ou as atividades de carcinicultura desenvolvidas no País vem ameaçando constantemente os ecossistemas de manguezais” e que a sociedade, através das Conferências Nacionais do Meio Ambiente “solicitam a proibição dos empreendimentos ou atividades de carcinicultura nas unidades de conservação costeiras e marinhas a fim de evitar a destruição dos manguezais e das restingas e a poluição dos estuários” e, consideram que “os manguezais e seus ambientes associados integram as zonas úmidas de importância internacional constantes da Convenção das Zonas Úmidas de Importância Internacional - Convenção de Ramsar, da qual o Brasil é signatário desde 1992 por meio do Decreto Legislativo nº 33 promulgada pelo Decreto no 1.905 de 16 de maio de 1996, e suas resoluções VIII.11, VIII.32 e VII.21”, resolvendo:

Art. 1º Ficam suspensas as concessões de anuências e de autorizações para instalação de novos empreendimentos ou atividades de carcinicultura nas unidades de conservação federais e suas zonas de amortecimento. § 1º A suspensão de que trata o caput deste artigo, é válida até que o empreendimento ou atividade de carcinicultura esteja previsto no plano de manejo da unidade de conservação específica. § 2º Quando não houver zonas de amortecimento legalmente estabelecidas, a concessão de anuências e autorizações deverá ser objeto de análise específica, considerando os limites estabelecidos pela Resolução CONAMA nº 13, de 6 de dezembro de 1990.

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Art. 2º Os empreendimentos ou atividades de carcinicultura já licenciados, dentro das unidades de conservação federais do grupo das unidades de uso sustentável, Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural, que tenham ocupado áreas de manguezais, incluindo as feições mangue, apicum e salgado e demais Áreas de Preservação Permanente, terão prazo, a ser definido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, para a retirada das instalações e a recuperação das áreas, ressalvados os casos previstos na legislação vigente. Art. 3º O Instituto Chico Mendes e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA promoverão o mapeamento dos empreendimentos ou atividades de carcinicultura realizados nas unidades de conservação federais e suas zonas de amortecimento, com utilização de série temporal, de forma a proceder a identificação da ocupação irregular de Áreas de Preservação Permanente, a aplicação das sanções administrativas cabíveis, bem como o levantamento das áreas com demandas de recuperação por parte dos empreendedores.

Mas, verificou-se claramente que os estados, atuando de modo a elaborar legislação ambiental através de seus Órgãos do Meio Ambiente (OEMAS), proporcionaram resoluções mais brandas do que a legislação federal e orientaram as normativas para a ocupação do ecossistema manguezal pelas fazendas de camarão. Foi só a partir de 2002, ano de intensa mobilização dos movimentos ambientalistas, associações comunitárias, comunidades tradicionais litorâneas e indígenas, denunciando os impactos ambientais da carcinicultura, que foi elaborada a Resolução 02/2002 do COEMA/CE, descriminalizando os carcinicultores com suas indústrias dentro de APPs.

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Funções Ambientais e Sociais do Ecossistema Manguezal

Segundo Barbier et al. (1997), as áreas úmidas, incluindo os manguezais, figuram entre os ecossistemas mais produtivos da terra. As características destes sistemas são agrupadas em componentes, funções e propriedades. Os componentes do sistema são suas estruturas bióticas e abióticas e englobam o solo, a água, a fauna e flora. As interações destes componentes se expressam em funções, com a inclusão do ciclo de nutrientes e o intercâmbio de águas superficiais e subterrâneas e entre a superfície e a atmosfera. Como propriedade, os sistemas resguardam a diversidade de espécies.

A definição das funções ambientais, tomando como base a caracterização das dinâmicas que envolveram a evolução dos elementos geoambientais e ecológicos dos complexos estuarinos analisados, evidenciou a necessidade de medidas adequadas de proteção, recuperação e preservação do ecossistema manguezal.

Mas, na prática, os componentes ambientais e socioeconômicos resultantes das interações dos diversos fluxos de matéria e energia entre os setores do ecossistema estão sendo fortemente impactados pela carcinicultura. A exemplo da promoção de alterações na geração de funções ambientais, como a produção e distribuição de nutrientes para suporte de uma diversificada fauna e flora, que compromete a diversidade de espécies exploradas pelas comunidades tradicionais (mediante a pesca artesanal e a mariscagem) e indústria de pesca, base para subsistência de uma diversificada economia pesqueira. Seus componentes, funções e propriedades, em conjunto com

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as formas de uso e ocupação definidas, inserem-se em ações de manejo e gestão tradicionais e industriais/mercantis, definidas pela permanência e qualidade da diversificada fauna e flora e sobrepesca, respectivamente.

É mister ressaltar que o manguezal, ao ser transformado pela ação negativa de impactos ambientais — mudanças no uso do solo, consumo e esgotamento dos recursos naturais, produção e lançamento de efluentes domiciliares e industriais, desmatamento, entre outros — afeta a sustentabilidade e minimiza os serviços ambientais, comprometendo, assim, a riqueza natural do país e reduzindo o bem-estar social (RIVERA e CORTÉS, 2007).

Nesse contexto é imprescindível recuperar a importância do ecossistema manguezal e ativar os mecanismos políticos, jurídicos e socioambientais para sua proteção. Uma tentativa de valoração global dos ecossistemas foi realizada por Constanza et al. (1997). Para este estudo, os serviços ecossistêmicos foram definidos como fluxos ou materiais, energia, existência de informações e de capital natural que, combinados com as ações humanas (uso e ocupação), produzem bem-estar para a sociedade.

