centro universitÁrio fag coordenaÇÃo de pÓs …
TRANSCRIPT
CENTRO UNIVERSITÁRIO FAG
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO DE PERÍCIA FORENSE
AMANDA NICOLI PEREIRA DE MORAES
RAFAEL DIDOMÊNICO
COCAÍNA: UMA REVISÃO DE LITERATURA
CASCAVEL – PR
2019
AMANDA NICOLI PEREIRA DE MORAES
RAFAEL DIDOMÊNICO
COCAÍNA: UMA REVISÃO DE LITERATURA
Trabalho de conclusão de curso de Pós-
graduação apresentado como requisito para
conclusão de curso de Especialização em
Perícia Forense
Orientadora: Profª. Dra. Marilesia Ferreira de
Souza
CASCAVEL
2019
3
COCAÍNA: UMA REVISÃO DE LITERATURA
MORAES, Amanda Nicoli Pereira de 1
DIDOMÊNICO, Rafael 2
SOUZA, Marilesia Ferreira de 3
RESUMO
A cocaína é considera uma droga psicoativa devido ao efeito simpaticomimético que
causa no organismo humano. A droga é, comumente, extraída da planta Erythroxylum coca e
durante muitos anos esta planta foi usada para diversas finalidades, principalmente para o
tratamento de doenças, como a dependência de morfina e alívio de dores. No entanto, apesar
de seus benefícios, a cocaína possui um alto potencial aditivo, o que gera um consumo
abusivo da droga com grandes impactos na saúde, podendo levar à morte.
De acordo com Relatório Mundial sobre Drogas de 2018 o consumo de cocaína no
Brasil aumentou nos últimos cinco anos, assim como as apreensões desta. A obtenção da
droga pura é realizada a partir das folhas de E. coca, sendo necessário várias etapas de
extração e purificação com solventes orgânicos, cujo o produto final pode ser em pó
(cocaína), pedras (crack) ou pasta (merla).
A cocaína tem diversos meios de administração sendo elas: via intravenosa, via
mucosa intranasal, inalação e ingestão. Quando ingerida a cocaína passa por diversos
processos químicos fisiológicos no fígado se convertendo em benzoilecgonina (BE) e o éster
metílico de ecgonina (EME), que fazem a liberação de narcocaína, um produto final que causa
a sensação anestésica no usuário. Já no sistema nervoso central (SNC) a cocaína desempenha
um papel de interromper a sinalização química por meio do sequestro das catecolaminas,
aumentando assim, os níveis de dopamina, serotonina e noradrenalina na fenda sináptica.
Em casos de apreensões de drogas ilícitas é realizado testes preliminares e
confirmatórios que auxiliam para a elucidação da identidade do material apreendido, bem
como, na sentença final do caso.
PALAVRAS-CHAVE: Cocaína, toxicologia, identificação de cocaína.
1 e
2 Pós-graduandos do curso de Especialização Lato Sensu em Perícia Forense, do Programa de Pós-Graduação
da Faculdade Assis Gurgacz. 3 Professora orientadora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Assis Gurgacz.
4
1 INTRODUÇÃO
O consumo de substâncias ilícitas é um problema de Saúde Pública em muitos países
e está relacionado ao aumento do número de pessoas com problemas de cotidiano que estão
sujeitas ao estresse ou qualquer desconforto psicológico, hedonismo, curiosidade, as quais
acabam recorrendo ao uso destas substâncias com a finalidade de relaxamento e sensação de
prazer que provavelmente persistirão após a dependência (OLIVEIRA, 2009; SCHEFFER e
PASA, 2010).
O uso abusivo destas sustâncias está diretamente relacionado ao aumento da
criminalidade, acidentes de trânsito, evasão escolar, violência familiar, criminal, violência e
comportamento anti-social dos indivíduos com histórico de agressividade e com complicações
médicas psiquiátricas aumentando assim o índice de mortalidade (ALVES e CARNEIRO,
2012; SCHEFFER e PASA, 2010). Segundo Ferreira (2001) o aumento da morbidade e
mortalidade também podem estar entrelaçados com a diminuição do preço da droga e o
aumento da sua disponibilização, onde um maior número de pessoas utiliza a droga em
concentrações e doses mais elevadas.
