cÓdigo dos contratos pÚblicos “sucesso discreto, mas reconhecido” · 2020. 11. 23. · 66...

1
66 PONTOS DE VISTA 67 NOVEMBRO 2020 » CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS “SUCESSO DISCRETO, MAS RECONHECIDO” Há 20 anos nasceu o Centro de Estudos de Direito Público e Regulação no seio da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo o seu trajeto sido reconhecido diversas vezes pela qualidade que o distingue. Para melhor entender o percurso do CEDIPRE, Pedro Costa Gonçalves, Diretor Executivo do mesmo, esteve à conversa com a Revista Pontos de Vista, em que este e outros temas foram abordados. Saiba quais. O CEDIPRE, sendo um centro de investigação instituído em 2000, no seio da FDUC, tem como prin- cipal propósito dedicar-se à inves- tigação e ao ensino pós-graduado na área do direito público, em geral, e do direito da economia e da regulação, em especial. Passa- do 20 anos de existência, como vê a concre- tização deste projeto e que mais-valias tem apresentado o mesmo ao longo dos tempos na comunidade? O CEDIPRE foi criado no seio da FDUC por impulso do seu fundador, o Prof. Vital Moreira. O valor acrescentado do CEDIPRE para os estudos do Estado Regulador e do Estado Contratante está materializado num conjunto invulgar, em extensão e em qualidade, de obras publica- das (livros, artigos, relatórios e revistas, como a Revista de Contratos Públicos) e de eventos realizados (colóquios, seminários, congressos) e, de uma forma imaterial, na transferência de conhecimentos e de reflexões para os nossos auditores. Desde a sua criação, tem promovido a rea- lização de diversos estudos na suas áreas de intervenção e põe à disposição de toda a comunidade um conjunto de cursos de pós- -graduação, estruturados para quem os fre- quenta possa elucidar-se nos diversos temas de direito público. Que qualidades aponta a este ensino? No capítulo do estudo pós-graduado, creio que a “receita do sucesso” reside na nossa preo- cupação em promover a investigação, a publi- cação de obras e a realização de cursos que, pela sua atualidade, interessam a um universo amplo de pessoas (magistrados, advogados, juristas da Administração Pública, etc.), e em mobilizar, para este efeito e de forma articula- da, académicos e profissionais que conhecem e dominam, com profundidade, os contornos teóricos dos temas que lecionam. Nos últimos anos, na sequência da publica- ção do Código dos Contratos Públicos, o tem conferido uma especial atenção ao direito da contratação pública. Qual o contributo funda- mental que a CEDIPRE pretende proporcionar aos agentes públicos ou privados, interessa- dos ou intervenientes no mercado da contra- tação pública? Um dos sinais distintivos do CEDIPRE assenta na prestação de um ensino pós-graduado que se revela muito cuidado do ponto de vista cien- tífico sem deixar de ser próximo das pessoas e afeiçoado à realidade. Neste sentido, penso que contribuímos de forma decisiva para a forma- ção contínua de alto nível dos nossos audito- res, respondendo pragmaticamente aos seus interesses imediatos (por ex., conhecimento de nova legislação), mas procurando ir mais além, por ex., através do estímulo para a elaboração de estudos de reflexão e de pesquisa por eles mesmos. Recentemente o Governo estabeleceu medi- das especiais de contratação pública e altera o Código de Contratos Públicos e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Para melhor entender, o que irá mudar neste âm- bito e com estas alterações? Para essas duas perguntas, duas respostas tele- gráficas: as medidas especiais de contratação são o resultado de uma proposta do Governo seguida de um compromisso político parlamen- tar; nas áreas a que se aplicam (por ex., tudo o que diz respeito a contratos financiados com fundos europeus ou às compras do Estado que um membro do Governo entenda submeter a esse regime), enterram-se os concursos públi- cos, abertos a quem queira concorrer, e institui- -se a regra do convite; a lei dá luz verde para que os contratos do Estado sejam convertidos em negócios para empresas convidadas. É um retro- cesso surpreendente, para o qual não há justifi- cação aceitável. Já quanto à segunda pergunta, sobre as alterações do CCP, a lei revela-se equili- brada e ajuizada, introduzindo retoques cirúrgi- cos, em geral necessários e bem pensados. Considera que estas medidas visam a simpli- ficação e a acelaração dos procedimentos? Ou pelo contrário – e na prática – será mais com- plexo do que isso? As medidas são justificadas pela retórica da simplificação e da aceleração dos procedimen- tos. É possível que estes objetivos se atinjam, mas à custa da eliminação da concorrência, da igualdade de tratamento dos operadores eco- nómicos e da publicidade nos negócios públi- cos. Trata-se de promover a adjudicação de con- tratos públicos de forma célere e simplificada a quem os decisores políticos escolhem em vez de se procurar um modelo de adjudicar bem e depressa às melhores propostas que o mercado apresente. No dia 28 de novembro será realizado o Co- lóquio de Encerramento do XII Curso de Pós- -Graduação em Contratação Pública, onde se- rão debatidos temas acerca da mesma. Estas alterações ao Código de Contratos Públicos serão debatidas entre os envolventes? Que outras finalidades pretendem com a realiza- ção do evento? No colóquio do dia 28/11 (para o qual estão inscritas neste momento mais de 500 pessoas) serão apresentadas e analisadas as novas medi- das especiais da contratação (seguindo um método técnico-científico, e, naturalmente, já não no registo crítico e opinativo de há pouco), bem como as alterações ao CCP. Além disso, analisaremos a evolução recente da jurispru- dência - Tribunais Administrativos, Tribunal de Contas e Tribunal de Justiça da União Europeia – em matéria de contratação pública. A terminar, onde pretende ver o CEDIPRE da- qui a mais 20 anos? O trabalho que temos feito no CEDIPRE, no âmbito dos estudos da regulação e da contra- tação pública, é para continuar, com a qualida- PEDRO COSTA GONÇALVES de a o reconhecimento que o tem distinguido. Com colegas de exceção, professores de direito público da nossa Faculdade, como o Professor Licínio Lopes Martins, membro da direção e cocoordenador dos cursos de pós-graduação, ou o Professor Bernardo Azevedo, aos quais se junta um grupo alargado de colegas mais novos que colaboram de forma empenhada e competente em todas as realizações e ações que promovemos, antecipo para o CEDIPRE um futuro de sucesso: de um sucesso discreto, mas reconhecido.