As funções e serviços ambientais que se desenvolvem ao longo dos manguezais do Nordeste brasileiro, principalmente nos relacionados aos Estados do Ceará e Rio Grande do Norte, foram sistematizados na Tabela V:

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TABELA V - Serviços e funções do ecossistema manguezal

Funções* Relações Ecológicas e Sociais* Complexos Estuarinos Com Fazendas CertificadasRegulação de gases Regulação da composição química atmosférica

(balanço de CO2/O2; Níveis de SOx)Captura de carbono associada à evolução do bosque de mangue (CO2/O2), produção de metano e demais compostos através das fases de oxidação e redução

Regulação do climaTemperatura global, precipitação e outros processos biológicos mediadores de fenômenos climáticos locais e globais (regula o efeito estufa)

Ameniza as condições climáticas locais através das rajadas de vento direcionadas pelo canal estuarino e bosque de mangue, influência no microclima, fotossíntese. Integrado com as brisas marítimas, bacias hidrográficas e o relevo, inserem-se na dinâmica climática regional

Regulação de extremos

Amortecimento e integridade das respostas ecossistêmicas associada às flutuações ambientais (proteção contra tormentas, controle na produção de sedimentos finos e variabilidades ambientais controladas pela estrutura vegetacional)

Capacitância

Conjunto de componentes integrados com a evolução dos bancos de areia, produção e distribuição de sedimentos areno-argilosos e dinâmica da cobertura vegetal. Fluxos de matéria e energia consumidos e dissipados pelas relação com os demais componentes geoambientais e ecodinâmicos. O apicum regula as enchentes durante o período chuvoso e controla os processos sedimentares locais

Regulação hidrológica

Regula os fluxos hidrológicos integrados com a bacia hidrográfica (água para atividades agrícolas e industriais, transporte), uso para agricultura familiar e policultivos

Eventos pluviométricos de elevada turbulência (primeiro semestre) amortecidos e distribuídos sobre o bosque de mangue e setores de apicum; sazonalidade climática integrada com as atividades de subsistência ao longo da bacia hidrográfica; disponibilidade de água para a produção de camarão em cativeiro e sal; interliga as comunidades litorâneas através dos canais principais e gamboas

Suplemento de água Armazenamento e retenção da água (dinâmica dos aquíferos e reservatórios)

Interconexões com os aquíferos dunar e tabuleiro litorâneo; regula as propriedades físico-químicas impostas pelas diferenças de salinidade e densidade entre os aquíferos

Controle da erosão e retenção de sedimentos

Conservação do solo dentro do ecossistema (prevenção de deslizamentos e outros processos de remoção de materiais)

Produção de sedimentos através da dinâmica interna dos canais com a evolução dos bancos de areia e argila. Dinâmica morfológica das flechas de areia dispostas nas desembocaduras dos complexos estuarinos

Formação de solo Processo de formação de solo (intemperismo de rochas e acumulação de matéria orgânica)

Evolução pedológica relacionada com a dinâmica de aporte e distribuição de sedimentos provenientes da bacia hidrográfica e dos demais fluxos de matéria e energia definidos na planície costeira. Contribuição diferenciada relacionada com acesso das dunas ao longo das margens direita dos complexos estuarinos e da deriva litorânea

Ciclagem de nutrientesArmazenamento, ciclagem interna, processamento e aquisição de nutrientes (fixação de N, P e outros elementos do ciclo de nutrientes)

Os complexos estuarinos integram-se para a produção de nutrientes representando a base da biodiversidade regional deste setor do litoral nordestino

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Funções* Relações Ecológicas e Sociais* Complexos Estuarinos Com Fazendas CertificadasRegulação de gases Regulação da composição química atmosférica

(balanço de CO2/O2; Níveis de SOx)Captura de carbono associada à evolução do bosque de mangue (CO2/O2), produção de metano e demais compostos através das fases de oxidação e redução

Regulação do climaTemperatura global, precipitação e outros processos biológicos mediadores de fenômenos climáticos locais e globais (regula o efeito estufa)

Ameniza as condições climáticas locais através das rajadas de vento direcionadas pelo canal estuarino e bosque de mangue, influência no microclima, fotossíntese. Integrado com as brisas marítimas, bacias hidrográficas e o relevo, inserem-se na dinâmica climática regional

Regulação de extremos

Amortecimento e integridade das respostas ecossistêmicas associada às flutuações ambientais (proteção contra tormentas, controle na produção de sedimentos finos e variabilidades ambientais controladas pela estrutura vegetacional)

Capacitância

Conjunto de componentes integrados com a evolução dos bancos de areia, produção e distribuição de sedimentos areno-argilosos e dinâmica da cobertura vegetal. Fluxos de matéria e energia consumidos e dissipados pelas relação com os demais componentes geoambientais e ecodinâmicos. O apicum regula as enchentes durante o período chuvoso e controla os processos sedimentares locais

Regulação hidrológica

Regula os fluxos hidrológicos integrados com a bacia hidrográfica (água para atividades agrícolas e industriais, transporte), uso para agricultura familiar e policultivos

Eventos pluviométricos de elevada turbulência (primeiro semestre) amortecidos e distribuídos sobre o bosque de mangue e setores de apicum; sazonalidade climática integrada com as atividades de subsistência ao longo da bacia hidrográfica; disponibilidade de água para a produção de camarão em cativeiro e sal; interliga as comunidades litorâneas através dos canais principais e gamboas

Suplemento de água Armazenamento e retenção da água (dinâmica dos aquíferos e reservatórios)

Interconexões com os aquíferos dunar e tabuleiro litorâneo; regula as propriedades físico-químicas impostas pelas diferenças de salinidade e densidade entre os aquíferos

