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CDHOA - JORNADAS SISTEMA PRISIONAL - EXECUÇÃO DE PENAS DIREITOS HUMANOS | 1 CDHOA - Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados * Lisboa 26 e 27 de novembro de 2015

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CDHOA - Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados * Lisboa 26 e 27 de novembro de 2015

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JORNADAS SISTEMA PRISIONAL - EXECUÇÃO DE PENAS – DIREITOS HUMANOS

Lisboa, 26 e 27 de Novembro de 2015 * Salão Nobre da Ordem dos Advogados

PROGRAMA

26 DE NOVEMBRO I 10h00 Sessão de Abertura

Elina Fraga, Bastonária da Ordem dos Advogados

Rui Sá Gomes, Diretor-Geral da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

Eldad Mário Neto, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OA

> O Sistema Prisional Português

10h30 I O Sistema Prisional Português: Caracterização, análise e avaliação global

Miguel Lopes Romão, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa “Prisão, uma velha história?”

Carlos Alberto Poiares, Professor e Vice-Reitor da Universidade Lusófona “As prisões e os direitos das Pessoas: conciliação possível? Estratégias psicoinclusivas para a reinserção e reprogramação"

Joana Whyte, Professora da Universidade do Minho “A aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal na EU”

Moderação: Eldad Mário Neto, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OA

11h30 I Quotidiano do Sistema Prisional Português. Perspectivas

Paulo Carvalho, Director de Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo “Papel do Diretor e da Administração Prisional”

Jorge Alves, Presidente da Direcção do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional “O Hibridismo da Guarda Prisional - A Segurança e o papel Social”

Rogério Canhões, Director do Centro Educativo Navarro Paiva “A execução da medida tutelar de internamento em centro educativo. Que modelo?”

Moderação: Normanha Salles, Vogal da Comissão dos Direitos Humanos da OA

14h30 I O Recluso e a reclusão. Perspectivas na primeira pessoa. Painel I

Carlos Filipe Saraiva, Ordem dos Psicólogos “O papel dos psicólogos nos serviços prisionais”

João Gonçalves, Coordenador Nacional da Pastoral Penitenciária “Os direitos e deveres do recluso: culto religioso”

Ana Nascimento, Psicóloga “Formação Profissional das Prisões”

Mónica Calle “Testemunho de um projecto artístico e trabalho desenvolvido no meio prisional”

Andreia Chavado “Projecto de reparação de máquinas de café da Tecnidelta”

Francisco Valente, Recluso no EP de Beja “Percurso prisional e acesso à educação”

Moderação: João Lobo Amaral, Vogal da Comissão dos Direitos Humanos da OA

16h00 I O Recluso e reclusão. Perspectivas na primeira pessoa. Painel II

Júlio Barbosa e Silva, Procurador–Adjunto “Entre o 8 e o 80 - jovens adultos, Lei Tutelar Educativa e o regime penal de adultos”

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Manuel Simas Santos, Juiz Conselheiro “Recursos de Execução de Penas”

Paulo Sá e Cunha, Advogado e Presidente da Direcção da Associação dos Advogados Penalistas “Testemunhos de patrocínio: Advogados”

Moderação: Eldad Mário Neto, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OA

27 DE NOVEMBRO I 10h00 I A Execução da Pena, a Reinserção e a Reincidência

José Semedo Moreira, Investigador da Direcção de Serviços de Estudos e Planeamento da DGRSP

Sonia Kietzmann Lopes, Juíza do Tribunal de Execução de Penas "A prevenção da reincidência"

Antónia Soares, Procuradora da República no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa

Moderação: Helena C. Tomaz, Vice-Presidente da CDHOA

11h00 Intervenções Finais

Germano Marques da Silva, Advogado e Professor Catedrático “Prisão: Reinserção ou Exclusão”

José de Faria Costa, Provedor de Justiça, “ O Mecanismo Nacional de Prevenção contra Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes”

Moderação: Eldad Mário Neto, Presidente da CDHOA

12h00 Sessão de Encerramento

Ana Costa de Almeida, Vogal do Conselho Geral

Helena C. Tomaz, Vice-Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OA

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INDICE

Intervenção na Sessão de Abertura

Elina Fraga I Bastonária da Ordem dos Advogados __________________________________ 8

Rui Sá Gomes I Diretor-Geral da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais ________ 9

Eldad Mário Neto I Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OA _______________ 14

Prisão, uma velha história?

Miguel Lopes Romão I Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ______ 17

As prisões e os direitos das Pessoas: conciliação possível? Estratégias psicoinclusivas para a reinserção e reprogramação

Carlos Alberto Poiares I Professor e Vice-Reitor da Universidade Lusófona ______________ 21

A aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal na EU

Joana Whyte I Professora da Universidade do Minho _______________________________ 34

Papel do Diretor e da Administração Prisional

Paulo Carvalho I Director de Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo __________ 39

O Hibridismo da Guarda Prisional - A Segurança e o papel Social

Jorge Alves I Presidente da Direcção do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional __ 42

A execução da medida tutelar de internamento em centro educativo. Que modelo?

Rogério Canhões I Director do Centro Educativo Navarro Paiva _______________________ 49

O papel dos psicólogos nos serviços prisionais

Carlos Filipe Saraiva I Ordem dos Psicólogos _______________________________________ 55

Os direitos e deveres do recluso: culto religioso

João Gonçalves I Coordenador Nacional da Pastoral Penitenciária _____________________ 61

Projecto de reparação de máquinas de café da Tecnidelta

Andreia Chavado I Projectos Responsabilidade Social da Delta Cafés ___________________ 67

Entre o 8 e o 80 - jovens adultos, Lei Tutelar Educativa e o regime penal de adultos

Júlio Barbosa e Silva I Procurador–Adjunto ________________________________________ 71

Recursos de Execução de Penas

Manuel Simas Santos I Juiz Conselheiro __________________________________________ 78

Testemunhos de patrocínio: Advogados

Paulo Sá e Cunha I Advogado e Presidente da Direcção da Associação dos Advogados Penalistas __________________________________________________________________ 91

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Da Privação Para o Retorno à Liberdade e das suas Dificuldades

José Semedo Moreira I Investigador da Direcção de Serviços de Estudos e Planeamento da DGRSP _____________________________________________________________________ 95

A prevenção da reincidência

Sonia Kietzmann Lopes I Juíza do Tribunal de Execução de Penas _____________________ 101

A execução da pena, a reinserção e a reincidência

Antónia Soares I Procuradora da República no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa __ 106

Prisão: Reinserção ou Exclusão

Germano Marques da Silva, Advogado e Professor Catedrático ______________________ 114

Uma outra face do Provedor de Justiça: o Mecanismo Nacional de Prevenção

José de Faria Costa I Provedor de Justiça ________________________________________ 122

Intervenção na Sessão de Encerramento

Ana Costa de Almeida I Vogal do Conselho Geral _________________________________ 128

Prisão? Reclusão? Liberdade!

Helena C. Tomaz, Vice-Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OA ___________ 130

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FICHA TÉCNICA

TÍTULO

Jornadas Sistema Prisional – Execução de Penas – Direitos Humanos

EDIÇÃO

CDHOA – Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados

Largo de São Domingos, 14 – 1º

1169-060 Lisboa

T: 21 882 350 50 F: 21 886 24 03

E: [email protected]

www.oa.pt

COORDENAÇÃO DO PROJECTO

Helena C. Tomaz

COORDENAÇÃO DE CONTEÚDOS

Departamento Editorial e Comunicação

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Sessão de Abertura

Elina Fraga, Bastonária da Ordem dos Advogados

Rui Sá Gomes, Director-Geral da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

Eldad Mário Neto, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OA

Veja o filme realizado no Hospital Psiquiátrico São João de Deus, Estabelecimento Prisional de Caxias

Restantes filmes disponíveis no You Tube da Ordem dos Advogados

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Sessão de Abertura

Elina Fraga, Bastonária da Ordem dos Advogados

Quero cumprimentar a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, na pessoa do

Senhor Presidente, pela coragem de levar a cabo estas Jornadas, que são um desafio para todos

nós.

Cumprimento as várias entidades, associações e ordens profissionais presentes. Em particular,

cumprimento e agradeço toda a colaboração da Direção-Geral da Reinserção e Serviços

Prisionais, na pessoa do seu Director-Geral, Dr. Rui Sá Gomes, que também usará da palavra.

Saudar, ainda o novo Governo, e a nova Ministra da Justiça com quem esperamos vir a ter uma

boa colaboração institucional.

Quero apenas dizer duas palavras de circunstância:

Dizer que estou muito orgulhosa da Comissão dos Direitos Humanos, reuniu aqui um painel de

luxo que abordará todas as vertentes quer do nosso sistema prisional, quer do nosso Sistema de

Execução de Penas naquilo que é a sua vertente principal que é a defesa dos direitos humanos.

Ontem decorreu aqui (no Salão Nobre da Ordem dos Advogados) o lançamento do livro sobre o

pelourinho e sua ligação à Justiça. Era nos pelourinhos que se administrava a Justiça. Expondo

nos pelourinhos os presos aos quais eram infligidos maus tratos perante toda a comunidade.

Hoje, aqui ou ali, construímos novos pelourinhos!

Temos um Estado que tem o seu alicerce, a sua base da acção conformadora, no Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana.

Devemos fomentar a defesa dos direitos humanos, que os Advogados nunca consintam que

esses pelourinhos passem despercebidos e sejam no fundo paredes de vergonha que os muros

das cadeias escondem!

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Sessão de Abertura

Rui Sá Gomes, Diretor-Geral da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

É uma enorme honra participar de forma activa nas Jornadas promovidas pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, inteiramente dedicada ao Sistema de Execução de Penas em Portugal, aproveitando desde já para felicitar a Senhora Bastonária e o Senhor Presidente da Comissão dos Direitos Humanos por esta reflexão conjunta aos principais desafios que se enfrentam nesta matéria.

É sempre de enaltecer quando instituições que interagem com o sistema de Justiça por força da sua natureza ou missão legalmente atribuídas, adoptam posturas de responsabilização, de reflexão, na procura de soluções eficazes que visem dar resposta a desafios que são transversais a toda a Justiça através de soluções inovadoras e ao mesmo tempo eficientes para os problemas reais do sistema, como é o caso da Ordem dos Advogado, que com a reflexão que vai ocorrer nas presentes Jornadas procura dar o seu precioso contributo para esta finalidade.

Muito se tem discutido nos últimos anos sobre os sucessos e os insucessos dos processos de reinserção social de pessoas que estão ou estiveram privadas da liberdade ou sujeitas a algum tipo de medida judicial sendo este um tema que claramente divide opiniões em especial entre aqueles que desacreditam no conceito de reinserção por defenderem a insusceptibilidade de mudança do comportamento de alguém que cometeu um crime. No fundo seria assim, uma vez criminoso para sempre criminoso.

Contrastando com a visão humanista da mudança e da segunda oportunidade o qual começo já por dizer corresponde à minha mais profunda convicção enquanto Director-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e enquanto cidadão humanista que sou. É sabido que temos vindo a assistir a um extremar de posições relativas aos resultados das instituições na área da Justiça e em particular em relação à eficácia das medidas privativas da liberdade, onde o sistema prisional desempenha um papel fulcral no desempenho de estratégias de reabilitação e de reinserção social. É um facto que esta é uma realidade complexa que se depara com problemas e dificuldades de ordem diversa, reconhecendo que as carências do sistema são em alguns casos graves o que me preocupa grandemente, sendo exemplo disso os problemas crónicos relacionados com a sobrelotação do sistema, a qual já enviei atempadamente uma proposta concreta de alterações legislativas que privilegia a aplicação de pena de prisão na habitação, em recurso a vigilância eletrónica em detrimento da pena de curta duração e das penas de execução intermitente, das penas por dias livres. Esta proposta só por si iria reduzir cerca de mil reclusos no sistema prisional, enquanto que outras são dificuldades relacionadas com condições físicas que algumas instituições prisionais mais antigas apresentam, as quais estão já bem identificadas e para as quais foram apresentadas soluções, como são exemplo o investimento já realizado na ampliação das instalações como Coimbra, Alcoentre, Linhó, Vale Judeus, Caxias.

Também ao nível dos recursos humanos existem carências, seja ao nível do corpo de guarda prisional seja ao nível dos técnicos superiores de reinserção social, estando por esta razão a decorrer um concurso para a admissão de novos quadros. É exactamente por reconhecer que esta realidade e a sua dispersão é do interesse da sociedade em geral e das organizações da Justiça em particular, que aceitei o convite e hoje aqui vim refletir mais uma vez sobre o assunto, sem no entanto escamotear as reais carências do sistema, mas privilegiando como sempre faço, destacar iniciativas positivas de qualidade e exemplificar através de casos concretos que a estratégia de combate a todas as dificuldades com que o sistema se depara, também passa definitivamente pelo investimento em iniciativas de reabilitação e de reinserção social, para as quais as instituições que tenho a honra de dirigir, através de todos os seus profissionais, dão um contributo precioso, diariamente.

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CDHOA - Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados * Lisboa 26 e 27 de novembro de 2015

Com efeito, refletir sobre a Justiça, sobre o crime, sobre os seus autores, sobre as vítimas, obriga-nos sempre a recuar à essência dos pilares do comportamento humano, aos seus padrões e às suas determinantes. Permitam-me por isso que recue uns séculos, até à mitologia grega, a um dos seus filósofos mais proeminentes, Platão, para estabelecer a ligação entre a Alegoria da Caverna por ele tornada imortal até à visão modernista do actual quadro de referência do Sistema de Execução de Penas e medidas em Portugal um destaque para além dos normativos legais em vigor, também o nosso plano nacional de reabilitação e reinserção.

A narrativa filosófica de Platão transporta-nos para uma caverna e põe-nos lado a lado com outros seres humanos, e de onde nunca saíram por se encontrarem presos no seu interior, estes habitantes da caverna, estão de costas voltadas para a entrada e do lado de fora apenas existe um muro alto que os separa do mundo exterior onde vivem outros homens, os quais projectam as suas sombras na parede de fundo da caverna parecendo ameaçadoras e hostis, criando grande receio e pavor aos que se encontram presos o que os tornam cada vez mais afastados dessa realidade. Em seguida Platão coloca-nos no papel de um desses reclusos que decide sair da caverna, enfrentar o muro alto e passar para o outro lado, descobrindo afinal, que as sombras que via vinham efectivamente de outros homens como ele, e que em redor o ambiente é na realidade menos hostil, menos agressivo, do que imaginava. Através dessa alegoria Platão remete-nos para a reflexão sempre pertinente, mesmo nos dias de hoje, sobre as consequências do receio da mudança em que muitos seres humanos vivem em especial aqueles que se encontram privados da liberdade, aqueles que receiam as sombras da parede, e que não conseguem por si só encontrar os muros das suas prisões, por si só, recentrando-nos no caso concreto do Sistema de Execução de Penas, mas também para a necessidade de abertura ao exterior e à aproximação ao meio livre, por forma a não estigmatizar, nem alimentar preconceitos, crenças e falsas perceções da realidade que bloqueiam e, em muitos casos, prejudicam os processos de reinserção social de alguns reclusos.

É com convicção que este espirito de abertura ao exterior do diálogo permanente entre a sociedade e o Sistema de Execução de Penas e de medidas, e a criação de oportunidades de reinserção social, efectivamente, no seu conjunto são a chave para o sucesso da reinserção social das pessoas sujeitas a medidas judiciais privativas e não privativas da liberdade, que esta Direcção-Geral tem apostado forte e determinada através da execução do plano nacional de reabilitação e reinserção, que afirma de forma clara a sua visão sobre o processo de reabilitação e reinserção da população reclusa a seu cargo.

Passemos rapidamente pelas grandes linhas de força do Código de Execução de Penas. O Código consagra desde logo como grande princípio que a execução das penas e medidas privativas da liberdade que deve ser assegurado o respeito pela Dignidade da Pessoa Humana, em harmonia com a Constituição e com os instrumentos aplicáveis, respeito pelos interesses jurídicos do recluso, proibição de qualquer forma de discriminação, aproximação aos aspectos positivos da vida da comunidade, promoção do sentido de responsabilidade do recluso, a execução deve realizar-se em cooperação com essa mesma comunidade. Embora esse princípio já estivesse na lei anterior são agora reforçados definitivamente em artigos autónomos e estabelecendo direitos e deveres do recluso, destacam-se em particular o direito à informação, à consulta ao aconselhamento jurídico por parte do Advogado, o direito de acesso ao seu processo individual, à aplicação do direito de manter os filhos até aos cinco anos, o direito à liberdade religiosa e de culto, o direito à protecção da sua vida, à saúde, à liberdade pessoal, à liberdade de consciência; e naturalmente direitos políticos e sociais e económicos e culturais. Também noutra linha de força é o reforço das garantias do recurso do cumprimento das penas e das medidas privativas da liberdade. O Código traduz a preocupação do reforço das garantias do recluso, o recluso tem agora direito de impugnar junto do Tribunal de Execução de Penas (TEP) os actos, por exemplo, a decisão do Director de não conceder visitas, ou actos que proíbam entrevistas a órgãos de comunicação social, impugnar perante o TEP as medidas disciplinares de permanência

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obrigatória no alojamento, ainda em matéria de garantias procedeu-se à redefinição do processo disciplinar, que tem natureza urgente, proibição de analogia para qualificar um facto como infracção, proibição da dupla punição, enumeração taxativa das infrações disciplinares em dois escalões, simples e grave, admissão da suspensão de execução, no fundo o Código estabelece um conjunto de garantias ao recluso, que é um cidadão como outro qualquer, embora privado da liberdade. Controlo dos actos da Administração, figurando aqui como é sabido o Princípio da Jurisdicionalização da Execução, as decisões do Director-Geral de colocação do recluso quer em regime aberto quer no exterior têm de ser confirmadas e homologadas pelo TEP, é estabelecido um plano individual de readaptação, bem como as suas alterações são homologadas pelo TEP, as decisões de retenção da correspondência são verificadas pelo TEP, as decisões de aplicação de meios especiais de segurança também são enviadas necessariamente ao TEP para respectiva verificação da legalidade; o reforço da integração do recluso na sociedade é outra grande linha de força do código no sistema nacional de saúde, nas políticas nacionais de educação, na formação, no apoio social. É afirmado que o recluso é, para todos os efeitos, utentes do Serviço Nacional de Saúde, isso foi uma conquista.

A execução de penas realiza-se em colaboração com a comunidade, assegura-se a totalidade do tratamento médico, assegura-se o ensino, a formação profissional e o trabalho, que são proporcionados numa lógica de empregabilidade, ou pelo menos assim o devem ser, e de reinserção social no quadro de políticas nacionais de formação e informação gratuitos. O trabalho prisional surge pela previsão da consagração de um regime jurídico próprio que ainda não temos, penso que seria um caminho fundamental a seguir. A valorização do ensino do trabalho e da formação profissional e frequência de programas específicos em consequência da flexibilização da execução da pena. No fundo também o Código de Execução de Penas atribui uma especial atenção à vítima, no momento do ingresso o recluso é avaliado tendo em conta além do mais os riscos que ele representa para terceiros, para a comunidade e para a vítima. O reforço da participação da comunidade na execução das penas é também outra grande linha, as prisões têm muros, mas não podem ser fechadas à sociedade, a planificação do cumprimento dessas penas através de um plano individual de reabilitação que também é ele próprio homologado pelo TEP.

Na actualidade a DGRSP tem sob a sua tutela um total de 43000 arguidos condenados a medidas judiciais, entre as quais praticamente 14 200 são privados da liberdade, internados nos 49 estabelecimentos prisionais do país, 28100 arguidos condenados a medidas de execução na comunidade, cerca de 865 indivíduos sujeitos à aplicação de medidas com recurso à vigilância eletrónica, penso que poderia ser muito mais, e cerca de 150 jovens internados nos centros educativos do país em cumprimento, das medidas tutelares educativas. Para todos estes a finalidade subjacente à intervenção reabilitativa é comum e assenta na premissa humanista e ressocializadora vinculada aos objectivos de prevenção geral e especial, isto é, de protecção de sociedade e de reinserção social do agente, efectivamente o plano nacional que referi tem por base três princípios fundamentais: o princípio de reabilitação do comportamento criminal, o princípio da reinserção e o da sustentabilidade do Sistema de Execução de Penas e medidas e prevê a adopção de um conjunto de 96 medidas estruturadas em torno de 12 áreas estratégicas e 16 medidas autónomas. Esta estratégia aposta, de forma inequívoca, na melhoria das condições de reabilitação e dos processos e preparação da liberdade e do acompanhamento dos reclusos durante a liberdade condicional não descurando as questões que permitem e facilitam as competências elementares de ordem pessoal, social, familiar e potenciadoras de uma eficaz integração em termos sociais e profissionais. Como exemplo disso trago apenas algumas medidas concretas de reinserção já em execução, começando pelo esforço de concretização do plano individual de reabilitação de cada recluso, enquanto instrumento de programação do tratamento prisional e de gestão que resultou num incremento significativo de reclusos, no

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plano individual de execução e de reabilitação, lembro-me que passamos de 577 em 2007 para 6500 reclusos em execução, não basta.

Temos que fazer mais. Também ao nível do ensino e formação de adultos se está a desenvolver uma forte aposta a qual pretende reverter o quadro crónico da baixa escolaridade da população reclusa ao qual acresce o facto de os mesmos não possuírem formação profissional nem hábitos de trabalho, ou experiência profissional, a este propósito importa também destacar que no decorrer do ano 2014 por exemplo, cerca de 4100 reclusos tiveram envolvidos em acções escolares e de formação profissional. O número mantem-se em 2015. Por outro lado, e tendo em conta que de uma forma geral a população prisional apresenta défices ao nível do desenvolvimento de competências profissionais que se traduzem por percursos profissionais inexistentes ou pouco desenvolvidos, por instabilidade dos postos de trabalho com elevada rotatividade, temos vindo a intervir no domínio da empregabilidade e a melhorar a forma como os indivíduos que se encontram no cumprimento de pena, se posicionam face ao trabalho, reduzindo dessa forma factores de risco, de reincidência. Sinónimo disso são os 5100 reclusos que no final do ano transacto estavam integrados em actividades de colocação laboral, dos quais 1000 a trabalhar por conta de entidades externas e os restantes 4100 em actividades no interior dos estabelecimentos. Por fim o investimento na aplicação de programas específicos de reabilitação têm sido nos últimos anos um sinónimo de rotatividade e elevação dado que se tem revelado como uma resposta eficaz de reinserção social pelo impacto positivo na mudança dos comportamentos, atitudes e crenças, cujos resultados foram já confirmados pela avaliação académica a que foram sujeitos. Neste domínio o catálogo de programas existente é bastante diversificado e é composto por 14 programas diferentes de reabilitação que têm em comum o referencial teórico de cariz teórico-comportamental em geral aplicado a grupos, os quais procuram a alteração dos comportamentos desviantes e a prevenção de reincidência, sendo que no decorrer do ano 2014 estiveram envolvidos em programas específicos 3400 reclusos, e cerca de 1100 arguidos e condenados frequentaram os programas inseridos na comunidade, de onde se destacam os mais de 650 agressores de violência doméstica que desta forma foram tratados pelos programas da DGDSP, que diariamente combatem o cenário de exclusão social da população reclusa. O filme que vai passar retrata muitas actividades, entre as quais o programa Opera na Prisão, dinamizado pelo Programa Leiria Jovem e em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito do qual participaram 60 reclusos em contacto com a música clássica, tendo por esta via contactado com novas realidades e experiências que lhes permitiu aprender a superar os seus limites e contribuiu significativamente para a reestruturação positiva dos seus projectos de vida. Um aparte, os reclusos que integram este projecto eram reclusos muito problemáticos, conflituosos, tinham sanções disciplinares sucessivas, contestavam tudo, não tinham regras, nem hábitos, integraram este projecto e nunca mais foram sancionados. O projecto permitiu no fundo que os próprios mudassem o seu comportamento, pela música conseguiu-se ter intervenção junto deles, a música clássica provocou uma ruptura, e como tem de actuar em conjunto cada um não pode cantar a seu belo prazer, tudo isto obrigou a disciplina, a mudá-los e eles próprios disseram que se sentiram diferentes. A música pode mudar. Outro projecto reconhecido internacionalmente é o projecto restaurativa, em contexto pós-sentencial, desenvolvido pelo Linhó com jovens agressores, o qual tem como parceiro o ISCSP e a Confiar (ONG de apoio a reclusos) que juntou vítimas a agressores num encontro restaurativo que proporcionou oportunidades únicas para encontrar o apaziguamento interior e o crescimento pessoal de todos os envolvidos que no final mereceu honras de destaque a este projecto realizado em Roma. Mas as iniciativas distinguidas por entidades terceiras não ficam aqui por exemplo a parceria entre a DGRSP e a Mata do Buçaco Fundação António da Mota que visam distinguir instituições que se destinam a premiar iniciativas de cidadania que se destacam pelo valor inclusivo da prestação de tarefas laborais na Fundação, como limpeza de matas e caminhos florestais, manutenção de espaços verdes, manutenção de edifícios, parte destes indivíduos entretanto já cumpriram a sua pena e estão empregados na Mata do Buçaco, após a reclusão

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houve emprego e a própria instituição que os recolheu enquanto reclusos, tem agora nos seus quadros ex-reclusos. Outros exemplos existem e existirão DGRSP e a Park Sintra Monte da Lua, onde os reclusos realizam trabalho histórico e arquitectónico nos domínios daquela empresa pública. Veja-se o extraordinário trabalho em colaboração com os reclusos no Palácio Monserrate, o protocolo com o Museu Monográfico de Coimbra, em Conímbriga, em que são executados produtos pelos reclusos para serem vendidos no Museu. O protocolo com a Tecni-delta e com a Unicer que montaram empresas de reparação em estabelecimentos prisionais. O trabalho dos reclusos é valorizado, recebem cerca de 500 a 600 euros cada recluso, enfim o imenso e multifacetado dos trabalhos bem como a formação escolar e profissional, não permite reduzir a zero as taxas de reincidência que dependem muito das taxas e da capacidade de reinserção da própria sociedade e dos espaços de pertença social a que os reclusos estão envolvidos nesta situação.

Há um importantíssimo trabalho realizado no âmbito do Projecto Reincidências, co-financiado pela Comissão Europeia no triénio 2013-2015 o qual representa o primeiro estudo coordenado pelo sistema de Justiça com base em metodologia científica e com uma amostra representativa, no caso são jovens ofensores, este projeto terá a apresentação dos resultados no seminário internacional delinquência juvenil, processos de desistência, identidade e laço social, em dezembro de 2015, permitiu a recolha de dados sobre reincidência numa perspectiva retrospectiva de 1400 jovens, com ligação ao sistema de Justiça e inclui um início de estudo de follow up de 400 jovens infratores, constituindo um estudo inovador em Portugal pela extensão da amostra e análise de um conjunto diversificado de factores associados a continuidade do comportamento delituoso.

São exemplos como todos estes que hoje vos dei, com grande valor humanitário e de grande responsabilidade social que me fazem afirmar de forma inequívoca que a reinserção social dos reclusos e ex-reclusos é uma realidade feita por homens e mulheres que acreditam numa realidade melhor para reclusos, ex-reclusos e jovens internados em centros educativos, e que no seu dia-a-dia transformaram ou transformam as sombras de Platão numa sociedade mais inclusiva, menos excludente, mais tolerante e mais capaz de aceitar todos os cidadãos ex-reclusos ou não e com todos os contributos constitutivos que cada um tem para oferecer.

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Sessão de Abertura

Eldad Mário Neto, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados

Cumprimento o Senhor Vice-Presidente da Assembleia da República, Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, o Senhor Diretor Nacional da Polícia Judiciária, Senhor Subdiretor Geral da Direção Geral de Politica de Justiça, o Senhor Vice-Presidente do Conselho da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, o Senhor Vice-Presidente da Ordem dos Engenheiros Técnicos, o Presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, o Senhor Presidente da Caritas Portuguesa, a Senhora Presidente do Instituto de Apoio aos Jovens Advogados, o Senhor Dr. José Augusto Oliveira, Membro da Comissão Executiva e do Secretariado do Conselho Nacional da CGTP – Intersindical, O Senhor Embaixador da Áustria em Portugal, o Senhor Sheikh David Munir, líder da Mesquita Central de Lisboa.

Tenho que fazer daqui uma saudação muito especial à Exma. Senhora Bastonária da Ordem dos Advogados, que tem sido um exemplo de cidadania em representação dos Advogados e Advogadas portugueses, e também quero fazer uma saudação muito especial à Exma. Senhora Dra. Helena Tomaz, Primeira Vice-Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, cujo trabalho foi absolutamente determinante na realização destas Jornadas

O tema destas Jornadas versa sobre o Sistema Prisional e o Processo de Execução de Penas.

A Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, não poderia deixar de salientar, que o enfoque destas questões terá obviamente de ter como objetivo central os Direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos.

Deixarei as questões de natureza mais técnica, nas mãos dos especialistas de Direito Penal. E sendo assim a minha intervenção será muito breve.

Falar do Sistema Prisional em Portugal impõe desde logo uma atitude de frontal denúncia das condições em que vivem os reclusos nas nossas cadeias. Tenho referido em várias ocasiões, que qualquer perda de privação da liberdade individual não pode compaginar-se com a ideia de que a esta, deverão estar associadas ou associados tratamentos acessórios que normalmente consistem na condenação à vivência de intoleráveis e degradantes condições humanas.

Vamos ser claros, é verdade que significativa parte da nossa população prisional está arredada das mais elementares exigências compatíveis com a dignidade da pessoa. Instalações sobrelotadas, maus tratos, violência, alimentação e higiene insuficientes e às vezes de repugnante qualidade. Falta de assistência médica e medicamentosa, falta de convívio familiar e intimo constituem queixas recorrentes do expediente que normalmente distribuído a esta Comissão e insistentemente denunciadas por todas as Associações que têm como escopo a defesa dos reclusos e da sua dignidade.

A Comissão dos Direitos Humanos e a Ordem dos Advogados, têm dentro das suas limitações tentado dar resposta institucional a todas e cada uma delas, designadamente alertando e insistindo com os governos e a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais no sentido de por cobro a tais situações.

Por obediência aos mais elementares princípios de Justiça, devo, todavia, realçar que temos tido um excelente acolhimento e temos sido muito bem-recebidos pelos organismos em causa e designadamente pelo Senhor Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o Senhor Dr. Rui Sá Gomes que muito nos honra com a sua presença e, portanto com a sua boa vontade. Todavia as deficiências continuam, agravam-se e esbarram normalmente em questões de ordem orçamental, burocrática e pretensamente securitárias.

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Com toda a frontalidade devo dizer que tememos o pior, ou seja, a rutura completa das condições mínimas de vida em algumas das cadeias portuguesas.

Urge pois, tomar medidas urgentes e enérgicas com vista à eliminação das degradantes condições que afetam a dignidade humana na população prisional.

A surdez do Ministério da Justiça e do Ministério das Finanças tem de acabar, sobretudo num país em que o esbanjamento dos dinheiros públicos tem sido, infelizmente, algumas vezes, apanágio da governação e da administração pública. Muitos dos recursos provenientes dos impostos em que os portugueses têm sido sujeitos, terão doravante que ser melhor e mais eficientemente aplicados, mormente na implementação das medidas políticas e financeiras adequadas à melhoria da condição de vida dos cidadãos e designadamente daqueles privados da liberdade.

É que Exmas. Senhoras e Senhores não existe, não pode existir qualquer sistema punitivo que se não contabilize com o objetivo supremo da reinserção social e da dignidade do ser humano.

A Ordem dos Advogados e a sua Comissão jamais desistirá deste combate, jamais desistirá desta luta em prol da cidadania e do Estado de Direito Democrático.

Temos a esperança de que o próximo governo e designadamente a Senhora Ministra da Justiça, sejam sensíveis a toda esta problemática e estaremos como sempre estivemos dispostos a colaborar com as instituições e respetivos titulares.

Uma última nota, para falar do Direito Penal talvez mais do que falar em qualquer outra área do Direito é falar do poder.

A punição dos comportamentos desviantes dos valores vigentes em cada sociedade, constitui sempre um ato de poder. Aos tribunais, aos Magistrados e Magistradas incumbe administrar Justiça e no exercício do poder soberano, aplicar as penas adequadas às infrações à Lei.

Todavia importa não desvirtuar o desiderato da pena, condenar não significa, nem pode significar neutralizar um individuo. Pelo contrário, o castigo haverá sempre de ter em vista a inserção social das pessoas e, portanto, o seu contacto permanente com o mundo exterior e o respeito pela dignidade humana.

Como bem referiu o nosso ilustre colega brasileiro Senhor Dr. Flávio António da Cruz: “O problema e que estamos tão impregnados pela rotina, que acabamos por não ver a violência que nos cerca, acabamos cegos pelos rituais e corremos o risco de perder a própria dignidade que nos resta.

É do interesse de toda a sociedade que as garantias fundamentais sejam cumpridas em todos e quaisquer casos, quem não entender isto, não pode pura e simplesmente ser juiz. O Magistrado investigador do crime ou julgador do comportamento é afinal e sempre um ser humano, como tal, jamais deverá perder a sua independência, antes, coloca-la ao serviço da comunidade numa complexa, mas muito elevada tarefa de defesa do bem comum e respeito pela intransigente da dignidade do ser humano enquanto tal.

O Homem, minhas Senhoras e meus Senhores, tem uma estranha tendência a julgar impiedosamente. Como bem referiu o supra citado insigne jurista importa controlar tais impulsos e o sadismo de praticas institucionalizadas a fim de que a dignidade de todos os seres humanos seja realmente reconhecida e reafirmada, menos do que isso não serve.”

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O Sistema Prisional Português: Caracterização, análise e avaliação global

Miguel Lopes Romão, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa “Prisão, uma velha história?”

Carlos Alberto Poiares, Professor e Vice-Reitor da Universidade Lusófona “As prisões e os direitos das Pessoas: conciliação possível? Estratégias psicoinclusivas para a reinserção e reprogramação"

Joana Whyte, Professora da Universidade do Minho “A aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal na EU”

Moderação: Eldad Mário Neto, Presidente da CDHOA

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Miguel Lopes Romão, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

“Prisão, uma velha história?”

Agradeço naturalmente em primeiro lugar o convite que me foi endereçado pela Ordem dos Advogados, cumprimento a Senhora Bastonária, todos os seus dirigentes e dirijo uma saudação às demais personalidades aqui presentes, Senhor Vice-Presidente da Assembleia da República, Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, senhores dirigentes de organismos da administração, colegas, Advogados, minhas senhoras e meus senhores.

Aquilo que aqui me traz, e vou ser breve, a minha experiência e a minha área de investigação e também de ensino nos últimos anos tem sido a história penal e penitenciária portuguesa. É portanto aquilo que eu me proponho trazer para este debate e assim me foi também amavelmente sugerido pela organização. Algumas pistas de carácter histórico, ou pelo menos radicando na nossa própria história punitiva, mas que também de algum modo nos pudessem ajudar a compreender o nosso tempo e essencialmente, como provavelmente nunca chegamos a compreender o nosso tempo, pensar em melhores alternativas para o tempo futuro.

Primeira pista, que não é propriamente uma novidade: assinalar a extraordinária contemporaneidade da pena de prisão, ou seja, a prisão enquanto pena é uma invenção extraordinariamente recente e muitas vezes olhamos à nossa volta, olhamos o funcionamento do sistema penal, olhamos aquilo que são as respostas típicas em todo o mundo ou em grande parte do mundo em relação às penas aplicadas e parece-nos que nunca pode ter sido de outra maneira. Parece-nos que facto que a prisão está ali desde sempre e continuará até sempre.

No entanto, especialmente no caso português, a prisão é ainda mais recente do que na generalidade dos contextos europeus, ocidentais. Eu ousaria dizer até que a pena de prisão apenas se torna a pena padrão, habitual, esperada, no início do Estado Novo. É certo que a encontramos na legislação penal de uma forma cada vez mais generalizada a partir da afirmação do Liberalismo e depois com o primeiro código penal de 1852. Mas o que também é certo é que a prática punitiva não acabava por dar à prisão aquela preferência que a lei lhe parecia atribuir.

A pena referencial, especialmente para aquilo que era a nossa criminalidade (também não sabemos muito, mas sabemos algo do que era a nossa criminalidade do final do século XIX, por exemplo, uma criminalidade assente em boa parte nas ofensas corporais, em regra ainda criminalidade contra as pessoas, só depois se dá a grande viragem para a criminalidade contra o património), era a pena de degredo, o degredo ultramarino. E isto aliás permite-nos fazer outra ligação a um tema da história geral. Todos nós nos habituámos a lidar com uma certa épica associada às Descobertas, mas que também tem um reverso material, mas correspondeu à realidade, que é o de boa parte daquilo que correspondeu à expansão marítima portuguesa na prática ser um processo de colonização penal. E isso é evidente até ao século XX: mesmo no final do século XIX e início do século XX, a ida por exemplo para a África e no momento em que a aplicação da pena de degredo ultramarino estava na prática centralizada na remessa para Angola, mesmo nesse contexto, existem por exemplo até declarações de ministros, como por exemplo Pinheiro Chagas, que foi ministro entre outras várias coisas, foi também ministro das colónias, que reporta que só se ia para África ou cumprir pena ou quem estivesse em situação de indigência extrema.

Assim, a ida livre para as colónias africanas no final do século XIX, e isto é igualmente verdade para o início do século XX, apesar de haver como sabemos uma tentativa progressiva até dos poderes públicos no sentido de fomentar essa presença europeia em África, ela só existe de uma forma mais acentuada depois a partir da década de trinta, quarenta.

A expansão portuguesa em boa parte encarnada como processo de colonização penal também acabou por entardecer a aplicação da pena de prisão no próprio contexto nacional. Depois

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também as condições para a sua aplicação não eram especialmente favoráveis, desde logo as condições materiais. Mesmo no final do século XIX, início do século XX, basicamente falar de cadeias em Portugal era falar de duas cadeias novas, mas ao tempo da sua conclusão já profundamente desatualizadas naquilo que era o regime de execução de pena: falar da Penitenciária de Lisboa e da Penitenciária de Coimbra. E falar de duas cadeias velhas, que eram as cadeias históricas do País, o Limoeiro e a Relação do Porto mas que eram basicamente espaços de detenção e portanto, funcionando numa lógica de prisão preventiva, diríamos nós hoje, e que não tinham condições rigorosamente nenhumas para aquilo que se deveria ser o cumprimento de uma pena de prisão. Eram depósitos de pessoas e, no caso do Limoeiro, muitos dos que lá estavam, estavam a aguardar a remessa para degredo e portanto era um espaço circunstancial. Não quer dizer que essa circunstância não pudesse demorar vários anos, como demorou em muitos casos. Mas estava-se à espera da execução da pena, a aguardar a execução da pena.

Depois havia um conjunto de cadeias locais espalhadas pelo País, algumas delas ainda se mantiveram em funcionamento durante décadas ao longo do século XX mas que eram basicamente espaços “medievais”, alguns deles eram mesmo aliás espaços medievais, que datavam de há vários séculos, e outros eram espaços com condições que nós gostamos de ver como medievais.

Só para dar uma noção do ponto de vista dos números, quando eu digo que a prisão era uma pena muito incidentalmente prevista até à segunda metade do século XIX, por exemplo no direito penal ou pelo menos no essencial do direito penal que nos chega até ao primeiro código penal, previsto no livro V das Ordenações Filipinas, a prisão apenas nos surge em 9% das incriminações ai previstas. No código penal de 1852 ela vai estar já presente para 91% dos crimes.

A mudança total do paradigma punitivo ocorre de facto com a aprovação do código penal. No entanto o degredo que estava previsto como pena em 71% das infrações nas Ordenações está previsto no código penal, na sua revisão de 1886, ainda em mais de 50% das infrações. Portanto mais de 50% dos crimes previstos no código penal, já no final do século XIX, continuam a admitir a pena de degredo, apesar de ser notória obviamente a dimensão da prisão com mais 90% e também a ascensão da multa enquanto pena pecuniária, a construção desse binómio que é hoje o nosso ainda.

Queria também chamar a atenção para o seguinte: o primeiro grande esforço de pensar o sistema prisional e dotá-lo de condições materiais que permitissem cumprir os seus objetivos data precisamente da década de trinta do século XX. É conhecida a Comissão das Construções Prisionais, originalmente composta pelo Prof. Beleza dos Santos, por um engenheiro ligado às obras públicas, Mascarenhas Inglês, e pelo Arquiteto Cottinelli Telmo – depois, quando Cottinelli Telmo é convidado para coordenar as obras da “Exposição do Mundo Português” de 1940, é substituído pelo Arquiteto Rodrigues Lima, que aliás será o autor de muitos dos estabelecimentos prisionais ainda hoje em funcionamento.

Este trabalho, independentemente das discordâncias que possamos ter relativamente a muitos dos seus pontos de partida, foi um trabalho integrado, que assumiu uma dimensão de desenvolvimento de um regime de execução de penas que implicou uma revisão das próprias penas em uso. Data deste momento a proibição do degredo ultramarino, em 1932, e portanto era necessário equipar o País para o novo modelo punitivo.

Um trabalho interdisciplinar que levou décadas a ser concluído e que provavelmente neste momento estaríamos em boas condições para voltar a ter uma mesma abordagem, o mesmo investimento relativamente a esta temática. Não deixa de ser curioso ser nos alvores de um regime autoritário que se faz o maior investimento da nossa história precisamente na

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construção de um Sistema de Execução de Penas, atendendo essencialmente à pena privativa de liberdade.

E não digo isto sequer para recordar as leis da evolução penal de Durkheim, que dizem que os regimes mais duros precisam sempre de penas mais duras e precisam de ser mais agressivos na imposição do seu poder. É até num sentido contrário. Aquilo que a Comissão das Construções Prisionais também faz ao longo da década de trinta é visitar prisões, quer em Portugal quer no estrangeiro. Mas, em relação às prisões portuguesas, isso está escrito nos relatórios, choca-os extraordinariamente as condições materiais miseráveis da generalidade dos espaços de detenção que encontra. E assim o propósito, entre outros, desse investimento no sistema prisional é declaradamente dignificar o espaço da prisão e com isso dignificar também a existência das pessoas que aí cumprem a sua pena.

Só queria deixar mais duas notas muito breves, a primeira diz respeito à ideia de inovação e pena, inovação e modelo prisional.

Nós vivemos num contexto até semântico em que tudo o que é inovação é especialmente bem tolerado, para não dizer muitíssimo valorizado. Mas convém, desde logo neste contexto penal e punitivo, também não esquecer que muitas daquelas que eram vistas como grandes inovações da sua época, hoje olhamos para elas como grandes exemplos de barbárie. E portanto quanto à crença numa espécie de cientismo acrítico e de promessa absoluta de felicidade que sob a capa da inovação se nos oferece, especialmente numa lógica punitiva - e nós sabemos o mesmo que a Antiguidade grega sobre o bem, o mal, o erro, a virtude e outras categorias que são e serão sempre provavelmente as nossas e como não sabemos exatamente o que fazer com quem pratica o crime, provavelmente nunca saberemos, nem sabemos o que o motiva, nem sabemos como lidar com isso – é bom também alguma humildade, relativamente aquilo que possa ser visto como as grandes inovações. Aliás se houve coisa que “salvou” Portugal, por exemplo no final do século XIX, de afirmar de forma mais plena as consequências do lombrosianismo, foi precisamente por um lado o seu atraso material, mas por outro lado um espírito especialmente crítico em relação aquilo que noutros países foi acriticamente recebido e implementado e que depois deu origem a variadíssimas e discutíveis coisas, desde as medidas de segurança mais primárias até tudo o que depois decorre sob a capa da eugenia e da defesa social. Esta defesa social primeira, não a dita “nova defesa social” posterior.

Seguramente que a prisão vai mudar enquanto tecnologia, enquanto tecnologia punitiva. A prisão já era uma inovação tecnológica extraordinária no século XIX e a prisão do futuro será uma nova inovação tecnológica qualquer, provavelmente desmaterializando a prisão, mas isso não é necessariamente por si só uma virtude, digamos assim.

Última nota, as pessoas, as pessoas que trabalham na prisão, as pessoas que cuidam, que investem, que fazem as diferenças, que fazem a mudança e que em Portugal e que creio que em boa parte do mundo são normalmente pouco valorizadas, menorizadas, desvalorizadas.

