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CERCEAMENTO TECNOLÓGICO: O CASO DO SISTEMA
UNILATERAL DE CONTROLE DE EXPORTAÇÕES DOS EUA E SUAS
IMPLICAÇÕES PARA O BRASIL
Lucas Peixoto Pinheiro da Silva1
Rafael Laginha Nascimento2
RESUMO
Após a redemocratização, o Brasil aderiu aos principais regimes internacionais,
principalmente na década de 1990. Entre eles, estão o regime de não proliferação de armas
nucleares e o regime de controle de tecnologias de mísseis. Ao assinar esses regimes, o Brasil
esperava obter maior credibilidade internacional e acesso mais facilitado a tecnologias que
eram cerceadas anteriormente. Apesar disso, o cerceamento tecnológico prossegue sendo uma
adversidade na produção de ciência e tecnologia no Brasil, principalmente na área de defesa.
A hipótese deste trabalho é que o sistema unilateral de controle de exportações dos Estados
Unidos (EUA) é, em grande parte, o principal responsável pelo cerceamento tecnológico
sofrido pelo Brasil quando requer importação de materiais e tecnologias sensíveis dos EUA.
Isso ocorreria, pois, apesar do cumprimento brasileiro dos principais regimes internacionais
de controles de exportação, o país continua a sofrer cerceamento dos EUA, o qual é baseado,
majoritariamente, em sua legislação doméstica e em detrimento do Direito Internacional (DI).
Por meio da análise de alguns casos de denegação de produtos ao Brasil e da legislação
estadunidense que justifica esse procedimento, verifica-se que a abrangência dessa legislação
permite que o Departamento de Estado, o Departamento do Comércio e o Departamento do
Tesouro dos Estados Unidos tomem decisões discricionárias, ao realizar o controle de
exportações. Ao final, após se analisar o sistema legal de controle de bens militares
exportáveis dos EUA, buscar-se-á identificar quais fatores afetos à legislação estadunidense
podem, de alguma forma, estar se sobrepondo aos termos preceituados nos regimes
internacionais, sendo estes, instrumentos oriundos do DI.
Palavras-chave: Aquisições de defesa. Cerceamento tecnológico. Estados Unidos.
ABSTRACT
After the re-democratization process, Brazil adhered to the main international regimes, mainly
in the 1990s. Among them are the non-proliferation regime of nuclear weapons and the
missile technologies control regime. By adhering to these regimes, Brazil hoped to gain more
international credibility and easier access to technologies that had been previously restrained.
Despite this, the technological restraint continues to be an adversity in the production of
1 Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense, mestrando em Estudos
Estratégicos da Defesa e da Segurança pela Universidade Federal Fluminense, membro do Laboratório Defesa e
Política[s] (Inest/UFF) e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
E-mail: [email protected] 2 Advogado. Mestrando em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pela Universidade Federal
Fluminense (UFF), Niterói, Rio de Janeiro. Pesquisador bolsista do Laboratório de Simulações e Cenários (LSC)
da Escola de Guerra Naval (EGN). E-mail: [email protected].
science and technology in Brazil, especially in the defense area. This paper’s hypothesis is
that the United States’ unilateral export control system is, in large part, the main responsible
for the technological restraint Brazil faces when it requests to import sensitive materials or
technologies from the US. Despite the Brazilian compliance with the main international
regimes of export controls, Brazil continues to suffer recurrent denials to the US export
control agencies, and the reasons are mostly based on the US domestic legislation,
independently from the International Law. Through the analysis of some case studies of those
denials to Brazilian import requests and of the US domestic legislation that justifies this
procedure, it is verified that the scope of this legislation allows the Department of Commerce,
the Department of Commerce and the United States Department of the Treasury to take
discretionary decisions, in the export control system. In the end, after analyzing the legal
system for controlling US exportable military assets, it will be sought to identify which
factors that affect US legislation may, in some way, be overlapping with the terms established
in international regimes from international law.
Keywords: Defense acquisitions. Technological restraint. United States.
INTRODUÇÃO
O Brasil, passado o período político autoritário, findo em 1985, buscou a adesão aos
inúmeros regimes internacionais, notadamente na década de 1990. A política externa
brasileira, ao se balizar com as nações do bloco ocidental, que também aderiram aos
principais regimes, acreditava que poderia obter maior credibilidade internacional, além de ter
maior acesso a tecnologias que até então eram objeto de cerceamento. Apesar disso, o
cerceamento tecnológico perpetrado pelos EUA, sobretudo na área de defesa, continua a ser
um obstáculo para a produção de ciência e tecnologia no Brasil, de forma a ser um dos
entraves para o desenvolvimento de projetos de defesa autóctones.
Com base nas premissas iniciais, a hipótese deste artigo gravita no sentido de que o
sistema unilateral de controle de exportações dos EUA é, em grande parte, o principal
responsável pelo cerceamento tecnológico sofrido pelo Brasil no âmbito da relação comercial
bilateral de aquisição de material ou tecnologias sensíveis de defesa. A ocorrência do
cerceamento tecnológico de forma unilateral pelos EUA dar-se-ia mesmo com o acatamento
do Brasil aos principais regimes de controle de exportação de armas dos quais é signatário.