Controle da erosão e retenção de sedimentos

Conservação do solo dentro do ecossistema (prevenção de deslizamentos e outros processos de remoção de materiais)

Produção de sedimentos através da dinâmica interna dos canais com a evolução dos bancos de areia e argila. Dinâmica morfológica das flechas de areia dispostas nas desembocaduras dos complexos estuarinos

Formação de solo Processo de formação de solo (intemperismo de rochas e acumulação de matéria orgânica)

Evolução pedológica relacionada com a dinâmica de aporte e distribuição de sedimentos provenientes da bacia hidrográfica e dos demais fluxos de matéria e energia definidos na planície costeira. Contribuição diferenciada relacionada com acesso das dunas ao longo das margens direita dos complexos estuarinos e da deriva litorânea

Ciclagem de nutrientesArmazenamento, ciclagem interna, processamento e aquisição de nutrientes (fixação de N, P e outros elementos do ciclo de nutrientes)

Os complexos estuarinos integram-se para a produção de nutrientes representando a base da biodiversidade regional deste setor do litoral nordestino

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Carcinicultura no Brasil Funções* Relações Ecológicas e Sociais* Complexos Estuarinos Com Fazendas Certificadas

DissipadorRecuperação, remoção e controle do excesso de nutrientes e compostos orgânicos (controle de poluentes)

A dinâmica das marés e correntes marinhas interligam os complexos estuarinos, efetivando a distribuição de nutrientes evidenciado pelo suporte à biodiversidade. Atuam como filtro para as emissões de efluentes domiciliares dos núcleos urbanos e vilas de pescadores

Polinização Movimento de gametas para a reprodução de populações Elevado potencial de produção e distribuição de plântulas por hidrocória

Controle biológico Regulação da dinâmica trófica de populações Complexa cadeia alimentar com suporte para o peixe-boi marinho

Refúgio Habitat para populações residentes e migratórias (acolhida de aves migratórias)

Complexos estuarinos associados a elevada diversidade de avifauna; suporte ecossistêmico de aves migratórias

Produção de alimentoParte da produção primária bruta transformada em alimento (peixes, moluscos, pesca e atividades de subsistência)

Conjunto de componentes ecológicos (bosque de mangue, apicum/planícies hipersalinas) vinculados aos componentes bioquímicos na produção e distribuição de nutrientes para uma diversificada fauna e flora. Habitat de aves migratórias e do peixe-boi marinho

Produção primária Parte da produção primária bruta transformada em matéria prima (madeira, combustível e forragem)

Reações geoambientais e ecodinâmicas associadas à formação e consumo (produção de matéria orgânica) do bosque de mangue e demais componentes florísticos existentes no apicum

Recursos genéticosProdução de materiais e produtos biológicos para medicina, material científico, obtenção de genes resistentes a pragas e espécies ornamentais

Usos tradicionais da fauna e flora

Recreação Oportunidades para atividades recreacionais (ecoturismo, pesca esportiva e outras ao ar livre)

Lazer desenvolvido pelo núcleo urbano e comunidades tradicionais

Turismo comunitário e ecológico

CulturaProporciona oportunidades para atividades não comerciais (estéticas, artísticas, educacionais, espirituais e valor científico dos ecossistemas

Valores simbólicos vinculados aos demais usos tradicionais

Base do modo de vida de comunidades litorâneas

Amortecimento das conseqüências previstas pelo aquecimento global Funções e serviços atribuídos pelo IPCC**

Os complexos estuarinos atuam como sistemas responsáveis pela manutenção das propriedades amortecedoras dos efeitos projetados pelo aumento da temperatura média e subida do nível do mar (erosão costeira, incremento dos extremos climáticos associados às precipitações pluviométricas, salinização do lençol freático e mudanças na dinâmica de produção e distribuição de nutrientes, entre outros).

(*) Modificados de Barbier, et al. (1997 e 2008); Constanza, et al. (1997); Rivera e Cortés (2007) e Schaeffer-Novelli e Coelho Júnior (2005). (**) Síntese dos relatórios do IPCC (2007). Fonte: MEIRELES e QUEIROZ, 2010.

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Funções* Relações Ecológicas e Sociais* Complexos Estuarinos Com Fazendas Certificadas

DissipadorRecuperação, remoção e controle do excesso de nutrientes e compostos orgânicos (controle de poluentes)

A dinâmica das marés e correntes marinhas interligam os complexos estuarinos, efetivando a distribuição de nutrientes evidenciado pelo suporte à biodiversidade. Atuam como filtro para as emissões de efluentes domiciliares dos núcleos urbanos e vilas de pescadores

Polinização Movimento de gametas para a reprodução de populações Elevado potencial de produção e distribuição de plântulas por hidrocória

Controle biológico Regulação da dinâmica trófica de populações Complexa cadeia alimentar com suporte para o peixe-boi marinho

Refúgio Habitat para populações residentes e migratórias (acolhida de aves migratórias)

Complexos estuarinos associados a elevada diversidade de avifauna; suporte ecossistêmico de aves migratórias

Produção de alimentoParte da produção primária bruta transformada em alimento (peixes, moluscos, pesca e atividades de subsistência)

Conjunto de componentes ecológicos (bosque de mangue, apicum/planícies hipersalinas) vinculados aos componentes bioquímicos na produção e distribuição de nutrientes para uma diversificada fauna e flora. Habitat de aves migratórias e do peixe-boi marinho

Produção primária Parte da produção primária bruta transformada em matéria prima (madeira, combustível e forragem)

Reações geoambientais e ecodinâmicas associadas à formação e consumo (produção de matéria orgânica) do bosque de mangue e demais componentes florísticos existentes no apicum