Conforme a Secretaria Nacional Anti-Drogas (SENAD) e o Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), citado por Alves e Carneiro (2012), as
drogas psicotrópicas são definidas como:
“As drogas utilizadas para alterar o funcionamento cerebral, causando
modificações no estado mental são chamadas drogas psicotrópicas. O termo
psicotrópico é formado por duas palavras: psico e trópico. Psico está
relacionado ao psiquismo, que envolve as funções do sistema nervoso
central; e trópico significa em direção a. Drogas psicotrópicas, portanto, são
aquelas que atuam sobre o cérebro, alterando de alguma forma o psiquismo.
Por essa razão, são também conhecidas como substâncias psicoativas”.
De acordo com o mecanismo de ação destas drogas no sistema nervoso central, elas
são classificadas em: drogas depressoras, como os barbitúricos; drogas estimulantes, como a
cocaína; e drogas perturbadoras, como os canabinóides (ALVES e CARNEIRO, 2012). No
caso das drogas estimulantes, como é o caso da cocaína, os efeitos causados nos usuários são
euforia, estado de alerta constante, aumento da energia, intensa emotividade, autodestruição,
alterações comportamentais como violência, indiferença, isolamento e desprezo. (SCHEFER
e PASA, 2010; QUENTAL, 2015).
Sabe-se que a experimentação de drogas ilícitas se inicia ainda na adolescência,
entretanto, nessa fase de desenvolvimento ocorrem modificações importantes no organismo,
5
principalmente no sistema nervoso central, e o uso de drogas pode comprometer o
funcionamento cerebral e afetar a capacidade cognitiva e aprendizado. O uso precoce aumenta
o risco do desenvolvimento de transtornos para o uso de substâncias, além de outros
transtornos mentais durante a juventude e também a vida adulta (BISCH et.al., 2019)
A cocaína é uns dos fitoestimulantes mais antigos, tendo relatos da sua utilização em
torno de 3.000 a.C. nas tumbas das múmias incas (ALVES e CARNEIRO, 2012). As folhas
de coca eram utilizadas nas tribos Incas e por índios sul-americanos para a diminuição do
cansaço, aumento da resistência física, diminuição do apetite e dos efeitos de altitudes
elevadas (FERREIRA e MARTINI, 2001).
No ano de 1863, as folhas de coca despertaram interesse após a invenção do “Vinho
Mariani” produzido pelo empresário e químico Angelo Mariani. Anos mais tarde o
farmacêutico John Styth Pemberton produziu o French Wine Coca, baseando-se na fórmula
do Vini Mariani, fabricou um xarope a base de açúcar e extratos do fruto e das folhas de
Erythroxylum coca, o que deu a origem da fórmula da Coca-Coca® (QUENTAL, 2015).
Na medicina as folhas de E. coca tiveram um papel importante devido a sua ação de
vasoconstrição para o alívio de dores, tratamento de hemorragia, relaxante muscular,
tratamento de dependência de morfina e álcool e tratamento de algumas doenças respiratórias
como asma e tosse (QUENTAL, 2015; FERREIRA e MARTINI, 2001). No final do século
XIX e início do XX a cocaína sofreu uma mudança drástica, passando de um “tônico sem
efeitos colaterais” para uma droga de uso abusivo com restrições severas, assim, leis estatais
foram necessárias para barrar o uso destas folhas ou qualquer produto que continha em suas
fórmulas a cocaína (ALVES e CARNEIRO, 2012).
Segundo Ferreira (2001), a divulgação de complicações do consumo da cocaína e as
leis estatais empregadas em todo o mundo auxiliaram na diminuição do seu uso. O decreto-lei
Federal n° 4292 de 6 de julho de 1921 do Código Penal Brasileiro, tornou a cocaína menos
disponível para a população em geral. Em 1930, outras drogas estimuladoras como
anfetamina tornaram-se disponíveis para a população e devido ao seu baixo preço e com
efeitos mais duradouros do que a cocaína assim, ganharam preferência de muitos usuários.
Na década de 70, a cocaína ressurgiu como uma droga abusiva na América do Norte
e no final da década de 80, houve o acréscimo de seu consumo na população brasileira
(ALVES e CARNEIRO, 2012). Esse aumento da oferta da cocaína no mercado de todos os
países americanos começou devido á maior produção da substância e distribuição mais eficaz
que era realizada por cartéis de traficantes sul-americanos. Com o aumento da oferta os preços
6
ficaram mais acessíveis para usuários, e, consequentemente, ocorreu um aumento no número
de usuários de cocaína (FERREIRA e MARTINI, 2001).
Em 1994, segundo NIDA (National Institute of Drug Abuse) o consumo ocasional e
regular de cocaína diminuíram, ao passo que o consumo frequente aumentou entre os
consumidores da substância (FERREIRA e MARTINI, 2001).
