centro federal de educaÇÃo tecnolÓgica do …livros01.livrosgratis.com.br/cp021968.pdf ·...

87
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA A CONSCIÊNCIA TECNOLÓGICA NA REVOLUÇÂO INDUSTRIAL E A REGULAÇÃO HOMEOSTÁTICA PARA O HOMO FABER LUIS ANTONIO LAROCCA Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Orientador(a): Prof. Dra. Maclovia Corrêa da Silva Co-orientador(a): Prof. Dr. Ademar Heemann CURITIBA 2005

Upload: vuongnhu

Post on 26-Dec-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA

A CONSCIÊNCIA TECNOLÓGICA NA REVOLUÇÂO INDUSTRIAL E A REGULAÇÃO HOMEOSTÁTICA PARA O HOMO FABER

LUIS ANTONIO LAROCCA

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná.

Orientador(a): Prof. Dra. Maclovia Corrêa da Silva

Co-orientador(a): Prof. Dr. Ademar Heemann

CURITIBA 2005

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

LUIS ANTONIO LAROCCA

A CONSCIÊNCIA TECNOLÓGICA NA REVOLUÇÂO INDUSTRIAL E A REGULAÇÃO HOMEOSTÁTICA PARA O HOMO FABER

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná.

Orientador(a): Prof. Dra. Maclovia Corrêa da Silva

Co-orientador(a): Prof. Dr. Ademar Heemann

CURITIBA 2005

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da UTFPR – Campus Curitiba

L326c Larocca, Luis Antonio A consciência tecnológica na revolução industrial e a regulação homeostática para o homo faber / Luis Antonio Larocca. – Curitiba : CEFET-PR , 2005. iv, 78 f. : il. ; 30 cm Orientadora : Profª Drª Maclovia Corrêa da Silva Co-orientador : Prof. Dr. Ademar Heemann Dissertação (Mestrado) – CEFET-PR. Programa de Pós-Graduação em Tecno- logia. Curitiba, 2005. Bibliografia : f. 76-78

1. Tecnologia – Filosofia. 2. Revolução industrial. 3. Homeostasia. 4. Utilita-

rismo. 5. Grã-Bretanha – Condições econômicas – História. 6. Inovações tecno- lógicas – Aspectos econômicos – História. 7. Produtividade do trabalho. I. Silva, Maclovia Corrêa da, orient. II. Heemann, Ademar, co-orient. III. Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Curso de Pós-Graduação em Tecnologia. IV. Título. CDD : 601 CDU : 62.01

Dedicar! A quem?

Somente à companheira, amante,

espôsa e mãe, Nilsa,

de rumos tantos

por sonhos distantes,

em comum,

numa viagem que se renova

a cada dia e se guarda

no sorriso e abraço do amigo,

de hoje e sempre

feito filho, Lucas Emanuel.

Desafio enfrentado,

aqui o meu obrigado,

em palavras tortas,

sem palavras,aos dois.

Fica um sentimento profundo

que trago comigo

em meu coração

para sempre.

Amém.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Profa. Dra. Maclovia Corrêa da Silva pela confiança, incentivo e

orientação no desenvolvimento deste trabalho.

Agradeço ao Prof. Ademar Heemann pela co-orientação e incentivo no

desenvolvimento deste trabalho.

Um especial agradecimento a Profa. Dra. Luciana Martha Silveira por mostrar-

me o foco quando deste ponto crucial denominado – qualificação – para que o rigor

acadêmico do tecno-cientificismo não ofuscasse a busca da linguagem apropriada

ao tema.

Se as grandes máquinas são um perigo para o espírito do Ocidente, não seriam as pequenas máquinas um perigo maior para nós?

Rabindranath Tagore (1861 – 1941)

i

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................................................... II

RESUMO ............................................................................................................................................................ III

ABSTRACT .........................................................................................................................................................IV

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................ 5

2. ANTECEDENTES DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL ......................................................................... 20 2.1 A HOMEOSTASIA ........................................................................................................................... 22

2.1.1 Recortes Históricos das discussões sobre a homeostase ............................................................... 25 2.2 A RELAÇÃO DO HOMEM COM OS ARTEFATOS ...................................................................... 27

2.2.1 A relação homeostática do ser humano com os artefatos e a natureza......................................... 29 2.3 O UTILITARISMO E O PRAZER DAS INVENÇÕES.................................................................... 31 2.4 AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NOS RAMOS DO VESTUÁRIO E DO TRANSPORTE .... 35

2.4.1 A mobilidade humana e o progresso tecnológico.......................................................................... 38 3. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL.............................................................................................................. 43

3.1 A HOMEOSTASIA NA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA.............................................................. 47 4. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A PARTIR DA OBRA DE DAVID LANDES................................. 52

4.1 A HOMEOSTASIA NA REVOLUÇÂO INDUSTRIAL NA INGLATERRA ................................. 53 4.2 O CAMPO E A CIDADE .................................................................................................................. 56 4.3 CONSCIÊNCIA TECNOLÓGICA, TÉCNICA E CIÊNCIA ............................................................ 58 4.4 A MECANIZAÇÃO E A PADRONIZAÇÃO NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL.......................... 63

4.4.1 Questões da máquina a vapor e da energia................................................................................... 67 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................... 71

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 76

ii

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01 SISTEMA LÍMBICO..............................................................................23

FIGURA 02 REDE DE TRANSPORTES FLUVIAIS NA INGLATERRA NO PRINCÍPIO DO SÉC XIX .....................................................................39

FIGURA 03 A PEDREIRA (1896) - HENRI ROUSSEAU.........................................47

FIGURA 04 ESTADO AVANÇADO DA INDÚSTRIA BRITÂNICA EM 1815............55

iii

RESUMO

Esta dissertação trabalhou aspectos da Revolução Industrial na sociedade inglesa a partir dos conceitos de homeostasia, utilitarismo e consciência tecnológica. Temos em mente como propósito dar a conhecer uma suposta gênese da consciência tecnológica na história da Revolução Industrial, e principalmente, distinguir um conceito de conteúdo fisiológico, a homeostasia, para introduzir uma representação global das correlações entre os empreendimentos humanos e sociais. Estudamos o determinismo tecnológico motivado pelas inovações que trazem sensações de prazer e de dor, as quais fazem parte da regulação homeostática dos seres humanos. Esta busca contribuiu para a formação da consciência tecnológica coletiva na sociedade fabril. A visão utilitarista de um futuro prazeroso, previsível, contém a certeza que a tecnologia garante que todos os seres humanos venham a ter igual acesso a soluções automáticas como alimentação, vestuário e transporte. O trabalho está dividido em cinco capítulos. No primeiro capítulo foi feita a introdução ao tema, dando ao leitor a visão estrutural do conteúdo da dissertação e pressupostos teóricos. A seguir, são discutidas as questões que antecederam a Revolução Industrial. As relações do ser humano com as máquinas permeiam os mecanismos regulatórios entre o ambiente e a vida cotidiana. Não foi somente a possessão de capitais que possibilitou o rápido avanço da Inglaterra. A indústria inglesa se destacou mundialmente também pela sensibilidade e receptividade às oportunidades pecuniárias vindas do comércio e da indústria. O prazer é a única coisa que se deseja porque é a única coisa desejável. Na doutrina utilitarista, a felicidade geral é ética, uma vez que ela fomenta bons e maus desejos. O terceiro capítulo trata da formação da consciência tecnológica na Revolução Industrial a partir das teorias utilitaristas e homeostáticas. A obra de David S. Landes foi o material de apoio do quarto capítulo. Nela estão as idéias que nos auxiliaram a encontrar mais respostas para situar a Inglaterra na liderança da Revolução Industrial. A dissertação encerra com as considerações finais sobre as discussões presentes no texto do trabalho. Palavras-chave: Revolução Industrial, consciência tecnológica, homeostasia,

utilitarismo, processo produtivo. Áreas de conhecimento: Ciências sociais aplicadas, ciências biológicas.

iv

ABSTRACT

This dissertation worked on aspects of the Industrial Revolution in the English society starting from the concepts of homeostasy, utilitarianism and technological consciousness. We started from the question "Why did the Industrial Revolution happen in England? ", which was elaborated by David S. Landes, in his work "The Unbound Prometheus”, to look for answers for the following research problem: Why did the Englishmen develop the abilities for the handling of the machines and of the motors more quickly than other people did? We studied the technological determinism motivated by the innovations that bring about sensations of pleasure and pain, which are part of the human beings' homeostatic regulation. This search contributed to the formation of the collective technological consciousness in the industrial society. The utilitarian view of a predictable, pleasurable future contains the certainty that the technology guarantees that all of the human beings come to have equal access to automatic solutions such as feeding, clothing and transportation. The work is divided into five chapters. In the first chapter there is the introduction to the theme, giving the reader the structural view of the content of the dissertation as well as the theoretical presuppositions. Following that, the subjects that preceded the Industrial Revolution are discussed. The human being's relationships with the machines permeate the regulatory mechanisms between the atmosphere and the daily life. It was not only the possession of capitals that made the fast progress of England possible. The English industry also globally stood out for the sensibility and the receptivity to the opportunities for the financial arrivals of the trade and of the industry. The pleasure is the only thing that is wanted because it is the only desirable thing. In the utilitarian doctrine, the general happiness is ethical, once it foments good and bad desires. The third chapter deals with the formation of the technological consciousness in the Industrial Revolution starting from the utilitarian and homeostatic theories. The work of David S. Landes was the material of support for the fourth chapter. His work presents the ideas that helped us find more answers to place England in the leadership of the Industrial Revolution. The dissertation ends with the final considerations on the discussions which are present in his work. Words-key: Industrial revolution, technological consciousness, homeostasy,

utilitarianism, productive process. Knowledge areas: applied social sciences, biological sciences

5

1 INTRODUÇÃO

Desde o ano de 2002 quando começamos a freqüentar o curso de pós-graduação,

para obtenção do título de Mestre em Tecnologia, linha de pesquisa: Tecnologia e

Interação, no Programa de Pós-graduação em Tecnologia do Centro Federal de

Educação Tecnológica do Paraná, nasceu um novo olhar sobre a filosofia,

linguagem e outras áreas correlatas que vieram aprimorar a visão de mundo. Até

então, mais estreita. São fascinantes os contatos literários com, Ashton, Dobb,

Heemann, Henderson, Lefebvre, Maturana, Morin, Rorty, Silva, Skinner, Thompson e tantos outros, que hoje mais que nunca me fazem crer no “só eu sei que nada

sei.“.

Assim, não de todo distante da área ambiental, na qual exercemos nossa

profissão, mas ao contrário, mais próximo de suas raízes epistemológicas, que nos

propicia uma melhor compreensão dos problemas que nela residem oriundos da sua

interrelação com as demais áreas do conhecimento humano, foi possível aprofundar

nosso pensar ambientalista.

Afinal, parece ousadia acadêmica buscar uma explicação para esse

comportamento estóico que o homem tem de si mesmo, ao descobrir que o

conhecimento humano da natureza suplantou a vontade individual contra a vontade

universal instado pelo avanço tecnológico.

Portanto, a linha de pesquisa ”Tecnologia e Interação”, ao se concentrar na

análise da produção, operação e efeitos que os artefatos produzem em nossas vidas

responde ao desafio de pensar a técnica num contexto antropogênico, isto é, de que

forma se desenvolve a evolução humana.

A originalidade do tema desta dissertação está no enfoque de uma suposta

percepção dos sentidos e da manifestação da consciência entre a tecnologia e a

homeostasia, conceito este vindo da fisiologia, o qual foi introduzido neste texto para

compreender porque a Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra, sob um olhar que

6

parte do corpo – em grego, phisis – corpo que sente prazer e dor – para entender a

formação da consciência tecnológica. As pessoas deixavam de participar dos

processos de sobrevivência a partir de trocas, no qual existia uma postura entre o

prazer e a dor, para pensar através de cálculos, raciocínios matemáticos, que

visavam acumular moeda elevando para um outro patamar o prazer e a dor. Todas

as sensações corporais, a partir de então podem ser transformadas em medidas

mensuráveis.

Deixamos de lado as questões levantadas pela não presença da Revolução

Industrial em diversos países fora do continente europeu, para considerarmos

apenas o fenômeno da consciência tecnológica alimentado na sociedade inglesa

pelas idéias utilitaristas de economistas e pela homeostasia estudada por fisiólogos.

Este enfoque na localidade, na unidade do próprio país, no transcorrer da história,

faz parte da delimitação desta pesquisa que procura reunir algumas idéias dispersas

nas diversas áreas do conhecimento – filosofia, fisiologia, sociologia, geografia,

economia - e projetá-las para um centro privilegiado, núcleo de uma racionalidade

mercantilista e de uma educação política.

Já compreendemos a Revolução Industrial? Estudiosos do século XIX

tomaram a Revolução Industrial como objeto de pesquisa, havendo uma semelhança

na abordagem do tema, ou seja, a adaptação do ser humano à máquina para atingir

um estado de bem estar. No transcorrer das épocas observamos que as pessoas

serviam-se das máquinas, desde os escravos na Antiguidade, passando pelos

animais que rodavam mós para moer cereais, por moinhos a vento e a água na

Idade Média, até as oficinas de tecelagem. A produção mecânica faz parte da

história da humanidade, mas a Revolução Industrial explorou as forças motoras

naturais: o vapor da água, os gases e a eletricidade.

Quando observamos sistemas sócio-econômicos e culturais no decorrer da

história, muitos aspectos vistos como limitações para a tecnologia são superados por

sociedades1 mais avançadas. Aquilo que se tinha como matéria prima no seu estado

natural, quando modificada e utilizada pelo ser humano pode ultrapassar qualquer

1 Emile Durkheim (1858-1917), sociólogo francês, definiu a evolução das sociedades desde as mais primitivas até as mais modernas. De modo geral, elas compreendem uma certa organização institucional, um sistema de relações sociais, políticas, econômicas, religiosas, grupos familiares, classes, etnias e uma cultura que contribui para sua unidade.

7

restrição do meio ambiente. Uma das importantes diferenças continentais está na

receptividade das sociedades às inovações.

O poder do ser humano sobre o mundo natural, sobre os meios técnicos,

sobre a compressão do tempo e do espaço provocada pelas máquinas estão

presentes desde os primórdios da civilização. A tecnologia e o seu laço com as

ciências, sobretudo a física e a química, representaram pouco a pouco as certezas.

Os investimentos em pesquisa, o aperfeiçoamento das opções técnicas no

processamento industrial são alguns dos fatores que tornaram as exposições

universais famosas na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos. Visitadas por

milhares de pessoas no século XIX e início do século XX, naqueles espaços

estavam expostos as maravilhas dos motores que asseguravam o desenvolvimento

humano e tecnológico da sociedade industrial. Descartavam-se as ciências que

apresentavam as incertezas, como aquelas que estavam voltadas para o

humanismo. Bassala nos diz que “a tecnologia é tão antiga como a humanidade. Já

existia muito antes de os cientistas terem começado a compilar o conhecimento

necessário para moldar e controlar a natureza” (2000, p. 28).

Segundo Edgar Morin, o conhecimento científico do século XIX era objetivo, e

esta objetividade vinha das verificações científicas. Era um conhecimento sólido.

Esta teoria científica, no século XX, vai ser compreendida de forma diferenciada, e

Popper, professor de lógica e teoria dos métodos científicos afirmou que a ciência

trabalha com incertezas. Segundo ele, o universo não é um universo de confirmação

de verdades, mas sim de refutação de erros. O universo e a verdade existem, porém

“a única coisa que não pode existir é a certeza sobre o universo e sobre a verdade.

É isto o realismo crítico” (1990, p.14)

O presente trabalho tem por objetivo explorar as certezas permeadas por um

determinismo tecnológico motivado pelo aumento das máquinas e dos motores na

vida dos homens. Estas alegrias, estes prazeres de movimento, de velocidade

aguçam a homeostasia ou homeostase, que busca o equilíbrio e altera a consciência

daqueles seres industriosos/artesãos que trabalham com as inovações tecnológicas.

Temos em mente como propósito dar a conhecer uma suposta gênese da

consciência tecnológica na história da Revolução Industrial, e mormente, distinguir

um conceito de conteúdo fisiológico, a homeostasia, para introduzir uma

representação global das correlações entre os empreendimentos humanos e sociais.

8

O conceito de homeostasia – equilíbrio ótimo do meio interno do organismo -

foi criado pelo fisiologista americano Walter B. Cannon (1871 – 1945) em 1926.

Homeostasia, palavra oriunda do grego: homeo = igual, stasis = estado. Essa

regulação orgânica que mantém constante certo número de parâmetros biológicos,

restabelecendo seus valores por compensações em casos de modificações do meio

exterior, significa dizer bem-estar no ecossistema do homo faber, o qual se

caracteriza, segundo o filósofo francês, Henri Bergson (1859 -1941), pela faculdade

de fabricar objetos artificiais, em particular utensílios para fazer utensílios, e variar

indefinidamente sua fabricação (Bergson, 2005, p. 151 ).

Há dois milhões de anos atrás, começou uma linha de hominídeos

denominada “homo”, classificada segundo o aumento crescente da caixa craniana (

em cm3 ) O homo mais antigo foi o homo habilis (640 cm3), homo rudolfensis, homo

ergaster, homo erectus, homo sapiens (1.350 cm3), homo heidelbergensis, homo

neanderthalensis ( 1500 cm3 ) Do homo habilis que fazia toscas ferramentas de

pedras até o homo sapiens sapiens (1700 cm3), o gênero atingiu a capacidade

craniana dos seres humanos modernos. Há 500.000 anos o crescimento do cérebro

está estacionado. O aperfeiçoamento das técnicas de confecção de artefatos e a

linguagem foram fatores dominantes para que acontecessem as relações do homo

com o faber, haja vista sua concepção antropológica com o ser humano, para um

fazer nascido do cérebro ocupado por idéias e palavras que se materializou nas

práticas cotidianas do produzir com o auxílio das máquinas.

Quando chegamos ao homo faber, confinado ao tempo e espaço fabril da

Revolução Industrial, ainda existe em seu cérebro o comportamento artesanal para

com a produção. O prazer de criar e de manejar a máquina anestesiava a dor da

perda da liberdade do agir, e assim “O que a evolução nos forneceu foi a capacidade

de reconhecer novos padrões e desenvolver reações comportamentais a esses

padrões” (DEVLIN, p.210).

A vida e a sociedade humana mudaram, embora o tamanho do cérebro,

desde o homo sapiens sapiens, não tenha sofrido alteração. A transmissão genética

do conhecimento levou ao progresso da sociedade. O número de indivíduos e o

conhecimento que cada um possui, forma a inteligência social. Os seres humanos

estão cognitivamente restritos a um contato pessoal dentro de um tamanho padrão

de grupo que lhes possibilita compartilhar seus conhecimentos. As fábricas, as salas

9

de aula, os hospitais, os ônibus, os batalhões de exércitos, restaurantes são alguns

exemplos de espaços de reunião de grupos sociais. Porém, Mithen (2002) fala dos

desestímulos para a vida em grupo, motivada pela competição por recursos e os

encontros agressivos entre membros.

O professor Asthon, no seu livro “A Revolução Industrial” (1974) nos

esclarece que o clube era uma forma de organização social. Os indivíduos

relacionavam-se dentro das associações “desde o clube infernal dos blasfemadores

até o clube sagrado dos metodistas..., desde as associações para a perseguição dos

criminosos até a Sociedade Nacional para Reforma dos Costumes das Classes

baixas” (p.153).

O homo faber, bem como toda linhagem “homo”, busca incessantemente o

bem-estar e acredita que os artefatos fazem dele parte, como próteses em seu

corpo. E esse equilíbrio orgânico por assim dizer, instiga-o permanentemente à

produção de novos artefatos, para a consecução de um mesmo objetivo: a andar de

par com a tecnologia. Com o domínio do uso do fogo sofisticam-se não somente os

artefatos como também o controle sobre o trabalho.

Esse trabalho trata de aspectos da homeostasia presentes no processo da

consciência tecnológica coletivizada a partir da obra intitulada “Prometeu

Desacorrentado: transformação tecnológica e desenvolvimento industrial na Europa

Ocidental desde 1750 até nossa época”, de autoria de David S. Landes2. A escolha

da obra se deve, em parte, pela singularidade da abordagem da Revolução

Industrial, que relaciona as dimensões da ciência e da tecnologia ao processo

produtivo, no qual o trabalho é o elemento fundante do progresso. A sociedade está

presente como ator deste processo, pois por meio dela, a técnica foi produzida e

apropriada pelos seres industriosos / homo faber que trabalhavam para fazer

máquinas. Em Landes o mito de Prometeu revela o momento exato em que surgiu o

chamado homo faber, o homem que sabe fazer, foi na Revolução Industrial inglesa.

Ali o homo faber, o homem que trabalhava, precisava de fogo e do conhecimento e é

2 David S. Landes é professor emérito de história e economia política na Universidade de Harvard, Estados Unidos. Autor de obras como “Prometeu Desacorrentado, Riqueza e Pobreza das Nações, Revolution in Time”, nas quais ele estuda a história como um processo, procurando compreender como as culturas do mundo atingiram ou retardaram, fizeram ou desfizeram seu sucesso econômico e militar. Landes acredita no mercado, na disciplina, no talento, na imaginação, no espírito de iniciativa e na ética do trabalho para compreender os modelos sociais. Segundo o autor, existia um modelo social europeu que privilegiou o trabalho, a abertura intelectual e a paixão pela descoberta.