Recursos genéticosProdução de materiais e produtos biológicos para medicina, material científico, obtenção de genes resistentes a pragas e espécies ornamentais

Usos tradicionais da fauna e flora

Recreação Oportunidades para atividades recreacionais (ecoturismo, pesca esportiva e outras ao ar livre)

Lazer desenvolvido pelo núcleo urbano e comunidades tradicionais

Turismo comunitário e ecológico

CulturaProporciona oportunidades para atividades não comerciais (estéticas, artísticas, educacionais, espirituais e valor científico dos ecossistemas

Valores simbólicos vinculados aos demais usos tradicionais

Base do modo de vida de comunidades litorâneas

Amortecimento das conseqüências previstas pelo aquecimento global Funções e serviços atribuídos pelo IPCC**

Os complexos estuarinos atuam como sistemas responsáveis pela manutenção das propriedades amortecedoras dos efeitos projetados pelo aumento da temperatura média e subida do nível do mar (erosão costeira, incremento dos extremos climáticos associados às precipitações pluviométricas, salinização do lençol freático e mudanças na dinâmica de produção e distribuição de nutrientes, entre outros).

(*) Modificados de Barbier, et al. (1997 e 2008); Constanza, et al. (1997); Rivera e Cortés (2007) e Schaeffer-Novelli e Coelho Júnior (2005). (**) Síntese dos relatórios do IPCC (2007). Fonte: MEIRELES e QUEIROZ, 2010.

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No que se refere aos aspectos qualitativos, esta lista de serviços e funções foi identificada para os complexos estuarinos, principalmente os relacionados com a cadeia trófica com espécies de importância econômica e ecológica (conservação dos estoques pesqueiros). Estes complexos, também, possuem importância do ponto de vista do abrigo, reprodução, alimentação de espécies e pouso de aves migratórias. Definiu-se, também, que os serviços e funções desenvolvidos pelos complexos estuarinos promovem segurança alimentar e integram-se com o modo de vida tradicional das comunidades litorâneas de pescadores, marisqueiras e indígenas.

Pesquisas relacionadas com valorações econômicas dos ecossistemas demonstraram enorme complexidade para definição de índices adequados (RIVERA e CORTÉS, 2007). Para contabilizar o conjunto de serviços, como forma de compreender os requisitos para o desenvolvimento sustentável, Mäler et al. (2008) acentuaram ser impossível conceber um modelo padronizado para a construção de um sistema que contabilize as riquezas dos ecossistemas. Desta forma, os referidos autores sugeriram selecionar ecossistemas de modo a avaliar possibilidades de valoração e definiram como critérios básicos a descrição das instituições que controlam por meio de planejamento e gestão do ecossistema; e o desenvolvimento de valoração técnica para cada serviço, bem como a padronização dos métodos à medida do possível. A valoração econômica serve para orientar a tomada de decisões, porém deverá ser utilizada com muita precaução.

Entretanto, como tentativa de valoração global dos ecossistemas, Constanza et al. (1997), com levantamento de dados referente ao ano de 1994, para uma área total de manguezal de 165 a 106 ha, alcançaram um valor médio para cada hectare/ano de 9.990 dólares. Estudos realizados por Hernandéz et al. (2002) estimaram a média de 13.000 dólares hectare/ano gerados em bens e serviços pelo ecossistema manguezal (evidenciaram que cada hectare enseja entre 1.100 e 11.800 kg de capturas pesqueiras). As pesquisas relacionadas com valoração dos manguezais revelaram que os resultados variam com o tempo e de acordo com a área de estudo, pelo que se torna impossível atribuir um valor específico para ser utilizado como referência regional e, desta forma, utilizar como critério único para a tomada de decisão.

O Relatório do Milênio ou Avaliação Ecossistêmica do Milênio (WORLD RESOURCES INSTITUTE, 2005), enfatiza que os ecossistemas devem ser encarados como provedores de

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serviços básicos à sobrevivência humana, como a geração de alimentos, água potável, madeira, fibra, recursos bioquímicos e genéticos, manutenção da biodiversidade, bem como a formação de solos, controle de enchentes e erosão, regulação do clima, reciclagem de nutrientes, dentre outros.

Foram também definidos valores, abstraindo sequências de complexas relações ecológicas, sociais e ambientais indissociáveis ao ecossistema manguezal, e relacionados à proteção do litoral contra eventos erosivos, em torno de 35.000 dólares ha/ano (SATHIRATHAI e BARBIER, 2001). Na captura de dióxido de carbono foram definidos 91.000 dólares ha/ano (MARTINEZ et al. 2007; COSTANZA, 1997). Quando relacionados com a produtividade marinha e sem levar em conta funções ambientais para o usufruto das comunidades de pescadores e indígenas (incalculáveis do ponto de vista financeiro ou mesmo do “mercado verde” ), os valores superam os 16.750 dólares ha/ano (RÖNNBÄCK, 1999).

A valoração econômica do manguezal é bastante complexa, principalmente quando

vinculada à integração dos sistemas estuarinos com os demais componentes da planície costeira e plataforma continental. É imprescindível considerar, na aplicação de metodologias para definir o “preço” dos manguezais, que as diversas formas de uso e ocupação tradicionais não são compatíveis com as relações de mercado, a privatização de territórios e as estratégias de certificação definidas na produção industrial de camarão em cativeiro. Mas sim, as relacionadas com a conservação, proteção e preservação da dinâmica e biodiversidade dos elementos naturais (apicum, bosque de manguezal, canais de maré, bancos de algas, entre

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Carcinicultura no Brasil

outros), ou seja, é prioritariamente realizada de modo a proporcionar a continuidade dos fluxos de matéria e energia e a vida comunitária.