Upload: others

Post on 15-Jul-2021

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS “SUCESSO DISCRETO, MAS RECONHECIDO” · 2020. 11. 23. · 66 PONTOS DE ISTA 67 NOEMRO 2020 » CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS “SUCESSO DISCRETO,

66

PON

TOS

DE

VIST

A

67

NO

VEM

BRO

202

0

» CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS

“SUCESSO DISCRETO, MAS RECONHECIDO”

Há 20 anos nasceu o Centro de Estudos de Direito Público e Regulação no seio da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo o seu trajeto sido reconhecido diversas vezes pela qualidade que o distingue.

Para melhor entender o percurso do CEDIPRE, Pedro Costa Gonçalves, Diretor Executivo do mesmo, esteve à conversa com a Revista Pontos de Vista, em que este e outros temas foram abordados. Saiba quais.

O CEDIPRE, sendo um centro de investigação instituído em 2000, no seio da FDUC, tem como prin-cipal propósito dedicar-se à inves-

tigação e ao ensino pós-graduado na área do direito público, em geral, e do direito da economia e da regulação, em especial. Passa-do 20 anos de existência, como vê a concre-tização deste projeto e que mais-valias tem apresentado o mesmo ao longo dos tempos na comunidade?O CEDIPRE foi criado no seio da FDUC por

impulso do seu fundador, o Prof. Vital Moreira. O valor acrescentado do CEDIPRE para os estudos do Estado Regulador e do Estado Contratante está materializado num conjunto invulgar, em extensão e em qualidade, de obras publica-das (livros, artigos, relatórios e revistas, como a Revista de Contratos Públicos) e de eventos realizados (colóquios, seminários, congressos) e, de uma forma imaterial, na transferência de conhecimentos e de reflexões para os nossos auditores.

Desde a sua criação, tem promovido a rea-lização de diversos estudos na suas áreas de intervenção e põe à disposição de toda a comunidade um conjunto de cursos de pós--graduação, estruturados para quem os fre-quenta possa elucidar-se nos diversos temas de direito público. Que qualidades aponta a este ensino?No capítulo do estudo pós-graduado, creio

que a “receita do sucesso” reside na nossa preo-cupação em promover a investigação, a publi-cação de obras e a realização de cursos que, pela sua atualidade, interessam a um universo amplo de pessoas (magistrados, advogados, juristas da Administração Pública, etc.), e em mobilizar, para este efeito e de forma articula-da, académicos e profissionais que conhecem e dominam, com profun didade, os contornos teóricos dos temas que lecionam.

Nos últimos anos, na sequência da publica-ção do Código dos Contratos Públicos, o tem conferido uma especial atenção ao direito da contratação pública. Qual o contributo funda-mental que a CEDIPRE pretende proporcionar aos agentes públicos ou privados, interessa-dos ou intervenientes no mercado da contra-tação pública?Um dos sinais distintivos do CEDIPRE assenta

na prestação de um ensino pós-graduado que se revela muito cuidado do ponto de vista cien-tífico sem deixar de ser próximo das pessoas e afeiçoado à realidade. Neste sentido, penso que contribuímos de forma decisiva para a forma-ção contínua de alto nível dos nossos audito-

res, respondendo pragmaticamente aos seus interesses imediatos (por ex., conhecimento de nova legislação), mas procurando ir mais além, por ex., através do estímulo para a elaboração de estudos de reflexão e de pesquisa por eles mesmos.

Recentemente o Governo estabeleceu medi-das especiais de contratação pública e altera o Código de Contratos Públicos e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Para melhor entender, o que irá mudar neste âm-bito e com estas alterações?Para essas duas perguntas, duas respostas tele-

gráficas: as medidas especiais de contratação são o resultado de uma proposta do Governo seguida de um compromisso político parlamen-tar; nas áreas a que se aplicam (por ex., tudo o que diz respeito a contratos financiados com fundos europeus ou às compras do Estado que um membro do Governo entenda submeter a esse regime), enterram-se os concursos públi-cos, abertos a quem queira concorrer, e institui--se a regra do convite; a lei dá luz verde para que os contratos do Estado sejam convertidos em negócios para empresas convidadas. É um retro-cesso surpreendente, para o qual não há justifi-cação aceitável. Já quanto à segunda pergunta, sobre as alterações do CCP, a lei revela-se equili-brada e ajuizada, introduzindo retoques cirúrgi-cos, em geral necessários e bem pensados.

Considera que estas medidas visam a simpli-ficação e a acelaração dos procedimentos? Ou pelo contrário – e na prática – será mais com-plexo do que isso?As medidas são justificadas pela retórica da

simplificação e da aceleração dos procedimen-tos. É possível que estes objetivos se atinjam, mas à custa da eliminação da concorrência, da igualdade de tratamento dos operadores eco-nómicos e da publicidade nos negócios públi-cos. Trata-se de promover a adjudicação de con-tratos públicos de forma célere e simplificada a quem os decisores políticos escolhem em vez de se procurar um modelo de adjudicar bem e depressa às melhores propostas que o mercado apresente.

No dia 28 de novembro será realizado o Co-lóquio de Encerramento do XII Curso de Pós--Graduação em Contratação Pública, onde se-rão debatidos temas acerca da mesma. Estas alterações ao Código de Contratos Públicos serão debatidas entre os envolventes? Que outras finalidades pretendem com a realiza-ção do evento?No colóquio do dia 28/11 (para o qual estão

inscritas neste momento mais de 500 pessoas) serão apresentadas e analisadas as novas medi-das especiais da contratação (seguindo um método técnico-científico, e, naturalmente, já não no registo crítico e opinativo de há pouco), bem como as alterações ao CCP. Além disso, analisaremos a evolução recente da jurispru-dência - Tribunais Administrativos, Tribunal de Contas e Tribunal de Justiça da União Europeia – em matéria de contratação pública. A terminar, onde pretende ver o CEDIPRE da-

qui a mais 20 anos?O trabalho que temos feito no CEDIPRE, no

âmbito dos estudos da regulação e da contra-tação pública, é para continuar, com a qualida-

PEDRO COSTA GONÇALVES

de a o reconhecimento que o tem distinguido. Com colegas de exceção, professores de direito público da nossa Faculdade, como o Professor Licínio Lopes Martins, membro da direção e cocoordenador dos cursos de pós-graduação, ou o Professor Bernardo Azevedo, aos quais

se junta um grupo alargado de colegas mais novos que colaboram de forma empenhada e competente em todas as realizações e ações que promovemos, antecipo para o CEDIPRE um futuro de sucesso: de um sucesso discreto, mas reconhecido. ▪