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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA ANNA GABRIELA FILIPPINI PROST A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NO BRASIL E ANÁLISE JURISPRUDENCIAL NO ESTADO DO PARANÁ CURITIBA 2019

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

ANNA GABRIELA FILIPPINI PROST

A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NO BRASIL E ANÁLISE

JURISPRUDENCIAL NO ESTADO DO PARANÁ

CURITIBA

2019

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ANNA GABRIELA FILIPPINI PROST

A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NO BRASIL E ANÁLISE

JURISPRUDENCIAL NO ESTADO DO PARANÁ

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba.

Orientadora: Prof. Dra. Violeta Sarti Caldeira

CURITIBA

2019

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ANNA GABRIELA FILIPPINI PROST

A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NO BRASIL E ANÁLISE

JURISPRUDENCIAL NO ESTADO DO PARANÁ

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em

Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos

professores:

Orientadora: _______________________________

_______________________________

Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2019

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AGRADECIMENTOS

Ao fim dessa caminhada, agradeço primeiramente a Jesus, meu Redentor e

Salvador, que tem me guiado e protegido em todo o tempo, e, sem o qual eu não

poderia terminar essa jornada.

Agradeço também a minha família e amigos, em especial minha avó Leonir e

minha mãe Simone, que me deram força, ajuda, paciência e foram imprescindíveis

para que eu pudesse encerrar esse processo.

Meus sinceros agradecimentos à minha Orientadora Violeta Sarti Caldeira, que é

uma professora excepcional e orientadora excelente, que me apoiou, orientou,

tranquilizou e é de fundamental importância para o término desse trabalho, a qual foi

um privilégio poder ser aluna e orientanda.

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“Todos nós desejamos o progresso, mas se você está na estrada errada,

progresso significa fazer o retorno e voltar para a estrada certa; nesse

caso, o homem que volta atrás primeiro é o mais progressista.”

(C. S. Lewis)

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RESUMO

O presente trabalho visa estudar a escravidão no Brasil contemporâneo, por meio do estudo histórico da escravidão no país, as suas definições, formas de ocorrência e combate na contemporaneidade. Ainda, será realizado um estudo do tipo penal previsto no artigo 149 do Código Penal, bem como a análise da incidência da prática no Estado do Paraná, tendo em vista ser um tema pouco discutido e difundido na atual sociedade brasileira, com a justificativa de que estaria extinto, entretanto essa afirmativa não é verdadeira. Apesar de ocorrer de formas diferentes da escravidão colonial, a escravidão contemporânea tem a mesma característica, afeta a liberdade e dignidade do trabalhador, além disso, ao analisar a jurisprudência do estado do Paraná, notadamente é preciso desenvolver formas mais efetivas de punição e repressão da prática. O que se concluiu com o presente trabalho é que a escravidão ainda é um problema no Estado brasileiro, apesar de possuir projetos e formas de combate, o problema está longe acabar.

Palavras-chave: Trabalho escravo. Trabalho análogo ao de escravo. Estado do Paraná.

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ABSTRACT

The present work aims to study slavery in contemporary Brazil, through the historical study of slavery in the country, your settings, forms of occurrence and in contemporary times, still makes a study of the criminal type laid down in article 149 of the criminal code, In addition to the analysis of the incidence of the practice in the State of Paraná, in order to be a topic little discussed and disseminated in the current brazilian society,with the justification that would be extinct, however that statement is not true. Although occur in different forms of colonial slavery, contemporary slavery has the same feature, affects the freedom and dignity of the worker, in addition, to analyze the case law of the State of Paraná, notably need to develop more effective forms of punishment and repression. What if this work is concluded that slavery is still a problem in the Brazilian State, despite having designs and forms of combat, the problem is far from over.

Keywords: Slave labor. Work analogous to that of a slave. State of Paraná.

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LISTA DE QUADROS

Tabela 1 – Jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.....................62

Tabela 2 – Jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná..................63

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 – Trabalhadores resgatados no estado do Paraná....................................60

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LISTA DE SIGLAS

AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil

ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho

ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República

ANPT – Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho

ART. – Artigo

CF – Constituição da República Federativa do Brasil

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas

CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil

CNPJ – Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica

CONAETE – Coordenadoria Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo

CONATRAE – Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

CP – Código Penal

CPF – Cadastro de Pessoa Física

CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social

DETRAE – Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo

FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador

GEFM – Grupo Especial de Fiscalização Móvel

MPF – Ministério Público Federal

MPT – Ministério Público do Trabalho

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OIT – Organização Internacional do Trabalho

ONG – Organização Não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

SINAIT – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho

SIT – Secretaria de Inspeção do Trabalho

SRTb – Superintendência Regional do Trabalho

TAC – Termo de Ajustamento de Conduta

TRF4 – Tribunal Regional Federal da 4ª Região

TRT9 – Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................11

2 BREVE RELATO DA HISTÓRIA ESCRAVISTA NO BRASIL...............................12

2.1 ESCRAVIDÃO......................................................................................................12

2.2 ESCRAVIDÃO NO PERÍODO COLONIAL...........................................................13

2.3 ABOLIÇÃO...........................................................................................................16

2.4 DIREITOS TRABALHISTAS.................................................................................19

3 ESCRAVIDÃO NO BRASIL NO SÉCULO XXI.......................................................21

3.1 ESCRAVIDÃO COLONIAL E MODERNA............................................................22

3.2 O TRABALHADOR...............................................................................................25

3.3 O TRABALHO......................................................................................................28

3.4 DEFINIÇÕES LEGAIS.........................................................................................29

3.4.1 Conceitos Internacionais...................................................................................29

3.4.2 Tipo Penal.........................................................................................................33

3.4.2.1 Trabalho Forçado...........................................................................................40

3.4.2.2 Jornada Exaustiva..........................................................................................43

3.4.2.3 Condições Degradantes.................................................................................44

3.4.2.4 Restrição de locomoção por dívida contraída................................................45

4 EVIDÊNCIAS PRÁTICAS DO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO.........48

4.1 ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE COMBATE E FISCALIZAÇÃO...........................48

4.1.1 Secretaria do Trabalho......................................................................................48

4.1.2 Conatrae, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Federal............55

4.2 CASOS DE TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NO ESTADO DO PR..59

4.2.1 Índices da Prática no Paraná............................................................................59

4.2.2 Jurisprudência - TRF4 e TRT9..........................................................................62

5 CONCLUSÃO.................................................................................................,.......67

REFERÊNCIAS.........................................................................................................69

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1 INTRODUÇÃO

O trabalho análogo ao de escravo ainda é um problema na sociedade

brasileira, dessa forma, essa pesquisa busca definir o trabalho escravo

contemporâneo, além de analisar as evidências práticas de sua atual existência.

A pesquisa irá analisar historicamente a incidência do trabalho escravo no

Brasil, o qual iniciou com a escravização dos indígenas e, posteriormente, a dos

africanos, com a ocorrência do tráfico negreiro, para então observar quais as

principais divergências entre a escravidão da época colonial e a contemporânea.

Além disso, busca demonstrar a importância do trabalho e do trabalhador,

tendo em vista que o direito ao trabalho é um direito fundamental e que deve ser

garantido a todos de forma justa e digna.

Ademais, o trabalho escravo, agora chamado de trabalho análogo ao de

escravo é crime no Brasil, sendo tipificado no artigo 149 do Código Penal, o qual é

caracterizado se o trabalhador for sujeito a uma das seguintes situações: trabalho

forçado, jornada exaustiva, condições degradantes e escravidão por dívida.

Por fim, será analisada a incidência do trabalho análogo ao de escravo no

estado do Paraná, com o estudo das jurisprudências do TRF4 e do TRT9, assim

como a atuação dos órgãos administrativos e judiciais no combate a essa prática.

O trabalho análogo ao de escravo, apesar de ignorado pela sociedade, é uma

das formas mais desumanas de tratamento fornecido ao um ser humano, no qual o

empregador deturpa o trabalho e humilha o trabalhador, esse é um tema pouco

discutido e que deve ser combatido.

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2 BREVE RELATO DA HISTÓRIA ESCRAVISTA NO BRASIL

2.1 ESCRAVIDÃO

A escravidão é uma prática antiga, há relatos de sua existência já na

Antiguidade, e, em cada época, as formas poderiam variar, mas de acordo com

Jaime Pinsky1, ela pode ser definida como:

A escravidão se caracteriza por sujeitar um homem ao outro, de forma completa: o escravo não é apenas propriedade do senhor, mas também sua vontade está sujeita à autoridade do dono e seu trabalho pode ser obtido até pela força. (...) Na escravidão, transforma-se um ser humano em propriedade de outro, a ponto de ser anulado seu próprio poder deliberativo: o escravo pode ter vontades, mas não pode realizá-las.

A partir disso, se verifica como essa prática submete um ser humano a outro,

retirando dele um dos direitos mais importantes inerentes ao homem: a liberdade.

Joaquim Nabuco (NABUCO, 1988), nascido em 1849, cresceu durante o

período escravista, e apesar de viver numa época em que a escravidão era normal,

ele foi um dos maiores defensores do abolicionismo, em seu livro Escravidão, traz

aos leitores o entendimento de que o escravismo é um dos piores crimes da

humanidade, não existindo outro tão humilhante e perverso quanto o de escravizar

outro homem, defende ainda que essa prática faz com que a sociedade regrida e

perca seus valores morais já construídos pelas sociedades anteriores. Para ele, a

escravidão degrada a alma do escravo e do senhor, o primeiro que é humilhado e

desonrado por outro o homem e o segundo que castiga e humilha o outro como um

animal, visando a satisfação dos seus interesses. Para o autor, a escravidão tem o

poder de matar o escravo não apenas fisicamente, por meio do assassinato, mas no

pensamento, sendo essa uma das características imprescindíveis ao homem.

1 PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010, p 11, Ed. 21

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Para Nabuco2, a escravidão deturpa o significado da religião, da moral, da

propriedade, assim como do trabalho, conforme trecho de seu livro:

Do trabalho, o mais nobre dos esforços, faz ela a mais rebaixada das ocupações; a atividade que trazia em próprio arbítrio o caráter da liberdade, tornou-se, na sociedade, servil, como se a sociedade fosse outra coisa mais que o meio do desenvolvimento das atividades livres. Pelo trabalho, que ficou sem estímulo e sem escrúpulo, atacou à escravidão a produção, a riqueza, a segurança nacional (...).

Além disso, segundo Nabuco3, a escravidão, na sua torpeza, viola o direito à

família:

A família, como o direito à família, não é violado nela, como a mesma família não é ultrajada e vilipendiada a escravidão ataca-a porque não a permite, porque a relaxa, porque a dissolve: ataca a família na dignidade da mãe porque a açoita, na honra da mãe porque a viola, no amor da mãe porque apaga-o, na vida da mãe porque a rouba, ataca a família no pai que não reconhece, no filho, que faz na infância já o domínio de um senhor, porque o furta, porque o separa, porque o incita contra a mãe: na filha porque a desonram: ataca enfim a família na família toda, que é um ajuntamento, um concubinato quando não é um incesto.

A escravidão é um dos crimes mais violentos da humanidade e por onde

passa, deixa vestígios nas civilizações, e, no Brasil, não foi diferente, foi um marco

importantíssimo na história, o qual reflete na formação estrutural do país e que gerou

consequências que perduram até hoje e permanecem presentes no cotidiano dos

brasileiros.

2.2 ESCRAVIDÃO NO PERÍODO COLONIAL

A escravidão no Brasil tem início em 1500, no período de colonização das

terras por Portugal, com a escravização dos povos indígenas. Conforme, o autor

Jaime Pinsky (PINSKY, p.17), a relação entre os portugueses e os índios inicia-se

2 NABUCO, Joaquim. A Escravidão. Recife: Editora Massangana, 1988, p. 31 3 Ibid, p.31.

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com a sistemática de trocas, ou seja, os portugueses forneciam a eles os mais

diversos objetos que eram desconhecidos desse povo, em troca da força de trabalho

indígena e de produtos tropicais brasileiros, entretanto quando esse sistema de

trocas passou a ser ineficaz, os portugueses passaram a escravizar os indígenas. A

violência aos índios não se restringiu à escravidão e aos assassinatos, ela se

estendeu em destruir a cultura, os costumes, em sumo, a identidade indígena. O

sentimento dos colonizadores era de que, aqueles homens encontrados, além de

serem inferiores, eram também propriedade de Portugal e que poderiam ser

utilizados de acordo com seus interesses. Por conta disso, os milhares de índios que

viviam no Brasil foram praticamente exterminados.

A colonização era altamente lucrativa para Portugal, a terra descoberta era

vasta e produtiva, e num primeiro momento, a produção do açúcar, produto

valorizado e cobiçado na época, era o grande produto exportado pela Colônia, como

afirma José Murilo de Carvalho4: “Essa produção tinha duas características

importantes: exigia grandes capitais e muita mão-de-obra.”, portanto a partir da

necessidade de grande mão de obra, iniciou-se no século XVI, o período de tráfico e

escravização dos africanos, prática que perdurou por um longo período da história

brasileira, tendo em vista que não era mais interessante para Coroa escravizar os

indígenas, como demonstra Pinsky5:

(..)De qualquer forma, mesmo relativizada, a questão é válida: por que o negro, se o índio poderia ser escravizado? Vários argumentos se colocam aí: a fraca densidade demográfica da população indígena no Brasil; o fato de as tribos ficarem cada vez mais arredias, a partir da percepção do interesse do branco em escraviza-las; a dizimação dos indígenas por meio da superexploração de sua força de trabalho; a proteção jesuíta etc.

Além disso, outro motivo para escravizar os africanos e não mais os

indígenas, era o alto lucro que o tráfico negreiro gerava aos portugueses, sendo

realizado por meio do escambo, os europeus, ao chegarem no continente africano

efetuavam a troca de especiarias, como por exemplo: armas, tabaco e algodão por

4 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania do Brasil – O Longo Caminho. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2008, p. 18, Ed. 10. 5 PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010, p 20, Ed. 21.

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africanos. Os escravos trazidos nos tumbeiros, nome dado aos navios negreiros, que

conseguiam sobreviver a viagem, ao chegarem na Colônia eram vendidos por altos

preços, e, assim o comércio de escravos era uma das atividades mais lucrativas da

época, além de gerar grande quantidade de mão-de-obra. Assim, inicia-se o período

de escravidão de milhares de africanos, trazidos a força de sua terra natal, em

condições degradantes e desumanas, das quais muitos não sobreviveram.

Com a vinda dos escravos africanos, eles rapidamente passaram a estar

presentes em toda sociedade colonial, tanto na região urbana, quanto rural, e

desempenhavam as mais diversas funções. A mentalidade escravista estava tão

enraizada, que os escravos que eram libertos, muitas vezes, passavam a ser

proprietários de escravos.