Para tanto, os EUA baseiam-se, majoritariamente, em sua legislação doméstica em detrimento
dos inúmeros tratados e regimes de que são parte no Direito Internacional.
Mesmo quando os EUA não são responsáveis diretamente pelo cerceamento e pelo
embargo de venda direta de materiais considerados sensíveis do ponto de vista tecnológico, o
governo estadunidense exerce pressão sobre países aliados, que, frequentemente, compõem a
Aliança Militar do Atlântico Norte (OTAN), no sentido de que tais países não transfiram
tecnologia nem vendam materiais que envolvam tecnologia de uso dual3, principalmente em
programas nucleares e de mísseis passíveis de gerarem spin-off4.
De acordo com Moreira (2013, p. 196), por envolver bens sensíveis, “perscrutar casos
reais de cerceamento tecnológico é algo desafiador. Há resistências [...] ao fornecimento de
dados, por compreensíveis razões, principalmente no setor privado”, sendo, muitas vezes,
mais comum relatos disponíveis em palestras oficiais ou vídeos com comunicações de
representantes de órgãos públicos. Dessa forma, esta pesquisa é contingenciada pelo acesso
limitado à completa base de dados de cerceamento tecnológico. Apenas se obteve acesso a
exemplos publicados em audiências públicas, como nas figuras 2 e 3.
Mesmo no âmbito civil, há dificuldade de coleta de dados estatísticos sobre
cerceamento tecnológico e de casos envolvendo transferência de tecnologia. Em
contrapartida, a Diretoria de Transferência de Tecnologia (DIRTEC) do Instituto Nacional da
Propriedade Industrial (INPI) divulga, periodicamente, uma série de informações estatísticas a
fim de dar às suas políticas e aos interessados uma visão panorâmica do volume de operações
de transferência de tecnologia realizados no Brasil (ASSAFIM, 2013, p. 90). No tema de
“cerceamento tecnológico”, há pouco material desclassificado disponível conforme já
aduzido; mas os dados da DIRTEC são úteis quando se buscam informações sobre os
principais atores no ramo de trade tecnológico e suas práticas comerciais que poderiam ajudar
o pesquisador a tentar compreender os motivos técnicos e estratégicos que levam um país a
cercear os demais.
O cerceamento tecnológico pode ser considerado um instrumento de exercício da
política, ou mesmo um subproduto das relações internacionais e do comércio internacional.
Cabendo destacar que, contraditoriamente, o cerceamento tecnológico pautado em uma
legislação altamente regulamentada e restritiva é exercido, em sua grande maioria, por países
desenvolvidos defensores do livre mercado e da globalização (PEDONE, 2009; ROSSI,
2015). Esse posicionamento de inflexão provavelmente denota a verdadeira intenção dos
Estados, pois tendo em vista que o sistema político internacional é anárquico e conflituoso, a
relação cooperativa é sempre relativizada pela busca incessante por poder, notadamente o
Poder Militar (MEARSHEIMER, 2007; PEDONE, 2009); de forma que o cerceamento
3 A tecnologia poder ser considerada “dual” quando há a possibilidade de ter aplicações militares e civis, atuais
ou potenciais (BRUSTOLIN, 2014, p. 6). 4 Spin-off ou transbordamento tecnológico é o processo em que uma tecnologia desenvolvida inicialmente para
uso militar passa a ter, efetivamente, aplicação no meio civil. (ROSSI, 2015, p. 64).
restritivo seria uma forma de se reduzir o poderio bélico de potenciais inimigos (ROSSI,
2015, p. 43). Partindo de tais premissas, o presente trabalho justifica-se em razão da
importância de se analisarem alguns casos que demonstram como a legislação doméstica dos
EUA oferece óbices ao desenvolvimento da Base Industrial de Defesa (BID) brasileira,
mesmo sendo o Brasil Estado-parte dos principais regimes internacionais.
1 CERCEAMENTO TECNOLÓGICO
1.1 Conceitos e Fundamentos Metodológicos
Logo após o término da Segunda Guerra Mundial, os EUA perceberam a função
fundamental e determinante que a sua superioridade industrial e tecnológica (inclusive
nuclear) teve para o desfecho do conflito. Em um primeiro momento, a preocupação residiu
no campo de uma eventual difusão dos conhecimentos de uso militar da energia nuclear
produzidos no plano interno durante o esforço de guerra. O primeiro plano de ação foi
implementar o Atomic Energy Act em agosto de 1946. A norma regulamentadora tinha como
objetivo proibir a transferência para outros países de conhecimentos na área nuclear (mesmo
para aplicação industrial civil), o que é um embargo ao conhecimento tecnológico nuclear
produzido nos EUA (SANTOS, 1999, p. 125).
Em 1949, foi criado o Coordinating Committee for Multilateral Export Control
(Cocom), cujo escopo principal era impedir a União Soviética e seus aliados de adquirirem
tecnologia ocidental que pudesse contribuir para o incremento de seu poderia militar. Na
época os países membros do Cocom eram os países da Organização do Atlântico Norte
(SANTOS, 1999, p. 118).