De acordo com Acselrad et al. (2009), ao tratar das consequências da apropriação de áreas tradicionalmente ocupadas por comunidades tradicionais e de uso comunitário (“formas de apropriação não-capitalista da natureza”) por grandes corporações empresariais, tal aproximação se desenvolve através de processos de “contínua destruição da natureza”:

A introdução, em tais áreas, de monoculturas e pastagens, projetos viários, barragens, atividades mineradoras, etc. provoca grandes efeitos de desestabilização das atividades nas terras tradicionalmente ocupadas. Trata-se, portanto, dos casos em que, em certas combinações de atividades, o meio ambiente transmite impactos indesejáveis (as ditas “externalidades”) que podem fazer com que o desenvolvimento de uma atividade comprometa a possibilidade de outras atividades se manterem. Nesses casos, espaços produtivos privados transmitem os efeitos nocivos de suas práticas para o meio ambiente comum (ACSELRAD, et al., 2009, p.74).

As formas de apropriação e privatização dos recursos hídricos, das áreas úmidas e dos ecossistemas, tanto pelas fazendas certificadas como, de forma generalizada, pelas fazendas não certificadas em áreas de preservação permanente, promoveram alterações profundas nos territórios de domínio comunitário. Constatou-se que as funções e serviços ambientais dos ecossistemas foram amplamente afetados, dada a incompatibilidade da carcinicultura com as finalidades de uso sustentável e conservação da biodiversidade realizadas pelos povos tradicionais e indígenas.

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Discussão dos Resultados: A Decadência da Carcinicultura no Brasil

As fazendas certificadas estão submersas em um sistema ambiental amplamente degradado pela elevada quantidade de fazendas e problemas associados à fragmentação dos sistemas fluviomarinhos, a impermeabilização do solo, a salinização do aquífero, ao desmatamento do manguezal e ao lançamento de efluentes sem o devido tratamento.

Nos estuários onde estão instaladas as fazendas de camarão certificadas, verificou-se que com a ocupação dos setores de apicum e bancos de areia ocorreu uma intensa danificação dos sistemas ambientais utilizados pelas comunidades tradicionais que realizam tarefas cotidianas e relacionadas com a pesca, a mariscagem e a captura de caranguejos (TUPINAMBÁ e BATISTA, 2002 e 2004; EMBRAPA, 2004; SCHAEFFER-NOVELLI, 2006; MEIRELES et al., 2007, TEIXEIRA, 2008). Fato que tem promovido a redução do habitat de numerosas espécies utilizadas para a sustentação alimentar de milhares de famílias de pescadores, agricultores, índios e ribeirinhos.

A implantação das fazendas de camarão ocorreu com a exclusão das comunidades tradicionais. Segundo denúncias de pescadores e marisqueiras das comunidades litorâneas de Curral Velho de Cima e Aranaú (Acaraú/CE), ocorreram deslocamento e migração de famílias, com a ocupação por viveiros das áreas destinadas à moradia e às atividades extrativistas da pesca, coleta de caranguejos, mariscagem e agricultura de subsistência. Territórios ancestralmente utilizados foram incorporados ao processo de produção de camarão em cativeiro.

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Certificação da

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Comunidades foram afastadas e impedidas de acessar seus territórios (manguezal e apicum), aquíferos foram salinizados e ocorreu mortandade de caranguejos e de peixes; pescadores foram torturados, ameaçados de morte e impedidos de pescar; recursos hídricos superficiais e subterrâneos foram, em parte, poluídos e privatizados, ou seja, importantes reservas de água, estratégicas para o semi-árido, são utilizadas de forma inadequada, em detrimento do uso compartilhado.

Somam-se a isso, os níveis insustentáveis de produtividade de camarão com uma média nacional de 6.084 kg/ha/ano, com a produtividade do Ceará alcançando 7.676 kg/ha/ano, superior à média nacional em aproximadamente 20%, em 2004, a elevada densidade nos viveiros de engorda em conjunto com os impactos ambientais negativos promovidos em um ecossistema que integra uma Área de Preservação Permanente (APP).

Segundo a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (2004), a atividade de carcinicultura no Brasil se desenvolveu em três etapas. A saber: primeira etapa (início da década de 1970), prática do cultivo de camarão em termos empresariais com a espécie exótica Penaeus japonicus. A baixa produtividade e a pouca lucratividade dessas espécies provocaram a desativação e a reconversão à salinas de diversas fazendas na região Nordeste; segunda etapa, Teve início no começo de 1993, quando foi decisiva a opção pelo cultivo do Litopenaeus vannamei, espécie exótica com capacidade de adaptação às mais variadas condições locais de cultivo, o que contribuiu para elevá-la à condição de principal espécie da carcinicultura brasileira; terceira etapa, é a que o país começa a viver atualmente, após a consolidação da tecnologia de reprodução e engorda, o alcance da auto-suficiência na produção de pós-larvas, a oferta de uma ração de qualidade e o despertar do setor produtivo para a importância da qualidade do produto final.

No entanto, diante dos vários estudos científicos já elaborados e, também, a partir dos dados desta pesquisa é possível identificar uma quarta etapa do desenvolvimento da Carcinicultura no Brasil, que se caracteriza fortemente pela decadência da indústria do camarão em cativeiro. Essa etapa pode ser claramente evidenciada a partir das quedas bruscas na produção em 2004 o que contrariou frontalmente os prognósticos dos produtores, órgãos governamentais e agências financiadoras. Tudo isso acumulou-se com os baixos preços de mercado do camarão marinho cultivado.