As grandes mudanças, as grandes roturas dos últimos duzentos anos, positivas para a evolução dos sistemas prisionais, não se deveram normalmente aos grandes estudiosos, aos grandes penalistas. Deveram-se, por exemplo, a diretores de prisões. Alexander Maconochie, na Austrália e depois em Inglaterra, Walter Crofton em Inglaterra, Montesinos y Molina em Espanha, nomes que estão associados ao desenvolvimento dos sistemas progressivos e que estão associados a um conjunto de figuras processuais, como a criação da liberdade condicional ou a possibilidade de trabalho fora da prisão.

Nada que tenha sido inventado pela lei, tudo criado pelo quotidiano prisional e por experiências muitas vezes até contra o sistema e contra a lei levadas a cabo por funcionários dedicados.

Últimas palavras só para recordar um documento que encontrei há uns anos no arquivo da Torre do Tombo e que representa também precisamente isto.

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Eu aliás para ser mais rápido e mais preciso vou só ler umas quantas linhas, é uma espécie de “auto-plágio” meu porque publiquei isto num texto há uns tempos.

Encontrou-se no arquivo nacional da Torre do Tombo um exemplo interessante, anterior em duas décadas à consagração legal da liberdade condicional, de possível funcionamento do poder moderador no que toca ao indulto parcial. “O Sr. M., pedreiro, casado, natural da Covilhã, foi em 30 de Outubro de 1873 condenado a sete meses de prisão correcional por ofensas corporais e vem requerer ao monarca, indicando ser pobre e viver do seu trabalho e das suas jornas para sustentar a família, que possa ser autorizado a sair da cadeia durante o dia para trabalhar, regressando à noite para ali pernoitar, prestando fiança e disponibilizando-se a entregar a parte da jorna que lhe for designada. O delegado do procurador da Comarca da Covilhã, ao remeter a petição para Lisboa em 3 de Dezembro do mesmo ano - estamos em 1873 - sustenta inventivamente este pedido. Diz que não tem maus precedentes e o motivo do crime foi o furto que lhe fez de uma marreta o queixoso, que era seu aprendiz. E sustenta o pedido no facto da lei de 1 de Julho de 1867, a lei da reforma prisional, prever a prisão com trabalho, que o preso não pode exercer na cadeia. Não havendo assim lugar a qualquer infração de lei sendo definida pelo modo de cumprimento de pena. Para mais, o preso em causa tinha obras a decorrer para a Câmara Municipal da Covilhã, que aliás lhe devia salários que poderiam garantir a fiança. Assim o poder sair durante o dia a trabalhar era também para o delegado do procurador visto como um modo de fornecimento de trabalho ao preso, nos termos previstos pela lei de 1867 e também aliás no regulamento das cadeias de 1872, que expressamente invoca.”

Desconhece-se a decisão final, mas repare-se que é aqui um delegado de um procurador da Comarca da Covilhã a propor, no fundo, aquilo que nós hoje conhecemos, uma figura de uma espécie de prisão por dias livres, poder ir trabalhar durante o dia e invocando a própria lei que de facto previa a prisão com trabalho, mas sem haver condições para prestar esse trabalho na cadeia. Portanto iria trabalhar durante o dia e regressaria à noite à cadeia. Isto em 1873, mais de vinte anos antes da própria liberdade condicional e da possibilidade de pena suspensa serem previstas.

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Carlos Alberto Poiares, Professor e Vice-Reitor da Universidade Lusófona

“As prisões e os direitos das Pessoas: conciliação possível? Estratégias psicoinclusivas para a reinserção e reprogramação"

«De uma criatura digna que dava entrada no covil saía muitas vezes, dias, semanas ou meses depois, um trânsfuga, um traidor, um covarde, um ser psicológica, quando não fisicamente, desfigurado, que a si

próprio se desconhecia.»

Miguel Torga, 1974

In memoriam da Doutora Maria Barroso – Associada Honorária da PSIJUS e Presidente de Honra de todos os congressos organizados e co organizados por esta associação.

Aos associados da PSIJUS – Associação para a Intervenção Juspsicológica, especialmente aos meus Colegas de Direção: conjuntamente, desenvolvemos a área de Psicologia Criminal e do Comportamento Desviante, na Universidade Lusófona, desde 1996, e aí construímos os mestrados de Psicologia Criminal

(2005), Psicologia Forense e da Exclusão Social (2006) e, mais recentemente, arquitetámos e fizemos arrancar o mestrado em Psicologia Forense (2014/2015).

A questão penitenciária, em todas as perspetivas por que habitualmente emerge nos discursos políticos, jurídicos e científicos, convoca emoções, desperta críticas provindas das falas sociais e do senso comum e serve de objeto produtor de dividendos no âmbito político-partidário. Frequentemente, salta para as páginas da imprensa, com particular ênfase em certos órgãos de comunicação que privilegiam os cabeçalhos bombásticos em detrimento da isenção que à atividade informativa se exige, quer no plano ético quer a nível do direito e dever de informar e ser informado. As prisões constituem-se, pois, em objeto dotado de magnetismo, apelando à reflexão e ao debate, que adquirem sentido quando imbuídos de pensamento livre e crítico. Objeto-íman, eis a função sociopolítica desempenhada pelas prisões e pelos discursos que suscitam.

Pensar as prisões, no tempo atual, pressupõe priorizar alterações significativas – as que devem ser realizadas no imediato e aquelas que carecem de processos mais demorados, porque sobriamente amadurecidos, e que deverão procurar soluções e alternativas a longo prazo: porque não faz sentido que as mudanças se limitem a atitudes de cosmética político-legislativa, visando camuflar o caráter totalitário que estas instituições penitenciárias carregam (Goffman, 1974/2001), na medida em que se destinam «[…] a proteger a comunidade contra perigos intencionais, e o bem-estar das pessoas assim isoladas não constitui o problema imediato» (p.17). Há um aspeto que, desde logo, deve ser (re)equacionado: as prisões, com a natureza despótica que genericamente apresentam, mas sendo dispositivos de controlo social instituídos ao abrigo da legitimidade democrática, não podem estar fora do sistema em que se inserem nem do escrutínio dos órgãos de soberania e da comunidade. Porque o Estado de Direito democrático passa também pela matéria prisional; e o Estado não deve satisfazer-se com a mera afirmação de ser de Direito – todos o são; tem, contudo, que garantir a génese e a fiscalização democráticas e as prisões representam um excelente indicador da democraticidade dos Estados.

A ancoragem deste texto situa-se na Psicologia Criminal, tocando, por vezes, as fronteiras da designada Ciência Penitenciária: ainda que provindo originariamente do Direito, a rota de trabalho docente e de investigação alterou-se ao longo das quase três décadas pretéritas, localizando-se agora no espaço da Psicologia Forense, da intervenção juspsicológica e psico-

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inclusiva; daí resulta este artigo evadir-se das problemáticas jurídicas e espraiar-se para outros domínios, preferentemente nas Ciências do Comportamento.

A pretensão que nos anima reside em carrear tão-só um conjunto de reflexões; nada de prescrições que solucionem o que quer que seja, nada que simplifique. Talvez que a missão que a todos nos cabe, como académicos, práticos ou decisores, deva emergir da reflexão serena na qual se criam as âncoras que permitirão definir outras estratégias.

Há uma estação para refletir e uma estação para agir: nestes tempos, por todas as razões, as boas e as menos boas, é o momento de refletir, mas instrumentalmente, ou seja: como meio preparatório da necessária fase de ação; esse o papel que nos compete. O saber académico tem destas coisas: gosta da reflexão e, não raramente, prolonga-a demasiadamente; para obviar a isso existem os práticos, aqueles que dizem aos primeiros: continua a refletir, mas temos de passar à ação. Avalia o nosso trabalho e apoia-nos cientificamente. Por isso a investigação e a intervenção se compaginam tão bem nestas áreas. No entanto, convém que quem deseje investigar aprofundadamente conheça os territórios que pisa e o que se encontra nas esquinas do saber teórico, sob pena de produzir conhecimento para uma sociedade que não existe, exceto no país do faz-de-conta e das realidades virtuais em que alguns parecem teimar em habitar – sem disso se aperceberem. Porque nestes domínios é inútil e errado confundir a realidade com os laboratórios, onde tudo se pode recriar – com ressalva das personalidades, das emoções, dos afetos que estão presentes em todos os quadrantes de que ora curamos. Lamentavelmente, é comum assistir-se a um debitar científico gerado completamente nas margens da realidade por investigadores que não conhecem os cenários nem os atores que alegadamente investigam: limitam-se a trabalhar amostras como se todas as populações fossem idênticas, desperdiçando as idiossincrasias que em cada situação se encontram.

As prisões. Importa indagar os motivos por que recorrentemente nos ocupam, as prisões. As razões por que se tornam objeto de investimento social e político e, com frequência, objeto de conhecimento dos cientistas sociais e do comportamento. Quais as causas por que as comunidades representam tantas vezes as prisões como local a não ligar, como se não importasse a toda uma sociedade como nelas se vive – ou sobrevive – em ambiência penitenciária?

Será porque a maneira como lidamos com os reclusos traduz bem a espécie de sociedade que somos? Será em função do maniqueísmo que nos leva a repartir o mundo em duas faces - a dos bons (em regra, nós) e a dos maus (os outros), para os quais se construíram os locais gradeados? Tratar-se-á de uma tentativa de negação: não saber o que se passa para lá das grades, num processo de imunização do self?

Servirão as prisões de meio – ou de ideação – de esconjurar os medos e exorcizar os fantasmas?

As prisões continuam a apaixonar a opinião pública, gerando vagas de defensores e de detratores, envolvidos não raramente em discursos que concedem a ribalta ao senso comum - o mesmo é dizer que se reconduzem ao senso nenhum. Se o Direito Penal constitui o ramo jurídico que mais brutalmente se abate sobre as pessoas – bens, imagem, vida -, como escreveu Pasukanis (1972), as cadeias ritualizam, desde que fundadas, em finais do século XVIII, esse folclore punitivo, representando, a um tempo, o gáudio do castigo e o pudor contemporâneo de o exercitar, como sublinhou Foucault (1977).

As prisões integram-se, de resto, numa espécie selvagem e primitiva de teatro, na aceção atribuída por Molinari (2010), dispondo de enredos e dramatizações, encenações, coreografias e cenografias muito próprios, porém sempre pobres, mesquinhas, produzidas para o lúmpen a que se destinam: os mais desfavorecidos, económica, cultural e socialmente, os oriundos de espaços e grupos minoritários, desde logo as minorias étnicas, os excluídos – porque é

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principalmente para excluídos que a prisão se fez, porque em excluídos se convertem, esmagadoramente, aqueles que alguma vez a habitaram, ainda que por responsabilidade de qualquer dispositivo judicial – órgão de polícia criminal, magistrado – em registo de erro judiciário: os tais erros que existem e persistem (Floriot, 1972), mas cuja opacidade o corporativismo por vezes procura manter, negando os défices e lapsos de alguns dos seus funcionários, os quais se abatem sobre a liberdade e a vida das pessoas – e todos sabemos como isto também acontece no Portugal do século XXI.

Falemos francamente: uma sociedade afere-se, em termos civilizacionais e de desenvolvimento, pelo modo como trata os diferentes, desde logo as crianças e os velhos, os reclusos, os doentes – e também os animais, pela maneira como os exclui ou inclui.

Sabemos como as discursividades sobre as prisões se revelam, plúrimas vezes, pouco atrativas do ponto de vista social: desde há muito que se ouvem, em várias sociedades e em diversas coordenadas geográficas, imprecações contra a alegada boa vida dos reclusos: vivem à conta da gente – leia-se: da boa gente -, na ociosidade, com cama, mesa e roupa lavada (às vezes!). É consabido como se viraram trabalhadores e sindicatos britânicos, no século XIX, contra o trabalho penitenciário, que potenciava o desemprego.

Porque, em cada momento de crise, as pessoas e as comunidades voltam-se contra os diferentes, contra os sujeitos objeto de estigmatização: atente-se nos discursos sobre refugiados, em particular após as ações criminosas do ISIS, em Paris, a 13 de Novembro de 2015.

Por vezes, alguns políticos – aqueles que defendem sistemas ditos musculados, seja lá isso que disfarce de ditadura for – também entram em cena e desferem ataques brutais. Os presos, estigmatizados como já estão, bem podem ser constantemente esmurrados em nome de interesses e conveniências de ocasião, em golpes aplicados quando as taxas de escrúpulo e pudor são baixas. (Reconheça-se: esses tais políticos também não se coíbem de desferir ataques – verbais e legislativos – a outras pessoas diferentes, empobrecidas, excluídas…)

Importa desconstruir esses discursos e a xenofobia que radica no intradiscurso contra os presos – estejam condenados ou em prisão preventiva, logo presumivelmente inocentes; mas quem se incomoda com esta questão quando se pretende fazer dos reclusos bouc émissaire de todos os males? Veja-se como esta xenofobia não poupou sequer as críticas ao Papa Francisco quando ritualizou a liturgia quaresmal lavando os pés a presos duma cadeia italiana.

Pensar as prisões, hoje, implica diversos andamentos.

Primeiro andamento: as filosofias e racionalidades criminalizadoras, desde a fase primária (fabricação legislativa, protagonizada pelo legislador, entidade política) à fase secundária (o tempo de aplicação da lei, convocando outros atores) e à fase terciária - a estação que ora nos importa. Recordar-se-á que o processo de criminalização comporta, na lógica mais tradicional, apenas duas fases: a criminalização primária, ou seja, a etapa de criação das normas, consistindo num conjunto de procedimentos que, como refere Landreville (1991), é, em simultâneo, um ato político e ético, pressupondo a valoração entre os comportamentos proscritos e as reações institucionais; e a fase de aplicação da lei e de execução das medidas, se estas forem cabíveis. Todavia, desde há vários anos (1996, 1999) que vimos defendendo que este processo é mais largo, abarcando uma fase de criminalização ante primária, que aparece em algumas situações, nas quais o legislador reflete sobre as hipóteses incriminatórias, solicitando o seu estudo e avaliação: dir-se-á que este momento, idealmente existente em todas as iniciativas legislativas que colidem com os direitos pessoais, mau grado ser ainda de utilização exígua no nosso país, corresponde ao tempo dos técnicos juristas e dos cientistas do comportamento; depois da criminalização primária, a que já aludimos, a fase secundária está dividida, na nossa ótica, entre a aplicação da lei – o tempo de outros atores, vªgª os órgãos de polícia criminal (opc) e os

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dispositivos de controlo social, respeitando aos períodos marcados pela investigação, processamento penal e eventual remessa do sujeito arguido a julgamento, com absolvição ou condenação – e a execução da pena, aqui cabendo intervenção a outros atores sociais, designadamente as instâncias penitenciárias e de reinserção social: esta é, a nosso ver, a criminalização terciária, onde deve pontificar a ressocialização do condenado (Poiares, 1996,1999).

Porque até se alcançar a reclusão há todo um processamento que não podemos negligenciar, tanto mais que o nosso sistema judiciário continua a (ab)usar prodigamente da prisão preventiva, a qual parece ser erigida como se de um sinal e início de pagamento da pena – que não se sabe se será decidida – se tratasse. Apesar de muito se discutir este tema, certo é que pouco ou nada se tem feito para impedir a profusão desta medida de coação que, de exceção, parece ter-se convertido em quase-regra da Justiça portuguesa – assim se escamoteando, por vezes, os défices de investigação e a morosidade que os opc deste país revelam naquilo que é uma função urgente, em especial porque a liberdade alheia está comprometida. Uma outra pergunta se impõe: as nossas cadeias estão preparadas – tecnicamente e em termos de espaço – para a coabitação entre condenados e preventivos?

Daí a passagem para o

Segundo andamento: julgamento e penalização. O crime e o castigo, segundo os tribunais portugueses.

Problema central: serão as penas aplicadas em Portugal brandas ou severas? Se levarmos a sério o que afirmam sobre estes assuntos os jornais da porno-obscenidade, dir-se-á que são light: mas há conhecimento científico produzido? É que esta questão – do conhecimento científico – não é um simples capricho reservado às universidades.

Haverá excessiva utilização das medidas penais? Ou da prisão preventiva, que ocupa mais de 16% da população prisional? Onde fica o princípio de aquele instituto, bem como a aplicação da pena reclusiva, funcionarem como ultima ratio? Já não estamos apenas a pensar na qualidade das prisões, ou seja, se servem ou não os fins a que teoricamente se destinam, mas devemos refletir – uma vez mais – sobre a quantidade de prisão que se aplica neste país, partindo dos eixos definidos no Código Penal que, por vezes, parecem caídos sem desuso na administração da penalidade.

Porque o conhecimento científico interessa – desde logo, aos decisores políticos, não obstante dele andarem muito arredios, ao longo dos últimos anos – construímos dois instrumentos para avaliação da severidade penalizadora em Portugal: um para os processos de imputáveis – o Índice de Severidade Punitiva e Psicologização – Criminalização Secundária (ISPP-CS) (2009) -, outro para a Justiça de menores – o Índice de Severidade Punitiva e Psicologização – Criminalização Secundária – Transgressionalidades e Delinquências Juvenis (ISPP-CS- TDJ) (2011) -, procurando caraterizar as medidas mais recorrentemente utilizadas pelos tribunais portugueses. Esta investigação, que carece, casuisticamente, de autorização dos tribunais ou da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (D-GRSP), em virtude de não ter sido possível, em 2014 e 2015, obter a realização de um protocolo que habilitasse o estudo, está em curso, constituindo objeto de pesquisa por estudantes de mestrado e doutoramento em Psicologia Forense, começando a revelar alguns dados muito curiosos.

Ora, dentre os objetivos ínsitos nesta linha de investigação, visa-se ainda averiguar algumas questões epicentrais, designadamente: (i) como se chega à definição concreta da medida da pena? Ou seja: que avaliações a precedem? (ii) Qual o índice de psicologização explícita dos processos, isto é: qual a prevalência de recurso a avaliações psicológicas, perícias médico-legais e forenses e perícias sobre a personalidade? E, (iii) é frequente que os processos se bastem com

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relatórios sociais? Aqui se situam, novamente, algumas diferenças no seio do judiciário; por uma lado, entre uma Justiça informada e que recorre às ciências intercontributivas, desde logo a Psicologia e a Psiquiatria Forenses, e aquela outra que se considera autossuficiente, encerrada na sua concha normativa e pouco permeável ao saber. Porque ainda subsistem situações, no nosso país, em que o conhecimento científico e a aplicação das leis criminais vivem em regime de separação total. Contudo, quando a Justiça se revela mais aberta aos domínios científicos e averigua, no âmbito dos aportes psis da Ciência, as respostas de que carece para se poder afirmar justa, converte-se drasticamente em inacessível a muitos por carências materiais que permitam assegurar a organização mais fundamentada das estratégias de defesa. Donde ressalta, como corolário lógico, que as sociedades estejam confrontadas com uma Justiça a duas velocidades: uma, para aqueles que têm condições que lhes permitem aceder a universos mais abrangentes e integrados, e outra que sobra para os mais pobres, para os habitantes das margens, ou seja: para aqueles cuja probabilidade de condenação, sem que haja o risco de prescrição dos processos, é maior e que são, em larga escala, os viventes nas masmorras de todos os países, ou seja, as prisões da miséria, para se recorrer a uma obra ímpar da literatura sobre as reclusões (Wacquant, 1996).

Terceiro andamento: a reclusão

Desde sempre que estas questões aparecem problematizadas pela doutrina jurídica e pela literatura científica, designadamente nas dimensões psicocriminal, sociocriminal e criminológica – mas não exclusivamente; com efeito, há igualmente muito espaço para a literatura em todas as histórias literárias do mundo e também na nossa: Camilo, com as suas preciosas Memórias do Cárcere (1862), Álvaro Cunhal, sob o pseudónimo Manuel Tiago, com A Estrela de Seis Pontas (1994), ou Manuel Alegre, com o conto Rosas Vermelhas (1965, in Praça da Canção) convocam-nos para a reflexão sobre a vida penitenciária, e não apenas em consequência de delitos de opinião ou de costumes.

O século XIX foi o século da prisão e da história (e teoria) geral do corpo e de um novo exercício, inserindo-se, de certo modo, na biopolítica que, ainda no século XVIII, se desenhara (Foucault, 1977; 1978-1979/2010), enquanto regulação pelo Estado da vida biológica da população; porém, rapidamente, a prisão evoluiu – ou carreou – uma psicopolítica, traduzida em outras contribuições que aportaram ao espaço penitenciário e a que o positivismo oitocentista deu ênfase, invadindo as cadeias em busca de estudar, medir, caraterizar os delinquentes, procurando construir galerias de criminosos de várias tipologias, então emergentes, ligadas a diversas psicopatologias, degenerados, como então ficava bem designá-los. Os escritos dessa época mostram como, a coberto de justificações patológicas, se fundava uma arquitetura excludente, irremediável e irreversível de ostracização e de banimento da convivência com os demais – o que se alongou até à atualidade. Como escreveu S. Buffard, «la prison n’est que lieu où s’inscrit dans les murs la loi de l’exclusion qui governe tout le traitment pénal» (Buffard, 1973, p. 215). A cadeia erguia-se, pois, como o local onde os maus estavam arquivados, ruminando seus feitos perigosos e associais, ou antissociais, guetizados, deixando as cidades e vilas livres para os bons, os não criminosos – pelo menos, oficialmente não registados: era o maniqueísmo que assomava por entre as brumas do sistema penitenciário que, fechado sobre si mesmo, não visava proteger os seus ocupantes, antes conceder proteção aos demais cidadãos, os ditos normativos, que olhavam as cadeias entre um misto de indignação pela alegada boa vida de que os reclusos gozavam, e a comiseração caritativa e de raiz religiosa.

Foucault, em toda a obra em que estuda as prisões, coloca sempre um mesmo interesse: o funcionamento das formas de saber-poder e as técnicas e tecnologias ao serviço do jus puniendi, a partir do tempo em que a penitenciária se transformou em modelo predominante do castigo (Castro, 2011). Mas as prisões nasceram e desenvolveram-se também e em obediência a uma lógica a que chamaremos reguladora dos que poderiam ser considerados perigosos, desde os

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tempos da revolução industrial – ou seja: os assalariados, os desempregados, os que residiam nos bairros periféricos, em barracas amontoadas e que se envolviam em lutas por melhores condições de vida ou, rendidos em exército de reserva, esperavam à porta das fábricas que a tuberculose ceifasse vidas para ocuparem postos de trabalho (Prins, 1910; Dias & Andrade, 1984; Digneffe, 1998; Poiares, 2016); e, neste sentido, mais do que regulação, foi a reprodução da exclusão e a sua estigmatização pelo rótulo criminal que passou a importar aos decisores político-económicos do século XIX. As prisões visavam, nesse então como agora, convencer os presos das razões normativas impostas pelos códigos; mas se convencer não resultasse, importava vencer os sujeitos pelo medo ou pela subjugação. A generalização das prisões provinha, de acordo com Foucault (maxime 1977) não tanto do humanitarismo dos reformadores setecentistas quanto de uma nova economia do poder, de que o jus puniendi é parte: uma outra construção económica surgia, gerada por uma nova classe social, e transportava outro modo de produção; a prisão, substituindo os suplícios e a brutalidade dos castigos medievos, vinha cumprir um objetivo dessa novel formulação da economia, completamente colocada ao serviço do enriquecimento ilimitado de que se falava na Assembleia Nacional Constituinte da França (1789-1791) (Nunes, 1975). Com efeito, para se compreender o alcance dessa invenção liberal que é a prisão há que ter em conta o contexto geral em que a mesma foi implementada: a ideologia prevalecente da classe que ascendeu ao aparelho de Estado, a lógica económica desregulada e as relações de poder que então se estabeleceram: porque a penitenciária não é obra do acaso nem apenas do sentido humanitário dos iluministas – embora aqueles também tenham contribuído para esta alteração em nome do humanitarismo e das ideias que professavam; mas a prisão nasceu, ainda e principalmente, de uma outra ordem das coisas e veio cumprir uma função útil no quadro económico da burguesia que arribara ao poder e dentro da perspetiva utilitarista preconizada por Bentham.

Estranhamente – ou talvez nem tanto – as prisões fizeram-se alvo das maiores críticas desde que foram fundadas: ou porque não atingiam os fins a que se propunham ou porque dispensavam uma vida tranquila aos reclusos em lugar da punição que a Justiça reclamaria. Desde 1834 que, entre nós, se estuda o sistema penitenciário, pretendendo-se melhorar as condições corretivas das medidas penais (Rodrigues, 2002; Vaz, 2000); e as cadeias entraram rapidamente nos discursos e debates políticos, convocando, na segunda metade de Oitocentos e nos primeiros decénios do século XX, muitos dos atores da política, causídicos, professores de Direito e cientistas portugueses: Almeida Garrett, Ayres de Gouveia, Levy Maria Jordão, Francisco Silva Ferrão, Júlio de Matos, Bernardo Lucas, Miguel Bombarda são apenas alguns dos nomes que preencheram os debates. A ideia central que se foi afirmando remetia para a prisão enquanto local de cura e regeneração dos condenados, utilizando-se, para tanto, os meios reputados convenientes, mas tendo na religião um eixo fundamental. Ayres de Gouveia (1860) defendeu a visão hospitalar da cadeia, cabendo-lhe “reformar” o indivíduo, afastado das más influências (“corruptoras”) e de onde sairia sem estigma nem vilipêndio. Os estudos, reformas e tentativas de reforma – das sérias àquelas que se limitaram a declarações de intenções - perpassam os séculos XIX e XX; e já nesta centúria o Estado português promoveu o estudo das prisões e das condições de as reformar. Porém, por múltiplas razões, incluindo as omnipresentes económicas, muitas das propostas ficam nas arcas congeladoras ministeriais à espera de melhor oportunidade: ad aeterno…

Apesar de tudo e da imensidade de críticas que tem concitado, um pouco por todo o mundo, a instituição penitenciária continua como principal resposta face à criminalidade: por outras palavras, a prisão, sem embargo das suas enormes fraquezas, prossegue a rota de castigo e de reinserção que lhe foi assinalada no tempo fundador. Se tem logrado conseguir esses intentos é já outra questão…

Como refere Castro (2011, p. 321), louvando-se na investigação do Foucault, «la prisión no corrige; más bien constituye una poblácion marginalizada que sirve para controlar las

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irregularidades y las ilegalidades que no pueden ser toleradas». Então, a prisão insere-se quer numa perspetiva disciplinar, do ponto de vista jurídico-político, estabelecendo-se como moeda de troca entre o mal do crime e a sua consequência – se outras, menos severas, ou outra, mais grave, a pena capital, não se aplicarem -, quer numa gramática de seriação e estigmatização, como resulta da constituição desse boletim informativo do cidadão que é o registo criminal – agora, aliás, em profusão, por exemplo com o registo de pedófilos bizarramente imposto no nosso país.

As prisões estabeleceram-se, como referiu Buffard (1973), como «[…] une sorte de sanatorium qui isole ses pensionnaires du reste de la société saine et s’efforce de les classer par ordre de danger croissant», porquanto «ce qui importe à la société, ce n’est pas tellement un homme sain qu’un homme inoffensif» (p. 189).

Pelo caminho, as prisões produzem também revoltados a partir das pessoas que pretensamente reinseriu: Livrozet (1986) oferece uma imagem clara dessa situação; por outras palavras: estes revoltados do presídio são o produto do meio em que foram supostamente reinseridos – ou melhor: quase sempre vencidos, domesticados, menos vezes reprogramados e ressocializados. Porque a reinserção não pode dar-se por concluída com a libertação nem esta pode ser uma forma de reenviar os ex-reclusos para a vida dita livre, mas desprovidos de condições mínimas de vivência em liberdade e com dignidade – e a dignidade é um bem que não se deve extraviar com a passagem pela cadeia. Mais: as prisões cumprem os mínimos em termos de dignidade da condição humana? Estaremos todos absolutamente convencidos disso? E em que medida a comunidade portuguesa – a social e a política – se interessa por estes problemas, com ressalva de qualquer passagem por lá, direta ou por interposta pessoa, por exemplo filhos?

As prisões convocam-nos para uma questão primordial – no entanto, nem sempre politicamente correta: como funcionam as prisões? Ou, por outras palavras: as prisões cumprem a finalidade para que foram criadas ou servirão de fábricas de delinquência, para nos socorrermos da expressão de Foucault (1977)?

Esta indagação nem é, nem pode ser, retórica; é muito mais do que isso, está noutro planeta: a prisão está a exercer o seu papel de disciplinação social, ou apenas a servir de disciplinador interno, durante o tempo da condenação? Armazenam-se por lá os homens e as mulheres – quase sempre, como vimos, os mais desfavorecidos, os mais incultos, os mais pobres, as minorias étnicas - para que os ditos normativos vivam tranquilamente, do alto da sua arrogância e do convencimento de seres quase perfeitos? Essa disciplinação visa reinserir para o futuro ou dominar no presente, com o recurso a medidas internas, que são castigos acrescidos ao castigo que a prisão já é? E não foram já as cadeias meros armazéns da toxicodependência, até que nos idos da década de Noventa, à conta de muitas pressões de Advogados e do génio de um diretor-geral da droga, o psicólogo Joaquim Rodrigues, foram implementadas as alas livres de droga?

Aludimos aos castigos dentro da prisão: naturalmente que não os colocamos em causa, desde que absolutamente necessários, proporcionais e sob controlo, não ficando dependentes de bons ou maus humores de quaisquer funcionários; contudo, por vezes existe um uso abundante dos mesmos que pode ser contraproducente; e, por outro lado, os direitos e garantias dos reclusos nem sempre ficam bem colocados nestes casos, tanto mais que a participação de Advogados nestes processos não é elevada. A prisão é, afinal, como que uma transição do «mundo do Direito» para o «mundo do não Direito» (Rodrigues, 2002, p. 130). Donde ressalta nítido que este mundo desgovernado não é o local mais apropriado à reaprendizagem de viver normativamente. Assim, uma conclusão lógica: o Estado gere as cadeias como submundos, como locais de reprodução do desvio e do crime; e, com alguma mal disfarçada hipocrisia, aguarda o regresso dos condenados que, na execução da pena, viveram em ambiências hostis que, muitas vezes, não reeducam, não ressocializam, não reprogramam – em suma, não preparam para a vivência em liberdade; fracassaram, portanto.

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Quarto andamento: a política criminal deve ser focada na prevenção, em todos os seus graus e qualidades

O delinquente deve ser representado como sujeito de direitos numa relação que é sinalagmática, assentando em dois princípios consagrados na doutrina e nas leis penais: (a) a reconformação da pena de prisão, para atenuar os seus efeitos negativos e criminógenos; e (b) a limitação da aplicação concreta da prisão, apostando-se na substituição (Rodrigues, 2002).

Importa repensar muita da literatura sobre estas temáticas, principalmente a produzida cientificamente em diversos países do mundo que, desde há mais de um século, apostam nestas matérias, pois as reconhecem como assuntos relacionados com os direitos fundamentais das pessoas – e, realce-se, as penas não eliminam esse acervo de direitos, apenas os comprimindo temporariamente: e só aqueles que são coartados pela vivência em meio detentivo; a prisão priva da liberdade, mas não da vida, mensagem que os poderes (político e administrativo) parecem esquecer (ou ignorar…) Também por estas razões não faz sentido considerar os condenados, muito menos os ex-reclusos, como inimigos sociais. São apenas a resultante de uma correlação de forças adversa.

Há que reequacionar e indagar da legitimidade ou da necessidade de substituição de algumas estruturas e de alguns dispositivos da penalidade, como foi preconizado por autores da Criminologia, desde os interacionistas aos críticos (Dias & Andrade, 1984).

Ora, a política criminal de qualquer Estado deve ser norteada pela ideia central de prevenção, com natureza precoce, desenvolvendo-se no quadro da preparação para o exercício da cidadania plena, o que pressupõe o envolvimento da comunidade e dos seus dispositivos de controlo social – mas não apenas: com efeito, para que prevenir seja um processo precoce, como referimos, deve arrancar desde a infância, comprometendo a família, a escola e a sociedade, abrangendo-se aqui as autarquias locais e os inúmeros dispositivos informais (ou não institucionais). Como se escreveu na velha Lei de Proteção da Infância, de 27 de Maio de 1911, parafraseando-se Jules Simon, os gastos que daí advêm recuperam-se em vidas humanas (Poiares, 2010); efetivamente, os dispêndios na educação, na formação e na promoção da cidadania plena revertem facilmente e geram grandes dividendos sociais. Quanto mais Portugal gastar em educação, mais poupará em tribunais e prisões: é uma questão de opção política, que há muito deveria ter sido definitivamente feita. Desinvestindo da educação, o Estado aumentará os custos diretos e indiretos (sociais) da criminalidade. Queremos investir em escolas e professores ou em prisões e guardas prisionais?

Construir, planificar e implementar programas de prevenção, além do requisito precocidade, deve atender a uma abrangência muito grande, pois os crimes e as incivilidades previnem-se mediante uma processologia técnica, validada e supervisada cientificamente, e com avaliação constante. Aludimos à função crucial da escola na medida em que a este dispositivo não basta formar, precisa de ser um instrumento de educação, formação e de competenciação para a vida e para a cidadania plena; muitas vezes, as populações penitenciárias estão inundadas de pessoas que nunca passaram da cidadania deficitária, ou seja, que estiveram sempre num registo de exclusão. É tempo de os poderes refletirem sobre estes aspetos e retirarem as ilações devidas…

Quinto andamento: linhas reitoras para a reinserção

Historicamente, o que se tem pretendido – diremos: o que se pretende com a aplicação das penas detentivas: vencer ou convencer? Vencer sem convencer?

Depois da condenação, ou depois da prisão preventiva ser decidida – com que bases, no plano das pessoas? Com que conhecimento científico sobre aquele sujeito concreto e os eventuais efeitos que uma medida restritiva da liberdade nele poderá exercer? – o indivíduo fica em local recôndito, esquecido, fechado, como se deixasse de existir durante o tempo de ter sido

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decretada a prisão. Abatido ao número dos cidadãos, espoliado da cidadania, da pertença, desafiliado, uma espécie de cidadão menos, o seu processo normativo passa por procurar novas afiliações no grupo de pares que a cadeia aproxima. Porque aquela pessoa que viu serem-lhe passados os mandados de condução à cadeia fica constrangida em mais do que o direito à liberdade: além da penalização, é genericamente proscrita também na esfera pessoal (não raramente nas componentes psicoafetiva e humana). No estabelecimento prisional corre o risco de perder as competências que ainda possuía, por exemplo ao nível laboral, isto é, o risco acrescido de à desinserção que o levou a cometer o crime adicionar outra desinserção, fruto da passagem pelo espaço de castigo: (desinserção x prisão= mais desinserção.)

Já muito se teorizou, criticou, escreveu e reescreveu sobre a prisão e as suas finalidades; não é esse o objeto deste escrito. Cabe, no entanto, assinalar que uma ideia fundamental deve passar por uma pergunta que o preso deve aprender a fazer a si mesmo: que farei com esta pena? No fundo, dito de outra forma e colocando o sistema judicial como emissor: que reinserção para estas mulheres, para estes homens, para estes adolescentes – estejamos face a uma prisão ou a um centro educativo? E quando os presos são pessoas idosas – de setenta e muitos, oitenta anos: de novo, que reinserção? Novamente: vencer pelo medo ou convencer?

Paredes meias com o Direito Penitenciário, eis que importa reforçar o Direito da Reinserção Social e, mais do que estes ramos do Direito, as Ciências da Punição, também designadas Ciências Penitenciárias. Muito habitualmente, no âmbito das preocupações dos juristas e dos cientistas do comportamento, aqueles segmentos do saber surgem eclipsados, nalguns casos convertidos em meros quadros legais sem suporte assente na reflexão e no conhecimento; contudo, o Direito Penitenciário e o seu ciclo contíguo, o Direito da Reinserção Social, permanecendo embora na penumbra, fora do cone da luz que o Direito Penal projeta, são essenciais para a gestão da penalidade e para a prevenção do crime. Esta asserção resulta do facto que prender e não tratar adequadamente o condenado é o mesmo que convidar – melhor: intimar - à recidiva! Convoca-se, pois, a estação de reinserção social, determinada, aliás, pelo Código Penal: prender tem de pressupor recompetenciar, reapetrechar para a vida em liberdade, sendo ao mesmo tempo um caminho aberto à prevenção das reincidências (Eysenck, 1964/1977).

Para tanto, cabe acentuar com os reclusos o trabalho de motivação para a mudança de comportamentos, que deve consubstanciar a reprogramação endógena. Já não se trata de vencer pelo medo, pelo constrangimento, num processo de amestração – interessa mais fomentar nos indivíduos o desejo de mudança e de adequação a um estilo de vida que não lhes cause problemas criminais e as subsequentes passagens pela paisagem penitenciária. No fundo, há que alterar o regime dominante: a condenação deve contemplar uma condenação-segunda a que o sujeito possa escolher o caminho da reinserção e, se por ele optar, deve ser devidamente apoiado na (re)construção de uma ideia de vida.

O conceito de reprogramação a que aludimos pretende traduzir a ação sobre a pessoa que, por força do cometimento de delitos, no caso de que ora curamos, está desprogramada, ou seja: afastou-se daquilo que é o sentido normativo, regular dos cidadãos. O crime determina, pois, uma rutura e, desse modo, gera a desvinculação do sujeito com a comunidade, colocando-o nos antípodas da normatividade e, quase sempre, em alguma forma de exclusão. A condenação produz um efeito de reforço dessa desprogramação, amplia o ruído que se estabelece sobre o indivíduo, com uma dimensão ressonântica que determina o incremento da exclusão. Donde, o trabalho de reprogramação reinseridora deve ter início logo que a pena começa a ser executada e não deve terminar depois da soltura: terá de se prolongar também durante o período de liberdade condicional e posteriormente, se o ex-detido manifestar interesse. Naturalmente que esta ideia advém da necessidade de não se comprometer o trabalho ressocializador e de a libertação não o interromper, desde que o interessado manifeste esse desejo. Reprogramar não

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é uma tarefa que se imponha: antes, há que ganhar o sujeito para esse processo, motivando-o e convencendo-o das vantagens de viver adequadamente às normas; deve ser uma reprogramação endógena, resultante da vontade do indivíduo, pois se se tratar de uma reprogramação exogénea, feita à imagem e medida do técnico, dificilmente encontrará eco nas vivências futuras da pessoa. Aparentemente, aceitará, até que o tribunal de execução de penas o mande em liberdade condicional: é o caso típico do vencido mas não convencido. E, libertado um dia, a questão essencial: que farei com esta liberdade?

Torna-se urgente que o ideário reprogramador esteja assente no conhecimento do sujeito, na captação das suas discursividades (comunicação verbal e não-verbal, intradiscurso, ditos, não-ditos, entreditos, interditos, sobreditos), dos seus afetos e emoções com que construiu o processo de vida. Há que aceder à personalidade do sujeito, captá-la, descodificá-la e compreendê-la sem que os técnicos caiam no erro de o quererem rejulgar e sem juízos morais – a assistência eclesiástica é outro registo… E, a partir daí, arrancar para a desconstrução que o próprio deve fazer dessas estações pretéritas, levando-o a questionar o passado e a interpelar-se, fazendo do cidadão ator principal do percurso de reinserção.

Mas esta fase de ressocialização, que está suficientemente definida nas leis, deve privilegiar não apenas uma visão terapêutica, antes – e fundamentalmente – uma ancoragem de constituição, com o cidadão recluso de um projeto de vida hábil à sua integração na sociedade. Por outras palavras: o trabalho a desenvolver, que tem de ser pluridisciplinar, deve conter um enquadramento psicológico, mas não no sentido clínico, que é disponibilizado, e muito bem, em ambiente carcerário, justificando-se quer pelas situações prévias à detenção quer pelas patologias obtidas em ambiente carceral; referimo-nos à intervenção psicoinclusiva, ou seja: uma intervenção juspsicológica que procura promover a cidadania e a inclusão das pessoas reclusas. Estamos, portanto, num outro planeta: saltámos da Psicologia tout court para nos lançarmos no segmento da Psicologia que trabalha a reprogramação e a reinclusão dos cidadãos, através da motivação para aderirem a um novo projeto de vida, habilizando a resposta à pergunta que a generalidade dos presos faz – e receia – quando deixa a cadeia: e agora? Porque, como nos dizia um adolescente saído de um centro educativo, mais de quinze anos após esse dia e depois de umas tantas outras prisões, mas já entre adultos: - tramado é a gente sair daquela porqueira do centro e chegar à rua e não saber para onde ir; e ir para casa e a família da gente já não contar com a gente; e dizerem: ”dorme aqui – apontando o espaço da cozinha, entre o tanque e o caixote – “que o teu irmão está agora no teu quarto”.

Para que haja boa prosseguição deste trabalho é imprescindível que o mesmo seja efetivado por técnicos do comportamento, conhecedores dos cenários da exclusão social e do cárcere. Muitas vezes, no nosso país, confundem-se ainda as realidades: a intervenção em cadeia não pode ser apenas promovida por psicólogos de registo clínico, nem só por assistentes sociais – embora ambas estas especialidades sejam necessárias; mas é indispensável que a intervenção contemple também psicólogos com formação e grau académicos em Psicologia Forense e com conhecimentos aprofundados da realidade da exclusão e da vida carceral; na verdade, são insuficientes os investigadores que desconhecem o sentido e a gramática dos cenários juspsicológicos e de exclusão e que foram formatados para trabalhar amostras em contexto de pesquisa – trabalho notável, sem dúvida, mas que não habilita para a intervenção.

Rodrigues (2002, p. 169) refere, a este propósito, a contratualização do tratamento, por antítese ao tratamento coativo – o que faz pleno sentido, já que é fundamental que a constituição de um projeto de vida seja contratualizada entre a equipa técnica e o cidadão em prisão. Assim, o delinquente poderá mais facilmente passar de cidadão desprogramado a sujeito incluído. Concomitantemente, os serviços devem promover a manutenção dos vínculos familiares, que poderão ser preciosos no processo de reabsorção social e psicoafectiva dos condenados – uma preocupação velha do nosso Direito Penitenciário, porém nem sempre conseguida.

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J. Romero (2006), aludindo ao trabalho carceral, explica:

«[…] el siglo XXI debiera enfrentarse a nuevos retos y los políticos como representantes de la sociedad debieram dar protagonismo a técnicos/expertos y trabajadores del ámbito penitenciário y a sus usuários.

«[…]

«Cuando decretamos prisión a una persona la pena no es sólo para el delincuente, indirectamente sufre la prisión sus familiares, mujeres, maridos, padres, abuelos e sobre todo sus hijos […]» (pp. 213-214).

A esta fase de reprogramação competem objetivos de reeducar, responsabilizar e ressocializar. Aqui se entronca também o problema da culpa psicológica, base da interiorização dos interditos, indispensável em qualquer processo de ressocialização, devendo ser considerado mais do que um simples instrumento. Se o condenado não conseguir integrar a culpa, e trabalhá-la, será mais complexo evitar as reincidências, exceto se – e enquanto – tiver medo de ser novamente detido.

Educar (formar), reprogramar (recompetenciar, reinserir, promover a inclusão), reapetrechar (para a cidadania plena) – eis o triângulo por que se deve pautar a criminalização (prevenção) terciária.

Reprogramar primeiro; reconfigurar o sistema, depois. Entendemos por reconfiguração do sistema a criação de condições de mudança dentro da própria política de criminalização, especialmente no que tange ao seu terceiro compasso, a reinserção. Mais do que mudar as leis, algo de que por vezes se abusa, urge mudar o sistema, pensando seriamente – e, tanto quanto possível, apartidariamente - o que se pretende para a ressocialização dos sujeitos condenados; depois, usar as leis que temos e perceber o que é necessário alterar, buscando nos saberes sobre os comportamentos e as transgressões criminais as respostas cientificamente apoiadas. Esta atitude, que tem de ser institucional e comunitária, não pode deixar de compreender que o crime e a respetiva prevenção são, antes de tudo, uma questão de educação. A criminalização, enquanto processo, hibrida e intersecta a prevenção, convocando também a política de saúde mental – tradicionalmente a parente pobre da saúde em Portugal e, com a crise, convertida já em não-parente.

5. Uma conclusão que não conclui…

Das considerações que deixámos feitas poderia extrair-se um conjunto de conclusões; ou talvez não. Limitamo-nos a elencar um conjunto de linhas reitoras para uma política de reinserção:

1. Necessidade de reformulação do sistema de penalidade em todos os seus níveis, começando pelo legislativo (primário) até à reinserção (terciário).