Ainda na esteira do término da Segunda Guerra, os países desenvolvidos que detêm
alto nível de desenvolvimento científico e tecnológico têm buscado cercear o acesso de
nações em desenvolvimento ou desenvolvidas que sejam eventuais concorrentes às
tecnologias e produtos que consideram sensíveis, incluindo as de uso dual (LONGO;
MOREIRA, 2009). William Moreira (2015) conceitua o cerceamento tecnológico como um
conjunto de políticas, normas e medidas levadas a cabo por Estados, organizações
internacionais ou empresas privadas ou estatais com o fito de se restringir, dificultar ou negar
o acesso, a posse ou uso de bens sensíveis e serviços diretamente vinculados, por parte de
estados, instituições, centros de pesquisas ou empresas e terceiros.
Na visão de Pedone (2009), o cerceamento tecnológico pode ser praticado por uma
miríade de atores, tais como estados, grupos de estados, empresas e/ou consórcios de
empresas, que buscam restringir, bloquear, denegar ou ainda dificultar o acesso a bens e
tecnologias consideradas sensíveis, sobretudo de bens afetos à área de defesa. Em certas
ocasiões, o cerceamento pode ocorrer mesmo quando o país já detém determinada tecnologia,
sendo passível de citação o caso brasileiro envolvendo pedidos de bens e materiais que seriam
destinados ao programa nuclear brasileiro, que foi desenvolvido, inicialmente, com a parceria
do governo da Alemanha e que foi alvo de cerceamento pelos EUA.
Longo e Moreira (2009, p. 74) afirmam que o objetivo do cerceamento é negar
conhecimento e manter supremacia tecnológica em áreas estratégicas, bem como evitar o
acesso de atores não estatais (“novas ameaças”). Esses autores acham difícil rotular como
civil ou como militar a produção de conhecimentos. Entre essas tecnologias, há algumas que
são consideradas sensíveis. Tecnologia sensível é “a que um determinado país (ou grupo de
países) considera que não deva dar acesso, durante certo tempo, hipoteticamente por razões de
segurança” (LONGO; MOREIRA, 2009, p. 74). William Moreira define cerceamento
tecnológico como:
Conjunto de políticas, normas e ações empreendidas por Estados, organizações
internacionais ou empresas no sentido de restringir, dificultar ou negar o acesso, a
posse ou o uso de bens sensíveis e serviços diretamente vinculados, por parte dos
Estados, instituições de pesquisa ou empresas de terceiros (MOREIRA, 2013, p.
304).
Para Longo e Moreira, apesar de os objetivos do cerceamento serem meritórios, esse
procedimento tem sido empregado pelos países desenvolvidos, principalmente a tríade que
lidera o desenvolvimento científico e tecnológico, EUA, União Europeia e Japão, a fim de
manter vantagens estratégicas, não somente militares; mas também comerciais sobre os
demais países (2009, p. 75, 95-96). Esse comportamento pode vir acompanhado ou não por
atos internacionais, os quais, geralmente, são constituídos por incentivos dos países
desenvolvidos e com objetivos que incluem a preservação da sua hegemonia (LONGO;
MOREIRA, 2009, p. 75).
Uma parte importante do trabalho de um cientista social é a elaboração de tipologias e
de modelos de modo a sistematizar os dados coletados, o que faz parte do processo de
simplificação da realidade complexa e da elaboração de teorias que explicam relações causais
entre fenômenos (DUVERGER, 1962, p. 395-401; KING, KEOHANE, VERBA, 1994, p. 47;
LAKATOS, MARCONI, 2003, p. 116; VAN EVERA, 1997, p. 9). William Moreira (2013, p.
197-202) elaborou uma tipologia composta por seis modelos de cerceamento tecnológico que
é útil a esta análise (Quadro 1).
Modelo Manifestação do cerceamento
I Empresa fornecedora denega por iniciativa própria.
II Agências governamentais não autorizam a operação de compra, venda
ou transferência.
III Intervenção de agências do Estado em processos iniciados.
IV Intervenção com emprego da força bruta.
V Absorção de empresa, drenagem de cérebros ou descontinuidade de
fornecimento.
VI Pressão política, econômica ou social por Estado, OIG ou comunidades
(ONGs, OINGs etc). Quadro 1- Modelos de Cerceamento Tecnológico
Fonte: MOREIRA, 2013, p. 201
1.2. Arcabouço Regulatório Restritivo para o Comércio de Armas no Brasil e nos EUA
Com o fito de se garantir um nível mínimo de autonomia e de desenvolvimento da
BID, os governos dos estados desempenham uma função crucial na regulação e no fomento
industrial de seus parques industriais de defesa. Para tanto, buscam atender suas próprias
necessidades por meio de sua BID, além de exercer o controle sobre as exportações de itens
de defesa (MATHEUS, 2016, p. 142). No Brasil, vigorou entre 1974 a 1991 a Política
Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar (PNEMEM). Essa política retrata
uma postura restritiva do governo brasileiro que visava a proteger os interesses nacionais em
um momento em que a indústria de defesa brasileira estava para se consolidar como uma das
dez maiores do mundo no setor (AVILA, 2009, p. 264-265; SANTOS, 1999, p. 119). Em 10
de outubro de 1995, entrou em vigor outra norma com o escopo de regular o setor, tratava-se
da Lei 9.112, que dispõe sobre a exportação de bens sensíveis e serviços diretamente
vinculados. A referida norma é parcialmente regulamentada pelo Decreto 1.861, de 12 de
abril de 1996, que regulamenta a exportação de bens sensíveis e serviços vinculados de
natureza nuclear, além de também ser regulamentada pelo Decreto 4.214, de 30 de abril de
2002, que tem como função estabelecer a competência da Comissão Interministerial de
Controle de Exportação de Bens Sensíveis (MATHEUS, 2010, p. 84).