A UNODC (2011) demonstrou que nos países da América do Sul e Central, o
consumo de cocaína teve um aumento de 2,6 a 2,9 milhões de usuários entre a faixa etária de
15 a 64 anos. Na região Cone-Sul, que integra os países Brasil, Argentina e Chile, todos os
dados juntos equivalem a dois terços dos usuários da América do Sul e Central. (NEVES,
2013). Em 2014, o Brasil foi considerado o segundo maior consumidor de cocaína e seus
derivados, com 2,8 milhões de usuários, ficando atrás somente dos Estados Unidos, com 4
milhões de consumidores (CALIGIORNE e MARINHO, 2016).
Segundo o relatório mundial de drogas, no ano de 2015 enquanto no restante do
mundo o consumo da cocaína e crack estava estabilizado, na América do Sul houve um
aumento significativo. Onde aproximadamente 200 mil jovens brasileiros relataram uso de
cocaína intranasal nos últimos 12 meses e 150 mil usaram pelo menos uma vez na vida crack
ou similares (BISCH et.al., 2019).
No Brasil, as atuais medidas legislativas em relação ao consumo ou tráfico de drogas
estão descritas na Lei 11.343 de 23 de agosto 2006, no qual institui o Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) e aborda medidas não somente à crimes
relacionados com drogas, mas também apontam medidas de prevenção e reinstalação social
de usuário e dependentes. O artigo 28 da Lei 11.343/06 estabelece que se um indivíduo estiver
em posse de pequenas quantidades já estará incorrendo em um delito (OLIVEIRA, 2009).
Somente no Estado de São Paulo os dados referentes às apreensões no ano de 2008 foram
24.930, havendo um acréscimo de 6,9% em relação ao ano anterior que foi apreendido 23.127
(OLIVEIRA, 2009).
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 COCAÍNA E SUA OBTENÇÃO
A cocaína é derivada das folhas da planta Erythroxylum coca pertencente ao gênero
Erythroxylum que consiste em espécies de porte arbustivo ou arbóreo. Nesse gênero são
encontradas cerca de 240 espécies com distribuição subtropical e pantropical, e apenas 1
7
espécie na região neotropical (BARBOSA, 2014). Dentre esta variedade de espécies, a
Erythroxylum coca e Erythroxylum novogranatense são as que possuem um maior teor de
cocaína em suas folhas, variando de 0,5 a 1,5 %, sendo estas, encontradas nos Andes e na
Colômbia. Entretanto, estas plantas também podem ser cultivadas em ambientes quentes e
úmidos em países como Chile, Peru, Bolívia e Brasil ( ALVES e CARNEIRO, 2012). Apesar
do cultivo destas plantas serem permitidos em alguns países da América do Sul, como
Bolívia, Peru e Colômbia, o seu refino em cocaína é estritamente proibido em qualquer parte
do mundo (ALVES e CARNEIRO, 2012).
Figura 1: a) Erythroxylum coca ; b) Erythroxylum novogranatense
O gênero Erythroxylum apresenta características morfológicas lenhosas, arbóreas,
arbustivos e subarbustivos com folhas alternadas ou opostas, suas flores são monociclinas,
diclamídeas, pentâmeras com a presença de 10 estames de filete unidos na base (BARBOSA,
2014). Entre todas as espécies do gênero Erythroxylum, apenas 61 espécies passaram por
análises químicas para avaliar os compostos químicos de sua composição, onde resultaram
cerca de 449 compostos isolados, tendo em abundância os alcalóides tropânicos, flavonóides e
diterpenos (BARBOSA, 2014).
A cocaína, também denominada de benzoilmetilecgonina conforme a nomenclatura
da IUPAC, é o principal alcalóide extraído de folhas de Erythroxylum coca (Figura 2),
pertencente a classe dos tropânicos por apresentar em sua estrutura o núcleo tropano
(CALIGIORNE e MARINHO, 2016 ; SOUZA, 2014; NEVES, 2013). Os alcalóides
tropânicos são agentes anticolinérgicos que atuam inibindo a ação da acetilcolina, um
neurotransmissor do sistema nervoso central (SNC). A acetilcolina está envolvida em um
grande número de processos no organismo, entre eles os sensoriais, motores, associados ao
sono, ao humor, à resposta ao estresse, à atenção, à memória, à motivação e à recompensa
(SOUZA, 2014).