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De acordo com Rocha (2004), então presidente da ABCC “o censo de 2003 confirma o ritmo de crescimento que o cultivo do camarão vem experimentando desde que iniciou sua produção comercial no Brasil com a espécie L. vannamei, entre 1995/1996”. Isto evidencia um incremento total de 317,81% no período de seis anos, a produtividade o fez em 499,41% (1997-2003), justificando por intermédio de “intenso processo tecnológico a que a atividade vem sendo submetida” e refere-se a um crescimento “extraordinário”. A consolidação da tecnologia de reprodução e engorda parece não enfrentar os impactos cumulativos da atividade ao longo das bacias hidrográficas, principalmente os relacionados com a emissão de efluentes sem qualquer tipo de tratamento e a devastação de extensas áreas de manguezal e mata ciliar.

O crescimento da produção nacional (passando de 3.600 toneladas em 1997 para 90.190 toneladas em 2003, incremento de 2.405,28%, ABCC, 2004) foi definido em Rocha et al. (2004) como “digno de menção pela regular consistência de seus resultados incrementais, os quais colocam o Brasil na liderança mundial em relação ao indicador que mostra eficiência tecnológica no processo produtivo”. No ano seguinte, toda a “solidez do processo produtivo”, aliado aos “altos níveis tecnológicos” referidos pelo Presidente da ABCC, entra em franco processo de decadência. A partir de 2004, foi reduzida a produção do volume exportado. No Estado do Ceará, o decréscimo acumulado foi de 65% nas exportações (IPECE, 2007).

Antes da crise do camarão em cativeiro que definitivamente agrava-se em 2004, a produção de camarão no Ceará passou de aproximadamente 530 toneladas em 1997 para 25.915 toneladas em 2003 (ABCC, 2004). Em 2004, a produção cearense cai para 19.405 toneladas. No Estado do Rio Grande do Norte, a produção de camarão em 2003 foi de 37.473, decrescendo para 30.807 toneladas em 2004. Os índices alcançaram níveis mais baixos ainda em 2006, quando a produção nacional não superou a produção alcançada pelo Rio Grande do Norte em 2003, com um volume de aproximadamente 34 mil toneladas23. Em apenas três anos, as exportações caíram de US$ 244,5 milhões em 2003 (com 61 mil toneladas) para US$ 154,4 milhões em 2006, contabilizando uma queda de 37%. Estes indicadores contrariaram as provisões realizadas pela ABCC (2004): “atingir uma produção de 157.000 toneladas e obter divisas da ordem de US$ 450 milhões”.

23 Dados publicados pela Agência Folha: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u316434.shtml>

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O descontrole da atividade, principalmente no que se diz respeito à avalanche de fazendas implantadas sem licenças ambientais e as licenciadas em áreas de preservação permanente, promoveu um otimismo dos produtores ao ponto da ABCC (2003) asseverar que seu objetivo é ser líder do mercado mundial, alcançando uma produção equivalente a US$ 1,5 bilhão até o ano de 2010. No primeiro semestre de 2007, os valores de exportação foram ainda mais baixos, alcançando US$ 57,6 milhões. No entanto, para se manter lucrativa, a atividade carece de mudanças importantes em seu modelo de produção, as quais ainda precisam ser experimentadas (MADRID, 2005).

A cadeia produtiva foi rapidamente comprometida, ensejando prejuízos financeiros e desemprego com a rápida decadência de uma indústria que, muitas vezes, foi definida como a “promotora da redenção financeira dos estados mais pobres do País” (ABCC op cit.). Problemas de cunho socioambiental foram agravados, principalmente na fase dos elevados lucros com a exportação. As comunidades litorâneas, submersas no passivo ambiental cumulativo, resistem a mais uma monocultura concentradora de renda e de supressão dos territórios de subsistência.

A decadência das exportações e o elevado número de desemprego (mesmo com a indústria promovendo índices de até seis vezes menos empregos do que os definidos pela ABCC, 2004) atingem a produção extensiva:

Uma das maiores empresas do setor no país, a Compescal, de Aracati (CE), chegou a faturar mais de US$ 22 milhões em um ano. O dono da empresa, Expedito Ferreira da Costa, foi eleito prefeito da cidade em 2004. Com a crise, a empresa desativou metade dos 219 viveiros de sua sede, que ocupam 620ha de espelho d’água - área equivalente a cerca de 870 campos de futebol e demitiu 1.200 funcionários. Também não exporta mais. A produção restante será voltada ao mercado interno24.

Referindo-se às vantagens competitivas da carcinicultura, Frota (2005) assinalou que:

24 Dados publicados pela Agência Folha: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u316434.shtml>

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No Estado do Rio Grande do Norte, algumas regiões, como os municípios de Canguaretama, Macau, Guamaré e Pendências, já estão sendo superexploradas. Faltou ordenação do Rio Grande do Norte. Nunca fizeram um estudo de capacidade de um estuário. ‘Por exemplo, em Canguaretama, hoje é um caos, pelo número de fazendas lá, onde se sente os efeitos do vírus numa região como esta’ afirma um dos sócio da Camanor.

Todos os estuários onde estão operando as fazendas certificadas foram fortemente impactados e passaram por sérios problemas socioambientais, agravados com o abandono das não certificadas e, nas que restaram, persistem as práticas que alteraram a qualidade da água, devido ao precário e, muitas vezes, inexistente tratamento dos efluentes.