Em relação ao sistema regulatório dos EUA, a legislação de controle de exportações
dos EUA visa a controlar a exportação de equipamentos, softwares e tecnologias sensíveis
como meio de promover sua segurança nacional e seus objetivos de política externa (U.S.
GOVERNMENT, 2017). Esse sistema envolve três departamentos: Departament of State
(DoS), o Departament of Commerce (DoC) e o Departament of Defense (DoD) (U.S.
GOVERNMENT, 2017). Tais burocracias foram as responsáveis pela elaboração de
documentos, nomeadamente, o Export Administration Act (EAA) de 1979; o Arms Export
Control Act (AECA); a Commerce Control List (CCL); a United States Munitions List
(USML); o Nuclear Regulatory Commission Controls (NRCC); a Technology Alert List
(TAL). Todo esse aparato legislativo fornece os meios e mecanismos necessários para que o
DoS, o DoC e o DoT trabalhem de forma integrada, visando a tutelar os interesses
estadunidenses, no sentido de controlar o acesso a materiais, serviços e tecnologias sensíveis
na área de defesa (MATHEUS, 2016, p. 142-143). Todo esse arcabouço jurídico retrata o
sistema jurídico regulatório estadunidense que submete ao controle presidencial (sujeito a
revisão pelo Congresso, por meio de lei) a importação e exportação de produtos, sistemas e
tecnologias de defesa (ROSSI, 2015, p. 45).
O Export Administration Act (EAA), de 1979, é uma legislação de controle sobre
artigos com potencial para aplicação militar que entrou em vigor para substituir o Export
Control Act (ECA). O EAA foi, posteriormente, regulado pelo Export Administration Regulations
(EAR), que engloba a Commerce Control List (CCL)5. Já o Arms Export Control Act (AECA),
que surgiu para substituir o Battle Act, de 1954, pode ser considerado a norma positivada mais
importante elaborada para fins de controle específico de exportações de materiais militares. Com
o fim de regulamentar o AECA, entrou em vigor o International Trade in Arms Regulations
(ITAR), que por sua vez contém a USML (MATHEUS, 2010, p. 82).
O ITAR tem o escopo de definir regras complementares sobre o comércio de tecnologias
que o governo estadunidense entende que devem ser controladas (MATHEUS, 2016, p. 154). Esse
conjunto de normas que compõem o ITAR é destinado a controlar, de forma unilateral, a
exportação e a importação de bens e serviços afetos à área de defesa que façam parte da USML.
Tais regras são parte componente do AECA, que, assim como o ITAR, foram introduzidos no
contexto da Guerra Fria, em 1976, e tinham como finalidade principal tentar evitar a exportação
de armas para as nações que faziam parte do Pacto de Varsóvia. Contudo, mesmo após a queda do
Muro de Berlim as atividades do ITAR cresceram, de medida de “contenção” de países alinhados
ao bloco soviético, o ITAR ganhou como objetivo finalístico a função de salvaguardar a
5 A CCL é uma lista restritiva com cerca de 2.400 itens classificados como de aplicação dual e restrição a ser
observada.
segurança nacional dos EUA, além de também servir de instrumento de consecução aos objetivos
da política externa estadunidense (PEDONE, 2009).
Como um mecanismo regulatório, o ITAR pode ser considerado robusto e de alta
complexidade, pois obriga todos os fabricantes, exportadores e intermediários de bens de defesa a
registrarem-se junto ao DoS. Na prática, o ITAR prevê que organizações e indivíduos que
comercializarem informações e materiais listados na USML sem autorização do DoS poderão ser
punidos severamente. No âmbito das sanções e dos embargos de vendas, é digno de nota o fato de
que, em 2006, o governo estadunidense bloqueou a venda de aeronaves de patrulha marítima C-
295 de fabricação espanhola via empresa EADS-CASA à Venezuela, sob o argumento de que a
aeronave continha aviônica e componentes de motorização de origem estadunidense. O resultado
foi um cancelamento de um contrato de 500 milhões de euros (PEDONE, 2009).
Após o término da guerra fria as grandes potências elaboraram inúmeros tratados e
regimes internacionais com o objetivo de se reduzir o acesso às Armas de Destruição em Massa
(ADM), tal como o START I, de 1991, e START II, de 1993 (BAYLIS, 2016, p. 216-217). Tais
tratados somaram-se ao TNP, de 1968, no esforço da comunidade internacional em limitar a
proliferação das armas de destruição em massa. A despeito da existência desses tratados e
regimes, os EUA criaram mais um instrumento de cerceamento tecnológico, a TAL, com estes
quatro objetivos principais: impedir a proliferação de ADM; limitar o desenvolvimento de
capacitações militares que possam desestabilizar regiões do mundo; prevenir a transferência de
bens sensíveis para Estados que apoiam o terrorismo; e, por fim, manter as vantagens dos EUA
em certas tecnologias militares sensíveis.