10

isso o que se fez na Revolução Industrial inglesa : o conhecimento do fogo,

representado na máquina a vapor, como a grande invenção moderna, ao

testemunhar a transição da oficina para a fábrica. A dinâmica social e humana está

umbilicada a tudo que se passa nas práticas cotidianas.

Landes propõe um estudo histórico dos acontecimentos. Faz isso porque ele

acredita que a melhor maneira de compreendermos os problemas da

industrialização contemporânea pode começar pelas indagações: “por que alguns

países da Europa efetuaram esta transformação antes de outros, e também como o padrão de desenvolvimento diferiu de uma nação para outra, e por quê?” (p.46).

Para o historiador econômico é importante conhecer as causas e o processo de

crescimento dos países. “Por que, dentro dessa experiência européia, a

transformação ocorreu em época e locais determinados?” (p.18). Seu enfoque se

distingue de outros autores preocupados com o mesmo tema na medida em que

torna saliente no desenvolvimento capitalista a liberação da criatividade, a iniciativa

e a inventividade que brotam da inteligência do ser humano. Sem dúvida, esta

perspectiva de Landes representou pensar nas relações entre ciência, tecnologia,

processo produtivo e os mecanismos homeostáticos que induziram a nossa

compreensão do processo que desencadeou a consciência tecnológica na

Revolução Industrial .

Os questionamentos de Landes (1994) “Por que os ingleses desenvolveram

essas habilidades mais cedo e mais depressa que os outros...?” (p.70), e de

Hobsbawn (2003) “Por que a Grã Bretanha e não outro país? [..] fazem parte das

inquietações que motivaram a escrita desta dissertação. As respostas para essas

perguntas não podem ser simples” disseram os autores. E foram argumentos

importantes para a construção do problema de pesquisa, da hipótese e dos objetivos

deste trabalho.

A pesquisa é de caráter exploratório, bibliográfico, trabalhando com conceitos,

definições e idéias de filósofos, biólogos, médicos, fisiologistas, sociólogos,

economistas para discutir o processo de construção da consciência tecnológica na

Revolução Industrial tendo como referência a obra de David S. Landes, lançada em

1954, e reeditada pela Nova Fronteira em 1994.

Perguntamos como a Revolução Industrial inglesa especializou-se na

fabricação mecânica de artefatos colocando para a máquina outros sentidos que

11

contribuíram para a formação da consciência tecnológica na sociedade fabril? As

idéias expostas nessa questão nos permitem buscar explicações nos fenômenos

homeostáticos observados na ação e nas relações dos seres humanos que

empreenderam a Revolução Industrial. Acolhemos o desafio de afirmar que foi neste

contexto que ocorreram ajustes de conceitos de técnica e de tecnologia vindos dos

resultados das ciências, os quais nos permitiram aplicar o termo consciência

tecnológica para este período histórico.

Pretendemos neste trabalho identificar determinadas formas de pensar de

cientistas, que sistematizaram conhecimentos, e assim poder inferir que foi a

presença do progresso mecânico e da produção de artefatos na Revolução Industrial

que possibilitou uma nova maneira de se referir à consciência tecnológica. A

organicidade, subordinação das partes ao todo, responsável pelo equilíbrio

homeostático, acusa as desordens das relações entre o ser humano e as máquinas.

O maquinismo presente na Revolução Industrial poderia ser comparado a uma

prótese, uma extensão dos seres humanos, capaz de trazer bem estar ou danos na

formação da consciência.

O uso do termo consciência pode ser buscado na filosofia. Platão, filósofo

grego (428 – 347 a.C.) (Abbagnano, 2000 b) diz que consciência é lembrança,

opinião, e raciocínio, isto é, o conjunto de atividades cognitivas em geral. Ela é um

instrumento de conhecimento e de orientação prática. Supõe-se uma esfera de

interioridade, em que aparece o conceito de opinião, um diálogo da alma com ela

mesma. Neste debate, Platão destaca o uso da linguagem para definir o

pensamento, uma linguagem para perguntar e responder. No momento histórico do

ser industrioso houve uma transposição da sua linguagem para o plano tecnológico

causada pelos novos discursos e pelas novas práticas.

Para os filósofos da Antiguidade, as relações com o mundo eram acidentais e

secundárias. A verdade e a realidade estavam no próprio ser. Esta noção de

consciência de extrair tudo de si mesmo foi contestada. No século XVII a concepção

de conhecimento do mundo interior em René Descartes (filósofo, físico, matemático,

astrônomo e naturalista francês, 1596 – 1650) foi usada como instrumento de dúvida

e de libertação. O homem pensante tem idéias e descobre, por meio da observação,

as verdades. Na Revolução Industrial, as relações com o mundo são essenciais e

prioritárias, pois o ser industrioso vai buscar sua realidade e sua verdade fora de si.

12

Essa mudança de conceitos na sociedade industrial resultou em valorização da

independência nas relações mercantis de todas as interferências externas, mas

considerando o princípio homeostático.

René Descartes problematiza esta idéia com Cogito, ergo sum3, e introduz a

relação entre o pensamento e a consciência, entendendo que todas as coisas que

acontecem em nós, com consciência, provém do fato de termos consciência dela.

Assim entender, querer, imaginar, e sentir são ações semelhantes ao pensar.

René Descartes passou para a Academia algumas certezas tradicionais como a

existência de um mundo externo, as quais foram pretextos para o desenvolvimento

de grandes pesquisas científicas e filosóficas. Ele entende que sentir é o mesmo que

pensar, que todas as coisas acontecem em nós com consciência, enquanto temos

consciência delas.

Os paradigmas clareiam a realidade, a qual está representada pelos artefatos.

Na fábrica, o que for produzido, é real, dentro da evidência máxima “Produzo,

realizo”.

Assim, os trabalhadores quando produzem, têm consciência da sua

realização, uma vez que pensam o artefato que produzem, mas estão distantes da

essência do artefato como um todo.

H. L. Beales, historiador, citado por Dobb (1977, p. 329), diz que o inventor

pode ser considerado o porta-voz das aspirações do dia, e não o iniciador das

mesmas. Uma invenção vitoriosa não é aquela que resolve um problema, mas sim

aquela que traz benefícios para o desenvolvimento econômico. Por isso, sempre

existe uma defasagem temporal entre a descoberta do princípio e a realização

prática. As descobertas são expostas para a sociedade dentro de um clima de outras

descobertas relacionadas, e a síntese e a aplicação vitoriosas, muitas vezes, provém

do organizador industrial e não dos laboratoristas.

No incremento mercantil, as fábricas faziam parte das boas novas. A filosofia

moderna contempla as idéias utilitaristas do prazer, das necessidades da escassez

que suscitam ações nos limites do espaço e tempo fabris. Assim, podemos dizer que

os seres industriosos/artesãos não compreendem plenamente o que faziam ou

3 Cogito, ergo sum quer dizer que um sujeito pensante existe. Basta uma primeira certeza plena para que a ordem natural faça jogar luz sobre o que até então permanecia desconhecido. Apresenta-se no

13

realizavam, uma vez que eles não empreenderam, mas somente executaram tarefas

que lhes foram impostas. Existe um fosso entre o empreendimento e os industriosos,

controlado, supervisionado e reificado pelos processos tecnológicos.

Dentre os autores pós-cartesianos que abordaram a questão das raízes da

formulação do conceito de consciência, encontra-se no filósofo alemão Georg

Wilhelm Friedrich Hegel4 (1770 – 1831), que acredita ser a consciência mais objetiva

e absoluta. A noção de consciência acontece com o artefato. A grande diversidade

de reflexões sobre os conceitos de consciência foram motivos de ideais e regras

morais ainda não aceitos pela moral corrente. Na fábrica, os trabalhadores adquirem

a consciência tecnológica pela linguagem ou pelo processo cognitivo?

Nessas idéias de cognição – o ato de fazer – e de linguagem – o como fazer –

vislumbra-se uma perspectiva consciencial trazida no prenúncio da Revolução

Industrial na Grã-Bretanha. Na vida diária, a consciência tem pensamentos e

princípios conduzidos para algo que parece certo, embora seja apenas uma

sensação momentânea, e a convicção fica satisfeita quando atinge um ponto de

equilíbrio que lhe é familiar.

Pretendemos mostrar ao leitor as diferentes condições de equilíbrio sócio-

tecnológico que existiram na coletivização do processo industrial. Essa visão

utilitarista de um futuro prazeroso, previsível, contém a certeza que a tecnologia

garante que todos os seres humanos venham a ter igual acesso a soluções

automáticas, para o manejo dos problemas básicos da vida, tais como alimentação,

vestuário e transporte.

O problema de pesquisa, construído a partir das idéias expostas, levanta um

questionamento sobre as implicações existentes na sociedade industrial entre um

equilíbrio homeostático e aspectos da formação da consciência tecnológica, que

arquitetou máquinas e motores para produzir artefatos visando à regulação da vida

num ambiente5 de modernidade.

plano prático como um paradigma para as intuições, mas também repercute no plano consciencial, que reduz a realidade ao objeto de consciência (Abbagano, 2000 b). 4 Hegel, na sua obra intitulada Fenomenologia do Espírito (Coleção Pensadores, 1980) censura a filosofia de Kant e de Fichte por ter permanecido como filosofias da consciência. 5 Segundo o dicionário de ecologia e ciências ambientais da editora Melhoramentos (2001), a palavra ambiente neste trabalho se reporta a seguinte definição: conjunto de condições que envolvem e sustentam os seres vivos na biosfera, como um todo ou em parte desta.

14

Os conceitos de tecnologia tratam do despontar e do florescimento das

técnicas humanas que criam artefatos. Durante a Revolução Industrial os artefatos

tomaram grande força, ocupando muitos espaços. Certos historiadores da tecnologia

preferem estudar temas relacionados ao poder e às fontes de energia das máquinas,

porém tecnologia também está presente nas artes, na lingüística, na cultura. Laruelle

(1998, p.210, 211) define tecnologia a partir de cinco grandes idéias: (1) produção

de discursos; (2) explicação e inventário dos termos de uma arte; (3) teoria da

natureza e da divisão das artes e das ciências; (4) descrição científica das divisões

do saber e das ciências; e (5) a aplicação ou investimento das ciências nas artes,

nos ofícios e nas atividades e processos.

Para análise, nesta dissertação, nos deteremos em uma delas que pode ser

compreendida dentro do contexto industrial, haja vista que a tecnologia está

relacionada a uma ciência da transformação dos materiais e dos produtos naturais, e

a uma ciência da produção dos artefatos. A tecnologia é uma disciplina que tem

como objeto as ciências e os ofícios, e anuncia os futuros estudos das operações

específicas do trabalho e da indústria.

Filósofos discutiram o tema do fazer e do conhecer no século XVIII, quando o

artesanato predominava na fabricação dos artefatos. Para Vico (1668-1744), o

conhecer pelo autor - verum - seria conquistado no momento do fazer - factum – e

eram ações intercambiáveis.

Em Francis Bacon (1561-1626), filósofo e político inglês, há uma identidade

entre ciência e poder, conciliando a aspiração do conhecimento da verdade com o

desenvolvimento do poder humano e do domínio sobre a natureza (OLIVEIRA, 2002,

p. 143).

A perspectiva do “conhece quem faz” precisa ser intermediada pelas

máquinas e pelos motores, porque pressupõe uma lacuna entre os produtos da

natureza e os da arte humana. Natureza e artifício estavam separados. Bacon

retomou a idéia do verum ipsum factum6, e disse que a contemplação, a invenção e

a fabricação de artefatos se fundamentam nas mesmas coisas, e que “o

conhecimento da sua gênese” se assemelha a um estado de equilíbrio

6 Verum ipsum factum, expressão utilizada pelo filósofo italiano Giambattista Vico (1668-1744) para principiologicamente afirmar que o homem só pode conhecer o que ele mesmo fez, porque o

15

homeostático. As esterilidades das teorias, longe do conhece quem faz e sente

prazer, eram a causa e resultado da separação entre a verdade e a utilidade

(OLIVEIRA, 2002).

Ele nos diz que a habilidade e os engenhos mecânicos podem ser

instrumentos de prazer e de morte. Os benefícios dos inventos estendem-se a todos

os seres humanos e duram para sempre. No contexto da Revolução Industrial, os

pensadores ressaltaram o caráter utilitário da reforma do conhecimento proposta por

Francis Bacon a partir de seu aforismo “saber é poder”.

O saber para ele é um meio seguro para conquistar o poder sobre a natureza,

e não tem valor apenas em si mesmo. Três dimensões percorrem sua teoria. A

dimensão instrumental infere que o progresso do conhecimento depende do

conhecimento tecnológico, ou seja, a arte da invenção se fortalece pelas

descobertas. Há uma dimensão experimental da ciência que permite a reprodução

dos efeitos e de fenômenos da natureza. Por fim, a dimensão da finalidade tem um

caráter mais utilitário, pois prevê que a produção de recursos tecnológicos ou

materiais podem aliviar as dificuldades da vida.

Os críticos da interpretação utilitarista de Bacon dizem que não se pode

confundir suas idéias com o utilitarismo do filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham

(1748 – 1832) e do filósofo inglês John Stuart Mill (1806 – 1873). Bacon não exigia

que cada conhecimento particular da ciência tivesse uma utilidade prática imediata.

Para ele, a ciência prática é o saber em sua totalidade. A ciência deveria servir à

humanidade, e não ser um instrumento de domínio. Todavia saber é poder para ser

compartilhado com todos.

O utilitarismo afirma que a natureza colocou a espécie humana subjugada ao

prazer e à dor. Ao introduzir a perspectiva do agir na natureza humana “há uma

compreensão da conduta moral como função específica de um “ser vivo que valora”

(HEEMANN, 2001, p.23).

As ações corretas produzem felicidade ao passo que as incorretas produzem

o contrário da felicidade, segundo os utilitaristas. A utilidade é o padrão do que é

bom para os homens, um padrão que aprova ou desaprova toda e qualquer ação.

Bentham entende que por meio da propriedade de um objeto pode-se alcançar o

conhecimento de uma coisa é o conhecimento de sua gênese (VICO, G. A ciência nova. Rio de Janeiro: Record, 1999).

16

prazer ou impedir a dor. Ele desenvolve um silogismo ao afirmar que em uma

comunidade estão presentes vários interesses, e se todos os indivíduos pertencem à

mesma comunidade, como na guilda, por exemplo, a soma dos seus interesses

representaria o interesse da comunidade dos artesãos.

Os interesses manifestavam-se na forma associativa, contradizendo a idéia

do egoísmo, segundo o professor Asthon (1974), o qual explica que o confinamento

dos trabalhadores em espaços fechados apresentava para os empresários maior

rentabilidade para o seu capital. No início do século XVIII os trabalhadores que

estavam dispersos nos campos e nas cidades foram reunidos primeiramente por

pequenos empresários, e no final século XVIII houve um impulso para a organização

sindical.

O trabalho está dividido em cinco capítulos, sendo o primeiro esta Introdução

aqui apresentada, que dá ao leitor uma visão estrutural do conteúdo discutido na

dissertação, e faz um panorama dos pressupostos teóricos. Procuramos

fundamentar teoricamente as idéias que serão desenvolvidas no texto da

dissertação, abordando as discussões sobre os princípios homeostáticos e o

utilitarismo como idéias movedoras da formação da consciência tecnológica na

Revolução Industrial inglesa. A obra do autor David Landes citada anteriormente,

nos deu as coordenadas para abordar as dimensões da ciência e da tecnologia

como instrumentos dinamizadores do pensamento industrial movido pela velocidade

e pelo crescimento do consumo de bens disponíveis no mercado mundial. O novo

homem industrioso, o homo faber, os artesãos são termos com traços comuns que

cobrem o texto do trabalho para explicar a formação da consciência tecnológica na

Revolução Industrial.

O segundo capítulo introduz a relação do ser humano com os artefatos e as

primeiras máquinas pré-industriais. Neste cotidiano, a vida humana, e seus

mecanismos de ajuste interno e externo, ficam ocultos pela presença da tecnologia.

O meio interno é interno em relação ao organismo, e é externo em relação ao meio

em que está colocado. O termo homeostasia faz referência à regulação da vida num

ambiente particular no qual a compreensão da mente, das emoções e dos

sentimentos recorrem à regulação biológica, ou seja, a homeostasia, para manter o

organismo humano vivo. O cérebro exerce o papel regulador em sintonia com o

ambiente, e acontece o nascimento da consciência. Charles Darwin (1809-1882),

17

naturalista inglês, é um referencial teórico que pode acrescentar argumentos para

fazermos a passagem das imagens orgânicas para a consciência tecnológica. As

idéias de segurança, confinada ao tempo-espaço fabril, opunham-se à liberdade. O

prazer é a única coisa que se deseja porque é a única coisa desejável. Na doutrina

utilitarista, a felicidade geral é ética, uma vez que ela fomenta bons e maus desejos.

Ela trabalha a intenção de uma ação, e não o seu efeito. As principais atividades das

pessoas são determinadas por desejos, controladas pelos graus de prazer e de dor.

Nas atividades mecânicas e autômatas estavam presente reflexos condicionados, já

estudados pela ideologia utilitarista. A crença na igualdade, deduzida do cálculo dos

prazeres e das dores, vai trazer subsídios para estabelecer uma harmonia entre os

trabalhadores e as máquinas.

Muitos autores, como Landes, Ashton, Henderson, Hobsbawn, dividem a

história da Revolução Industrial em fases ou momentos diferenciados por fatores

como a produção, modos de produção, capitalismo, a acumulação de capital, os

salários, os inventos, o progresso tecnológico. Considerando seus projetos de

trabalho, suas abordagens, procuramos, no terceiro capítulo, tratar a relação da

homeostasia com as máquinas e a tecnologia selecionando as idéias dos autores

que foram pertinentes para a discussão proposta, sem buscar uma seqüência

cronológica dos eventos e dos fatos relatados e discutidos nos textos que

trabalharam com o tema da industrialização inglesa. Enfatizamos os diferentes

olhares dos estudiosos da Revolução Industrial com o intuito de destacar o nosso

ponto de vista, que procura mostrar de que forma as intervenções políticas e

econômicas feitas pelos ingleses foram fundamentais para manter os índices de

felicidade do homo faber em equilíbrio. E, no quarto capítulo retoma-se a Revolução Industrial em David S. Landes

para do desenvolvimento tecnológico. Três são as abordagens que estão a permear

o livro: (1) a relação entre ciência, tecnologia e processo produtivo; (2) o papel das

condições estruturais nos processos econômicos; (3) o relacionamento entre Estado,

e o planejamento da economia, a liberdade e a criatividade.

Neste capítulo iremos abordar os temas do primeiro aspecto, os quais virão a

complementar a discussão da tecnologia e da homeostasia, ressaltando as idéias

que construíram a separação entre filosofia e ciência. Pretendemos fazer uma

análise que venha relacionar ciência, natureza dominada tecnicamente, e processo

18

produtivo observando a homeostasia e o mito do fogo, que remete à máquina a

vapor. Na visão de Landes, a Revolução Industrial não está representada

isoladamente pelas máquinas e pelas novas técnicas. Elas representaram aumentos

de produtividade e um deslocamento da importância relativa dos fatores de

produção de mão-de-obra para o capital. A revolução está no sistema fabril, na

transformação da forma de organizar e nos meios de produção, que reuniu grandes

corpos de trabalhadores num único lugar, para executar tarefas sob supervisão e

com disciplina.

Mudanças tecnológicas possibilitam consciência tecnológica do ser

industrioso/artesão, uma vez que elas instigam padrões culturais variados. Há uma

convergência cultural provinda da estrutura social, das ideologias e da personalidade

social provocada pelas atividades produtivas. Na Revolução Industrial a ênfase

crescente não está mais no ser industrioso/artesão, que não compactua com o

regime fabril, mas sim no homo faber / trabalhador que não só faz, mas que também

consome: “produzo, realizo e consumo”. Landes, ao ressaltar o papel da Revolução

Industrial, nos diz que o interior da Inglaterra estava permeado de indústrias. Ali

eram maiores as pressões e incentivos à mudança, e mais fraca era a força da

tradição. As perdas de subordinação ao pensar artesanal foram sendo

recompensadas pelo grande ganho de independência trazido pela industrialização.

Esta afirmativa enquadra-se nos seguintes princípios: a substituição da habilidade e

do esforço humanos por máquinas; a substituição de fontes animadas por fontes

inanimadas; o uso de novas e abundantes matérias primas. A Revolução Industrial

revolucionou tanto os modos de pensar quanto os modos de fazer as coisas. O quinto capítulo encerra com as considerações finais. A Revolução Industrial

é um tema recorrente na história da humanidade. Muitos autores reforçam as

invenções e o progresso como objeto de estudo. Esta dissertação procura explorar o

processo de consciência tecnológica na Revolução Industrial, buscando alimentar e

retroalimentar esta história.

