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A jurema preta (Mimosa hostilis Benth.) e o tabaco (Nicotiana tabacum L.) so as duas plantas primordiais da religio do Catimb, culto que engloba caractersticas espirituais africanas, indgenas brasileiras e europias. Em sua premiada monografia, Lemos faz uma reviso bibliogrfica com grande nfase em Meleagro, um antigo estudo do Antroplogo Lus Cmara Cascudo considerado referncia sobre o Catimb, alm de tratar do assunto sob uma viso etnobotnica.

O uso da jurema (Mimosa hostilis Benth.) e do tabaco (Nicotiana tabacum L.) no CatimbFonte: As Plantas do Catimb em Meleagro de Lus Cmara Cascudo Autora: Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo Jurema e fumo A bebida ritual do Catimb referido por cascudo denomina-se Cauim, nome indgena que s vezes aparece como designativo de aguardente, simplesmente, ou aguardente de raiz de jurema. No fica claro, porm, se todo cauim na poca da pesquisa de Cascudo, perodo anterior a 1951, continha a planta jurema, embora em uma parte do livro haja o seguinte comentrio: "o candidato beber cauim legtimo, aguardente com raiz de jurema." (1951:61) "Uma festa secreta dessa indiada, no sculo XVIII, dizia-se adjunto da Jurema. Faziam a bebida com a jurema e bebiam-na no meio de cerimnias que no deixaram rastro", diz Cascudo (1951:19) Cascudo (1937:95), ao referir-se jurema empregada no Catimb, diz que so usadas todas as partes da planta e que so conhecidas por jurema branca e jurema preta. A branca a preferida, por ter sido empregada pelos indgenas na fabricao de estupefaciente. " narctico habitual de nossos aborgenes", comenta um tratado de geobotnica mdica de Pernambuco (Brito, 1917:509), citado por Cascudo no trabalho acima mencionado. Fernandes (1938:87-8), descrevendo o Catimb da Paraba, diz: "Distribuem entre os presentes a jurema." Em seguida o autor refere-se panela com gua fervente onde a catimbozeira mexe a erva coentro e defuma "soprando com a boca no recipiente de fumo do cachimbo para que a fumaa saia pela boquilha." Porm, pgina 116 acrescenta: "A jurema corre de boca em boca." Essa informao faz presumir que, embora seja feita com coentro, o nome que se d bebida seja jurema. Trabalhos posteriores publicao de Meleagro em 1951, e os trabalhos de autores contemporneos ou, mesmo anteriores a Cascudo, evidenciam as alteraes ocorridas quanto s preparaes da bebida denominada jurema, assim como as espcies botnicas que levam esse nome. A no ocorrncia da planta em determinadas regies pode ser responsvel pelo no emprego da planta jurema, fazendo com que o preparado da bebida sofra variaes conforme registrado por Motta & Lima (1985:114) ao se referirem aos Catimbs de Recife, citando Vandezande (1975). Aqueles autores dizem que a bebida feita com raiz de jurema (Mimosa hostilis Benth.) por questes ecolgicas, de uso raro em Recife, acrescentando que mesmo na rea pesquisada por Vandezande o nome Jurema dado bebida base de cachaa e acar. Barros & Mota (1988:5) menciona a espcie botnica Vitex agunus-castus, Verbenaceae, conhecida por jurema branca, entre os ndios Kariri-Xoc de Alagoas, que a utilizam, atualmente, na preparao do vinho r]itual em lugar da jurema de espinhos, que, segundo eles, pode ser muito txica e "eindoida". Schultes (1976:84), estudando o vinho da jurema, observa que a bebida miraculosa, usada por diversas tribos de Pernambuco, Pankanaru, Tusha e Fulnio, preparada com a Mimosa hostilis Benth.,