Os escravos não possuíam direitos civis como: vida, liberdade, dignidade,

essas garantias não pertenciam a essa classe, tendo em vista que, considerados

propriedades e não pessoas com direitos, muito menos cidadãos, sendo assim,

eram vendidos, comprados e alugados. Entretanto, os donos dos escravos, em tese,

deveriam dar-lhes um bom tratamento, tendo em vista serem parte do patrimônio

dos donos. Além disso, a legislação portuguesa regulava a forma de tratamento que

os escravos deveriam receber quando descumpriam ordens, a lei dispunha que a

punição não poderia ser desproporcional ao ato cometido pelo escravo, entretanto

essas leis não eram cumpridas pelos donos, como demonstra Pinsky6:

O fato é que para o proprietário os escravos eram vistos antes como propriedade do que como seres humanos. Dessa forma, achavam-se no direito de descumprir leis que considerassem atentatórias à sua condição de donos; não reconheciam na Coroa portuguesa autoridade para limitar aquilo que consideravam seus direitos: propriedade absoluta sobre o escravo, condições de vendê-lo, trocá-lo, ou até libertá-lo e, principalmente de puni-lo até a morte, se não tivesse rendendo tudo aquilo que dele era esperado.

Portanto, a relação entre escravos e senhores, era a de total repressão de um

sobre o outro, sem qualquer limitação do poder do senhor sobre a sua propriedade,

o escravo.

6 PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010, p 68, Ed. 21.

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Os escravos africanos eram os grandes responsáveis pela economia da

época, não apenas pelo fato de serem propriedades, ou seja, sinônimo de riqueza,

mas por serem eles as pessoas que desempenhavam a grande parte do trabalho da

época, principalmente, por serem os protagonistas na produção do açúcar e em

seguida do café, tendo em vista serem essas duas as principais atividades de

exportação do país, a economia dependia dos escravos, não esquecendo também,

do grande lucro que o tráfico negreiro gerava.

2.3 ABOLIÇÃO

A escravização dos negros africanos se estendeu por séculos, apesar de

fatos importantes como, a pressão da Inglaterra para que o Brasil acabasse com a

prática do tráfico negreiro, e a independência do Brasil, em 1822, a prática

escravista permaneceu inabalável, pois como dito acima, ela era parte da estrutura

do país, e mantê-la era de grande importância para a economia.

Foi somente, em 1850, após grande pressão inglesa, que, finalmente, o

governo brasileiro deu o primeiro passo relevante no processo de libertação dos

escravos com a promulgação da Lei Eusébio de Queirós, a qual proibiu o tráfico de

escravos no país, num primeiro momento a lei não obteve resultados satisfatórios,

pelo contrário, incentivou o tráfico de negros da África, além de aumentar a

incidência do tráfico interno de escravos. Após 20 anos, da promulgação dessa lei, a

questão dos escravos voltou a ser discutida, já que o país passou a ser alvo de

críticas internacionais por ainda manter um regime escravocrata, sendo assim, em

1871, foi promulgada a Lei do Ventre Livre7 (Lei 2.040/1871), a qual tornava livre o

filho nascido de mulher escrava, conforme seu artigo primeiro: “Art. 1º Os filhos de

mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados

de condição livre.” Apesar de seu caráter pouco relevante, pois determinava que as

crianças nascidas teriam de ficar sob o cuidado da mãe e do senhor até os 18 anos,

e que poderiam trabalhar para ele até os 21 anos de idade, essa lei permitiu um

7BRASIL. Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871. Lei do Ventre Livre Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM2040.htm> Acesso em: 11 de setembro de 2018.

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avanço ao analisar o aspecto moral, já que a partir disso, ninguém mais nasceria

escravo, como afirma Carlos Homero Vieira Nina (NINA, 2010, p. 71).

O país continuou o processo de abolicionismo e em 1885, mais uma lei

emancipatória foi promulgada, a Lei do Sexagenários, a qual tornava livre os

escravos com 60 anos ou mais.

Apesar da resistência dos proprietários de escravos frente ao abolicionismo,

tendo em vista a clara dependência econômica do país ao regime escravocrata,

ainda argumentavam que esse movimento feria seus direitos, conforme Carlos

Homero Vieira Nina8:

A resistência, no entanto, era grande, já que a luta do Abolicionismo era para eliminar o direito à propriedade escrava, sem onerar as finanças públicas, o que implicava em não indenizar os proprietários de escravos. Estes, então, se opunham à ideia, tendo em vista que o movimento feria o pacto social nacional, expresso na Constituição de 1824, que garantia a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que têm por base a liberdade, a segurança individual e de propriedade.

Esse discurso demonstra, claramente, que para eles, os escravos se

resumiam em apenas propriedades a serem protegidas do governo, que com suas

ações tentava tomar a força aquilo que lhes pertencia. Parece irreal que parte da

sociedade da época defendia a escravidão como um direito.

Porém, não obstante a resistência, no ano de 1888, devido à grande pressão

internacional, ao ganho de força do movimento abolicionista no Brasil e a chegada

de trabalhadores imigrantes, finalmente, foi publicada a Lei Áurea (Lei 3.353/1888),

que declarou extinta a escravidão no Brasil.

Apesar de promulgada a Lei que aboliu o regime escravocrata no país, as

consequências desse ato foram muito mais formais, do que efetivamente práticas,

pode se dizer que no âmbito formal os ex-escravos adquiriram direitos civis, contudo

a realidade foi bem diferente.

8 NINA, Carlos Homero Vieira. Escravidão ontem e hoje: aspectos jurídicos e econômicos de uma atividade indelével sem fronteira. Brasília, 2010, p 71.

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Para os escravos, agora libertos, não foi dado pelo governo nenhum suporte e

nenhuma política de inserção dessas pessoas na sociedade, da noite para o dia

eram livres, mas também desempregados e sem moradia, uma das alternativas

possíveis para eles seria o regresso as fazendas, como afirma José Murilo de

Carvalho9:

No Brasil, aos libertos não foram dadas nem escolas, nem terras, nem empregos. Passada a euforia da libertação, muitos ex-escravos regressaram a suas fazendas, ou a fazendas vizinhas, para retomar o trabalho por baixo salário. Dezenas de anos após a abolição, os descendentes de escravos ainda viviam nas fazendas, uma vida pouco melhor do que a de seus antepassados escravos.

Aqueles que não regressaram às fazendas e foram para as cidades,

passaram a fazer parte da população miserável, sem condições e que lutava por

empregos braçais e de pouca remuneração. Ou seja, a abolição libertou os escravos

do regime de servidão, mas, efetivamente, não trouxe liberdade política, econômica

ou social, continuavam escravos das más condições de vida e da exploração.

Uma explicação para essa liberdade relativa, que formalmente havia libertado

os escravos, mas, na realidade, os manteve presos, segundo José Murilo de

Carvalho (CARVALHO, 2008), é que diferente de outros movimentos abolicionistas

como o Europeu e o norte-americano — nos quais os fundamentos para a abolição

eram a proteção do indivíduo, tendo como base a interpretação de que a liberdade é

um preceito fundamental do cristianismo, e, além disso, a Declaração de Direitos, a

qual afirmava ser a liberdade um direito fundamental de todos, portanto não seria

coerente retirar esse direito de parte da sociedade — o movimento abolicionista no

Brasil, teve como base dos seus fundamentos a razão nacional, isto é, defendia a

abolição, pois essa seria vantajosa e fundamental para o desenvolvimento do país,

para a criação de uma nação, de uma consciência cidadã, para o avanço das

classes sociais e do mercado de trabalho, discursos defendidos por José Bonifácio e

Joaquim Nabuco, defensores do abolicionismo. Portanto, a ideia de abolição no

Brasil, teve como interesse o avanço do Estado brasileiro, e não a defesa dos

9CARVALHO, José Murilo de. Cidadania do Brasil – O Longo Caminho. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2008, p. 52, Ed. 10.

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direitos individuais, com isso, percebe-se o motivo pelo qual a abolição não teve

consequências práticas na concessão da liberdade aos ex-escravos, e a razão

deles, em maioria, terem continuado a viver de forma miserável.

A escravidão gerou consequências na formação da cidadania brasileira, os

escravos, grande parte da população brasileira, não tinham seus direitos

reconhecidos pelos grandes proprietários, nem por eles próprios, tendo em vista

que, antes da abolição, muitos escravos libertos passavam a possuir escravos, ou

seja, lutavam por sua liberdade, mas não pela liberdade do próximo, além disso os

senhores não viam os escravos como sujeitos de direito e ainda acreditavam que

tinham direito de possuir privilégios, a igualdade não foi, e ainda está longe ser, algo

que possua significado na sociedade brasileira, portanto a ideia de cidadania, no

Estado brasileiro, foi altamente prejudicada, pois a consciência dos direitos e

deveres inerentes aos cidadãos foi algo distante dessa época.

2.4 DIREITOS TRABALHISTAS

Desde a abolição em 1888, não ocorreram grandes mudanças nas condições

de tratamentos dos trabalhadores, incluindo nessa categoria, agora, os ex-escravos,

continuavam trabalhando, conforme era determinado pelos donos de terras e de

indústrias, sem terem direitos ou garantias. Foi a partir da Revolução de 1930, a qual

colocou Getúlio Vargas no poder, que os direitos trabalhistas passaram a receber

atenção, nesse mesmo ano foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,

tendo como enfoque principal a área trabalhista, no ano seguinte, foi criado o

Departamento Nacional do Trabalho; em 1932, foi decretada a jornada de oito horas

no comércio e na indústria, assim como a regulamentação do trabalho feminino, e

infantil, nesse mesmo ano, houve a criação da carteira de Trabalho, das Comissões

e Juntas de Conciliação e Julgamento. Nos anos que se seguiram, foi

regulamentado o direito a férias, estipulada a competência do governo na regulação

das relações trabalhistas, adotado o salário mínimo, além disso, a criação da Justiça

do Trabalho, e finalmente em 1943, houve a criação da CLT (Consolidação das Leis

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Trabalhistas), uma codificação de todas as leis trabalhistas criadas até o momento,

além da criação de sindicatos e direitos previdenciários.

Apesar do grande avanço no aspecto trabalhista, esses direitos não atingiram

toda população, como afirma José Murilo de Carvalho10:

Ao lado do grande avanço que a legislação significava, havia também aspectos negativos. O sistema excluía categorias importantes de trabalhadores. No meio urbano, ficavam de fora todos os autônomos e todos os trabalhadores (na grande maioria, trabalhadoras) domésticos. Estes não eram sindicalizados nem se beneficiavam da política de previdência. Ficavam ainda de fora todos os trabalhadores rurais, que na época ainda eram maioria. Tratava-se, portanto, da política social como privilégio e não como direito. Se ela fosse concebida como direito, deveria beneficiar a todos da mesma maneira. Do modo como foram introduzidos, os benefícios atingiam aqueles a quem o governo decidia favorecer, de modo particular aqueles que se enquadravam na estrutura sindical corporativa montada pelo Estado.

Deste modo, ainda com os avanços, parte da população não foi beneficiada

por esse desenvolvimento social, como por exemplo a possibilidade de

sindicalização dos trabalhadores rurais, a qual só foi introduzida em 1963, no

governo militar.

Assim, os direitos trabalhistas evoluíram e permanecem em constante

mudança, de acordo com os interesses de quem está no poder.

10 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania do Brasil – O Longo Caminho. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2008, p. 114, Ed. 10.

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3 ESCRAVIDÃO NO BRASIL NO SÉCULO XXI

Como visto, apesar do surgimento dos direitos trabalhistas, nem toda

sociedade brasileira usufrui desses direitos, tendo em vista a grande desigualdade

social, muitas pessoas por necessidade são obrigadas a aceitar trabalhos informais,

nos quais não há carteira assinada, e nem a garantia dos direitos previstos na

Consolidação das Leis Trabalhistas.

Além disso, há no Brasil um grande desrespeito às leis trabalhistas, mesmo

nas hipóteses em que o trabalhador possui um emprego formal e com todas as

garantias, os empregadores desrespeitam as normas previstas sobre horários,

salários, etc., isso pode ser percebido pelo grande número de reclamatórias

trabalhistas, acerca disso José Cláudio Monteiro de Brito Filho11, afirma: “ [...] Não

basta, então, apenas reconhecer que existem esses direitos mínimos, é preciso

transportá-los para o domínio do Direito, reconhecendo sua obrigatoriedade.” e

continua12: “Sob a óptica da formalidade, de qualquer sorte, a situação dos direitos

mínimos do trabalhador no Brasil é relativamente favorável. No plano real, todavia, a

situação é bem diferente.”

Portanto, apesar de serem previstos direitos mínimos aos trabalhadores,

muitas vezes não evoluem do campo formal para o material, sendo meramente leis

escritas e não praticadas, Brito Filho13, em seu livro Trabalho Decente, discorre

sobre essa lacuna entre as normas formais e a aplicação delas de fato:

Somente quando o Poder Judiciário e a sociedade conscientizarem-se de que todos os esforços devem ser dirigidos ao combate à desigualdade e à miséria, o primeiro efetivamente executando as políticas públicas previstas no texto constitucional, e realmente engajado em ação que objetive garantir o trabalho decente, poderemos ter chance de avançar no cumprimento da segunda dimensão dos Direitos Humanos, a dimensão material, dando sentido e realidade às demais.

11 FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p. 76, Ed. 4. 12 Ibid., p. 79. 13 Ibid., p. 83.

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Diante desse cenário de desigualdades e de descumprimento de direitos

básicos do trabalhador, no qual não há de forma efetiva uma proteção aos seus

direitos, é possível entender a persistência do trabalho escravo, mesmo após mais

de um século desde abolição.

Desse modo, a escravidão no Brasil persiste, porém de forma diferente, assim

serão tratadas, adiante, algumas das divergências entre a escravidão do período

colonial e a escravidão moderna.

3.1 ESCRAVIDÃO COLONIAL E MODERNA

Apesar da escravidão continuar sendo um problema, ela não permaneceu igual

àquela praticada nos séculos anteriores, houve mudanças, a sua forma de

ocorrência mudou, porém, o objetivo é o mesmo, o lucro.

Diferente do que ocorria antigamente, ela não é mais caracterizada por

correntes, chibatadas ou a compra e venda de pessoas como mercadoria, naquela

época, o escravo fazia parte do patrimônio pessoal de seu dono, além de possuir

alto valor econômico. O escravizado, agora, é outro, não é mais a cor da pele o fator

principal, mas sua origem e condição econômica, não há mais compra e venda, mas

sim o aliciamento de pessoas com a promessa de uma vida melhor, a sua prisão

muitas vezes se dá de forma moral, por meio de dívidas, e principalmente, se o

escravo antes era caracterizado pelo seu alto valor econômico, agora a sua

característica é o desvalor, pode ser substituído a qualquer tempo, não importa se

adoecer ou vier a falecer, ele não tem valor algum para o seu “dono”.

A característica central desse novo modelo de escravização é o cerceamento à

liberdade do indivíduo, seja por meio da coação física ou moral, é a retirada de um

dos atributos principais do ser humano, seu poder de escolha.

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Assim afirma Ricardo José Fernandes de Campos14, em seu artigo:

Todavia, a escravidão contemporânea ocorre de forma mais cruel e sutil que aquela abolida pela Princesa Isabel em 1888: os escravos modernos são pessoas descartáveis, sem valor agregado à produção – simplesmente não custam nada, não valem nada e por isso, não merecem nenhum tipo de cuidado ou garantia de suas vidas.