Ainda fica em aberto a questão de David Landes: Por que a Revolução

Industrial aconteceu na Inglaterra e não em outros países? Procuramos focar alguns

aspectos pertinentes ao objetivo proposto por esta dissertação que se ateve ao

mecanismo de regulamentação homeostática e à consciência tecnológica.

Abordamos alguns fatores importantes que sinalizaram a Revolução Industrial na

19

Inglaterra. Algumas pré-condições estavam presentes na Grã-Bretanha do século

XVIII, as quais proporcionaram o primeiro movimento impetuoso para o

desenvolvimento do capitalismo industrial. O realce de comportamentos e atitudes

deu ao povo inglês destaque entre as economias européias: maior comércio

ultramarino, a supremacia naval, acumulação de capital, práticas creditícias e

financeiras, disseminação de fábricas, maquinismo e dominação de outras terras

perduraram até o princípio do século XX. Os atos de navegação e comércio

asseguraram o transporte de mercadorias para os ingleses, e com isso tornou-se possível a colonização de outros continentes. Após a conquista de territórios, as

populações passavam a fornecer matérias primas e a consumir os produtos

industrializados. O êxodo rural contribuiu para fornecer mão-de-obra, rebaixando os

salários e elevando a produtividade na indústria. Prevaleceu a monarquia

parlamentarista sobre a monarquia absolutista permitindo a participação da

burguesia na construção do país. O governo inglês, ao conceder direitos e aceitar

legalmente a política do laissez-faire, cooperou para o desenvolvimento e a

promoção do bem estar econômico da nação.

20

2. ANTECEDENTES DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

São muitos os olhares de estudiosos para abordar um grande movimento social que

se denominou Revolução Industrial. Algumas teorias tentam explicar este fenômeno

em termos de clima, geografia, história, mudança biológica na população. David

Landes, na obra escolhida nesta dissertação para analisar a relação entre a

consciência tecnológica e a homeostasia, idéias mais próximas da crença no

incremento da produção artesanal e industrial que estimula o mercado. Porém a

organização de sua obra permite ao leitor depreender os mecanismos reguladores

da interação do ser humano com as máquinas. Ele fala das invenções e da

tecnologia que originaram o sistema fabril, alterando o equilíbrio existente e a rotina

da vida: “a mudança tecnológica nunca é automática, ela significa a substituição de

métodos numa combinação de considerações que incitem esta mudança...” (1994, p.

50). Isto quer dizer, as mudanças tecnológicas significam, para Landes, Revolução

Industrial.

O enfoque que nos propomos a desenvolver nesta dissertação vai ao

encontro da idéia de que as habilidades artesanais e o esforço humano foram sendo

substituídos pelas rápidas máquinas, constantes e próximas da precisão, que

alteraram o equilíbrio do meio ambiente rural e urbano existente na época.

Os problemas tecnológicos já existiam no início do século do século XVIII, e

as pessoas estavam familiarizadas com dispositivos mecânicos simples e com o

trabalho em metal. A mão de obra que possibilitou o futuro desenvolvimento

industrial era formada por pequenos empresários e hábeis artesãos industriais. As

habilidades dos artesãos e seus métodos costumeiros penetram no território das

fábricas restabelecendo um novo equilíbrio com o advento das máquinas.

A Grã-Bretanha era uma ilha que apresentava no século XVII as condições

para modificar o seu sistema produtivo. Isto foi dito por Hobsbawn que afirma ser a

Inglaterra um país que, nesta época, não tinha um campesinato estruturado em

propriedades rurais, mas havia acumulado capitais. Por isso, é seguro que não

podemos mais falar de uma agricultura de subsistência (2003, p. 37).

Até o século XV, segundo Oliveira (2002), artistas e técnicos são

considerados artesãos e seus meios sociais são praticamente os mesmos. O sentido

das artes mecânicas era oposto às artes liberais. Os artesãos eram denominados

21

”mechanicals”, e subordinados aos praticantes das artes liberais. No século XVI,

segundo dados biográficos do poeta inglês e dramaturgo Willian Shakespeare (1564

– 1616), na cidade de Londres estavam concentradas muitas lojas e casas, e o

comércio nela prosperava. Enquanto que no interior destacavam-se os fabricantes,

na capital grande era o prestígio social daqueles que freqüentavam as escolas e as

universidades. Vesalio, na sua obra “De corporis humani fabrica”, em 1534,

escrevera que a ciência e a técnica necessitavam de uma união.

Albretch Dürer (1471-1528), pintor e gravador alemão, (citado por Oliveira

2002, p. 91), expressava a ausência de reconhecimento social pela falta da cultura

oficial: “Não duvido que muitos irão criticar-me por meu propósito de escrever e

ensinar sem ter tido educação, de ter pouca compreensão e não ser prendado em

muitas habilidades”. Aqueles que eram iletrados em latim também enfrentavam

dificuldades para discutir com os lógicos, os quais publicavam suas experiências

como conhecimento dirigido a uma determinada comunidade.

Barbeiros, enfermeiros, farmacêuticos e cirúrgicos eram considerados

artesãos superiores. Aqueles artesãos que entravam para a guilda, que era a

corporação dos artífices, atingiam um grau de distinção.

O número de artesãos vai sendo multiplicado pela Europa, e na vida urbana

eles foram organizando hierarquicamente, pela divisão do trabalho, as profissões.

François Rabelais (1483-1553), através da fala de seu personagem Gargantua7,

mostra ao leitor como era feita a divisão do trabalho artesanal. Por um lado, havia

fundidores de metais, ourives, talhadores, relojoeiros, gráficos, tintureiros, que

trabalhavam na indústria e nos negócios, operando na natureza (experiência), e por

outro, os cientistas formulavam métodos de investigação da natureza

(experimentação).

Havia uma hierarquia social entre os artesãos e os cientistas. A vida humana

estava regulada pelos instrumentos homeostáticos de uma nova ordem do ambiente

físico e social que vinha se constituindo A vida humana precisa ser regulada por

convenções, regras de ética, administradas por instituições “que funcionam no grupo

social como instrumentos homeostáticos” (DAMÁSIO, 2004, p.179). Aqueles

artesãos que funcionaram como combustível para os motores da Revolução

7 Rabelais F. era escritor, monge e humorista. Escreveu a obra intitulada “Crônica do grande e enorme gigante Gargantua”.

22

Industrial, no decorrer do tempo, mudaram seu estilo de vida e sua ocupação.

Antônio Damásio, neurocientista português, radicado nos Estados Unidos, introduz a

noção de que quando a tarefa do artesão se afasta das idéias e imagens

construídas, ele se torna um operário da máquina, fabricando imagens: “A nossa

mente é feita de imagens, representações ou pensamentos que dizem respeito a

partes de nosso próprio corpo em ação espontânea ou no processo de responder a

objetos exteriores ao corpo” (p.226).

2.1 A HOMEOSTASIA

Nas duas últimas décadas, diversas áreas do conhecimento tiveram um avanço

qualitativo no refazimento das relações entre a biologia humana, a linguagem, a

cognição e os fenômenos ditos mentais e psicológicos, como a razão, a consciência

e a emoção. As ciências cognitivas, anteriormente fundamentadas na perspectiva

formal abstrata das ciências naturais, têm recebido contribuições de diversos

domínios sobre a questão mente-cérebro, e Maturana reacende “o debate sobre os

fenômenos tradicionalmente tratados como propriedades inerentes e distinguidoras

do humano – como a racionalidade, a consciência e a linguagem – e sua

interrelação, agora pensada em outros termos”. (MATURANA, 2001, p.12 ).

O célebre médico grego Hipócrates (460-370), escreveu 72 obras sobre o

organismo humano. Seu registro de 42 casos clínicos, os únicos registros de sua

espécie ao longo de dois mil anos, deu à medicina o espírito científico, substituindo a

superstição pela observação diagnóstica. Acreditava na força curadora da natureza,

apoiando-se mais na experiência do que na experimentação. Ele era partidário da

natureza e não do método. Ele praticava a arte da medicina e não a ciência médica. Como um artesão da medicina, Hipócrates nos ensina que o corpo humano

tem seus mecanismos de ajuste. O processo de regulação homeostática da vida

humana fica ocultado pela forte impressão do caráter da tecnologia. As instituições

sociais, pelo seu próprio funcionamento eficaz, encobrem a regulação automática da

vida, mas “Indubitavelmente, no entanto, o alvo de todas essas instituições é

precisamente a regulação da vida num ambiente particular”, um ambiente técnico-fabril (DAMÁSIO, 2004, p. 179).

Baruch Spinoza (1632-1677),filósofo holandês e Damásio, afirmam que o

corpo está relacionado com o ambiente, dando origem à consciência. Consciência e

23

mente não são sinônimos. Nas palavras de Antônio Damásio “A consciência é um

processo que enriquece a mente com a possibilidade de saber da sua própria

existência, e saber da existência dos objetos que a rodeiam” (ibid., p. 194). A alma é

a consciência do corpo; ela acompanha os seus movimentos, exprimindo em

conjunto com a estrutura física o mesmo evento na constituição da individualidade.

O ser humano é uma estrutura, com partes relacionadas entre si. Baruch Spinoza diz

que somos uma máquina complexa que forma um todo orgânico, e não um

ajuntamento de partes. Na proposição XIII, na segunda parte – Spinoza diz que “o

homem consiste de alma e corpo, e que o corpo humano existe conforme o

sentimento que temos dele” (1957, p. 80). Damásio concorda com Spinoza no que

diz respeito à mente e ao corpo como processos mutuamente correlacionados.

As operações regulatórias do cérebro estão sujeitas à criação e à

manipulação de imagens mentais, num processo que se chama mente. O corpo e o

cérebro formam um organismo integrado, conforme Damásio. A atividade cerebral

atua no regulamento dos processos de vida do organismo, através da coordenação

do meio interno e do meio externo.

Temos um corpo que pensa com um cérebro triúno: reptiliano, mamífero e

límbico (ver figura 1).

FIGURA 01 - SISTEMA LÍMBICO

FONTE: Ballone, 2005 a. (Disponível na internet. acessado em 26 de junho de 2005)

24

Conforme Ballone, “emoções e sentimentos, como ira, pavor, paixão, amor, ódio,

alegria e tristeza, são criações mamíferas, originadas no Sistema Límbico”. Além

disso, o Sistema Límbico é responsável por determinados aspectos de identidade

pessoal e por importantes funções ligadas à memória (Ballone G.J., 2005 a).

Heemann (2001) nos coloca como seres que valoram, na medida que

trabalhamos dentro de um mundo de idéias, um mundo do belo e do bom como

entidades intemporais, imutáveis e absolutas numa relação causal entre a vida e

valores, questionando se é o observador que atribui valor à natureza ou é a natureza

que é provida de valor. A consciência tem antecedentes biológicos assimilados: “A

consciência confere ao ser valorizante o conhecimento de si mesmo, de sua

existência e de sua própria atividade mental (p.37)”.

Em contraponto, Silva (2003) como critico da obra de Antônio Damásio, nos

diz que o projeto de reduzir o social ao biológico, assentado na hipótese materialista

para procurar os mecanismos da consciência, não pode ser reducionista. Damásio

destaca que a ciência do século XX deixou de fora o corpo, e que se quisermos

compreender a mente, as emoções e os sentimentos precisam recorrer à regulação

biológica, ou seja, a homeostasia, que mantém o organismo humano vivo. O cérebro

exerce o papel regulador em sintonia com o ambiente, e acontece o nascimento da

consciência.

A filosofia moral é a ciência do bem e do mal, dos apetites e das aversões, na

sociedade humana. Os seres humanos divergem nos seus julgamentos do que é

agradável e do que é desagradável para a razão.Thomas Hobbes (1588-1679),

filósofo inglês (citado por Morris, 2002), diz que o mesmo homem em tempos

diversos diverge de si mesmo. Às vezes ele chama de bom àquilo que em outro

momento chama de mau. Esta forma de pensar faz parte da formação da

consciência. Na Revolução Industrial, na condição de miserabilidade, os

trabalhadores podem repulsar a presença da máquina, e na condição de

abundância, eles podem aceitar que a máquina faça parte da sua tarefa.

Baruch Spinoza no século XVII demonstra, através de proposições axiomas e

corolários, que o corpo molda os conteúdos da mente, muito mais do que a mente

molda os conteúdos do corpo, embora os processos da mente também influenciem

os do corpo (DAMÁSIO, 2003).

25

Deste modo, podemos dizer que a fábrica molda o corpo, o qual molda a

mente. Uma idéia não cria outra idéia, numa autonomia criativa, porque a mente não

molda o corpo, e sim o corpo é moldado pelo artefato. Assim, a tecnologia existe no

tempo histórico, marcado pelo relógio, a qual avança linearmente em direção ao

futuro, inexoravelmente, deixando para trás o tempo cíclico ritmado em que o saber,

o fazer e o ser eram regulados pela natureza. Os três grandes gestos – postural, digestivo, rítmico – associados aos três

cérebros citados por Heemann -reptiliano, mamífero, límbico – representam uma

matéria e uma técnica e suscitam um material imaginário – os artefatos. O gesto cria

o artefato, e o artefato instiga novos gestos.

Lembrando as técnicas de nosso ancestral da linhagem Homo, há dois

milhões de anos atrás, o H. habilis, que ao trabalhar blocos de pedra, manipulando

matérias-primas, ocasionalmente talha a pedra, e faz uma lâmina, insinua uma

associação neural entre a lâmina e o corte. Surge dai um processo cognitivo que

deu origem a uma consciência técnica. Ele deixa de ser exclusivamente caça e se

torna caçador. Há uma outra homeostase na sua relação entre o seu ambiente

interno – corpo - e externo – meio ambiente.

2.1.1 Recortes Históricos das discussões sobre a homeostase

A homeostasia traz fundamentos da fisiologia humana que trata das funções, as

quais são processos vitais coordenados de tal forma a permitir a conservação dos

seres vivos. As funções de relação nos põem em contato com os nossos

semelhantes e o meio externo; as de nutrição conservam o indivíduo; e as de

reprodução asseguram a perpetuidade da espécie.

O trabalho do fisiologista francês Claude Bernard (1813-1878), fundador da

medicina experimental, introduz a idéia que os organismos possuem um ambiente

interno o qual devia ser mantido constante. Para ele, o princípio do isolamento do

meio exterior “macrocósmico” e da estabilidade relativa do meio interno ou

“microcósmico”, denomina-se homeostase, propriedade tanto dos seres vivos como

das máquinas, a exemplo da máquina a vapor: “em ambos os casos a perfeição da

26

máquina consistirá em ser mais livre e independente, de maneira a sofrer cada vez

menos as influências do meio exterior” (MARTINS, 1998, p. 157).

A palavra homeostasia foi o título de uma conferência ocorrida na França em

19228, na Universidade de Paris, na Sorbonne, pelo fisiólogo americano Walter B.

Cannon. Alguns textos atribuem a criação da palavra a ele. Ele explica que a

mobilização energética em um organismo começará quando o equilíbrio interno

estiver perturbado, e continuará a manifestar-se até que este equilíbrio seja

restaurado. Os avanços na medicina possuíam uma analogia com o contexto histórico das

máquinas que estavam nas fábricas: tal quantidade de alimento, para tal quantidade

de esforço, como se fora uma quantidade de carvão para tal pressão de vapor.

Ritchie Calder ao falar do homem e da medicina em sua obra, destaca um repertório

compartilhado entre a medicina e a fábrica que estava presente na academia:

o sistema nervoso era semelhante ao telégrafo Morse. O estomago e o sistema digestivo compunha a usina de manipulação, possuindo seu sistema adequado de disposição de resíduos ou de dejeções. A circulação do sangue assemelhava-se à uma correia contínua, à um tapete rolante, de transporte, levando oxigênio e substâncias químicas para os tecidos, e retirando deles os resíduos dejetados, para que tais resíduos se juntassem aos outros no sistema de despejo Calder, 1976, p.178).

Para se atingir o equilíbrio característico dos organismos vivos, a entrada e a

saída do sistema devem ser, necessariamente, controladas. São os inputs

(entradas) e os outputs (saídas) de um processo de retroalimentação positiva e

negativa, - entrada de insumo e saída de produto nas fábricas - aumento e

diminuição de temperatura corporal, da pressão arterial - hospedeiro e parasita nos

seres vivos - ao traçar um caminho a favor e um caminho contra para manter a

estabilidade do sistema. Na ecologia, quando os biólogos se referem aos sistemas

vivos, utilizam a expressão mecanismos homeostáticos, como por exemplo, o

sistema de regulação de água no organismo humano. Caso o nível esteja abaixo do

normal, levando-se em conta um referencial, o sistema reduz a perda e aumenta a

aquisição.

8 w w w . c e n t r o p s i c o l o g o s. c l

27

No jogo das relações das pessoas com os objetos, e com outros seres

humanos, a homeostase começa a construir seu próprio papel no ambiente sócio-

tecnológico. As atividades dos dois níveis, biológico e social, interpenetram-se, e os

princípios da retroação9 e da regulação tornam-se necessários para a compreensão

das diferentes fases de organização e evolução nos comportamentos e experiências

humanos. A vida humana expande-se, e pode-se dizer que existe uma homeostase

automática, a qual é reforçada pelos avanços tecnológicos, que envolve o trabalho

de todo e qualquer organismo no sentido de adaptação ao ambiente físico e ao

ambiente social.

2.2 A RELAÇÃO DO HOMEM COM OS ARTEFATOS

Charles Darwin é um referencial teórico que pode acrescentar argumentos para

fazermos a passagem das imagens orgânicas para a consciência tecnológica.

Adequar um pensamento evolucionista às ilhas britânicas pode nos dar pistas sobre

o porque da Revolução Industrial acontecer inicialmente nesse espaço geográfico.

Darwin (s/d), ao explicar as classificações das espécies biológicas, toma

como exemplo as línguas faladas naquela atualidade. Um arranjo genealógico das

raças humanas apresentaria uma melhor classificação das diversas línguas faladas.

Nesse caso teríamos um único arranjo. A distribuição geográfica pode ser

empregada na regularização dos grandes gêneros, porque todas as espécies de um

mesmo gênero habitando em uma região isolada e distinta descendem, segundo

todas as probabilidades, dos mesmos pais. A cadeia de afinidades, para ele, tem

sempre uma origem genealógica, e grupos estão subordinados a outros grupos.

Na sociedade industrial inglesa, bem como em outras culturas que se

distinguem por seus diferentes modos de vida, havia regras que se ajustavam às

circunstâncias, e conformavam comportamentos para trabalhadores e empresários.

Do mesmo modo, podemos transferir esta idéia para os artesãos que se

diferenciavam dos não artesãos pelo uso de instrumentos cognitivos, e pela

potencialização das capacidades operativas (Oliveira, 2002, p.80). Como grupo, eles

poderiam ser classificados como membros de uma sociedade ligados pelas mais

complexas e divergentes linhas de afinidade.

9 Retroação é o efeito que repercute sobre a causa e a modifica (Edgar Morin, Ciência com

28

A condição de ilha de muitas cidades britânicas, conforme o raciocínio

desenvolvido por Charles Darwin, permitiu a disseminação dos artefatos na

Inglaterra, e não na Irlanda, Escócia, e País de Gales. Ele explica a situação do

arquipélago de Galápagos, ilhas habitadas por diversas espécies, que mantém muito

mais relações entre si do que com o continente americano ou outra parte do mundo.

A semente de uma planta quando transportada para estas ilhas sofre variações, mas

no caso daquelas analisadas no arquipélago: “as novas espécies uma vez formadas

numa ilha não se espalham prontamente nas outras” (DARWIN, s/d, p. 385).

O zoólogo, cientista e compositor da música popular brasileira, poeta, Paulo

Vanzolini10, ao explicar a teoria sobre a formação de espécies em 1970, nomeada

Teoria dos Refúgios, também acredita nas “idiossincrasias” das ilhas. Ele constatou

que a mata amazônica, na época de clima árido, ficou com manchas isoladas e

nelas os animais foram confinados. Sem contatos genéticos, estes seres foram

desenvolvendo características distintas.

Alguns pesquisadores como Maria Lúcia Absy, Thomas van der Hammen

defendem as constatações de Vanzolini, professor da Universidade de São Paulo, e

outros preferem aprofundar suas pesquisas para acrescentar novos conhecimentos

para esta discussão. A pesquisadora Sandra Knapp, do Museu de História Natural

de Londres acredita que as evidências da teoria dos refúgios são muito esparsas

para explicar a biodiversidade11.

A mudança tecnológica está no uso artefato, e não diretamente no

conhecimento científico, ou em fatores socioeconômicos. O artefato, produto do

intelecto e da imaginação das pessoas, faz parte da sobrevivência humana. Bassala

(2001) ilustra esta idéia: “o historiador Brooke Hindle afirmou que na tecnologia, o

artefato ocupa uma posição superior à ocupada pelos artefatos na ciência, na

religião, na política, ou em quaisquer outras atividades intelectuais ou sociais” (p.31).

Os pontos de vista de Bassala aproximam-se daquelas noções que desenvolvemos

ao relacionar a tecnologia e a teoria da origem das espécies desenvolvida por

Charles Darwin: “os artefatos são tão importantes para a evolução tecnológica, como

as plantas e os animais o são para a evolução orgânica” (Bassala, 2001, p.31).

consciência, 2003, p.279). 10 Scientific American, número 7, dez. 2002, p.24. 11 Folha da Ciência, São Paulo, 4 de abril de 2003.