embora admita existirem outras espcies de Mimosa, conhecida por jurema. O autor acrescenta: [traduzido: "Normalmente conectado com guerra, o alucingeno era usado por "tribos extintas da rea para 'passar a noite navegando pelas profundidades do sono' s antes de seguir para a guerra. Eles veriam vises gloriosas de terra dos espritos (...) ou ter uma viso das pedras que colidem, que destri as almas dos viajantes morto meta deles ou vem o pssaro do trovo atirando batendo palmass de trovo.'" Ribeiro (1972:126), referindo-se ao Catimb do Nordeste, diz que entre suas prticas "prepara-se Jurema, erva-doce, cravo-do-reino, casca de limo ou laranja, canela em casca, para fazer as misturas dos Senhores Mestres". O autor escreve Jurema com maiscula, no deixando claro se trata de planta ou de nome dado bebida. Carvalho (sd:7), em seu trabalho Cultos da Jurema, diz que a bebida preparada com infuso da casca da jurema, cachaa e mel. Para Carvalho (1989), "o culto aos mestres e planta formam os dois ncleos da jurema e ambos universos de crena so atualizados na prtica ritual do culto". O autor acrescenta, ainda, que no culto da Jurema considerado juremado aquele que recebeu no corpo a semente da jurema. Sobre a semente h referncias detalhadas na introduo deste estudo. A preparao do vinho da jurema foi descrita por Carlos Estevo (1956:512) que a testemunhou junto tribo Pankararu, em Pernambuco. Assim diz: "Raspada a raiz da jurema, a raspa levada para eliminao da terra que, porventura, nela esteja agregada sendo, em seguida, colocada sobre outra pedra. Nesta macerada, batendo-se-lhe, amiudamente, com outra pedra. Quando a macerao est completa, bota-se toda a massa dentro de uma vasilha com gua, onde a espreme com as mos a pessoa que a prepara. Pouco a pouco, a gua vai-se transformando numa golda vermelha e espumosa, at ficar em ponto de ser bebida. Pronta para esse fim, dela se elimina toda a espuma, ficando, assim, inteiramente limpa. Ao ficar nesse estado, o velho Serafim acendeu um cachimbo tubular feito de raiz de jurema, e colocando-o em sentido inverso, isto , botando a boca na parte em que se pe o fumo, soprou-o de encontro ao lquido que estava na vasilha, nela fazendo com a fumaa uma figura em forma de cruz e um ponto em cada um dos ngulos formados pelos braos da figura. Logo que isso foi feito, um caboclo, filho do chefe, colocou a vasilha no solo, sobre duas folhas do uricuri, que formavam uma espcie de esteira. Em seguida todos que ali se encontravam sentaram-se no cho, formando um crculo em redor da vasilha". Em 1814, Henry Koster, citado por Cascudo (1951:20), registrou uma festa indgena em Pernambuco, onde, no centro da cabana, estava um grande vaso de barro que presumivelmente continha a bebida jurema, conforme denunciado por uma jovem indgena, cujos pais tinham ido quele local para beber jurema. O fumo, elemento tambm indgena, representa ao lado da jurema, no Catimb estudado por Cascudo, o elo forte entre o catimbozeiro e os Mestres do Alm. "Fumo, tabaco, petim, petum, erva-santa eram os nomes pelos quais conheciam a espcie botnica Nicotiana tabacum L." Herana indgena, visto que "a fumaa atirada como beno, esconjuro, uma permanente no Catimb, articula-se com a lngua indgena, observada nos sculos XVI e XVII". (29) Nas prticas de cura os ndios costumavam soprar, sobre o corpo dos doentes, a fumaa aspirada das fulhas de fumo queimadas (Santos Filho, 1947:16). Catimb feitiaria branca, com o cachimbo negro e fumo indgena. com o cachimbo grande, fumegando que vo sendo chamados os encantados do Catimb. (19) Alguns mestres, segundo Cascudo (34), chamam o cachimbo usado pelo catimboseiro de "marca mestra" ou, simplesmente, "marca". O fumo para o cachimbo "marca mestra" "ou mestra" costuma ser misturado com incenso, benjoim, alecrim, sendo que em determinados "trabalhos" ou "fumaas", o tabaco tem na composio mata-pasto, jurubeba, casco-de-burro, jurema (34-5). A primeira mistura a ritual para a defumao, propiciatria no incio da "mesa". Mesa o nome que se d sesso (33). Catimb cachimbo; "a significao verdadeira, sabida pelos que sabem, pelos mestres, pelos velhos, pelos antigos, era apenas cachimbo, porque sem cachimbo no havia Catimb". E os trabalhos denominam-se "fumaas" (24)