8
Figura 2: a) Estrutura química da cocaína (C17H21NO4), base livre, com destaque do núcleo tropano;
b) cocaína em equilíbrio ácido-base formando cloridrato de cocaína. Fonte: Souza, 2014.
Esta droga psicoativa pode ser encontrada para o seu consumo e/ou tráfico de
diferentes formas, tais como pó, grânulos, pedras e pasta (NEVES, 2013). Quanto ao modo de
obtenção da cocaína, esta é realizada por meio de vários processos de extração líquido-líquido
a partir das folhas da E. coca. Entretanto, toda a metodologia deste refino segue o mesmo
princípio: extrações com solventes orgânicos e reações ácido-base para a purificação da
substância, originando as diferentes formas em que a cocaína se apresenta (Figura 3)
(RODRIGUES, 2010; SOUZA, 2014).
Figura 3: Esquema do processo de refino da cocaína. Fonte: Souza, 2014.
9
Conforme ilustrado na Figura 3, primeiramente as folhas da E. coca são maceradas
em meio alcalino formando uma polpa de folhas. Nesta polpa de folhas é adicionado
querosene/gasolina e misturado, onde, em seguida, descarta-se a polpa e inicia-se a extração
na fração orgânica com ácido sulfúrico, óxido de cálcio e carbonato de sódio. Ao final tem-se
um precipitado de cocaína em sua forma bruta, chamado de Pasta Base, contendo um teor de
30 a 80% de cocaína, acompanhada de muitas impurezas (CALIGIORNE e MARINHO,
2016; NEVES, 2013). A pasta base de cocaína é o primeiro produto das extrações da E. coca,
encontrada na forma de pó ou grumos de coloração bege/ pardo escuro. A partir dela, são
realizadas as demais extrações para se obter os demais produtos, tendo em vista, a purificação
desta pasta. A cocaína mais purificada é chamada de cocaína base livre (Free base)
(RODRIGUES, 2010).
Logo, com o intuito de aumentar a pureza da droga e, consequentemente, o seu valor
no mercado ilícito, a pasta base passa por um processo de oxidação com permanganato de
potássio e hidróxido de amônio, removendo assim as impurezas, como é o caso dos alcalóides
cis e trans cinamoilcocaína presentes no vegetal. Deste modo, ao fim deste processo temos a
Cocaína Base, uma forma refinada da pasta base, contendo um o teor de 80 a 95% de cocaína.
A cocaína base é um intermediário, depois da pasta base, onde a partir dela também consegue-
se refinar a cocaína em suas demais formas (CALIGIORNE e MARINHO, 2016; NEVES,
2013). A pasta base também pode ser convertida em crack ou merla, a partir da alcalinização
do meio; ou, pode ser convertida em cocaína base e, posteriormente, transformada em crack,
merla ou cloridrato de cocaína (SOUZA, 2014).
A cocaína base pode ser convertida em cloridrato de cocaína, um pó branco e
cristalino, adicionando éter etílico e uma mistura de acetona e ácido clorídrico. Para que este
pó chegue a sua forma mais pura (Free base), o cloridrato de cocaína deve ser solubilizado
em água seguido da adição de etanol em meio básico. No entanto, para transformar o
cloridrato de cocaína em crack, é necessário a adição de água e bicarbonato de sódio sob
aquecimento (SOUZA, 2014).
Todavia, conforme Rodrigues (2010):
“Embora a cocaína seja de origem natural, ela também pode ser obtida por
métodos sintéticos. No entanto, devido a questões de caráter técnico e
econômico, esses processos não são usuais em práticas ilícitas.”
Portanto, as principais formas de cocaína para o consumo são: o crack, a merla, o
cloridrato de cocaína e free base. Contudo, a pasta base e cocaína base também podem ser
10
consumidas, ambas são fumadas em sua forma pura ou misturada com tabaco e maconha
(NEVES, 2013). As vias de administração das demais drogas são descritas abaixo:
Cloridrato de Cocaína: geralmente, a droga é auto administrada por aspiração
nasal, por via intravenosa (com a cocaína diluída em água) ou por via oral
(em menos frequência). Nesta forma a cocaína não pode ser fumada pois
além de não volatilizar, ela degrada em altas temperaturas (NEVES, 2013).
Free Base: a cocaína base livre é fumada com dispositivos que se
assemelham a cachimbos. No entanto, há um elevado risco de ignição dos
resquícios de éter contidos no pó, devido ao seu processo de purificação
(NEVES, 2013).
Merla: é uma pasta semi-sólida branca, contendo elevados teores de água e
sais de sódio, como sulfatos, carbonatos e bicarbonatos. Geralmente é
“comercializada” em latinhas metálicas (RODRIGUES, 2010; NEVES,
2013). Devido à presença desta solução na droga ocorre uma elevada
decomposição da cocaína, formando benzoilecgonina. Assim, a maneira de
administração da merla é através do fumo, podendo ser pura ou misturada
com tabaco ou maconha (NEVES, 2013).
Crack: desta maneira a cocaína encontra-se na forma de pedras, não
esfarelando com facilidade, com coloração marfim ou amarelada. São
administradas por meio do fumo em cachimbos de fabricação caseira ou
através da inalação do vapor (NEVES, 2013).
Entre essas diferentes maneiras de consumo da cocaína, os efeitos farmacológicos
produzidos no organismo do usuário são os mesmos, independentemente da forma com que
são administrados, a diferença está na velocidade de absorção do princípio ativo da droga e,
consequentemente, a intensidade e duração dos efeitos gerados (RODRIGUES, 2010). Porém,
a duração dos efeitos depende da forma consumida (pó, crack ou merla) e dos meios de
administração (SOUZA, 2014).
No Brasil, a cocaína é importada comumente sob a forma de pasta base ou cocaína
base, tendo o seu processo de refino finalizado no Brasil. Neste país, a variação desta droga
mais consumida é o crack e a sua forma mais exportada é o cloridrato de cocaína
(CALIGIORNE e MARINHO, 2016; MARCELO, 2017).
Vale ressaltar que a cocaína, apesar de todo o seu processo de refino, sofre
modificação com aditivos químicos, como adulterantes e diluentes, diminuindo assim, a
11
concentração da cocaína. Os adulterantes são substâncias adicionadas para imitar ou
potencializar o efeito da droga sob o indivíduo, aumentando sua toxicidade. Entre os
principais adulterantes utilizados estão: lidocaína, cafeína, fenacetina, ácido bórico, levamisol,
procaína, hidroxizina, benzocaína, diltiazem, efedrina, entre outros. Já os diluentes não
possuem efeitos sinérgicos, eles são adicionados somente para aumentar o volume do produto
final. Os principais diluentes são amido, talco, açúcares, silicatos, carbonatos e bicarbonatos
(CALIGIORNE e MARINHO, 2016; MARCELO, 2017; SOUZA, 2014). Desta forma, a
presença destes aditivos químicos diminui a concentração da cocaína na amostra e o custo da
produção, dificultando assim, a percepção da qualidade da cocaína entre os traficantes que
intercambiam essa droga (NEVES, 2013).
No aspecto forense, verifica-se que a composição das drogas se distingue entre si,
uma vez que não há um padrão de rota sintética a ser seguido na extração da cocaína, bem
como, a quantidade e os tipos de aditivos químicos adicionados variam conforme a região em
que a droga é distribuída (MARCELO, 2017; NEVES, 2013).
2.2 TOXICINÉTICA DA COCAÍNA
A cocaína é consumida por aplicações endovenosas, aspiradas, absorvidas pela
mucosa ou ingerida. A concentração plasmática máxima pode ter variantes, sendo que em vias
inalatórias e intravenosas o pico pode ocorrer entre 15 a 50 minutos. Pela via oral a absorção
ocorre mais vagarosamente, uma vez que a cocaína tem seu grau de ionização afetado pela
acidez do ácido clorídrico. A meia- vida da cocaína também depende da via de administração,
pode variar entre 40 minutos até 5 horas. (SANCHEZ, 2017).
A distribuição da cocaína ocorre pelo sistema circulatório e atinge principalmente o
cérebro, baço, rim, pulmões, coração e músculo esquelético. Em concentração baixa, 90% da
cocaína se liga a proteínas plasmáticas como albuminas e alfa1- ácido glicoproteico
(SANCHEZ, 2017).
A biotransformação da cocaína ocorre no fígado onde serão formados dois produtos
de biotransformações inativos, a benzoilecgonina (BE) e o éster metílico de ecgonina (EME).
O processo inclui a hidrólise de seus ésteres. O EME é obtido pela ação das colinesterases
plasmáticas e hepáticas. Já a BE é formada espontâneamente ao pH dependente e fisiológicos.