29

A consciência da materialidade das produções humanas em sua interação

com a atividade criadora, na execução de ações, desde o modo rústico de cozer um

alimento, até a composição de uma peça musical, induz uma reflexão sobre a cultura

material. As atitudes, frente aos artefatos, pressupõem que uma história de consumo

pode ser vista como uma maneira de atar o artefato ao ser humano, a sua

interioridade com a exterioridade para explorar cada vez mais os segredos da

natureza. Dentro da mitologia, este fato pode ser ilustrado pelo mito prometeico, um

titã acorrentado pelos deuses por ensinar aos homens o uso do fogo. Estendendo

este relato simbólico, Landes (1994) lança a idéia de um Prometeu Desacorrentado,

vivendo numa sociedade industrializada e moderna. Assim, houve uma passagem

de uma economia da raridade de bens materiais para uma economia da abundância

após a Revolução Industrial.

A existência de novos artefatos e do consumo justifica a presença

intermediária do mercado, o qual se transforma em regulador do equilíbrio

homeostático. Conforme Daniel Roche, existe uma nostalgia, que vê nas sociedades

antigas o mundo que está atrás de nós, e os valores e a felicidade são avistados

como perdidos, já que eles se deslocaram para uma dimensão fetichista com a

reificação dos artefatos, do produtivismo sem limites: “o homem cercado de objetos

não seria um prisioneiro como lembra Jean Jacques Rousseau e Adam Smith?”

(Roche, 2000, p.18).

O sistema técnico não é autônomo em relação ao social, mas transformador.

Há uma racionalidade fundamentada em normas para regularizar a fabricação que

têm valores de uso e de troca – criação e consumo. A convivência social foi

transformada, entre o corpo e suas disciplinas, entre o dia e a noite, entre

conveniências indumentárias, modificadas pela fábrica e pelos códigos de costumes.

Os seres humanos se constroem de outra forma e reajustam constantemente suas

relações com a coletividade (Roche, 2000).

2.2.1 A relação homeostática do ser humano com os artefatos e a natureza

Na história da Revolução Industrial pretendemos elucidar uma suposta gênese da

consciência tecnológica, e principalmente distinguir um conceito de conteúdo

30

fisiológico, a homeostasia, para introduzir uma representação global das correlações

entre os empreendimentos humanos e sociais.

Concebemos a produção industrial como parte de um organismo social,

inserida na divisão do trabalho, movimentada por classes sociais e que cria relações

humanas.

O que provém da história e da consciência pode ser desdobrado numa

realidade que inventa prazeres ou dores “sociais”. Imaginemos que existem nas

práticas dos trabalhadores momentos salutares e momentos danosos. No seu

cotidiano, eles saberiam criar um espaço harmonioso condizente às suas realidades.

Poderíamos chamar este equilíbrio homeostático de “salubridade consciente”

momentânea, talvez mal compreendida, mal percebida. Ela terá que ser considerada

e reconsiderada a cada nova situação de trabalho, pois faz parte da formação de

mentalidades.

Ao fazer parte do acionamento e do uso das máquinas, os trabalhadores

travam relações diretas com suas profissões, corporações, famílias e outros corpos

organizados, os quais são projeções dos princípios morais e jurídicos da sociedade.

Nas condições históricas da Revolução Industrial, a promoção e a

generalização da troca, dominadas pelo lucro e pela rentabilidade, prescrevem uma

ordem de mercado, com níveis de transparência nem sempre aceitáveis. Subjazem

no comércio formas e estruturas mentais e sociais que regulamentam atos, ações,

decisões, condutas e a própria homeostasia. A realidade social imposta pelas

relações de troca desenvolve potencialidades para reflexões sobre o aprendizado

provindo da experiência produtora. Daí, um determinismo tecnológico que afasta a

idéia de criação atribuindo valor aos ritmos mecânicos, e conferindo motivações para

os trabalhadores, provindas das forças sociais e históricas, que não aquelas

existentes entre os seres humanos e o seu meio ambiente.

Acontece uma inovação no modo de viver com o crescimento da produção

material no decorrer dos séculos XVIII e XIX. As mudanças nas relações campo-

cidade, e nas relações de propriedade põem em evidência as distorções e as

defasagens que se sucederam no tempo e no espaço. A fábrica era o local das

atividades aceleradoras de processos de troca, como se fosse um esconderijo

habitado, onde a ilusão do prazer se reproduzia, num espaço fabril percebido e

concebido pelos desejos e pelas necessidades. As conversas, os gestos, as

31

maneiras de viver, as satisfações e insatisfações dos seres industriosos/artesãos

estavam sendo organizadas por uma racionalidade que ocultava as significações da

felicidade, do poder, da ciência, da técnica e da riqueza. Os trabalhadores se

percebem segundo uma racionalidade organizadora de seu cotidiano, que alimenta

suas imaginações e os faz estabelecer uma lógica do equilíbrio homeostático entre

determinismos e liberdades.

Na sociedade industrial da abundância, produtivista, liberta dos limites de

escassez, os direitos não fazem parte da prática social: o emprego do tempo e os

ritmos de vida dos trabalhadores não lhes permitem usufruir os melhores resultados

de suas atividades. A idéia do consumo como prazeroso deturpa o sentido da

atividade produtora e criadora. O domínio sobre a natureza material, entretanto,

circula entre o produto e a obra. Lefebvre (1967) nos diz que a classe operária não

tem de modo espontâneo o sentido da obra, que envolve questões de tempo,

espaço, corpo e desejo. Este sentido, ou esta consciência desapareceu com o

artesanato. O autor vê o campo como um lugar de produção – a produção agrícola

que faz nascer produtos é de obras – a paisagem é uma obra modelada que

posteriormente será absorvida pela racionalidade

A produção agrícola, pouco a pouco, perde sua importância para a produção

artesanal, e no século XVIII ganha espaço à planificação racional da produção, da

indústria, da técnica.

Uma invasão de novas idéias, ainda que houvesse sempre contradições,

permitiu aos poderes organizar a indústria nas cidades inglesas. A todo instante, a

consciência tecnológica encontra momentos pra se esparramar e metamorfosear.

2.3 O UTILITARISMO E O PRAZER DAS INVENÇÕES

A natureza atribuiu ao ser humano dois modos de fazer que o governam: a dor e o

prazer. Este dualismo está presente na teoria de Jeremy Bentham (Morris, 2002). O

princípio da utilidade, que aprova ou desaprova toda e qualquer ação, está

fundamentado no prazer e na dor para construir a felicidade na razão e na lei. O

prazer está na obediência da lei.

32

Por outro lado, a utilidade enquanto realidade é a aplicação do princípio, na

medida em que a propriedade do objeto nos faz ora mais felizes, ora menos felizes.

A posse e o uso de artefatos tecnológicos produzem ou não benefício, felicidade.

Entre os princípios adversos da utilidade, está o da simpatia e da antipatia,

que ora aprova ou desaprova certos atos, não por conta de aumentar, nem por conta

de diminuir a felicidade, mas apenas porque um ser humano se encontra disposto a

aprová-los ou desaprová-los como uma razão suficiente em si, rejeitando a

necessidade de procurar algum motivo extrínseco. Este mecanismo de regulação,

transposto para a fábrica funcionaria da seguinte forma: um trabalhador em um novo

ambiente de trabalho realizando uma prática repetitiva pode sentir antipatia sem ser

capaz de remontar à causa que deu origem a esta nova forma de levar a vida. Os

sentimentos internos dele serão guiados pelas considerações externas – aprovação

e desaprovação - para que ele construa as adaptabilidades necessárias ao equilíbrio

homeostático.

Heemann acredita que a essência do senso moral admite uma dimensão

emotiva assentada numa base primária de comandos cerebrais, em grande parte

automáticos e inconscientes, tais como a execução de rotinas em fábricas. Quando

um trabalhador dedica-se exclusivamente à fabricação de um único objeto, aprende

a executá-lo com exímia aptidão.

As rotinas asseguram um juízo de valor – antipatia e simpatia – em relação às

tarefas desempenhadas pelo trabalhador. O autor entende

que “...a mente, não existe sem o cérebro. É o cérebro que produz os sentimentos básicos da aversão e do prazer e todo corpo participa dele e de seus desdobramentos emocionais, como a cólera e o medo, a alegria e a tristeza, a alegria e a indignação” (2001, p. 57).

Charles Darwin elaborou o princípio dos hábitos associados úteis, no qual

existe uma tendência, pela força do hábito, de os mesmos movimentos se repetirem,

por menos úteis que eles sejam, induzidos por um sentimento, ora de prazer, ora de

dor, e

“os movimentos que ajudam a satisfazer algum desejo, ou aliviar alguma sensação, se repetidos com freqüência, tornam-se tão habituais, que são realizados, tendo ou não utilidade, sempre que o mesmo desejo ou sensação são experimentados, ainda que muito levemente” (2000, p.323).

33

É evidente o poder da força do hábito. Os mais complexos movimentos

podem ser executados com esforço e consciência mínimos. Os movimentos fabris se

assemelham a órgãos mecânicos, com harmonia ininterrupta, estando todos eles

subordinados a uma força motriz que regula a si própria.

A fábrica, uma forma revolucionária de trabalho com máquinas

especializadas, acionadas por trabalhadores especializados, funcionando na

ritmicidade dos motores, impunha uma disciplina desumana de mecanização. As

idéias de segurança, confinada ao tempo-espaço fabril, se opunham à liberdade.

A temperança, bem como o prazer moderado, eram entendidos como virtude

pelos utilitaristas. Na verdade, parece que o sistema fabril, quando combinado com

uma determinada vigilância, possibilitava aos empresários usufruir benefícios em

prol de seus interesses particulares, mostrando-se úteis para a sociedade na medida

que geravam produção e trabalho.

O prazer é a única coisa que se deseja porque é a única coisa desejável. Na

doutrina utilitarista, a felicidade geral é ética, pois ela fomenta bons e maus desejos.

Ela trabalha a intenção de uma ação, e não o seu efeito. As principais atividades das

pessoas são determinadas por desejos, controladas pelos graus de prazer e de dor.

Nas atividades mecânicas e autômatas estavam presente reflexos condicionados, já

estudados pela ideologia utilitarista. A crença na igualdade, deduzida do cálculo dos

prazeres e das dores, vai trazer subsídios para estabelecer uma harmonia entre os

trabalhadores e as máquinas.

A filosofia de Jeremy Bentham está calcada em dois princípios: o da

associação e o da maior felicidade. O trabalho artesanal domiciliar era semelhante

ao trabalho artesanal fabril, embora, espaço e tempo tivessem conotações

diferentes. Nesta passagem, o salário tomou a dimensão da felicidade. O bom é o

prazer e a felicidade. Na formação da consciência tecnológica, trabalhar na fábrica

dava mais prazer que dor. As justificativas deste prazer foram reificadas pela

legislação criada pelo governo, e obedecer às leis, para os cidadãos, tornou-se um

prazer. As pessoas eram castigadas pelos delitos. Este aparato sistêmico

assegurava a manutenção e a expansão do mercado ora vigente.

Como foi possível trazer para as fábricas os artesãos, homens livres,

agricultores e convencê-los que confinados seriam felizes? Todo valor é conferido

pelo trabalho, disse David Ricardo (1772-1823), economista inglês (Dobb, 1977).

34

Ora, este valor, enquanto julgamento moral, era capaz de definir modelos de

comportamento. A busca da riqueza era compreendida a partir do prazer e da dor,

dos interesses individuais e dos interesses gerais, da aversão ao trabalho e do

desejo do gozo contínuo. Uma situação é melhor que a outra quando implica em

uma maior ou menor quantidade de prazer e de dor. Os conflitos de distribuição da

riqueza giravam em torno da diferença estabelecida entre os lucros dos capitalistas e

os salários dos trabalhadores.

David Ricardo corrobora com Jeremy Bentham com a devida ressalva para o

que diz respeito à felicidade. O otimismo de Bentham é substituído pelo pessimismo

de Ricardo. De todas as situações possíveis, a melhor conduta do homem é

determinada pelas expectativas do prazer e da dor. Porém, Ricardo ressalta que

este antagonismo assemelha-se aos interesses dos proprietários da terra e aos

interesses da coletividade. As análises de Ricardo centram-se no salário do

trabalhador e no lucro capitalista. Os proprietários de terrenos mais férteis, que

produzem a um custo inferior, têm um excedente de lucro que constitui a renda da

terra. Entretanto, esta doutrina econômica está ligada às doutrinas filosóficas

utilitaristas de Bentham: “a máxima felicidade possível para o maior número possível

de pessoas”. (Abbagnano, 2000, p.93).

Desta forma, a economia política deixa de ser justificada por uma ordem

sócio-moral existente, e o valor do prazer do trabalho artesanal subjuga-se à mais-

valia explorada pelo mercado. As obras de Ricardo e de Bentham - “Princípios de

economia política de impostos” (1817) e “Introdução aos princípios da moral e da

legislação” (1789) deixam margem aos leitores para pensar que ambos estudiosos

tratam de prazer e de dor sobre prismas diferentes. Para Bentham, a homeostasia é

explicada dentro do campo moral, ao passo que para Ricardo, esta aparece,

sobretudo, no campo econômico.

James Mill (1773-1836), filósofo e político inglês, anos mais tarde, em sua

obra filosófica fundamental intitulada a “Análise dos fenômenos do espírito humano”

(1829), trata das sensações, reduzindo os fenômenos mentais aos elementos

primitivos. Levando em conta as associações das idéias, ele conclui que as

sensações sincrônicas produzem idéias sincrônicas, e as sensações sucessivas,

idéias sucessivas. Ele explica a vida da moral utilizando a lei da associação. Quando

35

duas coisas são percebidas em conjunto, no espaço e no tempo, é impossível

pensar em uma sem pensar na outra. Salário e lucro são pensados juntos.

A idéia do prazer é novamente explicada pela moral. Ela suscita uma ação

que é a causa do prazer. Quando a idéia existe, a ação a segue. Um fim aproxima-

se de um prazer desejado e mobiliza a ação. Era o salário recebido pelo trabalhador

um prazer, que o mobilizava a ação, excluindo toda liberdade de outros quereres,

como estar fora da fábrica, realizar trabalho artesanal, estar desempregado. O fim

era terminar tarefas em um espaço determinado, em um tempo determinado que

vêm a se constituir no modo fabril de produzir. O prazer está constantemente

associado ao fazer, ao produzir coisas.

Abbagnano explica que “desenvolvimento da vida moral seria, assim, devido

ao aparecimento de novos fins, devido à associação, fins que se sobreporiam aos

outros, assumindo em si aquele caráter atraente que primitivamente não possuíam”

(2000, p.96).

Estendendo esta idéia, Heemann (2001) nos fala da motivação interior, que

impulsiona o agir. A homeostasia, na teoria utilitarista, a qual acompanhou as

transformações nas formas de produção, pode ser compreendida a partir do prazer

de produzir, do ser industrioso/artesão induzido pelo desejo, pela vaidade, e pelos

seus interesses.

Hobsbawn (2003) supõe que a felicidade individual está baseada no consumo

de coisas, e a felicidade social é explicada da mesma forma em termos de uma

acumulação maior possível. Estas afirmações podem fazer parte de valores sociais

do ambiente. Assim, o sentido da vida explicado pelos bens disponíveis em

pequenas ou grandes quantidades, produtos de uma tecnologia e de uma

organização política, nos permite afirmar que consideramos mais feliz uma pessoa

que tinha um aparelho de jantar do que aquela que não o possuía.

2.4 AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NOS RAMOS DO VESTUÁRIO E DO TRANSPORTE

Os avanços tecnológicos na Europa Setentrional, com a primazia inglesa no

arranque para a industrialização, começaram com a resolução de problemas mais

simples – aritmética, soluções mecânicas para atividades artesanais, metalurgia – e

36

com a recombinação de materiais. O estilo de vida sedentário foi decisivo para o

sucesso do sistema fabril e para a acumulação de bens. Por outro lado, os avanços

no transporte foram decisivos para o desenvolvimento de economias especializadas

e para o deslocamento de mercadorias. Especialista no vestuário e no transporte, a

Inglaterra estará envolvida nas futuras descobertas de modelos mecânicos.

Como a Inglaterra é servida de mares e ilhas, era possível que a difusão das

tecnologias se desse de forma mais rápida do que nos continentes, A causa do

sucesso da Revolução Industrial nas ilhas britânicas, acrescida da ausência de

barreiras geográficas e ecológicas, está na origem, difusão e manutenção de

invenções e inovações tecnológicas, às vezes oriundas de outros territórios.

Máquinas a vapor estavam distribuídas pelas cidades inglesas para produzir

algodão, o qual era exportado, sobretudo para as colônias, Índia e Extremo Oriente.

As inovações fabris permitiram a formação de casas de fiação. A tecnologia da

manufatura de algodão era relativamente simples, bem como as demais mudanças

que constituíram a Revolução Industrial. No começo do século XVIII, poucos

conhecimentos científicos ou qualificações técnicas eram exigidos. A situação

mudou no século seguinte. O mecânico prático já não era suficiente para resolver os

problemas da fábrica. Abundaram as pesquisas puras e aplicadas absorvidas pelos

homens de negócios e artesãos hábeis motivados pelo mercado que se abria para

outros continentes.

A energia hidráulica na produção do algodão ainda existia, porém foram à

energia a vapor e a eletricidade que permitiram racionalizar o trabalho nas fábricas.

Com o progresso na química os tecidos puderam ser descoloridos com cloro. Idéias

simples e pouco dispendiosas produziam resultados satisfatórios. O bem estar do

ser humano industrioso estava atrelado “não ao florescimento do gênio inventivo

individual, e sim na situação prática que fazia voltar o pensamento humano para

problemas solúveis” (HOBSBAWN, 2003, p.57).

Na Inglaterra, os bens de consumo, tais como as roupas, podiam ser

confeccionadas sob medida, compradas de pessoas que não as queriam mais, ou

serem feitas pelas próprias pessoas. Havia uma intranqüilidade social provinda da

pobreza material, pois muitos trabalhadores perderam sua posição social ficando

sem condições de encontrar um equilíbrio satisfatório. A natureza oferecia ao ser

37

humano, recursos e amenidades, mas ameaçava sua vida e suas instalações

quando não se tinha o mínimo para viver.

Charles Darwin propôs ler a evolução dos costumes sob a ótica da evolução

dos organismos. Esta idéia pode ser passada para o vestuário, que vai se

modificando conforme as necessidades de uso e de hierarquia social. Roche (2000)

nos exemplifica com o casaco vermelho, que antes era traje de gala, foi reservado

para os caçadores e provinciais. Existe a vestimenta proposta pelo grupo e a

indumentária para situações formais.

Na Inglaterra, o vestuário teve um papel na luta contra o frio. Ele mantinha

uma relação entre as pessoas e a comunidade. A linguagem que ele constrói é

compreendida, nas suas diversas nuances, na sociedade. Assim, ele faz parte da

vida das pessoas. Foi o artefato “vestuário” uma das razões das invenções dos

teares mecânicos, máquina de pisar, carda mecânica e outras. Landes (1994, p.86)

descreve quatro etapas na fabricação de produtos têxteis na Revolução Industrial.

Eram casas de fiação, onde se trabalhava (1) a preparação das fibras, (2) a fiação

para formar o fio, (3) a tecelagem para formar o tecido, e o (4) acabamento que

compreende a feltragem, a engomagem, a lavagem, a aparação o tingimento, a

estampagem ou o alvejamento.

A indústria do algodão estava ligada ao comércio colonial que encorajou os

empresários a usar esta matéria-prima. Oferecia bons preços, e fazia uma aliança

perfeita com as novas invenções: máquina de fiar, o tear movido à água, fiadeira

automática, e depois, o tear a motor.

O problema técnico que colaborou para a mecanização na fabricação do

algodão, segundo Hobsbawn (2003), foi o desequilíbrio entre a eficiência da fiação e

da tecelagem. Mas por outro lado, podemos projetar esta transformação no setor

têxtil para as questões culturais. O discurso das civilidades expressava a noção de

decência, que fazia do vestuário o corpo do corpo, o essencial de uma atitude. O

aumento do ritmo de produção, introduzido pelas novidades, resultantes das

inovações tecnológicas trouxe revoluções no vestuário.

A vida cotidiana das pessoas foi modificada com a expansão do mercado de

algodão. A preferência pela fibra, pela sua leveza, bom preço e sua facilidade de

lavagem mudou o padrão do vestuário. Landes nos diz que

38

Já não eram apenas os ricos que podiam desfrutar do conforto e da higiene da roupa de baixo; o algodão possibilitou a milhões de pessoas usar ceroulas e combinações, onde, anteriormente, não havia nada além da áspera e suja roupa de fora (1994, p.89).

2.4.1 A mobilidade humana e o progresso tecnológico

No movimento sempre existe um motor de potencialidades que guardam uma

determinada energia. As circunstâncias desencadeiam um processo energético

quando colocadas em movimento. Aristóteles desenvolveu um teorema fundamental

apropriado pelas ciências físicas, o qual enuncia: “tudo que se move é movido por

alguma coisa”. René Descartes define o movimento como o transporte de um corpo

da proximidade dos corpos que o tocam imediatamente, e que consideramos em

repouso.