O desenvolvimento de tecnologia dual ou multipropósito, muitas vezes com
nascedouro em projetos militares, envolve uma complexa interação da cadeia produtiva e de
instituições de pesquisa, dado que entre a descoberta tecnológica, o uso público e o retorno
financeiro há um extenso processo a ser percorrido. Todo esse processo de transferência de
tecnologia é capaz de produzir toda uma gama de benefícios à BID, tais como: incorporar
tecnologias inovadoras; ampliar investimentos que “transbordam” para outros segmentos;
gerar produtos exportáveis de alto valor agregado; aprimorar a formação de servidores,
técnicos e universitários; gerar milhares de empregos, alguns de nível muito sofisticado
(BRUSTOLIN, 2014, p. 38). Destarte, não é de se estranhar toda a construção de um
arcabouço jurídico regulatório pelos EUA com o fito de se cercear ao máximo a transferência
de tecnologia sensível, mesmo em detrimento de mecanismos já existentes no DI.
De acordo com Brustolin (2014, p. 38-41), o desenvolvimento e a aquisição de
tecnologia militares no Brasil são complexos. Para ilustrar a complexidade do processo de
importação de tecnologias militares, foi feita uma adaptação do fluxograma de Brustolin
(2014, p. 38), na figura 1, aplicando-o ao caso de pedidos de importação aos EUA. Ele mostra
como, mesmo depois de aderir ao TNP, há muitas margens legais para cerceamento ao Brasil
por parte dos EUA, o maior detentor internacional de tecnologias militares e de uso dual.
Figura 1 - Aquisição de Tecnologias Militares e Cerceamento: exemplo das relações Brasil-EUA
Adaptado de BRUSTOLIN, 2014, p. 39. Fonte: BEZERRIL, 2011; MOREIRA, 2013, p. 209-211; U.S.
GOVERNMENT, 2017.
Após modificações do modelo original de Brustolin (2014, p. 39-41), a figura 1 pode
ser explicada desta forma: 1) o governo prepara uma Proposta de Lei Orçamentária Anual
(PLOA), com base no ano anterior, acrescida de atualizações monetárias e eventuais injeções
de recursos para finalidades previamente debatidas com os ministérios; 2) a PLOA tem sua
tramitação própria, sendo proposta pelo Poder Executivo e pode, ou não, ser aprovada pelo
Legislativo, além de dever estar dentro de um plano orçamentário de quatro anos (Plano
Plurianual); 3) o Congresso Nacional (habitualmente após negociação com o governo) vota a
Proposta; 4) o governo sanciona a aprovação legislativa e publica a Lei Orçamentária Anual
(LOA); 5) o governo repassa o orçamento (LOA) cabível ao Ministério da Defesa; 6) o
Ministério da Defesa recebe o orçamento para a execução; 7) editais/ encomendas de
tecnologias prontas ou convites para acordos de cooperação e produção conjunta são feitos; 8)
empresas/ indústrias/ governos têm acesso aos editais/ encomendas/ convites; 9) os
interessados concorrem para ganhar o contrato com o governo ou é dispensada a
concorrência, com base na expertise ou na disponibilidade de tecnologia exclusiva. Também
podem ser firmados acordos de cooperação para produção conjunta. Ao mesmo tempo as
empresas precisam preencher formulários de autorização para exportação, que serão
verificadas por burocratas dos Departamentos de Comércio, de Estado e do Tesouro dos EUA,
sob pena de multa, caso as empresas descumpram as normas; 10) O governo estadunidense
verifica o pedido de exportação de acordo com normas domésticas e internacionais; 11) A
autorização é concedida ou negada; 12) se a autorização for concedida, o pagamento é
realizado, ao todo ou em partes, conforme o contrato; 13) tecnologias prontas são
disponibilizadas à Defesa Nacional ou produções em conjunto desencadeiam tecnologias; 14)
eventualmente, de acordo com a aceitação dos entes envolvidos e com as decorrentes
previsões contratuais, ocorre a transferência de conhecimento sobre as tecnologias prontas.
Essa transferência pode ser em vários níveis, conforme o interesse/ disposição/ possibilidade
das partes, bem como, dos valores e políticas em voga. No caso da produção em conjunto, a
práxis é que haja compartilhamento da propriedade intelectual e definição de mercados
específicos para a exploração de cada ente envolvido.
A forte influência oriunda da lógica empresarial, então adaptada às necessidades das
Forças Armadas estadunidenses na Segunda Guerra Mundial, quando, por iniciativa política,
houve o incremento da sinergia nas relações entre cientistas, militares e empresários
(GALISON, 2005), culminou em uma interpretação paradoxal sobre a própria essência da
utilização do avanço tecnológico. Isso deve-se ao fato de que para as empresas a tecnologia é
o motor da competição entre empresas, para os militares a inovação tecnológica, e sua
proteção passou a ser considerado um fato chave para a vantagem do combatente (PROENÇA
JÚNIOR apud ROSSI, 2015, p. 61). Tais fatores, muito provavelmente, tornaram-se fatores
sistêmicos para a criação do robusto e complexo arcabouço regulatório para o comércio de
armas estadunidenses e que, não raro, fica adstrito à condução da política externa daquele
país.