Apesar de passar despercebida na atual sociedade, a prática da escravidão

contemporânea se utiliza de meios inescrupulosos para acontecer, tendo em vista

utilizar pessoas em condições de vulnerabilidade, miseráveis e marginalizadas pela

sociedade, as quais, sem opção de escolha, acabam se sujeitando a formas

desumanas de trabalho.

A ONG Repórter Brasil15 traçou, com base no sociólogo norte-americano

Kevin Bales, um paralelo entre os dois sistemas de escravização no Brasil, na antiga

escravidão, era permitido que os cidadãos tivessem a propriedade dos escravos; o

custo por eles era extremamente alto, sendo medida a riqueza de alguém pela

quantidade de escravos; os lucros eram baixos, tendo em vista os custos pela

manutenção dos escravos, a quantidade de mão-de-obra era escassa, já que para

adquirir mais escravos, eles dependiam do tráfico negreiro, a prisão dos índios, ou o

nascimento de escravos. Bales dizia que, em 1850, um escravo era vendido por

aproximadamente R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais); o relacionamento dos

donos e dos escravos era longo, durando a vida toda dos escravos e estendendo-se

até seus descendentes; nessa época, as diferenças étnicas eram de extrema

relevância para a escravização; além disso, utilizavam de ameaças físicas,

psicológicas, punições, agressões e assassinatos para manter a ordem. Na nova

escravidão, como é chamada pela ONG, a propriedade dos escravos é proibida; o

14CAMPOS, Ricardo José Fernandes de. Trabalho Escravo: A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO. Servidão por Dívida: “truck system”. Aliciamento e Transporte de Trabalhadores: Responsabilidade do Empregador e do Intermediador. Responsabilidade Penal, Administrativa e Penal. o Papel do Brasil no Combate ao Trabalho Escravo. Disponível em: < http://trt9.jus.br/portal/arquivos/1559174 >. Acesso em: 16 out. 2018. 15 REPÓRTER BRASIL. Comparação entre a nova escravidão e o antigo sistema. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/trabalho-escravo/comparacao-entre-a-nova-escravidao-e-o-antigo-sistema/ Acesso em: 16 out. 2018

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custo por eles é muito baixo, tendo em vista que não há gastos com a compra deles;

os lucros são extremamente altos, já que não são cumpridos seus direitos e,

portanto, se ficam doentes, podem ser dispensados; a mão-de-obra é descartável,

pois há uma grande quantidade de pessoas desempregadas que se sujeitam a isso

ou podem ser facilmente enganadas; o relacionamento entre patrão e trabalhadores

é curto, sendo que, ao fim do serviço, podem ser descartados facilmente, não sendo

mais necessário prover o seu sustento; na nova escravidão, as diferenças étnicas

são pouco relevantes, quem se torna escravo são pessoas pobres e miseráveis,

independente de cor, e, para manter a ordem o método é o mesmo, ameaças físicas,

psicológicas, punições, agressões e assassinatos.

Acerca disso, concluiu Fernando Soares Bastos16 em seu artigo, o Trabalho

Escravo Contemporâneo no Brasil e a Evolução das Políticas Públicas de Proteção

aos Trabalhadores:

De fato, atualmente, no Brasil a escravidão não se dá mais pela propriedade de um ser humano sobre o outro, mas pelo oportunismo de alguns indivíduos que se valem das condições de miséria em que ainda se encontram inúmeros brasileiros para auferir proveitos exclusivamente pessoais e mesquinhos a qualquer custo, desprezando os valores fundamentais da dignidade da pessoa humana.

Isto posto, é evidente as diferenças existentes entre os dois modelos

praticados no país, sendo similares, quase que exclusivamente, no que diz respeito

à violação da dignidade da pessoa humana.

Ademais, o modelo de escravidão praticado, atualmente, não é mais chamado

de trabalho escravo, tendo em vista que legalmente não existe mais a figura do

escravo, sendo a prática denominada de trabalho análogo ao de escravo, como

defende Carlos Henrique Borlido Haddad17:

A condição de escravo, em verdade, está abolida porque ninguém pode ser juridicamente considerado como tal. Uma coisa é o escravo sobre o qual se

16 BASTOS. Fernando Soares. O Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil e a Evolução das Políticas Públicas de Proteção aos Trabalhadores. 2013. p 123. 17 HADDAD. Carlos Henrique Borlido - Aspectos penais do trabalho escravo. 2013. p.52

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exercia o direito de propriedade; outra é o trabalho dele, exercido em condições similares aquelas de tempos idos.

Com isso, o que se tem não é mais a figura do escravo como mercadoria, no

qual ele possuía valor em si, gerando riqueza e circulação da moeda apenas pela

sua existência, por meio do comércio e do tráfico, mas nesse novo modelo do

trabalho análogo ao de escravo, o lucro e a riqueza são gerados por meio da

exploração do trabalho, o foco está no trabalho que o trabalhador irá desempenhar,

resultando em lucros altíssimos, tendo em vista ser o custo de produção baixíssimo

já que nenhuma norma trabalhista é respeitada, muito menos as condições básicas

de dignidade.

3.2 O TRABALHADOR

Como visto, devido as condições de miserabilidade em que vive boa parte da

sociedade brasileira, muitos brasileiros se sujeitam a trabalhos desumanos, por falta

de opção, pois precisam sobreviver. Muitos deixam suas casas e famílias, com o

sonho de uma vida melhor e acabam se deparando com uma realidade bem

diferente do que esperavam. Portanto, o trabalho escravo atual não diz respeito

apenas a problemas jurídicos, sociais, como discorre Fernando Soares Bastos18:

O dilema atual deixa de estar restrito ao campo jurídico da legalidade para adentrar em questões sociais, ainda mais complexas, nas quais homens, mulheres, crianças, adolescentes e idosos “voluntariamente” abdicam de seus direitos fundamentais constitucional e legalmente resguardados em prol da sobrevivência.

A falta de emprego é um dos fatores primordiais para que a realidade do

trabalho escravo persista no país, além de gerar um discurso de que é melhor ter um

18 BASTOS, Fernando Soares. O Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil e a Evolução das Políticas Públicas de Proteção aos Trabalhadores. 2013. p 121.

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emprego em condições miseráveis do que não possuir emprego nenhum, como

coloca José Cláudio Brito Filho19:

O pior de tudo é que a falta de trabalho acaba gerando o discurso de que é necessário reduzir as condições de trabalho existentes para acolher os trabalhadores excluídos do mercado, em lógica que somente favorece a concentração de riqueza e o alargamento das desigualdades.

Logo, apesar de terem ocorrido mudanças na forma de ocorrência do trabalho

escravo, agora trabalho análogo ao de escravo, ele continua sendo uma situação

desumana. Do trabalhador sujeito a esse tipo de situação são roubadas

características inerentes a sua condição de ser humano, ele é tratado apenas como

um meio descartável para se chegar ao fim máximo, como já dito, o lucro.

Porém, diferente do que o trabalho escravo tem imposto o ser humano deve

ser um fim em si mesmo e não meio para o fim, acerca disso discorre Kant20, na

Fundamentação da Metafísica dos Costumes:

O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas acções, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem // a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como fim. [...] Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (1 ) (e é um objecto do respeito).

Como Kant afirma, o ser humano não pode ser um meio para atingir um fim, a

ele é inerente direitos básicos, além de ser um direito natural de todas as pessoas a

dignidade, o direito posto, no caso a Constituição Federal ainda prevê direitos

19 FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p. 51, Ed. 4. 20 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Disponível em: <https://ufpr.cleveron.com.br/arquivos/ET_434/kant_metafisica_costumes.pdf> Acesso em: 16 out. 2018

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fundamentais, dos quais todo e qualquer indivíduo é merecedor independente de

seu estado social ou econômico, como previsto no artigo 5º da Constituição

Federal21:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].

Ao ser submetido ao trabalho análogo ao de escravo esse direito natural e

legal é deixado de lado, assim, essa pessoa passa a ter a natureza de meio, não

mais de fim.

Ainda, José Cláudio Monteiro de Brito Filho22, cita a Teoria da Justiça

desenvolvido por Rawls, na qual coloca o indivíduo na centralidade de sua teoria:

Revelam, também, uma opção pelo indivíduo, ou melhor dizendo, por todos os indivíduos, pois a concepção desenvolvida por Rawls não aceita que um ser humano sobrepuje outro, condenando ainda desigualdades que importem em prejuízos aos demais, ou, ao menos, aos que são menos favorecidos. Essa parte da concepção de Rawls, quero salientar, é de suma importância para utilização, por nós, de sua teoria, pois não conseguimos conceber uma ideia de justiça que não leve em consideração cada um dos indivíduos, considerados, portanto, como seres únicos e detentores, somente pela sua condição de pessoas, de um mínimo de direitos.

O ser humano deve ser priorizado em sua essência, e tratado de forma

digna, contudo o trabalho escravo ou análogo ao de escravo retira de forma violenta,

toda e qualquer dignidade inerente ao indivíduo.

21BRASIL.Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 16 de out. 2018 22 FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p. 63, Ed. 4.

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3.3 O TRABALHO

Todo ser humano tem direito ao trabalho decente, não se trata de um

privilégio, mas um direito, apesar de muitos não possuírem a chance de tê-lo. Acerca

do trabalho, Brito Filho (BRITO FILHO, 2016), traz características de um trabalho

decente, haja vista serem direitos mínimos de qualquer trabalhador, sendo elas:

Direito ao trabalho, qual seja um direito inerente a todos, tendo em vista a

importância do trabalho na vida do ser humano, nem todos têm a chance de exercê-

lo, de forma a conseguir através de seu esforço a sua subsistência e de sua família.

O trabalho vai além de apenas uma forma de garantir o sustento, para

Leonardo Vieira Wandelli23 é um direito humano e fundamental, tendo importante

papel na identidade do ser humano, para ele:

O trabalho humano é visto enquanto atividade intencional de transformação do real no curso da qual se dá a descoberta e o desenvolvimento das potencialidade humanas; intercâmbio orgânico com a natureza, pela qual o homem, produzindo valores de uso e interagindo com o mundo material, também transforma-se e se revela-se a si mesmo, como sujeito, e à totalidade social, intersubjetivamente. Assim, o trabalho é o primeiro elemento que conforma a capacidade do ser humano para autorrealizar-se individual e comunitariamente.

Consequentemente, o trabalho não é apenas o meio para sua subsistência,

mas possui valor em si mesmo. Como é possível perceber no trecho da canção de

Gonzaguinha, “Um homem também chora”24:

Um homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida E vida é trabalho E sem o seu trabalho O homem não tem honra E sem a sua honra

23 WANDELLI, Leonardo Vieira. O Direito Humano e Fundamental ao Trabalho: Editora LTr, 2012, p. 59-60. 24GONZAGUINHA. Um homem também chora (Guerreiro menino). 1983. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/gonzaguinha/250255/> Acesso em: 30 out. 2018.

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Se morre, se mata Não dá pra ser feliz Não dá pra ser feliz

Ainda, o trabalhador tem o direito de escolher o seu trabalho, todo indivíduo

possui o direito de desempenhar o trabalho que desejar, acerca disso o art. 5º da

CF25, dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Além disso, todos devem possuir igualdade de oportunidades para adquirir e

exercer o trabalho, sem discriminações, afirmação essa distante da realidade,

quando o nível de desigualdade no Brasil é elevadíssimo.

Ademais, são direitos do trabalhador: o direito de exercer o trabalho sem

prejudicar sua saúde; o direito de receber justa remuneração e de possuir condições

de trabalho justas, com limitação de jornada e intervalos.

Esses são direitos básicos inerentes a todo trabalhador, porém há uma grande

parcela da população brasileira que não tem acesso a eles, e muitas vezes são

submetidos a trabalhos que estão longe de ser trabalhos decentes, como a condição

análoga à de escravidão.

3.4 DEFINIÇÕES LEGAIS

3.4.1 Conceitos Internacionais

25BRASIL.Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 30 de out. 2018

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A escravidão é uma pauta importante no contexto mundial, órgãos

internacionais como a OIT – Organização Internacional do Trabalho e a ONU –

Organização das Nações unidas, possuem pautas de combate e de definição do

trabalho escravo. Diante disso, algumas das definições internacionais de escravidão

servem como base para o Brasil, para delimitar quais atos se enquadram nesse na

prática de submeter alguém a condição análoga a de escravo.

Em 1926, foi assinada em Genebra a Convenção Sobre a Escravatura26 da

Organização das Nações Unidas, a qual foi promulgada no Brasil pelo Decreto

Legislativo nº 66, de 1965. Nessa Convenção foi trazido o conceito de escravidão e

de tráfico de escravos, em seu artigo 1º como:

Artigo 1º: Para os fins da presente Convenção, fica entendido que: §1. A escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade. §2. O tráfico de escravos compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de um indivíduo com o propósito de escravizá-lo; todo ato de aquisição de um escravo com o propósito de vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão, por meio de venda ou troca, de um escravo adquirido para ser vendido ou trocado; assim como, em geral, todo ato de comércio ou de transporte de escravos.

Ainda, dispõe sobre o trabalho forçado ou obrigatório, os quais resultem em

trabalho análogo à escravidão27:

Artigo 5º: As Altas Partes contratantes reconhecem que o recurso ao trabalho forçado ou obrigatório pode ter graves consequências e se comprometem, cada uma no que diz respeito aos territórios submetidos à sua soberania, jurisdição, proteção, suserania ou tutela, a tomar as medidas necessárias para evitar que o trabalho forçado ou obrigatório produza condições análogas à escravidão.

Ademais, determina que os países-membros devem se comprometer a tomar

as medidas necessárias, principalmente para combater o tráfico de escravos e

promover a abolição completa da escravidão, conforme28 seu artigo 2º:

26CONVENÇÃO Relativa à Escravatura. Genebra. Assinada em 25 de set. de 1926. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/ConvRelEsc.html>Acesso em: 30 de out 2018 27Ibid.

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Artigo 2º: As Altas Partes contratantes se comprometem, na medida em que ainda não hajam tomado as necessárias providências, e cada uma no que diz respeito aos territórios colocados sob a sua soberania, jurisdição, proteção, suserania ou tutela: a) A impedir e reprimir o tráfico de escravos. b) A promover a abolição completa da escravidão sob todas as suas formas, progressivamente e logo que possível.