O elevado índice de abandono das fazendas de camarão em cativeiro (estimada em 2007 por volta de 65% no estuário do rio Jaguaribe) culminou com impactos cumulativos nos estuários com fazendas certificadas: doenças ocasionadas por vírus (atingindo, no litoral oeste do Ceará, mais de 90% das fazendas e com perdas de até 80% da produção), baixos níveis de tratamento dos efluentes (no estuário do rio Jaguaribe mais de 70% das fazendas não contavam com lagoas de sedimentação), localização das fazendas em ambientes regidos pelas marés, desmatamento do manguezal, extinção de largos setores de apicum e fragmentação do sistema estuarino (MEIRELES e VICENTE DA SILVA, 2002, CASSOLA et al., 2004, MEIRELES et al., 2007).

Mesmo acarretando toda uma problemática ambiental, a carcinicultura foi privilegiada com incentivos financeiros dos Governos Estadual e Federal e bancos públicos e privados. O crescimento exponencial espantoso do cultivo de camarão marinho em cativeiro no Brasil (até 2004) não constitui fenômeno espontâneo. Os responsáveis pelo crescimento vertiginoso, em parte, foram as políticas de desenvolvimento e de incentivo, pautadas na lógica do agronegócio e implementadas pelo estado brasileiro (BATISTA e TUPINAMBÁ, 2004).

Segundo proprietário da fazenda Primar, (que tem selo do IBD), ao analisar a carcinicultura no Brasil, evidenciou que:

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A crise pela qual passa a carcinicultura brasileira tem raízes nas escolhas erradas feitas nos idos da segunda metade dos anos 1990. O boom que tivemos teve como gatilho uma situação excepcional de preços e câmbio que resultou na adoção, em fazendas projetadas para o cultivo semi-intensivo, do sistema intensivo de cultivo de alto capital imobilizado/operacional, social e ambiental. A experiência asiática não foi observada. Estamos pagando o preço.

As conseqüências da massiva ocupação dos manguezais, contaminação dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, privatização da água e danos sociais, foram alertadas por pesquisadores universitários, técnicos de ONGs nacionais e internacionais, representantes do Congresso Nacional e lideranças comunitárias e indígenas. O Relatório do GT Carcinicultura publicado em 2005, aprovado por unanimidade pela Comissão de Defesa do Consumidor Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados (TELES, 2005), denunciou os graves problemas ambientais, sociais e econômicos da carcinicultura. Trabalhos recentes sobre a situação dos mangues indicaram a carcinicultura como uma das maiores razões da sua destruição (ALONGI, 2002; VALIELA et al., 2001). Barbier e Cox (2003) elaboraram modelo matemático com análise dos manguezais no ano de 1989, que definiu uma relação positiva entre desenvolvimento da carcinicultura e perda de manguezal. Nos próximos 25 anos a carcinicultura e a intensa exploração pesqueira, serão as maiores ameaças ao manguezal (ALONGI, op cit.).

As fazendas certificadas estão diretamente relacionadas com o conjunto de impactos socioambientais promovidos por esta atividade industrial. Todas estão inseridas em áreas intensamente ocupadas por fazendas não certificadas. Em razão do seu elevado número nos baixos cursos fluviais e adensadas no ecossistema manguezal, o fluxo contínuo de efluentes não tratados faz parte do sistema de adução de águas para as fazendas certificadas.

Foi possível demonstrar que as funções ecológicas indissociadas do ecossistema manguezal, quando substituídas pela monocultura do camarão, promoveram danos de elevada magnitude. Do ponto de vista econômico, os prejuízos para a sociedade, como também foi possível demonstrar — degradação da base ecológica para a produtividade marinha, fragmentação das conectividades

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com as demais áreas úmidas do litoral e insegurança alimentar — foram incalculáveis.

Nesse contexto, depreendemos que valorar os manguezais, como foi visto — ecossistema complexo e diverso em suas interações sociais e culturais com as comunidades e povos tradicionais e indígenas — não é possível através de uma matriz economicista de valoração monetária e financeira. Entretanto, foram realizadas tentativas neste sentido, o que definiu, para a carcinicultura, prejuízos de 5.443 dólares ha/ano (externalidades negativas de acordo com Shatirathai et al., 2007) quando o manguezal é substituído pela monocultura do camarão em cativeiro. Constatou-se que a concentração de renda, danos à biodiversidade e migrações forçadas das comunidades, com a conversão de manguezais para viveiros de camarão, reduziu 70% o valor econômico dos manguezais, em menos de uma década, na Tailândia (BALMFORD et al. 2002).

Constatou-se que a indústria camaronera levou em conta unicamente os custos de mercado, em detrimento dos danos ambientais, ecológicos, sociais, culturais, simbólicos e à biodiversidade. E que as fazendas certificadas fazem parte desta lógica de consumo.

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Figura 14 - Funções do ecossistema manguezal relacionadas com a segurança alimentar dos povos e comunidades tradicionais e indígenas (A) e os danos ambientais provocados pelas fazendas de camarão quando ocupam os manguezais (fragmentação dos canais e bosque, perda de biodiversidade, concentração de renda, violação dos direitos humanos e injustiça ambiental) (B)

(A)

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(B)

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Recomendações e Conclusões

A carcinicultura desenvolveu-se de forma desordenada e desconsiderando a gestão da água, os impactos socioambientais e as implicações territoriais de sua implementação na Zona Costeira Brasileira. Após o seu acelerado desenvolvimento, a carcinicultura deixou um rastro de destruição ambiental, na verdade, um passivo ambiental de imensuráveis proporções em Áreas de Preservação Permanente (APPs) que requerem ações urgentes do Estado para a recuperação, conservação e preservação dos ecossistemas afetados.