1.3. Estudos de Caso
Com base nos levantamentos realizados por William Moreira (2013, p. 204-207), foi
elaborado o gráfico 1, o qual demonstra que o tipo mais comum de cerceamento tecnológico é
o tipo II (conforme quadro 1), quando as agências governamentais não autorizam a operação
de compra, venda ou transferência . No gráfico 2, com base nos mesmos dados, verifica-se a
participação de cada país estrangeiro nos processos de cerceamento tecnológico sofridos pelo
Brasil após a adesão ao TNP.
Gráfico 1- Proporção dos Tipos de Cerceamento Tecnológico
Elaboração própria. Baseado nos dados de Moreira (2013 p. 204-207).
I15%
II44%
III10%
IV2%
V10%
VI19%
Gráfico 2- Proporção de Cerceamento Tecnológico por País ou Instituição
Elaboração própria. Baseado nos dados de Moreira (2013 p. 204-207).
O gráfico 2 demonstra que os EUA têm uma predominância muito significativa nos
casos de cerceamento tecnológico, o que justifica a maior atenção dada neste trabalho ao seu
sistema de controle de exportações. É importante ressaltar que os EUA foram, no mesmo
período, o maior e o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Analisando alguns dados
estatísticos da DIRTEC do INPI, pode-se verificar a política restritiva dos EUA para com o
Brasil: a maior parte da tecnologia absorvida pelo Brasil em processos de transferência de
tecnologia é proveniente daquele país, conforme o quadro 2 e o gráfico 3, ao passo que a
maioria dos casos de cerceamento tecnológico também são oriundos daquela nação.
PAÍS Jan/Dez 2000
(A)
Jan/Dez 2001
(B)
% em Relação
ao Total 2001
Variação do
período (B/A)
Alemanha 264 285 14 8,0
Brasil 112 110 5 (1,8)
Canadá 60 45 2 (25,0)
Espanha 70 61 3 (12,9)
Estados
Unidos
513 547 27 6,6
França 108 160 8 48,1
Itália 91 128 6 40, 7
Japão 94 153 8 62,8
Reino Unido 61 90 4 47,5 Quadro 2- Países de origem da tecnologia (2000-2001)
73%
9%
7%
5%2%2%
2%
EUA França AIEA Alemanha Reino Unido Países Baixos Israel
Fonte: ASSAFIM, Michel. Transferência de Tecnologia no Brasil, 2010, p. 93.
Gráfico 3- Principais Países Fornecedores de Tecnologia
Fonte: ASSAFIM, Michel. Transferência de Tecnologia no Brasil, 2010, p. 93.
As normas que regulam o sistema unilateral de controle de exportações dos EUA são,
em muitos casos, genéricas e dependem muito do interesse político momentâneo do governo,
como pode ser demonstrado no EAA de 1979, seção 3(2)(A) e (B):
[...] restringe a exportação de bens e tecnologias que possam contribuir para um
aumento significativo do potencial militar de qualquer outro país ou conjunto de
países, o que poderia ser prejudicial para a segurança nacional dos Estados Unidos
[...] e a restringir a exportação de bens e tecnologia sempre que necessário à
política externa dos EUA ou para cumprir suas obrigações internacionais (CTMSP,
2011; MOREIRA, 2013, p. 211).
0
100
200
300
400
500
600
Principais Países Fornecedores de Tecnologia
Jan/Dez 2000 (A) Jan/Dez 2001 (B)
Figura 2- Cerceamento Tecnológico dos EUA no PROSUB I
Fonte: BEZERRIL, C. P. Índice de Nacionalização de Produtos de Defesa, 2011.
A figura 2 mostra a justificativa apresentada pelo Bureau of Industry and Security do
Departamento de Comércio dos EUA, em 2007, à empresa Toho Tenax America, que não
pôde atender ao pedido de importação de fibra de carbono do Depósito Naval no Rio de
Janeiro. As razões da denegação restringem-se aos itens (A) e (B) da seção 3(2) do EAA. De
acordo com o item (A), os EUA devem “restringir a exportação de bens e de tecnologia que
podem contribuir significativamente para o potencial militar de outro país ou de uma
combinação de países que possam provar-se prejudiciais à segurança nacional dos Estados
Unidos”6. Cabe, discricionariamente, às autoridades políticas do DoC (como no exemplo em
tela), estabelecer o que possa ser considerado prejudicial à segurança nacional estadunidense.
A partir de 2001, as preocupações dos EUA de que armas de destruição em massa
pudessem ser usadas por terroristas ou redes de crime organizado transnacional aumentaram
consideravelmente, gerando a intensificação das imposições restritas ao acesso a
conhecimentos, tecnologia e bens sensíveis (LONGO, MOREIRA, 2009, p. 74).
Para o vice-almirante Carlos Passos Bezerril7 (2011), há duas formas possíveis de
cerceamento tecnológico, por negação de transferência de tecnologia e por negação de
fornecimento de insumos. Ele apresentou o caso do pedido de importação de fibra de carbono
6 No original: “to restrict the export of goods and technology that which would make a significant contribution to
the military potential of any other country or combination of countries which would prove detrimental to the
national security of the United States”. 7 Diretor do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo entre 25 de abril de 2005 e 16 de janeiro de 2015.
e que o Departamento de Comércio dos EUA não autorizou, conforme a figura 3. Em 2010, o
Brasil tentou comprar controladores (CPUs) dos EUA, onde seria economicamente mais
eficiente; mas foi negado. Nesse caso, a negativa veio acompanhada por esta afirmação do
Departamento de Estado dos EUA: “o governo dos EUA não apoia o programa nuclear naval
autóctone do Brasil” 8.