2. Reformulação da ideia de pena e sua duração. 3. Aplicação da pena depois de uma avaliação singularizadora do sujeito. 4. Definição de um projeto de reinserção social a partir do momento que se inicia o

cumprimento da pena. 5. Estabelecimento de políticas de reinserção para sujeitos absolvidos ou condenados em

penas não reclusivas: naquele caso, porque toda a ambiência penitenciária, inclusivamente em regime preventivo, desinsere, exclui, anatematiza, desprograma, podendo até desencadear patologias carcerárias; e, na segunda hipótese, porque o cometimento do crime remete sempre para alguma forma de desprogramação e, mesmo que a pena seja não detentiva, há que promover a reinclusão do indivíduo na comunidade, apetrechando-o para manter uma conduta conforme ao Direito.

6. Definição de uma ideia de vida como ponto de partida da ideologia reprogramadora e da construção do projeto de vida.

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7. Trabalhar no sentido de levar o sujeito à convicção da responsabilidade e da culpa, como início do processo de mudança.

8. Consequentemente, criar condições para que o cidadão recluso proceda à interiorização do interdito.

9. Fomentar a empatia. 10. Elaboração com o recluso de um projecto reprogramador com vista à constituição do

um projeto de vida futura. 11. Recompetenciação do indivíduo em termos formativos, educativos, cívicos, culturais e

sociais, promovendo a aquisição das competências em falta. 12. Recriação de competências relacionais, familiares e psicoafectivas. 13. Promoção da empatia. 14. Preparar a pessoa para se sentir ator da sua própria vida e da história social de que é

comparticipante. 15. Reapetrechamento comunitário no meio residencial em que se instalará após a

libertação. 16. Despiste e reencaminhamento, se necessário, de situações de psicopatologia que sejam

detetadas, particularmente de adições. 17. Estabelecimento de microprojectos de vida com a duração entre um e três meses,

devidamente avaliados e certificados na sua validade com o próprio recluso, como forma de procurar a inclusão e a reinserção.

18. Constituição de equipas pluridisciplinares, formadas por interventores formados e treinados e integrando psicólogos capazes de desenvolverem programas idóneos à promoção da inclusão social, privilegiando-se técnicos com competências para a intervenção, porque, antes de tudo, o sujeito condenado deve sê-lo também a ter a possibilidade de pensar a sua reinserção.

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Joana Whyte, Professora da Universidade do Minho

“A aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal na EU”

A abolição das fronteiras internas na União Europeia, operada com Schengen, facilitou a livre circulação de pessoas e permitiu que todos nós possamos viajar dentro da União Europeia sem que tenhamos problemas fronteiriços ou problemas maiores. Mas esta livre circulação de pessoas facilitou também que determinados grupos criminosos alastrassem as suas actividades para outros Estados Membros e foi de facto este o mote dado para o aprofundamento da cooperação judiciária e policial em matéria penal na União Europeia, até ao Tratado de Maastricht praticamente a então comunidade europeia não tinha poderes em matéria penal, e foi a partir deste tratado com a criação da União e a sua estruturação em três pilares que foi possível criarem-se no terceiro pilar, as bases para uma cooperação judiciária e judicial em matéria criminal e em certos domínios restritos. Mas o poder de criação de normas penais manteve-se de sobremaneira nos Estados Membros com o Tratado de Amesterdão posteriormente foi aprofundado no terceiro pilar o objectivo de criar um elevado nível de proteção dos cidadãos, de liberdade de segurança e de Justiça, tendo para tanto sido avançado o poder de harmonização criminal através da criação de regras mínimas por parte da união europeia em certos domínios específicos da criminalidade, mas era apenas isto a criação de regras mínimas em determinados domínios específicos, a união passou a ter naquela data como objectivo principal a criação de um espaço penal comum.

O Conselho Europeu de Tampere em 1999 é sem dúvida fundamental para a compreensão destas matérias pois reuniu precisamente com o intuito de debater a criação de um espaço de liberdade, de segurança e de Justiça, sob a epígrafe um verdadeiro espeço europeu de Justiça, nas conclusões deste conselho europeu, podemos ler que num verdadeiro espaço europeu de Justiça, os cidadãos e as empresas não deverão ser impedidos ou desencorajados de exercerem os seus direitos por razões de incompatibilidade ou complexidade dos sistemas jurídicos e administrativos dos Estados membros. O Conselho Europeu de Tampere deve ser visto como o culminar de um espaço de construção de liberdade Justiça, mas ao mesmo tempo a promessa de que uma nova fase de construção se iniciava, foi no Conselho Europeu de Tampere que o reconhecimento mutuo foi proclamado e foi proclamado com um peso fundamental, o peso de ser a pedra angular de todo o sistema judicial da eu quer em matéria civil quer em matéria criminal, no entanto o princípio do reconhecimento mutuo apenas encontrou consagração expressa nos tratados com a adopção do Tratado de Lisboa em 2009.

No tratado sobre o funcionamento da EU. O Tratado de Lisboa é, sem dúvida, fundamental para o aumento da cooperação judiciária em matéria penal e o caminho traçado para a criação de um verdadeiro direito penal europeu. O reconhecimento mútuo constitui desta forma a base de todo o espaço judicial europeu, todavia não podemos ainda descurar a necessidade de harmonização das legislações penais, substantivas e processuais dos Estados membros, a Comissão Europeia reconheceu ainda que a confiança mútua é a chave para a concretização do reconhecimento mutuo, par ao efeito é fundamental a adopção de normas que garantam um elevado grau de protecção dos direitos dos cidadãos e ainda medidas práticas para os funcionários do sector judicial que reforcem o sentimento de uma cultura judicial comum no seio da EU.

Podemos então afirmar sem reservas que o Princípio do Reconhecimento Mútuo revolucionou a cooperação judiciária em matéria penal como até então a tínhamos conhecido. Resulta então evidente que a lentidão com que tinham sido atribuídas competências à EU em matéria penal é um facto facilmente justificado com a matéria que consubstancia o último reduto da soberania nacional, fundamentalmente por se tratar de um ramo do direito que mais intimamente se encontra ligado ao modelo constitucionalmente de Estado, as estruturas, os actores, as fases

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processuais, são verdadeiramente distintas de estado membro para estado membro. São compreensíveis as cautelas existentes que rodeiam a cautela da aproximação da legislação penal e processual penal e ainda o reconhecimento das decisões de estado membro para estado membro.

Torna-se então, desde logo, evidente que é fundamental estudar dois princípios para a compreensão da cooperação judiciária em matéria penal que são o Princípio do Reconhecimento Mútuo e o da confiança mútua. A primeira concretização prática do Princípio do Reconhecimento Mútuo deu-se então com a adopção da decisão quadro relativa ao mandado de detenção europeu, e este princípio até esta largamente aprofundado e concretizado na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, nomeadamente, no que respeita à jurisprudência relacionada com o mandado de detenção europeu.

Em conclusões apresentadas pelo Advogado geral no processo é enfatizada a importância da confiança mútua, pois que cada um dos Estados Membros tem de aceitar a aplicação do direito penal nos restantes estado membros mesmo quando o seu direito penal interno conduza a uma solução diferente, por outras palavras na vertente dos efeitos a rácio da confiança mútua caracteriza-se pelo utilitarismo ao intervir em prol do reconhecimento mútuo. O reconhecimento baseia-se na ideia de que, e tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, mesmo que um Estado não trate de certa matéria de forma igual ou análoga a outro, os resultados são considerados equivalentes as suas próprias decisões porque obedecem aos mesmos princípios e valores, é então um elemento imprescindível no processo evolutivo em que a União Europeia hoje se encontra. A confiança na pertinência das disposições dos restantes Estados Membros da sua aplicação e nas decisões por eles proferidas em particular vamos analisar, ainda que brevemente a aplicação deste princípio ao reconhecimento de sentenças em matéria penal.

E sobre este assunto temos desde logo de por a tónica na decisão-quadro 2008/909/JAI que sucedeu no seguimento das conclusões do Conselho de Tampere e do programa de medidas a aplicar no Princípio do Reconhecimento Mútuo às sentenças em matéria penal. Estamos perante a criação de um sistema de livre circulação de sentenças judiciais em matéria penal já transitadas em julgado, mais aprofundada agora com a adopção do Tratado de Lisboa em 2009, muito embora esta decisão quadro devesse ter sido transposta até 5 de dezembro de 2011, em Portugal foi transposta apenas este ano, na Lei 158/2015, de 17 de Setembro, esta lei transpõe não só a decisão quadro 2008/909/JAI, mas também a 2008/947 relativamente à aplicação do Princípio do Reconhecimento Mútuo relativamente às sentenças relativas à liberdade condicional para efeitos de fiscalização de medidas. Mercê da adopção desta decisão-quadro, o incidente de revisão e confirmação de revisão de sentença estrangeira previsto na lei 144/99, não é aplicável a sentenças proferidas por Estados Membros da União Europeia, as sentenças proferidas pelos Estados Membros da União Europeia passa então a aplicar-se o pedido de transmissão previsto nesta decisão quadro. Esta decisão quadro procura alargar o Princípio do Reconhecimento Mútuo, segundo o qual os Estados Membros da União Europeia aceitam reconhecer as leis ou as decisões uns dos outros às sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão.

Esta decisão- quadro concreta o princípio da confiança mutua às decisões de órgãos judiciais dos estados membros, esta decisão-quadro, descreve a forma como os estados membros reconhecem e executam as sentenças em matéria penal, uns dos outros e concretiza o objectivo de liberdade de circulação de pessoas condenadas entre os estados membros da EU, o objectivo desta decisão-quadro é precisamente o de estabelecer as regras que permitam que um Estado Membro reconheça uma sentença e execute uma condenação nela prevista tendo em vista facilitar a reabilitação e a reinserção social da pessoa condenada. Esta decisão quadro consagra então a arquitectura do sistema constitucional europeu que se baseia na garantia da protecção dos direitos fundamentais que resultam das constituições dos Estados Membros, da Convenção

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Europeia dos Direitos do Homem e da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e são princípios que se encontram evidenciados, não só nos considerandos, mas no próprio texto da decisão quadro, é uma decisão quadro que permite que um Estado Membro execute uma decisão de sentença de prisão, imposta por um outro Estado Membro, ou uma pessoa que por exemplo resida no seu território e que crie então um sistema de transferência de reclusos com o pais de que são nacionais ou então para o pais onde residem, sendo que neste caso é a residência habitual tendo como elementos de consideração os laços familiares sociais e profissionais da pessoa condenada ou ainda para um outro estado membro da EU com o qual a pessoa condenada tem uma relação estreita, rapidamente os principais aspectos a reter desta decisão-quadro são os seguintes: a sentença e a decisão são transmitidas directamente do Estado Membro de emissão para o Estado Membro de execução, a transferência da pessoa condenada está sujeita ao consentimento da mesma, muito embora estejam previstas algumas excepções a regra é esta a do consentimento da pessoa condenada, dado por escrito ou verbalmente, o pais de execução deve sem demora tomar as medidas necessárias para executar a sentença e se necessário adaptar esta sentença à sua ordem jurídica interna, mas correspondendo ao máximo à sentença original, nunca podendo impor uma sentença mais grave do que aquela proferida no Estado Membro de emissão, o artº 8º da decisão quadro prevê fundamentalmente duas adaptações possíveis, a primeira diz respeito à alteração da pena a segunda no que respeita à sua natureza, no que respeita à duração da pena, a duração que seja incompatível com a legislação nacional do Estado Membro de execução, a autoridade competente do Estado Membro de execução apenas pode adaptá-la se essa condenação exceder a pena máxima prevista na sua legislação nacional para uma infracção semelhante e no outro caso a sua natureza no caso da condenação ser incompatível com a legislação do Estado Membro de execução a autoridade competente desse estado pode adapta-la à pena ou medida prevista na legislação nacional para infrações semelhantes, contudo a condenação não pode ser convertida numa sanção pecuniária. A execução da pena é feita ao abrigo da legislação do Estado Membro de execução é eliminado também o controlo da dupla incriminação, no artº 7º da decisão-quadro, relativamente a um elenco de 32 crimes desde a participação em organização criminosa a ciber-criminalidade, terrorismo, burla, mas apenas em casos em que no estado de emissão sejam puníveis com uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade com duração máxima não inferior a três anos, o pais de execução deve na maioria dos casos decidir no prazo de 90 dias se reconhece a sentença que irá impor, e por fim a decisão-quadro inclui uma lista limitada de motivos com base nos quais um pais de pode recusar a executar a sentença, estes motivos são fundamentadamente no caso da decisão estar incompleta, ou não corresponder manifestamente à sentença e não ter sido entretanto completada, no caso da sentença ser contraria à aplicação do princípio ne bis in idem no caso da execução da condenação ter já prescrito, estar sujeito a uma imunidade no Estado Membro de execução, estar apenas por cumprir seis meses da pena, tratar-se de uma pessoa singular que nos termos da lei do Estado Membro de execução não seja penalmente responsável em razão da sua idade, o caso também de a pessoa ter sido julgada na ausência a menos que tenha sido informada pessoalmente da data e do local onde decorreu a audiência de julgamento, tenha sido informada que muito embora estivesse ausente a decisão proferida e executada, tendo conhecimento do julgamento conferiu mandato a um Advogado ou foi-lhe então atribuído um defensor oficioso que o representou no julgamento depois de ter sido notificado da decisão tenha sido expressamente informado do direito de requerer um novo julgamento, do direito de recurso e tenha expresso apos esta informação que não pretendia recorrer da decisão. A condenação imposta, ainda com motivos de recusa do reconhecimento, a condenação imposta implicar uma medida de foro médico ou psiquiátrico que não possa ser executada no Estado Membro de execução ao abrigo da sua legislação e por fim se a sentença disser respeito a uma infracção que tenha, no todo ou em parte, sido cometida no Estado Membro de execução.

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Em jeito de conclusão, a propósito do Princípio de Reconhecimento Mútuo às sentenças em matéria penal, a transposição desta decisão quadro implica que se afaste a necessidade de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, passando a aplicar-se a estes casos um procedimento específico que é mais célere, mais eficaz, mais simples, e plenamente garantístico dos direitos individuais, esta decisão-quadro funda-se na confiança dos sistemas penais dos Estados Membros e depende sobremaneira da convicção de que os direitos fundamentais são igualmente garantidos em todos os Estados Membros da EU, pois se assim não for, então não existirá confiança mútua entre os Estados Membros. A adopção desta decisão-quadro, tal como a analisamos, fortalece a confiança mútua dos Estados Membros e levará em última instância à tão desejada concretização de um verdadeiro espeço de liberdade, segurança e de Justiça, ao aumento da confiança dos cidadãos na Justiça da EU tal como resultou do programa de Estocolmo e só assim conseguimos efectivamente construir uma União Europeia unida na diversidade, respeitando a herança histórica, cultural e jurídica dos povos que a constituem assim como os valores universais da democracia, da liberdade, da igualdade e do Estado de Direito.

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Quotidiano do Sistema Prisional Português. Perspectivas

Paulo Carvalho, Director de Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo “Papel do Diretor e da Administração Prisional”

Jorge Alves, Presidente da Direcção do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional “O Hibridismo da Guarda Prisional - A Segurança e o papel Social”

Rogério Canhões, Director do Centro Educativo Navarro Paiva “A execução da medida tutelar de internamento em centro educativo. Que modelo?”

Moderação: Normanha Salles, Vogal da CDHOA

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Paulo Carvalho, Diretor do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (Feminino) / Assistente convidado na Faculdade de Direito da Universidade do Porto – Curso de

Criminologia.

“Papel do Diretor e da Administração Prisional”

Aquando da minha primeira nomeação como Diretor de Estabelecimento Prisional em Julho de 1998, deparei-me, no primeiro dia em que entrei no E.P., com um quadro que tinha a seguinte inscrição, retirada do canto III do Inferno de Dante – “…DEIXAI TODA A ESPERANÇA. Ó VOS QUE ENTRAIS…” .

Se naquela data já entendia que tal afirmação, no sistema prisional Português estava perfeitamente descontextualizada, volvidos que estão mais de 17 anos posso afirmá-lo sem margem para dúvidas, sendo para tal preponderante aquilo que tem sido a intervenção e testemunho diários dos Diretores dos Estabelecimentos Prisionais, na defesa e afirmação de Um Serviço Público com Ética.

Nas sociedades democráticas trabalhar numa prisão é um serviço público. As prisões, a exemplo de escolas e hospitais, são lugares que são administrados pelo poder público com o objetivo de contribuir para o bem comum, pelo que a administração prisional precisa de operar dentro de um contexto ético.

Com efeito, na ausência de um contexto ético sólido, a situação em que se dá a um grupo de pessoas considerável poder sobre o outro pode facilmente resultar em abuso de poder.

O contexto ético não é unicamente uma questão de comportamento dos funcionários individuais em relação às pessoas presas, tanto mais que a administração prisional consiste essencialmente na gestão de seres humanos.

A concentração, por parte dos responsáveis prisionais em processos e procedimentos técnicos levará os funcionários das prisões a esquecerem-se de que uma prisão não é o mesmo que uma fabrica que produz automóveis ou máquinas de lavar roupa. Pelo contrário, trata-se de Uma Realidade destinada a pessoas.

Quando as pessoas pensam em prisões, elas tendem a considerar o seu aspeto físico associando-as a locais com muros, redes, edifícios com portas trancadas e janelas com grades, quando o seu aspeto mais importante é a sua dimensão humana.

Daí não ser de estranhar que o segredo para uma prisão bem administrada resida na natureza e na adequação da relação entre os reclusos e os funcionários prisionais que cuidam deles.

As prisões geralmente não podem selecionar os seus presos; precisam aceitar qualquer pessoa que lhes seja enviada pelo tribunal ou pela autoridade judicial competente.

No entanto as prisões podem escolher os funcionários que integram o seu quadro de pessoal, pelo que é indispensável que este seja criteriosamente selecionado, adequadamente capacitado, supervisionado e apoiado, pois o trabalho nas prisões é muito exigente e implica trabalhar com homens e mulheres que foram privados da liberdade.

Neste contexto compete aos funcionários prisionais:

Tratar as pessoas presas de modo digno, humano e justo;

Assegurar que todas as pessoas presas estejam seguras;

Certificar-se que os reclusos perigosos não escapem;

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Proporcionar aos reclusos a oportunidade de usar o tempo na prisão de modo positivo, de forma a que possam reintegrar-se na sociedade quando forem libertados;

Certificar-se de que haja boa ordem e controle nas prisões.

Nas sociedades democráticas, a lei sustenta e protege os valores fundamentais da sociedade, sendo que o mais importante deles é o respeito pela dignidade inerente a todos os seres humanos, qualquer que seja a sua condição pessoal ou social.

Um dos maiores testes desse respeito à dignidade humana reside na forma como uma sociedade trata aqueles que infringiram ou são acusados de ter infringido a lei penal. São pessoas que elas mesma podem ter demonstrado uma falta de respeito pela dignidade e pelos direitos de outros, pelo que os funcionários prisionais têm um papel especial a desempenhar em prol da restante sociedade ao respeitarem a sua dignidade, apesar de qualquer crime que os supostos infratores possam ter cometido.

Assim declarava Nelson Mandela:

“… ninguém, conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados ,mas sim como trata seus cidadãos mais baixos”.

A Interação Recluso/Funcionário será um fator primordial, pois sendo ambos seres humanos, quanto mais estes dois grupos reconhecerem e respeitarem esta realidade comum, tanto mais digna e humana será a prisão.

O comportamento dos funcionários prisionais e o tratamento humano e digno dispensado às pessoas presas deve verificar-se em todas as atividades operacionais de uma prisão, pois é esta a forma mais eficaz e eficiente de se administrar um estabelecimento prisional, surgindo assim A Administração Prisional Como Referência .

A natureza fechada e isolada das prisões pode oferecer a oportunidade de serem praticadas ações abusivas com impunidade, às vezes de modo organizado e, outras vezes, pelas ações de funcionários prisionais individualmente.

Os responsáveis pela administração prisional têm a obrigação de assegurar que todos os que integram os seus quadros de pessoal e também todas as outras pessoas que trabalham e/ou colaboram nas prisões estejam plenamente conscientes da proibição absoluta da tortura e dos tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Os funcionários prisionais também precisam entender que este método de gestão das prisões pode contribuir para a segurança e a boa ordem. As prisões devem ser comunidades bem organizadas, isto é, locais que não coloquem em risco a vida, a saúde e a integridade física das pessoas.

Estamos assim perante a Necessidade de Afirmação e Implementação de Equilíbrios, pelo que o desafio que os diretores enfrentam é o de garantirem que as prisões sejam seguras e ordenadas, porém não geridas de modo opressivo ou brutal. Para tal é necessário uma abordagem consistente, nem dura, nem liberal.

A grande maioria dos presos verá com bons olhos uma gestão firme e justa por parte dos funcionários porque se estes não tiverem o controlo do estabelecimento prisional o vazio daí resultante será preenchido por presos de índole forte. Alternativamente, a ausência de uma administração firme por parte da hierarquia, fará com que alguns funcionários prisionais possam

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adotar eles próprios meios de controle informal. Em qualquer caso a vida tende a tornar-se muito desagradável para a maioria dos reclusos.

A Segurança , o Controle e a Justiça , apresentam-se como três faces da mesma realidade, em que a importância da prossecução e manutenção do equilíbrio entre estes vetores deve ser compreendida e assumida por todos os responsáveis pelos serviços prisionais.

Será um grande erro pensar-se que tratar os reclusos com humanidade e Justiça levará a uma redução da segurança ou do controle. Bem pelo contrário, o objetivo de prevenir fugas e assegurar o controle pode ser alcançado com mais eficácia num ambiente bem ordenado:

que é seguro para os reclusos e para os funcionários prisionais;

no qual todos os membros da comunidade prisional percebem que estão a ser tratados com equidade e Justiça;

no qual os reclusos têm a oportunidade de participar em atividades construtivas e a preparar-se para o regresso à vida em liberdade;

A segurança também depende de um quadro de funcionários prisionais atentos que interagem com os presos, que têm consciência do que se passa no interior da prisão e que asseguram que os reclusos são mantidos em atividade de um modo positivo. Isto è o que muitas vezes se denomina por segurança dinâmica.

Por definição a prisão envolve privação de liberdade e portanto uma redução da liberdade de movimentos, pelo que os diretores têm a obrigação de impor as restrições de segurança que sejam necessárias para assegurar que os reclusos não se eximam ao cumprimento das medidas privativas de liberdade e que as prisões sejam lugares seguros.

Assim, relacionamentos adequados entre os funcionários prisionais e os reclusos são um elemento indispensável da segurança dinâmica. Onde existem essas relações elas podem ser usadas acertadamente para desativar incidentes em potencial ou para restaurar a boa ordem por meio de um processo de diálogo e negociação. Somente quando esses métodos fracassam ou são considerados inadequados é que devem ser considerados os métodos físicos de restauração da ordem.

Hoje é geralmente aceite que as prisões se organizam de modo e positivo com a cooperação dos reclusos.

A segurança externa (ausência de fugas) e interna (ausência de desordens) são melhor prosseguidas através da construção de um relacionamento positivo entre os reclusos e os funcionários. Esta é a essência da segurança dinâmica, em que a segurança depende das boas relações dentro das prisões e do tratamento positivo dos reclusos.

Tendo uma organização bem dirigida, com pessoal confiante e comprometido, não é praticamente necessário fechar a prisão ao mundo exterior.

Assim e se hoje entrasse pela primeira vez num Estabelecimento Prisional o quadro com que me gostaria de deparar e que certamente veria seria um que representasse a vida / reclusão como uma nova e bela estrada, em que os “buracos“ e maus caminhos já tivessem ficado ou ficassem para trás e que fosse a afirmação inequívoca de se Optar pela Mudança / Construindo Novas Oportunidades .

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Jorge Alves, Presidente da Direcção do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional

“O Hibridismo da Guarda Prisional - A Segurança e o papel Social”

Antes de mais cumprimento todos os presentes.

Agradecer o convite e louvar a iniciativa, lamentando que não existam mais Encontros do género que permitam juntar todos os atores do sistema prisional para discutir os verdadeiros problemas dos estabelecimentos prisionais e da execução das penas e medidas privativas da liberdade.

Desejo que estas Jornadas sejam um sucesso no encontro de ideias e experiencias de forma a contribuírem para um melhor sistema prisional na defesa do interesse público.

(I)

Antes de abordar o tema, algumas referências importantes.

Definição de SISTEMA (de sistema prisional) que no Latim deriva da palavra systema – etimologicamente está relacionado com método ou maneira de agir, ou conjunto de medidas para atingir algum fim.

Definição de Processo (de processo de execução de Penas) que no Latim deriva da palavra proceder – etimologicamente está relacionada com percurso e significa avançar, ou caminhar para a frente.

Desinvestimento das Prisões, que se reflete na má qualidade da prestação dos serviços como alimentação e na falta de um numero suficiente de profissionais nas áreas da Psicologia, enfermagem, ação social, entre outros.

Referir que hoje nestas Jornadas represento o grupo de trabalhadores estigmatizados por grupos profissionais e pela sociedade como os maiores responsáveis pelos problemas nos estabelecimentos prisionais.

No entanto, pelas nossas características e pela proximidade aos reclusos, reunindo os instrumentos adequados, somos quem pode contribuir para uma melhor reinserção.

Estamos em contato com os reclusos 24 por dia e 365 dias por ano. Por essa razão somos vistos com os bons, que ajudam, que indicam os problemas, que evitam os suicídios, que resolvem os problemas durante a visita no fim-de-semana com os familiares entre outros aspetos. Por outro lado, somos os maus quando impedimos o tráfico de droga, quando dizemos não quando queriam ouvir um sim, quando não deixamos sair, quando não deixamos frequentar espaços proibidos, quando participamos atrasos ao encerramento, entre outros aspetos.

De referir que para Platão, a maioria dos humanos tem uma enorme dificuldade em exercitar (por em marcha) o cérebro.

Por isso carecem de iniciativa, de muito estudo, de disciplina e de uma permanente dedicação, mas isso é custoso.

Por outro lado a maior parte dos problemas surge das impulsões afetivas corporais que em geral são espontâneas.

Por ser mais fácil, as pessoas ocupam-se do estudo do segundo fenómeno sem discutir o primeiro.

Quero ainda referir que como disse, o sistema prisional não é verdadeiramente um sistema, são muitos sistemas. Em cada estabelecimento prisional existem vários grupos profissionais que não

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comunicam entre si. No sistema prisional e em cada estabelecimento prisional, cada grupo profissional representa uma ilha isolada e sem comunicação com as outras ilhas. Cada área está separada logo à partida.

Por isso é que o sistema são muitos sistemas e muitos processos, quando deveria ser apenas um reforçado com o contributo de todos os trabalhadores.

É em parte por essa falha da organização e na organização que a reinserção é uma ilusão.

Enquanto os estabelecimentos prisionais e a Direção Geral trabalharem desta forma, os estabelecimentos prisionais servem apenas como armazéns de pessoas, que se colocam prateleiras à espera do fim da validade. Sem que se perceba qual o seu problema e a forma de o reinserir na sociedade.

Não existe uma verdadeira reinserção. Existe o cumprimento de tarefas por parte dos trabalhadores com vista a atingirem os objetivos impostos e que têm necessidade de cumprir para poderem ter melhor classificação no final do ano.

O acompanhamento dos reclusos e dos seus problemas é muito limitado e espaçado.

As prisões deviam ser o exemplo do que nós queremos para a sociedade e não o contrário.

No entanto, apesar das dificuldades, o sistema prisional não está tão mal como os oradores anteriores fizeram passar. Foi muito difícil acabar com o balde higiénico, mas acabou-se. Até à poucos anos não existia agua quente todos os dias, agora existe a toda a hora. As instalações não são as melhores por força do tempo e do consequente desgaste, mas vão-se realizando obras de remodelação com mão-de-obra reclusa.

Quanto às agressões, ou uso de violência por parte do pessoal do Corpo da Guarda Prisional, na sua maioria, o uso da força resultou do combate ao tráfico de droga e de bens ilícitos.

Existe muito mais violência e desumanização entre os reclusos que não é denunciada e que funciona quase como um código de honra entre os reclusos.

Este problema a par da falta de capacidade do sistema em separar os reclusos pelo tipo de crime ou mesmo pelo tipo de pena de prisão é que contribuem para uma escola do crime. E em vez de se reinserir o cidadão na sociedade, insere-se o cidadão no mundo do crime.

O sistema prisional tem muitos mais problemas do que as instalações e o tratamento humano. Da parte dos profissionais do Corpo da Guarda Prisional existe até uma certa familiaridade excessiva que por vezes dificulta o trabalho dos outros profissionais do Corpo da Guarda.

O controlo das pessoas na entrada do estabelecimento também é um problema. Deviam existir regras precisas para conhecimento de todos e para serem cumpridas por todos os utilizadores do sistema prisional. A exemplo do que acontece nos aeroportos. Seria muito mais simples e transparente. As dúvidas e suspeitas sobre certas pessoas ou grupos profissionais seriam menos prováveis.

(II)

Decreto-lei 3/2014 e 9 de janeiro que Aprovou o Estatuto do Corpo da Guarda Prisional.

Artigo 3.º

Corpo da Guarda Prisional

1 - O CGP é constituído pelos trabalhadores da DGRSP com funções de segurança pública em meio institucional, armados e uniformizados, integrados nas carreiras especiais de chefe da guarda prisional e de guarda prisional e que têm por missão garantir a segurança e tranquilidade da comunidade prisional,

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mantendo a ordem e a segurança do sistema prisional, protegendo a vida e a integridade dos cidadãos em cumprimento de penas e medidas privativas da liberdade e assegurando o respeito pelo cumprimento da lei e das decisões judiciais, bem como pelos direitos e liberdades fundamentais desses cidadãos.

2 - O pessoal do corpo da guarda prisional é agente da autoridade quando no exercício das suas funções.

Artigo 4.º

Meios coercivos e captura de evadidos

1 - Os trabalhadores do CGP utilizam os meios de ordem e segurança e os meios coercivos, auxiliares e complementares, necessários ao exercício das suas funções, nos termos e com os limites do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro.

2 - Os trabalhadores do CGP têm competência para capturar e reconduzir ao estabelecimento prisional mais próximo os reclusos evadidos ou ausentes do estabelecimento sem autorização, sempre que possível, em articulação com as forças e serviços de segurança competentes.

3 - Os meios coercivos previstos no n.º 1 encontram-se previstos no Regulamento de Utilização dos Meios Coercivos dos Serviços Prisionais nos Estabelecimentos Prisionais.

Artigo 18.º

Deveres especiais

Constituem deveres especiais dos trabalhadores do CGP:

a) Não aceitar, a qualquer título, dádivas ou vantagens de reclusos, de familiares destes ou de outras pessoas, em consequência da profissão exercida;

b) Não deixar entrar ou sair dos estabelecimentos prisionais nem permitir o acesso a reclusos a quaisquer bens ou valores, sem autorização superior de acordo com o previsto nas normas e instruções aplicáveis;

c) Não celebrar qualquer negócio ou contrair dívidas com reclusos e seus familiares ou com qualquer outra pessoa com eles relacionada;

d) Não permitir comunicações entre reclusos e pessoas estranhas ao estabelecimento prisional, sem autorização superior;

e) Não empregar reclusos ao seu serviço, nem utilizar a sua força de trabalho em benefício próprio;

f) Não influenciar os reclusos na escolha do seu defensor;

g) Guardar sigilo sobre matérias de serviço;

h) Ser urbano nas suas relações com os reclusos, quer na correção da linguagem, quer na afabilidade do trato, sem deixar de manter atitudes serenas e firmes e uma total independência de ação;

i) Não prestar informações ou declarações aos meios de comunicação social sobre assuntos de serviço, sem prévia autorização superior;

j) Não fazer uso de familiaridade excessiva para com os reclusos e seus familiares, nem permitir que estes o façam em relação a si.

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Artigo 27.º

Competências

1 - Sem prejuízo dos deveres funcionais previstos no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, e nos demais diplomas legais, aos trabalhadores do CGP compete especialmente:

a) Garantir as condições de segurança que permitam o exercício dos direitos e liberdades e o respeito pelas garantias dos cidadãos, no respeito pela legalidade e pelos princípios do Estado de direito;

b) Manter a vigilância e a proteção dos estabelecimentos prisionais, bem como das instalações da DGRSP;

c) Observar os reclusos nos locais de trabalho, recintos ou zonas habitacionais, com a discrição possível, a fim de detetar situações que atentem contra a ordem e a segurança dos serviços ou contra a integridade física e moral de todos os que se encontrem no estabelecimento;

d) Manter o relacionamento com os reclusos em termos de Justiça, exigência do cumprimento das normas, procurando, simultaneamente e pelo exemplo, exercer uma influência positiva;

e) Colaborar com os demais serviços e trabalhadores em atividades de interesse comum, prestando as informações que forem adequadas à realização dos fins de execução da pena, da prisão preventiva e das medidas de segurança, sem prejuízo do normal desenvolvimento das suas funções;

f) Transmitir imediatamente ao superior hierárquico competente as petições e reclamações dos reclusos;

g) Participar superiormente, e com a maior brevidade, as infrações à disciplina de que tenham conhecimento;

h) Acompanhar e custodiar os reclusos que sejam transferidos ou que, por outro motivo, se desloquem ao exterior do estabelecimento prisional;

i) Capturar e reconduzir ao estabelecimento prisional mais próximo os reclusos evadidos ou que se encontrem fora do estabelecimento sem autorização;

j) Prestar assistência e manter segurança e vigilância durante o período de visita aos reclusos, bem como revistar os visitantes, verificar e fiscalizar os produtos ou artigos pertencentes ou destinados aos mesmos;

k) Desenvolver as atividades necessárias para um primeiro acolhimento dos reclusos e visitantes, esclarecendo-os sobre as disposições legais e regulamentares em vigor no estabelecimento;

l) Prevenir e combater a criminalidade em meio prisional, em coordenação com as forças e serviços de segurança;

m)Prevenir a prática dos demais atos contrários à lei e aos regulamentos;

n)Garantir o controlo da entrada e saída de pessoas e bens no espaço prisional.

2 - Os trabalhadores do CGP que tenham conhecimento de factos relativos a crimes devem comunicá-los imediatamente ao seu superior hierárquico.

Artigo 43.º

Frequência de formação (que não é praticado)

1 - Os trabalhadores do CGP têm direito a frequentar ações de formação e de aperfeiçoamento profissional relacionadas com o exercício das suas funções.

2 - Os trabalhadores do CGP são obrigados a frequentar os cursos e as ações de formação e de aperfeiçoamento profissional para que sejam designados.

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3 - A relevância da ação de formação, atendendo ao conteúdo funcional das carreiras do CGP, quando ministrada por entidade externa à DGRSP, depende de reconhecimento do diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

4 - Por despacho do diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a frequência de ações de formação profissional específicas pode ser condicionada à obrigação de prestar serviço na área funcional a que respeitam, por um período de tempo a determinar casuisticamente em função da duração e custos da formação recebida.

5 - O número de horas de formação anual é o previsto na legislação aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas.

6 - As regras e os princípios que regem a formação profissional dos trabalhadores do CGP constam do anexo II ao presente Estatuto, do qual faz parte integrante.

Alem das funções de segurança e vigilância, o pessoal do Corpo da Guarda Prisional, entre outras, exerce funções de Eletricista; Mecânico; Trolha; Fiel de Armazém; Agricultor; Canalizador; Telefonista; Serviço Administrativo; Serviço de Enfermagem; Entre outros.

(III)

Breve resumo do Sistema Prisional

Legislação aplicada e a ter em conta:

- Carta dos Direitos Humanos.

- Código Penal e Processual Penal.

- Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009 de 12 de Outubro.

- Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, aprovado pelo Decreto-Lei 51/2011 de 11 de Abril.

- Regulamento de utilização dos meios coercivos nos Estabelecimentos Prisionais aprovado

- Lei Orgânica da DGRSP, aprovada pelo Decreto-lei 215/2012 de 28 de Setembro.

- Muitos Despachos que regulamentam questões específicas.

- Normas criadas em cada estabelecimento prisional pelos Diretores.

- Existem 21 Estabelecimentos Prisionais de alta complexidade de gestão e de segurança máxima ou alta (e especiais onde se inclui o Hospital Prisional, o Estabelecimento Prisional de Monsanto e os Estabelecimentos Femininos). Destes apenas o de Monsanto é que não está em sobrelotação.

- Existem 27 Estabelecimentos Prisionais de complexidade de gestão média e de segurança alta ou média. Todos eles em sobrelotação.

- Existe um Estabelecimento Prisional de Apoio (Horta/Faial).

(IV)

Tal como em sociedade, as regras em meio prisional são fundamentais para a normalização do ambiente, convívio e paz social, especialmente num meio fechado ainda mais condicionado pela sobrelotação dos estabelecimentos prisionais. Não queremos um meio onde o mais forte manda

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ou domina, a exemplo da ideia de Hobbes ou de Locke no que diz respeito ao estado da natureza antes do contrato social.

No entanto, entre os trabalhadores, os comportamentos podem ser influenciados por:

Perspetiva pessimista generalizada, influenciada por falta de aplicação e cumprimento das regras. Não podem existir regras próprias e fechadas. As prisões deviam ser o exemplo daquilo que queremos que seja a sociedade e não o contrário.

Perspetiva pessimista generalizada, influenciada pela austeridade.

Falta de orientação e de formação adequada para responder melhor às necessidades. (Pensamento de Platão, que diz que o cérebro precisa de estimulo e de desenvolvimento, não só as reações físicas espontâneas)

Falta de planeamento e de acompanhamento no desenvolvimento das tarefas e das competências.

Falta de uniformização na aplicação da lei e dos regulamentos.

Falta de reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, mesmo nas condições existentes. (Combate ao tráfico de droga, combate aos suicídios, combate ao domínio de uns reclusos sobre outros reclusos, entre outros).

(V)

No desempenho das funções temos de garantir a segurança das pessoas, instalações e bens e ainda dar todo o tipo de apoio quer aos reclusos, quer aos familiares.

Agimos com frequência entre dois opostos: sim e não; dar e tirar; permitir e impedir. Situação que contribui para constantes variações ou mesmo de agravamento das relações entre Guardas e Reclusos.

Podemos evitar um suicídio de manha e à tarde ter de aplicar os meios coercivos no mesmo recluso.

Temos uma função muito vincada como conselheiros mas também como disciplinadores.

Ao fim-de-semana é o Corpo da Guarda que acompanha as visitas e por isso somos quem diligencia no sentido de resolver todo o tipo de situações nesse período (receção de bens, entrada de visitantes, etc.).

(VI)

Razões que potenciam maior conflitualidade:

Sistema desarrumado (grande mistura de reclusos, sem separação por crime ou penas).

Sobrelotação.

Fracas condições físicas dos espaços (agravadas pela sobrelotação).

Desigualdades no tratamento dos e entre os reclusos (visitas intimas, acesso ao trabalho e escola).

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Ilegalidades existentes (droga, bens ilícitos, corrupção) que promovem o domínio de uns reclusos sobre outros.

Falta de coragem para cumprir e fazer cumprir as normas (falta de aplicação de sanções disciplinares adequadas).

Diminuição da dignidade humana (reclusos que exploram outros reclusos e que lhes pagam ou obrigam a guardar telemóveis e droga no ânus).

Desvalorização da verdadeira situação de cada recluso (problemas psicológicos, doenças que levam a cometer crimes, entre outros) (Considerar o crime como uma doença).

Falta de definição de objetivos aos reclusos.

Desinvestimento nas unidades laborais e principalmente nas produtivas ligadas à agricultura.

Sistema próprio e intrínseco que influencia quem nele se encontra:

Experiencia de Standard

Efeito Lúcifer

Professor Zimbardo

Estado de Natureza de Hobbes ou o cumprimento das normas.

Cenários que conferem um sentimento de anonimato, de descaracterização e de invisibilidade estimulam a barbárie. Disponibilidade para cometer atos antissociais.

Os muros vão muito para além do seu espaço físico. Impedem que a sociedade civil tenha maior conhecimento da realidade e que interajam mais com os problemas e as necessidades do sistema prisional.

Por exercer a sua função num ritmo de turnos durante todo o ano, de dia e de noite, é ao pessoal do Corpo da Guarda Prisional que cabe o maior contato e por força disso a maior ajuda ou conflito com os cidadãos privados da liberdade. No entanto, conforme indicam as estatísticas, tem-se conseguido resultados muito positivos.

É necessário a presença efetiva do Tribunal de Execução de Penas nos estabelecimentos prisionais. Que acompanhem as revistas, as buscas, as visitas, entre outros.

Precariedade em funções e áreas estruturais, como a Psicologia, a saúde (médicos e especialmente enfermeiros).

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Rogério Canhões, Director do Centro Educativo Navarro Paiva

“A execução da medida tutelar de internamento em centro educativo. Que modelo?”

A criança tem direitos comuns aos direitos dos adultos. E direitos próprios da sua qualidade de criança, necessários a um normal desenvolvimento (físico, psicológico, afectivo, social e cultural).

O propósito do trabalho com jovens terá que ser sempre: A promoção de bem-estar

Opinião

A criança tem o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre questões que lhe digam respeito e de ver essa opinião tomada em consideração. – artº 12º da CDC

Responsabilidade dos pais

Cabe aos pais a principal responsabilidade comum de educar a criança, e o Estado deve ajudá-los a exercer esta responsabilidade.

O Estado deve conceder uma ajuda apropriada aos pais na educação dos filhos. Artº 18º (CDC)

Reforma de Direito dos Menores

- Lei de Protecção: Crianças/jovens em perigo e menores de 12 anos que praticam facto qualificado como crime

- Lei Tutelar Educativa: Prática de facto qualificado como crime por jovem com idade entre os 12 e os 16 anos -Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, revista em 15 de janeiro com a Lei Nº 4/2015

Sistema de Justiça juvenil incide sobre dois tipos de delinquência:

Delinquência comum/passageira

- Surge como um "rito de passagem”, num contexto lúdico ou de experimentação do risco.

- Permite ao jovem verificar os limites a não ultrapassar e consolidar a sua orientação social

Delinquência distintiva/ persistente

- Atividade de um número mais restrito de jovens, corresponde uma "delinquência-estilo de vida"

- Precoce, diversificada, aquisitiva e utilitária, traduz um modo de agir anti-social

Regimes de execução e duração da Medida Tutelar de Internamento

Regime Aberto e Semiaberto: Mínima – 6 meses / Máxima – 2 anos

Regime Fechado (Ter o menor idade superior a 14 anos à data da aplicação da medida)

Mínima – 6 meses / Máxima – 2 anos

ou

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Máxima – 3 anos (quando o menor tiver praticado facto qualificado como crime a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a 8 anos, ou 2 ou mais factos qualificados como crimes contra as pessoas a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a 5 anos)

Finalidades das medidas tutelares – Artº 2º

- a educação para o direito, por forma a que o jovem interiorize as normas e os valores jurídicos,

- a inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.

Intervir em centro educativo - Que Princípios?

• A responsabilização do jovem

O jovem deve compreender a natureza da sua infração, o que pressupõe que o mesmo efetue um reconhecimento apropriado do impacto dos seus atos nos lesados

• O internamento como oportunidade de mudança

O jovem deve percecionar a intervenção como uma oportunidade. A intervenção tem que ativar no jovem processos de reestruturação cognitiva e a reorganização de aspetos afetivos e relacionais

• A Participação

• A relação como motor da mudança

Relação pedagógica entre agentes educativos e jovens, é potenciada através dos processos de aconselhamento e tutoria

• A individualização

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Intervir em centro educativo - Que Modelo?