Os esforços para combater a prática continuaram, e, em 1948, na Declaração

Universal dos Direitos Humanos29, da qual o Brasil é signatário, foi disposto sobre a

proibição do trabalho escravo: “Artigo 4º Ninguém será mantido em escravidão ou

servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas

formas.” Em 1966, o Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos30, aprovado pelo

Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n° 226, de 1991, mais uma vez

a comunidade internacional dispõe sobre trabalho escravo e forçado:

Artigo 8º - 1. Ninguém poderá ser submetido á escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em todos as suas formas, ficam proibidos. 2. Ninguém poderá ser submetido à servidão. 3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios

Ainda, a Organização Internacional do Trabalho discorreu sobre a matéria em

dois documentos, na Convenção sobre Trabalho Forçado nº 2931, de 1930, aprovada

pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 24, de 1956, a qual determina a

todos os membros da presente que eliminem o trabalho forçado, além de trazer o

conceito desse:

28CONVENÇÃO Relativa à Escravatura. Genebra. Assinada em 25 de set. de 1926. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/ConvRelEsc.html>Acesso em: 30 de out 2018 29ASSEMBLEIA Geral da ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris. 1948. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos> Acesso em: 30 de out. 2018. 30ASSEMBLEIA Geral da ONU. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. 16 de dezembro de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm> Acesso em: 30 de out. de 2018 31ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. Convenção sobre Trabalho Forçado nº 29.Genebra. 28 de jun de 1930. Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_029.html Acesso em: 30 de out. 2018

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Artigo 1º - Todos os Membros da organização Internacional do trabalho que ratificam a presente conveção se obrigam a suprimir o emprêgo do trabalho forçado ou obrigatório sob tôdas as suas formas no mais curto prazo possível. Artigo 2º - Para os fins da presente convenção, a expressão "trabalho forçado ou obrigatório" designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual êle não se ofereceu de espontânea vontade.

E na Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado, nº 10532, de 1957,

aprovada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 20, de 1965,

impõe novamente a todos os membros da Convenção que se comprometam a

suprimir o trabalho forçado, e a não fazer uso dele nas situações elencadas:

Artigo 1º - Qualquer Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a presente convenção se compromete a suprimir o trabalho forçado ou obrigatório, e a não recorrer ao mesmo sob forma alguma: a) como medida de coerção, ou de educação política ou como sanção dirigida a pessoas que tenham ou exprimam certas opiniões políticas, ou manifestem sua oposição ideológica, à ordem política, social ou econômica estabelecida; b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico; c) como medida de disciplina de trabalho; d) como punição por participação em greves; e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa. Artigo 2º - Qualquer Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a presente convenção se compromete a adotar medidas eficazes, no sentido da abolição imediata e completa do trabalho forçado ou obrigatório, tal como descrito no artigo 1º da presente convenção.

Essas definições contribuem para definir o conceito de trabalho análogo ao de

escravo e o trabalho forçado no Brasil.

32 ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado nº 105. Genebra. Assinada em 25 de junho de 1957. Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_105.html Acesso em: 30 de out. 2018

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3.4.2 TIPO PENAL

A conduta de redução ao trabalho análogo ao de escravo é tipificada no artigo

149 do Código Penal33, atualizado pela Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003, a

qual deu ao tipo a seguinte redação:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I - contra criança ou adolescente; II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

A presente redação pode ser comparada ao crime de Plágio do Direito

Romano, o qual tornava crime a conduta de submeter um homem livre a condição

semelhante à de escravo, apesar de serem crimes diferentes e de protegerem bens

jurídicos diversos, tendo em vista que o bem jurídico tutelado no Plágio é o “

[...]direito de domínio que alguém poderia ter ou perder por meio dessa escravidão

indevida.” (BITTENCOURT, 461), e no crime do artigo 149, é principalmente a

dignidade da pessoa humana, ambos os crimes podem ser comparados, pois

reprovam a conduta de reduzir à escravidão seres humanos considerados livres,

diferente da escravidão cometida no Brasil nos séculos anteriores, porque as

pessoas escravizadas não eram livres.

33 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 30 de out. 2018

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Ainda, como afirma Brito Filho34, o Plágio na Roma Antiga, é uma das

situações que mais se assemelham a escravidão contemporânea no Brasil:

Isso porque é preciso de uma vez por todas compreender que, embora ambas as práticas sejam completamente reprováveis, a escravidão legalizada no Brasil, primeiro dos indígenas e dos negros, e depois, somente dos negros, porque consentida pelo Direito, dirigia-se a pessoas humanas, mas que não eram livres, sendo consideradas como bens, o que é distinto do momento atual, em que o Direito reprova a conduta, que é projetada, ao arrepio do ordenamento jurídico, contra seres humanos livres, à semelhança do plágio, na Roma Antiga.

Sendo assim, é possível perceber que o tipo penal do artigo 149 do Código

Penal não é uma novidade jurídica, mas que tem raízes na Antiguidade Romana.

De acordo com o entendimento de José Claudio Monteiro de Brito Filho,

apesar do atual crime estar inserido na Parte Especial, no Titulo I – dos crimes

contra a pessoa, no Capítulo VI, relativo aos crimes contra a liberdade individual, e

na Seção I – dos crimes contra a liberdade pessoal, não é a liberdade o principal

bem jurídico tutelado, tendo em vista que, não é necessário o cerceamento da

liberdade de locomoção para caracterizar o crime, mas para que seja caracterizado

é preciso que o agente passe a exercer total domínio sobre a vítima, de forma a

anular sua vontade (FILHO, 2016). Com isso, o tipo penal busca proteger,

principalmente, a dignidade da pessoa humana, o que abrange outros bens como a

vida, segurança, saúde, liberdade, como afirma Cezar Roberto Bittencourt35:

Reduzir alguém a condição análoga à de escravo fere, acima de tudo, o princípio da dignidade humana, despojando-o de todos os seus valores ético-sociais, transformando-o em res36, no sentido concebido pelos romanos. [...] embora também se proteja a liberdade de autolocomover-se do indivíduo, ela vem acrescida de outro valor preponderante, que é o amor-próprio, o orgulho pessoal, a dignidade que todo individuo deve preservar enquanto ser, feito a imagem e semelhança do Criador.

34 FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p. 91, Ed. 4. 35 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v.2. Editora SARAIVA, 2017. Ed 17. P 461 – 462 36 Expressão utilizada no Direito Romano, que é um objeto de relações jurídicas que tenha valor econômico. Via https://medium.com/anota%C3%A7%C3%B5es-de-direito/objetos-de-direito-no-direito-romano-bed5eeaa678.

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Contudo, apesar dessa proteção voltada para a dignidade humana, ela não é

o único bem jurídico protegido pelo tipo penal, a liberdade, o status libertatis,

também é levado em conta, porém a incidência dele não deve ser analisada como

restrição de locomoção, como ocorria na antiga escravidão, por meio de correntes e

prisões. A liberdade deverá ser analisada na sua forma mais ampla, no sentido de

que o grau de domínio que o empregador exerce sobre o trabalhador é tão elevado,

a ponto de anular a vontade desse, como por exemplo, imputar a ele dívidas

exorbitantes, criar a falsa ideia de que essa situação é permitida por lei, tudo isso

levando em conta as mínimas condições de vida, e o baixo nível de conhecimento

que essas pessoas possuem, portanto, a liberdade a ser analisada não é

necessariamente a física, mas também a moral e psicológica, na qual resulta num

grau elevado de sujeição do trabalhador. Acerca dos bens jurídicos tutelados, Paulo

Busato37 afirma:

Hoje em dia, é possível considerar o tipo penal como complexo, incluindo uma duplicidade de bens jurídicos. Mesmo existindo, como traço que de união entre os vários tipos contidos nesta seção, a referência à liberdade individual, mais importante e em primeiro lugar, está a dignidade da pessoa humana, que há de ser defendida, a despeito do interesse ou não da própria vítima.

Ademais, para tipificar o crime deve ser analisado, além da violação a

dignidade humana e a liberdade, a existência, entre os sujeitos envolvidos, de uma

relação de trabalho. Para que esteja caracterizada essa relação, não é necessária

formalidade, mas a situação fática em que um dos sujeitos presta serviços ao outro,

em troca de um bem com valor econômico. Cezar Roberto Bittencourt afirma, que só

poderá incidir o crime se o sujeito ativo e passivo estiverem numa relação de

contratante e contratado, não sendo possível existir o ilícito penal se não houver tal

vínculo (Bittencourt, 463). Acerca disso, José Claudio Monteiro de Brito Filho38

discorre:

37BUSATO, Paulo César. Direito Penal – Vol. 2 – Parte Especial. Editora Atlas, 2017. p. 327. 38 FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p. 94, Ed. 4.

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Nesses termos, acreditamos que, para a caracterização jurídica do trabalho em condições análogas à de escravo, é preciso que se esteja diante de uma relação de trabalho em que haja o domínio extremado – não a mera subordinação jurídica – do tomador em relação ao prestador dos serviços, gerando a violação à dignidade do último.

Para o autor39 o crime do artigo 149, reduzir alguém a condição análoga a de

escravo pode ser definido como:

Assim, o que temos no crime de redução da pessoa à condição análoga à de escravo é, claramente, a subjugação do ser humano, que é naturalmente livre, a uma condição que lhe impõe, por outrem, uma relação de domínio extremado, e que atenta contra a sua condição de pessoa.

Sendo assim, os três requisitos para o enquadramento nesse ilícito penal são:

o desrespeito a dignidade humana; a sujeição entre os sujeitos, gerada pela violação

da liberdade e a relação de trabalho.

Em resumo, para Carlos Henrique Borlido Haddad40, o crime estará

configurado quando houver a violação da liberdade de trabalho:

Somente estará realmente configurado quando, praticando-se as condutas descritas no tipo penal, violar-se a liberdade de trabalho, que nada mais é do que a capacidade de o empregado autodeterminar-se e poder validamente decidir sobre as condições que desenvolverá a prestação de serviço.

Ademais, o crime além de ser uma violação a direitos e princípios inerentes

ao ser humano, ele também é um crime contra a organização do trabalho, conforme

entendimento do Superior Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 459.51041 do

Mato Grosso, em que foi relator o Ministro Relator Dias Toffoli, nos seguintes termos:

39 FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p. 92, Ed. 4. 40 HADDAD. Carlos Henrique Borlido - Aspectos penais do trabalho escravo. 2013. p.57 41 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL : REsp 686209 RS 2004/0111329-9. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. DJ: 03/11/2009. JusBrasil, 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10710211> Acesso em: 14 out. 2018.

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CONDUTA TIPIFICADA NO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. CRIME CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ARTIGO 109, INCISO VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO. 1. O bem jurídico objeto de tutela pelo art. 149 do Código Penal vai além da liberdade individual, já que a prática da conduta em questão acaba por vilipendiar outros bens jurídicos protegidos constitucionalmente como a dignidade da pessoa humana, os direitos trabalhistas e previdenciários, indistintamente considerados. 2. A referida conduta acaba por frustrar os direitos assegurados pela lei trabalhista, atingindo, sobremodo, a organização do trabalho, que visa exatamente a consubstanciar o sistema social trazido pela Constituição Federal em seus arts. 7º e 8º, em conjunto com os postulados do art. 5º, cujo escopo, evidentemente, é proteger o trabalhador em todos os sentidos, evitando a usurpação de sua força de trabalho de forma vil. 3. É dever do Estado (lato sensu) proteger a atividade laboral do trabalhador por meio de sua organização social e trabalhista, bem como zelar pelo respeito à dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III). 4. A conjugação harmoniosa dessas circunstâncias se mostra hábil para atrair para a competência da Justiça Federal (CF, art. 109, inciso VI) o processamento e o julgamento do feito. 5. Recurso extraordinário do qual se conhece e ao qual se dá provimento. (GRIFO NOSSO)

Apesar de divergências, a competência para julgar o crime é da Justiça

Federal, como visto na decisão do Ministro Relator Dias Toffoli, tendo em vista que

no artigo 109, inciso VI, da Constituição Federal, prevê que os crimes contra a

organização do trabalho são de competência da Justiça Federal, ainda, o crime é de

ação pública incondicionada.

Quanto as características do crime, o tipo objetivo é o verbo reduzir, que está

relacionado com a sujeição de alguém sobre outrem, conforme Fernando Galvão42:

Nos termos da incriminação em exame, reduzir alguém a condição análoga à de escravo significa diminuir, inferiorizar a pessoa até que sua vontade fique totalmente submissa à vontade do sujeito ativo do crime, como se fosse a submissão de um escravo em relação à vontade de seu senhor.

Consequentemente, o crime se caracteriza com a conduta de submeter

outrem a condição análoga à de escravo, e não reduzir alguém a condição de

42 GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Crimes contra a pessoa. 2013: Editora saraiva – SP. p. 367

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escravo, já que, é juridicamente impossível no Brasil que uma pessoa se torne

escrava de outra.

O tipo subjetivo é o dolo, podendo ser eventual ou direto, consistindo na

vontade de submeter alguém a condição análoga à de escravo, esse tipo não aceita

a forma culposa. Além disso, o consentimento do ofendido não é suficiente para

afastar o crime, de acordo com Paulo Busato e Cezar Roberto Bittencourt, já que

esse crime não atinge apenas a liberdade do ofendido, mas a ofensa a sociedade

igualitária, e a direitos fundamentais indisponíveis, conforme entendimento de

Damásio de Jesus, Mirabete e Noronha (apud Haddad, 2013)43:

Contudo, não se pode falar, diante desse conformismo, que há consentimento do trabalhador, o que seria causa de exclusão da ilicitude. Ou o consentimento é viciado, em face da exploração da miséria e da necessidade, ou se tutela bem indisponível. A inconsciência da vítima ou o seu consentimento não elidem o crime, em razão da indisponibilidade dos direitos protegidos.

Porém, deve ser analisado o caso concreto para entender a validade do

consentimento, sendo cauteloso nas hipóteses em que o trabalhador se coloca

nessa situação, sem que haja iniciativa por parte do empregador.

Segundo Bittencourt, quanto a classificação doutrinária, o crime é comum

quanto ao sujeito ativo, portanto pode ser praticado por qualquer pessoa, porém é

próprio quanto ao sujeito passivo, tendo em vista ser exigido desse uma relação de

trabalho com o primeiro; é comissivo, portanto exige uma ação do sujeito ativo, não

podendo ser cometido de forma omissiva; é um crime permanente, no qual a ofensa

ao bem jurídico se prolonga no tempo, sendo possível a prisão flagrante a qualquer

momento, e por isso não há a consumação do crime se for cometido de forma rápida

ou momentânea, é preciso que se perdure ao longo do tempo para que haja a

consumação. Ademais, o crime é material, ou seja, para que ocorra a consumação é

necessário a existência de resultado naturalístico que, conforme Galvão44, se

consuma quando: “O crime de redução a condição análoga a de escravo é material,

sendo que a descrição típica impõe que sua consumação ocorra quando a liberdade

43 HADDAD. Carlos Henrique Borlido - Aspectos penais do trabalho escravo. 2013. p.57 44 GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Crimes contra a pessoa. 2013: Editora saraiva – SP. p. 377

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do sujeito passivo estiver completamente sujeita a vontade do sujeito ativo.” Ainda,

tendo em vista se tratar de um crime material aceita a forma tentada, como afirma

Fernando Galvão45:

A tentativa é admissível, desde que o meio de execução da conduta proibida escolhido pelo sujeito possa ser fracionado ou que a vítima não chegue a ficar em condições análogas à de escravo por tempo juridicamente relevante. Mesmo quando o sujeito ativo realiza completamente o meio de execução da privação de liberdade é possível caracterizar a tentativa. Veja-se o exemplo em que o sujeito ativo emprega força física para obrigar o empregado a realizar uma determinada tarefa de trabalho e é preso pela polícia ante que o empregado a realize.

Ademais, a Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003, a qual alterou o tipo

penal, acrescentou a ele dois parágrafos, no §1º, adicionou ao tipo figuras

assemelhadas ao crime de reduzir alguém a condição análoga à de escravo, sendo

que incorre nas mesmas penas aquele que: I - cerceia o uso de qualquer meio de

transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II -

mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou

objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. Sobre

isso, Fernando Galvão, afirma se tratarem de crime autônomos, e não em hipóteses

de execução do crime, além disso quando praticadas em conjunto com o crime

previsto no caput, são absorvidas por ele. No §2º, o legislador trouxe causas de

aumento, sendo que a pena será aumentada de metade se o crime for cometido: I -

contra criança ou adolescente; II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia,

religião ou origem.

O tipo penal, em seu caput elenca hipóteses, nas quais alguém é reduzido a

condição análoga a de escravo sendo elas: trabalhos forçados ou jornada exaustiva;

condições degradantes de trabalho, restrição de locomoção em razão de dívida

contraída, para José Claudio Brito Filho46, essas hipóteses tratam de modos típicos

45 GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Crimes contra a pessoa. 2013: Editora saraiva – SP. p. 377 46FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p. 90, Ed. 4.

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de execução do crime, e os conceitos trazidos anteriormente no §1º, tratam de

trabalho escravo por equiparação:

De forma mais esquemática, as hipóteses em que isso pode ocorrer, caso se deseje classifica-las, podem ser divididas em: a) o trabalho escravo típico, que comtempla o trabalho forçado ou em jornada exaustiva, o trabalho em condições degradantes e o trabalho com restrição de locomoção, em razão de dívida contraída (chamado comumente de servidão por dívida); e b) trabalho escravo por equiparação, que se verifica nas hipóteses de retenção no local de trabalho, por cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, e de manutenção de vigilância ostensiva ou retenção de documentos ou objetos de uso pessoal do trabalhador.

Assim, adiante será tratado os modos típicos de execução do crime.

3.4.2.1 Trabalho forçado

A partir do estudo do art. 149 do CP, têm-se a conclusão trazida pelo José

Cláudio, de que o trabalho forçado é uma forma de execução do crime reduzir

alguém a condição análoga à de escravo.

A OIT, em suas convenções de nº 29 e 105, trouxe algumas definições de

trabalho forçado, como já demonstrado, e a partir dessas convenções o trabalho

forçado seria uma definição ampla, da qual o trabalho escravo está inclusa, porém a

partir da atual redação do tipo penal, têm-se o trabalho forçado com uma forma de

execução do trabalho análogo à de escravo, portanto as definições internaionais de

trabalho forçado serão utilizadas para conceituar o que é o trabalho forçado dentro

do artigo 149.

A convenção nº 2947, define o trabalho forçado da seguinte forma:

Artigo 2º - Para os fins da presente convenção, a expressão "trabalho forçado ou obrigatório" designará todo trabalho ou serviço exigido de um

47 ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho. Convenção sobre Trabalho Forçado nº 29.Genebra. 28 de jun de 1930. Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_029.html Acesso em: 31 de out. 2018

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indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual êle não se ofereceu de espontânea vontade.

A partir disso, a Organização Internacional do Trabalho trouxe definições

importantes sobre o trabalho forçado, trazendo, segundo a Desembargadora e

Professora Marlene T. Fuverki Suguimatsu (SUGUIMATSU, 32), dois elementos de

identificação dele, sendo trabalho forçado todo aquele imposto sob ameaça de

punição e aquele executado de forma involuntária. Acerca daquele, imposto sob

ameaça de punição, a autora48 discorre:

O elemento ‘ameaça de punição’ é abrangente. Inclui perda de direitos e privilégios e pode assumir formas mais extremas, como ameaça de violência e confinamento, ou mesmo de morte. Manifesta-se também por formas sutis, de natureza psicológica, como ameaças de denúncias, [...], e de natureza financeira. [...] Ainda, situações em que o contratante exige dos trabalhadores documentos pessoais, com ameaça posterior de confisco, tudo com o objetivo de impor trabalho forçado.

Ainda, sobre o executado de forma involuntária, define:

Quanto a ‘natureza involuntária’ do trabalho, envolve falta de consentimento e, na prática, relaciona-se à escravidão por nascimento e servidão por dívida, rapto ou seqüestro, venda de pessoas, confinamento, coação psicológica, dívida induzida, engano ou falsas promessas, retenção de documentos de identificação, entre outras.

Portanto, nessa modalidade o que deve se verificar é a obrigatoriedade do

trabalhador prestar o serviço, sendo tal tarefa contrária a sua vontade. A forma de

impor ao trabalhador que realize o trabalho, não precisa ser necessariamente física,

mas moral ou psicológica, como trazida pela Professora Marlene. O trabalhador

submetido a tal situação tem retirado de si o poder de se autodeterminar, ou seja,

não pode decidir livremente se deseja exercer o trabalho, ou parar de trabalhar,

48 SUGUIMATSU, Marlene T. Fuverki. Condições De Existência Digna, Direitos Mínimos Do

Trabalhador e o Paradoxo Do Trabalho Escravo ou em Situação Análoga a de Escravidão.

Disponível em: < https://www.trt9.jus.br/portal/arquivos/1606582> Acesso em: 14 out. 2018

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tendo em vista ser obrigado a exercê-lo por alguma forma de coação e assim ter a

sua vontade anulada.

A autora49 ainda traz uma definição sobre o que deve ser considerado

trabalho forçado:

De acordo com o Relatório Global, uma situação de ‘trabalho forçado’ é determinada pela natureza da relação entre uma pessoa e um “empregador” e não pelo tipo da atividade desenvolvida, por mais “duras ou perigosas que possam ser essas condições”. Também não será a legalidade ou ilegalidade da atividade, de acordo com leis nacionais, que determinará se é ou não forçado. O ponto fundamental está na natureza involuntária do trabalho e na ameaça sob a qual trabalha.

Assim, independente da atividade desenvolvida, o que deve ser observado é

a ameaça e a característica involuntária do trabalho, sendo verificado o poder de uns

sobre outros.

Ainda, não serão considerados trabalho forçado, o serviço militar, ou aqueles

impostos pela lei como obrigações cívicas, ou ainda aqueles exigidos em situações

de calamidade.

José Cláudio Monteiro de Brito Filho50, traz a seguinte definição de trabalho

forçado:

Nesse sentido, devemos caracterizar o trabalho forçado como espécie do crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo a partir dos seguintes elementos: 1. A existência de uma relação de trabalho entre os sujeitos ativo (tomador de serviços) e passivo (trabalhador) do ilícito; 2. O fato de o trabalho ser prestado de forma compulsória, independentemente da vontade do trabalhador, ou com a anulação de sua vontade, por qualquer circunstância que assim o determine.

49SUGUIMATSU, Marlene T. Fuverki. Condições De Existência Digna, Direitos Mínimos Do Trabalhador e o Paradoxo Do Trabalho Escravo ou em Situação Análoga a de Escravidão. Disponível em: < https://www.trt9.jus.br/portal/arquivos/1606582> Acesso em: 14 out. 2018 50 FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p. 96-97, Ed. 4.

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43

3.4.2.2 Jornada Exaustiva

Para entender esse modo de execução do tipo penal, a jornada exaustiva, é

necessário buscar o significado de exaustão, sendo essa um esgotamento das

forças, quando o esforço despendido ultrapassa o limite do aceitável. A exaustão vai

muito além do cansaço, para Fernando Galvão51, a exaustão é:

[...] a situação de estresse excessivo que produz no indivíduo consequências nocivas como a perda de sono, a ansiedade grave, a irritabilidade, a enxaqueca, a gastrite, os pensamentos negativos, a vontade de fazer coisas, entre outros danos.

Deste modo, para que o crime seja caracterizado, é necessário que haja o

potencial de causar a exaustão, não é preciso que tenha de fato gerado o dano

físico ou emocional.

Pode ser utilizado como parâmetro para analisar a existência de jornada

exaustiva, os limites legais de horários de trabalho, repouso e intervalo estipulados

pela CF e CLT, não sendo esses parâmetros definitivos, pois um trabalho pode gerar

nos trabalhadores a exaustão, mesmo seguindo as normas estipuladas na

legislação, exigindo a análise do caso concreto. A jornada exaustiva é aquela que

exige do trabalhador em horas ou quantidade de produção, além do suportado pelo

ser humano, impõe a esse indivíduo uma situação além do razoável.

Para José Cláudio Monteiro52, a jornada exaustiva pode ser definida como:

É possível por essas descrições, fazer a caracterização do que seja jornada exaustiva a partir de quatro elementos: 1. A existência de uma relação de trabalho; 2. O estabelecimento de uma jornada, excessiva ou não, nos termos da lei, mas que cause prejuízos à vida ou à saúde física e mental do trabalhador, exaurindo-o; 3. A capacidade de essa jornada causar prejuízos à saúde física e mental do trabalhador, esgotando-o; a imposição dessa jornada contra a vontade do trabalhador, ou com anulação de sua vontade, por qualquer circunstância que assim o determine.

51 GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Crimes contra a pessoa. 2013: Editora saraiva – SP. p. 372. 52 FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p.97, Ed. 4.

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Ademais, afirma53:

[...] o que importa para a caracterização deste modo de execução é que a jornada seja capaz de exaurir o trabalhador, a partir de exigências que vão muito além do normal, e o que pode acontecer mesmo dentro de uma jornada que respeite os parâmetros legais, como acontece, por exemplo, no corte da cana, pelo contínuo aumento do níveis de produtividade [...]

3.4.2.3 Condições Degradantes

Condições degradantes são aquelas que submetem o trabalhador a

condições humilhantes de trabalho, sem condições mínimas de dignidade, no qual é

submetido a situações desumanas, como não fornecer alimentação, dormitório,

higiene, segurança, equipamentos, adequados para prestação de serviços.

Acerca dessas condições, Ângela Maria de Castro Gomes54 em seu artigo

“Repressão e mudanças no trabalho análogo a de escravo no Brasil: tempo presente

e usos do passado”, traz um relato de como alguns trabalhadores foram encontrados

na Amazônia:

O ‘alojamento’ se constituía de barracas cobertas por folhas ou por plástico preto, não havendo banheiros, cozinhas ou locais apropriados de onde se tirar água para beber e cozinhar. Os trabalhadores dormiam em redes ou no chão, em esteiras de palha, sem receber qualquer equipamento de proteção, nem mesmo calçados para andar na mata, onde derrubavam árvores e arrancavam raízes, serviço muito pesado e perigoso. Os acidentes e as doenças – especialmente a malária, típica da região amazônica – eram comuns, e o atendimento com remédios e médico quase inexistente.

Assim, têm-se condições degradantes de trabalho quando, for negado ao

trabalhador condições básicas e mínimas de dignidade, consideradas humilhantes a

todo e qualquer ser humano. Brito Filho55, traz as seguintes definições:

53 Ibid. p. 98. 54 Gomes, Ângela Maria de Castro. Repressão e mudanças no trabalho análogo a de escravo no Brasil: tempo presente e usos do passado. P. 172 55 FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p.99, Ed. 4.

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[...] as condições degradantes de trabalho podem ser caracterizados com base em três elementos: 1. A existência de uma relação de trabalho; 2. A negação das condições mínimas de trabalho, a ponto de equiparar o trabalhador a uma coisa ou a um bem; 3. A imposição dessas condições contra a vontade do trabalhador, ou com a anulação de sua vontade, por qualquer circunstância que assim o determine.

E termina56:

[...] condições degradantes de trabalho devem ser definidas como: condições impostas pelo tomador de serviços que, em relação de trabalho em que o prestador de serviços tem sua vontade cerceada ou anulada, com prejuízos à sua liberdade, resultam concretamente na negação de parte significativa dos direitos mínimos previstos na legislação vigente, desde que isso signifique na instrumentalização do trabalhador.

3.4.2.4 Restrição de locomoção por dívida contraída

Outra forma de submeter alguém ao estado semelhante ao de escravidão é

por meio de dívidas, o tomador de serviços obriga o trabalhador a trabalhar até

sanar a dívida, essa, muitas vezes, exorbitante, e que de fato nunca será sanada,

como traz Ilda Pires Galleta57: “Esta é a realidade trágica destes trabalhadores

superespoliados, que se transformam em prisioneiros de uma dívida interminável e

para os quais cidadania e direitos humanos são meras noções abstratas.”

As dívidas podem ser contraídas no momento do aliciamento do trabalhador

pelos “gatos” – que são aquelas pessoas encarregadas pelo tomador de serviços a

fazer o primeiro contato com os trabalhadores, e assim aliciá-los, por diversas vezes,

com promessas falsas, ou fornecendo dinheiro. Ainda, as dívidas podem ser

contraídas já no local de trabalho em que o trabalhador se vê obrigado a comprar

alimentos, e demais produtos para sua sobrevivência, os quais são vendidos a

preços exorbitantes e a dívida continua crescer, assim ele acaba se tornando refém

do tomador de serviços. Acerca disso, Túlio Manoel Leles de Siqueira58 pondera:

56 FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p.100, Ed. 4. 57 Galleta, Ilda Pires - Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo: Abordagem Histórica e Alguns Pressupostos Teóricos. P. 207 58 Siqueira, Túlio Manoel Leles de. O Trabalho Escravo Perdura No Brasil Do Século XXI. P. 134

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Os objetos e mantimentos são anotados em uma cadernetinha no armazém improvisado pelo fazendeiro/empreiteiro e serão descontados já do primeiro salário do trabalhador, de uma só vez. E, a dívida vai crescendo e comprometendo o salário do trabalhador por meses a fio, acrescida do que ele deve ao gato. Essa espécie de escravidão é tratada por alguns como truck-system ou, sistema do barracão, consistente no aprisionamento do trabalhador por dívidas contraídas em decorrência do trabalho.

Por meio dessa dívida, o trabalhador é coagido, de forma física – quando é

impedido de deixar o local da prestação de serviços sem quitar a dívida, ou de forma

moral, como afirma Ricardo José Fernandes de Campos59:

Um exemplo de coação moral ocorre quando o tomador dos serviços,

valendo-se da pouca instrução e do elevado senso de honra pessoal dos

trabalhadores, submete estes a elevadas dívidas, constituídas

fraudulentamente com o fito de impossibilitar o desligamento do trabalhador.

O empregador se utiliza do grande senso de honra desses trabalhadores para

os aprisionarem e fazê-los trabalhar de forma desumana, para pagar uma dívida

muitas vezes inexistente, criada a partir da venda de produtos em valores absurdos.

Ainda, José Cláudio Monteiro de Brito Filho, traz a observação de que não é

necessária a ilicitude da dívida contraída, já que independente de ser lícita ou ilícita,

o trabalhador não pode ter sua liberdade restringida em razão de dívida (BRITO

FILHO, 2016). O autor60 ainda traz a seguinte definição desse modo de execução do

crime previsto no art. 149:

[...] cabe indicarmos os elementos que caracterizam, em conjunto, a restrição de locomoção do trabalhador, por qualquer meio, em razão de dívida contraída: 1. A existência de uma relação de trabalho; 2. A presença de um dívida de qualquer natureza, lícita ou ilicitamente constituída, que tenha o trabalhador para com o tomador de seus serviços ou com seus prepostos; 3. O impedimento ao direito do trabalhador de deixar o trabalho, por meio da coação, que pode ser física ou moral, ou por qualquer outro meio que impossibilite o seu deslocamento, em razão da dívida referida na

59 CAMPOS, Ricardo José Fernandes de. Trabalho Escravo: A Dignidade da Pessoa Humana e a Caracterização do Trabalho em Condições Análogas as de Escravo. Servidão por Dívida: “truck system”. Aliciamento e Transporte de Trabalhadores: Responsabilidade do Empregador e do Intermediador. Responsabilidade Penal, Administrativa e Penal. o Papel do Brasil no Combate ao Trabalho Escravo. P. 3. 60 FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho Decente – Análise Jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho Escravo e outras Formas de Trabalho Indigno: Editora LTr80, 2016, p. 103-104, Ed. 4.

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2ª característica. Nesse sentido, acreditamos que a restrição de locomoção do trabalhador, por qualquer meio, em razão de dívida contraída, para os fins do art. 149 do Código Penal, deve ser definida como: a restrição ao direito do trabalhador de deixar o trabalho, por coação ou qualquer outro meio, em razão de dívida lícita ou ilicitamente constituída, deste para com o tomador de seus serviços ou com seus prepostos.

Dessa forma, apresentadas as formas que podem ocorrer o trabalho análogo

ao de escravo, é evidente a sutileza com a qual a prática existe na sociedade, sendo

necessário seu combate efetivo por meio de políticas públicas, além da efetiva

aplicação da norma penal ao caso concreto, e da sensibilidade daqueles que são

responsáveis por interpretar e aplicar a norma, para que, ao se depararem com a

realidade possam entender e diferenciar o desrespeito a CLT e a sujeição de um

trabalhador ao trabalho análogo ao de escravo.

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4 EVIDÊNCIAS PRÁTICAS DO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO

4.1 ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE COMBATE E FISCALIZAÇÃO

4.1.1 Secretaria do Trabalho

O antigo Ministério do Trabalho e Previdência Social, atualmente,

transformado em pautas incorporadas em outros ministérios, entre as pautas a

Secretaria do Trabalho, incorporada ao Ministério da Economia, desenvolve um

papel fundamental no combate ao trabalho análogo ao de escravo. A Secretaria atua

de forma administrativa, principalmente por meio de fiscalizações, especificamente

na atuação da DETRAE – Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho

Escravo, que faz parte do SIT – Secretaria de Inspeção do Trabalho, da criação do

plano de erradicação e da divulgação da Lista Suja.

As fiscalizações são realizadas por meio dos auditores fiscais, os quais atuam

no combate ao trabalho análogo ao de escravo, de duas maneiras: nas equipes do

Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), que são grupos especializados

inseridos na DETRAE ou por meio das ações fiscais desenvolvidas nos estados,

através das Superintendências Regionais do Trabalho (SRTb), as quais deverão

comunicar ao DETRAE, sempre que identificarem a condição de trabalho análogo ao

de escravo.

A atuação dos auditores fiscais no combate ao trabalho análogo ao de

escravo é regulada pela Instrução Normativa 139, de 22 de Janeiro de 2018,

instituída pela Secretaria de Inspeção do Trabalho. Na instrução normativa, em seu

art. 2º, ela determina ser dever do auditor fiscal do trabalho combater a prática, e no

artigo 3º, disciplina que quando o auditor fiscal identificar a condição análoga a de

escravo, independente da ação ser ou não direcionada para o combate da prática, o

trabalhador ser estrangeiro, ou ainda, desenvolver trabalho doméstico ou sexual, o

auditor deverá observar a referida instrução normativa.

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Essa norma61, em seu art. 6º caracteriza a condição análoga à de escravo,

sendo a redação semelhante ao disposto no art. 149 do Código Penal, assim dispõe:

Art. 6º. Considera-se em condição análoga à de escravo o trabalhador submetido, de forma isolada ou conjuntamente, a: I - Trabalho forçado; II - Jornada exaustiva; III - Condição degradante de trabalho; IV - Restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho; V - Retenção no local de trabalho em razão de: a) cerceamento do uso de qualquer meio de transporte; b) manutenção de vigilância ostensiva; c) apoderamento de documentos ou objetos pessoais.

Ainda, traz em seu Anexo Único62, rol não exaustivo de condutas que

exemplificam: trabalho forçado, condição degradante, jornada exaustiva e restrição

da locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída, dentre outras condutas.

Entre as disposições estão:

I - São indicadores de submissão de trabalhador a trabalhos forçados: 1.3 Manutenção de trabalhador na prestação de serviços por meio de ameaça, fraude, engano, coação ou outros artifícios que levem a vício de consentimento quanto a sua liberdade de dispor da força de trabalho e de encerrar a relação de trabalho; 1.10 Estabelecimento de sistemas remuneratórios que, por adotarem valores irrisórios pelo tempo de trabalho ou por unidade de produção, ou por transferirem ilegalmente os ônus e riscos da atividade econômica para o trabalhador, resultem no pagamento de salário base inferior ao mínimo legal ou remuneração aquém da pactuada; II - São indicadores de sujeição de trabalhador a condição degradante: 2.1 Não disponibilização de água potável, ou disponibilização em condições não higiênicas ou em quantidade insuficiente para consumo do trabalhador no local de trabalho ou de alojamento; 2.12 Ausência de camas com colchões ou de redes nos alojamentos, com o trabalhador pernoitando diretamente sobre piso ou superfície rígida ou em estruturas improvisadas; III - São indicadores de submissão de trabalhador a jornada exaustiva: 3.6 Restrição ao uso de instalações sanitárias para satisfação das necessidades fisiológicas do trabalhador; 3.7 Trabalhador sujeito a atividades com sobrecarga física ou mental ou com ritmo e cadência de trabalho com potencial de causar comprometimento de sua saúde ou da sua segurança; IV - São indicadores da restrição, por qualquer meio, da locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, dentre outros:

61BRASIL. Instrução Normativa nº 139, de 22 de Janeiro de 2018. Disponível em: <http://www.abit.org.br/conteudo/abitonline/2018/01_janeiro/29_01/instrucao_normativa.pdf> Acesso em: 22 de mar. 2019 62 Ibid.

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4.5 Contratação condicionada a pagamento, pelo trabalhador, pela vaga de trabalho; 4.9 Trabalhador induzido ou coagido a adquirir bens ou serviços de estabelecimento determinado pelo empregador ou preposto;

Acerca dos procedimentos que devem ser adotados pelos auditores fiscais, a

instrução normativa disciplina, que na elaboração e execução das ações fiscais,

serão utilizados como base as pesquisas de atividades econômicas realizadas pela

SIT e pelas SRTb, ou as denúncias de existência da prática recebidas pelos órgãos.

Além disso, os trabalhadores que forem resgatados terão direito a receber, conforme

a Lei nº 7.998 de 1990, que regula o seguro desemprego e o FAT (Fundo de Amparo

ao Trabalhador), três parcelas do seguro desemprego no valor de um salário mínimo

cada, devendo o auditor fiscal emitir o requerimento do seguro desemprego, além de

emitir manualmente a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) ao

trabalhador que não possua o documento, quando a diligência do trabalhador até as

unidades de atendimento possa ser inefetivo. Ademais, ao trabalhador resgatado,

que for estrangeiro em situação irregular, será concedido residência permanente no

território brasileiro, devendo o auditor pedir autorização imediata da concessão.

Ao se deparar com trabalho em condição análoga à de escravo, o auditor com

relação ao empregador deverá63:

Art. 17. O Auditor-Fiscal do Trabalho, ao constatar trabalho em condição análoga à de escravo, em observância ao art. 2º-C da Lei n.º 7.998, notificará por escrito o empregador ou preposto para que tome, às suas expensas, as seguintes providências: I - A imediata cessação das atividades dos trabalhadores e das circunstâncias ou condutas que estejam determinando a submissão desses trabalhadores à condição análoga à de escravo; II - A regularização e rescisão dos contratos de trabalho, com a apuração dos mesmos direitos devidos no caso de rescisão indireta; III - O pagamento dos créditos trabalhistas por meio dos competentes Termos de Rescisão de Contrato de Trabalho; IV - O recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e da Contribuição Social correspondente; V - O retorno aos locais de origem daqueles trabalhadores recrutados fora da localidade de prestação dos serviços; VI - O cumprimento das obrigações acessórias ao contrato de trabalho enquanto não tomadas todas as providências para regularização e recomposição dos direitos dos trabalhadores. (GRIFO NOSSO)

63 BRASIL. Instrução Normativa nº 139, de 22 de Janeiro de 2018. Disponível em: <http://www.abit.org.br/conteudo/abitonline/2018/01_janeiro/29_01/instrucao_normativa.pdf> Acesso em: 22 de mar. 2019

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Conforme o art. 19 e 20, quando houver o descumprimento de tais medidas

por parte do empregador, e cessadas as medidas administrativas de sua

competência para retirar os trabalhadores dessa condição, o auditor fiscal irá

informar a chefia da fiscalização, a qual deverá informar à Polícia Federal, ou outra

autoridade policial, bem como ao Ministério Público Federal da situação, assim

como, se o empregador se negar a acatar as determinações do artigo 17, serão

comunicados o MPT, à Defensoria Pública da União e à Advocacia Geral da União,

para que tomem as medidas judiciais. Ademais, o auditor deverá encaminhar o

relatório dos fatos aos órgãos responsáveis, conforme o art. 3164:

Art. 31. A DETRAE encaminhará em até 90 (noventa) dias contatos do recebimento cópia dos relatórios circunstanciados recebidos: I - ao Ministério Público do Trabalho (MPT); II - ao Ministério Público Federal (MPF); III - à Defensoria Pública da União (DPU); IV - ao Departamento de Polícia Federal; V - à Advocacia-Geral da União; VI - à Receita Federal do Brasil;

Ainda, de acordo com o art. 25, o auditor fiscal do trabalho ao identificar tal

condição, deverá lavrar auto de infração, descrevendo os fatos que fundamentaram

a caracterização e a identificação dos trabalhadores encontrados, sendo assegurado

no processo administrativo o contraditório e a ampla defesa. Após o encerramento

do processo administrativo, o empregador que for condenado, poderá ser incluso no

Cadastro de Empregadores, conhecido como Lista Suja. O Cadastro de

Empregadores é de responsabilidade do Ministério do Trabalho e Previdência Social,

atual Secretaria do Trabalho, e é disciplinado pela Portaria Interministerial Nº 4 DE

11/05/2016, a qual determina o procedimento para inclusão de empregadores na

Lista Suja.

O artigo 2º da referida portaria65, estabelece:

64 BRASIL. Instrução Normativa nº 139, de 22 de Janeiro de 2018. Disponível em: <http://www.abit.org.br/conteudo/abitonline/2018/01_janeiro/29_01/instrucao_normativa.pdf> Acesso em: 22 de mar. 2019 65 Ibid.

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Art. 2º O Cadastro de Empregadores será divulgado no sítio eletrônico oficial do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), contendo a relação de pessoas físicas ou jurídicas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos à condições análogas à de escravo.

Portanto, poderão estar inclusas no Cadastro de Empregadores, pessoas

físicas e jurídicas, as quais serão inclusas apenas após a prolação de decisão

procedente e irrecorrível da ação fiscal, sendo assegurado o contraditório e ampla

defesa ao empregador, além disso, a relação irá conter o nome do empregador, o

CNPJ ou CPF, o ano da fiscalização, o número de empregados encontrados, e a

data de prolação da decisão, conforme §1º, §2º e §4º, do art. 2º, e no §5º, fica

estipulado o prazo máximo de 6 meses, para que a lista seja atualizada.

O empregador terá seu nome no Cadastro durante dois anos, nos quais será

monitorado pela Inspeção do Trabalho para verificar as condições de trabalho, se o

empregador for reincidente na prática – com nova decisão irrecorrível de

procedência - seu nome continuará no Cadastro por mais dois anos.

Ainda, conforme art. 5º da Portaria, a União poderá celebrar TAC – Termo de

Ajustamento de Conduta com o empregador que for autuado pela prática de trabalho

análogo ao de escravo, assim disciplina o artigo66:

Art. 5º A União poderá, com a necessária participação e anuência da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência Social, e observada a imprescindível autorização, participação e representação da Advocacia-Geral da União para a prática do ato, celebrar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial com o administrado sujeito a constar no Cadastro de Empregadores, com objetivo de reparação dos danos causados, saneamento das irregularidades e adoção de medidas preventivas e promocionais para evitar a futura ocorrência de novos casos de trabalho em condições análogas à de escravo, tanto no âmbito de de atuação do administrado quanto no mercado de trabalho em geral. § 1º A análise da celebração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial deverá ocorrer mediante apresentação de pedido escrito pelo administrado. § 2º Recebido o pedido, será dada ciência ao Ministério Público do Trabalho (MPT), mediante comunicação à Procuradoria-Geral do Trabalho (PGT), ao qual será oportunizado o acompanhamento das tratativas com o

66 BRASIL. Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4 de 11 de maio de 2016. Disponível em: <http://www.normasbrasil.com.br/norma/portaria-interministerial-4-2016_320458.html> Acesso em: 24 de mar. 2019

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administrado, bem como a participação facultativa na celebração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial. § 3º O empregador que celebrar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial na forma disciplinada neste artigo não integrará a relação disciplinada no art. 2º desta Portaria, mas uma segunda relação, localizada topicamente logo abaixo da primeira, devendo ambas integrarem o mesmo documento e meio de divulgação. § 4º A relação de que trata o § 3º deste artigo conterá nome do empregador, seu número de CNPJ ou CPF, o ano da fiscalização em que ocorreram as autuações, o número de pessoas encontradas em condição análoga à de escravo e a data de celebração do compromisso com a União. § 5º O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial somente poderá ser celebrado entre o momento da constatação, pela Inspeção do Trabalho, da submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo e a prolação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infração lavrado na ação fiscal.

Ainda, o TAC ou acordo judicial celebrado com o Ministério Público do

Trabalho, poderá gerar os mesmos efeitos que o termo celebrado pela União,

conforme art. 9º67:

Art. 9º Termos de Ajustamento de Conduta ou acordos judiciais celebrados perante o Ministério Público do Trabalho (MPT) poderão gerar regulares efeitos para a elaboração das duas relações disciplinadas pelos art. 2º e § 3º do art. 5º desta Portaria, desde que: I - seja formulado pedido formal do administrado à Advocacia-Geral da União e à Secretaria de Inspeção do Trabalho, acompanhado de cópia do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial, do processo judicial ou do procedimento investigatório, e de documento que comprove a anuência expressa do Procurador do Trabalho celebrante; e II - os seus termos atendam às condições previstas nesta Portaria.