Figura 3- Cerceamento Tecnológico dos EUA no PROSUB II
Fonte: BEZERRIL, C. P. Índice de Nacionalização de Produtos de Defesa, 2011.
No campo aeroespacial, a empreitada encetada em 1984 por Argentina, Egito e Iraque
para o desenvolvimento do míssil Condor provocou preocupação nos EUA e aos países do G-
79. A reação dos países do G-7 foi uma atuação conjunta, como um cartel de exportadores,
para impedir a proliferação de mísseis. De tal atuação, surgiu, em 1987, o Missile Technology
Control Regime (MTCR). Esse regime funciona “informalmente” e os países membros se
comprometem a desenvolver um sistema de exportação que iniba ou elimine a possibilidade
de transferência de itens sensíveis a países que busquem desenvolver mísseis com capacidade
8 No original: “The U.S. Government does not support Brazil’s indigenous naval nuclear program” (BEZERRIL,
2011). 9 Em 1984, o G-7 era composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido
(SANTOS, 1999, p. 119).
para transportar cargas superiores a 500 quilos e com alcance de mais de 300 quilômetros
(SANTOS, 1999, p. 120).
De acordo com Santos (1999, 121-122), mesmo antes de 1987, ou seja, antes do
advento do MCTR, o Brasil já era alvo de restrições à transferência de tecnologia e a
importações de material afeto à tecnologia de mísseis e à tecnologia nuclear.
Malgrado o Governo Brasileiro tenha aderido ao MTCR, em telegrama enviado, em
janeiro de 2009, pelo Departamento de Estado dos EUA à embaixada estadunidense em
Brasília, e revelado pelo WikiLeaks ao Jornal O Globo, restou clara a advertência inequívoca
de que o embaixador estadunidense deveria dar às autoridades ucranianas, no sentido de que
“Os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara,
contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”
(PASSOS, 2011). Posto que o acordo então entabulado não envolvesse os EUA, houve
pressão desse país para que os ucranianos cerceassem a tecnologia de foguetes no âmbito da
parceria então acertada.
Ao se analisar o cerceamento tecnológico perpetrado pelos países desenvolvidos que
dominam o mercado mundial de defesa, é possível inferir que toda a cadeia produtiva
brasileira é impactada por conta da dificuldade de se desenvolver tecnologias consideradas
críticas na área de defesa. Os EUA, como já demonstrado, lidera o ranking das nações que
mais praticam o cerceamento tecnológico. Dagnino (2010) ao discorrer sobre o tema cita um
caso em que o Brasil sofreu com o embargo estadunidense ao tentar, sem sucesso, obter
tecnologia antirradar10:
Como mostram os despachos do DoD, a tecnologia antirradar não está disponível
para o Brasil por razões de “segurança nacional” estadunidense, pois excede o
nível de “capability” para o país. […] As tecnologias sensíveis de antenas espirais
e channel switches que, segundo o DoD, capacitariam o Brasil para a produção de
mísseis antirradiação, também não foram licenciadas. Elas introduziriam um
potencial de combate na América Latina que contraria os interesses da segurança
nacional dos EUA (DAGNINO, 2010, p. 55).
Muito embora os EUA sejam considerados uma democracia liberal, e, a princípio, um
defensor do livre mercado, seu status de líder de cerceamento no mercado mundial de armas
contrasta com seu discurso político e econômico. Sua liderança no mercado de defesa (viés
econômico) lastreada em seu robusto complexo militar-industrial e as decisões tomadas pelo
10 Brustolin (2014, p. 60) aponta que a tecnologia seria utilizada para produção do míssil tático MAR-1 de
fabricação nacional, cuja finalidade é ser utilizado contra sistemas de defesa antiaérea baseados em terra ou
plataformas marítimas.
DoD (viés estratégico) são os vetores que seriam capazes de explicar os eventuais motivos do
cerceamento tecnológico exposto acima.
Na história recente, com base nos conceitos de cerceamento tecnológico apontados por
William Moreira (2013, p. 201) que vão além da simples denegação de transferência de
tecnologia, pode-se também qualificar como cerceamento tecnológico o embargo
estadunidense da venda ‘de 24 aviões EMB-314 Super Tucano para a Venezuela em 200611 e
a recente negociação visando a venda para a Nigéria de aviões do mesmo modelo12; porém
com algumas “restrições”13. No caso da proibição da venda do Super Tucano à Venezuela
pelos EUA em razão de os aviões possuírem tecnologia de computadores estadunidense
(ROSSI, 2015, p. 63), a Embraer perdeu um negócio praticamente certo, tendo o governo
venezuelano optado por adquirir aviões e outros equipamentos militares da Rússia e da
Bielorrússia (PEDONE, 2009).
O Exército Brasileiro também sofreu cerceamento no início dos anos 80 (oitenta) ao
adquirir e pagar uma empresa estadunidense para receber instrumentos de medição e de
simulação de parâmetros balísticos. O material comprado foi embargado sem qualquer
justificativa do governo dos EUA e os recursos despendidos, devolvidos. Em período mais
recente, foram enviados dois giroscópios da aeronave “Black Hawk” para reparo nos EUA.