Modelo Sistémico / Ecológico - A intervenção, ainda que centrada no jovem, tem necessariamente que compreender uma estratégia que envolva o seu contexto familiar e social

O centro educativo

• Oferece uma possibilidade de acompanhamento – o que irá modificar a sua maneira de estar e vai permitir que o jovem inicie um processo de mudança;

• Reconhece que não se educa com recurso a moralismos, mas através de situações realmente vividas;

• Constitui um invólucro…que permite ao jovem uma nova estabilidade emocional

• Tem a função de moderação …tipo “pára-choques”, que sustém, protege, envolve, ao mesmo tempo que responsabiliza. É esta função de “barreira protetora” que permite ao jovem estar disponível para se poder trabalhar com ele

A intervenção é faseada e progressiva (quatro fases de progresso) - Avaliação e acompanhamento de competências específicas

• Integração

• Aquisição

• Consolidação

• Autonomia

O centro educativo tem que:

• Dar ao jovem várias opções para poder fazer escolhas

• Ajudar e apoiar o jovem a fazer essas escolhas

• Reconhecer ao jovem e aos pais competências e rentabilizá-las

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Intervenção em Centro Educativo…“Educação para o Direito”

O modelo de intervenção ….tem por base uma conceção sistémica do jovem, enquanto sujeito integrado em diferentes contextos de socialização, com os quais interage em permanência, nomeadamente:

1. A família – 1ª Instância socializadora vertical

2. A Escola – 2ª Instancia socializadora vertical

3. O grupo de pares – Instância socializadora horizontal

É um Modelo integrativo e de matriz relacional, assente na crença da capacidade de mudança, que visa:

• Determinar as estratégias de intervenção que mais se adaptam ao caso em concreto – em função da necessidade individual de educação para o direito;

• Atualizar em concreto a avaliação de cada um dos jovens enquanto 1º momento de intervenção – intervir por antecipação –

• Avaliar de forma diferenciada, assente nos fatores de risco que contribuíram para a prática dos ilícitos, com valorização dos fatores de proteção

• Planear a intervenção – PEP, REM, RF (pressupõe uma reformulação em tempo real das metas definidas inicialmente)

• Responsabilizar o jovem pelas suas condutas e confrontá-lo com o impacto que as suas ações tiveram na vítima.

• Procurar o seu envolvimento e participação ativa num processo de mudança, pela interiorização de regras e valores conformes ao instituído.

PROGRAMAS

• Cursos de Educação e Formação - EFAs

• Programa de Treino de Competências Pessoais e Sociais (GPS)

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• Educação e Saúde Sexual

• Tutorias e Aconselhamento

• Cuidados de saúde –”APARECE” Centro de Saúde Sete Rios

• Apoios psicológicos (interior do CE e na comunidade)

• Apoios no âmbito da Pedopsiquiatria e da Psiquiatria

• Educação Física / Desporto

• A comunidade no CE – Rugby, Dinamização de leitura (biblioteca itinerante), Chapitô, Biodanza,…

• O CE na Comunidade

• Duas reuniões / Dinâmicas de grupo diárias ( por Unidade Residencial)

Com que Estratégias?

“ Muitos de nós chegamos ao Centro Educativo a pensar ”a minha vida acabou” mas ao longo do tempo vamos mudando de ideias. Outros vêm já com o pensamento de que é aqui que vão mudar e dar uma volta nas suas vidas. Esta é a melhor atitude a tomar” – CF

“Achava que este sítio me ia tramar mas pelo contrário cada vez mais tenho capacidades de concentração tenho mais maturidade tenho objetivos e sonhos para o futuro. Sei que tenho que pensar no outro, sem pensar só no que me pode acontecer” -RC

“ O Centro Educativo ajudou-me a ter consciência dos meus atos, a reconquistar a minha família e, a cada dia que passa, estar mais calmo e emocionalmente estável. De facto ter vindo para o Centro Educativo é algo que me está a ajudar bastante” - TS

“O Centro está a ajudar-me a ser uma pessoa diferente e a ter regras.

Eu agora consigo ver onde é que falhei quando estava lá fora … consigo desenvolver as minhas capacidades e já acredito em mim e naquilo que sou capaz de fazer, coisa que antes nunca seria capaz.” - CT

Veja o filme realizado no Estabelecimento Prisional de Leiria Jovens - Projecto Ópera na Prisão

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O Recluso e a reclusão. Perspectivas na primeira pessoa. Painel I

Carlos Filipe Saraiva, Ordem dos Psicólogos “O papel dos psicólogos nos serviços prisionais”

João Gonçalves, Coordenador Nacional da Pastoral Penitenciária “Os direitos e deveres do recluso: culto religioso”

Ana Nascimento, Psicóloga “Formação Profissional das Prisões”

Mónica Calle “Testemunho de um projecto artístico e trabalho desenvolvido no meio prisional”

Andreia Chavado “Projecto de reparação de máquinas de café da Tecnidelta”

Francisco Valente, Recluso no EP de Beja “Percurso prisional e acesso à educação”

Moderação: João Lobo Amaral, Vogal do CDHOA

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Carlos Filipe Saraiva, Psicólogo clínico e Membro da Ordem dos Psicólogos Portugueses

“O papel dos psicólogos nos serviços prisionais”

Antes de abordar o papel do psicólogo em contexto prisional, devo contextualizar juridicamente a situação de reclusão em estabelecimento prisional – prisão.

Podemos definir prisão como:

“Espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar físico, os seus menores movimentos são controlados e todos os acontecimentos são registados”.

(Cit. in., Foucalt, 1999, p. 41).

A instituição prisional é um local de habitação e trabalho, por um período de tempo variável, onde um conjunto de indivíduos leva uma vida administrada formalmente e encerrada ao exterior (Gonçalves, 1993), esta tem como finalidade “isolar o sujeito das relações sociais, mostrar a ele que errou e tentar ajudá-lo a se ajudar”

(Cit. in, Rodrigues, 1998, p.36).

Com o objectivo de assumir as suas responsabilidades pelos delitos efectuados e da sua conduta actual e futura, para que não reincida no seu comportamento criminoso e em consequência seja reabilitado para o convívio em sociedade (Rodrigues, 1998) de acordo com o disposto no artigo 2 nº 1 do Decreto-Lei n.º 265/79de 1 de Agosto de 2000. Já no nº 2 do respectivo artigo, está previsto que a execução das medidas privativas de liberdade sirva igualmente a defesa da sociedade, através da prevenção prática de outros acontecimentos criminais.

Assim sendo, o Estabelecimento Prisional (E.P.) é um local de convívio (forçado) entre reclusos – indivíduos para lá enviados de forma coerciva, após incumprimento legal – a população trabalhadora; corpo de guardas, técnicos superiores de reeducação (TSR), e funcionários dos serviços clínicos. Entre estes, temos os psicólogos clínicos.

Sendo um EP uma instituição de controlo social e em particular de controlo criminal, as funções deste almejam, a redução das taxas criminais (reincidência) (Lambropoulou, 1999). É neste contexto natural que ocorram alterações de teor social com implicações comportamentais, cognitivas e emocionais. Daqui decorre um fenómeno estudado inicialmente em finais da década quarenta do século passado; O fenómeno da prisionização.

A convivência massificada e a implicação directa no cumprimento das normas, por parte do corpo de vigilância, bem como da população reclusa, propiciam a assimilação de uma cultura carcerária como resposta adaptativa do indivíduo e do entrosamento com os presidiários (Rodrigues, 1998). Esta cultura, estabelecida e mantida pelos reclusos dá pelo nome de prisionização (Rodrigues, 1998). Através desta, os indivíduos são dotados de um “código hostil aos códigos da sociedade: o triunfo de um significa o fracasso de outro”

(Cit. in., Rodrigues, 1998, p. 36).

A adaptação ao regime cultural da prisionização implica uma deterioração da identidade, com inversão de valores e uma desadaptação à vivência e sociedade. O resultado desta situação passa pela despersonalização apreendida do indivíduo. O que se verifica nas palavras de um ex-recluso:

“I hate prison because i have to pretend to be someone I’m not. In my cell I can be myself but as soon as I come out I have to stand differently, present myself differently. When I’m on the phone

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I have to remember to swap over to myself….People can’t spend enough time being their private selves in [prison]…I feel like I’ve got a split personality. (Craig)”

(Cit. in Jewkes, 2005, p.55).

Com a reclusão o indivíduo necessita adaptar-se e reajustar os seus comportamentos e o seu funcionamento interno, ajustando-se ao ambiente prisional (Cunha, 2008). Nesta adaptação existe a interacção com diferentes variáveis como a personalidade individual, experiências de vida, e o grupo social no qual o indivíduo se encontra inserido (Gonçalves, 1998). O ajustamento ao ambiente prisional passa por uma adaptação ambiental, situacional. Sendo este um ambiente hostil, propenso a alterações na personalidade do indivíduo. É neste fenómeno que para se estudarem alterações à personalidade dos indivíduos em contexto prisional, foi efectuado um estudo polémico que simulou a vivência em contexto prisional; The Stanford Prison Experiment (1971).

Em 1971 o psicólogo social, Phillip Zimbardo efectuou uma experiência que ficou na história da psicologia; simulou a realidade de um estabelecimento prisional na cave da Universidade de Stanford, e seleccionou jovens estudantes universitários, voluntários para esta experiência. A ideia era estudar a adaptação aos papéis sociais, com uma duração prevista para quinze dias, terminou abruptamente ao fim de seis dias.

Nas palavras de Phillip Zimbardo:

"Our planned two-week investigation into the psychology of prison life had to be ended after only six days because of what the situation was doing to the college students who participated. In only a few days, our guards became sadistic and our prisoners became depressed and showed signs of extreme stress. (…) and what it tells us about the nature of human nature."

E de acordo com essa natureza, os “guardas prisionais” apresentavam dados de agressividade e de bullies e os “reclusos” dados de ansiedade, depressão e despersonalização em tudo similares ao que se verifica na realidade prisional. Este estudo veio trazer ao de cima a importância do temperamento em contexto ambiental. Ou seja como a personalidade humana é susceptível de alterar-se de acordo com as circunstâncias ambientais em que nos encontramos. A condição humana, em, interacção com o ambiente.

É nestas condições específicas ambientais e jurídicas que ocorre a intervenção do psicólogo clínico em contexto prisional. Sendo a sua missão, de acordo com as palavras de Hawk a de;

“The mission of the prison-based psychologist – to assist in the rehabilitation of offenders and in their reintegration into society – is central to the mission of corrections itself”

(Cit in., Hawk, 1997, cit. in p. 335).

O que reforça a questão do tratamento penitenciário; “a acção levada a cabo junto do delinquente, com vista a tentar modelar a sua personalidade com o objectivo de o afastar da reincidência e favorecer o seu enquadramento social”.

(Pinatel, 1975, p. 612 Cit in., Abrunhosa, 1993, p. 219).

De acordo com Bravo, (1986) o tratamento penitenciário refere-se à;

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“Ajuda baseada nas ciências do comportamento, aceite voluntariamente pelo condenado para que este adquira a intenção e a capacidade de viver respeitando a lei”.

(Bravo, 1986, p. 231 Cit in., Abrunhosa, 1993, p. 220).

O psicólogo possui assim uma tarefa extremamente ingrata, visto poder assumir “um valor real como catalizador de transformações, na prisão e nos seus actores e não como agente normalizador”.

(Cit. in. Gonçalves, 1993, p. 235).

Na realidade portuguesa, o papel do psicólogo clínico na instituição prisional apresenta duas características principais, por um lado pode ser um agente transformador interno (reclusos, guardas prisionais, pessoal administrativo, etc.), por outro lado possui funções de intervenção de carácter reabilitativo, ou seja de carácter prisional e pós-prisional (Gonçalves, 1993). As suas funções podem ser amplamente definidas, de acordo com Hawk (1997) como:

“.. screening for all inmates, management of mentally ill inmates, and individual and group therapy programs, such as treatment for substance abuse and other addictive disorder, crisis intervention, suicide prevention, values training, anger management, preventing skills, biofeedback, and stress management (…) They can participate in hostage negotiations, conduct forensic work for the courts, conduct psychological autopsies of suicide cases, develop inmate management systems, undertake surveys to identify sources of stress or dysfunctional activities within an institution and help the warden to develop remedies for those problems, gather data for reports and case studies, and provide training and assistance to other federal agencies and to state correction systems”.

(Cit in., Hawk, 1997, p. 336).

Revela-se como um fenómeno extremamente complexo e delicado visto ser possivelmente, esta a área de psicologia que proporciona maiores oportunidades que envolvam situações de “desafio, confirmações, frustrações e puro risco físico” (Cit. in. Gonçalves, 1993, p. 230).

A intervenção psicológica em contexto prisional começou a ser manifestada desde a década 50 do século passado na Europa e nos EUA, com o desenvolvimento de interesse na metodologia psicoterapêutica como prevenção da reincidência criminal junto dos reclusos.

Com resultados maioritariamente negativos (Farrington, 1984; Lippton, martinson & Wilks, 1975; Martinson, 1975; Kassebaum, Ward & Wilner, 1971, Cit in, .Abrunhosa, 1993, p. 219).

As modificações de comportamento encontram-se associadas ao plano psicológico/psicoterapêutico/psiquiátrico/médico, pedagógico, sociológico como factor avaliativo destas intervenções (Abrunhosa, 1993, p. 219).

Distanciando-se das concepções do direito penal no qual o contributo dos psicólogos, psiquiatras e sociólogos apresentavam um papel meramente pericial.

Sendo o papel do psicólogo o de Educar e Punir (Gonçalves, 1989B).

“A compreensão do indivíduo recluído como um ser produzido a partir de uma história de vida particular em que o acto delinquente tanto pode constituir algo de esporádico como representar, de facto, uma forma de estar na sociedade mas, e simultaneamente, a necessidade de trabalhar no momento presente da reclusão”.

(Cit in, Abrunhosa, 1993, p. 233).

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Sendo o setting terapêutico um “Lugar de segredo dentro de um lugar de segredo”.

(Lefebvre, p. 25, Cit in., Abrunhosa, 1993, p. 235).

Entre 1945 – 1985 a tipologia de intervenção centrava-se;

- Terapia institucional (milieu therapy);

- Terapia individual;

- Terapia de grupo;

- Terapia comportamental.

Em Portugal o cenário era constrangedor.

Verificava-se “a pobreza existente ao nível de intervenções de tratamento penitenciário, propriamente dito e, em particular, testemunha a ausência de qualquer intervenção no ambiente prisional português levada a cabo por psicólogos”.

(Cit in., Abrunhosa, 1993, p. 222).

De acordo com Feldman, (1977);

“A mudança de comportamento de pessoas (como os delinquentes) que beneficiem dos seus comportamentos desviantes é provavelmente muito mais difícil do que a mudança daqueles que não tirem benefício deste comportamento (como são os pacientes neuróticos) ” (Feldman, 1977, p. 241, Cit in Abrunhosa, 1993 p. 224).

Para Genóves, 1986b, a psicoterapia deve ser empregue como adjuvante do modelo mais amplo, a “Reintegração, aproximava-se mais do acompanhamento psicológico e evitando a busca dos problemas inconscientes para se pautar por”. (Genóves, 1986b, Cit in., Abrunhosa, 1993 p. 225).

“Uma intervenção mais real ou social possibilitadora de um melhor ajuste interpessoal”. (Genóves, 1986b Cit in Abrunhosa, 1993 p. 225).

A este respeito Diaz, (1986c) refere que a intervenção comportamental não é eficaz visto focar-se na modificação de comportamentos específicos, negligenciando o contexto social em que estes viviam e para onde regressarão.

Ou seja, não tem em mente o contexto em que o indivíduo se integra, o seu todo.

Bartollas & Miller (1978) referiram vários factores que justificavam a falta de impacto positivo das intervenções:

1) Ausência de especialização necessária por parte dos técnicos para lidarem e compreenderem a complexidade que representa a personalidade humana;

2) Falta de empenho financeiro dos agentes responsáveis; 3) Existência de sub-culturas delinquentes prisionais que sabotam os esforços

reabilitativos; 4) Os conflitos e rivalidades entre elementos do staff com o intuito de obterem o mérito

pelo sucesso do programa de intervenção; 5) A natureza coerciva inerente aos contextos em que decorre a formação impossibilitando

a aplicabilidade dos programas. (Cit in., Abrunhosa, 1993 p. 226).

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Apesar de se reconhecer a importância do psicólogo clínico, no contexto português a figura deste profissional não existe na estrutura orgânica da extinta Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) (Gonçalves, 1989b; Tomé & Gonçalves, 1989, Cit in Abrunhosa, 1993, p. 230).

Schorff, Dindinger, e Vogel (1983) referiram como dilemas éticos inerentes à função:

- Servir o cliente e obedecer à codificação da administração como ponto de conflito entre a confidencialidade da informação e o quebrar das normas estabelecidas institucionalmente?

- Como desencorajar a adaptação a grupos de pressão, calão prisional, como contraproducente quando este é a única forma de sobreviver na prisão?

Como promover uma interacção a um ambiente hostil (cadeia) que promova a subserviência às normas institucionais da cadeia e, ao mesmo tempo, promova a autonomia e auto-confiança num momento posterior (liberdade)?

É nesta dualidade que se move o psicólogo clínico. Por um lado, cumprir com os estabelecidos normativos pela administração prisional, por outro lado, garantir o adequado funcionamento terapêutico, para tal sendo necessário garantir a aliança terapêutica e ao mesmo tempo, manter o sigilo profissional, incorrendo muitas vezes na manutenção de “segredos”, em que a quebra dos mesmos, incorre numa quebra de confidencialidade e o consequente estilhaçar da relação terapêutica.

Como salvaguarda das questões éticas em contexto prisional, a Associação dos Psicólogos Americanos (APA), em 1978 nos Estados Unidos da América (EUA) realizou um regulamento com recomendações para a salvaguarda das questões éticas num contexto tão específico.

Para finalizar, faço uma breve referência à divisão quadripartida dos recluso em questão à adaptação ao contexto prisional, defendida por Abrunhosa, a saber;

- Reclusos sobre-adaptados;

- Reclusos adaptados;

- Reclusos mal-adaptados;

- Reclusos inadaptados.

Os reclusos sobre-adaptados: Apresentam uma relação privilegiada com a cadeia. Raramente denotam problemas institucionais. Apresentam dificuldades em antever a vivência fora da cadeia, em contexto de liberdade. A sua relação com a pena de cadeia é como a de um contra-relógio, que pretendem que se prolongue.

Os reclusos adaptados: Apresentam fenómenos de despersonalização, tentativas de retirar vantagens do EP e/ou incorporação de um papel colaborante e obediente (Cunha, 2008). Muitas vezes são reclusos primários com rede de suporte em contexto de liberdade, querem que o tempo passe o mais depressa possível, até à chegada da liberdade.

Reclusos mal-adaptados: Apresentam um comportamento tumultuoso durante a pena, abusivo e de bullying para com outros reclusos, estando sujeitos a várias punições disciplinares. Com

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forte possibilidade de terem perturbações de personalidade como a anti-social – psicopatia –, sendo estimado que a franja de população reclusa com esta patologia se situe em cerca de 25%. Saliento que nesta patologia, a intervenção terapêutica, se tem revelado ineficaz.

Reclusos Inadaptados: Apresentam uma postura passiva, sendo susceptíveis a apresentarem um maior envolvimento com o consumo de substâncias psicoactivas. Esta população em 2001 era estimada que representasse as situações de detenção directamente relacionadas com os consumos de opiáceos era cerca de 50,3% das detenções, de acordo com Torres e Gomes (2001). Para finalizar, este tipo de reclusos apresentam características que os tornam “vítimas potenciais” de abusos dos reclusos mal-adaptados.

É neste conjunto de situações que o psicólogo pauta a sua intervenção, ajudar a ajustar o indivíduo em reclusão à instituição, e ajudá-lo a readaptar-se à realidade exterior, em liberdade. Adequar a sua intervenção às diversas condicionantes situacionais, ambientais e individuais.

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João Gonçalves, Coordenador Nacional da Pastoral Penitenciária

“Os direitos e deveres do recluso: culto religioso1”

Introdução

Falar dos direitos e deveres do recluso, no contexto em que nos encontramos, é chamar a atenção para uma perspetiva jurídica da pessoa humana. No entanto, tal perspetiva tem sempre de ter em conta que está perante pessoas e que o direito é exercido sobre pessoas, devendo-se ter em conta todas as suas dimensões, inclusive, a sua dimensão religiosa.

Neste sentido, são muitas as orientações, seja a nível global, seja a um nível mais particular que chamam a atenção para esta dimensão e que é oportuno ter presente de seguida, ainda que de uma forma expositiva e sucinta.

Depois, tendo em conta a solicitação que me foi endereçada, apresentar-se-ão algumas perspetivas da Pastoral Penitenciária em Portugal a partir de uma lógica de intervenção integral que, para além de uma dimensão religiosa, assume uma dimensão jurídica e social.

Por fim, procurar-se-ão esboçar algumas conclusões que, mais do pontos de chegada da nossa reflexão pretendem ser desafios para todos os presentes.

1. Os direitos e deveres do recluso: culto religioso

1.1. Orientações Internacionais

Desde logo, tenha-se presente a Carta Universal dos Direitos Humanos ou Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral: Resolução 217A(III) de 10 de dezembro de 1948 e Publicada no Diário da República, I Série A, n.º 57/78, de 9 de março de 1978, no seu Artigo 18.º: “Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.

Depois, a Carta Internacional dos Direitos Humanos ou Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, proclamada pela Assembleia Geral ONU a 16 de dezembro de 1966; com entrada em vigor na ordem internacional a 23 de março de 1976; assinada em Portugal a 7 de outubro de 1976, tendo entrado em vigor ordem jurídica portuguesa a 15 de setembro de 1978, no seu Artigo 10.º: “1. Todos os indivíduos privados da sua liberdade devem ser tratados com humanidade e com respeito da dignidade inerente à pessoa humana”; e no seu Artigo 18.º: “1. Toda e qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de ter ou de adotar uma religião ou uma convicção da sua escolha, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individualmente ou conjuntamente com outros, tanto em público como em privado, pelo culto, cumprimento dos ritos, as práticas e o ensino; 2. Ninguém será objeto de pressões que atentem à sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou uma convicção da sua escolha”.

Depois, a nível do Conselho da Europa, tenha-se em conta a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais, adotada em Roma a 4 de novembro de 1950; com entrada em vigor na ordem internacional a 3 de setembro de 1953, assinada por Portugal a 22 de setembro de 1976 e entrada em vigor ordem jurídica portuguesa a 9 de novembro de

1 Intervenção proferida pelo Pe. João Gonçalves, Coordenador Nacional da Pastoral Penitenciária, no dia 26 de novembro de 2015, no Salão Nobre da Ordem dos Advogados, em Lisboa, no âmbito das Jornadas “Sistema Prisional - Execução de Penas – Direitos Humanos”, organizadas pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados.

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1978, no seu Artigo 9.º sobre Liberdade de pensamento, de consciência e de religião: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou coletivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos; 2. A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou coletivamente, não pode ser objeto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à proteção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem”.

1.2. Orientações Nacionais

Desde logo, a este nível, tenha-se em conta a magna carta das nossas leis, a Constituição da República Portuguesa, aprovada a 2 de abril de 1976, e sujeita a várias revisões, no seu Artigo 41.º sobre Liberdade de consciência, de religião e de culto: “1. A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável; 2. Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa; 3. Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder; 4. As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto; 5. É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respetiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas atividades; e 6. É garantido o direito à objeção de consciência, nos termos da lei”.

Depois, a Lei da Liberdade Religiosa Portuguesa, Lei n.º 16/2001, de 22 de junho, no seu Artigo 1.º sobre Liberdade de consciência, de religião e de culto: “A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável e garantida a todos em conformidade com a Constituição, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o direito internacional aplicável e a presente lei”.

Além disso, refira-se, com toda a pertinência, nesta Assembleia, a Carta dos Direitos e Deveres dos Detidos e dos Reclusos, redigida pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados e aprovada na Sessão de Conselho Geral de 14 de maio de 2004, que sobre o Direito à assistência moral e espiritual expressa: “O recluso tem o direito de ter a sua religião e de participar no culto da mesma (art.º 89.º), bem como a ser assistido pelo ministro da sua comunidade religiosa (art.º 91.º). Para tanto poderá possuir e expor objetos religiosos (art.º 92.º). Beneficia, ainda, o recluso do apoio da ação associativa de voluntariado (art.º 94.º) (…)”.

Assume aqui especial importância a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, assinada a 18 de Maio do ano de 2004, substituindo a Concordata de 7 de Maio de 1940. Aí se expressa claramente, na sua parte inicial que, “A Santa Sé e a República Portuguesa, afirmando que a Igreja Católica e o Estado são, cada um na própria ordem, autónomos e independentes; considerando as profundas relações históricas entre a Igreja Católica e Portugal e tendo em vista as mútuas responsabilidades que os vinculam, no âmbito da liberdade religiosa, ao serviço em prol do bem comum e ao empenho na construção de uma sociedade que promova a dignidade da pessoa humana, a Justiça e a paz; reconhecendo que a Concordata de 7 de Maio de 1940, celebrada entre a República Portuguesa e a Santa Sé, e a sua aplicação contribuíram de maneira relevante para reforçar os seus laços históricos e para consolidar a atividade da Igreja Católica em Portugal em benefício dos seus fiéis e da comunidade portuguesa em geral; entendendo que se toma necessária uma atualização em virtude das profundas transformações ocorridas nos planos nacional e internacional: de modo particular, pelo que se refere ao ordenamento jurídico português, a nova Constituição democrática, aberta a normas do direito comunitário" e do direito internacional contemporâneo, e, no âmbito da Igreja, a evolução das suas relações com

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a comunidade política; acordam em celebrar a presente Concordata, nos termos seguintes (…); de salientar, sobretudo, no que a esta Sessão diz respeito, o seu Artigo 18: “A República Portuguesa garante à Igreja Católica o livre exercício da assistência religiosa católica às pessoas que, por motivo de internamento em estabelecimento de saúde, de assistência, de educação ou similar, ou detenção em estabelecimento prisional ou similar, estejam impedidas de exercer, em condições normais, o direito de liberdade religiosa e assim o solicitem”.

Depois, a nível da regulamentação da assistência religiosa, na linha da Concordata acabada de referir, tenha-se em conta o Decreto-Lei n.º 252/2009, publicado no DR, I Série, de 23 de setembro, que regula a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais dependentes do Ministério da Justiça e nos centros educativos, no seu Artigo 11.º sobre os Direitos do recluso: “1. Ao recluso, independentemente da sua confissão, é reconhecido o direito a: a) Ter acesso a assistência espiritual e religiosa; b) Ser informado por escrito, no momento do ingresso no estabelecimento prisional, dos direitos relativos à assistência durante a reclusão; c) Rejeitar a assistência não solicitada; d) Ver respeitadas as suas convicções religiosas; e) Ser assistido em tempo razoável; f) Ser assistido com prioridade em caso de iminência de morte; g) Praticar ou participar em atos de culto espiritual ou religioso; h) Participar em reuniões privadas com o assistente; i) Manter em seu poder publicações de conteúdo espiritual e religioso e objetos pessoais de culto espiritual e religioso, desde que não comprometam a ordem e segurança do estabelecimento prisional e o bem -estar dos demais reclusos; e j) Beneficiar de uma alimentação, a prestar pelo estabelecimento prisional, na medida do possível, compatível com as suas convicções espirituais e religiosas”.

Na perspetiva da Coordenação Nacional da Pastoral Penitenciária, esta regulamentação da assistência religiosa ficou aquém do esperado e expresso pela Concordata supra referida, levantando alguns problemas, desnecessários, a nível do exercício da assistência espiritual e religiosa por parte da Igreja Católica que, em momento oportuno, deverá merecer, a seu ver, uma atenção especial por parte do legislador.

Por sua vez, o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, no seu Artigo 7.º sobre Direitos do recluso, expressa: “1. A execução das penas e medidas privativas da liberdade garante ao recluso, nomeadamente, os direitos: a) (…); b) (…); c) À liberdade de religião e de culto; (…)”, e, no seu Artigo 56.º, sobre Liberdade de religião e de culto refere: “1. São garantidos ao recluso a liberdade de consciência, de religião e de culto e o direito à assistência religiosa e à prática de atos de culto, devendo ser criadas as condições adequadas ao seu exercício”.

Por fim, atente-se no que expressa o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, o Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de abril, que aprova o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais e regulamenta o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro), no seu Artigo 101.º sobre Assistência espiritual e religiosa: “A assistência religiosa rege -se pelo disposto na Lei da Liberdade Religiosa, aprovada pela Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho, e no Regulamento da Assistência Espiritual e Religiosa nos Estabelecimentos Prisionais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 252/2009, de 23 de Setembro”.

Verifica-se, assim, seja através de orientações internacionais, seja através de orientações nacionais, a salvaguarda da liberdade de pensamento, de religião e de culto, de toda a pessoa e, como tal, também da pessoa reclusa. É neste cenário que a Pastoral Penitenciária se afirma e se apresenta de seguida.

2. Pastoral Penitenciária em Portugal

A Pastoral Penitenciária em Portugal é a ação pastoral da Igreja católica em Portugal relacionada com o meio prisional. Trata-se de um serviço inserido no Secretariado Nacional da

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Pastoral Social e diretamente dependente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e da Mobilidade Humana, da Conferência Episcopal Portuguesa.

Este Serviço é dinamizado, a nível nacional, por uma Equipa de Coordenação Nacional da Pastoral Penitenciária que exerce a sua ação em conjunto com as Dioceses e os serviços de assistência espiritual e religiosa presentes em todos os estabelecimentos prisionais do país procurando estar atenta à realidade prisional em geral e, de um modo especial, às pessoas em situação de reclusão e contexto envolvente.

O Serviço da Pastoral Penitenciária em Portugal, diretamente associado à ação social da Igreja Católica abrange os níveis da prevenção, prisão e reinserção, tendo em conta três grandes áreas de atuação: a área religiosa, a área jurídica e a área social, numa lógica de intervenção global onde é necessário ter em conta o quadro legislativo em vigor e procurar as melhores respostas para esta problemática que abrange toda a sociedade em geral e as pessoas em reclusão em particular.

Este Serviço rege-se, em traços gerais, pelos seguintes grandes objetivos: a) Prevenir a delinquência; b) Levar a paz e a serenidade de Cristo Ressuscitado àqueles que estão privados de liberdade; e c) Oferecer a quem delinquiu um caminho de reabilitação e (re)inserção positiva na sociedade. Para a prossecução destes objetivos norteia-se por uma Pastoral de encontro pessoal, de liberdade, de integração, de comunhão, de esperança, de promoção e de animação.

De uma forma mais concreta, no que diz respeito à Área religiosa pretende-se, a nível da prevenção: Colaborar na construção de uma sociedade melhor, prevenindo o delito; e Contribuir para o estabelecimento de processos de “redenção” e de crescimento pessoal e comunitário, fundamentados na responsabilidade; a nível da prisão: Favorecer um encontro com Cristo, que facilite decisões orientadas para remediar o mal causado e promover o bem; Facilitar a vivência do tempo de prisão como “tempo de Deus”; e Facilitar que os Presos se envolvam em projetos de solidariedade e de caridade; e, a nível da reinserção: Criar novas ocasiões de recuperação, para cada situação pessoal e social.

Por sua vez, no que diz respeito à Área Jurídica pretende-se, a nível da prevenção: Colaborar para dar forma jurídica a processos de “redenção”; Colaborar na adequação do sistema penal à dignidade da pessoa; e Fomentar a revisão do sistema penal e a implementação de penas não privativas da liberdade; a nível da prisão: Colaborar na adequação das estruturas penitenciárias e na revisão da legislação penal; e Favorecer na sociedade civil, autoridades, juristas e toda a comunidade, o entendimento do significado da pena e a abertura de novos horizontes; e a nível da reinserção: Facilitar contactos regulares dos Presos com os seus entes queridos; Estimular a capacidade de ajuda na renovação das estruturas; e Acompanhar os que saem da Prisão na sua (re)inserção social.

Depois, no que diz respeito à Área Social pretende-se, a nível da prevenção: Contribuir para a mudança de mentalidade que favoreça uma conveniente adaptação das instituições jurídicas; Favorecer uma valorização serena do funcionamento das instituições penais e dos fins com os quais a sociedade confronta a criminalidade; e Fomentar iniciativas para uma renovação autêntica de mentalidade e de instituições; a nível da prisão: Facilitar a personalização do indivíduo e a descoberta da verdade sobre si mesmo; Favorecer contactos regulares dos Presos com os seus entes queridos; e Promover iniciativas que tornem mais humana a Prisão, bem como estratégias que a convertam em lugar de “redenção”; e a nível da reinserção: Prevenir a delinquência e reprimi-la eficazmente; Oferecer a quem erra um caminho de reabilitação e de reinserção positiva na sociedade; e Favorecer a reflexão sobre a reinserção positiva.

A nível da história da Pastoral Penitenciária em Portugal, em traços gerais, podemos dizer que, desde os tempos mais remotos, assistimos a uma ligação intrínseca do voluntariado católico às prisões, estando esse serviço dependente de grupos de vária índole, católicos ou não (Conferências Vicentinas, Legião de Maria, renovamento carismático, grupos ad hoc, etc.), seja

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através de uma ação marcada por uma relação direta com os reclusos (acompanhamento individual; reuniões de formação religiosa ou cívica e cultural; trabalhos oficinais, teatro, apoio nas saídas, etc.), seja com as famílias (visitas, ajudas diretas, apoios de vário tipo, pagamentos, etc.), seja ainda com terceiros (empresas, Advogados, etc.). Esta intervenção tem assumido, ao longo dos tempos, um carácter de muita informalidade e dispersão que tem reclamado uma crescente organização.

Nos últimos anos, tem havido tentativas de uma crescente coordenação da Pastoral Penitenciária em Portugal, através da constituição de uma Equipa de Coordenação Nacional e da realização de Encontros Nacionais afins, bem como da realização de alguns Encontros de âmbito Ibérico, onde se destaca a realização do I Congresso Ibérico de Pastoral Penitenciária, realizado de 1 a 4 de maio de 2014, donde surgiram múltiplos desafios, de caráter religioso, jurídico e social, em favor das pessoas reclusas. Aqui e agora revela-se oportuno referir as conclusões, de âmbito jurídico, que aí surgiram, em jeito de desafios:

a) Os Direitos Humanos dos Presos devem estar presentes em todos quantos estão envolvidos no sistema penitenciário, bem como em todos as pessoas empenhadas na Pastoral Penitenciária, pois são a base de sustentação da Dignidade da Pessoa que cometeu erros ou infringiu os normativos do seu País, como aliás deriva de vários instrumentos de Direito Internacional Público e de Direito Europeu;

b) A Pessoa, enquanto faz a experiência da privação da liberdade, não está congelada na sua vida, mas está a preparar o seu futuro e a sonhar a vida em liberdade, que é o modo natural de cada cidadão viver e estar. Assim também o direito legislado seja direito vivido, pelo que apelamos ao poder legislativo para que encontre os instrumentos jurídicos aptos a concretizarem esses direitos; apelamos ao poder executivo para que desenvolva políticas que não deixem o Direito à porta das prisões; e apelamos ao poder judicial para que aplique a privação de liberdade apenas como último recurso e aposte na aplicação de medidas alternativas;

c) A Justiça restaurativa é uma forma de administrar a Justiça penal que pode ser mais humana e adequada a alguns tipos de delitos. Para tal, é essencial que se criem as condições legislativas, de informação e sensibilização dos operadores judiciários e da comunidade em geral, para que ela seja efetivamente aplicada pré e pós-sentencial, com a certeza de que outro direito penal é possível;

d) A crise económico-financeira que vivemos tem levado a uma crescente lotação das prisões, conduzindo a um aumento de reclusos por incumprimento de penas de multa. O carácter pouco grave destes crimes e dos seus autores aconselham a que esta situação seja acompanhada com particular atenção, criando-se também os mecanismos jurídicos adequados a diminuí-la. A maioria dos irmãos reclusos procedem de meios sócio-económicos desfavorecidos e a prisão não pode ser, em qualquer circunstância, um espaço de prolongamento da pobreza e das desigualdades;

e) A privatização da administração e da segurança das prisões tem demonstrado efeitos muito perniciosos nos países em que tem sido aplicada, pelo que deve continuar sob alçada do Estado, como tem sucedido até aqui; e

f) Os decisores políticos, as administrações penitenciárias, os guardas prisionais e a população em geral não devem encarar o recluso como um custo, mas como uma pessoa a quem se faculta a possibilidade de reinserção na sociedade. Todos devemos ser capazes de fazer passar a mensagem de que não é o aumento da severidade punitiva que conduz a uma menor reincidência, mas processos penais justos e em tempo útil, que olhem a Pessoa na sua globalidade.

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Conclusão

Face às orientações apresentadas sucintamente e que enquadram o culto religioso como direito do recluso e face à perspetiva apresentada da Pastoral Penitenciária em Portugal, apresentam-se as seguintes conclusões que, mais do pontos de chegada da nossa reflexão pretendem ser desafios para todos os presentes: em primeiro lugar, uma atenção e ação crescente da Igreja católica em geral e da sua ação social em particular, através dos Serviços associados à Coordenação da Pastoral Penitenciária, a esta dimensão da pessoa humana, procurando caminhos de dignificação e de (re)inserção das pessoas que se encontram em situação de reclusão, bem como das pessoas que as envolvem. Depois, uma atenção e ação crescente de todas as pessoas e instituições capazes de constituir uma mais valia para o processo de dignificação e (re)inserção de pessoas privadas de liberdade. A Igreja católica em geral e a sua ação social em particular, através dos Serviços associados à Coordenação da Pastoral Penitenciária, em virtude da sua identidade e missão, bem como toda a sociedade. tem de estar, assim, mais atenta a esta realidade, procurando caminhos de dignificação e de (re)inserção das pessoas que se encontram em situação de reclusão, bem como das pessoas que as envolvem, seja a nível pessoal, familiar, profissional e/ou institucional.

Veja o filme realizado no Estabelecimento Prisional de Tires

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Andreia Chavado

“Projecto de reparação de máquinas de café da Tecnidelta”

A Delta Cafés tem assumido, desde sempre, que a competitividade depende da performance na área económica, social e ambiental, apostando num equilíbrio das diferentes necessidades através do diálogo com as partes interessadas.

A preocupação em desenvolver as comunidades onde estamos inseridos tem sido uma constante, que se manifesta de diversas formas: investimento em infra-estruturas que colmatam as necessidades latentes, voluntariado empresarial, patrocínios e apoios.

Em Dezembro de 2008, o Grupo Nabeiro - Delta Cafés e a Direcção Geral dos Serviços Prisionais celebraram um protocolo que tem como objecto a formação de reclusos na reparação de máquinas e moinhos de café.

Para o Administrador Sr. Rui Nabeiro “o acordo envolve uma componente de formação técnica especializada, promove a aquisição de competências técnico, profissionais e pessoais, elementos facilitadores da reintegração sócio-profissional dos reclusos, após libertação”.

O documento assinado entre as duas partes, prevê a instalação de uma oficina para a reparação geral de equipamentos, tais como máquinas de café, máquinas de lavar loiça e moinhos de café, no estabelecimento prisional e pretende reproduzir um ambiente real de trabalho, proporcionando aos reclusos formação e experiência profissional inseridas no mercado, exigindo rigor, disciplina, responsabilidade e qualidade.

Objectivos

CRIAR hábitos de trabalho;

INCUTIR sentido de responsabilidade e vontade de querer;

PROMOVER a empregabilidade dos reclusos;

O projecto já foi premiado no âmbito dos “Prémios Europeus de Iniciativa Empresarial”, na categoria “Iniciativa empresarial responsável e inclusiva”. Segundo as entidades ligadas ao projecto “o sucesso foi ditado pelo empenho e apoio do Comendador Manuel Rui Nabeiro e pela entrega e desempenho dos reclusos, desde o primeiro momento”.

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Estabelecimentos Prisionais com Oficina TECNIDELTA

Os primeiros passos do projecto aconteceram em 2008. Foi assinado o protocolo, foram definidas as regras para as partes envolvidas, mas só em Janeiro de 2010 arrancou a actividade no primeiro estabelecimento prisional. O Estabelecimento Prisional de Lisboa foi pioneiro na reparação de equipamentos. Est. Prisional de Lisboa, a 08-01-2010 Est. Prisional de Paços de Ferreira, a 05-02-2010 Est. Prisional de Pinheiro da Cruz, a 23-11-2010 Est. Prisional do Montijo, a 23-09-2011 Est. Prisional do Coimbra, a 03-02-2012 Est. Prisional do Elvas, a 10-10-2014 Est. Prisional do Beja, a 27-07-2015

Técnicos

Remuneração

05

1015

Nº Técnicos Envolvidos

NºTécnicos

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Equipamentos Reparados

O que representa em €

Em suma

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O Recluso e reclusão. Perspectivas na primeira pessoa. Painel II

Júlio Barbosa e Silva, Procurador–Adjunto “Entre o 8 e o 80 - jovens adultos, Lei Tutelar Educativa e o regime penal de adultos”

Manuel Simas Santos, Juiz Conselheiro “Recursos de Execução de Penas”

Paulo Sá e Cunha, Advogado e Presidente da Direcção da Associação dos Advogados Penalistas “Testemunhos de patrocínio: Advogados”

Moderação: Eldad Mário Neto, Presidente da CDHOA

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Júlio Barbosa e Silva, Procurador–Adjunto

“Entre o 8 e o 80 - jovens adultos, Lei Tutelar Educativa e o regime penal de adultos”

Parte I – Problemas e sua amplificação

Primeiro problema – Uma questão (também) de direitos humanos.

Como se sabe, Portugal ratificou a Convenção Sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, entre outros instrumentos internacionais, aí se estabelecendo que são crianças todas as pessoas até aos 18 anos de idade, e especificamente no artigo 37º, alínea c)2, que as crianças devem ser, no âmbito da reclusão por prática de crimes ou factos qualificados como crime, separadas dos adultos, isto é, maiores de 18 anos de idade.

Isto vale para a Justiça juvenil propriamente dita (dos 12 aos 16 anos), mas também para os maiores de 16 anos.

Assim, uma das preocupações que tem vindo a ser evidenciada é o facto de, em Portugal, se permitir que crianças/jovens, sejam colocadas em conjunto, nos Estabelecimentos Prisionais, com adultos3.

Um segundo problema

A segunda preocupação demonstrada decorre, em parte, daquele primeiro problema.

Trata-se do abandono praticamente total, no âmbito legislativo e ao nível da política criminal, de uma franja importantíssima de pessoas – os jovens dos 16 aos 21 anos – sem que se perceba exactamente o porquê desse abandono, sendo certo que Portugal não tem nem nunca teve, verdadeiramente, problemas de delinquência juvenil ou criminais que justificassem um eventual endurecimento do tratamento penal desses jovens através do Código Penal4.

Esquecendo, na prática, a directiva do artigo 9º do CP.

2 Estabelece o artigo 37º, alínea c) da Convenção que “A criança privada de liberdade deve ser tratada com a humanidade e o respeito devidos à dignidade da pessoa humana e de forma consentânea com as necessidades das pessoas da sua idade. Nomeadamente, a criança privada de liberdade deve ser separada dos adultos, a menos que, no superior interesse da criança, tal não pareça aconselhável, e tem o direito de manter contacto com a sua família através de correspondência e visitas, salvo em circunstâncias excepcionais;”. 3 A 12 de Fevereiro de 2015, o Jornal Público noticiava: “Portugal é excepção ao colocar crianças e jovens em prisões de adultos. Observatório Europeu das Prisões recomenda que os jovens com menos de 18 anos fiquem totalmente separados dos adultos condenados a penas de prisão. Dos oito países analisados, apenas Portugal coloca jovens dessas idades em cadeias de adultos. Portugal é o único, num conjunto de pelo menos oito países da União Europeia, que mantém jovens com 16 e 17 anos em prisões para adultos. Um relatório apresentado em Janeiro pelo Observatório Europeu das Prisões (OEP) na Comissão Europeia, em Bruxelas, aponta o incumprimento das regras europeias aplicáveis às prisões sobre as condições dos reclusos de menos de 18 anos em Portugal. Juntar jovens dessas idades com adultos — como acontece em Portugal — compromete uma adequada intervenção educativa e de reabilitação de presos que ainda não iniciaram uma vida criminal, dizem investigadores ouvidos pelo PÚBLICO, para quem este é “um problema grave” que configura “uma violação clara” da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança. De acordo com a convenção, ratificada por Portugal em Setembro de 1990, os jovens até aos 18 anos são crianças e os seus direitos devem ser acautelados como tal.”. Notícia acessível através do sítio http://www.publico.pt/sociedade/noticia/portugal-e-excepcao-ao-juntar-criancas-e-jovens-em-prisoes-de-adultos-1685272 4 Noticiava o jornal Diário de Notícias, a 18 de Maio de 2015 (acessível através do sítio http://www.dn.pt/portugal/interior/ha-jovens-entre-os-e-os-anos-presos-nas-cadeias-4573390.html): “Há 237 jovens entre os 16 e os 20 anos presos nas cadeias. A lei portuguesa prevê um "regime especial" mais brando para casos que envolvem jovens delinquentes. Este diploma específico - que remonta a 1982 e foi promulgado pelo então presidente da República, Ramalho Eanes. Os dados mostram que as condenações nestas idades estão a aumentar: Em quatro anos, o número de jovens entre os 16 e os 20 anos presos nas cadeias portuguesas passou de 153 para 237 (em 2014), segundo dados recentes da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.”.