Com a análise dos procedimentos dos certificadores e os impactos ambientais nas fazendas certificadas e no entorno, foi possível definir limites para esta prática, definitivamente orientada para atingir mercados consumidores. Dentre os quais, destacamos:

• Ausência das representações comunitárias e dos diretamente afetados pela monocultura do camarão;

• A “sustentabilidade da aquicultura” se relaciona com um necessário conjunto de iniciativas coordenadas e relativas ao planejamento, monitoramento e controle, considerando as implicações territoriais;

• O contexto ambiental e requisitos sociais da certificação apresentaram diferenças significativas para países produtores e consumidores;

• Aspectos sociais, simbólicos, culturais e ambientais têm tido pouca relevância para elaboração de normas de certificação para aquicultura;

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Carcinicultura no Brasil

• Os sistemas de certificação mostraram-se deficientes, quando relacionados com as legislações nacionais;

• A certificação da carcinicultura não tem assegurado os direitos territoriais das populações locais afetadas.

Neste sentido, a certificação surge como estratégia de sustentação de um modelo de produção de monoculturas, dedicada à exportação de produtos aos consumidores de países desenvolvidos. Não leva em conta a conservação dos recursos naturais que constituem a base da segurança alimentar das populações tradicionais.

Trata-se de um modelo de desenvolvimento em caminho para a falência, que se apropria de territórios coletivos, ocasionando rápidas transformações das formas de vida e meios de sobrevivência; buscando, mais uma vez, ressurgir através do “manto verde” da certificação. São necessários, assim, procedimentos e estratégias de mercado para alcançar elevada produtividade mediante “regulações autônomas”, com propósitos ambientais que não foram registrados na prática da produção industrial de camarão em cativeiro.

Os atuais critérios e procedimentos de certificação não ajudam a enfrentar os múltiplos e graves impactos ambientais e sociais decorrentes da impulsão da indústria do camarão. Observa-se, ainda, que esta prática se desenvolveu em detrimento da qualidade ambiental associada aos ecossistemas marinhos e costeiros e promoveu, ampliou e legitimou injustiças ambientais e violações de direitos humanos. Destacou-se, neste estudo, a apropriação de territórios comunitários de pescadores e índios, comprometendo a soberania e segurança alimentar dessas populações.

Ressalta-se que a aplicação de metodologias para a valoração econômica do manguezal, como instrumento para o planejamento de ações produtivas, deverá levar em conta abordagens integradas e evidenciar funções e serviços localizados em cada ecossistema; dados que também deverão ser vinculados a estudos cumulativos de impactos ambientais, como, por exemplo, nos complexos estuarinos com fazendas certificadas, relacionando às diversas funções e serviços associados entre si e aos demais componentes geoambientais, ecodinâmicos e de usufruto tradicional pelas comunidades litorâneas, ribeirinhas e indígenas.

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A certificação do camarão em áreas de preservação permanente não pode ser utilizada para legitimar passivo ambiental decorrente de um ciclo produtivo caracterizado pela insustentabilidade. Credita-se, portanto, à certificação um potencial de constituir elemento adicional de busca da sustentabilidade, na medida em que esteja aberta a rever as características de insustentabilidade que orientaram o estabelecimento do ciclo atual de produção de camarão e incorporar, no debate sobre estes, a participação de sujeitos tais como o Estado Nacional, as populações locais, as organizações de defesa de direitos difusos, as universidades, sobretudo os setores que historicamente prognosticaram estes elementos de insustentabilidade.

Foi demonstrado, portanto, que as funções ecológicas e sociais indissociáveis do manguezal não representam “serviços ambientais” e “certificados verdes” para atingir novos mercados, como também posto pela lógica de compensar as emissões no mercado de carbono para “descarbonizar” a economia (p.ex. Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal REDD+). Portanto, os manguezais representam territórios-ecossistemas de amplo domínio dos povos e comunidades tradicionais e indígenas, resguardados e conservados, em sua integridade, para potencializar a qualidade de vida e a biodiversidade.

Esta “nova” estratégia de mercado somente poderá se tornar um elemento na direção da “sustentabilidade da carcinicultura” quando promover a incorporação da qualidade socioambiental e não interferir nas práticas e territórios comunitários.

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ABCC – Associação Brasileira de Criadores de Camarão

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas

ACCC – Associação Cearense dos Criadores de Camarão

ACCN – Associação dos Carcinicultores da Costa Negra

ADECE – Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará

APP – Área de Preservação Permanente

C-CONDEM – Corporación Coordinadora Nacional para la Defensa del Ecosistema Manglar

COEMA – Conselho Estadual de Meio Ambiente

COGERH – Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos

CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente

DIPRO – Diretoria de Proteção Ambiental

EIA – Estudo de Impacto Ambiental

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations

FDZCC – Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará

INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial

ITEP – Instituto Tecnológico de Pernambuco

Lista de Siglas

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Carcinicultura no Brasil

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBD – Instituto Biodinâmico

ICMBIO – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente

IFOAM – International Federation of Organic Agriculture Movements

IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas

IPECE – Instituto de Pesquisa e Estratégica Econômica do Ceará

ISO – International Standardzation for Organization

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia

NATURLAND – Associação para a Agricultura Orgânica

OAC – Organismo de Avaliação da Conformidade

OEMA – Orgão Estadual de Meio Ambiente

ONG – Organização não governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PICC – Projeto de Produção Integrada de Camarão Cultivado

PIF – Produção Integrada de Frutas

RIMA – Relatório de Impacto Ambiental

SAPI – Sistema Agropecuário de Produção Integrada

SBC – Sistema Brasileiro de Certificação

SEAP – Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca

SEMACE – Superintendência Estadual de Meio Ambiente

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza

UFC – Universidade Federal do Ceará

USDA – United States Departament of Agriculture

ZEE – Zoneamento Ecológico Econômico

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