Após o reparo, foi exigido que o Brasil assinasse um termo de “end user14”, sendo que o
referido documento já havia sido assinado quando da aquisição do helicóptero junto aos EUA
(BRASIL, 2011).
Brustolin (2014, p. 54-58) dá muitos exemplos de situações em que o Brasil foi
cerceado de forma unilateral pelos EUA em diversas oportunidades, ao tentar, sem sucesso,
obter tecnologias necessárias para o desenvolvimento de programas militares. Dentre tais
tentativas, cabe destaque ao pedido de aquisição de filtros de carbono utilizados em rotores de
centrífugas nucleares realizado, em 2007, e rejeitado sob o argumento “de proteger a
segurança nacional dos EUA perante qualquer outro país ou combinação de países”.
11 Disponível em: <https://www.flightglobal.com/news/articles/venezuela-claims-us-embargo-204098/>. Acesso
em 25 jan. 2018. 12 Disponível em: <http://www.aereo.jor.br/2016/11/14/eua-bloqueiam-venda-de-avioes-a-29-super-tucano-para-
a-nigeria/>. Acesso em 30 jan. 2018. 13 De acordo com a mídia, os Departamentos de Estado (Exterior) e de Defesa dos Estados Unidos acordaram
que os americanos não farão o treinamento das equipes de manutenção dos monomotores, e nem permitirão que
os nigerianos tenham acesso a detalhes da construção dos aviões. 14 End user é um termo utilizado para que o comprador de determinado equipamento militar estadunidense se
comprometa a não utilizar repassá-lo para outros usuários.
Mesmo quando os EUA encetaram acordos de transferência de tecnologia por meio de
offsets, como no caso do recebimento da tecnologia necessária para a produção e montagem
de estabilizadores verticais e de pilones das aeronaves F-5E, em 1974, uma parceria, então
estudada entre as equipes do Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA), EMBRAER e
Northrop para a produção local da aeronave não conseguiu ser concretizada por motivos
alheios aos interesses brasileiros. As raras práticas de offsets tecnológicos por parte dos EUA
tinham o fito de consolidar sua influência sobre os países do Ocidente, afastando-os de
produtos soviéticos, além criarem certa dependência em razão do controle exercido sobre os
produtos oferecidos (MODESTI, 2004, p. 26-31).
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo após iniciativas multilaterais de controle do comércio de armamentos, tal
como o Arms Trade Treaty (ATT), aprovado em 2013, no âmbito da ONU, e ainda não em
vigor, uma eventual desregulamentação ou pelo menos uma flexibilização no ordenamento
jurídico estadunidense não parece uma possibilidade crível que, em um futuro próximo, os
EUA adotem uma legislação menos restritiva e cerceadora de tecnologia militar ou
multipropósito.
A postura estadunidense deixa uma série de questões a serem esclarecidas quando o
assunto envolve a venda e a transferência de tecnologia, especialmente as de característica
multipropósito, como no caso dos aviões da ALX Super-Tucano, que é produzido pela
EMBRAER. Não raramente, o governo brasileiro deparava-se com restrições oriundas do
governo dos EUA, o que pode ser flexibilizado agora que a empresa goza de uma parceria
com a empresa Sierra-Nevada, localizada no estado da Flórida.
Do mesmo modo, para os defensores da adesão brasileira aos principais regimes
internacionais, segue o raciocínio do argumento de que a assinatura do TNP e de tratados
congêneres trariam ao Brasil uma espécie de garantia de paz regional e de acesso ao mercado
das tecnologias sensíveis, transformando a assinatura do TNP em uma espécie de política
pública canalizadora de fomentos para o desenvolvimento da indústria nacional; o país, pois,
sofreria menos denegação de material de alta complexidade e de alta tecnologia.
Por mais que tanto os EUA quanto o Brasil possuam instrumentos regulatórios na área
de fabricação e exportação de produtos de defesa, a estrutura burocrática protetiva e os
instrumentos legislativos estadunidenses fomentadores do cerceamento tecnológico mostram-
se bem mais estruturados e complexos. Os EUA, como país detentor do posto de maior
vendedor de armas no mundo, demonstram contradição ao bradar pelo liberalismo econômico
e livre mercado, ao passo que procuram cercear tecnologicamente eventuais concorrentes no
mercado de armas, utilizando mecanismos unilaterais que tem como objetivo mitigar o
desenvolvimento da BID de nações com as quais mantêm boas relações, em sinal claro de
protecionismo econômico e industrial.
Percebe-se que a generalidade dos critérios estabelecidos na legislação doméstica dos
EUA favorece a discricionariedade dos órgãos de controle, estabelecendo o cerceamento
tecnológico que perpassa o viés meramente estratégico-militar e denota ambições e
protecionismos comerciais. Essa opacidade do processo de fiscalização, por sua vez, favorece
um alto nível de politização das decisões. Não bastando, dessa forma, cumprir os regimes
internacionais e suas salvaguardas; é preciso, além disso, manter boas relações políticas com
os EUA, a fim de ter acesso a tecnologias sensíveis.
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