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Estas preocupações já foram evidenciadas, colocando Portugal em cheque no âmbito das suas políticas públicas e legislação sobre a matéria, estabelecendo-se, no âmbito do Segundo relatório periódico do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas (apresentado a 8 de Outubro de 1998 e analisado na 28.ª sessão do Comité, a 1 de Outubro de 2001)5, que o Comité demonstrava grandes preocupações pelo facto de crianças maiores de 16 anos de idade não receberem a protecção adequada aos seus direitos no âmbito da Justiça juvenil (abrangendo aqui os maiores de 16 até aos 18 anos)6.

No âmbito do Terceiro e quarto relatórios periódicos (texto combinado apresentado a 5 de Agosto de 2011 e analisado na 65.ª sessão do Comité, a 22 de Janeiro de 2014) do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas7 volta a ser evidenciada aquela preocupação, entre outras, relacionadas com o que ali denominam “solitary confinement” no âmbito do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade8.

É, então, sobre as questões que gravitam à volta destes problemas que me deterei em seguida.

Parte II – Oportunidade(s) perdida(s) – O Regime Penal Aplicável a jovens delinquentes e as propostas de alteração legal.

O artigo 9º do Código Penal estabelece a preocupação inicial com este grupo de jovens, estabelecendo-se aí, sob epígrafe “Disposições especiais para jovens” que “Aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial.”.

Dando corpo a esta preocupação e directiva, surge o D.L. n.º 401/82, de 23 de Setembro.

Porém, desde o seu nascimento, a sua aplicação foi anormalmente escassa, com excepção, até hoje, do artigo 4º, o qual prevê a atenuação especial da pena quando o juiz tiver sérias razões para crer que dessa atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, atendo-se principalmente a discussão jurisprudencial à aplicação automática ou não dessa norma.

Previa-se, nesse diploma, no artigo 6º, a criação de centros de detenção, arquitectura penal que nunca existiu, apesar de terem sido regulamentados pelo DL n.º 90/83, de 16 de Fevereiro, afectando para esse efeito, e transitoriamente, um pavilhão do EP de Leiria e outro do EP de Tires ao internamento de jovens menores de 21 anos em centros de detenção.

5 Acessível através do sítio http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/(Symbol)/88189ee7fb0b5a2ec1256aea002cc448?Opendocument 6 Aí é referido expressamente que “The Committee remains concerned that: (a) Children over 16 may not receive the full benefit of relevant protections in the context of juvenile justice proceedings for criminal acts (see, for example, paragraphs 473 and 501 of the State party’s report); (…) 53. The Committee recommends that the State party: (a) Continue its efforts to fully implement juvenile justice reform; (b) Ensure that the reform process is conducted with a view to ensuring, for all children, full compliance with international standards, in particular articles 37, 40 and 39 of the Convention, as well as the United Nations Standard Minimum Rules for the Administration of Juvenile Justice (the Beijing Rules) and the United Nations Guidelines for the Prevention of Juvenile Delinquency (the Riyadh Guidelines); (c) Ensure, in particular, that children aged 16 and over benefit from full protection of their rights in the context of juvenile justice proceedings.”. 7 Acessível através do sítio: http://tbinternet.ohchr.org/Treaties/CRC/Shared%20Documents/PRT/CRC_C_PRT_CO_34_16303_E.pdf Fazendo-se aqui referência, penso, à medida cautelar de confinamento em alojamento individual até 30 dias, prevista no artigo 111º, n.º 2 e 3 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade. Refere o Comité, com interesse e resumindo as preocupações demonstradas, que “The Committee also notes the information provided by the State party that children aged 16 and over benefit from the full protection of their rights in the context of juvenile justice proceedings, in accordance with Decree-Law No. 401/82. The Committee is nevertheless concerned that children are not systematically involved in the proceedings and at the lack of adequate training to the actors involved in the administration of juvenile justice as well as possible discrimination against immigrants and ethnic minorities in the judicial system. The Committee is also deeply concerned that children aged 16 and 17 can be held in solitary confinement for up to 30 days according to the law. In particular, the Committee recommends that the State party to Prohibit and abolish the use of solitary confinement to punish children and immediately remove all children held in solitary confinement.”

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Porém, a constatação que o Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes (sem qualquer alteração até aos dias de hoje!) se mostra completamente posto de lado e com aplicação residual não é de agora. Há mais de 15 anos isso mesmo foi reconhecido por ocasião da Reforma do Direito das Crianças e Jovens, já aí se fazendo referência9, em 1984, a uma comissão nomeada pelo então Ministro da Justiça Rui Machete para proceder à revisão da legislação relativa aos centros de detenção. Foi apresentado um relatório com propostas, mas sem qualquer seguimento.

Com o surgimento da Lei Tutelar Educativa e Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, em 1999, foi proposto um terceiro pilar no qual assentaria, com aqueles dois, toda a Reforma do Direito das Crianças e Jovens em Portugal – O Regime Penal Especial para Jovens Adultos – materializado na proposta de Lei n.º 275/VII10, a qual também não chegou a ver a luz do dia.

Com essa redução, a reforma, que se pretendia que fosse um todo e uma unidade de sentido, com pontes e articulação entre os vários diplomas, ficou aquém do esperado, não se tendo voltado a legislar especificamente nesta matéria, apesar de se encontrarem alguns resquícios na LTE daquilo que seria essa interacção entre os vários sistemas e leis – cfr. artigo 25º, que estranhamente se mantém, mesmo após as recentes alterações à LTE, pairando o fantasma da reforma que não o foi.

As constatações ali efectuadas, seja no preâmbulo da proposta de lei, seja naquilo que já era a fundamentação do actual regime ainda em vigor, são hoje válidas ainda, talvez até com maior acuidade. Na verdade, toda a ideia da instituição de legislação penal especial para jovens parte da constatação que, apesar de “adultos” para o sistema penal, ainda são indivíduos em formação, correspondendo, como se pode ler na exposição de motivos da proposta de lei, “a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório.”

Ali se refere, ainda “Observa-se, com efeito, nas sociedades modernas, que o acesso à idade adulta não se processa como antigamente, através de ritos de passagem, como eram o fim da escolaridade, o serviço militar ou o casamento, que representavam um “virar de página” na biografia individual. O que ocorre, hoje, é uma fase de autonomia crescente face ao meio parental e de dependência crescente face à sociedade que faz dos jovens adultos uma categoria social heterogénea, alicerçada em variáveis tão diversas como são o facto de o jovem ter ou não autonomia financeira, possuir ou não uma profissão, residir em casa dos pais ou ter casa própria

O acesso à idade adulta tende, desta forma, a realizar-se por patamares sucessivos11.

Este período de latência social –em que o jovem escapa ao controlo escolar e familiar sem se comprometer com novas relações pessoais e profissionais – potencia a delinquência, do mesmo modo que, a partir do momento em que o jovem assume responsabilidades e começa a exercer os papéis sociais que caracterizam a idade adulta, regride a hipótese de condutas desviantes.

9 Cfr. “Reforma do Direito de Menores”, 1999, edição do Ministério da Justiça/Ministério do Trabalho e da Solidariedade, página 58. 10 A proposta, juntamente com a exposição de motivos, consta da “Reforma do Direito de Menores”, páginas 396 e seguintes. 11 A este propósito veja-se a notícia do jornal Expresso de 8 de Dezembro de 2015 “Porque demoramos a sair do ninho?”, colocando-se aí em evidência que Portugal é um dos países da EU em que os jovens saem mais tarde de casa dos pais (segundo dados do Eurostat, média de 29 anos de idade e com uma taxa de desemprego jovem de 34,7%), sendo que tudo o que antes ocorria cedo passa-se cada vez mais tarde, sendo esse ‘tarde’ condicionado por factores flutuantes como o prolongamento dos estudos, o desemprego ou o simples facto de a negociação familiar permitir conciliar estados tão díspares como a autonomia e a dependência. O cruzamento dos dados (nomeadamente com o desemprego jovem) permite verificar, nos jovens, uma “disritmia” ou desencontro “entre as idades normativas, em que as coisas deveriam acontecer, e a idade real em que de facto acontecem”, segundo um investigador. Refere ainda a notícia que “É por esta razão que Cláudia Andrade defende a introdução do conceito de “adultez emergente”, oposto ao de ‘adolescência tardia’. Em causa está “um período de exploração das opções de vida ou uma espécie de moratória que se prolonga até aos 30 anos, suportada pela família, e que só é possível porque culturalmente não há sanção”, explica a psicóloga social e professora na Escola Superior de Educação de Coimbra, com doutoramento feito na área. Em Portugal, esta fase normalizou-se mesmo antes da crise e de a taxa de desemprego disparar, o que leva Cláudia Andrade a pressupor a existência de um traço cultural.” – notícia completa acessível através do sítio http://expresso.sapo.pt/sociedade/2015-12-08-Porque-demoramos-a-sair-do-ninho-

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É este carácter transitório da delinquência juvenil que, se se quer evitar a estigmatização, deve ter-se presente ao modelar o sistema de reacções.”

Havendo uma ideia fundamental que perpassa toda a legislação e fundamentos nesta matéria, que é evitar ao máximo a prisão clássica destes jovens, sabendo-se dos efeitos criminógenos da prisão em jovens de idades tão novas como estes, quer por se tratar de jovens especialmente influenciáveis, quer porque a desenraização do meio produz efeitos dessocializantes muito gravosos.

Previam-se ali penas especiais, como a prisão por dias livres em centro de detenção e a colocação em centro de detenção em regime de semidetenção, passando a não permitir a aplicação de medidas tutelares educativas a estes jovens (ao contrário do que prevê o artigo 5º do D.L 401/82), prevendo também penas de colocação em centro de detenção, estando tudo isto pensado para crimes até média gravidade.

A pena de prisão clássica apenas seria aplicada quando as razões de prevenção geral fossem tão fortes que não comportassem outra ideia que não a efectiva prisão em EP.

Os três requisitos gerais seriam:

a) Arguido ter idade entre os 16 e os 21 anos à data da prática do facto; b) Não ter completado, à data da condenação em 1ª instância, 21 anos de idade; c) Ter sido condenado em pena de prisão não superior a 3 anos.

Como se referiu, esta proposta não foi adoptada, havendo, já em 2007, nova proposta legislativa para um regime penal especial para jovens, o qual nunca saiu também do plano das intenções. Sem que se saiba o porquê destes sucessivos abandonos, não sendo a falta de vontade política uma justificação total para esse fenómeno.

Parte III – O que fazer com o DL 401/82? Pode-se ir além do artigo 4º enquanto nada é alterado?

Como referi, basta fazer uma pesquisa simples pelas bases de dados de jurisprudência para constatar que, para além do artigo 4º do DL 401/82, e as questões da sua aplicabilidade automática ou não, o resto do diploma mais não é do que uma prateleira cheia de pó. Seja por falta de criatividade ou interesse, a verdade é que sou da opinião que há ainda margem de aplicação de outros artigos do diploma, como sejam os artigos 5º e 6º e seguintes, prevendo-se aí, respectivamente, a aplicação subsidiária da legislação relativa a crianças e jovens e as medidas de correcção.

Sei que não é pacífico o entendimento actual de que o artigo 5º permitiria ao tribunal penal aplicar medidas tutelares previstas na LTE (numa interpretação actualista, já que ali se refere ainda à OTM), sendo o maior argumento contra aquele que visava, naquele terceiro pilar que não chegou a ser erigido, separar completamente as duas situações, com proibição de aplicação dessas medidas a jovens que cometem crimes a partir dos 16 anos, levando a que seja entendido, por alguns, que esse artigo se encontra, actualmente revogado, por serem radicalmente diferentes os pressupostos da intervenção tutelar actual (cfr., por exemplo, Duarte-Fonseca12). Porém, essa proposta não vingou, o que pode autorizar o entendimento que a filosofia do diploma de 82 é aquela a que tem de ser seguida, porque a única ainda em vigor,

12 Cfr. “Interactividade entre penas e medidas tutelares – Contributo para a (re)definição da política criminal relativamente a jovens adultos”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra Editora, Ano 11, Abril-Junho 2011, 2º fascículo, página 281.

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ainda que a LTE seja fruto da reforma de 99, remetendo o artigo 5º do DL 401/82 para o artigo 4º da LTE (cfr., por exemplo, Taipa de Carvalho13).

Não estou certo na posição a assumir, sendo sensível aos argumentos relacionados com a revogação do artigo 6º. Porém, entendo que talvez não esteja, dependendo do caso concreto e das suas especiais idiossincrasias, fechada a porta da aplicação daquelas medidas a jovens entre os 16 e os 18 anos, caso se comprove que beneficiariam da aplicação de medidas tutelares em detrimento de aplicação de pena, sendo ainda certo que um universo importante dos jovens alvo de medida tutelar tem idade entre os 16 e os 21, se bem que com a diferença essencial da prática do facto entre os 12 e os 15 anos. Numa óptica estrita de objectivos e tratamento do facto/crime, talvez não seja assim tão mau ou grave aplicar uma medida tutelar se isso potenciar a reinserção social e evitar a reincidência, principalmente se tivermos em conta a substância das medidas e não o estrito formalismo da idade da prática do facto. Mais uma vez, se nos ativermos puramente às necessidades educativas (que existem ou podem existir em maiores e menores de 16 anos), poderia haver lugar à aplicação de uma medida tutelar a um jovem que cometa crime entre os 16 e os 18 anos.

Para além disso, as medidas de correcção previstas no artigo 6º e seguintes, podem aplicar-se, se bem que hoje se diluam muito com a sobreposição das penas previstas no CP, com excepção da prevista na alínea d), prevendo-se aí o internamento em centros de detenção, que, como se referiu, nunca tiveram existência para lá do papel, quando em concreto resulte pena de prisão até 2 anos. Na minha opinião a referência à moldura é concreta e não em abstracto, face ao escasso universo de crimes com penas até esse limite, o que esvaziaria em muito a aplicabilidade do artigo, se bem que haja jurisprudência que refere que a pena de dois anos aqui prevista é abstracta e não concreta14.

Por fim, conjugado com tudo isto, o Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade (CEPMPL) prevê, no seu artigo 4.º, n.º 1 como princípio orientador especial, que “A execução das penas e medidas privativas da liberdade aplicadas a jovens até aos 21 anos deve favorecer especialmente a reinserção social e fomentar o sentido de responsabilidade através do desenvolvimento de actividades e programas específicos nas áreas do ensino, orientação e formação profissional, aquisição de competências pessoais e sociais e prevenção e tratamento de comportamentos aditivos.”

Estabelecendo o artigo 9º, n.º 2, alínea c) daquele diploma legal que devem existir estabelecimentos prisionais ou unidades especialmente vocacionados para a execução das penas e medidas privativas da liberdade aplicadas a jovens até aos 21 anos ou, sempre que se revele benéfico para o seu tratamento prisional, até aos 25 anos.15

Não são, assim, tão diferentes como isso as essências ligadas aos objectivos legais, ressalvadas as especificidades de cada procedimento (penal e tutelar educativo).

13 Cfr. “Direito Penal Parte Geral (Teoria Geral do Crime)”, II volume (reimpressão), Publicações Universidade Católica, 2006, página 314. 14 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 8 de Setembro de 2015, Processo n.º 65/12.2FAFAR.E1, Relator: Desembargador António Latas, acessível através do sítio www.dgsi.pt. Aí se refere que “As medidas de correção previstas no artigo 6º do Dec-lei 401/82 apenas podem ser judicialmente impostas em alternativa a pena de prisão aplicável em medida não superior a 2 anos (moldura abstrata até 2 anos). II - As necessidades de prevenção geral positiva que levaram o legislador a excluir a aplicabilidade das medidas previstas nos artigos 5º e 6º do Dec-lei 401/82 aos crimes puníveis com pena de prisão superior a 2 anos implicam, igualmente, que a atenuação especial prevista no artigo 4º só tenha lugar quando as exigências de prevenção geral não se oponham à consideração de especiais vantagens que daquela mesma atenuação pudessem resultar para a reintegração social do jovem condenado.” 15 Prevendo o artigo 21º do CEPMPL que deve ser obrigatoriamente elaborado um Plano Individual de Reinserção (PIR) nos casos de reclusos até aos 21 anos.

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Parte IV – Proposta de resgate das propostas do regime penal especial para jovens, com actualizações e afinações.

Em resumo, aquilo que existe hoje nesta matéria é uma proclamação de princípios em vários diplomas, dispersos aqui e ali, sem tradução real nalguma legislação e na prática, sem uma unidade de sentido, não deixando de ser negativamente surpreendente, que um assunto com esta dimensão e importância tenha sido votado, durante décadas, ao abandono.

Especialmente se tivermos em conta que é nestas franjas etárias que grande parte dos objectivos de reinserção se jogam e podem ter verdadeiro impacto.

De facto, destas constatações surgem incongruências para o tratamento processual penal dos jovens que cometem crimes: os jovens com idade compreendida entre os 16 e os 18 anos que cometam crimes nestas idades ficam sujeitos às mesmas penas e medidas de coacção dos adultos, enquanto um jovem com idade entre os 18 e os 21 pode ver a sua pena substituída, em teoria, por um internamento de outro tipo, no âmbito das medidas de correcção.

Por outro lado, se o jovem praticar facto qualificado como crime antes dos 16 anos, a LTE permite que as medidas tutelares educativas, nomeadamente o internamento em Centro Educativo seja cumprido até aos 21 anos, tendo como justificação os objectivos educativos, não só por ser menor de 16 anos à data da prática do facto, mas também num ponto de vista de substância. Ora, se é assim, parece-me que essas mesmas razões se poderiam chamar à colação para justificar tratamento idêntico a um jovem que cometa crime entre os 16 e os 18 anos, entendendo-se (se bem que essa não seja a minha opinião16) que aí não se poderá aplicar qualquer medida tutelar educativa.

Daí que o apelo que pretendo fazer especialmente – hoje e aqui - seja o de resgatar aquele terceiro pilar e que daria uma unidade de sentido a todo o sistema, principalmente entre a Lei Tutelar Educativa e o Regime Penal Especial para jovens, criando pontes efectivas e diálogos legais que garantam uma efectiva interacção para aquilo que se pretende – a efectiva reinserção social através do cumprimento de penas que garantam os direitos dos jovens e que se traduzam numa efectiva promoção do seu futuro na sociedade, naquilo que era uma tradição portuguesa de princípios humanistas e de solidariedade, evitando, nas palavras de Anabela Rodrigues, a entrada na prisão, que se traduzia em “sujeição precoce a um sistema fortemente repressivo, estigmatizante e carregado de simbolismo social.”17

Na verdade, nenhum poder político poderá tentar alcançar e elaborar políticas criminais coerentes e frutíferas sem prestar uma atenção especialíssima às idiossincrasias colocadas em evidência pelo cometimento de crimes por jovens entre os 16 e os 21 anos, não se podendo admitir que há mais de 30 anos nada seja feito, com pés e cabeça, sobre essa matéria, tendo em conta a morte das propostas efectuadas a esse respeito.

Sem que se saiba verdadeiramente o porquê.

Propõe-se, então, finalmente, porque parecem fazer sentido ainda hoje como em 82, a criação e efectivação dos centros de detenção, os quais, pelo simbolismo social, deveriam ser, preferencialmente, fisicamente separados e autónomos dos EP.

Propõe-se ainda a recuperação das traves mestras da proposta de Lei n.º 275/VII, relativa à criação de um verdadeiro e efectivo Regime Penal Especial para Jovens Adultos, com algumas afinações e naturais adequações às realidades actuais, nomeadamente potenciando-se também aí o recurso à Vigilância Electrónica como alternativa à prisão e ainda o regime de permanência

16 Cfr. o que ficou referido quanto à aplicabilidade, hoje, do artigo 5º do DL 401/82, de 23 de Setembro. 17 Cfr. Anabela Miranda Rodrigues, “Direito das Crianças e dos Jovens delinquentes”, O Direito online, 7/01/2009, acessível através do sítio http://www.odireito.com.mo/doutrina/menores/74-direito-das-criancas-e-dos-jovens-delinquentes.html

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na habitação previsto no artigo 44º do Código Penal, fazendo-se aí referência expressa aos menores e 21 anos e ao limite máximo de dois anos nesse caso, podendo prever-se, neste âmbito, uma elevação dos máximos, permitindo-se, por exemplo, saídas para trabalho ou formação e uma progressividade no cumprimento da pena e acesso à liberdade para reinserção/ressocialização18. No entanto, a prisão por dias livres talvez tenha de ser repensada, já que a sua aplicação não parece estar adequada e direccionada a estes jovens (principalmente aqueles que não trabalhem nem estudem), pelo menos enquanto não se reequacionar a forma como esse tempo em reclusão deve ser passado. Não é por acaso que o internamento em fins-de-semana foi revogado nas recentes alterações à LTE, já que não possuía qualquer finalidade tutelar educativa prática. Essa recuperação, não só daria resposta a uma questão que se tem pautado por anormal inacção, como permitiria dar, finalmente, coerência a todo o sistema legal relativo a crianças e jovens, dotando-o de maior racionalidade.

Enquanto tudo se mantiver nesta letargia, que convoca problemas também de direitos humanos, e dentro destes, das crianças e jovens em meio prisional e no âmbito de penas privativas de liberdade ou de prisão substituídas, não se poderá verdadeiramente dizer que Portugal está na linha da frente com aqueles que se preocupam verdadeiramente com o tratamento do crime e futuro dos jovens neste país, principalmente aqueles especialmente desfavorecidos com decorrências na prática de crimes.

18 Como em parte se prevê já no âmbito da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro (Meios técnicos de controlo à distância – Vigilância Electrónica).

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Manuel Simas Santos, Juiz Conselheiro

“Recursos de Execução de Penas19”

Cumprimento a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, na pessoa do seu Presidente Dr. Eldad Mário Neto, por esta iniciativa, da maior importância, quer quanto à temática, da maior importância e significado, quer quanto à abordagem que nos propõe.

E agradeço o convite que me foi dirigido para participar nestas Jornadas.

1. Os recursos e a Constituição

No domínio destas Jornadas sobre o Sistema Prisional, a Execução de Penas e os Direitos Humanos, pretende esta breve intervenção abordar os recursos e a execução da pena.

E, na verdade, o direito ao recurso é um direito fundamental que radica na ordem constitucional e internacional.

Com efeito, ao falarmos de recurso estamo-nos a referir ao meio processual destinado a sujeitar a decisão judicial a um novo juízo de apreciação, agora por parte de um tribunal hierarquicamente superior.

Ao caminho legal seja para corrigir os erros cometidos na decisão judicial, para uniformizar jurisprudência ou para corrigir o erro judiciário.

O art 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a que o art. 16.º, n.º 2 da Constituição dá especial valor interpretativo e integrativo20, proclama que toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.

No mesmo sentido vai o art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem complementado pelo art. 2.º do Protocolo 7.º, que se refere expressamente ao direito que qualquer pessoa, declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal, tem de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação21 e vai o n.º 5 do art. 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos22 23.

Mas também a Constituição inclui, na parte final do n.º 1 do art. 32.º da Constituição (a partir da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), o recurso nas garantias de defesa, que o processo penal deve assegurar.

E o Tribunal Constitucional, referindo-se à sua jurisprudência constante, lembra que «[o] direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em penal»24.

19 Jornadas Sistema Prisional – Execução de Penas – Direitos Humanos, organizadas pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, Lisboa 26 e 27 de Novembro de 2015. 20 «2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.»

21 Com a excepção das infracções menores, do julgamento na mais alta instância e da condenação em recurso de absolvição.

22 Lei n.º 29/78, de 12 de Junho. 23 «Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença em conformidade com a lei.» 24 AcTC. n.º 49/2003.

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Mas quais são as consequências para o legislador ordinário dessa concepção constitucional do direito ao recurso enquanto garantia de defesa do arguido?

Pode dizer-se sinteticamente que25:

— Só o direito ao recurso do arguido goza de tutela constitucional, mas o legislador ordinário não está, no entanto, impedido de conferir, no âmbito penal, esse direito a outros sujeitos processuais;

— Mas está aí limitado pelo crivo da conformidade constitucional;

— Não podendo estabelecer exigências formais ou temporais que limitem esse direito, descaracterizando-o;

— Finalmente, condiciona, assim, a natureza dos recursos.

O Tribunal Constitucional tem identificado o conteúdo do direito ao recurso como garantia de defesa com a garantia do duplo grau de jurisdição, quanto26:

─ a decisões penais condenatórias

─ às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais

Constitucionalmente não são ilegítimas:

─ As restrições ao direito ao recurso de decisões não condenatórias; ou

─ Que não afectem a liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido;

─ Não é imposta a concessão ao arguido de um direito de recorrer de toda e qualquer decisão judicial que lhe seja desfavorável, apesar do princípio da recorribilidade das decisões judiciais (art. 399.º do CPP)

O duplo grau de jurisdição constitucionalmente imposto abrange, tanto o recurso em matéria de direito, como o recurso em matéria de facto27, mas, “mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de jurisdição, assim se garantindo a todos os arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo STJ”, reconhecendo-se existir “alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos graus de recurso”28.

Referimo-nos à natureza dos recursos, como condicionada pela sua consagração constitucional enquanto um direito do arguido e daí fazemos derivar, desde logo, a sua natureza de remédios jurídicos.

Essa natureza de remédios dos recursos decorre, também, da não consagração de recursos ordinários obrigatórios por parte do Ministério Público, bem como da aplicação do princípio dispositivo, expresso na cindibilidade do recurso, na vinculação temática, no amplo acolhimento da proibição de reformatio in pejus, e na possibilidade de renúncia ao recurso em matéria de facto e da possibilidade de desistência do recurso.

25 Pode ver-se também Maria João Antunes, Nuno Brandão, Sónia Fidalgo, A reforma à luz da jurisprudência constitucional, http://www.dgpj.mj.pt/sections/informacao-e-eventos/anexos/sections/informacao-e-eventos/anexos/prof-doutora-maria-joao/downloadFile/file/MJA-NB-SF.pdf?nocache=1210672118.55. 26 Acs. do TC n.ºs 265/94, 610/96 e 189/01. 27 Ac. TC n.º 573/98, Plenário. 28 AcTC n.º 189/2001.

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Tem o recurso como fundamento, os erros de procedimento ou de julgamento e traduz-se, não numa renovação da instância, mas numa nova instância limitada aos erros invocados, para além obviamente das questões de conhecimento oficioso.

2. A Execução de Penas

Isto posto e entrando no nosso tema, ele situa-nos no domínio dos recursos, também no domínio da execução de penas, designadamente da execução das penas de prisão.

O que invoca as disposições do Código de Processo Penal (art.ºs 467.º a 479.º), mas, desde 12 de Outubro de 2009, também e especialmente o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), Lei n.º 115/2009, que se aplica à execução de tais penas e medidas nos estabelecimentos prisionais dependentes do Ministério da Justiça e nos estabelecimentos destinados ao internamento de inimputáveis29.

Visa-se com a execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade30; enquanto que com a execução da prisão preventiva e do internamento preventivo se procura assegurar a satisfação das exigências cautelares que justificaram a sua aplicação31.

A execução da pena de prisão, vê proclamado, entre os seus princípios orientadores32, que ela:

– assegura o respeito pela dignidade da pessoa humana e pelos demais princípios fundamentais consagrados na Constituição, no direito internacional e nas leis;

– respeita a personalidade do recluso e os seus direitos e interesses jurídicos não afectados pela condenação ou decisão;

– é imparcial, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever os reclusos.

E o recluso mantém, de acordo com o seu estatuto, a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da sentença condenatória ou da decisão de aplicação de medida privativa da liberdade e as que lhe sejam impostas, nos termos da lei, por razões de ordem e de segurança do estabelecimento prisional33.

O que nos reconduz ao direito ao recurso assegurado pelos instrumentos de direito internacional e pela Constituição, a que nos referimos já, e que procuramos caracterizar brevemente.

Mas, no que agora nos ocupa, do elenco dos direitos do recluso34, consta especificamente o direito a ser ouvido, a apresentar pedidos, reclamações, queixas e recursos e a impugnar perante o tribunal de execução das penas a legalidade de decisões dos serviços prisionais [n.º 1, al. m)].

Bem dentro, pois, do que vimos ser o entendimento do Tribunal Constitucional sobre o conteúdo do direito ao recurso como garantia do duplo grau de jurisdição, quanto a decisões penais condenatórias de cuja execução se trata, por um lado, e quanto a decisões penais respeitantes

29 N.º 1 do art. 1.º, complementado pelo Regulamento Geral Dos Estabelecimentos Prisionais, aprovado pelo DL n.º 51/2001, de 11 de Abril – cfr. n.º 2 do mesmo art. 1.º. 30 N.º 1 do art. 2.º do CEPMPL. 31 N.º 2 do art. 2.º do CEPMPL. 32 Art. 3.º, n.ºs 1 a 3. 33 Art. 6.º do CEPMPL. 34 Constante do art. 7.º do CEPMPL.

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à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais, por outro lado35.

Exactamente quando o condenado está, porque recluso, especialmente vulnerável.

2.1.

Mas como trata o Código de Execução de Penas esta matéria dos recursos?

No essencial, respeita os ditames constitucionais que revimos brevemente, e dedica-lhe todo o título V, integrado por dois capítulos, o I dedicado ao recurso para o Tribunal da Relação (art.ºs 235.º a 239.º) e o II dedicado aos Recursos Especiais para uniformização de jurisprudência (art.ºs 240.º a 242.º).

Tratando-se de matéria de execução de penas, o tribunal recorrido é, por via de regra, o Tribunal de Execução de Penas.

De acordo com a Lei da Organização do Sistema Judiciário36, compete ao Tribunal de Execução de Penas, além do mais, após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo da reabertura da audiência para aplicação retroactiva de lei penal mais favorável (art. 371.º-A do CPP), e ainda acompanhar e fiscalizar a execução da prisão e do internamento preventivos, devendo as respetivas decisões ser comunicadas ao tribunal à ordem do qual o arguido cumpre a medida de coação37.

Compete-lhe ainda garantir os direitos dos reclusos, pronunciando-se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais nos casos e termos previstos na lei38.

Daí que, sobre a recorribilidade, disponha o n.º 1 do art. 235.º que das decisões do Tribunal de Execução das Penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei (n.º

35 Acs. do TC n.ºs 265/94, 610/96 e 189/01. 36 Art. 114.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, retificação n.º 42/2013, de 24 de Outubro. 37 Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, compete ao tribunal de execução das penas, em razão da matéria: (a) Homologar os planos individuais de readaptação, bem como os planos terapêuticos e de reabilitação de inimputável e de imputável portador de anomalia psíquica internado em estabelecimento destinado a inimputáveis, e as respetivas alterações; (b) Conceder e revogar licenças de saída jurisdicionais; (c) Conceder e revogar a liberdade condicional, a adaptação à liberdade condicional e a liberdade para prova; (d) Homologar a decisão do diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais de colocação do recluso em regime aberto no exterior, antes da respetiva execução; (e) Determinar a execução da pena acessória de expulsão, declarando extinta a pena de prisão, e determinar a execução antecipada da pena acessória de expulsão; (f) Convocar o conselho técnico sempre que o entenda necessário ou quando a lei o preveja; (g) Decidir processos de impugnação de decisões dos serviços prisionais; (h) Definir o destino a dar à correspondência retida; (i) Declarar perdidos e dar destino aos objetos ou valores apreendidos aos reclusos; (j) Decidir sobre a modificação da execução da pena de prisão, bem como da substituição ou da revogação das respetivas modalidades, relativamente a reclusos portadores de doença grave, evolutiva e irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada; (k) Ordenar o cumprimento da prisão em regime contínuo em caso de faltas de entrada no estabelecimento prisional não consideradas justificadas por parte do condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção; (l) Rever e prorrogar a medida de segurança de internamento de inimputáveis; (m) Decidir sobre a prestação de trabalho a favor da comunidade e sobre a sua revogação, nos casos de execução sucessiva de medida de segurança e de pena privativas da liberdade; (n) Determinar o internamento ou a suspensão da execução da pena de prisão em virtude de anomalia psíquica sobrevinda ao agente durante a execução da pena de prisão e proceder à sua revisão; (o) Determinar o cumprimento do resto da pena ou a continuação do internamento pelo mesmo tempo, no caso de revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade ou da liberdade condicional de indivíduo sujeito a execução sucessiva de medida de segurança e de pena privativas da liberdade; (p) Declarar a caducidade das alterações ao regime normal de execução da pena, em caso de simulação de anomalia psíquica; (q) Declarar cumprida a pena de prisão efetiva que concretamente caberia ao crime cometido por condenado em pena relativamente indeterminada, tendo sido recusada ou revogada a liberdade condicional; (r) Declarar extinta a pena de prisão efetiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento; (s) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação; (t) Informar o ofendido da libertação ou da evasão do recluso, nos casos previstos nos artigos 23.º e 97.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro; (u) Instruir o processo de concessão e revogação do indulto e proceder à respetiva aplicação; (v) Proferir a declaração de contumácia e decretar o arresto de bens, quanto a condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento; (w) Decidir sobre o cancelamento provisório de factos ou decisões inscritos no registo criminal; (x) Julgar o recurso sobre a legalidade da transcrição nos certificados do registo criminal. 38 Art. 115.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.

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1).Decisões recorríveis que são enumeradas, ao longo do diploma, da forma seguinte:

– a decisão que determine, recuse, mantenha ou prorrogue o internamento e da que decrete a respectiva cessação (n.º 1 do art. 171.º);

– as decisões de substituição da pena de prisão ainda não cumprida por prestação de trabalho a favor da comunidade e a revogação desta (n.º 2 do art. 171.º);

– as decisões de concessão, recusa ou revogação da liberdade para prova (n.º 3 do art. 171.º);

– as decisões de concessão ou recusa da liberdade condicional (n.º 1 do art. 179.º);

– as decisões de revogação ou não revogação da liberdade condicional (n.º 2 do art. 186.º)

– a decisão que decrete ou recuse a execução da pena acessória de expulsão (n.º 4 do art. 188.º-C);

– a decisão que conceda, recuse ou revogue a licença de saída jurisdicional (n.ºs 1 e 4 do art. 196.º);

– as decisões de concessão, recusa ou revogação da modificação da execução da pena (n.º 1 do art. 222.º);

– o despacho de indeferimento liminar de pedido de cancelamento provisório do registo criminal (n.º 3 do art. 230.º)

A esse elenco acrescenta o n.º 2, do art. 235.º, que são ainda recorríveis as seguintes decisões do tribunal de execução das penas:

– extinção da pena e da medida de segurança privativas da liberdade;

– concessão, recusa e revogação do cancelamento provisório do registo criminal;

– as proferidas em processo supletivo.

O Tribunal Constitucional (AcTC n.º 150/2013, DR IIS de 2013-05-07) não julgou inconstitucional a norma do art. 179.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas, na interpretação segundo a qual é irrecorrível a decisão que conheça do pedido de concessão do período de adaptação á liberdade condicional, designadamente no caso de indeferimento.

A Relação de Coimbra (Ac de 5-02-2014, CJ, 2014, T.I, pág. 62) decidiu que é irrecorrível a decisão do TEP que nega ao condenado o pedido de concessão de adaptação á liberdade condicional em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo á distância.

Afastou-se, assim aqui, o legislador do princípio geral de recorribilidade estabelecido no art. 399.º do CPP, segundo o qual é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, pelo que, para estabelecer a recorribilidade de uma determinada decisão necessário se torna encontrar a norma que o permite.

Não está previsto o recurso ordinário para o Supremo Tribunal das decisões das Relações proferidas sobre decisões do Tribunal de Execução de Penas, mas, como vimos, já, a nossa Constituição e os instrumentos internacionais que nos obrigam não impõem um triplo grau de jurisdição.

Como veremos adiante, está só previsto o recurso especial, mas que não é extraordinário, mas que também não será exactamente ordinário, de uniformização de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça.

Dispõe também o Código sobre a legitimidade39 para recorrer estabelecendo que, salvo quando

39 Art. 236.º.

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a lei dispuser diferentemente, têm legitimidade para recorrer:

– o Ministério Público;

– o condenado ou quem legalmente o represente, das decisões contra si proferidas;

– o requerente, quando não seja o Ministério Público nem o condenado, relativamente às decisões que lhe sejam desfavoráveis.

E lembra que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.

Aproxima-se, pois da regra geral do art. 401.º do CPP, não havendo, no entanto e como é natural, menção ao assistente, às partes civis, mas somente a referência genérica àquele que, sendo requerente, ficou vencido. Nesta fase do processo penal não há lugar à intervenção das partes civis, porque a ela estranhas e atendendo aos objectivos da execução das penas, a figura do assistente enquanto coadjuvante autónomo do Ministério Público na investigação criminal e acusação, não cobra razão de ser.

Mantem-se a exigência do interesse em agir por parte do recorrente40, que a nosso ver, em relação ao Ministério Público, se confunde com o interesse na aplicação da lei.

No que se refere ao âmbito do recurso é recebido o princípio do conhecimento amplo do recurso41, já consagrado no n.º 1 do art. 402.º do CPP e também aqui susceptível de ser limitado, mas somente à questão de facto ou à questão de direito42, diversamente do que sucede com o art. 403.º do CPP, o que se compreende, pois que no domínio da execução das penas, cada decisão visa, em princípio uma questão já de si bem limitada e delimitada.

Mas também aqui a circunstância do recurso estar limitado não prejudica o dever do tribunal de recurso de retirar da sua procedência as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida43, como é imposto em geral pelo n.º 3 do citado art. 403.º do CPP.

Quanto ao regime de subida e ao seu efeito, deve ter-se em conta que todos os recursos sobem imediatamente; nos próprios autos os que forem interpostos da decisão que ponha termo ao processo, e em separado os restantes.

Só têm efeito suspensivo da decisão nos casos expressamente previstos, ou seja, os recursos interpostos da decisão que:

– determine o internamento [art. 171.º, n.º 4, al. a)];

– substitua a pena de prisão ainda não cumprida por prestação de trabalho a favor da comunidade ou que a revogue [art. 171.º, n.º 4, al. b)];

– revogue a liberdade para prova [art. 171.º, n.º 4, al. c)];

– conceda a liberdade condicional, quando os pareceres do conselho técnico e do Ministério Público tiverem sido contrários à concessão da liberdade condicional44 (n.º 3 do art. 179.º);

– revogue a liberdade condicional45 (n.º 3 do art. 186.º)

– decrete ou rejeite a execução da pena acessória de expulsão46 (n.º 6 do art. 188.º-C);

40 Interesse em agir: «isto é, a justificação pessoal para solicitar a intervenção dos tribunais na causa onde a pena foi aplicada», Manuel Simas Santos, Leal-Henriques e João Simas Santos, Noções de Processo Penal, 2.ª ed. Lisboa, Rei dos Livros, 2011, pág. 502. 41 N.º 1 do art. 237.º. 42 N.º 2 do art. 237.º. 43 N.º 3 do art. 437.º. 44 Caso em que o recurso reveste natureza urgente, nos termos do art. 151.º, por força do n.º 3, parte final do art. 179.º. 45 Caso em que o recurso tem natureza urgente, nos termos do art. 151.º, por força do n.º 3 parte final do art. 186.º. 46 Caso em que o recurso tem natureza urgente, nos termos do art. 151.º, por força do n.º 6 parte final do art. 188.º-C.

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– conceda ou revogue a licença de saída jurisdicional (n.º 3 do art. 196.º);

– conceda, recuse ou revogue a modificação da execução da pena (n.º 2 do art. 222.º)

O efeito suspensivo da decisão significa a paralisação da eficácia da decisão recorrida, que, por não transitar, deixa de ser exequível.

Neste domínio, só há, lugar a recursos principais, pois que os recursos subordinados a que se refere o art. 404.º do CPP, só podem ser interpostos, quando uma parte civil houver interposto um recurso principal, o que aqui, e como se viu, não pode ter lugar.

No que se refere à interposição, tramitação e julgamento, o art. 238.º remete para as disposições dos recursos em processo penal, em tudo o que não for contrariado pelas disposições do Código de Execução.

O que significa que se interpõem por requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão de que se discorda, no prazo máximo de 30 dias (art.° 411.°, n.o 1), por escrito, pois, que as decisões não são, em princípio proferidas em audiência, consistindo então em manifestação escrita da vontade de recorrer, acompanhada da respectiva motivação.

Tal motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso, que são os motivos de discordância e os erros que imputa à decisão, e termina pela formulação de conclusões articuladas que contêm o resumo das razões do pedido que formula.

Em matéria de direito, as conclusões também indicam as normas jurídicas violadas, o sentido em que foram interpretadas e o sentido em que o deviam ter sido, bem como, se for o caso, as normas que deviam ter sido aplicadas.

Em matéria de facto, devem especificar: os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa e as provas que devem ser renovadas e a sua identificação, bem como as passagens relevantes.

Deve referir-se que a tramitação do recurso e seus prazos dos recursos interpostos da decisão, com efeito suspensivo da decisão, que: (i) – conceda a liberdade condicional, quando os pareceres do conselho técnico e do Ministério Público tiverem sido contrários à concessão da liberdade condicional; (ii) – revogue a liberdade condicional; ou (iii) – decrete ou rejeite a execução da pena acessória de expulsão, têm uma disciplina própria.

Com efeito, nestes casos os recursos têm natureza urgente nos termos do art. 151.º do Código de Execução de Penas47, o que significa que correm em férias.

No silêncio do Código, quais podem ser os fundamentos do recurso, para além do que já se sublinhou?

Uma vez que a lei não restringe a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, os recursos podem ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.

E mesmo que se devesse entender que a lei restringia a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: (i) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; (ii) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; (iii) o erro notório na apreciação da prova, como o admitem os n.ºs 1 e 2 do art. 410.º do CPP.

O recurso pode também ter como fundamento, ainda no mesmo caso, a inobservância de

47 Respectivamente, por força do n.º 3, parte final do art. 179.º, do n.º 3 parte final do art. 186.º e do n.º 6 parte final do art. 188.º-C.

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requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada48.

Se o recurso não for admitido ou tiver sido retido, cabe reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, do despacho que não admitir ou que retiver o recurso.

Essa reclamação é apresentada na secretaria do tribunal recorrido no prazo de 10 dias contados da notificação do despacho que não tiver admitido o recurso ou da data em que o recorrente tiver tido conhecimento da retenção. No seu requerimento, o reclamante expõe as razões que justificam a admissão ou a subida imediata do recurso e indica os elementos com que pretende ver instruída a reclamação. A decisão da reclamação é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento, mas se a defere não vincula o tribunal de recurso49.

2.4.

Como já se adiantou, nos art.ºs 240.º a 446.º, são previstos recursos para uniformização de jurisprudência, designados de especiais e não como extraordinários, como acontece com o CPP.

Não se trata de uma mera alteração de designação, pois que alguns desses recursos podem ser interpostos antes de terem transitado em julgado as decisões recorridas, diversamente do que é próprio dos recursos extraordinários.

Os recursos para uniformização de jurisprudência podem ser interpostos, e devem mesmo sê-lo por parte do Ministério Público, quando se verifica oposição de acórdãos da Relação, relativamente à mesma questão de direito em matéria de execução das penas e medidas privativas da liberdade, no domínio da mesma legislação, o mesmo é dizer, quando, durante o intervalo da prolação dessas decisões, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado50.

Têm legitimidade para recorrer: o Ministério Público e o sujeito contra o qual foi proferido o acórdão51, não sendo mencionados o assistente e as partes civis, diversamente do que sucede em geral, de acordo com o n.º 5 do art. 437.º do CPP, o que se compreende, como se viu, dada a não intervenção, na execução de penas, destes dois intervenientes processuais.

Também aqui o recurso é obrigatório para o Ministério Público52 que recorre igual e forçosamente de:

– quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça; e

– de decisão proferida em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra proferida por tribunal da mesma espécie.

Respondendo, de algum modo, às dificuldades de informação que o carácter obrigatório deste recurso cria no processo penal em geral para o Ministério Público acerca de todas as decisões proferidas, o legislador do Código de Execução de Penas prevê que os serviços prisionais e os serviços de reinserção social comunicam ao Ministério Público a oposição de decisões, logo que dela tomem conhecimento, contribuindo, pois, para a informação necessária ao cumprimento daquela obrigação de recorrer.

Concorrendo igualmente para esse objectivo, o sujeito contra o qual foi proferida a decisão

48 N.º 3 do mesmo art. 410.º do CPP. 49 Cfr. art. 405.º do CPP. 50 Cart. 240.º do CEPMPL. 51 Cfr. art. 241.º do CEPMPL. 52 Cfr. n.º 1 do art. 242.º do CEPMPL e n.º 5, parte final, do art. 437.º do CPP.