Ademais, no artigo 6º da Portaria68, estão listados requisitos mínimos que

devem conter no TAC, ou no acordo judicial, entre eles:

Art. 6º Para alcançar os objetivos e gerar os efeitos expressos no artigo 5º, a celebração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial, deverá conter, no mínimo, as seguintes disposições e compromissos por parte do administrado: II - como medida de saneamento, o pagamento de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários apurados durante o processo de auditoria e ainda não quitados; III - como medida de reparação aos trabalhadores encontrados

67 BRASIL. Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4 de 11 de maio de 2016. Disponível em: <http://www.normasbrasil.com.br/norma/portaria-interministerial-4-2016_320458.html> Acesso em: 24 de mar. 2019 68 Ibid.

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pela Inspeção do Trabalho em condição análoga à de escravo, o pagamento de indenização por dano moral individual, em valor não inferior a 2 (duas) vezes o seu salário contratual IV - como medida de reparação material, o ressarcimento ao Estado de todos os custos envolvidos na execução da ação fiscal e no resgate dos trabalhadores, inclusive o seguro-desemprego devido a cada um deles, nos termos do art. 2º-C da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, pela situação em condições análogas às de escravo;

Conforme disposto no §3º, do art. 5º, os empregadores que celebrarem o TAC

ou acordo judicial não serão listados no Cadastro de Empregadores, mas em uma

listagem diferente, na qual irão permanecer pelo prazo de dois anos, com a

possibilidade de requerer sua exclusão após um ano, entretanto se o empregador

descumprir com suas obrigações previstas no TAC ou no acordo judicial, esse será

incluso imediatamente na Lista Suja, de acordo com o artigo 10º. Além disso,

conforme artigo 11, para aqueles que estiverem listados nessa segunda relação e

reincidirem na prática, não serão celebrados pela União, TAC ou acordo judicial, e,

após nova decisão procedente e irrecorrível do auto de infração, serão inclusos no

Cadastro de Empregadores.

A Lista Suja serve como excelente ferramenta no combate ao trabalho

análogo ao de escravo, tendo em vista que sua publicidade e transparência são

desfavoráveis para aqueles que tem seus nomes inclusos, além de gerar um

aspecto social no combate, já que toda a população tem acesso , podendo resultar

numa maior conscientização acerca do tema, ainda, traz limitações econômicas para

os empregadores, como a Resolução nº 3.876 de 22/06/2010 do Banco Central do

Brasil, que veda a concessão de crédito rural para aqueles que tiverem seus nomes

listados no Cadastro.

Portanto, é nítida a importância do antigo Ministério do Trabalho no combate

ao trabalho análogo ao de escravo, sendo imprescindível a sua continuidade e

ampliação, e apesar da redução do Ministério do Trabalho e Previdência Social ao

patamar de Secretarias, espera-se que o combate a essa prática nefasta não seja

também reduzido.

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4.1.2 Conatrae, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Federal

Além da atuação da Secretaria do Trabalho, a CONATRE – Comissão

Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, o Ministério Público do Trabalho e o

Ministério Público Federal, desempenham papéis importantes no combate ao

trabalho análogo ao de escravo.

A Conatrae, foi criada em 2003, por meio do Decreto de 31 de Julho de 2003,

conforme determinado no 1º Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo

publicado em 2003, e, é vinculada e presidida pelo Ministro dos Direitos Humanos,

agora denominado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, além

de ser composta pelos até então, Ministérios da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento; da Defesa; do Desenvolvimento Agrário; do Meio Ambiente; da

Previdência Social; do Trabalho e Emprego; da Justiça Departamento de Polícia

Federal; da Justiça Departamento de Polícia Rodoviária Federal, e pelas entidades

não governamentais: AJUFE; ANAMATRA; ANPR; ANPT; CNA; CONTAG; OAB;

Repórter Brasil; SINAIT. Seu objetivo69 é:

Tem como objetivo coordenar e avaliar a implementação das ações previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Também compete à Comissão acompanhar a tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional e avaliar a proposição de estudos e pesquisas sobre o trabalho escravo no país.

Portanto, a Conatrae é o órgão especializado, composto por diversos

seguimentos da sociedade, para combater a condição análoga a de escravo, entre

suas ações, produziu o 2º Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo,

aprovado em 17 de abril de 2008, e vigente até o presente momento. O novo plano é

uma atualização do primeiro, levando em conta a experiência adquirida no período

69 Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/participacao-social/orgaos-colegiados/conatrae/comissao-nacional-para-a-erradicacao-do-trabalho-escravo> Acesso em: 24 de mar. 2019

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de 5 anos de duração do anterior. O 2º Plano Nacional é dividido em ações gerais70,

como por exemplo:

1 – Manter a erradicação do trabalho escravo contemporâneo como prioridade do Estado brasileiro. 11 – Incentivar e apoiar a implementação de planos estaduais e municipais para erradicação do trabalho escravo. Nos locais onde planos já estão implementados, apoiar e acompanhar o cumprimento das ações e o trabalho das comissões estaduais e municipais para a erradicação do

trabalho escravo e articular as suas atividades com as da esfera federal.

Ações de enfrentamento e repressão71:

16 – Disponibilizar equipes de fiscalização móvel nacionais e regionais em número suficiente para atender as denúncias e demandas do planejamento anual da inspeção. 29 – Buscar a aprovação de mudança no artigo 149 do Código Penal, elevando a pena mínima de 2 para 4 anos para o crime de sujeitar alguém a trabalho análogo ao de escravo.

Ações de reinserção e prevenção72:

32 – Implementar uma política de reinserção social de forma a assegurar que os trabalhadores libertados não voltem a ser escravizados, com ações específicas voltadas a geração de emprego e renda, reforma agrária, educação profissionalizante e reintegração do trabalhador. 42 – Incluir a temática do trabalho escravo contemporâneo nos parâmetros curriculares municipais, estaduais e nacionais.

Ações de informação e capacitação73:

48 – Estabelecer uma campanha nacional de conscientização, sensibilização e capacitação para erradicação do trabalho escravo, com a promoção de debates sobre o tema nas universidades, no Poder Judiciário e Ministério Público.

70 Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. IIº Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em:<https://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/participacao-social/orgaos-colegiados/conatrae/IIPlanoNacionalparaaErradicacaodoTrabalhoEscravoVersaoAtual.pdf> Acesso em: 24 de mar. 2019 71 Ibid. 72 Ibid. 73 Ibid.

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55 – Ampliar campanhas de informação sobre a promoção do trabalho decente e sobre o cumprimento da legislação trabalhista, voltadas aos produtores rurais e povos e comunidades tradicionais.

Ações específicas de repressão econômica74:

57 – Manter a divulgação sistemática do cadastro de empregadores que utilizaram mão-de-obra escrava em mídia de grande circulação e rádios comunitárias e incentivar sua consulta para os devidos fins. 64 – Sensibilizar o Supremo Tribunal Federal para a relevância dos critérios trabalhista e ambiental, além da produtividade, na apreciação do cumprimento da função social da propriedade, como medida para contribuir com a erradicação do trabalho escravo.

Além da Conatrae, o Ministério Público do Trabalho atua de forma efetiva no

combate a prática. A Constituição Federal de 198875, define em seu artigo 127, o

Ministério Público como: “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente,

essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”

Sendo assim, o Ministério Público é responsável pelos interesses sociais e

individuais da população brasileira, no presente caso, o MPT é responsável no

âmbito da defesa dos direitos trabalhistas dos trabalhadores submetidos a condição

análoga a de escravo.

Como visto, atua juntamente com a Secretaria de Inspeção do Trabalho, e

seus auditores fiscais, por meio de fiscalizações, além de ser oficiado quando esses

se depararem com a prática. O MPT pode atuar firmando TAC – Termo de Ajuste de

Conduta, o qual consiste num acordo firmado entre o MPT e o empregador, no qual

esse último se propõe a corrigir suas ações e cumprir a legislação trabalhista, sendo

punido, em caso de descumprimento, com multa, ou ainda, como já citado, na

hipótese de se tratar da redução de trabalhador a condição análoga a de escravo, a

74 Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. IIº Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em:<https://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/participacao-social/orgaos-colegiados/conatrae/IIPlanoNacionalparaaErradicacaodoTrabalhoEscravoVersaoAtual.pdf> Acesso em: 24 de mar. 2019 75 BRASIL.Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 24 de mar. 2019

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inclusão desse empregador na Lista Suja. Ademais, o MPT possui legitimidade para

propor ação civil pública, como previsto na Lei complementar nº 7576, de 20 de maio

de 1993, em seu artigo 6º:

Art. 6º Compete ao Ministério Público da União: II - promover o inquérito civil e a ação civil pública para: a) a proteção dos direitos constitucionais; b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor; d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;

Tendo em vista, o direito ao trabalho tratar-se de direito fundamental,

elencado no art. 6º da CF/88, como direito social, tem legitimidade o MPT para

ajuizar ação civil pública em defesa do direito ao trabalho digno, visando a reparação

moral em indenização pela prática. Como exemplo, têm-se a propositura de ação

civil pública pelo MPT, em face da empresa M. Officer, a qual foi condena a pagar

R$ 6 milhões, sendo R$ 4 milhões a título de danos morais coletivos R$ 2 milhões

pela prática de dumping social, no qual consiste em submeter trabalhadores a

situações indignas de trabalho, com o objetivo de aumentar os lucros.

A atuação Ministério Público do Trabalho no combate ao trabalho análogo ao

de escravo, se dá por meio da CONAETE – Coordenadoria Nacional de Erradicação

do Trabalho Escravo, que foi criada pela Portaria 231, de 12 de setembro de 2002, e

tem como seu objetivo e suas áreas de atuação77:

(...) integrar as Procuradorias Regionais do Trabalho em plano nacional, uniforme e coordenado, para o combate ao trabalho escravo, fomentando a troca de experiências e discussões sobre o tema, bem como a atuação ágil onde necessária se faça a presença do Ministério Público do Trabalho. As principais áreas de atuação da Coordenadoria são: combate ao trabalho em

76 BRASIL. Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993. Ministério Público da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp75.htm> Acesso em: 24 de mar. 2019 77 Ministério Público do Trabalho – Procuradoria-Geral. Trabalho escravo. CONAETE. Disponível em: <http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/area-atuacao/trabalho-escravo/> Acesso em: 24 de mar. 2019.

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condições análogas às de escravo; investigações de situações nas quais os obreiros são submetidos a trabalho forçado; servidão por dívidas; jornadas exaustivas e condições degradantes de trabalho - alojamento precário, água não potável, alimentação inadequada, desrespeito às normas de segurança e saúde do trabalho, falta de registro, maus tratos e violência.

Por fim, outro órgão de atuação no combate ao trabalho análogo ao de

escravo é o Ministério Público Federal, ele atua na esfera criminal do combate a

prática, tendo em vista se tratar de crime de ação penal pública incondicionada e de

competência da Justiça Federal, cabe ao MPF efetuar a denúncia do crime previsto

no art. 149 do Código Penal, sendo a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do

Ministério Público Federal, o órgão responsável pela atuação dos membros do MPF

nos casos do crime de trabalho análogo ao de escravo.

Portanto, esses órgãos atuam de formas e em áreas diferentes, porém de

forma conjunta, para erradicar a condição análoga a de escravo no Brasil.

4.2 CASOS DE TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NO ESTADO DO PR

4.2.1 Índices da Prática No Paraná

O Ministério Público do Trabalho em cooperação com a OIT – Organização

Internacional do Trabalho desenvolveu o Observatório Digital do Trabalho Escravo, o

qual consiste num compilado de dados acerca do trabalho análogo ao de escravo no

Brasil a partir do ano de 2003, ano de lançamento do 1º Plano Nacional de

Erradicação do Trabalho Escravo. Os dados são públicos, e encontram-se no

seguinte sítio eletrônico: https://observatorioescravo.mpt.mp.br, no referido site é

possível ver dados referente aos estados brasileiros nos quais foram resgatados

trabalhadores, assim como a naturalidade e local de residência desses. O

Observatório Digital78 funciona da seguinte forma:

78 Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil: 2017. Disponível em: <http://observatorioescravo.mpt.mp.br.> Acesso em: 25 de mar. 2019

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Foram utilizados bancos de dados governamentais de várias fontes, incluindo registros administrativos, dados censitários, dados domiciliares e dados do Sistema de Indicadores Municipais de Trabalho Decente da OIT. O trabalho desenvolvido para a criação deste Observatório Digital se baseia em três premissas: a escravidão é uma indústria organizada com conceitos e estatutos de análise próprios; essa indústria se distribui de forma estruturada pelo território brasileiro em grupos de egressos e exploradores, pessoas físicas e jurídicas; e como uma indústria estruturada o trabalho escravo possui claras curvas de oferta e de demanda. A curva de oferta do trabalho escravo é desenhada com base nos locais de naturalidade de trabalhadores resgatados e tem relação com fatores sociodemográficos e econômicos que possuem impacto direto no grau de vulnerabilidade experimentado por coortes populacionais específicas. Essa vulnerabilidade pode facilitar o aliciamento desses estamentos demográficos por exploradores do trabalho escravo. Assim, a curva de oferta do trabalho escravo está radicada em fatores como pobreza, desigualdade de renda, concentração da posse da terra, violência, entre outros. A curva de demanda do trabalho escravo é desenhada com base nos locais de resgate, onde ocorreram operações de inspeção trabalhista que resultaram na inclusão, após devido processo legal com amplo direito de defesa, na Lista de empregadores flagrados explorando mão-de-obra escrava. Esses são geralmente territórios de dinamismo produtivo e econômico recente, porém intenso. Nestes locais há oferta intermitente de postos de trabalhos em ocupações que pagam os menores salários e exigem pouca ou nenhuma educação formal e qualificação profissional. (GRIFO NOSSO)

Tendo em vista que os dados estão atualizados até o dia 31 de dezembro de

2018, no estado do Paraná, entre 2003 e 2018, foram encontrados os seguintes

dados79:

OPERAÇÕES E RESGATES 97 operações 1163 resgates 11ª posição no Brasil com 2,58% do total 11,99 resgates por operação (envolvendo 213 inspeções/fiscalizações) 34,74% de inspeções/fiscalizações com resgates NATURAIS RESGATADOS 1305 trabalhadores resgatados nascidos no Estado 11ª posição no Brasil, com 3,58% dos resgatados por naturalidade RESIDENTES RESGATADOS 1010 trabalhadores resgatados que declararam residir, no momento do resgate, no Estado 13ª posição no Brasil, com 2,77% dos resgatados por residência

Portanto, no total foram resgatados 1163 trabalhadores em condição análoga

a de escravo no estado do Paraná, além disso, foram resgatados no Brasil um total

79 Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil: 2017. Disponível em: <http://observatorioescravo.mpt.mp.br.> Acesso em: 25 de mar. 2019

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de 1305 trabalhadores que nasceram no Paraná, e 1010 trabalhadores que

informaram residir no estado. O município do Paraná em que mais houve resgate foi

o de Perobal com 125 resgates, e, a capital, Curitiba, ocupa o 24º lugar no ranking,

com o total de 11 resgates, sendo o município de Palmas, o que tem mais número

de inspeções realizadas, um total de 20, durante todo o período.