A biotransformação destes compostos em ecgonina é pH dependente e ocorre
espontaneamente. A cocaína também sofre N-metilação pelo sistema CYP-450, nesse caso
12
produz um metabólito psicoativo, a narcocaína, que tem poder anestésico maior que a cocaína
(ALVES e CARNEIRO, 2012; SANCHEZ, 2017.).
A cocaína desempenha uma ação simpaticomimética indireta, atuando
principalmente nos transportadores localizados na membrana pré-sináptica, que são
responsáveis por interromper a sinalização química por meio do sequestro das catecolaminas.
O bloqueio ocasionado pela cocaína aumenta os níveis de dopamina, serotonina e
noradrenalina na fenda sináptica e resulta na superestimulação dessas vias (ALVES e
CARNEIRO, 2012).
Segundo Sanchez (2017) a cocaína é eliminada do plasma após 4 horas, apenas de
seus produtos de biotransformações inativos, podem ser identificados até 144 horas no sangue
após a sua inalação. 90% da cocaína absorvida é eliminada na urina em quantidades de 1 a 9%
inalterada, 35 a 54% na forma de BE e 32 a 49% na forma de EME e uma fração de ecgonina.
De forma ampla 9,5 a 20% da cocaína absorvida é excretada na sua forma inalterada em 24 a
36 horas em vias urinárias, fecais e salivares.
2.3 MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO DE COCAÍNA
Em casos de apreensões de entorpecentes é realizado o teste preliminar conforme o
Código de Processo Penal Brasileiro, com a finalidade de realizar uma triagem do material
sob suspeita de droga para se obter uma resposta rápida à autoridade jurídica, assim
elaborando um laudo preliminar (CALIGIORNE e MARINHO, 2016).
Após a emissão do laudo preliminar, permanece indispensável a realização de outros
exames laboratoriais confirmatórios para a elucidação da identidade do material. Segundo
recomendações internacionais, tal identificação de drogas devem ser feitas por técnicas que
apresentem uma boa sensibilidade e uma seletividade adequada (CAMARGOS, 2018;
CALIGIORNE e MARINHO, 2016).
No ano de 1997, surgiu o Scientific Working Group for the Analysis of Seized Drugs
– SWGDRUG, composto por um comitê central com aproximadamente 20 membros de
diferentes países. Esta organização visa auxiliar a padronização de análises em amostras de
drogas apreendidas, melhorando assim, a qualidade dos exames forenses (SWGDRUG, 2016).
A SWGDRUG reconhece que a correta identificação de substâncias químicas
apreendidas depende do uso esquemático de métodos validados, para que não haja incerteza
nos resultados. Deste modo, ela classifica os métodos analíticos em 3 categorias: A, B e C
13
(TABELA), sendo elencado as técnicas mais seletivas em A e, menos seletivas em C
(CAMARGOS, 2018; SWGDRUG, 2016).
Tabela 1: Classificação de Técnicas Analíticas, conforme SWGDRUG (2016)
TÉCNICAS ANALÍTICAS
Categoria A Categoria B Categoria C
Espectroscopia Infravermelha
Espectrometria de Massas
Espectroscopia de Ressonância
Magnética Nuclear
Espectroscopia Raman
Difração de Raio-X
Eletroforese Capilar
Cromatografia Gasosa
Espectrometria de Mobilidade Iônica
Cromatografia Líquida
Testes Microcristalinos
Cromatografia em Camada Delgada
Análise Micro e Macroscópica*
Testes Colorimétricos
Espectroscopia de
Fluorescência
Imunoensaios
Ponto de Fusão
Espectroscopia no
Ultravioleta
* Apenas para Cannabis sativa
Para uma identificação segura, a SWGDRUG define alguns critérios a serem
seguidos, dentre eles estão:
Quando for utilizada uma técnica de Categoria A, será necessário o uso de
mais uma técnica (Categoria A, B ou C) para que os métodos de estudo sejam
eficazes (SWGDRUG, 2016).
Quando não é possível a emprego de uma técnica da Categoria A, deverá ser
utilizada outras três técnicas, sendo que, no mínimo duas delas deverão ser da
Categoria B (SWGDRUG, 2016).
Os testes colorimétricos são métodos de análises menos seletivos, como já
demonstrado na Tabela 1, porém, estes são amplamente utilizados devido ao seu baixo custo,
facilidade na execução e interpretação, rapidez e visibilidade dos resultados. Devido a sua
baixa especificidade, são considerados como técnicas qualitativas que indicam uma possível
presença de certa substância na amostra analisada, necessitando de métodos mais seletivos
para confirmar a origem da amostra (CAMARGOS, 2018).
No caso de entorpecentes, como a cocaína, o teste de cor mais utilizado para a
detecção deste composto é o Teste de Scott, porém, também há outros como: teste de Wagner,
14
teste de Mayer, tiocianato de cobalto e benzoato de metila (NEVES, 2013; CAMARGOS,
2018). Após estes testes colorimétricos apresentarem resultados positivos, a suposta droga é
encaminhada para testes confirmatórios, que são mais específicos e podem ser tanto
qualitativos como quantitativos. Geralmente, estes testes empregados na identificação de
cocaína são: cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (GC-MS) ou
cromatografia liquida acoplada à espectrometria de massa (LC-MS), ambas são robustas e
adaptáveis à determinação de diferentes compostos presentes na droga, uma vez que a
natureza da amostra é bem complexa com a presença de diversos compostos (adulterantes,
diluentes e impurezas) (CALIGIORNE e MARINHO, 2016; MARCELO, 2017).
A técnica GC-MS é a mais utilizada para identificação de entorpecentes a nível
mundial, obtendo resultados fidedignos devido a sua alta sensibilidade e seletividade. Esta
técnica consiste na união de duas técnicas distintas que se complementam: a cromatografia
gasosa permite a separação, identificação e determinação dos componentes presentes na
amostra, enquanto o espectrômetro de massas permite a identificação e quantificação de cada
uma das substâncias presentes na amostra analisada (CALIGIORNE e MARINHO, 2016;
NEVES, 2013).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O consumo de drogas de abuso apresentou um grande aumento ao longo dos anos
nos países Sul Americanos e, consequentemente, houve um aumento da mortalidade
relacionado ao consumo de substâncias abusivas. O uso destas substâncias tem ocorrido de
maneira cada vez mais precoce, causando assim, diversos problemas comportamentais,
aumentando a violência principalmente em âmbito familiar e em ambiente escolar.
A cocaína é uma das principais drogas de abuso, a qual pode ser encontrada de
diversas formas para seu consumo, bem como, existem várias formas de consumo deste
entorpecente. A cocaína é uma droga estimulante que atua no sistema nervoso central,
possuindo assim alto poder aditivo, porém, ela não é “comercializada” com sua forma pura,
devido ao alto custo de obtenção da droga. Deste modo, é adicionado a droga diversos
componentes químicos os quais aumentam a quantidade de produto e potencializam seu
efeito. Os efeitos da adulteração da droga ocasiona diversos fatores patogênicos no usuário.
No âmbito forense existem vários métodos de identificação da cocaína, o que
contribui para que o Poder Judiciário dê seu veredito baseado na autenticidade da prova
pericial. Estas técnicas são muito específicas e seletivas, capazes de determinar a composição
15
da amostra, o que auxilia na verificação de adulterantes presentes na droga que podem ter
gerado resultados falsos-positivos nas análises preliminares, feitas no momento da apreensão.
REFERÊNCIAS
ALVES, B.E.P.; CARNEIRO, E.O. Drogas psicostimulantes: uma abordagem toxicológica
sobre cocaína e metangetamina.21f. Monografia (Pós-Graduação)- Farmácia e Química
Forense, Pontificia Universidade Católica de Goías/IFAR, Goías, 2012.
BARBOSA, C.C.; SANTOS, A.M.; VAZ, M.R.F.; NOBREGA,F.F.F. Aspectos gerais e
propriedades farmacológicas do gênero Erythroxylum. Revista Saúde e Ciência On line, v.3,
n.3, p.207-216, 2014.
BISH, N.K.; MOREIRA, T. De.C.; BENCHAYA, M.C.; POZZ, D.R.; FREITAS, L.C.N.;
FARIAS, M.S.; FERIGOLO, M.; BARROS, H.M.T. Telephone counseling for young Brazilian
cocaine and/or crack users. Who are these users? J. Pediatr. (Rio J). V.95, n2, p. 209-216.
2019.
CALIGIORNE, S.M; MARINHO. P.A. Cocaína: Aspectos históricos, toxicológicos e
analíticos- uma revisão. Revista Criminalística e Medicina Legal. V.1, n.1, p.34-45, 2016.
CAMARGOS, A. C. F. Química Forense: análises de substâncias apreendidas.
Monografia de TCC – Química Bacharelado, Universidade Federal de São João del-
Rei/UFSJ, São João del-Rei, 2018.
CUNHA, P.J.; NICASTRI, S. GOMES, L.P. MOINO, R.M. PELUSO, M.A. Alterações
neuropsicológicas em dependentes de cocaína/ crack internados: dados preliminares. Ver.
Bras. Psiquiatr. V.26, n.2, p.103-106. 2004.
FERREIRA,P.E.; MARTINI, R. Cocaína: lendas, história e abuso. Revista Bras. Psiquiatr.
V.23, n.2, p.96-99, 2001.
FRANÇA, J. Os mortos não mentem, mas também não falam? Laboratório de Toxicologia,
Universidade de Brasília, 11 de fev. de 2014. Disponível em:
<http://www.toxicologia.unb.br/index.php?pg=desc-noticias_foco&id=29>. Acesso em:
19/04/2019.
MARCELO, M. C. A.. Metodologias para análise de cocaína empregando
instrumentação analítica associada a quimiometria. 24f. Teses (Doutorado) - Programa
de Pós-Graduação em Química, Universidade Federal do Rio Grande Do Sul, Porto Alegre,
Rio Grande do Sul, 2017.
NEVES,G.O. Caracterização de amostras de cocaína apreendidas pela Polícia Cívil do
Estado de Rondônia. 86f. Dissertação (Mestrado)- Desenvolvimento Regional e Meio
Ambiente, Campus Universitário José Ribeiro Filho, Rondônia, Perto Velho, 2013.
16
OLIVEIRA,R.M.; ALVES,J.Q.; ANDRADE, J.F.; SACZK,A.A.; OKUMURA, L.L. Análise
do teor de cocaína em amostra apreendidas pela polícia utilizando-se técnica de cromatografia
líquida de alta eficiência com detector UV-Vis. Ecl. Quím.v.34, n.3, p.77-83,2009.
PRADO, G.; ARCOVERDE, L. Apreensão de cocaína em rodovias federais quase triplica no
Brasil em 2 anos. G1, São Paulo, 14 de fev. de 2019. Disponível em:
<https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/02/14/apreensao-de-cocaina-em-rodovias-
federais-quase-triplica-no-brasil-em-2-anos.ghtml>. Acesso em: 18/04/2019.
QUENTAL,A.R.P.S. Análise toxicológica da cocaína e dos seus metabólitos em contexto
forense. 88f. Resumo Bibliográfico (Mestrado)- Ciência Farmacêutica, Universidade
Fernando Pessoa, Porto, 2015.
RODRIGUES, Caracterização química e análise quimiométrica de amostras de cocaína
apreendidas em Minas Gerais pelo Departamento de Polícia Federal. Monografia de TCC
– Bacharelado em Química, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas
Gerias, 2010.
SACHEZ, C. Avaliação da presença de anfetamina, cocaína e tetraidrocanabinol em
amostras de sangue post mortem e de indivíduos vivos, utilizando a técnica de
microextração em fase líquida com uso de fibras ocas de polipropileno (HF-LPME). 107f. Tese (Doutorado)- Programa de Pós-Graduaçãode Farmácia. Universidade de São
Paulo. São Paulo. 2017.
SCHEFFER,M.;PASA,G.G. Dependência de Álcool, Cocaína e Crack e Transtornos
Psiquiátricos. Psicologia, Teoria e Pesquisa. V.26, n.3, p. 533-541. 2010.
SOUZA, L. M. Fingerprinting de Cocaína: Um Estudo do Perfil Químico no Estado do
Espírito Santo. Dissertação (Mestrado) – Química, Universidade Federal do Espírito Santo,
Vitória, 2014.
SCHMITT, G.; RIBEIRO, A. Brasil tem recorde nas apreensões de cocaína em 2018. O
GLOBO, 19 de dez. de 2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/brasil-tem-
recorde-nas-apreensoes-de-cocaina-em-2018-23309144>. Acesso em: 18/04/2019.
SWGDRUG – Scientific Working Group for the Analysis of Seized Drugs Recommendations.
United States Department of Justice Drug Enforcement Administration. Washington, 9
de jun. de 2016. Disponível em: <
http://www.swgdrug.org/Documents/SWGDRUG%20Recommendations%20Version%207-
1.pdf>. Acesso em: 06/05/2019.
UNODC. Relatório Mundial sobre Drogas 2018: crise de opioides, abuso de
medicamentos sob prescrição; cocaína e ópio atingem níveis recordes. Brasília, 26 de jun.
de 2018. Disponível em: <https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2018/06/relatorio-
mundial-drogas-2018.html>. Acesso em: 18/04/2019.