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recorrida pode requerer ao Ministério Público a interposição do recurso especial para uniformização de jurisprudência, fornecendo então seguramente a necessária informação53.

Como já tivemos ocasião de assinalar54 o Código de Execução de Penas, estabeleceu, quanto aos prazos de interposição destes recursos, regras diferentes das constantes do CPP.

Assim, o prazo de recurso é de 30 dias a contar da prolação da decisão. Esse recurso interposto, pois, de decisão ainda não transitada em julgado suspende, até ao respectivo julgamento, o prazo para interposição de recurso para a Relação ou os termos subsequentes de recurso já instaurado, no que concerne à questão jurídica controvertida55.

Nesse caso, o recurso só tem efeito suspensivo da decisão recorrida se esse for em concreto o efeito legalmente atribuído à interposição de recurso para a Relação56.

O recurso para fixação de jurisprudência é interposto para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça57.

À interposição, tramitação e julgamento dos recursos anteriormente previstos e à publicação e eficácia da respectiva decisão aplicam-se, com as necessárias adaptações, os art.ºs 438.º a 446.º do CPP58.

É ainda prevista, por força do art. 245,º do Código de Execução de Penas, a possibilidade de interposição de recursos no interesse da unidade do direito, tal como configurados no Código de Processo Penal.

Assim, o Procurador-Geral da República pode determinar, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, que sejam interpostos recursos no interesse da unidade do direito, sendo aplicável à suas interposição e tramitação e à eficácia da respectiva decisão o disposto no art. 447.º daquele diploma.

Ou seja, dispondo o n.º 1 daquele artigo que o Procurador-Geral da República pode determinar que seja interposto recurso para fixação da jurisprudência de decisão transitada em julgado há mais de 30 dias, no caso da execução de penas, em que o recurso é interposto antes de transitar a decisão recorrida, deve entender-se que o recurso pode ser interposto para além do prazo normal de interposição de recurso.

Ao abrigo do disposto no n.º 2 do mesmo art. 447.º do CPP, o Procurador-Geral da República pode interpor recurso do acórdão que firmou jurisprudência em determinado sentido, sempre que tiver razões para crer que essa jurisprudência está ultrapassada, no sentido do seu reexame. O Procurador-Geral da República indica logo, nas alegações, as razões e o sentido em que jurisprudência anteriormente fixada deve ser modificada.

Em ambos os casos, e dado que o Ministério Público age na defesa da unidade do direito, a decisão que resolver o conflito não tem eficácia no processo em que o recurso tiver sido interposto, mas só para o futuro.

São, pois, esses recursos no interesse da unidade do direito?

– Recursos para fixação de jurisprudência de decisão transitada em julgado há mais de 30 dias, art. 447.º, n.º 1 do CPP, que aqui, como se disse, deve ser entendido como tem decorrido já o prazo de 30 dias de interposição;

– Recursos para reexame de jurisprudência fixada e já ultrapassada, art. 447.º, n.º 2.

53 Cfr. N.º 2 do mesmo artigo. 54 Recursos Penais, 8.ª ed., Lisboa, Rei dos Livros, 2011, pág. 179. 55 Cfr. n.ºs 4 e 5 do art. 243.º do CEPMPL. 56 Cfr. n.º 6 do art. 243.º do CEPMPL. 57 Cfr. art. 243.º do CEPMPL. 58 Cfr. art. 244.º do CEPMPL.

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3.

Depois da já longa e maçadora exposição, é tempo de concluir esta passagem pelos recursos das decisões judiciais, no âmbito do Código da Execução das Penas de Prisão e Medidas Privativas de Liberdade.

No entanto, ainda será devida, com a vossa benevolência, uma palavra final, para em síntese aproximar a perfunctória exegese do regime jurídico dos recursos na execução da prisão da disciplina constitucional.

Íamos dizer que, a nosso ver, o legislador ordinário respeitou, nas normas que introduziu no Código, que brevemente se analisou, e nas normas do Código de Processo penal de que se socorreu, os ditames constitucionais a que nos referimos de início e os direitos fundamentais que assistem ao cidadão, que o recluso nunca deixa de ser.

E que assim a praxis da administração penitenciária e dos nossos tribunais nunca se afastassem, antes corporizassem essa mesma arquitectura.

Mas uma questão formulada pelo Dr. Paulo Sá e Cunha sobre o art. 196.º do mesmo Código de Execução de Penas, impõe uma reserva ao juízo provisório que trazíamos.

Com efeito, como bem foi sublinhado naquela intervenção uma nota crítica é devida em relação à norma do nº 2 desse artigo.

Dispõe-se aí, na parte que agora importa:

«Artigo 196.º

Recurso

1 ─ O Ministério Público pode recorrer da decisão que conceda, recuse ou revogue a licença de saída jurisdicional.

2 ─ O recluso apenas pode recorrer da decisão que revogue a licença de saída jurisdicional.

3 ─ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .»

Vê-se, assim, que o recluso apenas pode recorrer da decisão que revogue a licença de saída jurisdicional enquanto o Ministério Público pode recorrer também da decisão que a conceda ou recuse.

Se se compreende que o recluso não possa recorrer da decisão que conceda a licença de saída jurisdicional, pois que para tal lhe faleceria legitimidade uma vez que tal decisão não foi proferida contra ele; já o mesmo não acontece com decisão de recusa da mesma licença, que contraria os interesses do recluso e para a qual ele teria, em tese, legitimidade, como a tem para a revogação da licença de saída jurisdicional, referida no n.º 2 do art. 196.º.

Já foi suscitada perante o Tribunal Constitucional59 a constitucionalidade na norma daquele n.º 2, tendo esse Tribunal decidido «[j]ulgar não inconstitucional a dimensão normativa que resulta do nº 2 do artigo 196.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12 de outubro, segundo a qual o recluso não tem legitimidade para recorrer da decisão judicial que nega a concessão da licença de saída jurisdicional».

O Tribunal Constitucional entendeu que a «a intervenção judicial na concessão da licença de saída do estabelecimento prisional representa já o acesso do recluso a um grau de jurisdição, ou seja, à tutela jurisdicional mínima que é coberta pelo n.º 1 do artigo 20.º da CRP.»; que «não sendo a licença de saída um direito fundamental do recluso, mas apenas uma medida individual

59 Acórdão n.º 752/2014, de 12-11-2014, processo n.º 1320/13, 3º Secção, Relator: Cons. Lino Rodrigues Ribeiro.

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de reinserção social», o legislador não estava vinculado «a garantir que decisão judicial que a conceda ou negue tenha que ser reapreciada por um tribunal de segunda instância. Se o legislador não sujeitar essa decisão a recurso, isso significa que um processo penitenciário jurisdicional, decidido em primeira instância por órgão dotado de independência e imparcialidade, constitui um meio bastante para garantir a legalidade da decisão que concede ou negue a licença de saída jurisdicional (cfr. artigo 203º da CRP).

E concluiu, na sequência: «nesta dimensão normativa do nº 1 do artigo 20.º da CRP, a garantia do duplo grau de jurisdição de decisão judicial relativas a licenças de saída jurisdicionais não goza de uma proteção constitucional.»

De seguida o Tribunal Constitucional afrontou uma outra dificuldade, aquela que viemos de referir: a da desigualdade entre o Ministério Público e o condenado na legitimidade para interpor recurso da decisão que conceda ou negue a licença de saída.

E sobre esta questão pronunciou-se nos seguintes termos: «[o]ra, o princípio da igualdade processual impõe que se estabeleça um equilíbrio entre a posição jurídica de cada um dos intervenientes e os meios jurídicos colocados ao seu dispor. Tal equilíbrio tem que ser avaliado em função do conjunto de atos que compõem o processo e não em relação a cada um deles, pois a diferente natureza dos sujeitos pode implicar a necessidade de diferentes meios de intervenção processual. Assim, se a defesa da legalidade das medidas de execução da pena pode justificar, embora eventualmente não imponha, que um órgão de Justiça interponha recurso da decisão judicial que nega a concessão da licença de saída, a mesma necessidade pode não se fazer sentir relativamente ao interveniente que, para além de não realizar um direito subjetivo, pode renovar a mesma pretensão num curto espaço de tempo. Num processo de natureza predominantemente objetiva, como é o caso do processo de concessão de licença de saída jurisdicional, há fundamento razoável para diferenciar os poderes do Ministério Público dos poderes do recluso quanto à legitimidade para recorrer da decisão judicial que nega a licença de saída. A decisão que nega a licença é sempre uma decisão não definitiva, que pode ser alterada no prazo de quatro meses ou num prazo inferior fixado pelo juiz (cfr. artigo 84.º e nº 3 do artigo 192.º do CEPMPL). A provisoriedade da decisão justifica assim a existência de limitações à recorribilidade por parte de quem pode renovar o pedido. Com efeito, se no prazo de quatro (ou menos) meses o recluso pode renovar o pedido de licença de saída, a pendência do recurso jurisdicional não só prejudicaria a apreciação do novo pedido como poderia inutilizar o recurso, conforme fosse o sentido da decisão daquele pedido. Acresce que facilmente se descortina na limitação ao direito ao recurso prevista no nº 2 do artigo 196º do CEPML um mecanismo de racionalização da atividade judiciária, evitando o congestionamento dos tribunais de segunda instância com inúmeros processos de licença de saída jurisdicionais, atenta a possibilidade de renovação sucessiva do pedido.»

E concluiu: «[e]m suma, também nesta perspetiva, e tal como já se decidiu no Acórdão 560/2014, a norma do nº 2 do artigo 196.º do CEPMPL não enferma de inconstitucionalidade material».

Lembrou ainda o Tribunal Constitucional, na decisão em análise, que a sua jurisprudência tem admitido assimetrias processuais que não envolvem violação do princípio de igualdade, por se justificarem à luz das finalidades servidas pelo processo e da diferente posição jurídica dos intervenientes, referindo: «No processo penal, justamente a propósito do direito ao recurso, considera-se que «independentemente da natureza de «parte» ou de «sujeito» que se queira atribuir ao arguido e ao assistente em processo penal, a nossa Constituição não consagra, nem quis consagrar, quanto a eles, um princípio de igualdade em matéria do direito ao recurso» (cfr. Acórdão nº 132/92, posição também seguida nos Acórdãos nºs 265/94, 610/96, 194/00 e 640/04). E no processo civil, a propósito da posição processual do Ministério Público, enquanto representante do Estado e defensor da legalidade democrática, considera-se razoável que o

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legislador estabeleça normas que lhe concedam um tratamento processual diferenciado relativamente às partes processuais em geral (cfr. Acórdãos nºs 529/94, 616/98, 632/99, 355/01).

Procedeu também o Tribunal Constitucional à análise da natureza do processo de licença de saída jurisdicional e da intervenção do Conselho Técnico e do Ministério Público60, mas, se bem

60 «18. O processo de licença de saída jurisdicional, tal como está desenhado nos artigos 189.º a 193.º do CEPMPL, não é um processo destinado a prevenir ou a compor um conflito entre o recluso e a administração prisional, pois o interesse atuado no processo é um só: a socialização do recluso. A forma desse processo não corresponde ao modelo de um «processo de partes», em que o interesse do recluso se confronta com interesses contrapostos da administração penitenciária. Mesmo a defesa da sociedade, que é uma das finalidades da execução das penas (nº 1 do artigo 2º do CEPMPL) não conflitua com aquele interesse. Mais concretamente, como escreve Anabela Rodrigues «a defesa da sociedade não tem o sentido de tarefa cometida à execução, antes deve ser tomada em consideração – como limite – no caso de decisões sobre medidas a tomar durante a execução que visem quer evitar a dessocialização quer promover a não dessocialização» (cfr. Novo Olhar... ob. cit. pág. 63).

A ordenação dos atos e formalidades que compõem o processo de licença de saída jurisdicional evidencia ausência de reciprocidade dialética suscetível de provocar a intervenção do princípio da igualdade de armas.

Tal como se prevê no CEPML, o processo inicia-se com um requerimento do recluso entregue na secretaria do estabelecimento prisional, que o remete ao tribunal instruído com o registo disciplinar e informação sobre o regime de execução da pena, data do início, processos pendentes, medidas de coação impostas e eventual evasão (artigo 189.º); uma vez autuado, é concluso ao juiz para despacho liminar, que pode ser de indeferimento, caso não se verifiquem os requisitos previstos no artigo 79º, ou de marcação da data para reunião do conselho técnico (artigo 190.º); o conselho técnico, presidido pelo juiz e com a participação do Ministério Público, emite um parecer sobre a concessão da licença de saída e as condições a que a mesma se sujeita (nº 1 do artigo 191º); se o juiz entender necessário, procede-se à audição do recluso, na presença do Ministério Público (nº 2 do artigo 190º); o Ministério Público, querendo, pode emitir um parecer (nº 1 do artigo 192.º); e por fim, o juiz dita para a ata da reunião do conselho técnico a decisão sobre a concessão da licença requerida, a sua duração e as condições, e em caso de recusa, a fixação de um prazo inferior ao legal para a renovação do pedido (nºs 1 e 2 do artigo 192.º).

Estes atos não introduzem uma função contraditória que tenha que ser arbitrada pelo juiz. O conselho técnico e o Ministério Público não figuram no processo com o «estatuto» de partes processuais, mas como autoridades públicas que emitem pareceres à roda do mesmo interesse servido pelo processo, que é o da readaptação ou reinserção social do recluso. A ausência de uma situação conflitual, que é pressuposto do exercício da função jurisdicional, tem levado mesmo alguma doutrina a defender que a concessão da licença de saída deveria ser da competência do Ministério Público, ficando a intervenção do tribunal reservada à resolução do conflito que eventualmente possa surgir com a decisão daquela entidade (cfr. Anabela Rodrigues, Novo Olhar... ob. cit., pág. 138 e Da «afirmação de direitos»... ob. cit. pág.191).

A intervenção do Ministério Público neste “processo gracioso”, como era designado na anterior legislação, não ocorre no mesmo nível de intervenção do recluso. A posição processual do Ministério Público é de defesa da legalidade da execução da pena e não defender ou contradizer os interesses do recluso. Nos termos dos artigos 134.º e 141.º do CEPMLP, cabe-lhe acompanhar e verificar a legalidade da execução das penas e medidas privativas da liberdade. O Ministério Público é um órgão autónomo da administração da Justiça que intervém no processo tendo em vista a descoberta da verdade e a realização da Justiça, pautando a sua atuação por critérios de legalidade, objetividade e imparcialidade (cfr. Acórdão nº 291/02).

É desta particular função constitucional de “defesa da legalidade democrática” (cfr. nº 2 do artigo 219.º da CRP) que decorrem os poderes de participação no conselho técnico, de emissão de pareceres e de recurso da decisão judicial que concede, negue ou revogue a licença de saída jurisdicional. A legitimidade do Ministério Público para interpor recurso destas decisões, prevista no nº 1 do artigo 196º do CEPMPL, funda-se unicamente no facto de considerar que tal decisão é contrária à lei. Só por isso ele pode e deve recorrer e não em representação ou em defesa dos interesses do recluso, mesmo quando da sua atuação possa indiretamente resultar a satisfação desses interesses.

A posição jurídica do Ministério Público nesta espécie de processos penitenciários, expressão da função de representante da legalidade e do cumprimento dos deveres funcionais que integram o essencial do seu Estatuto, justifica um tratamento diferenciado relativamente ao recluso, nomeadamente no que se refere à possibilidade de interposição do recurso das decisões que neguem a concessão de licença de saída jurisdicional.

Como vimos, o interesse que serve de base material ao processo de concessão da licença de saída não consubstancia um direito subjetivo do recluso. Esse direito só entra na esfera jurídica do recluso com a decisão judicial que concede a saída do estabelecimento. Assim se compreende que, em caso de revogação da licença, lhe tenha sido atribuída legitimidade para recorrer da decisão revogatória. É que, neste caso, extingue-se o direito à licença, de que resulta o desconto, no cumprimento da pena, do tempo em que esteve em liberdade (cfr. nº 4 do artigo 85º do CEPMPL). Mas enquanto a licença não é atribuída, a pretensão do recluso dissolve-se numa forma de participação na modelação da execução e nas possibilidades de ressocialização que a lei prevê.

Ora, o princípio da igualdade processual impõe que se estabeleça um equilíbrio entre a posição jurídica de cada um dos intervenientes e os meios jurídicos colocados ao seu dispor. Tal equilíbrio tem que ser avaliado em função do conjunto de atos que compõem o processo e não em relação a cada um deles, pois a diferente natureza dos sujeitos pode implicar a necessidade de diferentes meios de intervenção processual. Assim, se a defesa da legalidade das medidas de execução da pena pode justificar, embora eventualmente não imponha, que um órgão de Justiça interponha recurso da decisão judicial que nega a concessão da licença de saída, a mesma necessidade pode não se fazer sentir relativamente ao interveniente que, para além de não realizar um direito subjetivo, pode renovar

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vemos as coisas, não atentou com o mesmo detalhe num ponto que, temos por fundamental no que aos recursos diz respeito, e salientamos no início da nossa intervenção, julgando poder invalidar singelamente todas estas judiciosas considerações.

Referimos à circunstância se só se mostrar constitucionalmente consagrado, no domínio penal, o direito ao recurso por parte do arguido, o que se não impede o legislador ordinário de o consagrar, como sucede, para outras partes ou intervenientes processuais, é um princípio ou indicação constitucional que não pode ser ignorado por aquele e menos ainda ser contrariado.

Mas é o que, numa análise simples, mas que não se crê simplista, sucede com a norma do n.º 2 do art. 196.º do Código de Execução de Penas quando não consente que o condenado possa recorrer da decisão judicial que nega a licença de saída jurisdicional.

Com efeito, o legislador ordinário entendeu que se justifica que essa decisão, com consequências directas para o condenado e a sua liberdade, deve ser passível de recurso que pode alterar o seu sentido e logo as consequências sobre o condenado e depois atribui o poder de interpor esse recurso a um Magistrado do Ministério Público, magistratura a que constitucionalmente não está atribuída a faculdade de recorrer em processo penal, e nega-a ao condenado, interessado directo, a quem está constitucionalmente conferido o direito a recorrer.

Esta solução, a da norma do n.º 2 do art. 196.º do Código de Execução de Penas viola, a nosso, ver o princípio constitucional que acima referimos, não obstante ao construtivismo jurídico subjacente ao juízo de constitucionalidade, diminuindo o alcance do direito ao recurso constitucionalmente atribuido ao arguido numa matéria em que é directamente interessado, ao mesmo tempo que o concede ao Ministério Público.

A questão suscitada no debate, merece seguramente, mais atenção e ponderação, mas não podemos fugir à resposta que, nestas circunstâncias e neste momento temos por adequada e conforme ao nosso entendimento da Lei fundamental.

a mesma pretensão num curto espaço de tempo.

Num processo de natureza predominantemente objetiva, como é o caso do processo de concessão de licença de saída jurisdicional, há fundamento razoável para diferenciar os poderes do Ministério Público dos poderes do recluso quanto à legitimidade para recorrer da decisão judicial que nega a licença de saída. A decisão que nega a licença é sempre uma decisão não definitiva, que pode ser alterada no prazo de quatro meses ou num prazo inferior fixado pelo juiz (cfr. artigo 84.º e nº 3 do artigo 192.º do CEPMPL). A provisoriedade da decisão justifica assim a existência de limitações à recorribilidade por parte de quem pode renovar o pedido. Com efeito, se no prazo de quatro (ou menos) meses o recluso pode renovar o pedido de licença de saída, a pendência do recurso jurisdicional não só prejudicaria a apreciação do novo pedido como poderia inutilizar o recurso, conforme fosse o sentido da decisão daquele pedido.»

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Paulo Sá e Cunha, Advogado e Presidente da Direcção da Associação dos Advogados Penalistas

“Testemunhos de patrocínio: Advogados”

Vou lançar uma provocação para reflexão de todos!

Relembro um episódio vivido há cerca de 20 anos, na Faculdade de Direito, quando fazia orais da cadeira de Direito Penal, com a Dra. Helena Tomaz. Um dos alunos que se apresentou para fazer oral vinha guardado à vista por guardas prisionais, porque se encontra preso num Estabelecimento Prisional. Fizemos a oral ao aluno, era um aluno com boa compleição física, perito em artes marciais e relatou-nos que tinha praticado um crime de homicídio, o qual tinha praticado numa situação que nos pareceu de legítima defesa e assim estava a cumprir pena pelo crime de homicídio

Aquele exemplo, assim como o exemplo do Senhor Francisco Valente, são exemplos claros, vividos, daquilo que deve ser a reabilitação dos reclusos e aquilo que é objectivo desejável do sistemas prisional e das normas e princípios que devem enformar a execução das penas, este princípio fundamental da recuperação do recluso, da recondução do recluso a orientação da uma vida, de acordo com o cumprimento das normas, adequada à paz social e à sua reintegração, de acordo com as normas, nas sociedades.

Estes são exemplos marcantes. É bom recordar, cabe à Ordem dos Advogados estar na vanguarda na defesa, que o nosso Direito Penal e Direito Processual Penal são de inspiração humanista e ainda são enformados pelos princípios do liberalismo, ainda da Revolução Francesa, que hoje veem no horizonte nuvens sombrias que resultam de uma reacção securitária das sociedades ocidentais face a ameaças nunca vistas, e que nos perturbam a todos.

Sem perder de vista que as razões de segurança muitas vezes tem que prevalecer sobre as razões da Justiça, o equilíbrio destes valores fundamentais de qualquer sistema jurídico-penal pode-se alterar em qualquer momento mas sem perder de vista os princípios fundamentais enformadores do direito penal.

É bom a Ordem dos Advogados vá produzindo matéria, como estas Jornadas, e que se mantenha fiel na defesa dos direitos humanos.

Aceitei o convite e coube-me falar do tema: uma perspectiva na primeira pessoa – testemunhos de patrocínio

E pensei que os dedos de 2 mãos chegam para contar as vezes em que me visitei a estabelecimentos prisionais para acompanhar reclusos, umas vezes para visitar arguidos em prisão preventiva, outras vezes para visitar reclusos que patrocinei.

Isto é um sinal dos tempos pois cada vez faço menos casos de processo penal e mais contraordenações. Como referiu o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Conselheiro. Henriques Gaspar, na Abertura do Ano Judicial, cada vez temos mais entidades reguladoras que tem uma actividade febril, que concretamente no domínio da minha prática da advocacia para processos de contraordenação do que direito penal.

Por isso vou cada vez menos às prisões, mas ainda assim vou. Ainda noutro dia fui a Caxias onde as coisas não funcionam muito bem, aqui, como no Estabelecimento Prisional de Lisboa, no reduto sul de Caxias não havia parlatório. Uma Advogada teve que conferenciar na sala de visitas com um preso preventivo.

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Há Estabelecimentos Prisionais exemplares mas a grande dimensão é inimiga das finalidades que devem presidir ao cumprimento de pena, e quando se misturam presos preventivos com os outros ainda é pior, se misturam jovens com mais velhos, ainda serão piores.

Enquadramento do tema, como Advogado, chamar a atenção para uma realidade que é hoje é quase indiscutível, que é a execução das penas, o direito penitenciário, é um subramo do direito penal total. Não é uma excrescência do direito penal, esta ideia nem sempre foi assim. Ainda em meados do século passado havia a ideia que o direito da execução das penas era um direito puramente administrativo, um direito que apenas regulava a vida do recluso no Estabelecimento Prisional e que acompanhava a vida do recluso enquanto durasse a execução da pena.

A judicialização da execução das penas era vista com maus olhos o que já não é assim. A evolução legislativa veio no sentido da consolidação da judicialização da fase da execução das penas e com isto veio recentrar o direito penitenciário como ramo ou direito penal total com consequências marcantes e devem se salientas, uma vez que assim lhe são aplicáveis todas as garantias constitucionais são aplicáveis ao direito de execução de penas.

É um ramo que tem sido descurado pela doutrina e também pelo tratamento jurisprudencial. A área da execução das penas só é notícia quando alguma coisa corre muito mal, quando morre um recluso, quando os guardas prisionais fazem greve, etc. São escassos os trabalhos sérios de órgãos da comunicação social sobre a vida das prisões. Por contraposição àquilo que é o mediatismo crescente de casos da Justiça, quer na fase de inquérito, quer na fase de julgamento.

Por todas as razões o direito penitenciário é uma espécie de parente pobre mas não deixa de ser direito penal total e estar adstrito aos princípios e garantias fundamentais, nem todos se aplicam mas destacaria:

- o Princípio do respeito pela Dignidade da Pessoa Humana, é fundamental! Este é verdadeiramente central. O recluso não é pela sua condições de recluso que deixa de ser um cidadão de pleno direito à excepção das restrições do estado específico de pessoa que está sujeita a pena privativa da liberdade, em ambiente prisional.

- o Princípio do Tratamento Mais Favorável que deve nortear a aplicação e interpretação da lei nesta matéria.

O direito da execução das penas visa, na expressão do Prof. Figueiredo Dias, visa a regulamentação jurídica da efectiva execução da pena e/ou medida de segurança decretados na condenação preferida no processo penal, e se é assim, naturalmente as finalidades enformadoras da execução das penas terão que aquelas que correspondem às finalidades que correspondem as das propiás penas em geral. Prevenção geral positiva e negativa e de prevenção geral.

Isto nem sempre se verifica. A velha ideia do cumprimento da pena como uma expiação da culpa é uma ideia que ainda está muito presente na prática nos nossos tribunais, e nos Tribunais de Execução de Penas.

A temática da interiorização da culpa, no fundo, o arrependimento demonstrado pelo recluso na execução da pena, a propósito das concessões da liberdade condicional. Depois de uma série de procedimentos sempre que é necessário tomar a decisão de colocar alguém em liberdade condicional um dos factores prevalecentes é o da falta de interiorização da culpa, para não concessão de liberdade condicional. Este não é um critério legal, de acordo com o artigo 61º do Código Penal, não há este requisito em lugar nenhum, e traduz-se, muitas vezes, este tratamento do recluso candidato à liberdade condicional numa reincidência da punição concreta daquele recluso. Porque este factor é um factor que é e deve ser tido em conta pelo aplicador do direito ao fixar a medida concreta da pena, o arrependimento, o reconhecimento da culpa, a vontade de reparação do dado, todas as manifestações que devem militar a fazer do arguido devem ser tidas em conta na determinação da medida concreta da pena. A partir do momento

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em que o recluso começa a cumprir a pena, e a cumpre em reclusão, em Estabelecimento Prisional, esses considerandos deixam de interessar e não devem ser tidos em conta na concessão da liberdade condicional.

A este respeito há um Acórdão exemplar, do Tribunal da Relação do Porto, de 10 de Outubro de 2012, que refere o seguinte: não é requisito da concessão da liberdade condicional, a meio da pena ou cumpridos 2/3 da mesma, que o condenado revele arrependimento ou interiorize a sua culpa, tal é seguramente desejável à luz das finalidades da penas mas pressupõe uma mudança interior que não pode ser imposta.

A este respeito, destaco também um artigo da Professora Fernanda Palma, publicado no Correio da Manhã, em 15 de Fevereiro de 2002, “Culpa Interior” que trata muito bem esta matéria.

É um tema que devia ser visto e revisto pela jurisprudência. A culpa, o reconhecimento da culpa são, ainda, factores de concessão da liberdade condicional. E não devem ser!

Breve nota sobre a matéria dos recursos, artº. 196º, nº1, do Código de Execução das Penas., respeita à Irrecorribilidade pelo recuso da decisão (judicial) de recusa de licença de saída jurisdicional, norma que originou jurisprudência do Tribunal Constitucional, o Acórdão nº 560/2014, tirado no Proc nº 1321/13, que se pronunciou no sentido da constitucionalidade desta norma que dispõe que o recluso apenas pode recorrer da revogação de decisão de licença de saída jurisdicional, mas da não concessão já o recluso não o pode fazer sendo que o Ministério Público o pode fazer.

Este Acórdão tem um voto de vencido, que eu subscrevo, do Juiz Conselheiro Pedro Machete, pelo argumento, do Princípio da Igualdade das Armas. Não faz sentido prever-se a possibilidade do Ministério Público recorrer no exclusivo interesse do recluso e o recluso não o poder fazer. Não faz sentido absolutamente nenhum.

A lei não estabelece a irrecorribilidade da decisão, mas porque razão há-de estar vedado ao recluso o recurso de uma decisão que respeita a liberdade do recluso, de uma decisão que lhe é desfavorável. Esta é uma decisão que respeita a liberdade do recluso e que deve obedecer ao princípio da igualdade de armas e ao princípio do favor da liberdade. Não me parece que esta solução legal seja conforme à Constituição (CRP).

Veja o filme realizado no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz

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CDHOA - Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados * Lisboa 26 e 27 de novembro de 2015

A Execução da Pena, a Reinserção e a Reincidência

José Semedo Moreira, Investigador da Direcção de Serviços de Estudos e Planeamento da DGRSP

Sonia Kietzmann Lopes, Juíza do Tribunal de Execução de Penas "A prevenção da reincidência"

Antónia Soares, Procuradora da República no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa

Moderação: Helena C. Tomaz, Vice-Presidente da CDHOA

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CDHOA - Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados * Lisboa 26 e 27 de novembro de 2015

José Semedo Moreira, Investigador da Direcção de Serviços de Estudos e Planeamento da DGRSP

“Da Privação para o Retorno à Liberdade e das suas Dificuldades”

Por antecipação clarifica-se, logo à partida, que este curto texto, moldado para comunicação verbal, não tem a veleidade de propor uma resposta fechada para a complexidade de um tema que triangula entre a execução de pena privativa de liberdade, a reinserção e a reincidência. Triângulo que, supondo uma mudança útil do recluso durante a execução da pena, terá na reinserção o saldo positivo e na reincidência o negativo. Todavia, para não defraudar expetativas, procurar-se-á desenhar hipóteses e colocar dúvidas.

Tomando como boa a tese de que, desde os seus primórdios, o fim da privação da liberdade como pena e, por acrescento, o da prisão que lhe serve de abrigo e de cenário à ação, é a reinserção do delinquente / internado / recluso, focar-se-á, de forma sinóptica, o que nos Serviços Prisionais se procura fazer no âmbito das políticas de integração de reclusos, caracterizar sócio criminal e penalmente a população prisional que é objeto destas políticas e, por fim, deixar em aberto algumas questões que, galgando a fronteira da competência dos Serviços, se afiguram relevantes para a integração ou reintegração de reclusos em sociedade.

As Regras Penitenciárias Europeias, naquilo que reporta a políticas de formação e de integração, referem que a execução das Penas Privativas de Liberdade, tendo implícitas exigências gerais e específicas de segurança, devem, simultaneamente, garantir condições de reclusão compatíveis com a dignidade humana e oferecer ocupações construtivas, bem como programas de tratamento destinados a preparar a reinserção dos reclusos na sociedade”.

As “Regras”, na parte I, respeitante aos princípios fundamentais, referem, nos pontos 6 e 7, que a reclusão deve ser orientada no sentido de facilitar a reintegração na sociedade livre e que devem ser encorajadas a cooperação com os serviços sociais externos e, na medida do possível, a participação da sociedade civil na vida penitenciária.

Na parte relativa ao trabalho prisional - que vai da regra 26.1 à 26.17 – pretende-se que este deva permitir, dentro das possibilidades, manter e aumentar a capacidade do recluso para ganhar a vida após a liberdade (26.3) e que siga os preceitos do trabalho em sociedade no que respeita ao cumprimento de horários e de dias de descanso, de saúde, de higiene e de segurança, bem como no que diz respeito a métodos e regras, remunerações e proporcionalidade do esforço pedido a cada um. Por seu turno, no que se refere à educação – da regra 28.1 à 28.7 – estabelece-se a necessidade de haver programas de ensino que correspondam às necessidades individuais e que sejam compatíveis com os propostos em sociedade livre, apelando-se a que se dê prioridade no ensino aos mais jovens e aos pouco escolarizados.

Mantendo-nos no campo das regras e dos objetivos definidos, deve igualmente ter-se presente que do Decreto-lei 215/2012 de 28 de setembro que cria a DGRSP, passando pela Lei nº 115/2009 de 12 de outubro (CEPMPL) e pelo Decreto – Lei nº 51/2011 de 11de abril (RGEP), até à Resolução do Conselho de Ministros de 46/2013 de 23 de julho (Plano Nacional de Reabilitação e Reinserção) todos são claros no sentido de se garantir a realização e execução de programas, atividades e medidas nas áreas da prestação de cuidados de saúde, ensino, educação, formação profissional, trabalho, iniciativas de carácter sociocultural e desporto, bem como demais programas formativos e de interação com a comunidade, visando a reinserção social do recluso.

É sustentada nestes princípios que a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais promove a ocupação dos reclusos em atividades escolares, de formação profissional, laboral e de

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entretenimento dos tempos livres. Diga-se que o faz, sempre que possível, em cooperação com instituições públicas e privadas e com organizações não-governamentais.

Releva-se o facto desta articulação com o social se fazer a vários níveis. Assim, a escolaridade, que vai do básico ao universitário, é feita no cumprimento dos programas escolares oficiais e ministrada por professores do ensino oficial, normalmente de escolas vizinhas dos Estabelecimentos Prisionais. A formação profissional é integralmente ministrada por entidades externas, principalmente pelo Centro Protocolar de Justiça e Instituto de Emprego e Formação Profissional.

A componente laboral, apesar de depender em boa medida da oferta disponível nos Estabelecimentos Prisionais, tem também uma comparticipação pública e privada tanto a nível de trabalho entregue nos estabelecimentos para os reclusos fazerem, como da colocação no exterior, dando letra de forma a protocolos, de reclusos em Regime Aberto para o Exterior.

Já no âmbito da ocupação dos tempos livres deve referir-se a cooperação e intercâmbio que há com a sociedade envolvente no âmbito desportivo e cultural, com participações em torneios e idas de grupos de teatro aos Estabelecimentos Prisionais e de reclusos ao teatro, tanto como atores, como na vertente de espectadores.

Definidos os grandes traços orientadores da atuação dos Serviços Prisionais, parece adequado proceder a uma caracterização sumária da população prisional a que se destina a atividade da DGRSP. População esta que será, em devido tempo, devolvida à sociedade.

Em linhas gerais pode dizer-se que se verificou uma subida acentuada da população prisional entre o final de 2009 e meados de 2014 (14 458 em junho), altura em que começou a baixar até ao final do ano (14 003 reclusos em dezembro) para retomar a subida desde o início do ano (14 311 em 15 de novembro). Trata-se de um universo essencialmente masculino (94% H), no qual a relação entre homens e mulheres se tem mantido estável no decurso dos últimos dois anos. Deve ainda ter-se em conta que parte importante – quase um quarto (25,8%) - deste diminuto espaço feminino é composto por mulheres estrangeiras.

A população reclusa tem uma idade média de 37,8 anos, apresentado a sua pirâmide etária, à imagem da população em geral, sinais de envelhecimento. A proporção de reclusos (1,5%) com menos 20 anos é inferior à dos que têm mais de 60 (5,4%) e a o peso relativo dos que têm entre 21 e 29 anos (23,5%) é também francamente menor que o dos que têm entre 40 e 59 (36,6%). Este é um desenho que acompanha e reflete o da sociedade.

A escolaridade deste universo é fraca. Mais de metade (57,9%) não chegou ao 3º ciclo do ensino básico em que se cumpre a escolaridade mínima obrigatória. Neste volume cabem 6,9% de analfabetos e 27% que se quedaram no 1º ciclo do ensino básico. Diga-se que este traço denota um processo de exclusão social muito precoce.

Os últimos quatro anos mostram um decréscimo constante e acentuado do peso relativo dos reclusos estrangeiros, cuja taxa caiu 2,7% quando comparamos os 20% de 2011 com os 17,3% atuais. No que reporta a nacionalidades temos, no topo, os originários de Cabo Verde, seguidos dos do Brasil, de Angola, da Roménia, da Guiné Bissau e de Espanha.

Direcionando o olhar para a perspetiva jurídico-penal, conclui-se que os reclusos se encontram maioritariamente condenados (83,8%). Deve relevar-se o facto do peso relativo dos preventivos (16,2%) estar em quebra constante e valer hoje menos 3,3% do que em 2012 (19,5%). Este balanço começa a desenhar-se logo à entrada dos reclusos no sistema prisional, uma vez que a maioria chega já condenada, ou seja com a sentença transitada em julgado.

Mais de metade (51,5%) dos condenados cumpre penas entre os 3 e os 9 anos. Constatação que é válida para homens mulheres e para portugueses e estrangeiros. As grandes linhas de distribuição dos reclusos condenados, por escalões de pena, mantiveram-se nos últimos anos,

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com os escalões entre os 3 e os 9 anos serem os mais relevantes. Nos escalões respeitantes a penas mais pesadas – 13% dos condenados tem penas superiores 12 anos – e refletindo eventualmente uma criminalidade mais violenta, temos vindo a verificar um crescimento ligeiro, mas continuado, destas penas.

Um pormenor relevante está associado à pena de prisão por dias livres que, após um crescimento constante, estabilizou nos últimos dois anos na casa dos 4% dos condenados. Como última nota de pormenor releva-se a estabilização, nos dois últimos anos, das penas de prisão até 12 meses em torno dos 6 a 7% (6,9%).

Num breve apontamento sobre os principais tipos de crime é possível dizer que a estrutura representativa se tem mantido sem alteração nos últimos anos com os crimes contra o património (27,4%), em que prevalecem o roubo e o furto, a ocuparem o primeiro lugar, seguidos de perto (24,8%) dos crimes contra as pessoas de que sobressaem os homicídios e as ofensas contra a integridade física e em terceiro os crimes relativos a estupefacientes (19,1%) em que o tráfico tem a primazia. Na categoria outros crimes (12,1%) releva-se o peso dos crimes rodoviários.

Esta caraterização sinóptica ficaria incompleta sem referir que em 2014 foram concedidas 10 641 saídas jurisdicionais com um taxa de sucesso de 99,6% (só não regressaram no dia e hora estabelecidos 53 reclusos) e que a 31 de dezembro se encontravam a trabalhar em regime Aberto no Exterior 61 reclusos.

Este retrato – extraído de uma minoria que, a dado passo das suas vidas, viu as suas condutas penalizadas com penas privativas de liberdade - espelha percursos de vida, em parte comuns, a muitas pessoas cujo processo de exclusão social começou precocemente com a não conclusão, sequer, da escolaridade mínima obrigatória.

Quem, desde cedo, se afastou da formação escolar e profissional e prosseguiu caminho com um relacionamento pouco vinculativo com o trabalho, talvez por, em consequência dos antecedentes, este ser pouco gratificante em termos de realização pessoal e da remuneração, acabou por construir a sua sabedoria da vida, quase exclusivamente, a partir de experiências quotidianas, as mais das vezes, marginais às tidas por socialmente adequadas.

Pode, pois, afirmar-se que, quando boa parte dos protagonistas de comportamentos desviantes chegam à idade de verem as suas condutas criminalizadas e punidas com penas privativas de liberdade, os dados estavam, desde há muito, lançados. A situação de reclusão surge, nestes casos, quase como uma decorrência natural de um conjunto de antecedentes individuais, familiares e sociais.

Face a este quadro e sem pretender ser exaustivo, gostaria de referir que, no decorrer do ano de 2014 cerca de 4100 reclusos estiveram envolvidos em ações escolares e de formação profissional e que cerca de 5200 reclusos estavam, no final do ano transato, integrados em atividades laborais, dos quais mais de 1000 a trabalhar por conta de entidades externas e os restantes 4100 em atividades no interior dos 49 estabelecimentos prisionais do país.

Também na área das atividades socioculturais e desportivas se está a fazer um investimento técnico digno de registo, o qual não se deve só ao esforço e dedicação dos profissionais que dinamizam estas atividades nos estabelecimentos prisionais e nos centros educativos, mas também às diversas entidades externas que as dinamizam, tendo envolvido em 2014 cerca de 2300 reclusos em atividades socioculturais e cerca de 7200 em atividades desportivas.

Por fim, o investimento na aplicação de Programas específicos de reabilitação tem sido nos últimos anos um sinal de modernidade e inovação, dado que se têm revelado como uma resposta eficaz de reinserção social pelo impacto positivo na mudança de comportamentos, atitudes e crenças.

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No decorrer do ano de 2014 estiveram envolvidos em programas um total de 3560 reclusos que frequentaram os 12 programas específicos aplicados em meio prisional e cerca de 1100 arguidos e condenados que frequentaram os programas de execução na comunidade, donde se destacam os mais de 650 agressores de violência doméstica que desta forma foram tratados pelo programa específico aplicado pelos profissionais da DGRSP.

Este modelo de distribuição é perfeitamente compaginável com a capacidade de oferta de trabalho do sistema prisional e com a necessidade de escolarizar, tendo em conta o panorama académico anteriormente referido. Diga-se que a necessidade de transmissão de conhecimentos pode ser preciosa para o desempenho de algumas das atividades de trabalho existentes nas prisões e para que possam vir a frequentar, com perspetivas de êxito, alguns dos cursos de formação profissional disponibilizados pelo sistema prisional. Mas pode ser, sobretudo, imprescindível para a futura devolução dos reclusos à sociedade.

Estamos, pois, aqui, a projetarmo-nos para o tempo da socialização (quero dizer da aquisição de competências para lidar com os outros e com as contingências da vida em sociedade) e para os espaços físicos e sociais de pertença dos reclusos. Espaços estes que as mais das vezes estão na fronteira entre a norma e o desvio, senão mesmo do lado de lá da integração social tida por adequada.

Ora, os reclusos, aquando da sua devolução à vida em sociedade regressam, naturalmente como todos nós depois de um qualquer afastamento, aos seus espaços físicos e sociais de pertença. Isto significa, independentemente do que, de bom ou mau, tenham aprendido na formação que a pena privativa de liberdade lhes deu, que estão de volta a um quotidiano social onde o desvio, mesmo não sendo necessariamente criminal, está presente.

Acresce a este pormenor, que já de si não é despiciendo, que, tendo em conta o retrato anterior, estamos a falar da devolução à sociedade de pessoas que, depois de cumprida, em média, uma pena de 6 anos, estarão no limiar dos 43 anos e, dadas as habilitações de base, mesmo que tenham feito um aproveitamento total da formação ministrada, continuarão aquém das habilitações escolares e profissionais ideais para disputar o mercado de trabalho. Realidade que não pode deixar de, ainda que de modo indelével e não mensurável, acabar por se vir a refletir no acesso ao emprego, na remuneração, na satisfação profissional e na aquisição de hábitos vinculativos de trabalho.

Por outro lado, devemos também ter a noção de que a vida numa instituição prisional não é uma representação miniaturizada da vida em sociedade. Logo, o trabalho, a escola, a formação e o lazer são objeto, quer por parte da instituição quer por parte dos reclusos, de funções, ritmos, utilizações e adaptações, muitas vezes secundárias, que as afastam daquilo que são na vida social livre. Isto quer dizer que a prisão pode proporcionar formação técnica – escolar, profissional, laboral – mas que não é o espaço adequado para transmitir as competências sociais determinantes para a boa e adequada utilização, em meio livre, dos conhecimentos adquiridos e transmitidos durante o cumprimento da pena.

Do que partilhei neste texto pode concluir-se que os lugares da norma e da atração pelo desvio, da regra e do seu incumprimento, da integração e do desvio social são moedas que para serem jogadas obrigam a contar com a cara, com a coroa e com o rebordo. E é aqui, no rebordo, que se desenha a importância das ações e das dúvidas que juntei nesta comunicação. Rebordo que, apesar de estreito, tem um papel que pode, e deve, ser encarado sob diferentes perspetivas.

A primeira, ligada à prevenção, ganha relevância com o envolvimento dos reclusos em programas de escolaridade, de formação, de trabalho e de ocupação dos tempos livres que lhes forneçam instrumentos capazes de os ajudar a lidar com a vida, qualquer que seja a opção que escolham para ela. É que, aqui, o termo opção, constitui-se como a palavra-chave pois supõe escolha, ou seja evita-se que a exclusão, anteriormente retratada, se venha a desenhar como a única saída para a vida.

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A segunda surge focalizada em quem, a dado passo da vida, por azar, inépcia ou opção, galgou a fronteira da norma, se viu confrontado com problemas de criminalização e, ajustadas as contas, pretende reintegrar-se. Este é um vetor primordial, pois a reintegração depende, para além de tudo o que as instituições possam proporcionar, da conjugação entre a vontade de cada um e a disponibilidade de acolhimento, por parte do seu segmento social de pertença.

Pelo meio e não menos importante, há a tentativa de apoio e de ajuda à resolução dos pequenos nadas do quotidiano que, não matando, moem e, não raro, predispõem para a desconfiança que é sempre má conselheira na relação que temos que estabelecer uns com os outros e com as instituições.

Quem trabalha nestas áreas sabe que o sucesso de um número infindável de ações pode ser ofuscado por um (a)incidente de percurso, desde que este se repercuta na envolvência social ou tenha eco mediático. Quem é objeto de apoio deve ter presente que este apoio obedece a regras, é uma fonte com recursos limitados e que nunca deve substituir a livre iniciativa e a capacidade de cada um decidir por si. Importante é que decida com a consciência do resultado dos seus atos e essa informação, no mínimo, o sistema prisional fornece-a por diversas vias.

Em jeito de fecho de círculo, termino voltando ao início do texto para dizer que, com alguma probabilidade, algumas das dúvidas e inquietações que por aqui perpassam estarão indissociavelmente ligadas ao conceito de penitenciária e de prisão. Ou seja, para o modelamento dos sujeitos (ou operação penitenciária na aceção de Foucault) que as prisões poderão, ou não, vir ou estar a desempenhar há também que contar com o conceito de liberdade e do que ela representará para a sociedade, uma vez que convém ter presente que o espaço prisional/penitenciário só começou a ser instrumento de trabalho e mudança dos internados quando foi considerado que a privação da liberdade constituía, só por si, uma pena.

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Sonia Kietzmann Lopes, Juíza do Tribunal de Execução de Penas

"A prevenção da reincidência”61

Gostaria de começar por agradecer à Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, especialmente na pessoa da Senhora Dr.ª Helena Tomaz, o convite que me foi endereçado. Cumprimento também os demais intervenientes do presente painel.

I. Avaliação do risco de reincidência

De entre os temas a abordar por este painel interessou-me especialmente aquele que se prende com a reincidência, mais concretamente a forma como na execução das penas se procura avaliar o risco de reincidência e combatê-lo.

Do que se trata, basicamente, é de identificar fatores de risco que estejam na génese do comportamento criminal, encontrar instrumentos ou meios para combater tais fatores de risco e avaliar o resultado da aplicação de tais instrumentos, com vista a formular um juízo sobre a aplicação de medidas de flexibilização da pena, em particular a liberdade condicional.

Este processo pressupõe a participação de todos os intervenientes no sistema prisional.

Vejamos:

i) Pressupõe muito em especial a participação das equipas técnicas de serviços prisionais e reinserção social na medida em que delas depende desde logo a avaliação necessária à elaboração do plano individual de readaptação do recluso.

Como sabem, a elaboração deste plano, essencialmente previsto no art. 21.º do código de execução das penas (cep), é obrigatória sempre que a pena, soma das penas ou parte da pena não cumprida, exceda um ano, nos casos de reclusos até aos 21 anos ou nos casos de condenação em pena relativamente indeterminada, e visa a preparação para a liberdade, estabelecendo as medidas e atividades adequadas ao tratamento prisional do recluso, bem como a sua duração e faseamento, nomeadamente nas áreas de ensino, formação, trabalho, saúde, atividades sócio-culturais e contactos com o exterior.

A intervenção dos técnicos supramencionados é também essencial na medida em que irão conduzir os programas nos quais os reclusos participam com vista a combater os seus fatores criminógenos, avaliando depois o resultado da respetiva frequência, que é vertido mormente nos relatórios a atender para efeitos da apreciação da liberdade condicional.

ii) A intervenção dos serviços de segurança do estabelecimento prisional, vulgo a guarda prisional, é, também ela, essencial nesta construção.

Reparem no seguinte exemplo: se for identificado como fator criminógeno de um recluso a ausência de hábitos laborais e, como tal, for julgado relevante e necessário que o recluso desenvolva aqueles hábitos, tal só é possível caso haja suficientes guardas prisionais para supervisionar os locais de trabalho.

61 O presente texto serviu de base à intervenção da signatária nas Jornadas identificadas em epígrafe, não tendo estado subjacente à sua elaboração uma futura publicação, pelo que mantém o caráter oral que esteve na sua génese.

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CDHOA - Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados * Lisboa 26 e 27 de novembro de 2015

Ainda ontem visitei as instalações do estabelecimento prisional da Carregueira e um dos problemas que constatei é o da escassez de guardas prisionais, com reflexos quer ao nível da segurança, quer ao nível da oferta de mais oportunidades laborais para os reclusos.

Escusado será dizer que o mesmo se verifica relativamente aos recursos humanos nas equipas técnicas. Exemplo claro disso é, no estabelecimento prisional da Carregueira, a dificuldade de afetação de técnicos especializados e em exclusivo a programas tão específicos como aquele dirigido a agressores sexuais. O que tem como consequência, designadamente, que não consiga incluir-se no programa todos os reclusos necessitados de o frequentar.

ii) Por último, assumem um relevante papel nesta matéria os procuradores e juízes do tribunal de execução das penas, posto que lhes cabe, em face dos resultados que lhes são transmitidos, procurar avaliar a subsistência dos fatores de risco e, logo, emitir parecer e decidir sobre a aplicação de medidas de flexibilização da pena, designadamente a liberdade condicional.

Aqui chegados, cumpre então que percebamos como se identifica e avalia os fatores de risco.

Existe sobre esta matéria um documento muito interessante, da autoria do centro de competências para a implementação e gestão de programas da direção geral de reinserção e serviços prisionais, intitulado “Sistema de avaliação de risco e necessidades criminógenas”, que, com base em estudos científicos internacionais, aponta a importância de oito fatores fundamentais na avaliação do risco e necessidades: a história de comportamento anti social, o padrão de comportamento anti social, as atitudes e valores anti sociais, os pares anti sociais, a família, a escola e trabalho, o lazer e atividades recreativas e o abuso de substâncias.

E é com base nestes oito fatores que o sistema de avaliação de risco e necessidades criminógenas aponta para os seguintes aspetos a atender:

i) A história criminal, que consiste desde logo na avaliação dos antecedentes criminais do recluso. Estudos científicos apontam no sentido de que quanto mais condenações anteriores o recluso apresentar, maior probabilidade tem de voltar a cometer crimes. Curiosamente, quando se trata de crimes contra a autodeterminação e liberdade sexual ou violentos, o fator de risco é julgado elevado independentemente de o recluso ter já antes sido condenado. Por outro lado, é relevante a precocidade do início criminal, bem como a gravidade e variedade dos ilícitos. Na verdade, são considerados fatores de risco elevado o início precoce da atividade criminal, a prática de várias atividades ilícitas e de natureza variada e o envolvimento de familiares na prática de crimes (já que está demonstrado que sujeitos com pais ou outros elementos da família envolvidos na prática de crimes são mais propensos ao cometimento de atos ilícitos). Sem embargo, o risco da prática de novos crimes tende a diminuir com a idade. Neste item é incluída também a avaliação dos crimes pelos quais o recluso está em cumprimento de pena, mormente a personalidade que revelou ao cometê-los, a sua capacidade de violência, de indiferença para com o sofrimento da vítima, etc. E atende-se igualmente à chamada atitude face ao crime, posto que a capacidade de assunção da autoria do crime, de interiorização do desvalor da conduta criminal e de reconhecimento do impacto da conduta na vítima é considerada a base para o redirecionamento do trajeto de vida. O egocentrismo, a pouca auto crítica e a ausência de um arrependimento genuíno são considerados fatores de risco.

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ii) Em segundo lugar, o sistema de avaliação de risco e necessidades criminógenas foca o aspeto das competências sociais. Trata-se de atentar, por um lado, na interação ou não com grupos de pares de comportamentos anti sociais, posto que a integração em tais grupos eleva, de acordo com estudos científicos, a probabilidade do sujeito se envolver em comportamentos desviantes. Por outro lado, analisa-se a forma como o recluso geria os seus tempos de lazer e atividades recreativas, na medida em que estudos apontam no sentido de que a ociosidade se relaciona de um modo geral com a delinquência. Atende-se, por outro lado, à responsabilidade cívica, mormente na atitude face às regras sociais. iii) Em terceiro lugar são tidas em conta as competências pessoais e emocionais. Neste campo avalia-se as atitudes e valores anti sociais. Recordo-me, a este respeito, muito particularmente de um recluso em cumprimento de pena pela prática do crime de violência doméstica, com uma clara distorção da perceção do papel e lugar da mulher na família e na sociedade. Por outro lado, atende-se neste item à rigidez de pensamento (ou seja, dificuldade em aceitar a opinião de outros, em alterar a sua postura, etc.) à capacidade de resolução de problemas (mormente na forma como é gerida a frustração e o stress) e à capacidade de pensamento consequencial (isto é, capacidade de determinar a sua ação em função de um raciocínio sobre quais as consequências dessa mesma ação; um indivíduo que tende a atuar por impulso, terá reduzido pensamento consequencial). iv) Atende-se, igualmente, aos comportamentos aditivos, posto que, de acordo com um estudo levado a cabo em Portugal em 2001, na população prisional portuguesa 73% dos reclusos estava em cumprimento de pena por crimes relacionados direta ou indiretamente com estupefacientes e 32% dos inquiridos declarava estar em reclusão por crimes praticados com o intuito de obter dinheiro para o consumo de drogas. Pessoalmente, constato que um grande número de crimes cometidos pelos reclusos dos estabelecimentos prisionais com que trabalho é potenciado pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas, o que se me afigura tanto mais preocupante porque nem todos os estabelecimentos prisionais têm programas destinados especificamente ao combate deste fator criminógeno. v) Por outro lado, atenta-se na área familiar, já que fatores como a ausência de disciplina ou a disciplina excessivamente severa ou irregular ou um acompanhamento parental cruel, passivo ou negligente são reconhecidos como aspetos importantes na delinquência. Também os conflitos conjugais e a desagregação familiar aumentam a propensão para distúrbios de conduta e comportamentos aditivos. vi) Outro aspeto a atender prende-se com o percurso e comportamento prisional, mormente a capacidade de relacionamento interpessoal, de cumprimento das regras instituídas (que se reflete no cadastro disciplinar do recluso), de investimento pessoal, etc. vii) Atende-se, também, ao percurso escolar e de formação profissional, na medida em que estudos apontam no sentido de que a baixa performance escolar e a atitude negativa face à escola são fatores de risco para o comportamento delinquente. viii) Outro aspeto tido em conta é o do trabalho ou emprego, já que a ausência de empenho e motivação para prosseguir uma atividade laboral pode ter um papel na delinquência. ix) Por último, é atendido também ao fator saúde, que pessoalmente julgo especialmente importante, posto que tenho constatado que os problemas a este nível, particularmente ao nível da saúde mental, constituem um relevante fator criminógeno nos reclusos dos estabelecimentos prisionais que acompanho.

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Aliás, não posso deixar de referir a quantidade significativa de casos que o sistema prisional e a sociedade não são capazes de solucionar. Falo muito particularmente daquelas situações em que os reclusos, não sendo inimputáveis e não preenchendo também os critérios psiquiátricos de internamento em estabelecimento prisional hospitalar, apresentam doenças ou debilidades mentais que são determinantes de uma incapacidade de frequência dos programas existentes em meio prisional e também não permitem a reinserção adequada do condenado quando em liberdade, designadamente por as instituições que acolhem libertados desenquadrados em termos familiares se recusarem, compreensivelmente, a aceitar estes casos.

II. Combate ao risco de reincidência

Avaliados que estejam os fatores criminógenos, importa seguidamente procurar debelá-los.

Para o efeito e em termos concretos, poderá procurar-se fomentar o acompanhamento clínico do recluso (designadamente em psicologia e psiquiatria), propor-lhe a frequência escolar (desde a alfabetização à frequência universitária) ou de cursos profissionalizantes (recordo aqui os cursos de jardinagem ou de costura industrial existentes no estabelecimento prisional da Carregueira), propor-lhe o exercício de uma atividade laboral (com vantagens a vários níveis, posto que não só o combate ao ócio pode ser um combate à delinquência, como o recebimento de um vencimento permite aumentar a autoestima e avaliar da capacidade de gestão de rendimentos por parte do recluso) e a frequência de programas.

Creio que saberão que, enquanto juiz no tribunal de execução das penas de Lisboa, lido, no que tange à execução das penas propriamente dita, com os reclusos afetos aos estabelecimentos prisionais da Carregueira e de Caldas da Rainha.

E, porque o estabelecimento prisional da Carregueira acolhe, além do mais, 80% dos condenados em Portugal pela prática de crimes de natureza sexual, que constituem 50% da população prisional deste estabelecimento, tenho acompanhado com particular interesse o programa de intervenção técnica dirigido a agressores sexuais, aprovado em 2008.

Destina-se a reclusos condenados por crimes sexuais, nomeadamente crimes contra a liberdade sexual (por exemplo a violação) e contra a autodeterminação sexual (por exemplo o abuso sexual de crianças), sendo seus objetivos específicos a redução do risco de recidiva dos autores dos crimes de natureza sexual, o aumento da autocrítica do recluso face ao impacto na vítima e a restruturação cognitiva dos autores dos crimes de natureza sexual, com a adoção de comportamentos socialmente aceites. Para alcançar estes objetivos é julgado essencial ajudar o recluso a reduzir a negação, a aumentar a responsabilização, a reconhecer a gravidade dos danos e a desenvolver a empatia com a vítima.

O programa é composto por uma primeira fase, de tronco comum, chamada de intervenção motivacional, composta por 14 sessões de 90 minutos, e, subsequentemente, por duas linhas de intervenção diferenciadas e específicas à tipologia criminal, ou seja, uma para autores de crimes contra a liberdade sexual e outra para autores de crimes contra a autodeterminação sexual. Esta segunda fase é composta por 30 sessões de 90 minutos.

O programa usa como técnica privilegiada a dinâmica de grupos, o que necessariamente implica alguma exposição dos reclusos entre si e constitui para os mesmos em regra um momento de grande superação.

Procura-se neste programa detetar o mecanismo intelectual que contribui ou facilitou o cometimento do crime, promover o debate e reflexão no que se refere aos atos praticados e estimular a criação de estratégias alternativas adequadas.

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Para detetar o referido mecanismo intelectual, são avaliadas previamente as características de personalidade do recluso, as suas capacidades cognitivas, o historial e antecedentes criminais, o enquadramento sócio familiar, as condições de emprego, etc. e, após conhecimento do sujeito enquanto um todo, são identificadas as áreas deficitárias, sendo a intervenção técnica orientada para a sua restauração.

É um programa intenso do ponto de vista emocional e exigente do ponto de vista afetivo, já que nele o indivíduo é confrontado não só com a ilicitude do ato, mas também com as consequências que o mesmo teve para a vítima.

Na fase da motivação é designadamente explicada a tipologia do crime e a penalização legal, sendo feita uma reflexão genérica sobre os crimes sexuais e é trabalhada a assunção dos atos praticados, motivando-se os reclusos a definir a categoria de crime que praticaram, a exteriorizar em que ações se manifestou a prática do crime e a dar opinião sobre tais crimes.

Na segunda fase trabalha-se:

a) a consciência emocional, ou seja, reflete-se sobre o papel das emoções na regulação comportamental e procura-se identificar formas de gestão das emoções e da agressividade; b) os desvios, procurando-se perceber o que são as fantasias, qual a sua origem e quais as suas consequências e o que é uma sexualidade normal ou desviante; c) as distorções cognitivas, procurando-se identificá-las e distinguir entre factos e opiniões; d) as competências sociais, procurando-se identificar estilos de relacionamento interpessoal e refletir sobre as consequências dos diversos tipos de relacionamento interpessoal; e) a empatia, com identificação das consequências das agressões sexuais, confrontação com os sentimentos das vítimas e promoção do arrependimento, sendo os reclusos designadamente interpelados a escreverem uma carta dirigida a si por parte da vítima; f) por último, é tratada a prevenção da recaída, procurando-se que todos reflitam sobre causas de reincidência, identifiquem forma de procurar ajuda e elaborem um plano individual de segurança. g)

Entre 2009 e 2014 foram avaliados 219 reclusos para ingressar neste programa, dos quais 155 iniciaram o programa, 67 concluíram o programa e 1 reincidiu.

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Antónia Soares, Procuradora da República no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa

“A Execução da Pena, a Reinserção e a Reincidência”62

Agradeço à Ordem dos Advogados o convite que endereçou à Procuradoria-Geral da República para participar nestas Jornadas. Pessoalmente é um prazer estar aqui.

*

Na sequência da intervenção da Dr.ª Sónia Kietzmann, com quem trabalho, irei abordar o mesmo tema da reincidência, procurando incidir sobre os programas que visam a reabilitação como forma de reduzir o risco de novos comportamentos desviantes.

As entidades que trabalham com delinquentes têm nas mãos a nobre e difícil tarefa, simultaneamente um objectivo, que é a redução da reincidência criminal.

Para isso é necessário avaliar o risco, especificamente os fatores de risco que podem estar na origem do comportamento delituoso. Avaliar o risco é relevante tanto para prever a eventual prática futura de crime como para intervir com vista a minimizar e reduzir tal risco.

Já sabemos quais são os fatores fundamentais a considerar na avaliação do risco e da necessidade de intervenção, pela brilhante exposição que a Dr.ª Sónia acabou de fazer.

A esse respeito queria apenas referir um pormenor. Tende-se a considerar a saúde como fator de risco menor. No entanto, não partilhamos esta opinião quando está em causa a saúde mental, que é um fator gerador de criminalidade violenta e de reincidência se, em sede de condenação, o problema não se manifestar ou, manifestando-se, não for objecto de aplicação de medida de segurança. Aqui é preciso um olhar atento no tratamento penitenciário para descortinar as possibilidades de intervenção de modo a transformar o tempo de cumprimento de pena em tempo de tratamento, com consequente transferência do delinquente condenado para unidade de internamento, que não um estabelecimento prisional comum.

Compreende-se e partilhamos a preocupação da Dr.ª Sónia a este respeito. Efetivamente, doenças psicóticas como a esquizofrenia e a perturbação estado-limite da personalidade (borderline) são fatores de risco, dada a probabilidade desses indivíduos apresentarem elevados indícios de agressividade. Aqui a lei possibilita algumas soluções (internamentos decretados pelo tribunal de execução das penas – artº 164º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, com referência aos artºs 104 a 106º do Código penal) mas que, não tendo o efeito do internamento de inimputável perigoso, nos termos conjugados dos artºs 91º nº 2 e artº 92º nº 3 do Código Penal, para casos de criminalidade violenta, implica a procura de soluções ao nível da lei de saúde mental que prossigam o acompanhamento daquela pessoa após a data em que atinge a totalidade da pena aplicada. É necessária a articulação entre o tribunal de execução das penas e a instância local criminal para a continuidade do acompanhamento daquela pessoa que, em liberdade, constitui forte perigo. Os problemas de saúde mental diagnosticados carecem de intervenções especiais, não podendo integrar-se na dinâmica do estabelecimento prisional comum.

Voltemos ao tema inicial.

Há fatores modificáveis e passíveis de intervenção, designadas por necessidades criminógenas. A sua modificação é o caminho para reduzir as probabilidades de reincidência. É, assim, fundamental avaliar as causas que estão na origem do comportamento criminoso, saber os atos

62 Texto que serviu de suporte à intervenção oral da signatária nas referidas Jornadas.

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agressivos que uma pessoa pode cometer e determinar que passos são necessários para prevenir esses atos e minimizar as suas consequências negativas. A motivação para a mudança do próprio condenado tem também grande influência no processo de intervenção.

O resultado da avaliação é o ponto de partida para elaborar o Plano Individual de Readaptação (PIR) que constitui a matriz de todo o tratamento penitenciário, de que falou a Drª Sónia. A Avaliação acompanha o tempo de cumprimento de pena devendo realizar-se em vários momentos do percurso prisional. Por isso, temos as actualizações de PIR.

Os programas de intervenção técnica têm caráter reabilitativo e psicoeducacional. São programas de intervenção técnica de reabilitação de cariz psicoeducativo, sem descurar os fins terapêuticos, porque se pretende a mudança comportamental procurando a reestruturação do processo disfuncional na origem do comportamento desviante. Alguns são vocacionados para certas problemáticas ou reclusos específicos.

O PIR deve integrar programas de intervenção/reabilitação, pois através deles o recluso tem a oportunidade de mudança. A avaliação das necessidades de intervenção e a hierarquização das áreas carenciadas levam à opção pelo programa a incluir no PIR.

A decisão de integração guia-se por princípios de risco, necessidade e responsividade, devendo dar-se prioridade a reclusos com risco de reincidência médio/elevado, à integração em programas dirigidos para as suas necessidades criminógenas principais e atender às características próprias que possam impedir a mudança perspetivada.

A selecção de reclusos para a participação incide sobre aqueles que têm o programa incluído no PIR, visto como planeamento da execução da pena que parte da avaliação de risco e das necessidades criminógenas.

Os programas podem ser aplicados de forma sequencial ou em simultâneo consoante o nível de risco do recluso e a intensidade do programa. A aplicação cabe a técnicos da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais ou a entidades externas, mediante protocolo.

A implementação de programas tem em conta o Plano de Implementação de Programas que anualmente é elaborado em cada estabelecimento prisional e que tem por base a avaliação das necessidades da respetiva população reclusa, em particular, das necessidades de reinserção social do sujeito ou necessidades criminógenas, partindo de uma caraterização da população afeta, bem como dos recursos e condições existentes para a sua aplicação.

Existem diversos programas que se distribuem pelos diversos momentos da execução da pena. Assim, de acordo com o enquadramento feito pelo Centro de Competências para a Implementação e Gestão de Programas, temos :

I - os programas próprios da fase inicial, como o Programa de Estabilização Emocional e Integração Institucional e o Programa Integrado de Prevenção do Suicídio que ajudam no processo de adaptação à nova realidade que constitui a reclusão (Stress Prisional);

II - os programas transversais como é o chamado GPS – GERIR PERCURSOS SOCIAIS, que corresponde ao Programa de Promoção de Competências Pessoais e Emocionais, assim como o denominado EDUCAR PARA REPARAR correspondente ao Programa de Iniciação às Práticas Restaurativas e ainda o PROGRAMA DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO MORAL E ÉTICO;

III - os programas dirigidos a problemáticas específicas dos reclusos, onde se incluem os agressores sexuais, os condenados por delitos estradais, a prevenção da criminalidade juvenil, os de motivação para tratamento de comportamentos aditivos, de intervenção estruturada na problemática do alcoolismo e de treino de competências para a empregabilidade;

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IV – os programas da fase final da pena, visando a prevenção da reincidência e da recaída, com a denominação Construir um Plano de Prevenção e de Contingência.

GPS – Gerir Percursos Sociais

O programa de promoção de competências pessoais e emocionais, composto por 5 módulos, é destinado a jovens condenados com problemas de comportamento e que estejam numa fase inicial do cumprimento de pena. Pretende provocar a mudança de fatores estruturais que predispõem o indivíduo para o desvio. É um programa de prevenção e reabilitação psicossocial para jovens em risco ou que apresentem comportamentos desviantes. Assume grande relevância na medida em que é fundamental intervir na camada mais jovem em reclusão. Visa a prevenção geral do crime, a prevenção da reincidência, a educação para o direito e para a cidadania e, em particular, prevenir a delinquência juvenil, promover a reabilitação psicossocial e a adequação comportamental.

Dirige-se a reclusos jovens (dos 16 aos 30 anos de idade) com dificuldades de relacionamento interpessoal, porque agressivos, impulsivos, litigantes e com estilos de comportamento inibido ou passivo.

Como restrição ao nível da seleção, os seus destinatários não devem ser portadores de psicopatologia grave, défice cognitivo, nem estar em fase ativa de dependência.

Os grupos são compostos por 12 a 14 reclusos condenados, preferencialmente em regime comum e na fase inicial, que tenham ainda um tempo de pena por cumprir não inferior a 12 meses.

Educar para Reparar

O Programa de Iniciação às Práticas Restaurativas destina-se a jovens e adultos condenados, visando a assunção do crime. Tem o seu fundamento na ideia do complemento da Justiça punitiva com a Justiça restaurativa que se centra na reparação dos danos causados. Para além da culpabilização do ofensor há que o envolver no processo da reparação, através de programas educacionais como pretende ser este Educar para Reparar. É simultaneamente uma forma de promover a calma institucional dando às vítimas oportunidades de verem algumas questões solucionadas antes da libertação do seu ofensor.

O programa de Iniciação às Práticas Restaurativas visa trabalhar a capacidade de assunção dos actos praticados, o reconhecimento da vítima como parte importante no processo de Justiça e a capacidade de compreender que os danos podem ser reparados. O reconhecimento da vítima e percepção do dano são um passo importante no processo de mudança comportamental para o futuro e, consequentemente, para a prevenção da reincidência criminal.

Tem como objectivos gerais a prevenção geral do crime, a prevenção da reincidência e a educação para o direito e para a cidadania. Como objectivos específicos esta intervenção trabalha a assunção da responsabilidade pelos seus ilícitos, a consciencialização das consequências dos crimes para as vitimas e com esse conhecimento reavaliar o comportamento futuro, adquirir capacidade de pedir desculpa e ou de reparar o mal causado.

O programa é aplicado em dois grandes módulos, num total de 30 sessões de 90 minutos, o primeiro trabalha as competências gerais e prepara o passo seguinte que é do treinamento de competências restaurativas.

Dirige-se a reclusos preferencialmente em regime fechado, numa fase inicial do cumprimento de pena

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Programa de Promoção do Desenvolvimento Moral e Ética

Este programa visa a estimulação do raciocínio moral dos reclusos através da discussão, em grupo, de dilemas morais, como forma de conseguir a descentração social do indivíduo, de estimular o pensamento crítico e de olhar para o seu semelhante (em síntese, perspetiva a promoção do respeito pelo outro).

Dirige-se a reclusos indiferenciados (condenados por qualquer tipo de crime).

Recomenda-se que os seleccionados estejam a, pelo menos, um ano da previsível libertação, para que possam completar o programa.

A participação exclui indivíduos com dificuldades cognitivas evidentes, portadores de doença psiquiátrica grave não compensada, e aqueles que se encontram em fase ativa de consumo de estupefacientes.

*

Referir, a título exemplificativo, que o Estabelecimento Prisional de Lisboa implementou, em 2014 e 2015 os seguintes programas:

Programa Integrado de Prevenção do Suicídio (PIPS) de caráter obrigatório;

Programa Estrada Segura, dirigido a reclusos condenados por delitos estradais. Participações: em 2014, 8 reclusos; em 2015, 13 reclusos;

Programa de Prevenção da Reincidência e da Recaída - Construir um Plano de Prevenção e de Contingência - dirigido a reclusos em fase de fim da pena e ou liberdade condicional, que visa dar a conhecer ao recluso a necessidade de antecipar cenários futuros do que pode correr mal no seu projeto de reinserção, como desenvolver estratégias de antecipação e correção, como funcionar por objetivos ou metas a alcançar. Participações: em 2014, 13 reclusos; em 2015, 12 reclusos;

Programa de Iniciação às Práticas Restaurativas Educar para Reparar, dirigido a reclusos condenados e que visa trabalhar aspetos como a assunção do crime; o reconhecimento das vítimas e a reparação dos danos causados Participações: em 2014: 10 reclusos; em 2015: 10 reclusos.

*

Programas dirigidos a Problemáticas Específicas

Os comportamentos aditivos são fatores criminógenos de grande relevância na nossa população delinquente. É elevada a sua relação com a criminalidade e com a reincidência.

Exemplo do Estabelecimento Prisional de Lisboa - Ala G

O Estabelecimento Prisional de Lisboa tem uma unidade que faz 23 anos de existência amanhã, 28 de novembro 2015, que conta com uma média de ocupação de cerca de 30 reclusos. Trata-se da Ala G, que é denominada de comunidade terapêutica. Está fisicamente distanciada das restantes Alas, constituindo como que uma casa anexa ao estabelecimento prisional. Aplica um programa específico de intervenção focalizado na mudança comportamental, cognitiva e emocional dos reclusos com problemática de toxicodependência, recorrendo a abordagens terapêuticas diferenciadas, quer grupais quer individuais.

Tem como objectivos gerais mobilizar e potenciar os recursos internos dos reclusos para a reaprendizagem de competências cognitivas, afectivas, sociais, constituintes de novo projeto de vida.

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Trabalham-se atitudes e comportamentos; a valorização do corpo e a melhoria da auto-imagem; mecanismos de autocontrolo; aquisição de novas competências de forma a permitir um conjunto de novos saberes, nomeadamente sobre a forma de comunicar, de tomar decisões, de se autoavaliar.

A intervenção processa-se em 18 meses, através de um plano sequencial, estruturado em 4 fases, com diferente duração, sendo a progressão feita de acordo com os objetivos alcançados, através da autoavaliação do recluso e da equipa técnica.

Se ao fim dos 18 meses os reclusos não conseguiram passar das fases iniciais (1ª e 2ª fases), a avaliação técnica da situação concreta poderá determinar a saída obrigatória do programa.

O programa comporta atividades que correspondem a responsabilidades atribuídas a cada recluso, de acordo com as diferentes fases em que os grupos terapêuticos se posicionam. Tais atividades estão associadas à manutenção da própria comunidade e ao quotidiano vivenciado, o que na prática faz com que o próprio modelo de intervenção seja gerador, por si, de um leque de atividades a partir das quais emergem necessidades e situações que diariamente são trabalhadas.

O programa de intervenção contém, naturalmente, regras fundamentais devidamente explicitadas no contrato assinado pelo recluso aquando do seu ingresso na comunidade terapêutica, cujo incumprimento tem como consequência a expulsão imediata da Ala.

É necessário que o recluso formalize, por escrito, o pedido de ingresso no programa.

A seleção dos reclusos para integrar esta Ala pressupõe alguns requisitos previamente avaliados pela equipa técnica, através de entrevista avaliativa que visa aferir da consistência da motivação, da ausência de perturbações psiquiátricas, da ausência de tratamentos sucessivos sem sucesso e da situação jurídica compatível com o tempo de duração do programa. Isto é relevante porque a saída no final do programa pressupõe que o recluso não retorne ao regime comum, mas que esteja em condições de poder beneficiar de Regime Aberto no Exterior; da Liberdade Condicional ou do Termo de Pena.

Importa ainda referir a boa prática de Caldas da Rainha, quanto ao Programa de intervenção dirigido a reclusos condenados por delitos estradais, Estrada Segura. Aqui estabeleceu-se uma parceria com escola de condução local de forma a possibilitar a habilitação legal para conduzir, tendo em conta a elevada taxa de reclusos condenados por crime de condução ilegal, sendo a falta de habilitação para conduzir um factor criminógeno relevante. As aulas são ministradas no próprio estabelecimento prisional e os custos são suportados pelos reclusos.

*

Exemplo do Estabelecimento Prisional de Caldas da Rainha – Casa de Saída

O estabelecimento prisional de Caldas da Rainha desenvolve um projeto denominado “Casas de Saída, através do qual prepara o regresso dos reclusos ao meio livre.

Tal projeto surgiu, face aos problemas decorrentes do aumento da percentagem de reclusos com problemas de consumo de drogas, com o reconhecimento da necessidade de intervenções específicas na área da toxicodependência, destinadas a reduzir ou, pelo menos, impedir o alastramento desse fenómeno que continua a ter graves consequências sociais, sendo um fator criminógeno relevante.

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A “Casa de Saída” foi inaugurada em 1995, inserida no plano global e integrado de apoio a reclusos toxicodependentes, com lotação para 12 reclusos. No entanto encerrou em 2010 e só reabriu em setembro do presente ano.

Dois anos depois daquela inauguração, a 13 de setembro de 1997 foi inaugurada a segunda Casa, com lotação para 16 reclusos. Esta tinha como objetivo integrar reclusos em regime aberto, sem problemática específica, provenientes quer do próprio estabelecimento prisional de Caldas da Rainha, quer de outros estabelecimentos prisionais. Guiava-se por parâmetros reguladores que constituíam a base para a intervenção, concretamente a interiorização e valorização das regras e normas socialmente aceites, a responsabilização face a si próprio e face aos outros, o desenvolvimento de atitudes e capacidades facilitadoras da inserção sociofamiliar e profissional, o desenvolvimento e a consolidação de um projeto de vida pessoal e profissional.

Recentemente com apoio do Centro de Competências para a Gestão de Programas e Projetos efetuaram-se as adaptações necessárias ao projeto, atendendo à investigação criminológica mais recente, com vista à gestão eficaz da avaliação do risco, das necessidades criminógenas e dos fatores de proteção, de forma a facilitar o êxito da reinserção social e a prevenir a reincidência.

O projeto atual “CASAS DE SAÍDA” pretende promover a concretização de um projeto de vida realista, vocacionado para o trabalho de autonomia e suporte para a reintegração social, atingidos os objetivos de fases anteriores do cumprimento da pena, nomeadamente a interiorização de regras e normas, a tomada de consciência das dificuldades, o aprofundamento do pensar e da compreensão de si próprio, a progressiva autonomia e a responsabilização face a si e aos outros.

Tal projeto envolve um trabalho de equipa multidisciplinar, composta por técnicos intervenientes nas várias áreas ligadas à execução da pena, nomeadamente, técnico superior de reeducação, técnico superior de reinserção social, psicólogo, guardas prisionais, além da Direcção do estabelecimento prisional.

Pretende-se com tais casas criar uma estrutura reabilitativa de aproximação à vida em meio livre que potencie os resultados do tratamento prisional comum, por um lado, e reportado ao tratamento da toxicodependência em meio prisional, por outro lado, testando e consolidando as mudanças adquiridas.

Os objetivos específicos são a consolidação das mudanças decorrentes do tratamento quer prisional quer do comportamento aditivo; a manutenção da motivação para a mudança; o treino de competências de relacionamento interpessoal; o treino de autonomia e vida em comunidade; o treino de competências de empregabilidade; a inserção laboral em meio livre; a aproximação à família e à comunidade; a elaboração e concretização de um projeto de vida realista.

A Casa de Saída 1 está vocacionada para reclusos com problemática aditiva, afetos ou não ao estabelecimento prisional de Caldas da Rainha, que tenham realizado tratamento da toxicodependência durante o cumprimento da pena, que estejam em Regime Aberto no Interior (R.A.I) ou em Regime Aberto no Exterior (R A E) e que possuam projetos profissionais ou académicos consistentes.

A Casa de Saída nº 2 destina-se a reclusos afetos ao estabelecimento prisional de Caldas da Rainha que cumpram os seguintes requisitos: estar em RAI ou R A E e possuir um projeto profissional ou académico consistente e estruturado.

A motivação dos reclusos deve ser avaliada pela equipa de trabalho, seguindo a metodologia de avaliação do estádio motivacional.

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CDHOA - Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados * Lisboa 26 e 27 de novembro de 2015

Atualmente as Casas de Saída integram 12 reclusos que se encontram colocados laboralmente nas brigadas externas.

*

Para além dos programas, são relevantes para a reabilitação do recluso a ocupação laboral e a atividade escolar ou formativa, que constituem parte integrante do tratamento prisional.

A atividade escolar e formativa decorre anualmente, a partir da elaboração do projeto educativo elaborado no estabelecimento prisional em articulação com as escolas associadas, documento esse que integra as necessidades educativas e formativas da população reclusa.

Em termos de ocupação laboral, os reclusos desenvolvem atividade laboral em áreas diversificadas, havendo protocolos com o setor privado, como acontece com a oficina Tecnidelta - Equipamentos Hoteleiros, Lda, que tem protocolo estabelecido com o Estabelecimento Prisional de Lisboa no arranjo de máquinas de café, e também no setor público, nomeadamente com Câmaras Municipais e Centros Hospitalares, como sucede em Caldas da Rainha.

A execução da pena é, para o condenado, o fim de um mau percurso que não se deseja repetir (o do cometimento de crimes) e, simultaneamente, o inicio de outro que se espera bom, o qual deve ser ensaiado através da implementação de programas como aqueles de que aqui se falou, magnificamente exemplificados no filme que abriu esta sessão.

***

Não posso deixar de fazer aqui uma nota de agradecimento às Senhoras Diretoras dos Estabelecimentos Prisionais de Lisboa e de Caldas da Rainha, Dr.ª Conceição Fernandes e Dr.ª Joana Patuleia, bem assim à Dr.ª Liana Rocheteau e à Dr.ª Isabel Cruz, da Equipa de Reinserção Social do Estabelecimento Prisional da Carregueira, pela preciosa ajuda prestada na recolha de elementos para o presente trabalho.

Veja o filme realizado no Estabelecimento Prisional de Lisboa

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Intervenções Finais

Germano Marques da Silva, Advogado e Professor Catedrático “Prisão: Reinserção ou Exclusão”

José de Faria Costa, Provedor de Justiça, “ O Mecanismo Nacional de Prevenção contra Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes”

Moderação: Eldad Mário Neto, Presidente da CDHOA

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Germano Marques da Silva, Advogado e Professor Catedrático

“Prisão: Reinserção ou Exclusão”

Introdução*

Não vou discorrer aqui e agora sobre a legitimidade da pena de prisão. Não tenho solução alternativa e não seria razoável destruir sem apresentar proposta de solução para melhor. Fico-me pela constatação de que compensar um mal, o mal do crime, com um outro mal, o mal da pena de prisão, não pode ser igual a bem. Mal + mal não é igual a bem, é, simplesmente um mal a dobrar. Sei bem que esta verdade da aritmética elementar não é pacífica quando transposta para o mundo do Direito, da filosofia e até da teologia. Na mitologia e assim também na bíblia, à pena, ao sofrimento, sucede sempre a reconciliação. Na epístola aos Hebreus, S. Paulo escreve: todo o castigo parece no princípio um motivo de tristeza e não de alegria, mas depois produz naqueles que o sofreram um fruto de paz e de Justiça.

No curso da história, a pena conheceu acepções diversas e teve finalidades também diferentes, mas na sua essência implicou sempre sofrimento e foi castigo No direito penal moderno, que vem do Iluminismo, cujos princípios se constituíram como reacção às atrocidades do sistema penal do Ancien Régime, a pena assume uma natureza puramente utilitarista e fundamento estritamente político e tem como fim primeiro a protecção da sociedade contra os malfeitores. A pena deve ser necessária e é necessária quando é útil para proteger a comunidade (contém a vingança privada, previne e dissuade a prática do crime, protege as pessoas e bens, dá satisfação à vítima e assim contribui para a manutenção da ordem). Politicamente é uma manifestação do poder soberano que tem por finalidade a realização daqueles interesses que são função a prosseguir pelo Estado. Para prevenir os abusos do poder político e as iniquidades do judicial, a pena criminal deve ser proporcional e fixada por lei com anterioridade ao facto incriminado. É o poder político que através da lei define a medida do castigo em função do crime, que também define, e nesta manifestação do poder, na definição dos crimes e das penas aplicáveis, realizam-se as ideologias dos regimes políticos que ocupam o poder em cada tempo e em cada território. A pena é, porém, sempre castigo, é sempre retribuição do mal do crime com o sofrimento imposto ao criminoso.

Não obstante, nesta questão das penas criminais, e particularmente nas penas de prisão, há um equívoco, e um equívoco voluntário: deseja-se castigar e ao mesmo tempo dizer que não se castiga63. Por isso que o nosso Código Penal nunca se refira a castigo, a retribuição do crime com a pena, mas tão só às finalidades da pena: protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (art. 40º do Código Penal). É assim nas nossas leis penais, mas é assim também na Espanha, na França, na Itália, no Reino Unido, no Brasil, no Estados Federados dos Estados Unidos da América, enfim, na generalidade dos sistemas jurídicos que conheço. É assim também no Direito da União Europeia e na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que aplica a Convenção. As finalidades atribuídas às penas criminais, expressas de forma diversa são, porém, idênticas, embora nalguns sistemas, como é exemplo o Reino Unido, expressamente se refira que a pena tem também uma finalidade retributiva, como consta do Criminal Justice Act de 2003, e na Espanha pareça dar-se especial relevo à reeducação e reinserção social do condenado (art. 25º, al. 2, da Constituição de 1978).

Dito de outro modo e sinteticamente. A lei nunca ou raramente se refere à essência da pena, ao seu fundamento primeiro, mas apenas às suas finalidades e é através da definição das finalidades das penas que se qualifica uma determinada medida jurídica como constituindo ou não uma pena criminal. Vejam-se, como exemplo, as hesitações da jurisprudência do Tribunal

63 Mathieu, V., Perché punire?, Milão, Rusconi, 1978, p. 16

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Europeu dos Direitos do Homem a propósito da distinção entre sanções de natureza penal e sanções de natureza administrativa, entre penas e coimas na nossa terminologia das contraordenações.

1. As finalidades da pena

I. Como referimos atrás, no curso da história foram sempre atribuídas às penas, nomeadamente à pena de prisão, desde que existe, finalidades outras que não a mera retribuição, assim como a modos da sua justificação.

Em Roma, a pena tinha por finalidades corrigir o criminoso, tornar os outros melhores pelo exemplo do castigo e assegurar a ordem pública pela eliminação dos delinquentes. Na Idade Média, ao lado da Justiça real de cariz eminentemente retributivo, existia também a Justiça eclesiástica que considerava os delinquentes como pecadores e o crime como pecado que podia ser perdoado pela penitência que expiava a culpa e por aí a recuperação do pecador pelo seu arrependimento e emenda. Na época liberal a pena assumiu uma função utilitarista: pela intimidação devia proteger a sociedade contra os malfeitores. Durante toda a primeira metade do sec. XX persistiu esta função utilitarista da pena, essencialmente repressiva e de defesa da comunidade, mas a partir da segunda guerra ao lado da proteção da comunidade, por influência do movimento de defesa social novo, a pena passou a apontar como sua finalidade a emenda e a reinserção social do condenado. Esta concepção da pena como tendo uma função de reinserção social do delinquente na sociedade vai animar as grandes reformas do direito penal da segunda metade do século passado.

E depois aconteceu o 11 de Setembro em Nova Iorque (2001), o 11 de Março em Madrid (2004), o 7 de Julho em Londres (2005), o 7 de Janeiro e o 13 de Novembro (2015) em Paris…

II. Os da minha geração, da geração do pós 2ª Guerra, foram educados na ideia de que a aplicação de penas criminais visa a protecção de bens jurídicos e reinserção social do condenado. Tomamos estas finalidades como quase indiscutíveis e justificadas pelos princípios do Estado de Direito e pelo ideal democrático, e republicano, de respeito e solidariedade pelo outro, assente na dignidade da pessoa humana, distinguindo entre a pessoa humana e o crime que praticou, mas a prática não as realiza sempre e quando as realiza raramente tem o aplauso ou sequer a compreensão da opinião pública interpretada e veiculada pelos media.

Percebe-se que estas ideias tenham sido aprofundadas com o restabelecimento dos regimes democráticos e a afirmação do valor universal dos direitos humanos, proclamados nos textos internacionais e nas constituições democráticas que se lhes seguiram, após a barbárie que dominou a Europa na 1ª metade do século XX como expressão dos diversos totalitarismos políticos que se serviram do direito penal como instrumento da submissão dos cidadãos, como o chicote dos tiranos. Recordo-lhes que as doutrinas iluministas assumiram claramente a natureza política das penas e do direito criminal e os abusos que ocorreram no passado são também fruto deste positivismo racional, jurídico e político.

Não durou muito esta primavera democrática, onde a houve, que não foi em todo o continente, como bem sabemos. Nos finais do século que findou e nos princípios daquele em que vivemos, a conjugação de fenómenos vários, globalização e terrorismo, imigração e desemprego a gerar o crescimento exponencial da delinquência urbana, por uma parte, mas também a expansão de uma certa comunicação de massas e a sua procura de mercado fácil, por outra, provocam o medo na população e despertam o espírito securitário a abafar ou limitar significativamente os princípios inspiradores do direito penal liberal, desde logo o princípio da humanidade das penas criminais, mas também a restrição das garantias processuais, tidas por muitos, agora, como excessivas, -- como se, para garantia da liberdade e da Justiça, possa haver garantias excessivas!

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-- e que imediatamente tem como consequência a aplicação desmesurada da prisão preventiva como meio normal, como instrumento ao serviço da investigação, ainda que a lei a considere medida excepcional a que só se deve recorrer verificados os respectivos pressupostos64. A prevenção deu lugar à pura retribuição e o propósito e esforço de reinserção social do delinquente à sua segregação e acantonamento nas prisões que abarrotam de presos por toda a parte. As penas aumentam e a comunicação social reivindica constantemente o seu agravamento para segregação dos condenados em nome dos perigos que ameaçam a segurança, renasce a intolerância e a xenofobia e os partidos que é suposto defenderem os valores inerentes ao ideal democrático, que reclama um direito penal mínimo para a máxima expansão das liberdades, perdem a voz, ou juntam-se aos extremistas com receio de perderem votos. O povo, amedrontado, espanta-se que os presos, mesmo os preventivos na base de meras suspeitas, possam ter direitos!