Assim, no estado do Paraná, entre 2003 e 2018, ocorreram resgates e

operações da seguinte forma:

Gráfico 1 – Trabalhadores resgatados no estado do Paraná

Fonte: “Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil: 2017. Dados acessados em 25 de março de 2019. Disponível online no seguinte endereço http://observatorioescravo.mpt.mp.br” – Elaboração Própria

Portanto, evidente que a partir do ano de 2012, houve uma redução na

quantidade de trabalhadores resgatados em condições análogas a de escravo,

porém são dados variáveis, os quais podem diminuir e aumentar, conforme a

quantidade de operações realizadas, e as definições legais de trabalho análogo ao

de escravo.

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Resgates 0 82 40 129 163 227 120 19 259 64 14 10 19 15 2

Operações 1 1 4 4 8 15 6 5 11 14 7 4 7 5 5

0

50

100

150

200

250

300

TRABALHADORES RESGAT ADOS NO ESTADO DO PARANÁ

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4.2.2 Jurisprudência – TRF4 e TRT9

Acerca do desenvolvimento teórico feito anteriormente, será realizada um

estudo da jurisprudência sobre esse tema no estado do Paraná, sobretudo no

âmbito penal, tendo em vista que a conduta de submeter alguém a condição análoga

é tipificada penalmente, como visto anteriormente, e, portanto, todo aquele que se

enquadrar na referida conduta deverá responder penalmente pelo fato, haja vista a

subsunção da conduta a norma.

Realizada pesquisa de jurisprudências acerca do tema no endereço eletrônico

do TRF4, e do TRT9, com os seguintes termos, respectivamente: “trabalho escravo”

e “escravo”, onde foram encontrados 18 processos sentenciados, referentes ao

estado do Paraná, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e 6 processos no

Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, referente ao tema.

Tendo em vista que os processos analisados frente a justiça federal são

ações penais, denunciadas pelo MPF pelo crime do art. 149 do Código Penal.

Dentre os 18 processos analisados na justiça federal, 10 absolveram os réus com

relação ao tipo penal 149, enquanto que em 8 houveram a condenação dos

acusados pelo crime previsto no referido artigo:

Tabela 1 – Jurisprudência do TRF4

Jurisprudência TRF4 – Artigo 149 CP

5000889-92.2016.4.04.7004 Absolvição 8ª Turma

5002806-93.2014.4.04.7012 Absolvição 7ª Turma

0001308-32.2009.4.04.7009 Absolvição 8ª Turma

0006251-27.2006.4.04.7000 Condenação 7ª Turma

5048133-29.2016.4.04.7000 Absolvição 8ª Turma

5037768-52.2012.4.04.7000 Absolvição 8ª Turma

5001752-97.2011.4.04.7012 Absolvição 4ª Seção

5000546-27.2015.4.04.7006 Condenação 8ª Turma

5003122-09.2014.4.04.7012 Absolvição 8ª Turma

5000420-07.2016.4.04.7017 Condenação 8ª Turma

5005189-87.2013.4.04.7009 Absolvição 7ª Turma

5002612-68.2010.4.04.7001 Absolvição 8ª Turma

5000087-84.2013.4.04.7009 Condenação 8ª Turma

0011210-07.2007.4.04.7000 Absolvição 7ª Turma

5005394-17.2011.4.04.7000 Condenação 7ª Turma

5000703-55.2010.4.04.7012 Condenação 7ª Turma

0008045-78.2009.4.04.7000 Condenação 8ª Turma

5002520-03.2014.4.04.7017 Condenação 8ª Turma

Fonte: https://www.trf4.jus.br/trf4/ - Elaboração própria

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Os referidos processos foram instaurados em 7 municípios diferentes do

Paraná, sendo eles: 1 de Umuarama, 4 de Pato Branco, 3 de Ponta Grossa, 6 de

Curitiba, 1 de Guarapuava, 2 de Guaíra e 1 de Londrina.

Dentre os 10 processos em que houve a absolvição, as fundamentações das

decisões, foram as seguintes: em 4 deles, a ausência de provas gerou a absolvição

do acusado, em outros 4 foi aplicado o Princípio do In Dubio Pro Reo, o qual dispõe

que se há dúvida quanto a autoria ou materialidade do crime, o réu deverá ser

absolvido e em 2 processos, foi considerado que a conduta foi mero

descumprimento trabalhista. Quanto aos autos em que houve a condenação do réu,

a Turma entendeu que foram comprovadas a autoria e materialidade. Quanto as

penas, o artigo 149 do Código Penal prevê a pena de reclusão de dois a oito anos, e

multa para aquele que se enquadrar no tipo penal, além disso, conforme o artigo 33,

§2º do CP, o regime será fechado se a condenação for superior a 8 anos; semi-

aberto se a condenação for superior a 4 anos e não exceder a 8 anos, e em regime

aberto se a pena for igual ou inferior a 4 anos. Assim, no caso do referido crime ele

irá iniciar com o regime aberto, e como sua pena máxima é de 8 anos, ele não

poderá ser cumprido em regime fechado.

Nos 8 casos de condenação analisados, a maior pena imputada a um réu foi

a de 4 anos em regime semiaberto, sendo que, com exceção desse e de mais um

dos réus, a pena dos demais foram substituídas de privativas de liberdade por

restritivas de direitos, conforme artigo 44 do CP, sendo elas a prestação de serviços

à comunidade ou a entidades públicas e a prestação pecuniária, além da multa

prevista no tipo.

Assim, apesar de condenado, o empregador não irá sofrer grandes

consequências, como visto nos casos analisados, sendo lhe imputado penas

irrisórias para um crime de gravidade altíssima.

Ainda, está disposto no artigo 243 da Constituição Federal80, o seguinte:

80 BRASIL.Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 25 de mar. 2019

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Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.

Portanto, segundo o artigo acrescentado na Constituição Federal pela

Emenda Constitucional nº 81, de 2014, as propriedades em que forem encontradas

a exploração de trabalho escravo serão expropriadas, entretanto tal dispositivo não

tem sido aplicado, tendo em vista não existir lei regulamentadora, tendo em vista se

tratar de norma de eficácia limitada, por conta disso, nos autos nº 5000546-

27.2015.4.04.7006, o Desembargador Leandro Paulsen, afastou tal penalidade ao

réu. Sobre isso, Débora Maria Ribeiro Neves81 afirma:

De modo diverso, a redação aprovada na EC 81/2014 passou a exigir expressamente a edição de Lei posterior específica para conceituar o que pode ser considerado como “trabalho – análogo ao de – escravo”, sem o que a nova redação constitucional não possui aplicação imediata, sendo norma constitucional de eficácia limitada, dependente, portanto, da vontade legislativa em editar lei com o conceito de trabalho escravo, para, somente após, possibilitar a utilização da expropriação da propriedade pelas autoridades administrativas e judiciais competentes, como uma das sanções possíveis, além das consequências administrativas, trabalhistas e penais aplicáveis ao caso concreto.

Desse modo, é necessário um posicionamento legislativo para que seja

possível efetivar medidas mais duras na repressão desse crime, tanto no aumento

da pena, quanto na edição de lei que disponha acerca da desapropriação por conta

do trabalho análogo ao de escravo.

Na pesquisa jurisprudencial, realizada no site do Tribunal Regional do

Trabalho do Paraná – TRT9, nos 6 processos encontrados, foi verificada a

81 NEVES, Débora Maria Ribeiro Neves. Consequências da Promulgação da EC 81/2014: Retrocesso no Combate ao Trabalho Escravo. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/coordenacao/comissoes-e-grupos-de-trabalho/escravidao-contemporanea-migrado-1/notas-tecnicas-planos-e-oficinas/revista-dos-tribunais-trabalho-escravo-1/CONSEQUENCIAS%20DA%20PROMULGACaO%20DA%20EC%20812014.pdf> Acesso em: 25 mar. 2019

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condenação do réu a pagar indenização por dano moral ao trabalhador, entre as

fundamentações, o Desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, nos autos

nº 28334-2014-009-09-00-0, usou a expressão indenização por dano existencial ao

trabalhador, como termo para manter a condenação por danos morais, afim de

reprimir o descumprimento de direitos fundamentais, os processos são os seguintes:

Tabela 2 – Jurisprudência do TRT9

Jurisprudência TRT9

02046-2013-125-09-00-1 Mantida Indenização por danos morais 2ª Turma

28334-2014-009-09-00-0 Mantida Indenização por danos morais 2ª Turma

01513-2014-863-09-00-0 Condenação em danos morais 2ª Turma

36673-2011-009-09-00-7 Majorar indenização por danos morais 2ª Turma

01447-2011-242-09-00-6 Majorar indenização por danos morais 2ª Turma

00705-2009-749-09-00-8 Condenação em danos morais coletivos

2ª Turma

Fonte: https://www.trt9.jus.br/portal/ - Elaboração própria

O processo nº 00705-2009-749-09-00-8, trata-se de uma ação civil pública

ajuizada pelo Ministério do Trabalho em face da Sadia S.A.,a qual foi condenada em

danos morais coletivos, tendo em vista o descumprimento dos direitos fundamentais

dos trabalhadores. Além disso, foi determinada a expedição de ofício ao Ministério

Público Estadual – de forma equivocada, já que a legitimidade para ajuizar ação é

do Ministério Público Federal – tendo em vista, indícios fortes da redução de

trabalhadores a condições análogas a de escravo, além disso, nos autos de nº

02046-2013-125-09-00-1, em face da constatação de jornada extenuante foi

determinada a expedição de ofício ao Ministério Público Federal e do Trabalho, para

informar acerca do fato.

Assim, evidente a diferença de atuação da Justiça do Trabalho e da Justiça

Federal no combate ao trabalho análogo ao de escravo, enquanto é de

responsabilidade da primeira a responsabilização indenizatória e trabalhista do réu,

a segunda deve se preocupar com a responsabilidade penal daquele que submete

trabalhador a condição análoga a de escravo. Entretanto, apesar de só no ano de

2012, terem sido resgatados no Paraná, 259 trabalhadores, na jurisprudência da

Justiça Federal, foram encontrados apenas 18 processos sentenciados, esse fato

resulta na conclusão de que, talvez, no estado do Paraná, aquele que reduz

trabalhador à condição análoga a de escravo não esteja sendo punido penalmente.

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Deste modo, apesar do engajamento de diversos órgãos para combater essa

prática, há muito trabalho a ser realizado, tanto com o aumento de fiscalizações,

quanto numa repressão maior, é necessário que não seja vantajoso para o

empregador submeter um trabalhador a condição análogo a de escravo, nessa conta

de custo e benefício, o empregador não pode chegar ao resultado de que o crime

compensa. Os diversos campos de repressão e fiscalização devem trabalhar de

forma uníssona nesse projeto de combate, como exemplo, foi publicada a nova

relação de empregadores que tenham submetidos trabalhadores a condições

análogas a de escravo, entre eles estão 5 paranaenses: José Bueno Stresser & Cia

Ltda; Juliano Aparecido de Carvalho; Nelson Luis Slaviero; Niciel Rosa Gomes;

Sabarálcool S.A – Açúcar e Álcool, para todos eles a decisão administrativa de

procedência e irrecorribilidade foram proferidas até 2017, porém não há denúncia

relativa a nenhum deles referente ao tipo penal na Justiça Federal, dessa forma,

apesar da lista suja ser uma relação administrativa, não faz sentido que nenhum dos

empregadores sejam denunciados pelo crime, assim a denúncia pode não ser feita

por conta da dificuldade probatória, haja vista, que há processos em que o réu é

absolvido após denúncia do MPF, pois os julgadores entendem ser apenas

descumprimentos trabalhistas ou há uma falha no sistema de integração entre os

órgãos de combate.

Apesar das falhas e do longo caminho que o Brasil ainda precisa trilhar para a

erradicação completa do trabalho análogo ao de escravo, é preciso reconhecer que

ele já avançou muito nos últimos anos e espera-se que apesar das recentes

mudanças no contexto trabalhista não haja um retrocesso nos passos já trilhados.

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5 CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve o objetivo de definir e estudar o trabalho escravo

contemporâneo e sua incidência no estado do Paraná.

O trabalho escravo contemporâneo, agora, denominado de trabalho análogo ao de

escravo, já que perante a atual legislação, nenhuma pessoa pode ser submetida ao

status de escravo, assim, o que ocorre é submissão de um trabalhador a uma

condição análoga a de escravo.

Portanto, houve muitas mudanças na prática da escravização de trabalhadores,

sendo a principal a forma de escolha dos trabalhadores submetidos a essa

condição, antes a característica centra era a racial, atualmente, é a condição

socioeconômica dos trabalhadores, assim, independente de raça são submetidos a

essa forma de exploração, aqueles que se encontram em situações de miséria e

marginalizados na sociedade.

Apesar de ser tipificado no Código Penal, submeter alguém a condição análoga a de

escravo, as punições pelo crime não têm sido efetivas, ao analisar os processos na

Justiça Federal do Paraná, tendo em vista se tratar de crime de competência

Federal, e de legitimidade do Ministério Público Federal, é evidente a impunidade

para aqueles que cometem o crime, sendo a maioria condenados apenas por penas

restritivas de direitos, as quais são serviços à comunidade e prestação pecuniária.

Dessa forma, o que se concluiu é que a punição para a prática tende a ocorrer muito

mais no âmbito administrativo do que criminal, por meio do trabalho da Secretaria do

Trabalho, sendo conhecido notadamente pela divulgação da Lista Suja. Ademais, a

forma de punição pode ocorrer na Justiça do Trabalho, por meio de indenizações e

da atuação da Justiça do Trabalho.

Apesar do combate ocorrer através da atuação de diversos órgãos e de diversas

formas, o que se verificou foi uma desproporção na punição quando comparada o

número de pessoas resgatadas dessa situação e a efetiva punição de seus

empregadores ao analisar os casos no estado do Paraná.

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Portanto, ao analisar a jurisprudência do estado do Paraná, se verificou que no

âmbito penal há um alto número de absolvições para as denúncias feitas pelo

Ministério Público Federal, assim, é necessária uma mudança na jurisprudência da

Justiça Federal ao definir e entender quais condutas se enquadram no tipo do artigo

149 do Código Penal, para que então efetivamente haja a punição penal para essa

conduta e não se considere as ações do empregador como apenas

descumprimentos trabalhistas. Ademais, é imprescindível uma reforma legislativa

para alterar a pena do tipo, tendo em vista que atualmente é irrisória, e contribuiu

para a impunidade. Essas ações são necessárias para que de fato haja punição

para aqueles que cometem esse crime e para que a impunidade não seja incentivo

para a prática dessa conduta.

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REFERÊNCIAS

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Políticos. 16 de dezembro de 1966. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm> Acesso em: 30

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BASTOS, Fernando Soares. O Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil e a

Evolução das Políticas Públicas de Proteção aos Trabalhadores. 2013

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, v. 2: Editora Saraiva,

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