A revolução na indústria foi acompanhada pela revolução nos transportes. A

forma como se projeta no espaço uma estrutura viária está relacionada aos fatores

indutores de mobilização. Por isso, as escolhas por outras formas de locomoção

para atender as necessidades de circulação de mercadorias e pessoas estavam

ligadas aos veículos rápidos, regulares e econômicos para distribuir geograficamente

estes bens.

Os barcos fazem parte das inovações tecnológicas da Antiguidade. O

transporte marítimo e as técnicas de navegação proveram as mercadorias e as

riquezas vitais ao processo de industrialização da Inglaterra. Esta inovação

tecnológica era um efetivo meio de transporte para bens e pessoas. Inicialmente os

barcos à vela, sem combustível fóssil, solucionavam os problemas de transporte

interno, e mais tarde, eles foram substituídos pela tecnologia do vapor.

O sistema fluvial inglês recebeu investimentos públicos e privados a partir do

século XVII. No aspecto econômico, isto representava um aumento de ganhos, e

atendia as necessidades das fábricas de acesso aos centros de produção. Os

economistas ingleses do século XVII e XVIII teorizaram o liberalismo econômico, e

constataram que o Estado, ao interferir na vida econômica do país, desregulava os

mecanismos de mercado. A ausência de barreiras alfandegárias e tributos feudais

eram fundamentais para o equilíbrio da oferta e da procura. As mercadorias

precisavam circular livremente entre os feudos (Landes, 1994).

39

FIGURA 02 - REDE DE TRANSPORTES FLUVIAS NA INGLATERRA NO PRINCÍPIO DO SÉC XIX

FONTE: ASHTON, 1974, p.106.

As crises favoreceram a implementação de medidas liberais na Inglaterra.

Implantou-se uma espécie de geopolítica na ilha, favorecida pela natureza, com uma

massa terrestre de tamanho reduzida comparada a outros territórios, uma linha

costeira recortada, a topografia, e aliada às medidas de protecionismo: laissez-faire,

laissez passer12 (Landes, 1994).

Entretanto, a classe dos empregadores não estava familiarizada com a livre

força do mercado e com as regras do jogo industrial. Havia uma busca competitiva,

sem restrições de vantagens econômicas. Esta idéia está ligada a resultados, e

envolvia custos de produção, preços de venda, taxas cambiais, qualidade dos

produtos, e eficácia da rede de comercialização.

12 Liberais como Vincent de Gournay (1712-1759) afirmavam que era preciso deixar passar as coisas (laissez passer les choses) e deixar os homens fazerem (laisser faire les hommes).

40

No aspecto religioso, além dos protestantes, os puritanos inconformistas

(presbiterianos, congregacionistas, batistas, e Quakers) tiveram um importante papel

na Revolução Industrial, embora contestassem a religião de compromisso da rainha

Elizabeth I. Filha de Henrique VIII com Ana Bolena, ela restituiu o anglicanismo

como religião oficial na Inglaterra (Hurst, 1996).

Pontes foram construídas para conectar adequadamente os centros e

viabilizar o transporte. Richard Reynolds e William Reynolds, quakers, pai e filho,

foram financiadores da construção de canais no vale mais industrializado da

Inglaterra, para atender importantes empresas. Na região de Coalbrookdale,

localizada às margens do rio Severn em Shropshire, desenvolveram-se métodos de

fabricação e produtos inovadores com o minério de ferro.

Os grupos humanos deixaram de produzir no local os materiais empregados

na fabricação dos bens. A exploração de recursos mais sofisticados, a

transformação do ferro em aço, a sublimação e a quintessência13 dos materiais e dos

metais essenciais, trouxeram a possibilidade de se utilizar máquinas eficientes. A

água, a terra, o ar, e o fogo deixam de pertencer somente ao mundo das coisas para

pertencer ao mundo dos artefatos (Roche, 2000).

O progresso das técnicas de transporte transformou as relações dos seres

humanos com o meio ambiente. Primeiramente houve a mobilização de energias

exteriores ao homem – animais na terra e força do vento no mar - e em seguida

aconteceu a motorização na Revolução Industrial. A Inglaterra tinha mar, rios, e

canais para transportar mercadorias a granel. Não havia uma relação causa e efeito

entre desenvolvimento industrial e transporte, uma vez que este faz parte da história

da humanidade. Era racional deslocar vagonetes de carvão por carris da entrada

das minas até canais ou rios, e a locomotiva veio para tracioná-los ou para empurrá-

los. Vale lembrar que o transporte dentro das minas era feito por vagonetes

empurrados por crianças, que por serem pequenas cabiam nos estreitos túneis.

13 Este termo, traduzido por “quinto elemento” faz alusão à antiga filosofia grega, que sugeria que o Universo é composto de terra, ar, fogo, água e uma substância efêmera que impede a Lua e os planetas de caírem em direção ao centro da esfera celeste. O termo foi reintroduzido em 1997 por cientistas da Universidade da Pennsylvania para fazer referência a um campo quântico dinâmico que gravitacionalmente repele. A quintessência interage com a matéria, evolui com o tempo, e pode assumir muitas formas. Na teoria quântica, ela tem uma densidade de energia muito baixa que varia de forma gradual, uma partícula leve e grande do tamanho de um superconglomerado de galáxias. (Scientific American, ano 1 nº.7, dez. 2002, p40-45).

41

Na dinâmica da sociedade inglesa, o equilíbrio e a expansão da indústria foi

atingido primeiramente pelos canais, e mais tarde com as estradas de ferro. Era uma

forma de transporte intermodal, em que o ponto de parada de uma hidrovia, era a

partida de trilhas e trilhos, cujas vias desembocavam sempre na alimentação do

transporte fluvial e marítimo. Desta forma, a circulação de mercadorias podia ser

acelerada e racionalizada. Assim, os cálculos acusavam que este tipo de transporte,

conjugando os três tipos, apresentavam os seguintes resultados: “Um cavalo podia

transportar 150 quilos no lombo, puxar três toneladas em uma carroça, ou 15

toneladas sobre trilhos, mas podia arrastar, na mesma velocidade, até 100 toneladas

em barcaça”. (HURST, 1996, p. 96).

A locomotiva era a máquina a vapor móvel que corria por estradas de ferro

que avançavam para outros países. Empreiteiros ingleses com capitais,

equipamentos e materiais promoveram a exportação do capital para o exterior. A

oficina mecânica do mundo situada na Inglaterra trazia satisfação para o estilo de

vida revolucionário daqueles que dirigiam o processo de industrialização (Landes,

1994).

A evolução da máquina a vapor, segundo Hurst (1996), com seu papel de

fornecer energia bombeante até o de acionar uma locomotiva, aconteceu no período

de um século. Até o século XVIII, os estudos químicos sobre os gases ainda eram

insípidos. Intitula-se o mérito deste conhecimento ao francês Denis Papin (1647-

1714) físico e médico que partiu da idéia da propriedade da água de se transformar

ora em vapor, ora em água novamente, sob condições diferenciadas de temperatura

e de pressão, para chegar à conclusão de que o homem poderia construir máquinas

impulsionadas pelo vapor. Construiu o primeiro barco a vapor, e trabalhou em outros

inventos que favoreceram a indústria.

Este princípio foi útil para a invenção da máquina hidráulica por volta de 1700.

As primeiras máquinas a vapor estão presentes nas minas de carvão. Enquanto os

barcos serviram homens e mercadorias na abertura de novos caminhos, a

locomotiva foi construída para auxiliar os trabalhos nas minas.

Landes (1994) coloca a máquina a vapor como um objeto incansável capaz

de acompanhar o ritmo da industrialização. Ela era alimentada com o carvão,

minério abundante, enquanto que a comida para os homens não dava a eles a

mesma resistência das máquinas. Os homens estavam sujeitos à fadiga, à disciplina

42

e necessitavam serem substituídos. A produção de mercadorias exigia energia

constante. O autor procura mostrar que a máquina foi valorizada em relação ao

homem e ao animal. Landes destaca a teoria da população Thomas Robert

Malthus14 (1766-1834)pastor e economista inglês, o qual estava preocupado com o

crescimento acelerado da população em relação ao lento crescimento da produção

agrícola. Malthus acreditava que na época, vivia-se uma desigualdade entre as

forças sexuais e os insumos naturais. Outros pensadores como os filósofos

escoceses David Hume (1711-1776) e Adam Smith (1723-1790), também

economista, já haviam discutido a teoria da população, os quais trouxeram subsídios

para a sistematização de suas idéias.

Na verdade, o êxodo rural prejudicava a agricultura, que se encontrava

desprovida de mão-de-obra15. Contudo, o alimento era necessário à subsistência das

pessoas. Na obra de William Godwin (1753-1836), uma figura do clero, vemos que a

realização da utopia dependia da eliminação de entraves – sociais, políticos,

econômicos, culturais, mas para Malthus, estes entraves eram freios para controlar a

miséria, decorrente do acréscimo ilimitado da população em geral, podendo resultar

na completa desintegração da sociedade. O conceito de homeostasia perpassa a

utopia de Godwin que pregava a equidade das riquezas, e de Malthus que duvidava

da capacidade do homem para atingir o equilíbrio entre as paixões sexuais e o

alimento.

14 A obra de Malthus (1798) foi intitulada “Um ensaio sobre o princípio do povoamento e sua influência no melhoramento futuro da sociedade, contendo observações sobre as idéias de Mr. Godwin e M. Condorcet e outros autores”. Mr. William Godwin escreveu em 1783 “Inquérito concernente à justiça política e sua influência na virtude e felicidade gerais”. O marquês de Condorcet (1743-1794) escreveu “Esquisse d’um tableau historique des progrès de l’esprit humain” (Esboço de um quadro histórico do progresso do espírito humano). 15 Thorold Rogers sugere que a população da Inglaterra não passava de 2,5 milhões no final do reinado de Elisabete I. Se esta suposição for certa, a duplicação da população ocorreu no século XVII, época em que a reserva de trabalho anormal dava lugar a um certo aperto no mercado de trabalho, com a revivificação do cultivo da terra e a expansão da indústria (Dobb, 1977, p. 274,75).

43

3. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Muitos autores dividem a história da Revolução Industrial em fases ou momentos

diferenciados por fatores como a produção, modos de produção, capitalismo, a

acumulação de capital, os salários, os inventos, o progresso tecnológico. Como

estamos abordando a relação da homeostasia com as máquinas e a tecnologia, não

adotamos nenhuma divisão em específico, mas consideramos todas elas inseridas

em nossa análise.

Todo e qualquer acontecimento está ligado a algum acontecimento anterior,

fazendo parte de ciclos recorrentes, e nesta noção parece estar implicada a divisão

do desenvolvimento em períodos históricos e épocas, seguindo tendências de

progressão e diminuição de atividades. Os economistas explicaram os períodos

históricos através dos ciclos econômicos, nos quais existe um ritmo mais acelerado

do que o normal, rompido por mudanças abruptas que alteram a direção dos

acontecimentos (Dobb, 1977, p.24).

Maurice Dobb, preocupado em estudar aspectos do desenvolvimento econômico, faz

um quadro do sistema econômico com uma abordagem histórica, o qual, segundo

ele, jamais se encontra inalterado, e cada período histórico é modelado por uma

forma econômica única, ignorando-se as complexidades da situação. O autor está

interessado em analisar quando uma forma econômica nova pode imprimir sua

marca no todo da sociedade, modelando as tendências de desenvolvimento.

O problema da escala de produção de bens de capital, dos inventos e dos

combustíveis foram alguns referenciais para Hobsbawn estabelecer uma divisão

histórica periodicizada para a Revolução Industrial. Ele usa termos como fases,

épocas, eras com tendências de ascensão e declínio, expansão, crises, e depressão

da atmosfera empresarial para explicar s características dos períodos. O autor, na

conclusão do seu livro, “Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo” dirige-se

44

aos leitores conjeturando que é possível que eles tenham notado essas alternâncias

de passagem: a “expansão” da década de 1780 até o fim das guerras napoleônicas,

seguida, desse período até a década de 1840, por crises; a expansão durante os

“anos áureos” dos vitorianos, seguida pela “Grande Depressão” de 1873-96;” (2003,

p.293).

Henderson (1969) afirma que a Grã-Bretanha foi o primeiro país a tornar-se

industrializado, porém ele diz que os historiadores divergem quanto ao exato período

em este processo começou: “em 1780, de acordo com alguns historiadores; segundo

outros, em 1740” (1969, p.8). Em mais de 100 anos rendeiros, artesões e quintas,

ferreiros, cervejeiros, carpinteiros navais, alfaiates, sapateiros, marceneiros,

tipógrafos, relojoeiros, joalheiros, padeiros, foram transformados em trabalhadores

industriais.

O autor usa uma abordagem diversa de outros autores para situar no tempo

as invenções. Ele as divide em duas fases distintas. Entre 1780 e 1850 aconteceu a

transição da oficina para a fábrica, e da empresa individual para a companhia de

ações. Predominou a exploração do carvão, do ferro e do vapor. Após 1850, o aço, a

eletricidade, a síntese de novas substâncias, e o motor de combustão interna

transformaram os materiais e a fontes de energia.

Ambas as fases, diz Henderson, demonstraram que

embora o avanço em tecnologia não possa por si próprio levar ao progresso industrial, pode conseguir-se, em pouco tempo, um impressionante avanço, se empresários e artífices habilidosos tiverem a vontade e a capacidade de reconhecer e aplicar novas idéias e invenções úteis. (1969, p. 35).

Landes diz que os historiadores tentam periodizar a Revolução Industrial.

Segundo eles, houve uma Revolução Industrial primitiva no século XIII, uma

segunda Revolução Industrial no século XVIII que teve início na Inglaterra, e uma

terceira Revolução Industrial que está ligada à automação, aos transportes aéreos, e

ao átomo.

Ashton (1974), dedicou-se ao estudo dos inventos presentes na Revolução

Industrial dando raízes históricas e sociais ao gênio inventivo. O caráter social e

coletivo de uma invenção tem um tom pessoal do inventor, o qual é um animal

fabricante de instrumentos. Conforme o autor, as alterações econômicas não eram

45

absorvidas imediatamente pela população. Além disso, a mobilidade geográfica da

população não aconteceu do campo para as cidades industriais. A redistribuição da

mão-de-obra aconteceu sem o deslocamento de emprego para emprego. Houve

uma regulação homeostática no processo de migração, e homens e mulheres

dividiam suas atividades entre agricultura, tecelagem e mineração. À medida que

eles adquiriram a consciência tecnológica, compreendendo o processo fabril,

aconteceu a passagem definitiva para o trabalho nos teares e nas minas de carvão.

Em todas as teorias da Revolução Industrial, a matemática e a vida humana

persistem. Para onde quer que olhemos, onde quer que pesquisemos, há sempre

que se levar em consideração uma visão bio-lógica sobre o viver e o fazer em suas

diversas expressões que buscam, na homeostasia, a regulação por mecanismos

diferentes e complexos entre si.

Os gregos explicavam o comportamento humano por meio das idéias vindas

da anatomia, da fisiologia e dos sentimentos. Alguns pensadores colocavam na voz

humana a forma de expressar sentimentos e idéias, ao passo que outros

relacionavam esta manifestação aos movimentos do coração. Estes traços da

fisiologia ainda resistem nas explicações sobre o comportamento do ser humano,

sobre a economia, e são transportados para as outras áreas do conhecimento para

explicar as crises. Skinner ao falar do comportamento diz que

podemos estar adquirindo rapidamente o poder de modificar e controlar as capacidades e as atividades dos homens por meio da intervenção e manipulação diretas de seus corpos e mentes” (2004, p. 182).

O comportamento operante é o exercício do poder e tem efeito sobre o meio.

O avanço do saber, proposto por Francis Bacon, era a promoção do comportamento,

no interesse da condição humana, e a tecnologia vem comprovar o que foi previsto

por ele.

Bacon expressa que a ação não exige a utilização do conhecimento, e sim a

produção de resultados, defendendo o pragmatismo. Ele considera que os homens

continuarão tendendo a impor suas próprias percepções inatas, aprendidas e

vinculadas à sua linguagem, como realidade da natureza. A natureza idealizada

recebe características de uniformidade bem maiores do que ela possui. Os novos

métodos, instrumentos, instituições auxiliam na busca do conhecimento, diz Bacon,

46

possibilitando mudanças desejadas para esta visão. Todavia, não é possível

suplantar as inclinações psicológicas, imposições sociais e limitações lingüísticas do

ser humano.

Rorty (1999, p.208) associa este pensamento de Francis Bacon com o auge

do movimento da mecanização que começou no século XVII, o qual substituiu o

ensaio de contemplar a essência do ser humano pelo esforço de remodelar as

máquinas que fazem parte do mundo. A natureza é adequada ao pensamento do ser

humano, o qual deseja um referencial para apoio. O psiquiatra austríaco Sigmund

Freud (1856 – 1941) também acredita que a ciência, com suas teorias e métodos,

permite pensar em nós mesmos como máquinas que precisam de manutenção e

remodelamento.

Contrastando os seres humanos com as máquinas, que se combinam e se

dissociam com as leis universais, Rorty afirma que os seres humanos têm um centro

e que a máquina não tem uma essência central. Uma máquina, descentralizada,

pode ser usada para propósitos diversos, para fazer ou produzir coisas diferentes. A

visão de Bacon era voltada para a predição e o controle, e não para a centralidade

do homem em relação à natureza. Versões remodeladas de máquinas são máquinas

diferentes. Se os seres humanos não são máquinas, é possível encontrar seu

centro, com versões diferentes para a homeostasia, e assim, viver bem.

A mecanização significou que o mundo no qual vivemos, não teria mais nada

para ensinar como viver. A mente pode também ser mecanizada, fazendo

mecanismos associativos, sem significação disse Freud. Descobertas fisiológicas

nos ensinam como predizer e controlar a nós mesmos, nossas crenças e desejos

sem ameaçar nossa auto-imagem. A mecanização da natureza colaborou para que

os seres humanos se aproximassem do pragmatismo, desprezando as questões

referentes às suas essências.

No século XVIII falava-se numa transformação no ambiente das idéias e dos

fatos. Na natureza as mudanças também eram visíveis. Henri Rousseau (1844-

1910)16, ao pintar o quadro intitulado “A Pedreira”, empresta sentido à realidade do

avanço técnico que tomava conta das paisagens. (vide figura 04). As relações entre

a natureza, o homem e a máquina acontecem no movimento de criação, pondo em

16 Pintor popular francês, empregado de alfândega municipal.

47

marcha a função do conhecimento. O homem, na pintura, está no centro do quadro,

e ele tem a potencialidade de dialogar com o mundo natural que ele descobre e se

apropria. Como já foi dito anteriormente, Francis Bacon colocava que “saber é

poder”.

FIGURA 03 - A PEDREIRA (1896) - HENRI ROUSSEAU

FONTE: HENDERSON, 1969, p.134.

3.1 A HOMEOSTASIA NA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

Walter B.Cannon, prêmio Nobel de medicina, definiu em 1932, no livro “The Wisdom

of the Body”, uma categorização para os mecanismos de regulação homeostáticos.

Dentre eles, destacamos os que se referem à fisiologia, e que podem ser

emprestados para explicar as questões tecnológicas. O conceito de controles

antagônicos17, que implica numa mudança de direção, e na busca de fatores opostos

para correção, pode ser visto na fábrica. Quando a indústria têxtil sufocou o trabalho

artesanal, houve uma alteração no equilíbrio das forças provocada pelas

17 São 8 princípios que regem a homeostasia, entre eles os controles antagônicos, que significa que quando um fator ou agente muda um estado homeostático em uma direção, existe outro fator que tende o primeiro com efeito oposto. É o que se chama de retroalimentação negativa, ou “feed back”negativo.

48

necessidades de ampliação do mercado. Landes (1994) diz que as mudanças

tecnológicas caracterizam a Revolução Industrial. A “arte fez progressos” buscando

equilibrar a participação da força física, da inteligência e da ciência.

A efetividade dos mecanismos homeostáticos é variável no decorrer da vida

das pessoas, disse o fisiólogo americano. Ao analisarmos esta assertiva para

explicar o processo de consciência tecnológica, é especial relevar o papel do

trabalhador que precisava aprender a trabalhar de uma maneira adequada à

indústria, a “techné”, num ritmo intermitente. A novidade percorreu as tendências

manufatureiras e chegou aos conhecimentos científicos para afirmar a superioridade

epistêmica18. Os novos sistemas industriais ensinaram os artesãos a fabricar um

único objeto, tendo mais habilidades, mas sendo menos industriosos.

Tocqueville, (citado por De Masi 1999) nos ilustra com suas observações: “um

homem que gasta toda sua vida realizando poucas e simples operações não têm

nenhuma oportunidade de aplicar sua inteligência ou de exercitar sua inventividade

na descoberta de novos expedientes para superar dificuldades que nunca encontra”.

O autor nos ajuda a pensar na idéia de uma oposição entre a homeostasia do ser

humano e a homeostasia do seu entorno que coloca em risco o seu bem estar: “o

próprio corpo deste homem terá adquirido hábitos fixos que nunca mais perderá; em

uma palavra, ele deixa de pertencer a si mesmo para pertencer ao ofício que

escolheu” (Tocqueville, citado por De Masi 1999, p. 15).

