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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS MATHEUS BRANDÃO GRANEMANN DO IDEÁRIO DA NAÇÃO A IDENTIDADE REALISTA: A BUSCA PELA AUTONOMIA DE UMA CATALUNHA INDEPENDENTE CURITIBA 2018

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

MATHEUS BRANDÃO GRANEMANN

DO IDEÁRIO DA NAÇÃO A IDENTIDADE REALISTA: A BUSCA PELA AUTONOMIA DE UMA CATALUNHA INDEPENDENTE

CURITIBA 2018

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MATHEUS BRANDÃO GRANEMANN

DO IDEÁRIO DA NAÇÃO A IDENTIDADE REALISTA: A BUSCA PELA AUTONOMIA DE UMA CATALUNHA INDEPENDENTE

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais, do Centro Universitário Curitiba.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Teixeira de Carvalho Júnior

CURITIBA 2018

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MATHEUS BRANDÃO GRANEMANN

DO IDEÁRIO DA NAÇÃO A IDENTIDADE REALISTA: A BUSCA PELA

AUTONOMIA DE UMA CATALUNHA INDEPENDENTE

Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais da Faculdade de Relações Internacionais

de Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos professores:

Orientador: ________________________

Prof. Dr. Eduardo Teixeira de Carvalho Júnior

________________________

Prof. Membro da Banca

_______________________

Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2018.

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Em memória do meu querido avô, ROBERTO

BRANDÃO, a quem me inspira seu idealismo,

sendo um ferrenho admirador da composição do

trabalho pioneiro do catalão Ildefons Cerdà,

engenheiro urbanista que reprojetou Barcelona

(subordinado à Coroa Espanhola pela rainha

Isabel, mas escondendo a Senyera: bandeira

catalã, retratando sua resistência). Um apaixonado

e apreciador, novamente, do projeto urbanístico e

arquitetônico da capital metropolitana e

cosmopolita, da Catalunha.

Também gostaria de relembrar meu outro avô,

ALMIR MACHADO, a quem almejava percorrer a

longa peregrinação do Camiño de Santiago de

Compostela um dia.

Reservo este espaço e oportunidade para

memória da estimada PAULA HELOISA

BONOMINI, colega transformadora, pacificadora e

inspiração, para às próximas gerações no curso

de Relações Internacionais do UNICURITIBA.

A homenageio, em admiração e respeito a sua luta.

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“Às chamadas identidades nacionais valem pelo

que escondem do que pelo revelado, pois a identidade é

processo histórico e não essência intocável.” O labirinto da

solidão.

(OCTAVIO PAZ)

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RESUMO

Esta pesquisa trata da busca de autonomia empreendida pela região da Espanha, a comunidade autônoma da Catalunha. O sentido de independência da Catalunha, em relação à Espanha, é apresentado a partir da compreensão dos conceitos de Nação e do Nacionalismo, assim como da ideia de identidade nacional. Para averiguar esta busca de autonomia, faz-se necessária uma breve reconstituição histórica da Catalunha, sua trajetória de identidade independente, idealizada no nacionalismo catalão como corrente e movimento político-ideológico, também simbolizado pela permanência da unidade, e sistema, político-institucional de autogoverno do Parlamento catalão: a Generalitat). No aspecto da identidade, se influiu o catalanismo, vertente orientada a exaltação dos valores próprios e distintivos da personalidade histórica da Catalunha: suas tradições, cultura e língua. A Reinaxença, do século XIX, movimento cultural influenciado pelo romantismo e pelo historicismo, potencializou o independentismo catalão, iniciado em 2015.

Palavras-chave: Autonomia, nação, nacionalismo, identidade cultural,

independência da Catalunha

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RESUMEN Esta investigación trata de la búsqueda de autonomía por parte de la región de España, comunidad autónoma de Cataluña. El sentido de independiencia de Cataluña, en relación a España, es presentado a partir de la comprensión de concpetos como de Nación y de Nacionalismo, así como la ideia de identidad. Para verificar esta búsqueda de autonomía, es necesario una breve reconsitución histórica de la Cataluña, su trayectoria de identidad independiente, , ideada en el nacionalismo catalán como corriente y movimiento político-ideológico, también simbolizado por la permanencia de la unidad, y sistema, político-institucional de autogobierno del Parlamento catalán: la Generalitat). En el aspecto de la identidad, se influyó el catalanismo, vertiente orientada a la exaltación de los valores propios y distintivos de la personalidad histórica de Cataluña: sus tradiciones, cultura y lengua. La Reinaxencia, del siglo XIX, movimiento cultural influenciado por el romanticismo y el historicismo, potenció el independentismo catalán, iniciado en 2015. Palabras clabe: Autonomía, nación, nacionalismo, identidad cultural, independencia

de Cataluña

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SUMÁRIO

RESUMO..................................................................................................................... 5 RESUMEN................................................................................................................... 6 1 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 8 2 CATALUNHA: NAÇÃO E NACIONALISMO...........................................................12 2.1 As origens da ideia de Nação no Século XVIII.........12. 2.1.1 FEDERICO CHABOD (1901-1960)................12

2.1.2 LUCIEN FEVBRE........................... 14

2.2 O pensamento sobre a Nação no Século XIX......… 15 2.2.1 Leopold Von Ranke.........16

2.2.2. Jacob Burckhardt.........p 2.2.3. O nacionalismo no século XIX segundo Eric Hobsbawm.........p 2.3 Apontamentos sobre a ideia de Nação no século XX: .........p

2.3.2 2.3.1 Eric Hobsbawm.........p 2.3.3 2.3.2 Montserrat Guibernau.........p 3 NAÇÃO, ESTADO E NACIONALISMO NA HISTÓRIA DA CATALUNHA: DA IDADE MÉDIA À CONSTITUIÇÃO DE 1978 .........p 3.1. Da Idade Média: a formação da Catalunha? .........p 3.1.1. Da Hispânia Antiga ao domínio islâmico .........p 3.1.2. O período Condal .........p 3.1.3. Em direção à Ocitânia.........p 3.1.4. A Baixa Idade Média .........p 3.2. Renascimento Catalão e o período Barroco .........p 3.2.1. Absolutismo ......... 3.3. O século XVIII: modernização industrial na Catalunha. .........p 3.3.1. Iluminismo.........p 3.4. O Século XIX.........p 3.4.1. A invasão napoleônica.........p 3.4.2. Período Liberal e Renaixença .........p 3.5. Catalunha no século XX.........p 3.5.1. Catalanismo e as esquerdas.........p 3.5.2. Generalitat Republicana e a Guerra Civil Espanhola.........p 3.5.3. A ditadura Franco.........p 3.5.4. Pós-franquismo.........p 4 CATALUNHA ENTRE SEPARATISMO E CENTRALISMO (2012-2015) 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........p REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........p

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1 INTRODUÇÃO

A história da Catalunha é marcada pela busca da autonomia em relação à

capital administrativa, Madri, ou seja, o governo central e monárquico da Espanha.

Historicamente, esta região do país apresenta uma visão política contrastiva a de

Madrid, entretanto subordinada por questões de nação Estado. A partir dessa

premissa, encontram-se outros aspectos que leva parte do povo catalão a exigir o

reconhecimento como país independente.

Outro fator que justifica o movimento catalão independentista é a língua

falada dentro da região da Catalunha, a qual se difere do idioma oficial falado no

restante do território espanhol. Tal aspecto de vertente sociolinguística1, de acordo

com a Constituição Espanhola de 19782, é tido como idioma cooficial, já que é

mantido no currículo escolar, como também é premissa para formação de territórios

independentes.

Além da linguagem, o sistema de saúde, segurança, educação, energia, entre

outros serviços públicos prestados pelo governo catalão são administrados de forma

paralela à capital, de modo parcialmente autárquico, não seguindo os parâmetros

que outros estados o fazem. As diferenças culturais também são marcantes:

manifestações como dança, arquitetura, literatura, música e comportamento

denotam outra unidade de sentido de nação para os que lá habitam. O exemplo da

proibição das touradas em todo o território da comunidade autônoma catalã,

tornando-se a única região da Espanha com está lei (2011), frisa ainda mais, esta

notória singularidade3.

1 Sobre a questão linguística como determinação das nacionalidades, ver HOBSBAWN, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. São Paulo: Paz e Terra, 1990. Pp. 63-78. Este tema será tratado no Capítulo 1. 2 DE CARVALHO, 2016. p. 14 3 Em setembro de 2011, entrou em vigor uma lei que proíbe as touradas na Catalunha. A lei foi aprovada pelos legisladores após a população fazer um abaixo-assinado com mais de 180 adesões. https://catracalivre.com.br/geral/mundo/indicacao/conheca-5-curiosidades-sobre-a-catalunha/ Acesso em 25 de setembro de 2017.

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Contudo, a Espanha segue abafando as tentativas catalãs de independência

suspensas pela Corte Espanhola, uma vez que, se a Catalunha obtiver sua

soberania, seria o primeiro passo consumado ao desprendimento econômico. Logo,

é fundamental apontar que, nesta monografia não serão tratados os contingentes

relacionados aos rendimentos fiscais, tributários e impostos, nem políticos com o

governo nacional.

Sendo assim, o presente trabalho se torna relevante ao apresentar uma

análise sobre a atual situação hispânico-catalã, com base em teorias e princípios

fundamentais das Relações Internacionais, tais como as noções de Estado,

Soberania, Nação, Identidade e Nacionalismo, a fim de dialogar com autores do

século XIX, tais como Ranke e Burckhardt4 e do século XX como Chabod5, Lucien

Febvre6, entre outros que apontaram elementos para pensar historicamente tais

conceitos, assim gerando discussões, em relação aos paradigmas indicados por Eric

J. Hobsbawm 7 , Monsterrat Guibernau 8 , teóricos clássicos das Relações

Internacionais.

Cabe mencionar a importância do tema das Nações e Nacionalismos para as

Relações Internacionais, o campo de pesquisa no qual se insere esta monografia.

De acordo com Maria da Conceição Oliveira Campos, em seu livro “O Princípio das

Nacionalidades nas Relações Internacionais 9 ” as questões da Nação e do

Nacionalismo são fundamentais para os estudos das relações internacionais. Tais

estudos podem ser ainda considerados como uma disciplina científica de tardia

aparição, como estudo sistemático das relações internacionais, constituindo um

ramo da ciência política. Para a autora, as relações internacionais hoje são “atos de

intercâmbio e interação entre Estado-nação” e estão alinhados a fatores como a

explosão das nacionalidades, a soberania dos Estados e as relações entre Estados-

nação: oposições, tensões, conflitos ou solidariedade. Para a autora, os grandes

4 FERNANDES, Cássio. Concepção do Estado e conhecimento histórico entre Leopold von Ranke e Jacob Burckhardt. In DORÉ, A.; LIMA, L.F.S.; SILVA, L.G. (orgs.). Facetas do Império da História, conceitos e métodos. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008. Pp. 109 e ss. 5 CHABOD, Federico. L’idea di nazione. Roma-Bari, Laterza, 2000. 6 FEBVRE, Lucien. A Europa: Gênese de uma Civilização. São Paulo: Edusc, 2004. 7 HOBSBAWN, Eric J. Op. cit. 8 MONTSERRAT, Guibernau. Nacionalismos: o estado nacional e o nacionalismo no século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 9 CAMPOS, Maria da Conceição Oliveira. O Princípio das Nacionalidades nas Relações Internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

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acordos de paz que se revelaram na redução de armamentos, os tratados e normas

baseados nas vontades dos Estados têm como fundamento o princípio da

nacionalidade10.

O presente trabalho terá, no capítulo 1, uma abordagem teórica e histórica

sobre os conceitos de Nação e Nacionalismo a partir de um percurso por autores do

século XVIII e XIX, como Ranke e Burckhardt; e autores do século XX como Chabod

e Lucien Febvre que apresentaram, em seu tempo, um panorama da formação

dessas ideias. Assim, levam-nos a refletir sobre as origens da ideia de Nação no

século XVIII e seu desenvolvimento nos séculos seguintes. Autores como

Hobsbawm, Guibernau também serão aplicados, aqui, para a compreensão do

fenômeno do ponto de vista histórico.

No capítulo 2, será realizada uma reconstituição da História da Catalunha,

sob o ponto de vista da construção de seu caráter independente. O apoio

bibliográfico, neste ponto, será especialmente o livro de referência História da

Catalunha, organizado por Albert Balcells11, mas também pelo livro de Pierre Villar12.

Não se trata, aqui, de uma narrativa da história da Espanha, enquanto nação, mas

ao contrário, de uma perspectiva que foca a própria Catalunha e como

historicamente se teria formado como unidade independente, em relação à Espanha.

Embora uma história da Espanha seja apresentada em contraponto, em vários

momentos, em relação à história da Catalunha, com base no livro de García de

Cortázar13. Optamos, nos limites desta monografia, por concentrar nossos esforços

na compreensão dos aspectos culturais relativos ao caráter de independência da

Catalunha, em lugar de abranger o fenômeno do ponto de vista mais propriamente

político ou econômico. Ainda assim, procurou-se, sob o alerta de Villar, não

considerar a história da Catalunha como algo pronto e acabado, mas como um

processo.

No capítulo 3 será tratado, de maneira mais direta e atual, o problema da

busca pela independência da Catalunha, a partir de uma discussão desmistificando

10 Ibid. pp. 211-217, 220. 11 BALCELLS, Albert. (org.) Historia de Cataluña. Madrid: Esfera de los libros, 2006. 12 VILLAR, Pierre. Breve Historia de Cataluña. El espejo y la lámpara. Bellaterra: Universidad Autónoma de Barcelona, 2011. 13 CORTÁZAR, Fernando García de. Historia de España. Madri, Alianza, 1994.

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as noções da identidade catalã com base nas ideias de Joan Maria Pujals14, porém

anteriormente, tratar dos conceitos de identidade cultural estudados por Stuart Hall,

assim como à reflexão das “comunidades imaginadas” de Benedict Anderson. Aqui o

recorte cronológico nos levará a compreender o fenômeno do independentismo

catalão, iniciado em 2012, quando se ocorreu a maior manifestação popular da

história da comunidade autônoma catalã, a chamada “Diada”; o ano de 2015,

marcado pela aprovação da resolução declaratória ao início do processo pela

independência, será tomado como limite para nossa abordagem. O encadeamento

recente de fatos como o Referendum para a votação da criação de um Estado

Catalão, em novembro de 2017, aponta uma nova e complexa problemática em

curso.

Para se compreender, portanto, a busca de independência da Catalunha

atual, este trabalho convida o leitor a refletir sobre os conceitos de Nação e

Nacionalismo de um ponto de vista histórico e teórico, a partir de autores centrais

para o tema, a partir de um percurso histórico acerca da Catalunha para dar

sustentação às discussões que se seguem.

14 PUJALS, Joan Maria. As Novas Fronteiras da Identidade (Um caso concreto: Catalunha). São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lulio”, 2008.

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2 CATALUNHA: NAÇÃO E NACIONALISMO

Para se compreender o sentido independentista da Catalunha é importante,

ainda que dentro dos limites desta monografia, estabelecer algumas reflexões

teóricas e históricas sobre os conceitos de Nação e Nacionalismo, percorrendo o

pensamento de autores que se debruçaram sobre o tema.

2.1 AS ORIGENS DA IDEIA DE NAÇÃO NO SÉCULO XVIII

2.1.1 FEDERICO CHABOD (1901-1960)

Proferiu dois cursos ministrados durante a Segunda Guerra Mundial,

quando a Itália estava tomada pela Alemanha, entre 1943 e 1944, publicados sob

os títulos de A ideia de Nação e História da Ideia de Europa. Os cursos

carregavam um problema central, como apontaram Saitta e Sestam, na

apresentação do livro: “(…) a ideia de nação se lhe apresentava como a outra

face, complementar, e sob certos aspectos negativos, da ideia de Europa, mas a

ideia de Europa, antes de tudo, dirigia seus estudos (…)15”. O próprio Federico

Chabod esclarece seu propósito no início dos cursos. Vejamos, com relação à

Ideia de Nação, que nos interessa aqui especialmente, Chabod entendia que o

sentido de nacionalidade significa individualidade histórica, ou seja, a afirmação

do princípio de individualidade, contrária às tendências generalizantes e

universalizantes. Portanto, a ideia de Nação surge, para ele, juntamente ao

movimento cultural europeu chamado Romantismo, que surgia no século XVIII e

triunfaria no XIX, quando o sentido de individualidade passou a dominar o

pensamento europeu16.