Na América já não são só os Republicanos a exigirem o endurecimento do direito penal, o direito como vingança -- também OBAMA ainda não conseguiu fechar Guantánamo e é o próprio Senado a denunciar as torturas praticadas pela CIA -- e na Europa é vê-los a levantar cabeça na Áustria, na Hungria, na França também, um pouco por toda a parte. É o direito penal do inimigo teorizado por JAKOBS; o direito penal, o processo penal e a prevenção criminal são agora meros instrumentos no combate à criminalidade, porque agora é sobretudo o crime que conta e de que é preciso proteger a sociedade. É o direito penal inspirado e contaminado pelo discurso da guerra, «guerra contra o terrorismo», expressão lançada por Bush na sequência do 11 de Setembro de 2001, mas também «guerra contra a droga», «guerra contra a pedofilia», «guerra contra a corrupção», enfim «guerra contra a criminalidade», a legitimar um grau superior de violência e desprezo pelo Direito, a manipular a opinião pública e a promover uma visão simplista do mundo, a fazer do direito penal uma arma, uma arma dissuasiva e não um meio de assegurar a paz civil. Neste novo contexto o condenado torna-se o inimigo a abater, segregando-o atrás dos muros das prisões. A prisão torna-se opaca. O recluso vai perdendo os direitos que ainda há pouco lhe eram reconhecidos e poucos parecem importar-se.

Os direitos de cada um, a humanidade de cada um, passam a poder sacrificar-se ao colectivo, em nome da paz da maioria? Mas não será isto a negação dos direitos humanos?

2. A pena de prisão e a sua justificação

I. E eis que a pena de prisão, que veio para humanizar o direito, para substituir a barbárie dos castigos corporais e da pena de morte, considerados como naturais até ao Iluminismo, «afeta o sujeito que a sofre», o condenado, «no seu ponto mais vulnerável: esse pouco tempo de vida que lhe corresponde e que é a própria vida»65 porque viver sem liberdade não é viver em dignidade. Nessa medida a pena de prisão equipara-se à pena de morte porque ambas retiram ao condenado uma parte da vida que lhe restava ao tempo da condenação. É sintomático que no combate à pena de morte alguns tenham defendido que a morte era menos dolorosa e por isso também menos eficaz na intimidação66.

Como escreve Ana Messuti, «não é porque o direito opte por excluir a morte da vida do sujeito da pena de prisão que o indivíduo que corresponde na vida real a esse sujeito do universo jurídico deixa de morrer». «O indivíduo, o homem de carne e osso, só existe entre o seu nascimento e a sua morte. Diferentemente da comunidade, tem um tempo de vida limitado e

64 A lei confia aos juízes o controlo dos pressupostos no caso concreto, mas fica-se muitas vezes com a impressão que a prisão preventiva é aplicada não em razão das necessidades do caso concreto mas como antecipação da pena e como mera medida de prevenção geral negativa. 65 Messuti, Ana, O tempo como pena, trad. Tadeu Antonio Dix Silva/Maria Clara Verronesi de Toledo, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p. 62. 66 Beccaria, Cesare, Dos Delitos e das Penas, Trad. De José de Faria Costa, Ed Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, p.118 ss.

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por isso que se a morte não entra nos cálculos jurídicos da pena, esses cálculos podem levar a proporções falsas. Só quando o ordenamento jurídico reconhecer a mortalidade de sua criatura, a temporalidade que lhe é própria, é que reconhecerá a verdadeira intensidade da pena de prisão e se aproximará um pouco mais do equilíbrio que busca.67» Não estamos longe do pensamento dos saudosos Professores Cavaleiro de Ferreira e Eduardo Correia.

II. Para justificar a pena de prisão alega-se que é ela um meio para corrigir e recuperar o delinquente, para o reintegrar na sociedade. Tratar-se-ia de um serviço que a comunidade presta àqueles seus membros que demonstraram com seus actos criminosos necessidade de serem submetidos a uma terapia correctiva. Esta analogia entre o trabalho do juiz e o do médico, a pena e a terapia, o delito e o sintoma de uma doença, encontra-se várias vezes nos diálogos de Platão, e por isso, com alguma propriedade, pode qualificar-se como um ideal platónico, mas um ideal platónico com laivos de totalitarismo, como eram, aliás, as ideias de Platão.

Com efeito, como determinar na prisão correctiva ou sanitária a duração da pena? Como fixar de antemão o momento em que o recluso se deve considerar curado, corrigido? Poder-se-ia dizer que há sinais exteriores que podem manifestar essa transformação. Mas quem estaria apto a interpretar esses sinais. De qualquer modo, a ser assim, a sentença não seria uma sentença, mas a prescrição de um tratamento e é muito difícil prescrever de antemão quanto tempo durará o tratamento.

Na realidade da vida nada disto se passa com a fixação da duração da pena de prisão. Resolve-se tudo no mais simples dos modos: a medida da pena é fixada buscando a proporção com a gravidade do crime. É assim na penalidade e é assim na pena concreta aplicada ao delinquente. Mas isto significa que não se levam em conta as finalidades que pretendem justificá-la, que pressupõem a individualização e a diversidade, mas praticamente só a necessidade de retribuir segundo a gravidade do crime.

Esta contradição entre a medida da pena e da finalidade curativa que se lhe atribui nasce da necessidade de oferecer garantias ao sujeito da pena.

III. Esta finalidade de restabelecimento moral do homem que delinquiu e a sua emenda em vista de uma progressiva reintegração numa sociedade acolhedora onde ele possa reencontrar a sua plena dignidade68 não passa, na vida real, de um bom propósito, mas também de mera utopia.

Na realidade, limitamo-nos a confiar ao tempo a execução desse propósito. O sujeito que, expulso da comunidade de pessoas, entra na prisão, necessariamente não será o mesmo quando sair, cumprida a pena, e que irá viver na comunidade da qual foi expulso. O tempo, independentemente das condições em que transcorra, operará a sua gradual transformação, mesmo biológica. Porque o tempo da pena, por mais peculiar que seja, escoa-se em tempo comum com o tempo que transcorre livre de pena – o tempo de vida de um ser humano. E, na medida em que se vão descontando os anos da pena, igualmente vão-se descontando os anos de vida69.

3. A realidade prisional

I. Permitam-me um pequeno desvio ao rumo especulativo desta comunicação para lhes contar uma pequena história.

Em 1997 participei em Brasília, no Superior Tribunal de Justiça, num colóquio Luso-Brasileiro sobre Prisões e Direitos Humanos. Na sessão da manhã foram proferidas intervenções muito 67 Messuti, Ana, ob. e loc. cit. 68 Paulo VI, discurso aos membros da Associação Internacional de Direito Penal, Revue International de Droit Pénal, 1970, pp. 1 ss. 69 Messuti, Ana, ob. cit., p.50.

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eruditas sobre a natureza, legitimidade e finalidades da pena de prisão, considerada pela generalidade dos oradores uma conquista da civilização precisamente por ter substituído a pena de morte e outras penas corporais e ter como finalidade não apenas o castigo mas também a reintegração social do delinquente. Depois de almoço, lauto, os conferencistas foram visitar uma prisão e depois, na sessão do fim da tarde, o discurso mudou radicalmente. Não mais se falou em reintegração! Não esqueço uma intervenção rija do Ministro e Professor Luiz Vicente Cernicchiaro a defender que em razão do real sofrimento que a prisão causava aos reclusos, sofrimento que nem as leis penais nem as penitenciárias reflectiam adequadamente, era necessário e legítimo que os juízes aplicassem as penas concretas abaixo dos mínimos estabelecidos abstratamente pela lei. Lembrei-me deste episódio quando há algum tempo li que essa orientação está a ser defendida na Itália após condenação pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em razão das más condições das prisões naquele País70.

Trouxe este episódio à colação porque sempre que trato destas questões me recordo da conversa que a propósito daquela visita à prisão tive após o colóquio com o Prof. Luiz Vicente Cernicchiaro. Dizia-me o meu saudoso amigo brasileiro que a sua experiência de juiz o ensinara que ninguém deveria ser autorizado a aplicar penas de prisão sem antes as ter experimentado para conhecer a sua verdadeira intensidade e poder aproximar-se um pouco mais da justa medida quando a aplica…Naturalmente que se referia apenas à necessidade de um estágio na prisão… com o que estou plenamente de acordo. É que o conhecimento puramente jurídico é cego, ignora as mais das vezes a realidade da vida que está por detrás das normas, ignora a vida que é vivida atrás dos muros das prisões. Tive o desconforto de há algumas semanas atrás ouvir de um Senhor Juiz Desembargador da Relação de Lisboa considerações de teor semelhante a preconizar a necessidade de os magistrados terem um período de estágio nas prisões. É que, uma coisa são as normas e o conhecimento que delas temos, outra a realidade em que se consubstancia a sua execução, a realidade prisional, que muitos de nós, juristas, ignoramos. Não vou contar mais histórias, mas muitas terei para contar se algum dia tiver disposição para escrever as minhas memórias profissionais.

II. Ignoramos a realidade prisional. Descansem que não vou tentar descrevê-la. Outros o fizeram já nestas Jornadas com a autoridade de quem a conhece por dentro e a mim falta-me o saber de experiência feito e por isso muito limitado. Mas sei, pelo contacto com as prisões e os presos ao longo de mais de 40 anos como Advogado penalista, que o «ingresso do recluso na prisão implica a entrada num meio deletério e hostil e uma ruptura brusca com o mundo que o rodeava (famíliar, social, laboral), a sua desadaptação social e desintegração pessoal, a sua “adaptação anormalizadora” a um meio social caracterizado pela omnipresença de relações de dominação, disciplina, obediência e submissão. Com o processo de “prisionalização”, o recluso redefine os seus valores, altera as suas atitudes e, por imperatividade de sobrevivência, incorpora-se no meio prisional que se caracteriza por relações de dominação e opressão. A prisão constitui-se um sistema social alternativo onde a desconfiança, o receio, a suspeição e o medo são requisitos para a sobrevivência71.»

Aprender a viver na prisão implica mudança mental, pessoal e até física do recluso, fundamental para a própria sobrevivência. O internamento carcerário traz consigo a dependência absoluta do recluso, implicando até alteração profunda dos ritmos de vida já que regulamenta todas as suas atividades vitais (alimentação, sono, ócio, relações pessoais, dirigidas ao controlo do preso). Acresce, como alerta Paulo Pinto de Albuquerque, que a vida do preso é condicionada pelas possibilidades logísticas e financeiras da administração penitenciária, em geral, e de cada

70 Ac. do TEDH Torregiani c/ Itália, de 8.1.2013. 71 Duarte, José Henrique, Banir o Delinquente, Salvar o Homem, ed.Autor, 2013, p,45 ss.

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estabelecimento prisional, em concreto72 e bem sabemos todos que o discurso para com as condições de vida nas prisões não dá votos...

Aquele comportamento de submissão que leva à despersonalização por parte de cada recluso e a desconfiança converte-se frequentemente num sentimento de permanente desejo de vingança contra todos (polícias, tribunais, sociedade em geral, e até contra as próprias famílias)73.

Hoje, as nossas prisões, enchem-se de delinquentes que à semelhança de Antígona, reivindicam o direito de serem julgados por outras leis e outra Justiça, divinas. As prisões tornam-se então lugares propícios ao recrutamento dos justos que sofrem da modernidade para irem fazer a guerra santa (djihad) contra a inJustiça social que os subjuga74.

4. A reintegração social e direitos dos presos

I. Dispõe a nossa lei que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. O direito penitenciário deve pois estar em plena consonância com os ditames do direito penal para que os fins que este prossegue possam ser realizados na fase de execução da pena. Mas que preparação à a que é feita nas prisões para educar o condenado a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes? Não será este propósito uma utopia? A grande maioria dos presos estão socializados e por isso não há necessidade de reabilitá-los. Será a despersonalização do recluso pela submissão e adaptação ao meio hostil que vive na prisão que o prepara para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável quando sair da prisão? Ou simplesmente se confia que o sofrimento que a prisão significa seja suficientemente instrutivo pela atemorização para que o condenado não queira voltar? Não será que o que se visa tão só seja a prevenção especial negativa?

Não podemos olvidar que a prisão é por sua própria natureza desintegradora porque afasta o recluso do seu meio social e se, nalguns casos, este afastamento pode ser um primeiro passo para preparar o condenado para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, quando o meio em que se move é por si mesmo criminógeno, as mais das vezes constitui factor de desintegração social de muito difícil recuperação, porque a prisão é socialmente estigmatizante.

A prisão em si mesma raramente será factor de reintegração social, chegando a parecer absurdo que se lhe atribua esse fim também. Dir-se-á que para integrar se desintegra primeiro, que é preciso matar, para ressuscitar e viver depois em plenitude. Mas nem a politica nem o Direito têm esta capacidade e virtualidade e seguramente que a ética democrática a não consente.

Como ensinava Carneluti «o recluso quando sai da prisão crê que não mais será considerado como tal, mas as pessoas não!»75 Cumprida a pena, «Não é um homem livre que sai da prisão, mas sim um ex-preso, com todas as consequências que essa qualificação acarreta.»76

Como disse logo no início não vou discutir a legitimidade da pena de prisão porque com muita pena me falta a imaginação criadora para apresentar alternativa. E estou em crer que não serão os juristas, só juristas, que encontrarão alternativas. É previso imaginação criadora!

72 Albuquerque, Paulo Pinto de, Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra Editora, 2006, p. 257. 73 Duarte, José Henrique, ob. e loc. cit. 74 Zabalda, Alexandre, «La peine perdue. Recherche philosophique de la peine», Droit Pénak, nº 9-Setembro 2015, p. 21. 75 Apud, Correia, António dos Santos Malça, Tratamento Penitenciário, 2ª ed., Lisboa, Centro do Livro Brasileiro, 1981, p. 144. 76 Gonçalves, Pedro Correia, A Pena Privativa da Liberdade – Evolução Histórica e Doutrinal, Lisboa, Quid Juris, 2009, p. 142.

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Recordo-lhes apenas que a Constituição da República Portuguesa dispõe no seu art. 30º que «os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução». E é isso que todos esperamos, também os juízes quando condenam em penas de prisão: que a Constituição seja cumprida! Só que a norma constitucional tem um limite: a ressalva das limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respetiva execução! Qual o sentido da condenação? Quais os limites impostos pelas exigências da execução? As exceções são tão amplas que permitem todos os desvios e abusos.

A questão do tratamento dos prisioneiros reenvia-nos grosso modo para os direitos do homem da primeira geração e a finalidade da reintegração, respeitando essencialmente aos domínios económico e social, remete-nos para os direitos do homem da segunda geração. Tenho por adquirido que os direitos humanos da primeira geração se vão cumprindo, mas estamos ainda muito longe do efetivo cumprimento dos direitos ditos da 2ª geração. De todo o modo, não se pode descansar só porque a Constituição proclama que os condenados mantêm a titularidade dos direitos fundamentais. É preciso que os possam exercer efetivamente.

A Fechar

A pena de prisão representa a valorização da liberdade e a sua consagração nos sistemas penais veio para humanizar o direito penal, para substituir a barbárie da pena de morte e dos castigos corporais.

As democracias têm vindo progressivamente a reconhecer aos presos os direitos humanos na prisão. Torna-se absolutamente necessário que todos os que acreditamos na dignidade da pessoa humana nos empenhemos em que esses direitos, proclamados nos textos, sejam efetivamente reconhecidos, respeitados e cumpridos. E para tanto, é necessário que todos tomemos consciência da distinção necessária entre a pessoa humana e o crime que praticou. E é necessário também que todos tomemos consciência que um elemento da imagem integral do homem é a sua potencialidade, a sua imperfeição, o seu desenvolvimento incompleto, a sua permeabilidade a fazer o mal. Todos incluídos!

Dizia-me há dias um Colega italiano, a propósito das condições das prisões e dos presos em Itália, que foi preciso prender alguns políticos para que as condições de vida nas prisões entrassem na ordem das suas preocupações políticas… Espero que tal não seja necessário entre nós, mas seria prudente que nos consciencializássemos que todos a ela podemos estar sujeitos e nem sempre porque somos criminosos! É da história... e não é preciso recuar muitas décadas!

Estou absolutamente convencido que o combate à criminalidade passa primariamente pela prevenção e não pelo agravamento das penas de prisão. Sucede é que a prevenção pelo combate às causas da criminalidade não é fácil e muitas vezes não se sabe sequer como fazê-lo77. Além disso para ser eficaz é cara e os dinheiros públicos andam sempre escassos!

Finalmente, no juízo de censura que emitimos sobre o outro temos também de nos interrogarmos sobre a nossa responsabilidade, direta ou indireta, pelo homem que ele é. O outro é também responsabilidade de cada um de nós. E se começássemos por atacar as causas da criminalidade em vez de só pensarmos nos crimes e nos deixarmos iludir na crença de que as penas são efetivamente preventivas e curativas?

77 Caiado, Nuno, «Como estamos a formar criminosos», Viragem, Revista do Movimento Metanoia, nº 50-51, maio-dezembro 2005, p. 4 ss.

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A reintegração do condenado na sociedade passa pelo reconhecimento da sua dignidade como pessoa e esse reconhecimento é tarefa de todos nós. S Paulo pregava que «o homem pode dizer não». Este princípio é também válido para a criminalidade. Precisamos é de educar a todos para o valor da liberdade.

Vamos empenhar-nos, estudando, discutindo, e pressionando os nossos políticos para que olhem para as prisões com espírito democrático e não como generais da guerra em curso.

Muito obrigado a todos por me escutarem e o meu agradecimento à Comissão dos Direitos Humanos da Ordem pela promoção desta Jornada de reflexão sobre Sistema Prisional, Execução de Penas e Direitos Humanos.

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José de Faria Costa, Provedor de Justiça “Uma outra face do Provedor de Justiça: o Mecanismo Nacional de Prevenção” 78

§ 1. Apreciações iniciais No exercício da missão constitucional e legalmente confiada ao Provedor de Justiça inscrevem-se a tutela dos direitos fundamentais e a defesa dos direitos humanos. Nas várias vestes que me são confiadas pela lei e pela Constituição, a missão de defesa dos direitos dos cidadãos que estão privados da sua liberdade ganha especial dimensão dentro das minhas atribuições, sendo, aliás, transversal a todas as minhas competências. Embora não tenha, nem reclame ter, o poder de legislar, de executar as leis ou de julgar o outro. O poder provedor tem natureza diversa, assente na persuasão e recomendação. É, por isso, um poder – aparentemente – fraco que é, na verdade, forte. Pois forte tem necessariamente de ser o poder daquele que, por meio da palavra, defende, permanente e insistentemente, os direitos humanos fundamentais de todos os meus concidadãos. Este é o meu poder. Este é o laço forte que me liga ao sentir comunitário. O órgão do Estado Provedor de Justiça encontra, hoje, amparo constitucional. No artigo 23.º da Constituição é referida a minha função principal: a promoção e defesa dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, assim, através da informalidade possível, a Justiça e a legalidade do exercício dos poderes públicos. Contudo, o meu campo de intervenção estende-se, para além da verificação dos atos ou omissões da administração pública e da eventual reparação das injustiças ou ilegalidades deles resultantes. A par das funções tradicionais de Ombudsman, sou o garante das liberdades fundamentais e dos direitos humanos. O Provedor de Justiça é a única Instituição Nacional de Direitos Humanos portuguesa acreditada com o estatuto “A” pelo Comité Coordenador das Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção de Direitos Humanos (ICC) das Nações Unidas, o que significa que a minha atividade está em plena conformidade com os Princípios de Paris. Salienta-se que o Provedor de Justiça detém este estatuto somente desde 1999, tendo já sido submetido, com sucesso, a dois processos de reacreditação. O Provedor de Justiça Português assumiu também, em 2013, a qualidade de Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP) no âmbito do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura ou Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (PFCAT). Feito este breve e sucinto enquadramento, é agora o tempo de delinear o papel específico a desempenhar pelo Provedor de Justiça, em todas as dimensões da sua missão, na defesa dos direitos fundamentais das pessoas privadas da sua liberdade. § 2. A função clássica de Provedor de Justiça A intervenção do Provedor de Justiça, na sua veste tradicional, tem por base, geralmente, a apresentação de uma queixa por parte de um cidadão que se sente prejudicado por atos injustos ou ilegais da administração pública ou considera que os seus direitos fundamentais foram violados (n.º 1 do artigo 23.º da Constituição e artigo 3.º do Estatuto). Todavia, a lei possibilita

78 Esta conferência teve a colaboração da Senhora Dra. Maria João Gonçalves, Adjunta do meu Gabinete, e foi proferida na sede da Ordem dos Advogados, no dia 27 de novembro de 2015, no âmbito das Jornadas Sistema Prisional – Execução de Penas – Direitos Humanos, organizadas pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, em Lisboa. Uma outra nota. Saliente-se que a conferência levada a cabo, se bem que sustentada no texto que, ora, se publica esteve longe, mesmo muito longe, de coincidir com o que se publica. Na verdade, tendo em consideração o auditório e tendo também em mente a natureza, o tempo e o modo das intervenções que me antecederam, achei por bem, desligar-me do texto e proferir uma conferência, repito, se bem que baseada neste texto, mais de acordo com as circunstâncias, sublinhe-se de novo, o tempo e o modo.

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que o meu agir não seja só expectante, permitindo-me agir por iniciativa própria (artigo 4.º e n.º 1 do artigo 24.º do Estatuto). Quer isto dizer que, relativamente a factos que, por qualquer outro modo, cheguem ao meu conhecimento – seja por intermédio da comunicação social, por alertas provenientes das Organizações Não Governamentais e dos relatórios de organizações internacionais, pela sensibilidade que este órgão do Estado tem para diagnosticar situações problemáticas de âmbito nacional, ou, ainda, pela especial acuidade com que se analisa as queixas e delas se retira o seu denominador comum, tipificando e analisando as matérias ou questões que careçam de uma análise mais profunda – posso atuar sem ser necessário que um cidadão me apresente uma queixa. Tenho, aliás, o dever de, por motu próprio, atuar quando a realidade exige um comportamento defensor dos direitos fundamentais dos meus concidadãos. O silêncio da ausência de queixa nunca é, nem nunca será, justificação para a inação do Provedor de Justiça quando é gritante a violação dos direitos. É, portanto, absolutamente fundamental que o Provedor de Justiça saiba estar atento ao palpitar da comunidade para, assim, conseguir perceber. Perceber queixas mas também as suas antecâmaras que são as lamentações. Este é o quid diferenciador da minha atuação, pois não basta ao Provedor de Justiça prever para prover; este tem de ter a capacidade de antecipar possíveis focos de conflitualidade e refletir sobre as constantes mutuações sociais que enriquecem e adensam o agir comunitário. Só percebendo posso bem prover. No ano de 2014 foram abertos mais de 8500 procedimentos. Destes, cerca de duas centenas referem-se a assuntos penitenciários e aos direitos dos reclusos. Sublinhe-se, todavia, que este número traduz apenas os casos em que é aberto procedimento, pois muitas vezes recebo comunicações, que apesar de não darem origem a um procedimento, implicam sempre uma resposta ou encaminhamento. São cartas e emails que me chegam e que merecem a minha reflexão pois são desabafos, palavras de descontentamento ou de preocupação perante ofensas a direitos humanos que compreendo que me apresentem. E que, sublinho, não se devem calar. Dos assuntos relativos a esta matéria, mais comunicados e tratados pelo Provedor de Justiça, sublinho os seguintes: (i) a presença de elementos do corpo da guarda prisional em consultas e exames médicos realizados a presos, violando a privacidade da relação médico-doente; (ii) a demora na transferência de reclusos entre estabelecimentos prisionais, nomeadamente quando os reclusos estão enclausurados no continente e poderiam estar nas regiões autónomas, de onde são naturais ou residentes; (iii) a eventual inobservância de regras regulamentares na aplicação de medidas disciplinares; (iv) as condições físico-estruturais dos edifícios onde funcionam os estabelecimentos prisionais (designadamente, por carência de isolamento, iluminação ou ventilação); (v) a qualidade ou a reduzida quantidade de alimentação fornecida aos cidadãos reclusos; (vi) as dificuldades em contactar com o respetivo defensor ou Advogado ou mesmo os obstáculos que alguns estabelecimentos prisionais colocam à visita de familiares e amigos. Gostaria igualmente de mencionar que as queixas que me chegam em matéria penitenciária não se esgotam nos problemas ou descontentamentos das pessoas privadas de liberdade. Também os guardas prisionais me interpelam com as suas preocupações e descontentamentos, designadamente (i) pelo congelamento das suas remunerações; (ii) pela não abertura de concursos para a progressão na carreira; (iii) e pelo excesso de horas por jornada laboral. § 3. O Provedor de Justiça enquanto Instituição Nacional de Direitos Humanos O Provedor de Justiça é, desde o ano de 1999, Instituição Nacional de Direitos Humanos, devidamente acreditada pelo Comité Internacional de Coordenação das Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos com o estatuto A, o que significa que está em plena conformidade com os Princípios de Paris.

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As Instituições Nacionais de Direitos Humanos acreditadas com estatuto A tem um papel fulcral na efetivação de sistemas nacionais de promoção e proteção dos direitos humanos. Esta importância é particularmente evidente no quadro das Nações Unidas, onde vem sendo reconhecido um conjunto específico de direitos de participação, sobretudo no Conselho de Direitos Humanos, através da apresentação de documentos próprios, da assistência a reuniões e da intervenção oral autónoma. Como Instituição Nacional de Direitos Humanos sou, então, um interlocutor privilegiado na constante promoção, divulgação e defesa dos direitos humanos fundamentais em Portugal. A vertente de promoção e de defesa dos direitos humanos está, aliás, intimamente ligada a este órgão do Estado, fazendo, parte do desenho constitucional e legal do mandato do Provedor de Justiça. Por conseguinte, a par da missão tradicional desenvolvida como Provedor de Justiça, nas vestes de Instituição Nacional de Direitos Humanos dedico especial atenção e intensidade à matéria do sistema penitenciário e dos direitos dos reclusos, à matéria de direitos dos estrangeiros e migrantes e também à dos direitos das crianças, dos idosos e das pessoas com deficiência, nomeadamente pela perspetiva da divulgação e educação para os direitos humanos. Sublinho que, no presente ano, foram já realizadas várias ações de divulgação e formação para os direitos humanos, desenvolvidas a coberto dos protocolos celebrados com diversas entidades, principalmente com o (então) Ministério da Educação e Ciência. Em relação ao sistema prisional, a par do tratamento das diversas queixas, visito e inspeciono, muitas vezes sem aviso prévio, os edifícios onde os cidadãos privados da sua liberdade cumprem pena ou estão detidos. E, faço-o, sempre com a perspetiva de não só zelar pelas condições desse enclausuramento (instalações das celas, sua ventilação e condições térmicas, entre outras) mas tendo sempre a visão do recluso enquanto cidadão, procurando, por isso, cuidar também das suas condições pessoais (visitas, contatos telefónicos) e de saúde. Procuro também indagar pelas condições laborais das pessoas que têm o dever de guardar e zelar pela ordem e pela tranquilidade em meio prisional. Tento igualmente que, nas deslocações que faço ao estrangeiro, seja possível visitar cidadãos portugueses que estejam presos nesses países. São, pois, estas as informações e as experiências adquiridas pelo Provedor de Justiça no exercício das minhas funções que me permitem divulgar, não só aos organismos nacionais, mas também às entidades internacionais uma perspetiva global, imparcial e detalhada da situação dos direitos humanos em Portugal, e, neste caso, da realidade do sistema prisional português. § 4. O Provedor de Justiça como Mecanismo Nacional de Prevenção Desde 2013, tendo em consideração o reconhecimento da importância da intervenção do Provedor de Justiça e da sua experiência na defesa e promoção dos Direitos Humanos, por Resolução do Conselho de Ministros, este órgão do Estado foi designado Mecanismo Nacional de Prevenção, no âmbito do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura ou outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Em consequência, assumi mais uma veste que traduz a importância deste órgão do Estado na promoção e defesa dos direitos humanos fundamentais. Em traço grosso, podemos afirmar que o Mecanismo Nacional de Prevenção tem como tarefa primordial visitar os locais onde se encontram pessoas privadas da liberdade e de examinar o tratamento a que são sujeitas, como sejam estabelecimentos prisionais, celas de detenção integradas em instalações policiais, centros educativos ou unidades hospitalares destinadas ao internamento de doentes psiquiátricos.

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O Mecanismo Nacional de Prevenção tem também o poder de fazer recomendações às autoridades competentes no sentido de melhoramento das deficiências detetadas ou de reparação de situações que não sejam compatíveis com as obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado português. Para além disso, e por força do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, posso apresentar propostas e observações a respeito de legislação vigente ou projetos legislativos relativos a estas matérias. O estabelecimento de um regime de visitas regulares aos locais onde se encontram pessoas privadas de liberdade, com a finalidade de prevenir a tortura ou a sujeição a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, determinou a criação de uma estrutura que auxiliasse o Provedor de Justiça no desempenho das funções enquanto Mecanismo Nacional de Prevenção, designadamente, na identificação dos locais de detenção, na planificação, na concretização das visitas, na obtenção de dados e, por fim, no seu tratamento. O Mecanismo Nacional de Prevenção é, por conseguinte, coadjuvado pela Estrutura de Apoio ao Mecanismo Nacional de Prevenção (EMNP). Esta Estrutura está aberta à participação plural de pessoas que, pela sua pertença a determinadas entidades que prosseguem o objetivo primordial de garantia dos direitos dos cidadãos, ou pelo seu reconhecido mérito individual, podem contribuir para a eficácia das tarefas cometidas ao MNP. Aquela é constituída por: a) Conselho Consultivo; b) Comissão de Coordenação; c) Núcleo de Visitadores; e, d) Apoio administrativo. O Conselho Consultivo é o principal órgão de aconselhamento do Mecanismo Nacional de Prevenção, constituído por doze membros, e exerce as competências previstas no artigo 7.º do Regulamento da EMNP (passível de consulta no sítio institucional). À Comissão de Coordenação, constituída por três elementos, compete executar o plano de atividades, assegurar a concretização das visitas aos locais de detenção através do Núcleo de visitadores, bem como coadjuvar o Mecanismo Nacional de Prevenção no desenvolvimento das suas atribuições. O Núcleo de visitadores é constituído, a título principal, por nove colaboradores do Provedor de Justiça designados para o efeito, tendo como tarefa primordial a realização das visitas inspetivas e a elaboração das respetivas atas. Com vista à concretização daquela competência, o Mecanismo Nacional de Prevenção pode ainda solicitar a participação de outros colaboradores do Provedor de Justiça, assim como de peritos com conhecimentos técnicos e científicos adequados à finalidade de cada visita ou tendo em consideração a caracterização dos locais a visitar. O recorte jurídico-internacional dos mecanismos nacionais de prevenção impõe aos Estados contratantes a obrigação de garantir a sua autonomia. Por conseguinte, a atividade do Provedor de Justiça na qualidade de Mecanismo Nacional de Prevenção encontra-se inscrita em um plano de atividades próprio, tendo igualmente um Relatório anual de atividades separado do Relatório apresentado pelo Provedor de Justiça na sua veste tradicional. A realização das ações inspetivas (visitas), que se realizam sem aviso prévio, é pautada por uma prévia planificação de natureza sigilosa. Sublinhe-se, todavia, que a forma de organização das visitas, bem como o modo de elaboração dos documentos referentes a essas visitas obedecem a uma lógica diferente da organização tradicional dos procedimentos de queixa, bem como das visitas realizadas enquanto Provedor de Justiça como Instituição Nacional de Direitos Humanos. As visitas realizadas no âmbito do MNP são mais delimitadas e cirúrgicas, não possuindo a abrangência e a informação das visitas realizadas enquanto INDH ou Provedor de Justiça. São,

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por isso, determinados objetivos específicos para analisar em cada visita. A título exemplificativo, posso referir que a planificação das visitas é elaborada tendo em consideração os seguintes critérios: (i) as especificidades dos locais onde se encontram pessoas privadas de liberdade, assim como as suas condições de tratamento dessas pessoas; (ii) a maior abrangência geográfica possível das visitas e (iii) a diversidade de locais de detenção (v.g., estabelecimentos prisionais, hospitais psiquiátricos, centros educativos, centros de instalação temporária de estrangeiros, estabelecimentos policiais e locais de detenção nos Tribunais). Com a realização de cada visita procuro, destarte, averiguar a observância dos direitos daqueles que estão enclausurados, por forma a aferir se a sua dignidade, enquanto seres humanos que sempre são, está a ser respeitada. Investigo, por isso, se as condições estruturais do edifício prisional (designadamente, a ventilação e temperatura); verifico se a alimentação fornecida tem a qualidade e a quantidade satisfatórias, bem como se a ementa que é servida corresponde à que foi previamente especificada (aliás, muitas vezes provo a refeição a ser servida); inquiro sobre o critério de separação de reclusos; analiso se o recluso, carecendo de acompanhamento médico ou farmacológico, é devidamente assistido, em tempo e pelos profissionais idóneos; ouço igualmente os guardas prisionais, peça essencial no âmbito da prevenção contra a tortura. Repito-me para que dúvidas não subsistam quanto à missão do Mecanismo Nacional de Prevenção. Em tom de conclusão, recordo, a título de exemplo, a primeira visita que realizei como Mecanismo Nacional de Prevenção. Esta visita ocorreu no dia 27 de agosto do ano passado, ao Centro Educativo da Bela Vista, em Lisboa. Quis verificar, in loco, as condições físico-estruturais do edifício que acolhe jovens de ambos os sexos. Foi minha preocupação aferir se o estabelecimento visitado tinha duas unidades residenciais, uma para cada género. Concluí que sim. Mas foi, porém, negativa a impressão que recolhi na ala feminina do Centro Educativo, a qual não dispunha de condições específicas e necessárias para as jovens mães e a eventual pernoita de seus filhos. Este facto – conjugado com a necessidade de criação de espaços próprios para aleitamento, a necessidade da introdução de berçários e de fraldários, a necessidade de adaptar os sanitários a crianças – motivou aquela foi a minha primeira Recomendação enquanto MNP: a Recomendação n.º 1/2015/MNP. Nesta considerei igualmente importante ponderar a celebração de um protocolo com o Ministério da Saúde para assegurar, entre outras, a assistência psicológica às jovens institucionalizadas durante a pré-natalidade e após o nascimento. E, já no decurso do presente ano civil (no dia 13 de agosto), realizei, ao Centro Educativo da Bela Vista, a minha primeira visita de seguimento, na qual observei o acatamento parcial do que havia recomendado. Escolhi a primeira, mas, frise-se, que qualquer uma das 58 visitas já realizadas como Mecanismo Nacional de Prevenção poderia servir para ilustrar a minha atuação nesta qualidade. São 58 locais visitados, dispersos de norte a sul do território continental e regiões autónomas. Estatisticamente, predominam, quanto ao tipo de estabelecimentos, as prisões e os locais de detenção de forças policiais. Conclusão matematicamente enganadora se esquecermos a devida proporção. São apenas seis os Centros Educativos e todos eles já foram por mim visitados. Estatísticas são, não esqueçamos, somente números. A minha preocupação para com aqueles que estão privados da sua liberdade dilui-se por milhares de pessoas. Por centenas de locais. E um dia, em breve, certamente que lhes baterei à porta.

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Sessão de Encerramento

Ana Costa de Almeida, Vogal do Conselho Geral

Helena C. Tomaz, Vice-Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OA

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Sessão de Encerramento

Ana Costa de Almeida, Advogada e Vogal do Conselho Geral

Cumprimentos iniciais, em particular, ao Senhor Provedor de Justiça, ao Prof Germano Marques da Silva e restantes os oradores, saliento que é uma mais valia a participação de magistrados neste debate, os quais contribuem em muito para estas Jornadas.

Elogio o evento organizado pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, que integra também o Observatório das Prisões, na iminência de mais um aniversário da DUDH, um momento muito oportuno.

A matéria das prisões é-me particularmente cara profissionalmente, os espaços fechados, não só as prisões, o Senhor Provedor acabou de falar nos hospitais psiquiátricos, eu falaria dos lares de idosos, não só, são espaços até pelas restrições, e focando mais nas prisões, nos estabelecimentos prisionais, as restrições originam fragilidades humanas, reações humanas de maior dimensão, de maiores proporções. Lembro-me de ouvir ao longo dos tempos da parte de pessoas, custa-me usar a expressão recluso, de pessoas que estão detidas, sempre retive isto, uma coisa neste sentido, nós sentimos as coisas em dobro, senão em triplicado, ou seja, uma coisa aparentemente para nós é um pequeno problema, para quem está detido 24 horas assume uma dimensão gigantesca. Isto também para os Advogados aqui presentes, principalmente para os Advogados que têm contacto privilegiado com os seus clientes, não só os Advogados, não principalmente os Advogados, é compreensível que as pessoas nos telefonem às vezes não para falarem de questões processuais, mas com desabafos, lamentos, para procurarem um incentivo,… enfim, e em particular, por parte de cidadãos estrangeiros, que têm um afastamento da família, veem no Advogado alguém com quem querem e devem poder falar, o que também é benefício em termos e para efeitos de ressocialização e reintegração, o papel do Advogado, e não só do Advogado, na reintegração.

Estes espaços fechados, com todas estas fragilidades que lhe são inerentes, são também particularmente, propícios à violação dos Direitos Humanos e da dignidade humana. São muito fechados, mesmo quem lida com eles não consegue conhecer no todo exactamente aquilo que se vai passando. É particularmente importante, para todos nós, para a sociedade em geral que se combata uma desumanização, uma desumanização também propiciada por potenciais efectivos, atropelos à dignidade humana, que se combate esta desumanização, e também exclusão, isto sim é grave, por via do cumprimento de uma pena de prisão, porque não, de forma alguma, é isso que está em causa, antes pelo contrário, isso constituí uma subversão dos próprios propósitos da aplicação e do cumprimento de uma pena de prisão.

É uma questão que merece maior atenção por todos nós.

Há um agravamento deste sentido, vamos assistindo a um sentido generalizado, e por vezes, por parte dos cidadãos, no sentido de um alheamento da realidade prisional, inconscientemente e, por vezes, até de forma deliberada.

Isto porquê, a priori, porque partem de um pressuposto que existe uma imunidade própria ou dos seus entes ao erro, ou seja, é uma coisa que só poderá suceder aos outros, quando no fundo o erro é inerente à própria condição humana, ninguém está imune a falhar, às vezes em minutos mudam-se vidas, as suas vidas e as vidas de outrem. Com essa facilidade de pensamento, também, aquilo com que se depara é com essa subversão dos próprios propósitos da própria aplicação e do cumprimento de uma pena de prisão. Tende-se muito a pensar no cumprimento de uma pena de prisão como um castigo, e tende-se, os cidadãos em geral, pese embora eu

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concorde com o Senhor Provedor, nem todos os juristas são quadrados, mas também compreendo o Professor Germano Marques da Silva, o tipo de comentários que por vezes advêm de juristas, aí causa-me alguma estupefação o acharem que é um castigo, e como tal deve ser o mais duro possível, torturante mesmo, e não há nada de mais errado no fundo contrariando aquilo que seria benéfico para todos os nós.

Quando me deparo com posições mais radicais, há um argumento que normalmente funciona, quem lá está vai sair, é inevitável! Preferem que saiam pior, depois de terem estado a ser maltratados, torturados, humilhados, ou preferem que saiam pessoas já num percurso visando a ressocialização, a reintegração, é isso que nos interessa.

Normalmente este argumento vai funcionado para aqueles que são mais radicais e que são mais avessas no fundo áquilo que é o propósito da aplicação e do cumprimento de uma pena de prisão, por isso são também importantes eventos como este, chamar a sociedade a debater estes assuntos, desta vez promovido pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, mas também a Provedoria de Justiça, a Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

A Ordem dos Advogados continuará a desenvolver esta temática, a envolver a sociedade, a elucidar, a esclarecer a sociedade no sentido de uma melhoria do próprio sistema e naquilo que advenha de benéfico para a sociedade desse sistema.

Apenas uma nota final quando à ressocialização que é o primacial propósito do cumprimento de uma pena de prisão, porque se se logra o cumprimento da pena nesse sentido, no fundo também se logra a prevenção da reincidência, é fundamental este enfoque na ressocialização.

Permitia-me evocar o que ouvi ao Senhor Provedor de Justiça, na inauguração da exposição de fotografia inserida nas Comemorações dos 40 Anos da Provedoria de Justiça, retive estas palavras ”A defesa dos direitos fundamentais é uma tarefa sempre inacabada”. E é exactamente isso, é uma tarefa, uma incumbência de todos nós, constante, que importa desenvolver, acalentar, marcar como feito através deste evento, como trilho, caminho, no sentido desta defesa ser efectiva, porque, por vezes, o trabalho destas entidades não é reconhecimento mas ele está lá, as pessoas afectadas por esse trabalho reconhecem-no.

Por fim, resta-me reiterar o meu agradecimento, como cidadã, como Advogada e como Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Advogados a todos os que participaram nestas Jornadas.

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Helena C. Tomaz, Vice-Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados

PRISÃO ? RECLUSÃO ? LIBERDADE !

De uma certa maneira, estamos todos presos. Querem-nos a todos presos.

Presos em pré-juízos e preconceitos.

Presos a crenças cuja origem e real dimensão valorativa tantas vezes desconhecemos.

Presos a uma ideia conveniente de um enquadramento social e económico que consideramos ser o nosso ou ao qual almejamos pertencer, de verdade ou apenas numa construção valorativa que nos dá conforto (intimo ou externo).

Presos a percursos em que nunca paramos para pensar, com medo de não nos reconhecermos.

Presos a caminhos para os quais nos deixámos arrastar, por inércia, por convicção, apenas por que sim … ou por que não.

Presos ao conforto do que recebemos, pouco ou muito.

Presos a uma ideia de autocomiseração.

Presos ao medo de sermos livres.

Hoje, aqui, nestas Jornadas da Comissão de Direitos Humanos da OA quisemos lançar as pontes entre essas prisões e reclusão. E quisemos fazê-lo sem comprometimento com qualquer grilhão de organizações, sem interesses corporativos, com a liberdade do bem e do mal, do certo, do errado e do que qualquer escala valorativa pode servir para classificar como bem ou mal, certo ou errado.

Quisemos reparar (como diria Saramago, citando no seu Ensaio sobre a cegueira, um adágio chinês, “Se podes olhar vê, se podes ver, repara”) ou, se quiserem, parar para ver.

Quisemos fazê-lo sentados na cadeira de todos e de cada um dos sujeitos desta imensa relação que é o sistema prisional e o regime de execução de penas em Portugal. Para termos a perspectiva e o foco de cada um e com isso aprender a ver a imagem global e não apenas a parte dela que nos convém.

Tivemos a felicidade de contar com a colaboração, o saber e o empenho de todos, desde os reclusos à DGRSP, passando pelos directores dos estabelecimentos prisionais, pelos guardas prisionais, pelos psicólogos, os animadores culturais, as associações, os professores e educadores, os empresários e demais empreendedores que valorizam a mão-de-obra prisional. De TODOS, enfim!

Acreditamos que é possível desenvolver o que já se faz bem e contribuir para fazer mais e melhor. Desde que não nos limitemos a criticar o que está mal (e sabemos que é, ainda, muitíssimo), mas nunca deixando de o denunciar nos locais próprias, com a veemência necessária, com o comprometimento sério no desenho da solução e no seu percurso de construção.

Como nos dizia um recluso do EP de Caxias, “Estar preso é uma coisa triste. Quis estudar, porque o saber liberta.”

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CDHOA - JORNADAS SISTEMA PRISIONAL - EXECUÇÃO DE PENAS – DIREITOS HUMANOS | 131

CDHOA - Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados * Lisboa 26 e 27 de novembro de 2015

Acredito que é, de facto, esse o grande desafio, lutar pelas duas únicas coisas que ninguém, jamais, nos tirará: o que formos capazes de SER e de SABER.

Esse é o caminho da LIBERDADE e da concretização dos Direitos Humanos. Esse é, portanto, o nosso caminho.

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CDHOA - Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados * Lisboa 26 e 27 de novembro de 2015

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