A homeostasia humana tende a corrigir os efeitos perturbadores sobre o

corpo e a mente. São respostas adaptativas para buscar o bem estar do organismo,

no momento em que ocorre um desequilíbrio. Cannon, em 1932, citando mais uma

propriedade de regulação, nos diz que quando os mecanismos homeostáticos

falham, ocorre um estado de enfermidade. Em Manchester, a primeira cidade

industrial do mundo, (Rosen, 1994) havia muitas epidemias no século XVII que

atraíram a atenção dos médicos. A disseminação da febre tifóide gerou um conselho

de saúde e levou a classe médica a afirmar uma relação entre a produção de

algodão nos engenhos e as doenças.

18 Epistéme vem da língua grego e significa ter conhecimento de algo. A techné, trata-se do fazer algo.

49

O homem sempre faz a adequação às máquinas, mas o processo inverso

não é verdadeiro, uma vez que os motores, pela própria natureza de seus

desgastes, demandam constantes reparos, atualizações. Eles engolem as forças

humanas, que se dissipam no tempo histórico, porém o homem não “engole” a

máquina. No final do século XVIII, as pestes, como a febre tifóide, declinaram,

todavia, nas primeiras décadas do século XIX, os estados febris, relacionados ao

confinamento dos trabalhadores, irrompeu nas novas fábricas: “invocavam-se, como

explicações, contágios diretos, defeito da constituição corporal e condições

climáticas e terrestres.”( Rosen, 1994, p. 141/142) . Os efeitos nocivos causados

pela forma de produção nas fábricas e a insalubridade eram grandes: “enquanto a

indústria florescia as cidades de coque polulavam, a saúde e o bem estar dos

trabalhadores se deterioravam” (ibid. p.146).

A Inglaterra não possuía uma organização administrativa para cuidar dos

problemas de saúde em nível nacional, nem tampouco política que sustentasse tais

medidas. Rosen (1994) diz que o economista Adam Smith, ao escrever sobre a

riqueza dos países, referenciou a importância de se ter, naquela época, uma

legislação sanitária para lidar com problemas de saúde. Jeremy Bentham, ao

elaborar o código constitucional de 1820, propôs uma pasta da saúde, responsável

por saneamento ambiental, doenças comunicáveis e medicina preventiva. Ele

admirava o sistema francês instituído depois da queda da Bastilha em 1789 que

realizava uma política centralizadora que se ocupava de todas os setores do

governo, inclusive dos serviços de saúde pública.

As estatísticas representavam um grande passo para entender a conjuntura

dos problemas sociais da Revolução Industrial. Bentham reconhecia a importância

dos números e a necessidade de dados precisos de populações. O processo de

compreender numericamente as questões de economia, de medicina era o resultado

de “efeitos do industrialismo sobre a massa do povo que despertavam preocupação”

(Rosen, 1994, p.137). Os problemas de doenças e contágios nos ambientes fabris

impulsionaram os estudiosos para o uso desse campo da matemática em temas

relacionados à saúde.

Geografia, saúde e doença já eram teorizadas por Hipócrates e, estas áreas

do conhecimento foram retomadas no século XVIII, por causa dos levantamentos

sanitários. Esses instrumentos, de caráter sanitarista, geraram um movimento de

50

educação em saúde, aliado à crença no progresso e ao uso da racionalidade. A

necessidade de mais trabalhadores permitiu uma organização comunitária para

proteger a saúde, e as freguesias eram responsáveis pelos desempregados

empobrecidos: “a moderna saúde pública se originou na Inglaterra porque a

Inglaterra foi o primeiro país industrial moderno” (ibid p. 152).

Esta posição da Inglaterra, baseada em cálculos, constata a presença da

doença devido às condições sanitárias precárias. As esferas do Estado, mantendo o

status quo, criam legislações e aparatos de saúde pública para financiar,

indiretamente, os avanços da industrialização. Hobsbawn (2003) escreve sobre o

papel do governo inglês no sentido de criar incentivos para a inovação técnica e

para o desenvolvimento de indústrias.

Edwin Chadwick (1800-1890), pioneiro da moderna saúde pública, tentou

estabelecer um escritório de estatística médica em Londres para registrar as causas

das doenças, determinar os locais insalubres, calcular as taxas de mortalidade, e os

graus de salubridade. Os cálculos podem ser extrapolados para os graus de

felicidade e de sofrimento, segundo Bentham.

O “cálculo felicífico” idealizado por ele pode ser transposto para o

comportamento de mercado em que as condições de livre concorrência são

respeitadas e se fixa um preço de equilíbrio. Assim, a oferta e a demanda de

felicidade e sofrimento, podem ser representadas em eixos cartesianos por

equações matemáticas. O prazer e a dor não são constantes universais, pois eles

decorrem de uma variabilidade homeostática. O ponto de equilíbrio seria um juízo de

valor que estabeleceria uma harmonia entre a oferta salarial dos empresários e a

demanda das necessidades e desejos dos seres industriosos/artesãos.

Retomando as idéias de Jeremy Bentham, Hobsbawn (2003, p.74) explica

que a aritmética19 foi um instrumento vital da evolução tecnológica na Revolução

Industrial. Calculava-se a diferença entre comprar mais barato e vender mais caro,

entre o custo da produção e o preço da venda, entre o investimento e o retorno.

19 A partir do século XV, com a invenção da imprensa na Europa, generaliza-se o uso e a normalização progressiva dos algarismos arábicos na Europa, de forte influência no desenvolvimento da ciência. Na Idade Média, os artesãos desenvolviam as medições de maneira diferenciada daquela feita nos monastérios e nas universidades. Há muitas matemáticas, autônomas, e limitadas no tempo. (Ifrah, Georges. Os números: a história de uma grande invenção. Rio de Janeiro, Globo, 1989).

51

Essa racionalidade extrapolou-se para a moral e para a política: “a felicidade

era objeto das políticas de governo. O prazer de cada homem podia ser expresso

como uma quantidade, da mesma forma que seu sofrimento. Deduzindo-se do

prazer o sofrimento, o resultado líquido seria sua felicidade”.

52

4. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A PARTIR DA OBRA DE DAVID LANDES

Landes, na sua obra sobre a Revolução Industrial, faz menção ao mito do Prometeu,

personagem que passou anos acorrentado em uma montanha. Na história

tecnoeconômica, o autor transporta esta imagem mítica para a Revolução Industrial

e fala de um Prometeu Desacorrentado pela modernização industrial e tecnológica.

Publicado em 1968, nos Estados Unidos, o texto original foi escrito em 1954. As

idéias desenvolvidas por David S. Landes ainda estão vivas, e este fato pode ser

atribuído à mensagem de que o projeto simbolizado por Prometeu, o da liberação da

criatividade, iniciativa, criatividade do ser humano, continua intacto, embora com

outros nomes, seja iluminismo, modernidade, pós-modernismo.

Três são as abordagens que estão a permear o livro: (1) a relação entre

ciência, tecnologia e processo produtivo; (2) o papel das condições estruturais nos

processos econômicos; (3) o relacionamento entre Estado, e o planejamento da

economia, a liberdade e a criatividade.

Neste capítulo iremos abordar os temas do primeiro aspecto, os quais virão a

enriquecer a discussão da tecnologia e da homeostasia, ressaltando as idéias que

construíram a separação entre filosofia e ciência. O aspecto do mito grego, até então

não mencionado neste trabalho, não será objeto de estudo aprofundado.

A tradição prometeíca evoca uma das linhas de pensamento sobre a técnica,

e está contextualizada na obra de Landes, em três momentos: no título, na

introdução e na conclusão. A parte central do livro está no segundo capítulo, que

trata em específico da Revolução Industrial na Inglaterra. Pretendemos fazer uma

análise que venha relacionar ciência, natureza dominada tecnicamente, e processo

produtivo observando a homeostasia e o mito do fogo, que remete à máquina a

vapor, símbolo da fase pioneira da industrialização britânica, juntamente com as

novas máquinas e os novos processos de fabricação do aço.

53

Prometeu, figura mítica grega, e a técnica do fogo, podem estar associados

às artes dos homens que desenvolveram a metalurgia e a cerâmica. Na lenda, o

deus Zeus esconde o fogo da raça humana, o qual faz parte da alimentação e da

sobrevivência do ser humano. A garantia da conservação da vida seria dada por

Prometeu que ofereceu à humanidade a técnica do fogo natural. Ele roubou um

poder de Zeus, que separava os mortais dos imortais, e foi punido. A raça humana

teve também que pagar um preço pelo desenvolvimento tecnológico com dor e destruição.

4.1 A HOMEOSTASIA NA REVOLUÇÂO INDUSTRIAL NA INGLATERRA

No século XVIII, a indústria do algodão na Inglaterra estava implantando o que

podemos chamar de sistema fabril. O pensamento utilitarista, o qual trabalha com o

prazer e a dor, aparece num primeiro momento na substituição da habilidade e

esforço humanos pelas máquinas – rápidas, constantes, precisas e incansáveis, na

substituição das fontes animais para transformar o calor em trabalho, e no uso de

matérias-primas novas e muito mais abundantes, em particular a substituição das

substâncias vegetais ou animais por minerais.

As inovações tecnológicas modificaram tanto a maneira de pensar do homem

quanto sua maneira de fazer. A ciência e a produção cresceram com rapidez

suficiente para gerar um fluxo contínuo de investimentos que elevou para além dos

limites o equilíbrio entre o crescimento populacional e produção agrícola previstos

por Malthus: “a população, quando não encontra obstáculos, aumenta em proporção

geométrica, ao passo que o acréscimo dos meios de subsistência se dá em razão,

aritmética” ( Trattner, 1956, p.159).

A mudança tecnológica nem sempre é automática. Ela implica na substituição

de métodos, numa combinação de considerações que incitem a mudança. Ocorre

então, uma oportunidade de aprimoramento, em virtude da inadequação das

técnicas vigentes, e uma superioridade marcante que permite que os novos métodos

sejam suficientemente compensatórios para cobrir os custos da transformação.

Podemos dizer, corroborando com Landes, que os progressos tecnológicos e o

desenvolvimento de técnicas que estimularam a expansão da indústria algodoeira

durante a Revolução Industrial representaram um rompimento drástico com o

passado. A consciência tecnológica estava presente nas cabeças dos inventores e

54

nos braços dos trabalhadores. Inovações significativas e oportunas funcionavam

como sistemas de incentivo que aumentavam a capacidade de agir.

Há uma excitação diante do novo, e o pensamento tecnológico se torna um

desafio para o ser humano. Parece existir uma sensação homeostática entre a

novidade da arte do fazer e o desejo de conhecer o potencial das máquinas. Para os

artesãos foi imposto um novo papel ocupacional, e novas formas de viver. Diferentes

mecanismos de regulação foram impostos pelas máquinas velozes, interferindo nas

concepções tradicionais do agir e da disciplina. A adaptação do ser humano à vida

na fábrica é um processo inicialmente incentivado pela curiosidade ainda instintiva.

Charles Darwin fala da aptidão ao ambiente, que permite ao ser humano sobreviver

e multiplicar os artefatos na Revolução Industrial. A verdadeira felicidade está ligada

aos valores humanos, e quando o trabalhador ainda se atém à sua sobrevivência,

este estado de alegria fica longe do seu alcance. Neste momento, o fazer ainda

predomina sobre o pensar, e o pensar está articulado com o existir.

Landes diz que o artesão raramente reconquistava sua independência, e o

seu trabalho era suficiente somente para sustentá-lo. Na fábrica, os trabalhadores,

nas suas funções estavam isolados. Todo momento de distração era um risco. O

padrão motor ocorria para ajustar a vida humana às variadas tensões fisiológicas e

mentais dos ambientes fabris.

As fábricas apinhadas, insalubres brutais eram atraentes mesmo que os seus

ambientes fossem repugnantes. Existia uma adaptação ao feio, ao escuro, ao

barulho, e à monotonia, contrastando com a produção de riquezas. Os operários nas

fábricas, os mineiros nas minas de carvão, os artífices nas oficinas, e os

camponeses na terra tinham que se adaptar ao novo modo de vida. Henderson

(1969) diz que havia relutância quanto à entrada nas fábricas, que exigiam

disciplina, atenção constante para com as máquinas, e arruinavam a saúde dos

trabalhadores. Os oleiros, os pintores e os cortadores de arame sofriam de

envenenamento pelo chumbo, enquanto que mineiros ficavam tuberculosos.

Perturbações nos brônquios, anemia, deformações na coluna vertebral, asma, eram

algumas doenças originadas no ato do fazer industrial. Muitos acidentes nas minas e

nas fábricas eram ameaças ao bem estar do homo faber.

Landes mostra um outro quadro do cotidiano do trabalhador inglês. Ele diz

que sua alimentação melhorou e que ele gastava menos com alimentos. Dessa

55

forma, sobrava-lhe uma reserva maior para comprar outras coisas, dentre elas

produtos manufaturados. Os ingleses mantinham a reputação de comprarem

calçados de couro, enquanto os holandeses ou franceses usavam tamancos.

Vestiam roupas de lã, enquanto os camponeses franceses ou alemães em trajes de

linho, passavam frio.

A teoria dos refúgios de Vanzolini20 também pode ser aplicada às afirmações

de Landes. Para o autor, a inexistência de barreiras alfandegárias internas ou de

tributos feudais criou, na Inglaterra, o maior mercado coeso da Europa. Essa união

política era confirmada pela geografia da ilha: a massa terrestre era pequena, a

topografia, simples, e a linha costeira, profundamente recortada. No mapa da

Inglaterra do século XVIII, a modernidade do padrão urbano expressava a era dos

apinhamentos de fábricas.

FIGURA 04 - ESTADO AVANÇADO DA INDÚSTRIA BRITÂNICA EM 1815.

20 A teoria dos refúgios elaborada por Paulo Vanzolini, é uma teoria do ano de 1970, fundamentada nas descobertas do professor da Universidade de São Paulo Aziz Nacib Ab’Sáber sobre palioclimas. A tese foi baseada no estudo de uma espécie de lagartixa do gênero liolaemus. A teoria assegura que a biodiversidade da Amazônia é resultado de um processo de interação de ilhas de ecossistemas na região. Scientific American, dez. 2002, n. 7, p 25, 26.

56

FONTE: HENDERSON, 1969, p.11.

Landes (1994, p. 63), ressalta a argumentação de autores quanto ao avanço

tecnológico grandioso, dizendo que este requereria um mercado no mínimo grande

demais para basear-se num país isolado. Por isso, o empurrão decisivo dependeria

também do acesso a uma fatia significativa de um mercado mundial em expansão.

Assim, poder-se-ia dizer que uma combinação singular de circunstâncias

econômicas e políticas é que teria permitido à Inglaterra conquistar para si, no

século XVIII, uma parcela tão grande do comércio de produtos manufaturados.

4.2 O CAMPO E A CIDADE

O padrão global era de um contato estreito e um intercâmbio freqüente entre a

cidade e o campo. O comércio inglês do século XVIII era ativo, empreendedor e

aberto às inovações. O mercado interno de produtos manufaturados estava

crescendo, com o avanço das comunicações, e com o aumento da população. A

renda média elevada e crescente favorecia um padrão de consumo favorável aos

produtos duráveis, padronizados e de preço moderado, e a iniciativa comercial não

era cerceada.

A tecnologia impôs modos de vida incompatíveis com a manutenção da

sanidade física e mental. Landes não faz relações com o comportamento e o

ambiente do trabalhador. Os aumentos populacionais na Revolução Industrial foram

prejudiciais ao ser humano. Distúrbios biológicos e sociais foram criados com a

aglomeração intensa em alojamentos e fábricas no século XIX. Sabemos que “as

causas precisas das doenças da civilização são difíceis de identificar, mas não há

dúvida de que muitas delas se originam direta ou indiretamente de influências

ambientais nocivas, às quais os seres humanos parecem ter se adaptado”. (Dubos,

1968, p. 131).

Quando a tecelagem se espalhou para o interior e os homens abandonaram o

cultivo da terra em prol da indústria, o desequilíbrio entre produção e consumo

parecia ser um obstáculo à expansão da economia. Landes diz que algumas

fiandeiras, em razão da demanda, haviam começado a se especializar em tipos

específicos de fio em meados do século XVIII, ao menos em algumas partes de

Lancashire.

57

As cidades, com a presença da indústria passam a ter funções diversas,

entre elas a de liderar um processo de urbanização provocado pelo afluxo de

grandes massas de pessoas que passaram a viver perto das fábricas. As vantagens

da localização e as economias externas da proximidade favoreciam até mesmo as

fábricas concorrentes porque o local era conveniente, e a presença de diversos

produtores possibilitava a existência de especialistas. Uma constelação de áreas

urbanas se formou em torno das fábricas.

Charles Darwin, no seu livro “The Descent of Man, and Selection in Relation

Sex” diz que os instintos sociais são mais fortes do que os instintos biológicos,

fazendo a cooperação se impor em relação aos instintos egoístas do ser humano.

Lencioni (1999) nos fala de um dos pensadores darwinistas da geografia, o alemão

Friedrich Ratzel21, que influenciado pelo evolucionismo de Herbert Spencer (1820 –

1903), pensador inglês, incorporou a idéia do movimento como uma das

características centrais do mundo orgânico, em especial o ser humano. Este procura

ampliar seu território à custa dos vizinhos. Assim, na Revolução Industrial um

argumento pertinente para explicar o crescimento das cidades pode estar próximo

das idéias de Ratzel.

Lencioni (1999) diz que Ratzel distingue os povos a partir da técnica. Existem

dois tipos: para o primeiro tipo, a sobrevivência está adaptada ao meio em função do

seu estágio de desenvolvimento; e aqueles que estão mais avançados no

desenvolvimento tecnológico neutralizam o meio natural na sua organização social e

política. A Inglaterra lembrava o campo como um paraíso esquecido, e a cidade

nascia como provocadora de sensações de dominação da natureza. Na luta

competitiva pela vida, o ser humano se deparava com os conflitos gerados pelas

aglomerações, e que se tornavam motivos favoráveis para conduzir o processo de

assimilação biológica dos movimentos das máquinas nas cidades.

Patrick Geddes, mais tarde, nos seus estudos de urbanismo no final do século

XIX, introduziu a idéia de cidade orgânica, dizendo que ela teria condições de

desempenhar as mesmas funções do corpo humano. O desenho das máquinas fazia

parte da imaginação daqueles que projetaram cidades. Estradas de ferro

21 Friedrich Ratzel (1844-1904), geógrafo alemão, doutor em Geologia, Anatomia e Zoologia, escreveu “Antropogeografia: fundamentos da aplicação da geografia à história” em 1882. Ele propôs uma geografia do homem entendida como uma ciência natural.

58

suplantaram o referencial das igrejas. As idéias utilitaristas vão aparecer nesta

ciência, e o urbanista francês Donat-Alfred Agache (1875-1959), citado por Silva

(2000, p.40), em entrevista para o jornal expressou mecanismos de regulação

homeostáticos na reorganização das cidades e na percepção do ambiente urbano:

“A cidade não é malha de ruas. É ambiente de vida, e por isso não pode deformar a

vida. Precisa técnica, higiene, alegria e arte”.

4.3 CONSCIÊNCIA TECNOLÓGICA, TÉCNICA E CIÊNCIA

Landes nos mostra que a cidade inglesa de Lancashire mobilizou e treinou aptidões

tecnológicas na segunda metade do século XVIII, preparando mão-de-obra

especializada para transformar marceneiros em construtores de fábricas e em

torneiros, ferreiros em fundidores, e relojoeiros em frezadores de ferramentas e

matrizes. O conhecimento teórico também se desenvolveu com as especializações.

O simples construtor de moinhos, como observa Fairbairn22, (citado por Landes)

costumava ser

“bom em aritmética, conhecia um pouco de geometria, nivelamento e mensuração e, em alguns casos, possuía um conhecimento muito competente de matemática aplicada. Era capaz de calcular a velocidade, a força e a potência das máquinas; sabia desenhar no plano e em corte...”. (1994, p.71).

Em Manchester, nos anos 1800 existiam academias e sociedades eruditas

criadas por dissidentes religiosos. Os professores locais e visitantes lecionavam em

escolas particulares “de matemática e comércio”, que ofereciam aulas noturnas.

Muitos manuais práticos, publicações periódicas e enciclopédias circulavam pelas

cidades.

Landes afirma que existia na Inglaterra do século XVIII um nível de

qualificação técnica mais elevado e um interesse maior pelas máquinas e

engrenagens do que em qualquer outro país da Europa. Porém, este conhecimento

não era visto como científico. A Revolução Industrial e a revolução nas ciências dos

séculos XVI e XVII, não parecem estar associadas, porém ambas refletiram um

marcante interesse pelos fenômenos naturais e materiais e uma aplicação mais

22 Fairbairn W. Treatise on Mills and Millwork, 2 ed., 2 v. Londres, 1864, I, p. vi. (Landes, 1994, p. 583).

59

sistemática da investigação empírica. O autor crê que o aumento dos conhecimentos

científicos decorreu muito das preocupações e das conquistas da tecnologia, tendo

havido um fluxo muito menor de idéias ou métodos no sentido inverso.