Descrevendo uma sesso, diz Cascudo (55): "mestre j estava com o grande cachimbo aceso, canudo comprido, o bojo cheio de fumo (tabaco) com incenso". Sobre o cachimbo de cano comprido,com fumo, Colombo, em 1492, j registrara seu uso pelos sacerdotes indgenas de Cuba (Hoehne, 1939:262) "Como Lry vira no Rio de Janeiro quinhentista, Frei Ivo d'Evreux anotou no Maranho de 1613. Benziam os pajs com gua, deitando tambm fumaas de petum introduzida num canio de que eles puxam a fumaa" (30) O fumo propicia ao "mestre da mesa", o transe, atravs de inalaes profundas. (39) O mestre s fuma seu cachimbo s acessas, pondo a boca no fomilho e soprando a fumaa pelo canudo. (35) Fernandes (1938:91), referindo-se ao Catimb da Paraba, apresenta dados sobre a abertura de uma "mesa", quando os presentes so defumados com cachimbos usados na posio invertida. Sobre o culto da Jurema em Recife, culto aparentado pelo Catimb, segundo Carvallho (sd:4), "para dar incio a qualquer trabalho de mesa, o juremeiro acende um cachimbo e sopra pelo lado oposto baforando fumaa em todos os recipientes, com a finalidade de 'despertar' a "jurema". Ribeiro (1972:126), referindo-se s prticas dos Catimbs do Nordeste, comenta sobre a preparao dos defumadores, dos cachimbos dos Senhores Mestres, com fumo picado com alfazema, alm de charutos. Atravs dessa informao verifica-se, ainda, o hbito de se misturar fumo com outras plantas, tal como verificou Cascudo (34-5). Ainda, tratando-se do culto da Jurema em Recife, Motta e Lima (1985:114) referem-se "consulta verbal s entidades, por ocasio do transe medinico, e limpeza pelo fumo, isto , a entidade ou mdium sopra e asperge o corpo do devoto com fumaa de tabaco". A palavra tabaco, segundo Hoehne (1939:262), originariamente serviu para designar um objeto em forma de Y feito de tubos de taquara, osso ou de barro queimado de que se serviam os ndios que o usavam reciprocamente para misturar o p de "niopo", tambm conhecido por paric. Porm, o tabaco entendido como a Nicotiana tabacum L., era muito importante para os indgenas que, segundo Pereira (1974:14), "secavam as folhas, dando-lhes a forma de desmesurados e grosseiros charutos, to longos que era necessrio ajeit-los na forquilha de um interessante suporte, de confeco artstica, fincada no cho da oca ou no terreiro da aldeia". Quanto possibilidade de o fumo levar ao transe, j foi discutido, como Wagley (1977:223), num estudo sobre uma comunidade amaznica, que enfoca esse assunto. Diz esse autor que os indgenas da lngua tupi, "ao se comunicarem entre os espritos que controlavam, entravam em transe e at mesmo em crises catalpticas. Tais transes eram provocados pela tragada de grandes quantidades de tabaco e pela dana e canto ao ritmo do matraquear de uma cabaa". Lewis (1971:53), ao tratar dos ndios yaruro da Venezuela, diz que estes acreditam que, "no transe induzido pela mastigao do tabaco, o esprito (ou alma) do xam torna-se pequeno e leve, sendo capaz de desligar-se de seu corpo e voar aos cus". Dentre os povos indgenas que se narcotizavam com tabaco, o mais representativo, segundo Pereira (1974:15), era o Pitigua. Portanto, pode-se deduzir que os ndios conseguiam alteraes de estado de conscincia atravs do tabaco e sua influncia nos sistemas de crenas, onde o transe elemento bsico nos rituais, obtido pelo uso dessa planta, no deixa dvidas. Jimenez (1980:5,8): [traduzido: "na terapia curanderil o tabaco um aditivo indispensvel dos {hachicheros} e curandeiros. Para o rito substancialidade e da transmutao os bruxos adquirem o estado de nicotismo"]. O autor analisa-o atravs de sua composio qumica e diz que a nicotina de ao bifsica e que os curandeiros conhecem essa peculiaridade, pois ela primeiro excita e depois deprime. Diz, ainda, que o tabaco s ou associado a outros vegetais alucingenos exalta a percepo extrassensorial.