15 SAITTA, A. e SESTAN, E. Prefazione. In CHABOD, Federico. L’idea di nazione. Roma-Bari: Laterza, 2000. pp. 7-14. 16 CHABOD, Federico. L’idea di nazione. Roma-Bari: Laterza, 2000. pp. 17-18.

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Para Chabod, portanto, o sentido de Nação não é se não um aspecto

particular de um movimento geral contra a Razão do Iluminismo, com suas

tendências cosmopolitas e universalizantes. Embora o termo “Nação” não fosse

ignorado, ao contrário, era encontrado desde a Idade Média, os escritores se

valiam mais do termo “província” do que do termo nação. Observa Chabod que,

mesmo em Maquiavel, no século XVI, o termo nação aparece raríssimas vezes,

embora em seu tempo já percebesse as grandes unidades individuais como a

França e a Espanha, mas seu interesse estava mais voltado para as unidades

estatais e não para a ideia de Nação. Era o Estado que preocupava Maquiavel,

segundo Chabod, e não a Nação. Com o Romantismo, no entanto, se desenvolve

a descoberta da individualidade moral e cultural da nação. A percepção da “alma”

nacional consiste, justamente, na grande novidade da ideia de nação no final do

século XVIII e começos do XIX17.

Assim, depois do Romantismo, passa a ser atribuída importância aos

fatores geográficos e climáticos para determinar o desenvolvimento da história

das nações. O caráter de uma nação não mais consiste apenas no engenho sutil

de seus componentes, mas na tradição histórica e nas tendências morais,

políticas e religiosas, nos costumes e usos. A ideia de nação para o homem

moderno, segundo Chabod, torna-se um fato espiritual, antes de tudo, alma,

individualidade espiritual, mais do que um fato político. A defesa da liberdade

seria não somente algo no terreno político, mas, sobretudo no terreno moral, nos

costumes, nas crenças, no modo de pensar e na própria individualidade espiritual

e moral, ou seja, naquilo que consistiria propriamente a nação18.

Desta forma, conhecer o caráter nacional significaria conhecer a própria

história, as tradições e os costumes. Chabod trata de vários autores, entre eles,

Herder, para quem a diversidade originária, natural dos povos, caracterizaria a

unidade de cada nação, fechada em si mesma, impenetrável pelas demais

unidades diversas. Para Herder, segundo Chabod, cada nação é uma unidade

em si, com seus valores, com seu modo próprio de ser, com seu processo natural

de costumes e ideias, de espírito e de moralidade que não se deve alterar.

Chabod destaca, em Herder, justamente pelo acento dado à individualidade

17 Ibid. pp. 21-23. 18 Ibid. p. 33.

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nacional, o fato de que o próprio Herder criou o termo “nacionalismo”. O Estado,

para Herder, segundo a leitura de Chabod, deveria favorecer a existência da

Nação, despertar o que dorme nela, acordar as “leis naturais” de uma Nação19.

Assim como para Herder, segundo Chabod, Jean Jacques Rousseau

estabelece o sentido de nação conectado com um movimento geral anti-iluminista

e ao apelo do sentimento contra a Razão. Porém, em Rousseau, o sentido

político é mais forte e vivo do que o aspecto da individualidade histórica de

Herder. Para Rousseau, portanto, trata-se de uma vontade política. Um Estado

Nacional é fundado pela soberania popular e estampa o sentido de nacionalismo.

Esta era, segundo Chabod, uma novidade extraordinária, pois a partir de agora a

nação não seria mais apenas algo natural, mas algo desejado e construído

politicamente – daí o sentido revolucionário do pensamento de Rousseau.

2.1.2 LUCIEN FEVBRE

O historiador francês profere um curso no Collège de France, entre 1944 e

1945, pouco tempo depois das anotações de Chabod que acabamos de ler, no

contexto dramático da Segunda Guerra Mundial. Assim como Chabod, Febvre irá

se debruçar sobre o problema histórico da origem da Europa e sobre o conceito

de Nação. Interessa-nos, aqui, especialmente as reflexões de Lucien Febvre a

respeito da Nação, registradas em sua vigésima quinta aula, intitulada “Um outro

problema: a nacionalidade”20.

Para ele, nacionalidade era uma palavra nova que surgiu apenas nos

dicionários franceses a partir de 1823. Segundo Febvre, após a queda de

Napoleão havia os povos que tinham se tornado nações, e não mais apenas

“reinos”, mas passam a existir também as nacionalidades, algo novo, uma

aspiração de grupos humanos que não tinham atingido ainda o estágio de nação

e pretendiam ou fundir-se a uma nação já constituída ou constituir-se, por si

mesmos, numa nação autônoma. Essas aspirações permanecem, para ele, ainda

inconscientes e incapazes de tomar corpo. Como para Chabod, para se

19 Ibid. p. 48 20 FEBVRE, Lucien. A Europa, gênese de uma civilização. Bauru-SP: Edusc, 2004. Pp. 259-271.

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reconstituir o sentido de Nação (e nacionalidade) é preciso compreender sua

origem no século XVIII21.

Para Febvre, Nação é uma palavra em profundidade e articulação, feita de

grupos, organizado, dotado de um território próprio. A nação é algo dado, um

pertencimento do qual não se pode fugir. No século XVII ainda não havia o

sentido de nação, havia apenas “o povo de um reino”. A partir do século XVIII as

nações passam a existir como um “povo dotado de alma”, com vontade de

perfazer sua unidade, consciente de uma origem, uma tradição cultural,

interesses aceitos e desejados, como uma vocação pessoal de todos os

“indivíduos nacionais”.

2.2 O PENSAMENTO SOBRE A NAÇÃO NO SÉCULO XIX

A partir dos séculos XIX e XX o conceito de nação triunfa, e os povos que

ainda não tinham conquistado sua consciência de nação, buscavam-na em forma

de construção de nacionalidade. As nacionalidades seriam, segundo Febvre,

reivindicações perpétuas, “produtos explosivos criados por uma química profunda

que se elabora no fundo dos povos” – e teriam tornado impossível o sentido da

Europa22.

Segundo Chabod, porém, o século XIX conhece e desenvolve aquilo que fora

inaugurado pelo XVIII, as paixões nacionais. A política não seria mais apenas um

fenômeno racional, mas passional, como um pathos religioso. A Nação passaria a

ser uma espécie de religião da pátria23.

Federico Chabod observa que na Itália e na Alemanha, especialmente, na

primeira metade do século XIX, ocorre o ímpeto de transformar a ideia de nação não

mais num fato puramente linguístico, cultural, mas num fato político – tornando-se

Estado. A nação cultural é transformada em nação territorial. Nesse contexto há

também, segundo Chabod, uma dupla possibilidade: o entendimento de que a Nação

21 Ibid. p. 264. 22 Ibid. Pp. 464-268. 23 CHABOD, op. cit. pp. 56-62.

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depende da vontade política de um poco – ou seja, é uma construção consciente, de

um lado; e, de outro lado, o entendimento de que a nação é algo inconsciente, que

existe uma espécie de “nacionalidade inconsciente”. O princípio da nacionalidade será,

para Chabod, a grande força e uma das ideias matrizes da história do século XIX24.

2.2.1 LEOPOLD VAN RANKE

O pensamento em torno de conceitos de Nação e Nacionalismo está presente

no fundamento da historiografia moderna, ainda no século XIX. Em Leopold von

Ranke (1795-1886), um dos mais importantes historiadores do século XIX, em sua

primeira obra importante, as Geschichten der romanischen und germanischen Völker

(Histórias dos povos romanos e germânicos), publicada em 1824, tratou da unidade

dos povos europeus, uma unidade caracterizada pela diversidade dos povos situados

no amplo espaço geográfico entre Madri e Moscou e entre Londres e Constantinopla.

Tal unidade era, para ele, representada pela imagem do velho Império romano-

germânico. Na visão de Ranke, o Império romano-germânico emoldurava a inter-

relação dos povos formadores da Europa. O livro de 1824 era, para o historiador, o

capítulo introdutório de uma História da Europa jamais concluída.25

Ranke não conseguiu concluir seu projeto de uma História da Europa, pensada

em sua unidade de povos formadores e se debruçou, após a publicação da História

dos Papas (1836), no estudo de uma série de histórias nacionais ou histórias de

Estados, que possuía como fundamento a história universal, e esta, por sua vez, nada

mais era do que uma história europeia. Porém, uma história europeia era pensada,

por Ranke, não mais a partir do princípio universal (como no caso dos povos romano-

germânicos ou da história dos Papas), mas concebida pelo princípio dos temas

nacionais, o qual guiou seus estudos até seus últimos anos. O modelo que gerou as

obras de Ranke publicadas a partir do primeiro volume da História Alemã na Época da

Reforma (editada entre 1839 e 1847) segue presente nos estudos de histórias

nacionais, tais como a História da Prússia, a História da França, a História da

24 Ibid. pp. 67, 75. 25 RANKE, Leopold von. Samtliche Werke. Band 51-52. Apud. FERNANDES, Cássio. Concepção do Estado e conhecimento histórico entre Leopold von Ranke e Jacob Burckhardt. In DORÉ, A.; LIMA, L.F.S.; SILVA, L.G. (orgs.). Facetas do Império da História, conceitos e métodos. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008. Pp. 109 e ss.

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Inglaterra, a História da Rússia, e somente mudaria de foco em seu empreendimento

entre os 80 e os 90 anos de idade (a História Universal). Portanto o modelo de

histórias nacionais toma todo o período em que Ranke foi catedrático de História

Moderna na Universidade de Berlim e era sustentado justamente pela ideia das

individualidades nacionais e estatais, tendo a esfera política no centro da

compreensão histórica. As ideias de Ranke definiram, em grande parte, as reflexões

acerca de como se compreender a história a partir do século XIX. Em outras palavras,

escrever a história era escrever a história das Nações26.

Portanto, a base ideal da historiografia de Ranke, durante todo o período em

que deteve a cátedra em Berlim (de 1836 a 1867), esteve ancorada na concepção da

individualidade nacional de um ponto de vista político. Então, uma perspectiva

histórico universal que se dissolve numa teoria da potência das individualidades

nacionais. Ou seja, sua compreensão da história está sustentada num pressuposto

concebido no interior do movimento intelectual de caráter europeu, como vimos, que

foi o Romantismo: a ideia de nação. Ranke compreende o cenário europeu a partir da

relação externa entre poderosas individualidades nacionais, dotadas de alma ou de

espírito próprio. Mas, se a ideia de nação como algo simplesmente sentido, a ser

buscado no passado, é uma construção setecentista, o historiador, que vive quase

todo o século XIX, experimenta um sentimento próprio de seu tempo: as paixões

nacionais. Ou seja, se com o grande movimento cultural europeu, que foi o

Romantismo, a ideia de nação surge e triunfa contra as tendências iluministas do

cosmopolitismo, do universalismo, que ditavam leis abstratas válidas para todos os

povos; se nação significa sentido de singularidade de cada povo, defesa das

particularidades de seu caráter nacional, reivindicando ainda os direitos do sentimento

e da imaginação, Ranke pensava que os Estados nacionais deveriam apenas ser

consequências políticas de uma reconhecida individualidade moral e cultural da nação.

Assim, no ensaio sobre as grandes potências, interessa a Ranke especialmente o

processo de formação dos Estados nacionais na Europa moderna, e as lutas travadas

por estas “potências” nacionais pela hegemonia na política europeia27.

O equilíbrio presente no princípio individualizador das nações na Europa, que

o historiador percebia como algo dado no espírito europeu, deveria se efetivar na

26 Ibid. Idem. 27 Ibid. Idem.

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história através do papel da política de aglutinar em unidades estatais as totalidades

históricas inerentes à Europa moderna. Uma nação, para Ranke, somente deve ser

una e independente, constituindo um Estado, se for de fato uma individualidade

histórica, com características próprias, características étnicas, linguísticas, mas

também de tradição e de pensamento. Ranke acreditava que nenhum Estado jamais

poderia existir sem um fundamento espiritual que o sustentasse, e que, portanto, na

potência nacional, constituída pela esfera política, aparece uma essência espiritual

originária que tem vida própria28.

2.2.2 JACOB BURCKHARDT

Outro autor importante do século XIX, o historiador suíço Jacob Burckhardt, no

que diz respeito ao papel do Estado nacional na Europa do século XIX, tem, em

relação a Ranke, uma opinião distinta. Os debates sobre o Estado nacional se

mostravam no centro das discussões para os estudiosos da história no século XIX. A

recusa de Burckhardt em relação a seu tempo se dará sobretudo pela reserva com

que observará a hegemonia adquirida na Europa pelo Estado-nação. Nos cursos e

conferências ministrados entre 1868 e 1873, em Basileia, aos quais Burckhardt deu o

título Über das Studium der Geschichte (Sobre o Estudo da História), postumamente

publicados como Weltgeschichtliche Betrachtungen (Considerações Sobre a História

Universal), o historiador demonstra sua descrença em relação à democracia moderna.

Em suas palavras “o Estado não corresponde facilmente à totalidade de uma

população e sim a uma parte integrante dela, dominante, ou então a uma região

determinada, a um determinado clã ou ainda a uma determinada camada social.29”

Sua descrença na democracia contemporânea, do modo como havia sido

gestada pelo ideário da Revolução Francesa, era consequência de sua profunda

compreensão da posição do ideal suíço do pequeno Estado no mundo histórico. A

ideia da particularidade do pequeno Estado e de sua colocação na história do

Ocidente está estritamente ligada ao conceito burckhardtiano de civilização30. Seria

28 Ibid. Idem. 29 Trad. livre de: BURCKHARDT, Jacob. Weltgeschichtliche Betrachtungen. Pfullingen: Verlag Günther Neske, 1949, pp, 55-56. Apud. FERNANDES, C. Op. Cit. p. 114 30 BURCKHARDT, Jacob. Griechische Kulturgeschichte. Erster Band, IV (Die Einheit der griechischen Nation), pp. 270-289. In: BURCKHARDT, J. Gesammelte Werke. Band V. Basel\Stuttgart: Schwabe & Co., 1978. Apud. FERNANDES, C. Op. Cit. p. 114.

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possível observar certa semelhança entre o historiador suíço e Maquiavel. Os escritos

do secretário florentino do século XVI haviam sido uma de suas principais fontes

históricas para Burckhardt e, mais do que isso, a obra de Maquiavel exerceu

influência sobre o historiador.31

Para Burckhardt, a Europa moderna nascera das ruínas do mundo romano,

representando o retorno a uma criação citadina que teve como base a refinada cultura

desenvolvida nas cidades-Estado italianas desde o primeiro Renascimento. Foram

somente os pequenos Estados singulares italianos, os comuni, a representar uma

civilização universal. Foi ainda esta forma de organização estatal, com suas inúmeras

particularidades nas cidades da península itálica, a propiciar o nascimento do

indivíduo moderno. Foi, na compreensão de Burckhardt, o pequeno Estado a gestar a

civilização do Renascimento na Itália e que, no futuro, conceberia a ideia de Europa.

A ideia de Europa foi, de fato, a força que moveu o historiador em direção ao

Renascimento italiano. E o Renascimento que Burckhardt construiu em sua obra teve

como base compreensiva não a totalidade nacional, mas a diversidade das culturas

citadinas. A Itália renascentista, nos escritos de Burckhardt, não possui a

uniformidade que a concepção do Estado nacional conferiu à interpretação da história

no século XIX. A Itália renascentista de Burckhardt possui o colorido das diversidades

culturais nas inúmeras cidades da península itálica e, ao mesmo tempo, o sentido

universal que toca não a história nacional italiana, mas a história da Europa. Foi neste

sentido, que ele retirou a política do centro da compreensão histórica, para percebê-la

num campo mais amplo, como história da cultura32.

Com respeito à ideia de nação, Burckhardt distanciou-se de Ranke e se

aproximou de Maquiavel. Nas Weltgeschichtliche Betrachtungen, o historiador suíço

afirma: “O pequeno Estado não possui em geral outra coisa senão a real, efetiva

liberdade, mediante a qual ele contrabalança idealmente de modo perfeito as fortes

vantagens do grande Estado, até mesmo a sua potência.33”

Na verdade, Jacob Burckhardt foi um entre poucos historiadores de língua

germânica que, no século XIX, não centralizou sua compreensão da história no

conceito de nação. Este conceito, de origem não puramente histórica, mas oriundo da

31 MACHIAVELLI, Niccolò. Il Principe. In: MACHIAVELLI, N. Tutte le opere, pp.162-263. Apud. FERNANDES, C. Op. Cit. p. 115. 32 Cf. FERNANDES, Cássio. Op. Cit. Pp. 116. 33 Trad. Livre de: BURCKHARDT, Jacob. Weltgeschichtliche Betrachtungen, op. cit., p. 60. Apud. FERNANDES, C. Op. Cit. p. 116.

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filosofia da história, aparentado à biologia (porque ancorado na ideia de raça),

aparentado à filologia (porque também sustentado por discussões sobre a origem das

línguas), este conceito representava, para Burckhardt muito mais uma tendência

política própria de sua época. Para ele, era um engano considerar a história da

Europa como uma história de nações, assim como era um erro imaginar a existência

de uma entidade nacional no espírito dos povos antecedendo a efetivação política do

Estado-nação. Para Maquiavel, nação só existe no sentido de unidade política. Não

há efetivamente nenhum espírito ou alma nacional. O que havia, para Maquiavel, era

a política a se consolidar em aparatos estatais, em dominação concreta de um

território, em um governo regular. O que existe, portanto, é a província constituída

como corpo político, e não a nação no sentido que o Romantismo lhe conferiria

posteriormente. A posição de Burckhardt, neste sentido, concorda com a de

Maquiavel.

Burckhardt, além do mais, havia reconhecido por detrás da ideologia do Estado

nacional liberal e democrático a futura realidade do despotismo das massas. Ele tinha

vislumbrado naquela forma estatal de vastas dimensões a uniformização da cultura e

o rebaixamento da vida política. Ele via na forma hegemônica ganha pelo Estado, na

Europa do século XIX, a centralização do poder e a militarização das relações

internacionais. Ele trata este problema em 1871, na Universidade de Basileia, num

curso que tinha como tema sua própria época, e que teve o título Geschichte des

Revolutionszeitalters (História da Era da Revolução). Para Burckhardt, enfim, entre a

ideia de Europa e a concepção do Estado nacional existia uma “trágica

incompatibilidade”, como também indicaria mais tarde Lucien Febvre, como vimos.

2.2.3 O NACIONALISMO NO SÉCULO XIX SEGUNDO ERIC HOBSBAWM

O historiador inglês, Eric Hobsbawm, publica o livro “Nações e Nacionalismos,

desde 1780: programa, mito e realidade”, baseado nas conferências por ele proferidas

na Universidade de Queen em 1985. Hobsbawm inicia indicando e revisando leituras

necessárias sobre o tema. Os termos Nação, Língua e Estado e por exemplo, só

aparecem em sentido moderno nos dicionários de língua espanhola a partir de 1884.

Pela primeira vez a língua nacional é a língua oficial e literária do país em oposição

aos dialetos. Até 1884, em língua espanhola, a palavra nação significava até então

um “agregado de habitantes de uma província” para depois significar “um Estado ou

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corpo político que reconhece um centro supremo de governo comum” e também “o

território constituído por esse Estado e seus habitantes, considerados como um todo”.

Tal definição, indicada por Hobsbawm, nos dicionários de língua espanhola são

particularmente caros para compreender nosso problema em relação às lutas pela

independência da Catalunha34.

Para Hobsbawm, diante da novidade desse conceito moderno de nação, o

melhor modo de entender sua natureza seria seguir o pensamento de autores que

começaram a inclui-lo em seu discurso político a partir de 1830, na chamada Era das

Revoluções. Portanto, nesse contexto o significado mais comumente aceito para

nação é um significado político. Porém, o autor indica um significado econômico para

o problema, uma vez que só serão aceitas como nações aquelas consideradas

economicamente viáveis e não apenas culturalmente viáveis, portanto, de acordo

com uma visão de um nacionalismo liberal. O nacionalismo seria essencialmente

uma ideologia liberal. Nesse sentido, os movimentos nacionais seriam movimentos

de expansão ou unificação, sendo que por razões econômicas, diferentes “nações

heterogêneas” seriam reunidas, agregadas num mesmo território. Em certo sentido,

por sua inviabilidade econômica, certos povos ou nacionalidades teriam sido

destinadas a jamais se tornarem nações integrais35. É importante perceber que o

historiador inglês acrescenta, além da cultura e da política, também a questão

econômica para se compreender o problema da nação.

Após a Revolução Francesa e, especialmente, a partir de 1830, os Estados

passam a se identificar, na Europa, às nações de modo mais direto: “cada nação,

um Estado” ou “um Estado para cada nação”, com ênfase na comunidade linguística

e cultural, o que era, segundo Hobsbawm uma inovação do século XIX. Entre 1880 e

1914, passa a haver uma multiplicação de nações não-históricas e o surgimento de

uma ideia de nação não necessariamente liberal, mas também ligada ao

pensamento de esquerda36.

Nesse período, ocorrem movimentos nacionalistas em regiões antes não

identificadas como nações, como o catalanismo, que nos interessa aqui

especialmente. Nas palavras de Hobsbawm:

34 HOBSBAWN, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1789: programa, mito e realidade. São Paulo: Paz e Terra, 1990. p. 27. 35 Ibid. pp. 27-48 36 Ibid. 125-132.

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Um movimento cultural linguístico (conservador), não pode ser historiado mais além de 1850 e seus Jocs Florals (análogos aos Eisteddfodau galês) não foram revividos antes de 1859. A própria língua [catalã] não foi padronizada de forma oficial até o século XX, e o regionalismo catalão não se preocupou com a questão linguística até 188037.

Não por acaso, entre 1870 e 1914, surgem e ganham espaço nacionalismos

de comunidades reais e imaginárias, como “invenções” de comunidades

enquanto resistência de grupos tradicionais ameaçados pelo progresso veloz da

modernidade. O processo de formação de línguas e mitos nacionalistas continha

elementos político-ideológicos, assim como Hobsbawm apresenta uma discussão

sobre as questões sociais que envolviam as línguas locais “faladas” e línguas

universais escritas – como de domínio de elites internacionalizadas38.

2.3 APONTAMENTO SOBRE A IDEIA DE NAÇÃO NO SÉCULO XX

2.3.1 ERIC HOBSBAWM

Em seu livro “Nações e Nacionalismos, desde 1780: programa, mito e

realidade”, já citado anteriormente, inicia indicando e revisando leituras necessárias

sobre o tema. Para ele, a maior parte dos textos publicados no século XX sobre

Nação e Nacionalismo centrou-se em responder o que seria uma nação. Porém,

para ele, nenhum critério é satisfatório para se decidir quais das muitas coletividades

humanas deveriam ser rotuladas como nações. Não há, segundo ele, meios de

informar, com critérios objetivos, ou explicar por quê, certos grupos se tornaram

“nações”. Muitas vezes os critérios são a língua, a etnia e território, além de uma

história e traços culturais comuns. Mas, de acordo com Hobsbawm, também esses

critérios – língua, etnicidade ou qualquer outro, são ambíguos e mutáveis. Quanto à

ideia de que nação é algo consciente, para Hobsbawm a insistência sobre tal

“consciência” ou “escolha”, pode subordinar e apagar muitos dos outros modos pelos

37 Ibid. p. 133. 38 Ibid. 133-149

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quais os grupos humanos se definem como nação, como se pertencer a uma

nacionalidade fosse necessariamente uma opção única. Para ele, assim como não

se pode reduzir nação a um conceito único, tampouco nacionalidade por ser

reduzida à política, à cultura ou a qualquer outra categoria39.

Para tanto, o livro de Hobsbawm apresenta uma abordagem da “questão

nacional” ou de nação concebida como nacionalismo que concede uma atenção

especial às mudanças, às transformações do conceito, especialmente em relação ao

fim do século XIX, conceitos que, embora “flutuantes”, foram enraizados histórica e

socialmente. As posições adotadas por Hobsbawm apresentam o termo

nacionalismo como princípio congruente que sustenta uma unidade política, não

considerando nação uma entidade social originária e imutável, mas como entidade

social apenas no momento em que se relaciona com certa forma de Estado territorial

moderno. Neste sentido, para Hobsbawm, as nações não formam os Estados e os

nacionalismos, mas ao contrário: Estados e nacionalismos formam as nações. Ainda,

para o autor, sua abordagem entende a questão nacional como algo situado na

intersecção da política, da tecnologia e na transformação social – portanto as

nações devem ser compreendidas em termos econômicos, administrativos, técnicos

e políticos. Assim, as nações são construídas a partir “do alto”, mas em dualidade

com os “de baixo”, com pessoas comuns e suas aspirações e esperanças40.

Hobsbawm estabelece três critérios que permitem a um povo ser classificado

como nação. O primeiro é sua associação histórica com um Estado existente e

durável – neste sentido há pouca controvérsia, fora da Espanha, sobre a existência

de uma nação espanhola com características nacionais bem definidas. O segundo

critério, para nosso autor, é a existência de uma elite cultural e literária. O terceiro, a

capacidade para a conquista41.

Mais adiante, Hobsbawm considera o conceito de “patriotismo nacional”, como

o reconhecimento mútuo de pertencimento a uma coletividade e até que ponto isso

se refere ao que ele chama de “proto nacionalismo”. A linguagem seria um dos

pontos iniciais que diferem um povo de outro, porém as línguas vernáculas não

cultas devem ser também consideradas. Muitas vezes, uma comunidade reconhece

39 HOBSBAWN, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1789: programa, mito e realidade. São Paulo: Paz e Terra, 1990. Pp. 11-18. 40 Idem. Pp. 18-25. 41 Ibid, pp. 49-56.

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a diversidade de seus dialetos ou entende-se “a língua” como um complexo de

dialetos, assim o autor questiona até que ponto a língua pode ser usada como

critério de pertencimento a um grupo e que este não foi um aspecto central para a

formação dos proto nacionalismos. A língua comum não é naturalmente gerada, mas

construída, impressa, oficializada, difundida pelo ensino público42.

O segundo aspecto a ser considerado para justificar o proto nacionalismo,

segundo Hobsbawm, é a etnicidade – uma ligação de ancestralidade, parentesco. A

etnicidade ou raça pode ser um aspecto visível, aparente e pode ser “usada como

garantia” para a percepção da homogeneidade de uma nação. O terceiro aspecto,

apontado pelo autor, seria a religião, combinada muitas vezes a uma identificação

étnico-racial, embora a religião não seria, para ele, uma marca necessária do proto

nacionalismo. E, finalmente, o último critério de proto nacionalismo apontado por

Hobsbawm e o mais definitivo seria, em suas palavras: “a consciência de pertencer

ou ser pertencido a uma entidade política durável”. De qualquer forma, para ele: “a

vinculação a um Estado histórico (ou real), presente ou passado, pode agir

diretamente sobre a consciência de pessoas comuns para produzir um proto

nacionalismo ou talvez até algo próximo do patriotismo moderno (…)”. Não obstante,

o proto nacionalismo não é capaz de formar nacionalidades ou nações e, menos

ainda, suficientemente capaz para produzir um Estado43.

Os processos de desenvolvimento do nacionalismo migrou do liberalismo e da

esquerda em direção à xenofobia e ao ultranacionalismo, por volta de 1914. Após a

Revolução Russa e a Primeira Guerra Mundial, entre os trabalhadores e entre

extratos médios e baixos da sociedade, de modo geral, passam a combinar-se

elementos de consciência nacionalista e desejo de revolução social e, na falta de

uma revolução social, o nacionalismo vai emergir como um recuo possível e, ao

mesmo tempo, como matriz do fascismo. Desta forma, Hobsbawm considera que

entre 1918 e 1950, ocorre o apogeu do nacionalismo. O entreguerras foi, para ele, o

período do triunfo do nacionalismo, mas, ao mesmo tempo, da percepção de seus

limites: era impossível fazer com que as fronteiras físicas entre os Estados pudesse

coincidir com as fronteiras de nacionalidades e de línguas. A tentativa de que a

Europa fosse um continente “corretamente dividido em Estados nacionais coerentes,

42 Ibid. pp. 63-78. 43 Ibid. pp. 83, 86, 88, 90, 92.

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cada um habitado por uma população homogênea, separada étnica e

linguisticamente, era a expulsão maciça ou a exterminação de minorias”,

caracterizando um período de genocídios de povos oprimidos. O conteúdo libertador

ou unificador do nacionalismo foi sendo cada vez mais destruído. Assim, projetos

plurinacionais começam a substituir o nacionalismo, não com sentido cultural ou

linguístico, mas com caráter político44.

A tendência, de um modo geral, após a segunda guerra mundial, se deu de

modo complexo em direção a um nacionalismo antifascista engajado em

movimentos sociais, enquanto se processava, por outro lado, um alinhamento

internacional das direitas. Trabalhadores e intelectuais fizeram uma escolha

internacional, mas que reforçava o sentimento nacional. Assim, as relações entre

esquerdas e nacionalismos, sobretudo de países dependentes, se deu de forma

complexa45.

Hobsbawm conclui seu estudo refletindo sobre o nacionalismo no final do

século XX. Para ele: “Hoje, todos os Estados do Planeta, pelo menos oficialmente,

são ‘nações’; todos os movimentos de libertação tendem a ser movimentos de

libertação ‘nacional’”; e, mais adiante “O apelo por uma comunidade imaginária da

nação parecer ter vencido todos os desafios, sobretudo naqueles locais onde as

ideologias estão em conflito”46. Os movimentos nacionais do final do século XX são

essencialmente separatistas. No entanto, tais movimentos não se apresentam mais

como os principais motores do desenvolvimento histórico, como foram para o século

XIX e começo do XX. Isso se deve, segundo o autor, às intensas movimentações

internacionais de populações inteiras ou o fenômeno das migrações em massa e de

povos refugiados. Tal mobilidade em massa de populações inteiras pelo planeta,

como que “desliga” os movimentos nacionalistas – em certo sentido decadentes, e

destaca certas questões relacionadas à xenofobia47.

Além disso, uma economia mundial – Hobsbawm escreve nos anos 1980 –

contrapõe-se às “velhas economias nacionais” diante da formação de blocos

econômicos e da globalização. Assim, para o autor, os movimentos nacionalistas

44 Ibid. p. 153, 160-164. 45 Ibid. pp.170-190 46 Ibid. p. 195. 47 Ibid. pp. 195-201.

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estariam agora marcados pela inconstância, pela instabilidade e pelo sentimento de

crise das consciências nacionais48.

O conjunto das ideias de Hobsbawm são particularmente importantes para

nossa discussão a respeito do movimento independentista catalão, uma vez que nos

ajuda a situar o problema num contexto mais amplo, geográfica e historicamente, de

compreensão do fenômeno da nação e do nacionalismo.

2.3.2 Montserrat Guibernau

A filósofa catalã, Montserrat Guibernau, hoje professora na Universidade de

Cambridge na Inglaterra, publicou em 1996, poucos anos de pois de Hobsbawm, o

livro “Nacionalismos: o estado nacional e o nacionalismo no século XX”. Para ela, ao

contrário de Hobsbawm, “o nacionalismo está se revelando, em muitas partes do

mundo, um fenômeno inesperado e poderoso”, apontando um contraste entre a

força integradora da União Europeia e os sentimentos nacionalistas de minorias

incluídas em estados nacionais europeus e como tais minorias são capazes de

fortalecer suas identidades numa nova Europa. A discussão da autora se baseia no

caráter imutável da nação, na abordagem teórica e abstrata do nacionalismo e em

teorias psicológicas. Ela parte, como vimos em Chabod, do pensamento de Herder e

da ideia da base linguística e cultural imutável nas nações, como um fundamento

emocional para o nacionalismo, e não tanto em questões políticas e sociais. Sua

abordagem também trata da base econômica da questão e da função do

nacionalismo no sentido de modernização. Finalmente, o fenômeno é compreendido

usando a ideia de Anderson como “comunidade imaginada”, sendo que o

nacionalismo não deve ser entendido como ideologia política, mas como um sistema

cultural, ligado a símbolos e rituais49.

O livro de Montserrat trata do nacionalismo segundo a teoria social clássica,

passando por autores como Marx, Durkheim e Max Weber50 . Aponta o caráter

político do nacionalismo e do estado nacional, explicando a origem das nações, da

cidadania e da soberania popular e o nacionalismo como ideologia. Em seguida,

48 Ibid. pp. 196-215. 49 MONTSERRAT, Guibernau. Nacionalismos: o estado nacional e o nacionalismo no século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. Pp. 9-14. 50 Ibid. pp. 15-54.

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discute a identidade nacional, a cultura e o nacionalismo de Gellner, além do

conteúdo simbólico do nacionalismo. Trata, ainda, do nacionalismo enquanto

racismo e fascismo, em seu sentido político, mas também simbólico. Guibernau

reflete, ainda, sobre as “Nações sem Estado”, como resistência, e sobre os “Estados

sem Nação”, as lutas por independência e a identidade nacional no contexto da

globalização51.

Segundo a autora, o futuro do fenômeno apresentará as novas formas de

nacionalismo diferentes do nacionalismo dos séculos XIX e XX. Este novo

nacionalismo tem como características o recurso à democracia e à soberania

popular como agentes legitimadores, sem recorrer à força ou à luta armada pela

busca das independências. Com a suspensão da violência, os representantes de

minorias separatistas com direito à negociações se opõem ao discurso político que

nega a legitimidade das exigências das minorias e seu direito à autodeterminação

política52.

Para ela, no futuro próximo, o nacionalismo das nações sem estado continuaria

a ganhar força e haveria um aumento do poder das religiões e das tradições – o

“retorno às tradições”, para reconstrução das identidades nacionais. Porém, ao

mesmo tempo haveria um crescimento de forças contraditórias, como os fóruns

internacionais, as moedas supranacionais, a globalização e as ondas de imigração

de países pobres em direção à Europa53.

51 Ibid. pp. 55-155. 52 Ibid. p. 156. 53 Ibid. pp. 158-161.

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3 Nação, Estado e Nacionalismo na História da Catalunha:

3.1 Da Idade Média à Constituição de 1978

A partir de uma compreensão mais geral da origem e do desenvolvimento da

ideia de Nação e Nacionalismo, podemos estabelecer uma breve leitura da história

da Catalunha, voltada para o sentido de unidade e independência que teria marcado

esta região da Espanha, porém não como algo preconcebido, mas como um

processo histórico. Vimos que o conceito de Nação e nacionalismo nascem do

pensamento romântico do século XVIII, como a busca da individualidade de certos

povos, em oposição ao universalismo Iluminista.

Vimos, também, que a partir de um entendimento de Nação e Nacionalismo

como “alma” de um povo, o sentido que se afirma para o fenômeno no século XIX

passa de um aspecto emocional em direção ao político e, portanto, não mais como

algo que é natural, mas como uma decisão e construção consciente de

pertencimento. Neste sentido, o nacionalismo se torna racional, mas, ao mesmo

tempo, adquire, na Era das Revoluções, um aspecto também passional, como a

“religião da pátria”.

Se nas primeiras décadas do século XX, os nacionalismos se adaptaram às

lutas sociais, em seguida, no entre guerras, este fenômeno ganhou um caráter

fascista e autoritário. Após a segunda metade do século XX, no entanto, diante da

internacionalização cada vez maior dos interesses do grande capital, o nacionalismo

passa a ser identificado como bandeira por movimentos situados à esquerda. No

final da centúria e início do século XXI, o fenômeno do nacionalismo se torna cada

vez mais complexo, e sua compreensão depende de diferentes e múltiplas

explicações.

Um breve percurso pela história da Catalunha nos permitirá situar a discussão

no âmbito específico do nacionalismo catalão ou catalanismo. Cabe lembrar que não

se trata aqui de traçar uma história da Espanha, mas procuraremos nos concentrar

muito especialmente na história da Catalunha, ainda que situada, inevitavelmente,

em alguns tópicos da história “espanhola”. Tomaremos como base para nossa

leitura o livro “Historia de Cataluña54”, organizado por Albert Balcells González, junto

54 BALCELLS, Albert (org.) Historia de Cataluña. Madrid: La Esfera de los Libros, 2006.

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aos autores Arturo Pérez Almoguera Curull, Flocel Sabaté e Antoni Simon Tarrés. O

organizador deste livro de síntese da História da Catalunha, porém uma obra de

fôlego, obrigatória, é catedrático de história contemporânea na Universitat Autónoma

de Barcelona e membro do Institut d’Estudis Catalans. Sua visão procura combinar a

neutralidade histórica e uma visão externa da questão, internacional e espanhola,

com uma interpretação interna, mais propriamente preocupada em definir as

especificidades históricas da Catalunha.

Incluímos aqui alguns apontamentos que nos remetem às ideias de Hobsbawm,

as quais articulamos com base no primeiro capítulo. Alguns tópicos também serão

cotejados com o livro de Pierre Villar, “Breve Historia de Cataluña55”. Aqui, “pensar

historicamente” contribui para a compreensão da complexidade da história de um

território, um povo, uma nação. Villar questionava, no entanto, em 1986, quando

coordenou a organização do grande projeto de história da Catalunha em vários

volumes – do qual uma síntese publicada recentemente foi adaptada – se ainda era

possível propor uma história da Catalunha pensada em termos de identidade, se não

seria retroceder às paixões do Romantismo. Para ele seria melhor, ao contrário,

conceber uma história em que a identidade da Catalunha ainda precisasse ser

demonstrada, em lugar de algo dado. Talvez não fosse razoável, segundo Villar,

simplesmente começar como “era uma vez a Catalunha”. Para este autor, o mais

interessante para uma história da Catalunha seria “seguir como se desloca o

conteúdo da palavra nacional a partir do sentido castelhano imperial em direção ao

sentido sentimental catalão”, incluindo-se a compreensão do conteúdo religioso do

catalanismo.

Em alguns momentos da história da Catalunha, aqui resumida, recorreremos a

uma visão mais ampla da história da Espanha, como uma moldura para nosso

problema. Segundo García de Cortázar, para o historiador de final do século XX (ele

escreve em 1994) não se tratava de tratar de uma história da Espanha, com a ideia

de uniformidade do século XIX, mas de uma “história dos espanhóis”. Espaço

geográfico, protagonistas humanos, sentido nacional que pareciam sinônimos não

eram mais sentimentos unânimes daqueles que ficaram “presos” por uma geografia

ou por uma história, por essa “comunidade chamada Espanha”. Se, para ele, em

55 VILLAR, Pierre. Breve Historia de Cataluña. El espejo y la lámpara. Bellaterra: Universidad Autónoma de Barcelona, 2011. pp. 15-16, 25.

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alguns períodos, o convívio pacífico de línguas e religiões era algo natural, em

outras épocas isso foi considerado um desatino. Desde o século XIX, segundo ele, a

ideologia do nacionalismo engendrou um enfrentamento entre Espanha, Catalunha,

País Basco e Galícia56.

3.2 Da Idade Média: a conjectural formação da Catalunha

3.2.1 Da Hispânia Antiga ao domínio islâmico:

Hispânia compunha um território dividido, em parte ligado ao Mediterrâneo e ao

norte da África e em parte ligado ao Continente Europeu. A romanização imposta

pela conquista do Império Romano, na Antiguidade, produziu uma integração

cultural e política que, acrescida do cristianismo com a decadência do Império,

deixaram como herança para a Hispânia tal sentido de unidade. Após o ocaso

romano, Hispânia se distancia de sua ligação com o mediterrâneo e se concentra

em si mesma com o assentamento de tribos germânicas e com a ruptura da unidade

administrativa em vários reinos inimigos. A herança romana, no entanto, permanece

sob o triunfo dos visigodos. Portanto, com os visigodos, a Hispânia se torna

independente, adquirindo alguns dos contornos geográficos que permanecerão

fixados até a Idade Moderna, sob um pacto entre a Igreja e o Estado: o reino

visigótico continuaria seu esforço cristianizador ao norte da Península e no meio

rural. O reino dos visigodos entra em ruína por um distanciamento entre Estado

oligárquico e sociedade, e, finalmente, com a derrota de 711d.C. o Islã se torna uma

nova referência: os servos se islamizam, em parte, como oposição ao opressor da

oligarquia católica57.

No início do século VIII, ao nordeste da Península Ibérica, ocorreu a queda do

reino visigodo e se estabeleceram ali, ao final da centúria, dois povos distintos: os

muçulmanos e os carolíngios, consolidando-se na região duas civilizações que

avançavam em sua respectiva coesão interna, delimitando-se. De acordo com

Balcells, por volta do ano 712, o exército árabe completou a conquista, encerrando o

período dos visigodos, e Barcelona se incorporou ao Islã por volta do ano 716. As

56 CORTÁZAR, Fernando García de. Historia de España. Madri, Alianza, 1994. Pp. 5-6. 57 Ibid. Pp. 26-30.

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elites locais visigodas se fundiram com os invasores e novos dirigentes, aumentando

sua riqueza. A população cristã se mantinha nas cidades e no campo, ainda que a

islamização fosse aos poucos sendo absorvida pela maior parte da população58. A

Hispânia Islâmica recupera sua essência mediterrânea, segundo Cortázar, porém o

preço da orientalização foi o enfrentamento entre a Europa cristã e o islamismo,

tornando-a um campo de batalhas entre mentalidades opostas e excludentes. Uma

luta que ganhará o contorno das Cruzadas e das Guerras Santas59.

3.2.2 O período Condal:

A fragmentação da sociedade árabe e o modo como se organizava em clãs

independentes contrastava com a coesão dos francos, especialmente com a

coroação de Carlos Magno no ano 800. O forte projeto de expansão do cristianismo,

por parte de Carlos Magno, permitiu que se combatessem duramente os

muçulmanos. Realizou-se, portanto, a conquista carolíngia de Barcelona, afastando

o domínio muçulmano e estabelecendo-se ali um poder em forma de condados,

sendo que o território teve, com isso, segundo Balcells, a estabilização de suas

fronteiras e o aumento de seu espaço agrícola. A coesão social neste território,

somada à fragmentação política dos condados e à proximidade com os muçulmanos

– que permaneciam como uma civilização “vizinha” - conduziu a região a uma nova

etapa que caracterizou a sociedade condal a partir de 877 até o ano de 102060.

O período condal foi marcado pelo enfraquecimento do poder do Império

Carolíngio e pela afirmação do poder dos Condes, num contexto de aumento

demográfico na região, densificação da economia e incremento das riquezas, assim

como pela emergência de setores urbanos, protagonizados pela concentração de

poder nas mãos de Barões e representantes do clero. Para Balcells, a proximidade e

a riqueza dos califados árabes estabelecia um sistema de relação com as terras

dominadas pelo Condado 61 . Segundo Cortázar, o mundo islâmico fortaleceu a

diferença entre norte e sul, ao enriquecer a vida urbana na Andaluzia, no Levante e

vale do Ebro em oposição à sociedade agrária das comunidades ao norte do Douro

58 BALCELLS, Albert. (org.) Op. Cit. pp. 95-109 59 CORTÁZAR, op. cit. p. 31. 60 BALCELLS, p. 95-109. 61 Ibid. P. 149.

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e os Pirineus62. Ao longo dos séculos X a XII a delimitação condal foi mudando

porque havia uma modificação das fronteiras pela expansão sobre as terras

andaluzas, expulsando seus habitantes e ocupando seus domínios. Nesse processo

de expansão, a sociedade condal muda de tal modo que os condados haviam se

desprendido completamente da unidade carolíngia e passaram a compor uma nova

unidade, a já então chamada Catalunha. Essa expansão territorial foi, portanto,

também uma modificação social, política e cultural63.

Para Pierre Villar, o nome Catalunha só aparece, de fato, no início do século XI,

mas nunca fez parte de nenhum título de senhor feudal, nenhum soberano, nenhum

principado. Segundo Villar, por esse motivo a identidade da Catalunha nunca pôde

se afirmar como um fato político, ou como um fato político em primeiro lugar. Se, por

outro lado, colocamos no lugar do fato político, os fatos linguísticos e culturais,

vemos que “o fato catalão” supera o principado64.

Com relação à história da Espanha, de modo mais geral, as populações

descontentes com a ocupação árabe se refugiam na parte norte da Península, e as

guerras de Reconquista ganhariam um contorno geográfico “norte-sul”. A dissolução

do Califado Omíada e o desmembramento do Al-Andalus em reinos teve enorme

importância nesse sentido. A relação da Catalunha com o Império Carolíngio, no

século IX; ao final do X com Castela e León e, no século XII, com a separação de

Portugal da coroa castelhana leonesa, enfim, a sociedade islâmica estaria

constrangida com “belicosos vizinhos do norte” que levarão a sua crescente

fragilização65.

O aumento da “senhoriagem” no século X faz crescer, de qualquer forma, de

acordo com o livro de Balcells, o poder dos nobres com acumulação de rendas, o

que levou a uma fragmentação ainda maior do poder público derivada de acordos de

vínculos estabelecidos entre pessoas, com apropriação de terras de modo muitas

vezes violento. Justamente a expansão de fronteiras em meados do século XII

estabeleceu um caminho de riquezas por meio de pressões violentas exercidas

pelos nobres. O vínculo dos camponeses com a terra se acentuou como uma

espécie de medida de proteção, num processo de feudalização da sociedade. O

62 CORTÁZAR, op. Cit.p. 32 63 BALCELLS, op.cit. p. 149. 64 VILLAR, P. op. cit. p. 17 65 CORTÁZAR, op. cit. p. 36.

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mundo aristocrático se adaptou à ordem feudal e ao poder da Igreja, a qual

modelava as crenças populares, regulamentando o ensino e sustentado a cultura,

justificando a ordem feudal existente. A proximidade com o islamismo permitiu, no

entanto, uma circulação de conhecimentos matemáticos e astronômicos entre

cristãos e árabes. Por outro lado, a manutenção do latim contrastava com a

evolução popular da língua falada, relativamente uniforme, derivada do romanche66.

No século XII, para Balcells, a consolidação feudal se deu por definitivo na

Catalunha. O crescimento de uma nova sociedade urbana e sucessões políticas nos

condados vão se entrelaçando e fortalecendo a casa condal de Barcelona, num

contexto em que um território fragmentando vai ganhando coesão desde Salses até

Tortosa e Lérida, sempre sob o nome de Catalunha, permitindo as bases para uma

sociedade feudal e burguesa. Já no século XIII o potencial agrícola e o vigor

comercial permitiu a constituição de uma monarquia, impondo-se pelo domínio

jurisdicional e fiscal. As tensas relações entre poderes locais e poder central,

monárquico, levaram a uma gradativa estabilização no final do século XIII, com a

consolidação de um Estado baseado nos limites da coroa que preside o país,

convertido num verdadeiro mosaico jurisdicional e sem um sistema fiscal único67.

3.2.3 Em direção à Ocitânia

O século XIII altera os cenários da Coroa catalã primeiramente com a

ampliação da expansão empreendida pelo Rei Pedro em direção à Ocitânia e depois

com o enfraquecimento da Casa de Barcelona, após a morte do Rei em batalha,

segundo nosso autor Balcells68. Para Cortázar, em sua História da Espanha, durante

o século XIII tanto catalães, como também aragoneses e castelhanos enfrentam

uma sociedade multirracial que havia absorvido por direito de conquista dos

hispanos muçulmanos e judeus. Os cristãos se encontravam, de repente, diante da

necessidade de viver com “os outros”. À tolerância do Al-Andalus – onde o poder se

autoproclamava defensor das religiões do livro, a sociedade cristão, ao contrário,

responde com hostilidade e temor. Ainda que no século XIII houvesse uma certa

liberdade e convívio religioso, a partir do XIV se inicia em toda Espanha um

66 BALCELLS, op. cit. pp. 163, 177. 67 Ibid. 188-218. 68 Ibid. p. 217.

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confronto violento e a expulsão de muçulmanos e judeus, por parte dos cristãos. O

problema da intolerância, na Espanha, tinha contornos ainda mais trágicos do que

no restante da Europa, pelos séculos de convivência entre culturas e miscigenação69.

No século XIV a sociedade catalã enfrenta um período de epidemias e

terremotos, além de guerras contra Maiorca, Castela e Gênova. A necessidade de

proteção diante das guerras leva a um aumento do peso da arredação fiscal,

promovendo um endividamento dos municípios e consequente aumento das tensões

sociais internas. O empobrecimento da sociedade levou a uma série de caminhos de

busca de superação, como tentativas de revitalizar a agricultura e o artesanato,

especialmente têxtil, procurando-se manter a vida comercial da região 70 .

Politicamente, no século XIV, a Catalunha constituía-se numa sociedade feudal com

poderes fragmentados que, porém, voltavam-se para um poder central, monárquico,

o qual tentava, ainda que dominando apenas uma pequena parcela do controle fiscal,

por meio de uma série de estratégias jurídicas e burocráticas, consolidar-se sobre os

poderes de barões e municipalidades71.

3.2.4 A Baixa Idade Média

Os caminhos trilhados pela Catalunha, durante os séculos XIII e XIV, em torno

de um modelo de estado no qual a jurisdição e as rendas não estão propriamente

nas mãos de um soberano, determinam os acontecimentos do século XV catalão: os

poderes locais detém uma capacidade de depôr e coroar reis. Nesse sentido, de

acordo com nosso autor, impõe-se um diálogo com a Coroa no enfrentamento de

diversas crises, tensões e convulsões. Neste período, a capacidade da Catalunha e

também o futuro do reino de Aragão estavam em jogo. A sociedade catalã da baixa

Idade Média foi, portanto, marcada pela pluralidade e diversidade cultural e pela

variabilidade socioeconômica, porém, ao mesmo tempo, dotada de traços de coesão,

em torno da língua comum e de uma unidade política, além do ponto de referência

centrado no Cristianismo72.

69 CORTÁZAR, op. cit. pp. 38-41. 70 BALCELLS, op. cit. p. 238. 71 Ibid. p. 258. 72 Ibid. p. 277, 299.

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Após a morte do rei João II (1472-79), com fim da guerra civil que durou de

1462-1472, com base em Balcells, houve uma retomada da prosperidade social e

econômica que condicionará a evolução secular posterior da Catalunha e sua

incorporação à monarquia hispânica73. Uma sucessão de acontecimentos afetou

decisivamente a trajetória dos distintos reinos medievais que compunham a

península Ibérica, entre eles a união das Coroas de Aragão e Castela, a conquista

do Emirado násrida de Granada, por parte de uma nova monarquia, dos Reis

Católicos, e também pela incorporação do Reino de Navarra. Nas palavras do autor:

“Até que ponto, a partir desse processo de concentração territorial é possível falar de

um ‘novo Estado’, de um ‘Estado Espanhol’, ou inclusive de uma ‘nação espanhola’?”

Esta questão histórica foi, segundo Balcells, utilizada política e ideologicamente de

diversas maneiras, por parte de um nacionalismo espanhol74.

Para Cortázar, apesar das diferenças internas existentes na Espanha,

reafirmadas com a configuração dos idiomas – castelhano, catalão, galego-

português, aragonês – os reinos cristãos conservaram um certo sentimento de

pertencimento a um passado comum, com a contribuição da atividade da Igreja

Católica, os enlaces matrimoniais entre as monarquias e, sobretudo, a colaboração

frente a um inimigo comum, o Islã. Em algumas ocasiões ressuscitava-se a ideia

daquela “unidade perdida”, e Castilha acabava por assumir, como tarefa histórica, a

reconstrução da Hispânia ao declarar-se herdeira de Astúrias e Toledo mediante

uma rica tradição gótica75.

No início da primeira era moderna, a Catalunha ainda era uma região

despovoada, a peste negra de 1348, a crise do sistema feudal catalão e a guerra

civil, além de uma profunda crise comercial e financeira, tinham dizimado os povos e

as cidades de todo o Principado. Durante os séculos XVI e XVII, porém, ocorreu um

processo migratório da Ocitânia em direção à Catalunha. O conjunto de disposições

estipuladas pelo rei Fernando, o Católico, pôs fim às guerras do século XV,

desarticulando as revoltas camponesas, garantindo uma pacificação social como

forma de recomposição política e jurídica do regime senhorial catalão, a partir dos

quais seriam regulados o acesso à terra e a apropriação de distribuição da produção

dos camponeses. Houve, também, pela política adotada pelo Rei Fernando um

73 Ibid. p. 315, 74 Ibid. 327 75 CORTÁZAR, op. cit. pp. 36-37

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incentivo à manufatura e o desenvolvimento das corporações de ofício na Catalunha,

sobretudo no ramo da tecelagem. Nos últimos séculos da Idade Média, a Catalunha,

de fato, converteu-se numa potência marítima e mercantil do Mediterrâneo76.

Para a história da Espanha, como um todo, a baixa Idade Média traz mudanças

importantes. A reconquista definitiva de Al-Andalus, permite à Castela apropriar-se

das cidades islâmicas com sua multiplicidade de atividades de artesanato e

comércio, incorporando-as ao triângulo de ouro das feiras de Valladolid; e as

exportações de lã permitem um comércio com o norte da Europa, enquanto a

Catalunha vive seu esplendor comercial, como vimos, com as agremiações de

artesãos e o comércio mediterrânico. Ao mesmo tempo, a unificação dos Reinos de

Aragão e Castela, sob os Reis Católicos, e a vitória da Reconquista com a expulsão

derradeira dos árabes, em 1492, mesmo ano da descoberta da América produz um

sentimento recuperação da antiga unidade peninsular romana e o reviver da ideia da

Hispânia, sob uma política e religião unificadas77.

3.3 Renascimento Catalão e o período Barroco: O reforço dos laços entre o poder político e a cultura é um dos traços mais

característicos da época de formação dos Estados modernos, segundo o livro de

Balcells. As relações de força, de domínio ou de integração entre centro e periferia,

entre governos centrais e poderes locais e regionais, não somente se deram nos

terrenos político, institucional ou fiscal, mas também em nível cultural e ideológico,

criando todos os poderes, identidades, símbolos e referências culturais. A

arquitetura, as artes visuais, a história, o teatro ou a música se converteram em

instrumentos de propaganda e legitimação ou mesmo como ferramentas que

modelaram patriotismos e identidades, para os autores.

Os movimentos culturais do Renascimento e do Barroco não podem ser

entendidos sem o processo de afirmação das estruturas estatais. A modernidade e o

humanismo chegaram à Catalunha fundamentalmente através das duas grandes

culturas com as quais estava tradicionalmente ligada, a tradição italiana e a tradição

castelhana. Muitos cronistas catalães do Renascimento e do Barroco enalteceram o

passado “nacional”, onde a Itália aparece como um ponto de referência cultural.

76 BALCELLS, op.cit. pp. 361-374. 77 CORTÁZAR, op. cit. p.42

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Cabe falar, agora de modo defintivo, segundo o livro de Balcells, de um patriotismo

cultural catalão que pode ser interpretado como autoafirmação política e nacional78.

A difusão da imprensa de Gutemberg na Catalunha, no decorrer do século XVI,

por razões comerciais se dedicou à publicação de livros em língua castelhana, como

um veículo mais útil de transmissão e relação com as “nações estrangeiras”. No

entanto, sempre seguindo o livro de Balcells, apesar da forte interferência linguística

do castelhano escrito, muito escasso na língua oral, o catalão se reforça também

como língua escrita no decorrer dos séculos XVI e XVII. Seria inapropriado, portanto,

falar de uma “decadência do catalão” no início da Idade Moderna. Como este

período foi de grande impulso de produções literárias nas línguas nacionais, também

houve na Catalunha um esforço para se fazer com que a língua catalã se tornasse

um instrumento válido de expressão literária. Enfim, com base no livro que sustenta

essas anotações, pode-se afirmar que houve uma reivindicação do valor literário do

idioma catalão, associada a uma consciência nacional79.

Como vimos em Hobsbawm, a linguagem seria um dos pontos iniciais que

diferem um povo de outro, porém as línguas vernáculas não cultas devem ser

também consideradas para a construção das nacionalidades. Muitas vezes, uma

comunidade reconhece a diversidade de seus dialetos ou entende-se “a língua”

como um complexo de dialetos, assim este autor questiona até que ponto a língua

pode ser usada como critério de pertencimento a um grupo e que este não foi um

aspecto central para a formação dos proto nacionalismos. A língua comum não é

naturalmente gerada, mas construída, impressa, oficializada, difundida mais tarde

pelo ensino público80.

Assim como a literatura, a história, na medida em que se distancia da filosofia e

da retórica e se define como disciplina a partir do Renascimento, passa a assumir

também um importante papel político como formadora de consciência nacional, de

acordo com o livro de Balcells. Os historiadores do século XVI afirmaram de modo

contundente a superioridade da Catalunha e o patriotismo local (ou nacional). O

trabalho dos historiadores do período Barroco continuou fortemente marcado por

sentimentos patrióticos e interesses políticos e institucionais. Por exemplo, é

publicado em 1630 o livro Cataluña Ilustrada que assinalava com precisão que havia

78 Ibid. pp. 293-294. 79 Ibid. pp. 395-400 80 HOBSBAWN, op.cit. pp. 63-78.

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“um passado catalão”. A historiografia catalã não teria escapado de uma certa

“manipulação do passado”, com algumas falsificações que, segundo nosso livro,

provavam as tradições históricas catalãs. Uma das obras mais emblemáticas da

historiografia do Barroco foram os Anais da Catalunha de Narcis Feliu de la Penya

publicado em Barcelona, em dois volumes, em 1709. Esta obra forçava as linhas

argumentativas do patriotismo catalão e da continuidade dinástica dirigida ao público

castelhano e cortesão para defender as tradições catalãs81.

Por outro lado, no que se referia à Espanha, desde a Reconquista da

Península e a expulsão do Islã, desde a descoberta e a conquista da América, em

1492 a ideia de força e unidade de uma coroa espanhola e o esplendor dos reinados

dos Reis Católicos terá um sentido de glória que persistirá no inconsciente coletivo

dos espanhóis por séculos, segudo Cortázar. Como resultado da política matrimonial

iniciada por Isabel e Fernando, os reinos hispânicos se viram integrados a uma

“casa comum” europeia, dos Habsburgos. Assim, também com Carlos V e Fernando

II permanece e se fortalece a ideia de um Império Universal espanhol, onde o sol

nunca se punha, como a figura de uma Grande Espanha82.

3.3.1 Absolutismo:

A tendência de monopólio do poder político que impregnava a lógica

absolutista na época da formação dos Estados Modernos, tinham um contrapeso

nas corporações municipais e parlamentares. Na Catalunha, a Generalitat e o

Consells de Cent (EXPLICAR) eram, sem dúvida, ao lado da Coroa, as peças-chave

de um sistema de poderes que funcionava como um complexo de engrenagens,

segundo Balcells 83 . No entanto, o Consells detinha maior força em relação à

Generalitat, porém esta última instituição foi ganhando cada vez mais poder político

e simbólico como representação da Catalunha, constintuindo uma referência

fundamental de um modelo político constitucionalista e parlamentar que se opôs ao

absolutismo da dinastia dos Áustrias, reis de Espanha84.

81 BALCELLS, op. cit. 405 82 CORTÁZAR, op. Cit. P. 49-51. 83 Apud. BARCELLS, A. op. cit. pp. 400-407. 84 Ibid. p. 415

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De acordo com o livro “Historia de Cataluña”, o qual seguimos aqui, o período

que vai de meados do século XVI até 1640 se caracterizou como o de maior

recrudescimento da identidade nacional catalã. Tal recrudescimento, segundo os

autores, foi demarcado por cinco processos históricos entrelaçados. O primeiro foi o

distanciamento dos interesses da monarquia dos Áustrias, reis da Espanha. O

segundo, o enfraquecimento dos vínculos com a Coroa de Aragão. Em terceiro lugar,

houve o fortalecimento do Consell de Cent; e, em quarto, a dissociação dos

interesses da monarquia e da comunidade catalã manifestada no âmbito econômico,

comercial e industrial – como uma “pátria econômica”. E, finalmente, em quinto lugar,

houve o desenvolvimento de elaborações culturais jurídicas, históricas e linguísticas

que consolidaram uma ideia consciente de nação catalã, a qual foi arraigada pelas

elites cultas e também por setores intermediários da sociedade85.

No entanto, o século XVII catalão assistiu a uma crise agrícola e de

abastecimento de alimentos, além de uma crise demográfica, acentuada pela última

epidemia de peste mediterrânica entre 1650 e 1654. Após este período de contração

e turbulências, que correspondeu à primeira metade da centúria, a segunda metade

foi marcada por uma tendência à reconstrução do Principado.86 Em meados do ano

de 1640, as relações entre as instituições catalãs e o governo central da monarquia

espanhola haviam chegado a um ponto crítico, com o pedido de que as tropas do

Felipe IV e Duque de Olivares se retirassem do território catalão para tranquilizar a

província, a qual parecia impossível para o governo central de Madri em vista da

ameaça de invasão francesa. A violência do exército castelhano que avançava sobre

a Catalunha, levou à Província a uma aliança com os franceses. Barcelona jurava,

assim, fidelidade ao Rei Francês Luís XIII87. Para Cortázar, a guerra entre Espanha

e Catalunha na segunda metade do XVII dividiria a península em dois blocos, mas

não como uma luta separatista, porém como duas maneiras diferentes de entender a

monarquia e como um enfrentamento socioeconômico88.

Um processo revolucionário na Catalunha marcaria a ruptura com a França e

uma divisão social interna. As elites da Catalunha, durante a ocupação francesa,

foram expulsas e seus bens confiscados pelo domínio borbônico. Esses exilados

85 Ibid. p. 418. 86 Ibid. pp. 422-434 87 Ibid. pp. 449-456. 88 CORTÁZAR, op.cit. p. 57-58

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foram para a corte de Madri, puseram-se a serviço do Rei Católico e passaram a

lutar pela recuperação da Catalunha para a Espanha. Os abusos cometidos pelas

tropas francesas também colocaram as comunidades rurais contra os franceses. Em

1651 se inicia a investida espanhola contra a Catalunha, e a derrota sobre Barcelona

estabelece novamente a obediência da maior parte da Catalunha ao Rei da Espanha.

A retomada da Catalunha às mãos da Espanha, determinava um dilema entre uma

reincorporação benevolente, de um lado; e uma retalhação, por outro. Seguiu-se, no

entanto, um caminho intermediário. Anistia geral e algumas medidas repressivas,

entre elas, uma repressão cultural que tentou apagar a memória e a história dos

catalães. De fato, após a Guerra dels Segadors (EXPLICAR), as relações políticas e

institucionais da Catalunha com a Espanha foram caracterizadas por uma afirmação

do poder da Coroa espanhola e de tendências absolutistas. O Tratado de Pirineus,

de 1659 não somente impôs a segregação territorial da Catalunha, mas também

dinâmicas institucionais, fiscais e socioculturais muito diferentes. Para as terras

catalãs, a presença francesa e a recuperação do domínio pela coroa espanhola

representara mudanças como a supressão de instituições e a formação de uma

nova elite política e teve como consequência o aprofundamento dos sentimentos

anticastelhanos e antifranceses89.

De um modo geral, no que tange à história da Espanha do século XVII, a figura

do Rei Felipe IV era, segundo Cortázar, uma representação totêmica da monarquia

e fonte de todos os privilégios que distribuía o Estado entre “os notáveis”. Por meio

de sua dependência pessoal e de um sistema de lealdade político-religiosa em

relação à Coroa, os Habsburgos espanhóis puderam se assegurar de controlar a

Espanha no período dos absolutismos. Nesta função icônica, era muito importante a

forma barroca e teatral com a qual a coroa representava seu papel, a sacralização e

a manipulação propagandística das artes e das letras a serviço de uma imagem

graciosa do soberano e de sua família. Da mesma forma, a expansão da língua

castelhana como a língua franca nos níveis administrativos e no convívio das elites

desenhava um elo de unidade. Ao mesmo tempo, havia um bilinguismo nas elites,

incluindo mesmo o português de Camões e um entendimento culto dos vários

89 BALCELLS, op.cit. pp.462-475

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idiomas da península. O modelo imperial absolutista espanhol, entraria em

decadência, no entanto, já na segunda metade do século XVII90.

O século XVIII: modernização industrial na Catalunha.

Os conflitos internacionais somados ao desejo de domínio francês, de Luís XIV

sobre a Espanha e também os conflitos internos de sucessão dinástica ao trono

espanhol, no início do século XVIII, ocuparam como palco a Catalunha. A ruptura da

Catalunha com a Coroa borbônica espanhola em 1705 abriu um processo de

distanciamento e desconfiança entre o governo central da monarquia e um setor da

classe dirigente catalã, especialmente os militares, a burguesia urbana e os

proprietários rurais. Este grupo representava uma possibilidade de maior

interlocução internacional com a Europa. A Catalunha se coloca a favor dos Áustrias

– “austracismo” – e contra um “império” franco-espanhol dos Burbons. Porém, os

acordos internacionais entre França e Inglaterra levariam, nas primeiras décadas do

século, um novo equilíbrio europeu e um certo isolamento da Catalunha. Em 11 de

setembro de 1714, o exército borbônico derrota a Catalunha, levando a um

desmoronamento, após a guerra, da sociedade catalã com o fim de liberdades e

medo diante da repressão borbônica e com a supressão das instituições catalãs de

modo contundente. Apesar disso, o modelo de administração local da Catalunha,

com base no município consular, não foi liquidado de modo absoluto (DATA

HISTÓRICA – DIADA) 91.

Barcelona e Catalunha (AMBAS?) conquistadas pelo absolutismo borbônico

sofreram período de dura repressão sobre instituições e pessoas, segundo Balcells,

com execuções sumárias, desencadeando um fenômeno que foi desde o exílio dos

austracistas, da resistência até a acomodação ou colaboracionismo com o novo

regime Felipista. Com a queda de Barcelona em 1714 e a imposição do regime dos

Burbons, documentado pela Nueva Planta de la Real Audiencia del Principado de

Cataluña, nas primeiras décadas do século XVIII, levou a descontentamentos

populares, denúncias e protestos contra os abusos borbônicos que se multiplicaram

no final dos anos 172092.

90 CORTÁZAR, op. cit. Pp. 54-56 91 BALCELLS, op.cit. pp. 475-491, 497, 502. e CORTÁZAR, op.cit. pp. 57-58. 92 BALCELLS, op.cit. pp. 505-509.

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Durante o século XVIII, ocorre uma expansão demográfica e um aumento de

produção agrícola na Catalunha, acompanhando uma tendência internacional. No

entanto, segundo Balcells, o arranque industrial catalão do século XVIII resultou de

dois processos paralelos: primeiro a expansão de um conjunto de manufaturas

tradicionais que se especializaram territorialmente; e, segundo, a emergência de

uma manufatura algodoeira que anuncia o início de uma atividade industrial

centralizada, assim como uma nova organização capitalista do trabalho e a

ascensão da classe burguesa. Tal expansão e especialização da agricultura e da

manufatura catalãs esteve ligada a um grande dinamismo comercial, tanto em

escala interna como na Península Ibérica e no exterior. Este processo, na Catalunha,

como em outras partes do mundo, trouxe a proletarização e aumento da população

pobre urbana93.

2.3.1. Iluminismo:

No aspecto cultural, o Iluminismo na Catalunha, se comparado aos limites

desse movimento na Espanha, nas palavras de Balcells, et allii:

Na Catalunha tudo parece indicar que os níveis de alfabetização e de contato com o escrito estavam, no final do século XVIII, acima da media espanhola (…) Os limites do despotismo ilustrado tem, especificamente para a cultura catalã, outra dimensão: a repressão linguística e cultural e as tentativas de imposição de um projeto nacionalizador castelhano espanhol de desejo assimilacionista. Os projetos nacionalizadores, modernizadores e reformistas da época culminante do despotismo ilustrado borbônico que costumam fixar-se no reinado de Carlos III passavam por uma política cultural e linguística de tipo uniformizador que tinha um claro sentido político que não deixava lugar para a língua e a cultura catalãs94.

Ainda assim, os homens do Iluminismo catalão formularam, na segunda

metade do Setecentos, um projeto de futuro alternativo em relação ao nacionalismo

espanhol centralista. A Real Academia de Buenas Letras de Barcelona, criada em

1729 era uma espécie de continuidade da Academia dos Desconfiados, que

realizava um trabalho coletivo de coleta e catalogação de documentos de arquivos

para compor uma história monumental da Catalunha. Além disso, um dos traços

93 Ibid. 510-521 94 Ibid. p. 543.

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mais fortes do Iluminismo catalão foi a proliferação de escolas e academias

relacionadas com os avanços científicos e tecnológicos. Foi também neste contexto

cultural que a Catalunha recebeu, em 1789, os ecos e influências da Revolução

Francesa, também ela convulsionada por motins conhecidos como Rebomboris del

Pa95.

O governo monárquico espanhol tomou posição contrarrevolucionária, por

temor que as ideias republicanas da Revolução Francesa se espalhassem, e nova

guerra entre França e Espanha se desenrolou até o tratado de paz em 1795. Esta

Guerra foi, no entanto, segundo o livro coordenado por Balcells, mais do que um

conflito militar, foi uma guerra de ideias, de propaganda e combate ideológico, pondo

em evidência as fragilidades políticas e militares da monarquia borbônica e provocou

a vontade dos catalães voltarem a conduzir seu próprio destino. Em 1794, a

Assembleia de cidades e partidos foi convocada em Barcelona para tal propósito,

porém tendo sido dissolvida em seguida. Ainda assim, ficava cada vez mais visível a

dissociação de interesses entre a monarquia absolutista borbônica e os grupos

sociais burgueses que lideravam a economia capitalista em desenvolvimento na

Catalunha96.

Numa visão mais abrangente da história da Espanha, o século XVIII assistiu ao

fracasso do Iluminismo, afastando o país dos caminhos de modernização e

“amarrando-a” ao passado de privilégios e obscurantismo. Segundo Cortázar,

transparece o conflito entre “as duas Espanhas”: de um lado uma certa vitória do

reacionarismo político sobre os “conspiradores” das Luzes e da Revolução.

Enfrentava-se também o conflito entre Estado e Igreja, culminando com a expulsão

dos Jesuítas. No aspecto econômico, a coroa espanhola tentou incentivar o início de

uma industrialização de luxo, com as Reais Fábricas, elevando o nível tecnológico

do país. A Catalunha, no entanto, em relação à Espanha se colocava à frente no

processo de início da industrialização. Ainda assim, a Espanha se vê impotente

diante do avanço dos latifúndios: Andaluzia se tornaria “o problema nacional” neste

sentido no século XIX. Na Galícia o minifundismo, ao contrário, força um processo

de emigração e proletarização das massas camponesas. Ao contrário, o Levante e a

95 Ibid. p. 544, 551, 557. 96 Ibid. pp. 556-509.

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Catalunha, graças a uma agricultura especializada, em contato com a América,

conseguem um melhor resultado econômico no Setecentos97.

2.4. O Século XIX:

2.4.1. A invasão napoleônica:

A ocupação napoleônica na Espanha entre 1808 e 1814 foi um período que se

prolongou até os anos 1830, como um quadro de crise do Antigo Regime. A

Catalunha foi, durante toda a ocupação francesa, mais uma vez, o cenário do

conflito marcado pela ocupação de tropas dos dominadores e da resistência, enfim

um cenário de destruição. Barcelona permaneceu ocupada pelos franceses durante

toda a guerra sem receber ajuda suficiente do governo espanhol. Mesmo em meio à

ocupação francesa, Josep Batillot escreveu a primeira Gramática i apologia de la

llengua catalana, publicada em 1815. Este livro marcaria o início do movimento que

ficaria conhecido como Renaixença 98 , do qual trataremos mais adiante. Em

contrapartida, segundo Cortázar, a guerra contra os franceses, produziu um

sentimento renovado de pertencimento a uma “comunidade espanhola”, uma defesa

da “nação espanhola” acima de suas diferenças culturais e políticas99.

A desocupação da Espanha das tropas de Napoleão levou a um novo período

de luta da Catalunha contra o reestabelecimento do absolutismo, com Fernando VII,

contra o qual os catalães lutariam pela Insurreição Ultrarrealista; com revoltas

urbanas chamadas Cataluña bullanges. Os franceses permaneceriam, em termos

econômicos, na Catalunha até 1826, sendo que as manufaturas francesas

prejudicavam a indústria catalã. Contudo, em 1828 se instalava, na Catalunha, a

primeira fábrica de tecidos movida a vapor, marcando o início da revolução industrial.

Para Balcells, “com o início da revolução liberal, da industrialização e do

renascimento do catalão como língua literária moderna, começava a configuração da

Catalunha contemporânea100”. De acordo com Cortázar, ao final da guerra contra a

97 CORTÁZAR, op.cit. pp. 62-65 98 BARCELLS, op.cit. pp. 573-580, 99 CORTÁZAR, op.cit. p.66 100 Ibid. p. 585

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invasão napoleônica, permanecera na Espanha, em geral, uma herança napoleônica,

sobretudo entre intelectuais afrancesados, influenciados pelo Iluminismo, muitos dos

quais optariam pelo exílio101.

2.4.2. Período Liberal e Renaixença

O período que vai de 1833 a 1843 é marcado pela revolução liberal e pelo

provincialismo catalão, uma década de mudanças revolucionárias. Este período de

um processo de ruptura política e social pode ser dividido em quatro partes, segundo

nosso autor, que não coincidem com a história da Espanha. A primeira fase foi pré-

revolucionária, com os governos dos moderados enquanto aumentavam as

guerrilhas carlistas; a segunda fase foi revolucionária de 1835 a 37 quando as

revoltas urbanas, as bullangas, impulsionaram mudanças. A terceira fase foi a

reação moderada e tomou forma de uma ditadura na Catalunha. A quarta fase, de

1840 a 1843 se iniciou com a oposição entre moderados e progressistas que

converteram o General Espartero em regente. A decepção popular contra a regência

de Espartero levou à formação do primeiro núcleo republicano, e as revoltas

barcelonesas de 1842 e 1843 foram duramente esmagadas102.

O período entre 1844 e 1868 foi de franca industrialização na Catalunha,

embora com dificuldades e fragilidades, e também um período de impulso

demográfico e de deslocamento da população rural para as cidades. O processo de

industrialização, de fato, trazia um forte projeto de urbanização, com uma verdadeira

criação da ciência do urbanismo, por Ildefons Cerdà, além da implantação de

ferrovias e bancos. Em meados do século XIX se vê afirmar o movimento operário

catalão, com a organização da primeira central sindical La Unión de Clases103. Ao

final da centúria, republicanos e progressistas se concentram em derrubar a

monarquia espanhola de Isabel II, que parte ao exílio em 1868. O advento da

República, na Espanha, entre 1868 e 1874, como um período de democratização do

Estado e de federalismo republicano, teve uma importante participação política da

101 CORTÁZAR, op.cit. p. 67. 102 BALCELLS, op.cit. pp. 587-599. 103 Ibid. pp. 602-620, 614, 631-642

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Catalunha. Com efeito, segundo Balcells, a colaboração catalã com as reformas do

Estado provocava no restante da Espanha um sentimento de que a república era

uma projeto catalão, e as frustrações com o regime republicano geravam

consequentemente um sentimento de recusa em relação à Catalunha, o que ele

chama de “catalanofobia”104. A consequência dessa recusa foi, em certo sentido, sua

contraposição: “o catalanismo”105.

O século XIX catalão foi o período no qual nasceu o emblemático movimento

que deu origem, após o período ditatorial franquista, a sobrepujança popular catalã e

talvez o grande pontapé inicial da corrente nacionalista na região: a Renaixença

(Renascença), gradualmente marcada como o início e propagação das

reivindicações do movimento político posteriormente reconhecido

como “catalanismo político”. Em certo sentido, segundo o livro de Balcells, o

“catalanismo” era uma reação ao “anticatalanismo”106 que se difundia na Espanha. A

Renaixença viria como uma forma de recuperar a autoestima e em confronto com

certa “descatalanização”. A criação da Jove Catalunya, como a primeira sociedade

defensora da língua e cultura catalãs e o primeiro núcleo a levar o movimento

literário ao terreno cívico e político, com a criação do semanário cujo nome passou a

denominar todo o movimento, justamente intitulado Renaixença107.

Os termos Nação, Língua e Estado, para Hobsbawm, só apareceriam em

sentido moderno, como vimos, nos dicionários de língua espanhola a partir de 1884.

Pela primeira vez a língua nacional é a língua oficial e literária do país em oposição

aos “dialetos”. Até 1884, em língua espanhola, a palavra nação significava um

“agregado de habitantes de uma província” para depois significar “um Estado ou

corpo político que reconhece um centro supremo de governo comum” e também “o

território constituído por esse Estado e seus habitantes, considerados como um

todo”. Tal definição, indicada por Hobsbawm, nos dicionários de língua espanhola

são particularmente caros para compreender nosso problema em relação às lutas

pela independência da Catalunha108.

104 Sentimento e expressão, sobretudo política, que se opõe a uma ideia de nação catalã integrada pelos catalães. 105 Ibid. pp. 618-621 106 Aversão a Catalunha, pela cultura e língua catalã ou pelos próprios catalães. 107 Ibid. p. 625 108 HOBSBAWN, op. cit. p. 27.

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Nesse período, ocorrem movimentos nacionalistas em regiões antes não

identificadas como nações, como o catalanismo, que nos interessa aqui

especialmente. Nas palavras de Hobsbawm:

Um movimento cultural linguístico (conservador), não pode ser historiado mais além de 1850 e seus Jocs Florals (análogos aos Eisteddfodau galês) não foram revividos antes de 1859. A própria língua [catalã] não foi padronizada de forma oficial até o século XX, e o regionalismo catalão não se preocupou com a questão linguística até 1880109.

Não por acaso, entre 1870 e 1914, surgem e ganham espaço nacionalismos de

comunidades reais e imaginárias, como “invenções” de comunidades enquanto

resistência de grupos tradicionais ameaçados pelo progresso veloz da modernidade.

O processo de formação de línguas e mitos nacionalistas continha elementos

político-ideológicos, assim como Hobsbawm apresenta uma discussão sobre as

questões sociais que envolviam as línguas locais “faladas” e línguas universais

escritas – como de domínio de elites internacionalizadas.

Entre 1875 e 1900 ocorre a restauração Borbônica e os primeiros passos do

catalanismo político. O catalanismo aparecia como um espaço centrista, mas muito

crítico contra o Estado da Restauração, como uma corrente que queria superar o

clima de guerra civil que dividia os catalães e que durante os próximos vinte anos

seria um movimento cívico e patriótico mas não um partido político convencional, a

defender a autonomia da Catalunha e a federalização do Estado Espanhol. O

catalanismo não possuía um apoio absoluto por parte da burguesia ou dos

republicanos, porém resultou na criação, em 1891 da Unió Catalanista – uma

confederação de centros catalanistas diversos que em assembleias celebradas

anualmente em cidades diferentes da Catalunha, definiam um programa comum110.

Para Pierre Villar, no final do século XIX, a Espanha vivia numa “corda bamba”

entre seu presente e sua história. O passado imperial da Espanha era demasiado

forte para que não se experimentasse uma certa nostalgia, diante das lutas de

independência colonial. Cuba, por exemplo, tornava-se independente em 1898. A

propósito, segundo Cortázar, a perda das colônias na América pelos processos

republicanos de independências representou o fim de uma etapa da história

109 Ibid. p. 133. 110 BALCELLS, op. cit. pp. 643-657

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espanhola, o fim da ideia de um Império e o início de uma nova forma de reflexão

sobre a construção da nação espanhola, sob um conceito moderno de nação. As

forças no âmbito internacional eram medidas, naquele momento, para Villar, pela

capacidade industrial e avanços científicos e tecnológicos. Contudo, a Espanha era

frágil nesse sentido, com uma economia ainda dominada pela produção agrícola,

uma industrialização “leve” muito concentrada em alguns pontos do país e uma

grande massa de analfabetos. O setor popular combativo, ao final do XIX, como na

própria Catalunha e em outras regiões da Espanha, não aceitava o capitalismo

liberal e individualista. Para completar sua corda bamba, segundo Villar, a Espanha

estava permeada pela discordância sobre a estrutura interna do território e do

estado espanhol, numa forte oposição entre a união de um estado nacional e as

“antigas divisões históricas”. Para ele, quando alguém escrevia “Espanha” em 1900,

todos poderiam entender que se tratava do Estado-Nação historicamente constituído,

definido juridicamente, como um resultado natural e forma realizada comum a todas

as formações políticas da Europa Ocidental. Considerando que a Espanha era

resultado da união entre Castilha, Aragão e Navarra, quem poderia explicitar melhor

do que a Espanha a formação dos Estados Nacionais? Somente Marx, em meados

do século XIX, segundo Villar foi capaz de questionar se o “edifício espanhol” não

continha alguns traços de incoerência111.

Segundo Cortázar, a Espanha do século XIX construía-se sobre o direito das

Constituições e dos Códigos; sobre a centralização administrativa e a moderna

organização provincial, com sua pirâmide burocrática de ayuntamientos (prefeituras)

e diputaciones que compensavam a desaparição dos vínculos senhoriais; e sobre

um mercado unificado e acelerado com os negócios da burguesia catalã e basca e

dos terratenentes andaluzes e castelhanos. Com a composição do tecido ferroviário

– motor de unidade e de ruptura das barreiras geográficas da Península, foi

favorecida a circulação de pessoas e ideias. A educação pública e a cultura também

são instrumentalizados no século XIX por um esforço “nacionalizador”. Para o autor,

no entanto, faltou neste momento, à Espanha, um entusiasmo nacionalista como o

que moveu a unificação da Itália, por exemplo112.

111 VILLAR, Pierre. Op. cit. p. 39-40. e CORTAZAR, op.cit. p. 68. 112 CORTÁZAR, op. cit. pp. 69-70.

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2.5. Catalunha no século XX:

2.5.1. Catalanismo e as esquerdas:

As primeiras três décadas do século XX foram marcadas pelo crescimento

demográfico e um grande impulso industrial e comercial na Catalunha. A dialética

entre catalanismo (Unió Catalanista) e republicanismo (Lliga Regionalista) também

definiu as primeiras décadas deste século, assim como o crescimento do

anarquismo e dos movimentos operários em torno do Solidaritat Catalana. A

afirmação dos direitos nacionais dos catalães costumava produzir a idealização das

qualidades coletivas catalãs e o afastamento do castelhano, identificado como

espanhol. Segundo Balcells, pela primeira vez o catalanismo assumia um sentido de

esquerda. Assim também para Cortázar, toda a Espanha no início do século XX

seria marcada pela irrupção das massas proletárias e pelo progresso do

nacionalismo catalão que marcaria ali também as classes médias. A criação da

Mancomunitat, uma nova federação livremente pactuada entre as quatro divisões

provinciais da Catalunha, foi fruto de um consenso mais amplo se comparado a

Solidaritat e consistiu no primeiro reconhecimento da unidade administrativa da

Catalunha, propondo definitivamente a reforma ortográfica a unificar o catalão como

língua política e administrativa113.

Após o fim da primeira Guerra Mundial, no final de 1918 e começos de 1919 se

iniciou uma campanha autonomista da Catalunha, com grandes manifestações

populares nas ruas, reprimidas ostensivamente. A ditadura militar de Primo de

Rivera, sob o reinado de Alfonso XIII, promoveu uma forte perseguição, segundo

Balcells, contra o catalanismo, com a destituição das prefeituras da Catalunha e

designação de representantes dos militares, a imposição do castelhano nas aulas

das universidades da Mancomunitat, até a dissolução da própria Moncomunitat. A

Catalunha foi dividida em quatro províncias desconectadas. A própria Igreja Católica

foi utilizada como instrumento de “descatalanização”. Da ditadura, a Espanha passa

por um período revolucionário que levaria a implantação de um governo republicano

em 1931114.

113 BALCELLS, op. cit. pp. 680-692, 697-698 e CORTÁZAR, op. Cit. p.77. 114 Ibid. p. 717-728

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Na coleção Historia de España, no volume escrito por Ana Aguado e Maria

Dolores Ramos “La modernización de España (1917-1939). Cultura y vida cotidiana”,

lemos que o período compreendido entre 1917 e 1939 foi intenso e complexo,

polifacético e contraditório. A utilização para o conceito de modernização esclarece

de certa forma a cultura e a vida cotidiana deste momento. Para as autoras, nestes

anos de profusão de modelos culturais também os nacionalismos e regionalismos

são elaborados pelos discursos da intelectualidade, e o idioma se converte num fato

importante, um demarcador cultural com capacidade para aglutinar, na Catalunha e

outras regiões da Espanha, os elementos da cultura popular, uma etnicidade

peculiar. Na Catalunha, o nacionalismo adquiriu neste período uma dupla dimensão:

uma dimensão cultural ligada ao fenômeno da Renaixença (que se desenvolvia

desde meados do século XIX e que se dirigiu ao modernismo), com o florescimento

da língua e da literatura, catalãs; e também uma dimensão política com aspirações

de poder 115”.

Para Cortázar, ao olhar para a Espanha de maneira mais geral, nas primeiras

décadas do século XX, sempre que a pressão dos despossuídos nas ruas e fábricas,

com greves, manifestações e atentados ou por parte das burguesias nacionalistas

“da periferia”, forçando o aparato político-administrativo; enfim, quando essa pressão

se acentuava e se tornava ameaçadora, os grupos oligárquicos reforçavam o papel

do exército e o militarismo que sufocava a sociedade espanhola, desprezando as

regras políticas em nome de um perigoso sentido de unidade da pátria, em

antagonismo com as aspirações de autonomia basca e catalã116.

2.5.2. Generalitat Republicana e a Guerra Civil Espanhola

De 1931 a 1933 forma-se a Generalitat Republicana e, regida pelo Estatuto de

1932, a Catalunha constrói novamente sua autonomia, por um projeto moderado, em

termos políticos, segundo o livro de Balcells. Esta autonomia entra em crise a partir

de 1934 e como em toda Espanha, Catalunha enfrenta forte polarização política.

Como se formou na Espanha a Frente Popular, na Catalunha, esta foi chamada de

Front d’Esquerres. Durante a Guerra Civil Espanhola, a Generalitat tendeu a assumir

115 AGUADO, Ana; RAMOS, Maria Dolores. La Modernización de España (1917-1939) Cultura y vida cotidiana. Madrid: Síntesis, 2002. Pp. 11, 25. 116 CORTÁZAR, op.cit. p. 78.

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a totalidade da autonomia do Estado na Catalunha, uma autonomia ampliada de

guerra e uma coletivização (sindicalização) da economia117.

Em 1936 ocorre o golpe militar contra a jovem Segunda República Espanhola.

A reação contra este golpe se deu por parte das milícias populares de trabalhadores

dos movimentos de esquerda, num primeiro momento. Esta reação levou a Espanha

à guerra civil que duraria até o ano de 1939, com a vitória do General Franco,

causando uma terrível devastação na terra espanhola: mortes, destruição e êxodo

de refugiados – uma verdadeira diáspora de espanhóis que se espalharam por

várias regiões do mundo. Uma das questões que envolveu o desencadear da Guerra

Espanhola dos anos 1930 está relacionada à desigualdade social estrutural no país.

Os camponeses sem terras trabalhavam muitas vezes sazonalmente, vivendo em

condições de miséria, precárias condições de escolaridade e direitos, além da dura

repressão do aparato governamental contra os movimentos sociais. Revoltando-se

contra esta situação opressora tanto econômica, politica e religiosa, os

trabalhadores espanhóis se voltam massivamente para o anarquismo, por ideais de

liberdade, solidariedade, autonomia e igualdade social. A atuação anarquista na

Espanha contempla os matizes de várias tendências118.

A guerra, que eclode em 1936, coloca as divisões na sociedade espanhola em

evidência, revelando as fissuras sociopolíticas e todo o complexo das tendências

ideológicas. Estas forças políticas e tendências diversas desempenharam papel

fundamental antes e no desenvolvimento da guerra. De um lado, os conservadores

aliados dos golpistas chamados “nacionalistas”, como a Ação Espanhola, Comunhão

Tradicionalista, Requetés (milícias da juventude carlista), Falange de inspiração

fascista, Flechas (milícias jovens falangistas), CEDA (aliança da direita católica). De

outro lado, os progressistas que apoiaram os republicanos deste a União

Republicana, centro direitista, à esquerda com o PSOE, PCE (partido comunista

alinhado ao stalinismo) e, na extrema esquerda, POUM (opunha-se ao partido

comunista), anarquistas como a CNT, FAI e Mujeres Libres (organização anarco

117 BALCELLS, (org.) op. cit. p. 766.

118 MATTHEWS, Herbert L. Metade da Espanha Morreu. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira,1975. p. 30

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feminista), assim como os “autonomistas”, com o Partido Nacionalista Basco e o

Estat Catalã .

A Segunda República na Espanha iniciou como um o projeto de constituição

republicana, em 1931 que pelo seu teor gerou debates exaltados, pois pretendia

revolver alguns dos alicerces da Espanha conservadora: títulos de nobreza não

seriam reconhecidos, separação Estado e igreja; reforma agrária com confisco de

terras, divórcio permitido, casamento civil, voto feminino, término de pagamento de

salários aos padres, fim da hegemonia da Igreja na educação, dissolução de ordens

religiosas que não jurassem obediência a república. Eram medidas fortemente

anticlericais, além disso, tentava estabelecer um Estado democrático, provocando

acirrados debates e agitações políticas intensas numa Espanha dividida119. Desde

seu início a República enfrentou conflitos que, via de regra, resultavam em violência.

Entre os militares havia descontentamento, entre outras questões em relação ao

Estatuto de autonomia da Catalunha que era considerado uma espécie de traição à

Espanha. Estes conflitos sangrentos demonstravam o cenário tumultuado da

Espanha. Nas eleições de 1936, a esquerda se uniu através de um programa de

frente popular, a última eleição democrática na Espanha pelas quatro décadas que

se seguiriam. Num cenário europeu conturbado, desde a vitória da frente popular na

França, com a ascensão do fascismo, através de acontecimentos como a invasão da

Abissínia por Mussolini, embora o governo republicano tivesse sinais da inquietação

nos meios militares, como afirma Thomas Hugh120. Diante do golpe militar contra a

República, as milícias populares ligadas principalmente aos movimentos de

esquerda reagiram contra o golpe.

Como afirmou Thomas, inicia-se uma guerra civil que paradoxalmente tem a

participação tanto militar como cultural de várias regiões do mundo, desde as

brigadas internacionais, conclamadas a lutar pela República; partidos comunistas,

grupos voluntários de vários países como, por exemplo, a brigada Lincoln dos E.U.A

ou a participação do escritor inglês George Orwell, que escreveria o livro memorável

Homenagem a Catalunha – sobre a guerra e o desenvolvimento das lutas

ideológicas entre as esquerdas, a traição comunista contra a revolução anarquista

na Catalunha. Para defender a república, na Catalunha, as milícias de operários se

119 Ibid. p. 45 120 HUGH, Thomas. A Guerra Civil Espanhola. 2 vol. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964. Pp. 86-145.

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insurgem numa revolução anarquista de curta duração, através de medidas como a

coletivização de fábricas e terras, onde a participação de mulheres em termos de

igualdade na luta foi muito importante121. Todas estas questões anarquistas foram,

no entanto, derrubadas com a pressão do partido comunista espanhol de influência

stalinista sobre o governo republicano, lançando o slogan “Primeiro vencer a guerra”.

Para garantir esta plataforma política os anarquistas e integrantes do POUM foram

combatidos pelos comunistas, numa “guerra dentro da guerra”, confrontando-se

ideologicamente as esquerdas, pois a ideia dos anarquistas de uma revolução

juntamente a conflagração foi combatida pelos comunistas. Apesar da resistência da

Catalunha, das heroicas milícias e brigadas internacionais, os republicanos foram

derrotados em 1939 pelos nacionalistas.

2.5.3. A ditadura Franco:

A Espanha foi transformada numa ditadura até 1975, até a morte do general

Franco, que reverteu os direitos conquistados com a República, reduzindo salários,

“devolvendo” riquezas e prerrogativas da Igreja Católica, sob dura repressão através

de censura, tortura, prisões, fuzilamentos e trabalhos forçados122. Houve, ao final da

Guerra Civil, uma diáspora espanhola com milhares de refugiados, muitos deles

acolhidos na América Latina, especialmente no México. Muitas crianças espanholas

foram enviadas para a Inglaterra, Rússia e outras regiões e nunca mais encontraram

seus familiares. Uma Espanha que demoraria décadas para recuperar-se

economicamente e politicamente, que ate os dias atuais conserva emocionalmente a

memória das feridas desta guerra e a ditadura posterior, pois praticamente todas as

famílias foram atingidas através de mortes, prisões e separações através do grande

êxodo. A guerra civil Espanhola despertou uma militância apaixonada em várias

regiões do mundo em torno de um ideal de democracia e igualdade social com uma

experiência única de revolução anarquista.

A repressão contra a Frente Popular na Catalunha foi fortemente violenta com

grande número de mortos. Este governo autônomo de guerra, como unidade da

Generalitat, fracassou, até que em 1937 a Catalunha é tomada pelo General Franco

121 Ibid. p. 174 122 MATHEW, op.cit. p. 241

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que passou a deter todas as províncias do Norte da península, com suas minas e

indústrias123.(NACIONALISMO ESPANHOL)

A definição do governo ditatorial de Franco, com apoio dos governos fascistas,

sobretudo da Alemanha e Itália, representou o enfraquecimento da Generalitat e o

duro enfrentamento dos republicanos catalanistas, com a criação de tribunais de

exceção, fuzilamentos e prisões. Mesmo com a derrota do fascismo, ao final da

Segunda Guerra Mundial, embora se tenha chegado a crer que a ditadura de Franco

não duraria, ao contrário permaneceu, centrada num partido único que designava

representantes apenas para ocupar a burocracia. A ideologia do franquismo, o

falangismo, não foi, segundo Balcells, muito forte na Catalunha. Porém, sua difusão

se impunha pela censura da imprensa e das rádios, pelo sindicado único, pelo

serviço social feminino, acampamentos de verão para crianças, etc. Ainda assim, o

falangismo se diluía, na Catalunha, como um franquismo amorfo124.

Em 1939, com o fim da Guerra Civil Espanhola, a Espanha se encontrava num

estado de tal destruição material e de tal divisão moral, segundo Villar, que se tornou

impossível participar da Segunda Guerra Mundial e assim permaneceu, destruída,

por muito tempo. Durante quarenta anos o país conheceu os chamados “anos de

fome”, do qual os dados de mortalidade são provas concretas. Para o autor, porém,

na década que se seguiu a 1939, a Catalunha presenciou vários atentados e

guerrilhas, mas nenhuma força se mostrou capaz de trazer de volta os horrores da

guerra. Havia o peso do cansaço, das amarguras, o esforço pela sobrevivência, o

exílio dos militantes mais ativos, enfim, circunstâncias que não permitiam aos

catalães enfrentar um estado brutal e invasivo como o de Franco. No entanto, Villar

não crê que tenha havido o predomínio da colaboração, da aceitação ou da

resignação do povo catalão diante do poder vencedor. Villar chama a atenção,

também, para o aspecto religioso desse período que será marcado pela opressão

social. Em 1936, houve, segundo ele, um holocausto religioso e o clero catalão se

sentiu incapaz de participar, material ou moralmente, de um nacional catolicismo que

foi o primeiro disfarce pós-fascista do franquismo125.

Um dos objetivos prioritários da ditadura de Franco era “acabar com todos os

signos da identidade coletiva dos catalães, começando pela língua. Era a

123 BALCELLS, (org.) op. cit. p. 766. 124 Ibid. pp. 771-783 125 VILLAR, Pierre. Op. cit. p. 23, 25.

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continuação da secular política assimilacionista do Estado espanhol, mas com meios

com os que não tinha contato até então”. O catalão passou a ser uma língua

clandestina e, entre 1939 e 1945, não foi permitido que se publicasse nada em

catalão. Nas palavras do autor:

Na Espanha de fala castelhana, o franquismo pretendia identificar a democracia com a Guerra Civil e sua atitude resultava também muito opressiva, mas, ao menos, o sentimento nacional espanhol de base castelhana que explorava e monopolizava o regime correspondia ao da população. Ao contrário, na Catalunha, o franquismo tinha que basear seu poder na negação pura e simples da identidade catalã coletiva, que nos últimos quarenta anos tinha se reafirmado notavelmente126.

Villar aproxima o período de questionamento da ditadura Franco na Catalunha,

com o período de 1927, na decadência da ditadura de Primo Rivera e nas relações

entre lutas de comunidades e lutas de classe. Em 1947, assim como em 1927,

segundo o autor, a comunidade catalã se sentia exposta à desconfiança e

humilhações de um poder autoritário, militar, erguido contra ela e contra o qual havia

desafiado. Mesmo a burguesia catalã, por oposição ao poder conservador foi

sempre desprezada por Madri. A massa de classe média, sem dúvida majoritária na

Catalunha, camponeses, artesãos, comerciantes, funcionários médios, intelectuais

daria um sentido nacionalista ao seu descontentamento perante o poder central,

uma vez que “a obsessão de pertencimento catalão se via continuamente avivada

pelas ameaças contra a língua, contra a cultura, contra a originalidade das

instituições, esse sentido deveria ser preservado ou obtido”, nas palavras de Villar.

Finalmente, a classe operária, especialmente a barcelonesa e também os imigrados,

tinham suas próprias queixas contra o regime de Franco no decorrer da década de

1940: a exploração crescente, a miséria atroz, o desmonte dos sindicados e do

sonho revolucionário. A questão era, no entanto, segundo Villar, como unir essas

diferentes classes sociais numa mesma luta antifranquista, pois a classe média e os

operários se acusavam mutuamente pela responsabilidade na derrota da guerra civil.

Havia o que Villar chamou de “convergência negativa dos derrotados”. Tais

contradições, segundo o autor, ainda estão presentes, de resto, na história

contemporânea da Catalunha127.

126 BALCELLS, op. cit. p. 784 127 VILLAR, P. op. cit. p. 23

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A oposição política ao regime franquista esteve presente na Catalunha, como

vimos em Villar, embora sufocada pela censura, perseguições, exílio, prisões e pelo

nacional catolicismo. No início dos anos 1950 haviam fracassado os pequenos

núcleos antifascistas. No entanto, apesar da consolidação do franquismo nos anos

1950, ao final da década uma nova geração que não tinha participado da Guerra

Civil começa a propor novos debates que escapavam à dicotomia franquismo e

antifranquismo, especialmente entre os estudantes da Universidade de Barcelona,

por meio de organizações cívico políticas que retomam a defesa de um novo

catalanismo: Asociación Democrática Popular de Cataluña – ADPC; o partido

clandestino Front Obrer de Catalunya – FOC; Crist-Catalunya - CC. Também, a

partir dos anos 1960, as atividades de Jordi Pujol, posto em liberdade, passa a

difundir ideias democráticas e catalãs por meio da imprensa128.

Os últimos quinze anos da ditadura Franco foram marcados pela liberalização

econômica e pelo imobilismo político. Durante os anos 1960 e 1970 a Catalunha

viveu o maior crescimento de sua história. Além de Barcelona, Tarragona se

converte num centro industrial petroquímico de grande importância. Também houve

ainda maior aumento no capitalismo financeiro e na produção agrícola, pelo

incremento do uso de maquinário. A fragilidade econômica da Catalunha, nesses

anos, era devida porém, segundo Balcells, à dependência energética do exterior. No

campo cultural, a Catalunha não saiu ilesa dos trinta e seis anos de ditadura, havia

desaparecido, em certo sentido, como uma comunidade com identidade própria. No

entanto, as entidades cívicas e culturais catalãs, mais do que os grupos políticos

clandestinos, conseguiram criar as condições para o resgate da identidade catalã.

Por exemplo, na Universidade de Barcelona, o ensino da língua e da literatura,

catalãs, começou em 1961 como resposta às demandas dos estudantes. Em 1969

se publicava o primeiro dos quinze volumes da Gran Enciclopedia Catalana. Várias

entidades e veículos colaboraram com a retomada da identidade neste período129.

Para Cortázar, na era de Franco, a Espanha industrial periférica se impõe à

agrária, atraindo os excedentes de mão de obra camponesa no compasso da

segunda onda de industrialização dos anos 1960. Ao sul, forma-se a imagem

turística e folclórica de uma Espanha com as danças flamencas e as touradas, que

128 BALCELLS, op. cit. pp. 785-792 129 Ibid. pp. 798-805

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se fixaria na mentalidade média europeia, como um fascínio por lugares ocultos às

transformações socioeconômicas e políticas. A Espanha do franquismo será mantida,

para ele, com a imagem de um país do século XIX, com um regime político capaz de

conter e evitar “a anarquia das massas” em nome de um “nacionalismo

agonizante”130.

Desde o início dos anos mil novecentos e sessenta a oposição ao franquismo

se aprofundava na Catalunha, em torno da Universidade de Barcelona, mas também

por meio de organizações sindicais e partidos políticos clandestinos, tendo havido

também um terrorismo urbano. Os grupos antifranquistas na Catalunha assumiam

um perfil de catalanismo de esquerda, com um novo projeto nacional. Nesse

contexto foi criada a Assembleia da Catalunha que definiu os quatro pontos de

liberdade: anistia; Estado de Autonomia, coordenação dos povos hispânicos contra a

ditadura; liberdade política, sindical e nacional para a sociedade catalã. Após a

morte de Franco, esta Assembleia passou a ser vista como um instrumento para

legalizar os partidos e para a recuperação democrática131. Segundo nosso autor,

Balcells:

Entre 1971 e 1975 eram notáveis as diferenças entre o movimento antifranquista na Catalunha e a maior parte da Espanha (…) Na Catalunha, as mobilizações eram mais importantes, as esquerdas eram mais fortes e estavam menos divididas. (…) Catalunha se antecipou na constituição de uma instância unitária antifranquista. (…) Esta antecipação autônoma deu peso e prestígio ao antifranquismo catalão dentro da Espanha132.

Com relação ao catalanismo, Hobsbawm, por sua vez, afirmou que, diante

do papel repressor e centralizador do general Franco:

O catalanismo ainda pertencia fundamentalmente às classes médias locais, aos notáveis provincianos de pequenas cidades e aos intelectuais, uma vez que a classe trabalhadora militante e predominantemente anarquista, tanto catalã como imigrante, guardava certa desconfiança do nacionalismo nas bases. A literatura do movimento anarquista era deliberada e conscientemente publicada em espanhol (…). A república e a ditadura de Franco reforçariam o catalanismo de massa, o qual, nos últimos anos e desde a morte de Franco, pode realmente ter conduzido a uma mudança linguística maciça na direção do que, agora, não é apenas o idioma falado, mas uma linguagem cultural estabelecida e institucionalizada133.

130 CORTÁZAR, op. Cit. pp. 81-82 131 BALCELLS, op.cit. pp. 805-811 132 Ibid, p. 811 133 HOBSBAWN, op. cit. p. 168

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Mais ainda, Hobsbawm considera que após os anos 1970 o catalanismo foi

mais bem-sucedido que o movimento Basco porque se moveu para a esquerda,

tornou-se uma força de massa, integrando-se ao movimento trabalhista e

integrando trabalhadores imigrantes, em lugar da xenofobia basca134.

2.5.4. Pós-franquismo:

Após a morte de Franco, em 1975, as mobilizações e o conflito no trabalho

atingiam níveis muito altos. Na Catalunha, este movimento pela liberdade, anistia e

Estatuto de Autonomia indicava uma intenção política. Para atenuar as

reivindicações de autonomia, constitui-se uma comissão para criar um regime

especial para a Catalunha e se criou um Congresso para a redação do Estatuto da

Catalunha. Para a formação do Congresso, organizaram-se as primeiras eleições

democráticas depois de anos de ditadura. “O que se defendia na Catalunha não era

somente a sucessão do franquismo, mas a criação de uma administração própria e

dotada de autonomia política”, restabelecendo-se a Generalitat pré-autônoma135.

Segundo Villar, os acontecimentos de 1977 na Catalunha mostram uma

convergência de todos, ou quase todos os elementos da sociedade, na afirmação de

que “queremos o Estatuto” e, para o autor, este momento confirma um processo de

“longa duração” que pode justificar a expressão “história da Catalunha”136.

Durante o ano de 1978, enquanto se discutia a nova Constituição para

Espanha, a Catalunha defendia a criação de seu Estatuto. A nova Constituição

aprovada em referendum, aceitava pela primeira vez a possibilidade do caráter

plurinacional da Espanha, ao reconhecer a existência de diversas nacionalidades e

esboçar a compreensão das autonomias, ainda que afirmasse a “indissolúvel

unidade da nação espanhola, pátria comum de todos os espanhóis”. A Catalunha

tinha assim seu Estatuto aprovado em 1979137.”

De acordo com Montserrat, para levar nossa reflexão ao final do século XX

e início do XXI, e aspectos que trataremos no próximo capítulo:

134 Ibid. p.169 135 BALCELLS, op. cit. 819-823. 136 VILLAR, P. Op. cit. p. 32. 137 BALCELLS, op. cit. Pp. 819-822, 823

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Catalães e bascos sofreram repressão durante quarenta anos sob Franco e só recentemente o reconhecimento dos palestinos foi concedido em Israel (1994), enquanto um processo que possa levar à autodeterminação do povo curdo ainda nem se iniciou. A atual proliferação de lutas por autodeterminação em diversas partes do mundo indica que o desejo dos estados nacionais de se apresentarem como democráticos não resulta necessariamente na adoção de uma atitude de diálogo para com as minorias nacionais que eles contêm. O uso da força permanece um aspecto crucial na definição do estado nacional e sua integridade territorial nem sempre é questionada [sem negritas no original]

138.

Segundo Villar, o catalismo se tornou, ao atingir sua maturidade no século XX,

um componente principal da vida espanhola dessa centúria, como um episódio pós-

franquista139.

Ainda, de acordo com Villar, o forte desenvolvimento econômico da Catalunha

entre os anos 1960 e 70, como um “milagre” comparável ao Japão ou a Alemanha

pós Segunda Guerra Mundial deve ser considerado na análise e somada na

compreensão da estrutura política. O “dogma franquista” tinha sido, durante

quarenta anos, justamente, a unidade da Espanha como nação. Qualquer veleidade

de autonomia deveria ser condenada e considerada separatismo. Porém, com o fim

do franquismo e o retorno da democracia, implicava discutir novamente o problema

das autonomias a partir de “negociações”. Para Villar, ao ler os textos e os

resultados de todo o debate constitucionalista na Espanha pós-Franco, é

impressionante a presença de termos como “indissolúvel unidade da nação

espanhola”, “pátria comum e indivisível de todos os espanhóis” e, apesar disso, no

mesmo artigo, “direito à autonomia das nacionalidades e das regiões que a

integram”, com co-oficialidade de línguas e símbolos140.

5 CATALUNHA ENTRE SEPARATISMO E CENTRALISMO (2012-2015)

5.1 ANTECEDENTES DO PROCESSO INDEPENDENTISTA CATALÃO (1979-

2012)

Derivada do nacionalismo catalão e sendo uma influente corrente política na

região, o independentismo catalão tem uma estreita e direta integração com a União

Europeia. Assentando-se no princípio de uma “sólida nação”, prevalecendo à alusão

à história e direitos civis, o independentismo afirma e ilustra o fundamento de que

138 MONTSERRAT, Guibernau. op. cit p. 156. 139 VILLAR, Pierre. Op. cit. p. 19. 140 Ibid. p. 30.

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não se alcançará a plenitude cultural catalã, nem principalmente social, enquanto

fizer parte da Espanha. Clara e especialmente, vistos como objetivos explícitos do

Esquerra (ERC), mencionado em parágrafos anteriores, o partido esbarra e conspira

contra a Constituição Espanhola de 1978, participando ativamente na vida política

da Catalunha e de instáveis lampejos na esfera espanhola.

Portanto, representando de forma mais explícita uma preponderância

esquerdista, como pontuado anteriormente, o ERC denigre esta antiga Constituição

Espanhola, a de 1978, usando as regras do “jogo democrático” com o objetivo de

conseguir, por via pacífica, o direito à autodeterminação da Catalunha, ou seja, em

prol de alcançar a consecução da independência da comunidade autônoma

espanhola.

5.2 MANIFESTAÇÃO INDEPENDENTISTA DE 2012

Depois de ter sido celebrado em setembro de 2009, o referendo popular

referente a independência da Catalunha, tratando da vontade dos seus habitantes,

tanto cidadãos catalães e outros residentes no território, em serem independentes

da Espanha, foi realizado outro referendo, também popular (em 167 municípios).

Nessa nova consulta popular às pessoas foram convocados para responder o

seguinte questionamento, com base em uma escolha: “é a favor de que a Catalunha

seja um Estado de direito, independente, democrático e social, integrado na União

Europeia?". Sequencialmente, fora convocados para votarem nas urnas um total de

700.000 eleitores, participando na consulta 200.000 pessoas (30% do censo

populacional da região). Em expressivo e dominante resultado, o "sim" venceu com

valores pouco abaixo dos 95% dos votos, frente a escolha do "não" com 3,52% (El

País, 2009).

Posterior e consecutivamente em 2012, ocorre a manifestação Catalunya, nou

Estat d’Europa (traduzido: Catalunha, o novo Estado da Europa), dupla e

historicamente marcada por haver acontecido na Diada (o Dia da Catalunha), em

Barcelona, tornando assim consagrada como a maior manifestação da história da

comunidade autônoma, reunindo cerca de 1,5 milhões de cidadãos nas ruas.

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Convocada pela Assemblea Nacional Catalana, a mobilização se caracterizou como

um determinante e revelador ponto de inflexão nas pretensões de caráter

independentista da Catalunha, como já se havia presenciado no impacto previsto no

Estatut d’Autonomia de Catalunya de 2006 pelo Tribunal Constitucional Espanhol.

Estampado como uma etapa muito mais beligerante da sobrepujança dos catalães

na causa independetista, em setembro do mesmo ano (2012), o ex presidente da

Catalunha, Artur Mas, convoca eleições internas em prol da evidente oportunidade

em vista.

5.3 CONSULTA POPULAR E REFERENDO SOBRE A INDEPENDÊNCIA DA

COMUNIDADE AUTÔNOMA, EM 2014 (9N)

Após às manifestações históricas de setembro de 2012, o Parlamento Catalão

pede a aprovação para celebrar um novo referendo, enfatizando a pauta da

autodeterminação e posteriormente às eleições parlamentares. Em um processo

participativo sobre o futuro politico da Catalunha, empreitado por consulta popular,

de novembro de 2014, realiza-se novamente um seguinte questionário: “se quer que

a Catalunha se torne um Estado (primeiramente)? (Em caso de afirmação) Quer que

este Estado seja independente do governo central?” Com participação efetiva de

2.305.290 eleitores catalães, o equivalente a 37% do senso da população da região,

o “Sí-Sí” (votantes favoráveis a decisão) rendeu exatos 80,76% de adesão (El País,

2014).

Diante do resultado final, o 9N, criação implementado pelo presidente ex

catalão, Artur Mas, seria a alternativa legal para ultrapassar às sanções e barreiras

impostas pelo Tribunal Constitucional. Dito de outra forma, devido a impossibilidade

de obter permissão do Governo Central para a oficialização nacional do referendo

popular como comprovado anteriormente, em novembro de 2014, ele se remete às

delegações territoriais do governo, sendo possível realizer a continuidade do

processo democrático. Mantendo a mesma adequação no objetivo de suas

perguntas e automaticamente com maior participação e aceitação, o governo

espanhol apresentou mesmo assim dois recursos de inconstitucionalidade contra o

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decreto da convocatória desta consulta. Em conjuntura, na tentativa de desmantelar

a Lei de Consultas da Catalunha, a mesma acaba sendo realmente suspendido, de

maneira cautelosa e temporária por Madrid, sendo, a campanha 9N de Mas,

encaminhada para recurso contra a impugnação da atitude cometida pelo governo

da capital.

5 ELEIÇÕES GERAIS NA ESPANHA EM 2015

Artur Mas, ex presidente do Generalitat e sendo a primeira força do partido

Convergència i Unió na região, simboliza uma nova era para o “ideário

independentista” na Catalunha. Conta com o apoio dos partidos mais influentes do

Parlamento: Esquerra Republicana de Catalunya representado por Oriol Junqueras

(segunda maior força política e mais votada), Joan Herrera do Iniciativa per

Catalunya Verds, quinta força política da comunidade autônoma catalã, Joana

Ortega e Ramon Espadaler do Unió Democràtica de Catalunya, parceira de

coligação da CiU), Joan Mena da Esquerra Unida i Alternativa, parceira política de

coligação do ICV) e David Fernández juntamente com Quim Arrufat do Candidatura

d’Unitat Popular, a nona força política subnacional.

Em dezembro de 2015, ocorrem às eleições gerais espanholas na qual são

abertas 350 cadeiras para deputados destinados ao Congresso e 208 para

senadores ao Senado. Com a estrondosa e dinâmica parceria política dos principais

partidos do Generalitat feita por Artur Mas, foram garantidas uma maioria de 88

deputados dos 135 existentes no Parlamento Catalão, representação massiva e

inédita da e para a Catalunha. Mesmo não atingindo a maioria absoluta com o Partit

Popular Català (PP), partido mais votado na eleição, com 28,72% da escolha dos

eleitores separados dos outros 123 deputados restantes, este se tornou um

importante episódio para uma promissora iniciativa catalã que está por vir.

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6 Considerações Finais

Enquanto escrevemos essas linhas, a “questão da Catalunha” ocupa as

páginas dos jornais do mundo todo; as ondas das notícias de rádio e as imagens

dos telejornais. Escrever sobre a luta pela autonomia catalã é como tentar

inutilmente fotografar um objeto em movimento.

O percurso pela história da Catalunha, desde a Alta Idade Média à Constituição

de 1978, com base especialmente no livro de referência “Historia de Cataluña”,

organizado por Albert Balcells, com algumas ideias de Pierre Villar e em contraponto

com aspectos da História da Espanha de García de Cortázar, coloca-nos tanto uma

trajetória de acontecimentos que levam à formação da identidade e desejo de

autonomia da Catalunha quanto, nos mostram, ao mesmo tempo, a importância da

elaboração de uma narrativa que indique a construção dessa mesma identidade. Em

outras palavras, este percurso nos mostra tanto fatos históricos que levaram a uma

condição de autonomia da Catalunha quanto sua narrativa para afirmá-la. Temos os

fios da história trançados pela trama da historiografia.

Também foi possível observar os momentos em que Catalunha foi alvo de

acontecimentos de invasões, guerras, regimes autoritários e de alguma maneira

constitui-se como um território de lutas por liberdades em diferentes contextos.

Tendo uma síntese da história da Catalunha em mente, pudemos nos debruçar, no

capítulo 3, ao fenômeno mais contemporâneo do catalanismo, do separatismo e de

suas lutas atuais pela autonomia.

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REFERÊNCIAS

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VILLAR, Pierre. Breve Historia de Cataluña. El espejo y la lámpara. Bellaterra:

Universidad Autónoma de Barcelona, 2011.