Por outro lado, Landes coloca como misteriosa a questão da aptidão

mecânica inglesa. Certos autores colocam em destaque a criatividade e o talento

dos artesãos, ao passo que outros os consideram simples imitadores inteligentes.

Não há relatos de grandes inovações antes do século XVIII, ou de qualquer

reservatório excepcional de talentos na área das máquinas. Todavia, existiam

artesãos cuja experiência de construção e ideação realmente os tornava aptos a

serem os mecânicos de uma nova era. A Inglaterra não era o único país dotado de

tais artesãos, “e apesar disso em nenhum outro lugar encontramos essa colheita de

invenções” (1994, p. 69).

Não há provas concretas de um nível superior de aptidão técnica na

Inglaterra, contudo existe um forte argumento indireto a favor dessa suposição:

mesmo depois da introdução das máquinas têxteis, de técnicas de metalúrgicas e

químicas, os países do Continente Europeu não se mostraram preparados para

imitá-las. Depois de discorrer sobre as origens das habilidades técnicas, Landes

questiona por que os ingleses chegaram na frente da Revolução Industrial. Seria

porque os controles corporativos da produção e do aprendizado estavam

praticamente desarticulados no fim do século XVII, enquanto a influência contínua

da organização das guildas e a supervisão ativa dos governos mercantilistas do

Continente tendiam a congelar as técnicas num molde e a bloquear a imaginação?

(1994, p. 70)

Landes faz suposições de que a literatura enciclopédica com suas descrições

cuidadosas da maneira certa de fazer as coisas contribuiria para aprimorar as

habilidades. As possibilidades de ascensão social na Inglaterra mostraram ser mais

fácil entrar nos negócios, nos projetos e na invenção. Landes diz que John Kay era

filho de um “pequeno proprietário abastado”, Lewis Paul, filho de um médico. Os

antecedentes de John Watt são vagos, mas ele freqüentou o ginásio e é presumível

que tinha vindo do tipo de família que considerava desejável a escolarização. O pai

de Samuel Crompton era um fazendeiro que produzia tecidos como ocupação

secundária e que, aparentemente, tinha uma situação apenas confortável. Edmund

60

Cartwright era filho de um cavalheiro e diplomado em Oxford. No século XVIII, não

era depreciativo para os filhos de boas famílias serem aprendizes de tecelões ou

marceneiros. O trabalho e a destreza manuais não eram estigmas do povo, em

contraste com a burguesia (p. 70).

No fim da era medieval e início da era moderna, a indústria têxtil inglesa

construiu sua fortuna com base na indústria rural. Landes coloca que a indústria

rural, essencialmente livre das restrições das guildas ou das regulamentações

governamentais, tinha condições de tirar o máximo proveito dessa superioridade de

recursos, adaptando seu produto à demanda e às modificações da demanda. O utilitarismo pregava a segurança e não a liberdade. O cálculo dos prazeres

e das penas resulta numa igualdade. Os ingleses foram influenciados pelo

utilitarismo na política e na legislação. A ordem moral resulta do equilíbrio de

interesses. Numa sociedade como essa, a mobilidade é uma força em prol da

padronização, segundo Landes. A mobilidade social, pensada a partir da ascensão

da queda, implica em imitação, o que leva as pessoas a harmonizarem seus

desejos, igualarem a suas preferências no mercado. Quando os consumidores

estiverem diante de objetos vendáveis irão administrar suas riquezas a fim de obter

a satisfação de suas necessidades. Neste momento de aquisição e de consumo, os

desejos, processados no cérebro límbico, jogarão com as secreções corporais que

regulam as sensações de prazer e de dor.

Heemann (2001) acrescenta o aspecto afetivo contido nestas informações,

guardadas em memórias neuronais ora aversivas e ora prazerosas, que regulam a

homeostasia no ato de consumir. Esse comportamento faz parte do agir nas

movimentações entre os grupos de status. Landes explica que

quando começa a haver mobilidade, como no fim da Idade Média, leis suntuárias23 são necessárias para manter as pessoas no seu lugar. E quando a mobilidade torna-se tão corriqueira, a ponto de parecer a muitos uma virtude, é impossível controle discriminatório sobre os gastos (1994, p.58).

O aumento das exportações viria reforçar as pressões favoráveis à

padronização e contrárias à diferenciação, a quantidade em oposição à qualidade.

23 As leis suntuárias foram eliminadas em 1604, no reinado de Jaime I. Foram as leis suntuárias, como o decreto que exigia que todos os mortos fossem enterrados com mortalhas de lã, as proibições referentes à importação de tecidos concorrentes e as restrições à produção de chita no país.

61

Novos métodos de produção reduziam os custos em detrimento da solidez ou da

aparência. O abandono dos velhos métodos trocava o orgulho artesanal pelo lucro,

reforçando, por outro lado, uma separação mais acentuada entre o produtor e a

produção. Assim, dentro desta lógica de mercado, e não de fábrica, os artesãos

ficavam reduzidos à condição de meros empregados do contratante da produção

domiciliar.

Quanto aos trabalhadores pobres, Landes nos diz que eles se sentiam

frustrados e irritados com o tratamento dado a eles enquanto consumidores,

desconsiderando os seus direitos de cidadãos. Estes homens e mulheres, no fim do

século XVII e início do XVIII, eram vistos como pecadores, e vítimas de sua própria

iniqüidade. Eles eram punidos pela indolência, e pelo desperdício de tempo no ócio

e em diversões rasteiras, e pelo vício que os levava a dissipar seus escassos

recursos no álcool e na devassidão.

Landes coloca como lógico o raciocínio dos empregadores ao substituir a

mão-de-obra pela máquina, já que ela viria solucionar a escassez de mão-de-obra e,

ao mesmo tempo, cercearia a insolência e as desonestidades humanas (1994, p.

68). Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo, sociólogo e pedagogo francês,

diz que a maioria dos povos é dócil apenas na juventude, e quando os homens

envelhecem, tornam-se incorrigíveis. Na verdade, estes mecanismos poupadores de

mão-de-obra na indústria, aliados ao comércio, uma atividade respeitável, conferia

louvores à racionalidade pecuniária. A imposição de um novo agir e de um novo

pensar implicava na força mais intensa da destruição do que da construção. Neste

estilo de vida, em que prevaleceu a economia de mão-de-obra e a produção em

massa, na relação ativa com a natureza e com a sociedade, o ser humano criou um

modo específico de produzir, que proporcionou um acomodamento às circunstâncias

diferenciadas do modus operandi do artesanato.

Thompson (2002, p. 439) diz que os trabalhadores eram vistos como

instrumentos ou máquinas, e encontraram o utilitarismo em suas vidas, na medida

em que eles sentiam prazer em manusear e lidar com a máquina, e por outro lado

sentiam a dor das relações com seus superiores, com a obediência, com a

disciplina, com os horários, com os baixos salários. Entre a vida dos artesãos e dos

seres industriosos algo foi destruído, e ousamos afirmar que ficou patente a

62

substituição de uma consciência artesanal presente em um modo de vida mais

antigo, por uma consciência coletiva tecnológica.

Karl Marx (1818-1883), socialista alemão, citado por Thompson (2002, p. 12),

diz que o tear manual está na origem da sociedade feudal, e o tear a vapor conduziu

à sociedade industrial. Estas modificações na forma de produzir criaram um novo ser

humano com comportamentos, ocupações e concepções reproduzidos nas

instituições e nos hábitos culturais. As atividades sindicais, as crises, o jornalismo

radical, os movimentos reivindicadores, resultaram numa intensa agitação popular:

”a tecelagem é vista tanto com agente de uma Revolução Industrial como também

social, produzindo não apenas maior quantidade de mercadorias, mas o próprio

“Movimento Trabalhista” (2002, p. 14).

Contra o sistema produtivo, mas admiradores das máquinas, os trabalhadores

se rebelaram com os mecanismos de mercado, os quais dominaram o tempo e o

espaço dos trabalhadores. Confinados ao tempo histórico e não mais ao tempo

cíclico, eles passaram a serem controlados socialmente. Foi uma mudança da

condição de homens livres para trabalhadores vinculados ao cotidiano fabril,

manejados operacionalmente pelos empregadores.

Ocorreu uma defasagem crescente entre a máquina e o homem, segundo

Landes, mostrada pelas estatísticas aproximadas dos teares mecânicos em

funcionamento na Grã-Bretanha: 2.400 em 1813, 14.150 em 1830, 55.500 em 1829,

100.000 em 1833 e 250.000 em meados do século XIX. Por outro lado, o número de

tecelões em teares manuais declinou24, embora num ritmo obstinado, e também a

tenacidade de homens que não estavam dispostos a trocar sua independência pela

disciplina mais bem remunerada nas oficinas.

Foi muito importante o papel dos bancos e do crédito bancário. A Inglaterra foi

o país da Europa do século XVIII mais avançado na operação papéis, e na estrutura

financeira. Estes fatos também eram reforçados pelas leis de hierarquia da

sociedade inglesa, em que a nobreza e a aristocracia rural costumavam praticar a

primogenitura. Landes explica que somente o filho mais velho herdava o título e as

terras, e a maioria dos filhos era obrigada a ganhar a vida fora daquele meio. Dentre

os primeiros proprietários de tecelagens estavam homens de posses, que

24 Em 1810 havia na Grã-Bretanha 250.000 tecelões; em 1830 o número total era de 40.000, 1842, havia somente 3.000 tecelões (Landes, 1994).

63

trabalhavam como mercadores, cujo cotidiano era vender produtos acabados, os

quais estavam preparados para mudar na direção da produção mecanizada em

larga escala.

A nobreza na Inglaterra era composta por um pequeno número de pessoas

portadoras de títulos de nobreza, cuja prerrogativa essencial era a possibilidade de

fazer parte da Câmara dos Lordes. Abaixo da nobreza ficava a pequena aristocracia,

também chamada de fidalguia rural – um grupo sem status legal, que não tinha

equivalentes no continente europeu.

4.4 A MECANIZAÇÃO E A PADRONIZAÇÃO NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Na visão de Landes, a Revolução Industrial não está representada isoladamente

pelas máquinas e pelas novas técnicas. Elas representaram aumentos de

produtividade e um deslocamento da importância relativa dos fatores de produção

de mão-de-obra para o capital. A revolução está no sistema fabril, na transformação

da forma de organizar e nos meios de produção, que reuniu grandes corpos de

trabalhadores num único lugar, para executar tarefas sob supervisão e com

disciplina.

A visão marxista explica esta marcante mudança social – a criação de um

proletariado industrial em face de uma resistência – pela postulação de um ato de

expropriação forçada proveniente das demarcações de terras que desarraigaram os

produtores domésticos e os pequenos agricultores e os empurraram para as

fábricas.

Pesquisas empíricas recentes invalidaram essa hipótese, afirma Landes. Os

números apontam para um resultado contrário. A revolução agrícola associada às

demarcações (enclosures) demandou mais trabalhadores agrícolas. As áreas rurais

que tiveram mais demarcações foram as que assistiram ao maior aumento da

população residente. Em alguns condados agrícolas da Inglaterra, a população

dobrou entre os séculos XVIII e XIX.

Mudanças tecnológicas possibilitam consciência tecnológica uma vez que

elas instigam padrões culturais variados. Há uma convergência cultural provinda da

estrutura social, das ideologias e da personalidade social. Na Revolução Industrial a

ênfase crescente não está mais no ser industrioso/artesão, mas sim no homo faber /

trabalhador que não só faz, mas que também consome: “produzo, realizo e

64

consumo”. Landes, ao ressaltar o papel da Revolução Industrial, nos diz que o

interior da Inglaterra estava permeado de indústrias. Ali eram maiores as pressões e

incentivos à mudança, e mais fraca era à força da tradição. As perdas de

subordinação ao pensar artesanal foram sendo recompensadas pelo grande ganho

de independência trazido pela industrialização.

A personalidade social da Inglaterra foi construída a partir dos impactos

técnico-econômicos, e da formação da consciência tecnológica – transporte,

mercado, relações de consumo, homeostasia, utilitarismo, graus de prazer e dor -

em um ambiente histórico específico, com variáveis históricas específicas

impossibilitando generalizações.

Dentro desta cultura coletiva, as similaridades que caracterizavam os grupos

de artesãos mais habilidosos eram respostas diretas do seu habitat cultural. A

introdução de meios técnicos disponíveis permitiu a exploração de uns sobre os

outros. Charles Darwin fala da produção de animais superiores, em que o mais

capaz sobrevive e lidera o seu ambiente bio-cultural. Presume-se que na interação

das variáveis, há influências de todas as partes de uma cultura, e nenhuma delas

revela uma medida de desenvolvimento autônomo, porém, destacam-se aqueles

artesãos mais conscientes que introduziram novas idéias e novas formas de agir na

produção.

Landes nos diz que o sistema de produção domiciliar era deficiente, pois o

artesão doméstico raramente tinha habilidade suficiente para fazer produtos

acabados individuais de alta qualidade, o que o impossibilitava de competir com a

fábrica na produção em massa de artigos padronizados.

Com a divisão do trabalho cresceram os níveis notáveis de produção em

alguns ramos – os metalúrgicos, em particular – e as primeiras máquinas de punçar,

cortar e estampar eram adequadas à casa ou ao porão dos artesãos. Essa

especialização facilitou a mecanização e permitiu o avanço tecnológico e a criação

de indústrias. (1994, p. 125).

Landes nos explica que a difusão da indústria mecanizada exigiu grandes

aperfeiçoamentos no projeto dos instrumentos. As máquinas, na medida que

ficavam mais aperfeiçoadas, aumentavam a produtividade. A crescente velocidade

das operações, possível graças à utilização eficiente da energia, com peças

funcionando uniformemente, afetava os interesses daqueles envolvidos com a

65

produção. Apesar dos trabalhadores seguirem especificações aproximadas, os

desempenhos não eram uniformes. Entretanto, reinava a tendência ao prazer no

manejo de máquinas velozes.

No início do período moderno, diz Landes, foi introduzido o punção, que

possibilitou a regularização da forma e do tamanho. Um campo fértil da

padronização de produtos foi a cunhagem, que remonta à Antigüidade. Usavam-se

as matrizes para cunhar moedas de desenho uniforme. Na indústria propriamente

dita, a técnica da uniformidade passou do objeto para o sujeito. Não somente a

fabricação de botões, berloques, fivelas e outros pequenos objetos similares eram

padronizados, mas também atitudes e comportamentos do homo faber eram

explicados pela sensação de repetir a mesma coisa (1994, p. 113).

A tendência de transformação das técnicas metalúrgicas e de trabalho com a

madeira, no “espaço de duas gerações – graças, em grande parte, a um punhado de

figuras talentosas que aprendiam umas com as outras e que formaram como que

uma família de fabricantes de instrumentos” criação de valores de uso (1994, p.112).

As pessoas associavam suas idéias, partilhavam um repertório, e os interesses em

questão estavam direcionados ao prazer. De geração em geração, a busca da

felicidade, dentro dos princípios utilitaristas, assemelhava-se a um comportamento

condicionado. Melhorar os instrumentos significava melhorar a produção e dominar a

natureza.

A ciência prática era concebida na realidade dos trabalhadores, que

usufruíam do prazer e da felicidade de produzir valores de uso. Francis Bacon (1999,

p. 11) diz que o utilitarismo está relacionado ao saber na sua totalidade. Ele diz que

todos detêm parcelas do saber, as quais se associam num esforço para servir a

humanidade. No intercâmbio, as pessoas sentem o prazer de ver suas contribuições

reificadas.

O prazer, para os trabalhadores, de produzir objetos na Revolução Industrial

estava fundamentado nas ferramentas e nas máquinas que eles construíram, mas

que eles desconheciam o potencial econômico que interagia entre o homem e a

máquina. Os motores não apenas substituíam o trabalho manual, mas obrigavam a

concentrar a produção em fábricas. As máquinas, então não mais alojadas nas

casas, pela sua superioridade mecânica, exigiam uma grande indústria que

fabricasse um produto de demanda ampla.

66

Por outro lado, o sistema explorava os novos potenciais das inovações

tecnológicas, pois constatamos uma série de leis e decretos aprovados que

estimulava a produção e o consumo de mercadorias. O crescimento interno e

externo da economia havia transformado os produtores de algodão em capitalistas

mais poderosos do que os comerciantes de lã. Na realidade, o algodão prestava-se

à mecanização de modo mais fácil do que a lã. Landes explica que o algodão é uma

fibra vegetal, resistente e de características relativamente homogêneas, ao passo

que a lã é uma fibra orgânica, instável e com várias sutilezas de comportamento.

Todos podiam desfrutar do conforto e da higiene da roupa de baixo, que cobria a

áspera e suja roupa de fora. A roupa para o trabalho, ainda que tosca, era mais

confortável para a pele. Até mesmo os mais abastados ficaram encantados com a

cor e a elegância das padronagens de algodão, adaptando-as às estações do ano.

O século XVIII assistiu, portanto, ao desenvolvimento de todo um complexo

de máquinas pré-fiação. As primeiras invenções da famosa série que transformou a

indústria têxtil, entre elas o primeiro importante utensílio têxtil, a lançadeira e a

máquina para as cardas desenredarem as fibras de John Kay em 1773 e a máquina

de fiar de James Hargreaves em 1760 projetadas para a fabricação de lã, foram

adaptadas para a fabricação de algodão porque havia um desequilíbrio entre a

fiação e tecelagem. Além disso, o monopólio dos mercados coloniais e

subdesenvolvidos veio complementar a supremacia comercial do império britânico.

A tecnologia da manufatura do algodão exigia um trabalho mais constante e

mais forte em proporção ao peso, como também a mule, que estirava e torcia a

mecha simultaneamente e continuava a puxar mesmo depois de terminada a torção,

era capaz de fiar quantidades maiores (LANDES, 1994, p. 90).

Hobsbawn (2003) fala que o algodão, apesar de ter sido a matéria prima que

movimentou a Revolução Industrial por duas ou três gerações, não foi unicamente a

razão da transformação da economia inglesa. Todavia, foi esta fibra branca e macia

que fomentou o aparecimento de novas regiões e deu forma diferenciada para

aquela sociedade. Unidades produtoras e transformação técnica causavam um

impacto social que impulsionava a transição da fabricação doméstica para as

fábricas. A ruptura chamada de Revolução Industrial também trouxe

aperfeiçoamentos simultâneos na produção agrícola.

67

Foi impressionante o aumento e o movimento populacional criando

aglomerações cada vez maiores de pessoas, maior especialização do trabalho, e do

progresso intelectual no campo da ciência e da tecnologia.

David Ricardo, ao responder às posturas de Thomas Robert Malthus, tinha

uma opinião otimista do progresso. Para Malthus, a superprodução representava um

perigo para a demanda efetiva. Porém, Ricardo via nesse aumento da população as

possibilidades de aumentar a oferta de mão-de-obra para o capitalismo em

expansão (Dobb, 1977, p. 333).

Os empresários que tiravam proveito das máquinas estavam voltados aos

aperfeiçoamentos mecânicos, orientando as inovações tecnológicas para aumentar

a concentração da produção. Colocavam ênfase na feitura do artefato e podiam

alterar as técnicas e as condições de trabalho a seu critério. Conseqüentemente, a

técnica tornou-se uma aliada das oportunidades econômicas. Landes coloca que a

fábrica foi uma nova ligação entre a invenção e a inovação (1994, p. 128).

4.4.1 Questões da máquina a vapor e da energia

Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, diz que se a Doutrina dos Costumes -

a ética do dever - fosse simplesmente a doutrina da felicidade, seria absurdo

procurar Princípios a priori como fundamentos para ela. Segundo o pensador,

somente a experiência pode nos mostrar o que nos dá prazer. Encontramos

prazeres na alimentação, no repouso e no movimento, no instinto sexual, no desejo

de honra, na aquisição de conhecimento, e no desenvolvimento de nossas

capacidades naturais. Todavia, as Doutrinas da Moralidade são bastante diferentes,

pois estabelecem ordens para todos, sem levar em conta as inclinações particulares,

mas sim porque os homens são livres e têm uma Razão Prática. A razão ordena

como devemos agir, embora nenhum exemplo de tal ação possa ser encontrado.

A fisiologia da estabilidade diz que o organismo humano é um sistema aberto,

na medida em que o homem interage com o meio externo. Heemann (2001) aborda

a história da vida como supridora de um repertório de condutas que permite que o

ser humano se relacione com o mundo e consigo mesmo. Os seres vivos passam

por mudanças estruturais e a conduta e as ações deles são coerentes com o meio

externo.

68

O pensamento econômico tradicional considerava a contabilidade do mercado

um sistema fechado dentro do ciclo de produção e consumo. Nos sistemas fechados

os mecanismos naturais são substituídos pelos mecanismos artificiais. Os ritmos dos

preços se contrapõem aos ritmos naturais. Por isso, o mercado vai procurar

acompanhar os ritmos do ser humano na construção das máquinas. A produção de

trabalho útil, ou seja, a relação do ser humano com a máquina, é diferente do modo

como o seu trabalho é apropriado pelos empresários.

Na Revolução Industrial, a homeostasia entre os sistemas abertos – os

trabalhadores – e os sistemas fechados – máquinas – seria buscada na dinâmica da

ordem e da desordem que provocava tensões, até que estas instabilidades atinjam

novos níveis de equilíbrio.

As máquinas são idealizadas para o sucesso comercial, e não para a

realização profissional dos trabalhadores. Em 1824, os fluxos energéticos da

máquina a vapor foram enunciados através das leis da termodinâmica. O vapor de

alta pressão foi uma combinação aplicada de forma mais ampla na navegação, com

economia de combustível e a liberação do espaço para a carga e para os

passageiros.

A grande vantagem da máquina a vapor era seu poder incansável. Além do

mais, ela foi a chave dos efeitos revolucionários no ritmo do crescimento econômico,

pois consumia combustível mineral, uma fonte de energia nova e aparentemente

ilimitada para o fornecimento de força motriz, em contraste com o simples calor

(Landes, 1994, p. 102).

Uma revolução na metalurgia foi provocada pelas máquinas a vapor. Landes

diz que este fato pressupõe uma ligação entre ciência e tecnologia. Alguns autores

afirmam que a máquina de Newcomen e suas precursoras seriam impensáveis sem

as idéias teóricas de Boyle, Torricelli e outros. Watt trabalhou com cientistas e

instrumentos científicos em Glasgow. Landes acredita que isto é em parte

verdadeiro, embora seja impossível medir esta afirmação. O princípio do

condensador separado, os avanços subseqüentes surgiram sem teoria. Todo um

ramo inteiro da física, a termodinâmica, desenvolveu-se a partir de observações

empíricas dos métodos e do desempenho da engenharia. Não foi por acaso que o

trabalho teórico teve início na França, onde havia uma escola como a École

Polytechnique que procurava enquadrar a técnica em generalizações matemáticas.

69

O martelo-pilão a vapor foi usado na fabricação de rodas de trens,

desencadeando um novo tipo de construção mecânica que abriria possibilidades

para a fabricação dos bens de consumo duráveis modernos como automóveis,

televisores, aparelhos de refrigeração e bicicletas.

Não houve uma passagem rápida das ferramentas manuais rudimentares

para as máquinas. Não foram os carpinteiros e construtores de moinhos que usavam

talhadeiras e limas, cortando e desbastando a olho e pelo tato que trouxeram

conhecimentos para maquinistas e engenheiros operarem instrumentos

mecanizados de precisão e trabalharem de acordo com especificações e projetos.

Na verdade, os artesãos do século XVIII, particularmente na relojoaria,

estavam familiarizados com uma variedade de máquinas, tornos, furadeiras, brocas

e máquinas para cortar roscas de rodas. Elas não eram rápidas e de precisão, mas

eram adequadas à indústria da época, e elas ainda sobrevivem atualmente em

algumas localidades.

Caso a opção dos ingleses fosse pela a utilização de força animal, Landes

ressalta que haveria um insumo de energia útil proveniente dos nutrientes orgânicos

de l0% a 20%, enquanto que as máquinas a vapor, mesmo com o desperdício de

combustível, estavam, considerando os limites malthusianos da fome e da doença,

sendo utilizadas em detrimento dos seres humanos. Investir em máquinas era mais

lucrativo que investir em alimentos para os trabalhadores.

Landes explica que o desenvolvimento da indústria mecanizada, concentrada

em grandes unidades produtoras, foi possível porque existia uma fonte de energia

maior do que aquela oferecida pelas forças humana e animal, independente das

incertezas da natureza. A resposta foi uma máquina transformadora de energia – a

máquina a vapor – e a exploração, em grande escala, de um combustível, até então

bastante conhecido, que era o carvão mineral.

Foram as fontes inanimadas de energia que permitiram aos seres humanos

ultrapassar os limites biológicas e aumentar aceleradamente sua produtividade.

Landes destaca que o acaso não esteve presente no momento em que a indústria

mundial tendeu a se localizar perto das jazidas de carvão , ou que o aumento do

capital foi proporcional ao consumo de combustível mineral. O carvão alimentou a

indústria. A combinação carvão-vapor propiciou a única fonte de energia inanimada

70

acessível às economias européias do século XVIII, disse Landes (1994, p.104). O

carvão e o vapor permitiram o crescimento da indústria na Inglaterra.

A tecnologia do vapor propiciava um aumento no volume de trabalho

executado por insumo de energia. Ainda não se pensava exclusivamente em

aumentar a quantidade de trabalho executado por unidade de tempo, mesmo que

ambas as metas estivessem conjugadas. A demanda de maior energia era a

mineração de carvão, e a Inglaterra, despojada de florestas, procurou substituir o

combustível vegetal pelo mineral, numa ampla variedade de operações industriais

que usavam o calor. Contudo, haviam riscos nas contínuas escavações, que no fim

do século XVII, chegaram abaixo do lençol freático e as inundações inibiam, muitas

vezes, as novas extrações.

É importante ressaltar o espírito de inovação e de seus efeitos, bem como o

fato da sociedade inglesa criar poucas barreiras institucionais para as mudanças no

processo produtivo. O economista J. Schumpeter diz que a principal função dos

empreendedores é realizar inovações. Ele vê o crescimento econômico como um

processo permanente de destruição e de reestruturação das atividades ligado ao

caráter descontínuo das inovações.

71

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscando conhecimentos nas áreas da filosofia, da economia, da sociologia e da

história, o problema de pesquisa desta dissertação procurou explorar os contextos

que favoreceram a consciência tecnológica na Revolução Industrial na Inglaterra.

Segue-se a idéia de que a teoria utilitarista fundamentou o pensar e o agir do homo

faber, no qual o prazer e a dor, a sensação e o estímulo, o corpo e a mente, o

trabalho e o salário estão associados a mecanismos de regulação homeostáticos.

Por que a Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra e não em outros

países? Desde 1651, quando os atos de navegação e comércio, que asseguraram o

transporte de mercadorias para o país, tornou-se possível a colonização em outros

continentes. Após a conquista de territórios, as populações passavam a fornecer

matérias primas e a consumir os produtos industrializados. Minério de ferro, de

carvão, lã e algodão, moviam máquinas e facilitavam o desenvolvimento industrial. O

êxodo rural contribuiu para fornecer mão-de-obra, rebaixando os salários e elevando

a produtividade na indústria.Prevaleceu a monarquia parlamentarista sobre a

monarquia absolutista permitindo a participação da burguesia na construção do país.

A mecanização da natureza colaborou para que os seres humanos se

aproximassem da experiência, desprezando as questões referentes às suas

essências. Hans Selye (1907-1982), (citado por Ballone 2005 b) médico francês,

endocrinologista, radicado no Canadá, nas pesquisas sobre o stress em 1930,

estava preocupado com o tema da adaptação ao meio. Ele afirmou que o organismo

humano reage aos estímulos que o agridem. Fatores como o trabalho e os afetos

atacam o ser humano. Antes de ele concluir que a freqüência e a precipitação de

estímulos podem levar as pessoas a doenças, outros estudiosos trilharam por este

caminho.

Gustav Fechner (1801-1887) (Dicionário Enciclopédico Brasileiro, 1947,

p.702) médico, físico, matemático, filósofo, estudioso dos métodos fisiológicos e

72

psicofísicos, para investigar os fenômenos mentais, supôs um vínculo entre a

sensação mental e um estímulo físico. Ele afirmou que determinados fenômenos

mentais estão sujeitos a leis reguladoras. O que ele chamou “princípio do prazer”

fazia parte dos métodos de medidas psicofísicas para quantificar a relação

“sensação e intensidade de estímulo”.

Tal como Thomas Robert Malthus colocou sua teoria da população, ele

trabalhou com o crescimento geométrico e aritmético da sensação e do estímulo.

Assim, a intensidade do estímulo estaria sempre em relação à quantidade de

sensação.

Freud inspirou-se em Fechner25 para afirmar que existe algo que vai além do

princípio do prazer, o qual permite a construção de um novo princípio de

funcionamento mental. Antônio Damásio, neurologista26, explica que a consciência

desenvolve estratégias originais quando encontra adversidades do ambiente

externo. Como disse Freud, “o mal estar da civilização” é fruto desta caminhada para

além do prazer e da adaptação à realidade.

Ao transpormos estas idéias para a Revolução Industrial vemos que estes

pensadores desejosos de conhecer o funcionamento da mente encontraram um

público – pacientes - que buscava a regulação homeostática. As máquinas, quando

eram ligadas, propiciavam um estímulo padrão que mantinha a homeostasia do

“homo faber”. Quando elas eram desligadas, as pressões do meio externo,

ambientais e orgânicos, explicadas pelas exigências da sociedade e pela falta de

recursos do “homo faber" para organizar seus conteúdos mentais em pensamentos

cada vez mais complexos, criavam patologias.

As idéias de ciclos na Revolução Industrial introduzem mudanças

progressivas estruturais na sociedade: o ciclo do carvão, do ferro, do aço, do vapor,

da eletricidade, do motor de combustão interna, os quais passam obrigatoriamente

25 Sigmund Freud, nas suas obras completas, revela a importância da contribuição de Fechner para explicar o tema do prazer e do desprazer. Nas palavras de Fechner, “...todo movimento psicofísico que se eleve acima do limiar da consciência é assistido pelo prazer na proporção em que, além de um certo limite, ele se aproxima da estabilidade completa, sendo assistido pelo desprazer na proporção em que, além de um certo limite, se desvia desta estabilidade, ao passo que entre os dois limites, que podem ser descritos como limiares qualitativos de prazer e de desprazer, há uma certa margem de indiferença estética...” (Fechner citado por Freud, 1976). 26 Antonio Damásio nasceu em Portugal em 1944, professor do Departamento de Neurologia da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. Escreveu “O erro de Descartes” e o “Mistério da Consciência” publicado em mais de 20 de línguas.

73

pelas fases de ascensão e de queda de vigor. Entre estas fases encontram-se as

tentativas de regulação homeostática, de proximidade ao equilíbrio.

A personalidade social da Inglaterra foi construída a partir dos impactos

técnico-econômicos, e da formação da consciência tecnológica – transporte,

mercado, relações de consumo, homeostasia, utilitarismo, graus de prazer e dor -

em um ambiente sócio-econômico cultural específico, com variáveis geo-políticas

específicas impossibilitando generalizações.

As coisas são boas ou más em relação ao prazer e a dor. O que chamamos

de bom, diz o filósofo inglês John Locke (1632-1704) é o que está apto para

aumentar o prazer ou para diminuir a dor em nós mesmos. O desejo é movido pela

felicidade. A felicidade é o maior prazer de que somos capazes. Perseguimos a

felicidade, que é o fundamento de toda liberdade. Porém, as idéias utilitaristas que

nortearam a Revolução Industrial giraram em torno da segurança e não da liberdade.

Locke antecipou as idéias de Jeremy Bentham no alvorecer da Revolução

Industrial. Ele afirmava que a liberdade estava baseada na necessidade de

perseguir a verdadeira felicidade e o domínio de nossas paixões.

Franz Seitelberger, médico, professor, doutor em neurologia em Viena,

Áustria, diz que a consciência faz um quadro seletivo de um cosmos relevante para

o indivíduo, não sabemos por quais critérios, a partir de artefatos, lugares e

acontecimentos (Popper & Lorenz, 1990). Dessa forma, a consciência é dada ao

homem. No processo modelador da Revolução Industrial, a consciência tecnológica

nasce na seleção de possibilidades de regulação homeostática para idealizar um

extrato da realidade. O homo faber representou então uma estratégia de

conhecimento vinda das repetições e das regularidades apresentadas na sua

relação com as máquinas. Isto permitiu que o cérebro triúnico, nas suas três

instâncias – reptilíneo, mamífero e límbico - deixasse, por vezes que a razão

governasse a emoção e vice versa, e nessa turbulência aflorasse a imaginação.

Inventar e trabalhar, imaginar e produzir no ritmo das máquinas são atos que

permeiam o processo de consciência tecnológica. Ashton (1974) diz que a invenção

faz parte da história do homem. Mas foram os camponeses ingleses, que se

dedicaram a uma única atividade, ou seja, fabricar tecidos, em que nasceu uma

situação específica que propiciou a interrelação entre a invenção e divisão de

trabalho. Para o autor, os ingleses estavam mais voltados ao desenvolvimento de

74

idéias não fragmentadas, o que possibilitou sistematizar o conhecimento do

conhecimento.

Darwin nos fala de um arranjo de línguas, de gêneros, em uma ilha isolada,

com afinidades entre si, e Vanzolini nos mostra as idiossincrasias das ilhas, como

fatos que pudemos transpor para a realidade da Revolução Industrial e explicar a

difusão das técnicas na Inglaterra. Edgar Morin, ao tratar da frase de Descartes,

“cogito ergo sum”, diz que ela tem diversas leituras. Para ele, numa primeira

instância - “eu produzo”, eu sou um trabalhador -,o pensar reflexivo significa que o

ser humano pensa que ele pensa produzir, e constata que ele é um ser pensante

produtor. Há uma separação entre o lugar egocêntrico do sujeito e ele mesmo. No

momento seguinte, “Produzo, realizo” opera-se a reidentificação entre o eu pensante

–produtor - e o eu que o pensa - produzir.

O circuito “eu sou eu” na Revolução Industrial aconteceu nas externalidades,

uma vez que o cérebro estava aberto para o mundo exterior, a fábrica, o emprego, o

salário, os artefatos fabricados, tornando possível que os trabalhadores se

familiarizam com esta dimensão cognitiva: “Produzo, logo tenho consciência e

realizo artefatos” e não pudessem dizer “Produzo, e realizo uma experiência

consciente”.

A visão utilitarista, construída dentro da Revolução Industrial, num primeiro

momento, apontava que a tecnologia proporcionaria prazer por meio das soluções

automáticas para produzir. O princípio do prazer decorre do princípio da constância,

da estabilidade. Podemos falar de tendências ao prazer, existentes nas experiências

dos trabalhadores por ocasião de busca do equilíbrio homeostático e da formação

da consciência tecnológica.

A redução do espaço físico limita a agressividade. Densidade populacional e

patologia social fizeram parte das discussões dos economistas ingleses como Smith,

Ricardo, Malthus e Stuart Mill, e Bentham. Na Revolução Industrial, as fábricas

foram espaços em que a consciência tecnológica se formou, e a sociedade inglesa

consolidou leis de boas maneiras e códigos morais. Mesmo que ficassem

estressados com a obediência e os maus tratos, os trabalhadores preservaram e

criaram regras de convivência.

No período entre 1760 e 1830, a infelicidade dos trabalhadores estava sendo

objeto de discussão no Parlamento inglês. Existiam propostas para limitar as horas

75

de trabalho, e estabelecer padrões mínimos de higiene e educação. Mais tarde,

estas idéias fizeram parte do código de trabalho.

Além daqueles que louvavam o seu cotidiano, os tecelões manuais, os

fabricantes de malhas, de prego, agricultores do sul da Inglaterra respondiam

lentamente a nova ordem das coisas. Eles plantavam, coziam suas próprias roupas,

e estavam satisfeitos com o grau de liberdade que possuíam. Por outro lado, os

salários e o poder repulsivo da fome lideraram a corrida para as fábricas.

As emoções atuam no corpo e o contrário também é verdadeiro. A

homeostasia é tema recorrente de estudo nas ciências. São muitos os

conhecimentos que permitiram a evolução do pensar humano e trouxeram

ingredientes para a construção de máquinas e a exploração de combustíveis para

movê-las. Alimentar máquinas e alimentar homens são ações fundamentais para

que ocorra o movimento e a produção. O movimento e a produção demandaram

ritmos, repetições, redundâncias, e retroações no ambiente fabril.

Seguindo a argumentação de Landes, podemos dizer que não foi somente a

possessão de capitais que possibilitou o rápido avanço da Inglaterra. A indústria

inglesa se destacou mundialmente também pela sensibilidade e receptividade às

oportunidades pecuniárias vindas do comércio e da indústria.

Na Revolução Industrial estão impressas as idéias utilitaristas que

trabalharam o valor de uso fundamentado nos princípios de associação entre prazer

e dor para atingir índices de felicidade. Atualmente, psicólogos americanos estão

fazendo parcerias com economistas a fim de criar uma metodologia para medir a

satisfação das pessoas com suas próprias vidas. Os governos ficariam com a

responsabilidade de trabalhar os resultados de tal pesquisa. A história humana

contada através da riqueza e da saúde pode estar incompleta. Saber como as

pessoas avaliam suas experiências e como usam seu tempo livre podem ser fontes

históricas para contar uma outra história das invenções humanas.

76

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola.História da Filosofia, volume 9. Portugal:Editorial Presença,2000. (a)

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 2000. (b)

ASHTON, T.S. . A Revolução Industrial: 1760-1830. Portugal: Publicação Europa América, 1974.

BACON, F. Coleção ‘Os pensadores’. São Paulo, Nova Cultural, 1999.

BALLONE, GJ. - Neurofisiologia das emoções. Disponível na Internet. PsiqWeb Psiquiatria Geral. http://www.psiqweb.med.br/cursos/neurofisio.html. Acesso em: 26 de junho de 2005 a.

BALLONE, GJ. – Imunologia e emoção. Disponível na Internet. PsiqWeb Psiquiatria Geral. http://www.psiqweb.med.br/cursos/neurofisio.html. Acesso em: 19 de julho de 2005 b.

BALLONE, GJ. - Neurofisiologia das Emoções. Disponível na Internet. PsiqWeb Psiquiatria Geral. http://www.psiqweb.med.br/cursos/neurofisio.html. Acesso em: 26 de junho de 2005.

BASSALA, George. A evolução da tecnologia. Portugal: Porto Editora, 2001

BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

CALDER, Ritchie. O homem e a medicina: mil anos de trevas. São Paulo:Hemus, 1976

DAMÁSIO, Antonio. Em busca de Espinoza: prazer e dor na ciência dos sentimentos. São Paulo:Companhia das Letras, 2004.

DARWIN, Charles. A origem das espécies. Portugal:Lello e Irmãos Editores, s/d.

DARWIN, Charles. A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo:Cia das Letras, 2000.

DE MASI, Domenico. A sociedade pós-industrial. São Paulo:SENAC, 1999.

DEVLIN, Keith. O Gene da matemática. Rio de Janeiro, Record, 2004.

Dicionário de ecologia e ciências ambientais.São Paulo, Melhoramentos 2001,

Dicionário Enciclopédico Brasileiro. Rio de Janeiro, Globo, 1947, p.702.

DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro:Zahar, 1977.

77

DUBOS, René. Um animal tão humano. São Paulo:Companhia Melhoramentos, 1968.

FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer: psicologia de grupo e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976 v. XVIII.

HEEMANN, Ademar. O Corpo que Pensa. Joinville: Editora Univille, 2001.

HENDERSON, W. O. A Revolução Industrial: 1780-1914. Lisboa:Editorial Verbo, 1969.

HOBSBAWN, Eric. A era das revoluções. São Paulo:Paz e Terra, 2001.

HOBSBAWN, Eric. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2003.

HURST, David K. Crise e Renovação: enfrentando o desafio da mudança organizacional. São Paulo:Futura, 1996.

LANDES, David S.. Prometeu desacorrentado: transformação tecnológica e desenvolvimento industrial na Europa ocidental, desde 1750 até a nossa época. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1994.

LARUELLE, François. Para o conceito de “não-tecnologia”. In: ARAÚJO, H. R. Tecnociência e cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo:Estação Liberdade, 1998

LEFEBVRE, Henri. O Fenômeno urbano: sentido e finalidade da industrialização. O principal direito do homem. Paris:Documentos, 1967.

LENCIONI, Sandra. Região e geografia. São Paulo: Edusp, 1999.

MARTINS,Hermínio. O deus dos artefatos: sua vida,sua morte. In: ARAÚJO, H. R. Tecnociência e cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade, 1998

MATURANA, Humberto. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

MITHEN, Steven. A pré-história da mente: uma busca das origens da arte, da religião e da ciência. São Paulo, Unesp, 2002.

MORIN, Edgar. O problema epistemológico da complexidade. Portugal: Publicações Europa-América, 2002.

MORRIS, Clarence (org.). Os grandes filósofos do direito: leituras escolhidas em direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

OLIVEIRA, Bernardo Jefferson de. Francis Bacon e a fundamentação da ciência como tecnologia. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.]

78

POPPER, K. & LORENZ, K, O futuro está aberto. Lisboa, Fragmentos, 1990.

ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo século XVII-XIX. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

ROSEN, George. Uma história da saúde pública. São Paulo: UNESP/HUCITEC e Rio de Janeiro: ABRASCO, 1994.

RORTY, Richard. Ensaios sobre Heidegger e outros: escritos filosóficos. Rio de Janeiro: Dumará Distribuidora de Publicações Ltda, 1999.

SILVA, Maclovia Corrêa. O plano de urbanização de Curitiba – 1943 a 1963 – e a valorização imobiliária. Tese de doutorado. FAUUSP, São Paulo, 2000.

SKINNER, B.F. Sobre o behaviorismo. São Paulo: Pensamento-Cultrix Ltda, 2004.

SPINOZA, Baruch. Ética. São Paulo: Atena Editora, 1957.

THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

TRATTNER, E. Arquitetos de idéias: as grandes teorias da humanidade. Porto Alegre: Globo, 1956.

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo