catequese jesus cristo, rosto da...

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Catequese [ Que seu grito se torne o nosso e, juntos, [ 18 olutador [ maio ] 2016 O AMOR misericordioso do Pai é o espelho da vida de Jesus de Nazaré e a força dinamiza- dora de sua missão: “O Filho só faz aquilo que vê o Pai fazer” (Jo 5,19). A misericórdia do Pai inspira e alimenta a paixão de Jesus pelo Reino e sua com- paixão por todos os que sofrem. Porque conhece o coração do Pai e em tudo procura realizar a vontade daquele que o enviou (cf. Jo 6,38), Jesus não teme acolher as pessoas, aproximar-se dos ex- cluídos, perdoar os pecadores, alegrar- se com os que se alegram, chorar com os que choram, consolar os aflitos e en- corajar os desanimados: “Porque o Pai me ama, dou a minha vida para recebê -la novamente” . (Jo 10,17.) Assim, “com sua palavra, seus gestos e toda a sua pes- soa, Jesus de Nazaré revela a misericór- dia de Deus” . (Misericordiae Vultus, 1) Ninguém melhor do que Jesus se fez misericordioso como o Pai, de modo a ensinar-nos a “ser generosos para com todos, sabendo que Deus derrama sua benevolência sobre nós com grande mag- nanimidade” . (MV, 14.) Contemplando em Jesus Cristo “o rosto da misericór- dia” , somos envolvidos por este mistério de graça, “fonte de alegria, serenidade e paz” , “caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação de nosso pecado” . (MV, 2). Fixemos, então, nosso olhar na mise- ricórdia de Jesus, misericórdia para com os pobres, os doentes, os pecadores e os discípulos. Em seu caminho e a seu exem- plo, nossa vida se tornará “sinal eficaz do agir do Pai” (MV, 3) junto aos irmãos. a misericórdia de jesus para com os pobres O Filho de Deus assumiu a condição hu- mana, identificando-se com os pobres e fazendo de sua vida uma boa nova de misericórdia para os pequenos: “O Es- pírito do Senhor está sobre mim, por- que ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres” . (Lc 4,18.) Em Je- sus de Nazaré, os pobres podiam en- contrar um abrigo de paz, um alento de esperança, uma promessa de vida plena, um impulso de transformação (cf. Mc 3,7-8). Jesus sabia se comover diante da dor e da carência daqueles “que vivem nas mais variadas periferias existenciais” (MV, 15), cansados e aba- tidos, sem rumo e direção (cf. Mt 9,36). E tudo isso se deve ao fato de que “a pessoa de Jesus não é senão amor, um amor que se dá gratuitamente. Seu rela- cionamento com as pessoas que se abei- ram dele manifesta algo de único e irre- petível [...]. Tudo nele fala de misericór- dia. Nele, não há nada que seja despro- vido de compaixão” . (MV, 8.) Atraídos pelo exemplo de Jesus, in- terpelados por sua compaixão para com os pobres, “abramos nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da pró- pria dignidade e sintamo-nos desafia- dos a escutar seu grito de ajuda. Nossas mãos apertem suas mãos e estreitemo-los a nós para que sintam o calor de nossa presença, da amizade e da fraternidade. Que seu grito se torne o nosso e, juntos, possamos romper a barreira de indife- rença que frequentemente reina sobe- rana para esconder a hipocrisia e o ego- ísmo” . (MV, 15.) a misericórdia de jesus para com os doentes Também os doentes eram alcançados pe- la compaixão de Jesus e acudidos por sua solicitude (cf. Mc 1,32-34). Sabia escutá -los com atenção, tratá-los com respeito, atendê-los com ternura, manifestando a misericórdia do Pai em seus gestos e pa- lavras de entranhado amor (cf. Lc 6,18- 19): “Em virtude deste amor compassivo, curou os doentes que lhe foram apresen- tados [...]. Em todas as circunstâncias, o que movia Jesus era apenas a misericór- dia, com a qual lia no coração de seus in- terlocutores e dava resposta às necessida- des mais autênticas que tinham” (MV, 8). Sua sensibilidade humana levava Je- sus a curar de modo integral, erguendo os encurvados, restituindo a capacida- de de ver e ouvir, libertando os atormen- tados, reintegrando ao convívio social, restaurando diante de todos a face mi- sericordiosa do Pai, que “deseja o nos- so bem e quer ver-nos felizes, cheios de alegria e serenos” . (MV, 9.) Por isso, ao despedir uma dessas pessoas restabe- lecidas pelo poder revitalizador de sua compaixão, Jesus recomendou: “Conta tudo o que o Senhor fez por ti em sua mi- sericórdia” . (Mc 5,19.) A postura misericordiosa de Jesus diante dos enfermos se traduz num ape- lo a romper com a indiferença que nos fecha no comodismo e a qualificar nos- sa presença junto aos que padecem al- guma dor, de modo a “cuidar de suas fe- ridas, aliviá-las com o óleo da consola- Jesus Cristo, rosto da PE. VINíCIUS AUGUSTO RIBEIRO TEIXEIRA, C.M.

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Catequese [ Que seu grito se torne o nosso e, juntos, possamos romper a barreira de indiferença...

[ 18 • olutador [ maio ] 2016

O AmOr misericordioso do Pai é o espelho da vida de Jesus de Nazaré e a força dinamiza-dora de sua missão: “O Filho

só faz aquilo que vê o Pai fazer” (Jo 5,19). A misericórdia do Pai inspira e alimenta a paixão de Jesus pelo Reino e sua com-paixão por todos os que sofrem.

Porque conhece o coração do Pai e em tudo procura realizar a vontade daquele que o enviou (cf. Jo 6,38), Jesus não teme acolher as pessoas, aproximar-se dos ex-cluídos, perdoar os pecadores, alegrar-se com os que se alegram, chorar com os que choram, consolar os aflitos e en-corajar os desanimados: “Porque o Pai me ama, dou a minha vida para recebê-la novamente”. (Jo 10,17.) Assim, “com sua palavra, seus gestos e toda a sua pes-soa, Jesus de Nazaré revela a misericór-dia de Deus”. (Misericordiae Vultus, 1)

Ninguém melhor do que Jesus se fez misericordioso como o Pai, de modo a ensinar-nos a “ser generosos para com todos, sabendo que Deus derrama sua benevolência sobre nós com grande mag-nanimidade”. (MV, 14.) Contemplando em Jesus Cristo “o rosto da misericór-dia”, somos envolvidos por este mistério de graça, “fonte de alegria, serenidade e paz”, “caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação de nosso pecado”. (MV, 2).

Fixemos, então, nosso olhar na mise-ricórdia de Jesus, misericórdia para com os pobres, os doentes, os pecadores e os discípulos. Em seu caminho e a seu exem-plo, nossa vida se tornará “sinal eficaz do agir do Pai” (MV, 3) junto aos irmãos.

a misericórdia de jesus para com os pobresO Filho de Deus assumiu a condição hu-mana, identificando-se com os pobres e fazendo de sua vida uma boa nova de misericórdia para os pequenos: “O Es-

pírito do Senhor está sobre mim, por-que ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres”. (Lc 4,18.) Em Je-sus de Nazaré, os pobres podiam en-contrar um abrigo de paz, um alento de esperança, uma promessa de vida plena, um impulso de transformação (cf. Mc 3,7-8). Jesus sabia se comover diante da dor e da carência daqueles “que vivem nas mais variadas periferias existenciais” (MV, 15), cansados e aba-tidos, sem rumo e direção (cf. Mt 9,36).

E tudo isso se deve ao fato de que “a pessoa de Jesus não é senão amor, um amor que se dá gratuitamente. Seu rela-cionamento com as pessoas que se abei-ram dele manifesta algo de único e irre-petível [...]. Tudo nele fala de misericór-dia. Nele, não há nada que seja despro-vido de compaixão”. (MV, 8.)

Atraídos pelo exemplo de Jesus, in-terpelados por sua compaixão para com os pobres, “abramos nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da pró-pria dignidade e sintamo-nos desafia-dos a escutar seu grito de ajuda. Nossas mãos apertem suas mãos e estreitemo-los a nós para que sintam o calor de nossa presença, da amizade e da fraternidade. Que seu grito se torne o nosso e, juntos, possamos romper a barreira de indife-rença que frequentemente reina sobe-rana para esconder a hipocrisia e o ego-ísmo”. (MV, 15.)

a misericórdia de jesus para com os doentesTambém os doentes eram alcançados pe-la compaixão de Jesus e acudidos por sua solicitude (cf. Mc 1,32-34). Sabia escutá-los com atenção, tratá-los com respeito, atendê-los com ternura, manifestando a misericórdia do Pai em seus gestos e pa-lavras de entranhado amor (cf. Lc 6,18-19): “Em virtude deste amor compassivo, curou os doentes que lhe foram apresen-

tados [...]. Em todas as circunstâncias, o que movia Jesus era apenas a misericór-dia, com a qual lia no coração de seus in-terlocutores e dava resposta às necessida-des mais autênticas que tinham” (MV, 8).

Sua sensibilidade humana levava Je-sus a curar de modo integral, erguendo os encurvados, restituindo a capacida-de de ver e ouvir, libertando os atormen-tados, reintegrando ao convívio social, restaurando diante de todos a face mi-sericordiosa do Pai, que “deseja o nos-so bem e quer ver-nos felizes, cheios de alegria e serenos”. (MV, 9.) Por isso, ao despedir uma dessas pessoas restabe-lecidas pelo poder revitalizador de sua compaixão, Jesus recomendou: “Conta tudo o que o Senhor fez por ti em sua mi-sericórdia”. (Mc 5,19.)

A postura misericordiosa de Jesus diante dos enfermos se traduz num ape-lo a romper com a indiferença que nos fecha no comodismo e a qualificar nos-sa presença junto aos que padecem al-guma dor, de modo a “cuidar de suas fe-ridas, aliviá-las com o óleo da consola-

Jesus Cristo, rosto da misericórdia PE . ViNíCius AuGusTo riBEiro TEixEir A , C . M .

Catequese [ Que seu grito se torne o nosso e, juntos, possamos romper a barreira de indiferença...

olutador [ maio ] 2016 • 19 ]

ção, enfaixá-las com a misericórdia e tra-tá-las com a solidariedade e a atenção devidas”. (MV, 15.)

a misericórdia de jesus para com os pecadoresMuitas pessoas tidas publicamente co-mo pecadoras se sentiam cativadas por Jesus, por sua simplicidade, coerência e bondade. Ele não receava tornar-se pró-ximo delas, acolhê-las, ajudá-las e convi-dá-las à conversão (cf. Jo 8,10-11), reve-lando-lhes, dessa forma, “o grande dom da misericórdia que busca os pecadores, a fim de oferecer-lhes o perdão e a sal-vação”. (MV, 20.)

Em seus gestos e palavras de com-paixão, todos podiam contemplar e apal-par esta boa notícia: o Deus de Israel é um pai paciente e misericordioso, que “não se cansa de nos estender a mão”. (MV, 19.) Assim como Jesus, ele jamais rejeita, afasta ou condena a quem o pro-cura com sinceridade e a quem decide regressar ao seu convívio (cf. Lc 15,11-32). Ao contrário, sai à procura daquele que se perdeu e se alegra quando o re-encontra (cf. Lc 15,4-10). Em tudo o que diz e faz, “Jesus revela a natureza de um Deus como a de um Pai que nunca se dá por vencido enquanto não tiver dissol-vido o pecado e superado a recusa com a compaixão e a misericórdia”.

Este é o cerne do Evangelho: “A mi-sericórdia é a força que tudo vence, en-che o coração de amor e consola com o perdão”. (MV, 9,) A vivência da mise-ricórdia passa pelo paciente exercício do perdão (cf. Mt 18,35). Jesus nos ensi-na que, “sem o testemunho do perdão, resta apenas uma vida infecunda e esté-ril, como se se vivesse num deserto de-solador”. (MV, 10.) De fato, como filhos amados de Deus, “somos chamados a viver de misericórdia, porque primei-ro foi usada misericórdia para conos-co”. (MV, 9.)

a misericórdia de jesus para com os discípulosPara estender a obra que o Pai lhe con-fiou, Jesus quis constituir ao redor da cau-sa do Reino uma comunidade de pesso-as empenhadas em continuar sua mis-são, formando-as para “levar uma pala-vra e um gesto de consolação aos pobres, anunciar a libertação a quantos são pri-sioneiros das novas escravidões, devol-ver a vista a quem já não consegue ver porque vive curvado sobre si mesmo e restituir dignidade àqueles que dela es-tão privados”. (MV, 16.)

Mas os discípulos de Jesus eram pes-soas concretas, com limites e possibili-dades, qualidades e defeitos, pecadores para os quais o Senhor olhou com mise-ricordioso amor (cf. Lc 5,27-28). Ao longo do caminho, os discípulos nem sempre se mostravam alinhados com o pensamen-to e o coração do Mestre (cf. Mt 16,21-23). Jesus os repreende, mas não desiste deles.

Ao contrário, em distintas ocasi-ões, passa a instrui-los e a convidá-los a um compromisso mais convicto e au-dacioso: “Aquele que dentre vós quiser ser grande, seja vosso servidor, e aque-le que quiser ser o primeiro, seja o servo de todos”. (Mc 10,45.) Uma e outra vez, o Senhor perdoa a seus escolhidos, per-mitindo que permaneçam em sua com-panhia e convidando-os a “contemplar a misericórdia de Deus e assumi-la como estilo de vida”. (MV, 13.)

Ontem e hoje, os discípulos de Cristo são escolhidos entre pecadores. Somos reconfortados por esta certeza: apesar de nossa fraqueza, o Senhor conta co-nosco. Pede que assumamos “a miseri-córdia como ideal de vida e critério de credibilidade para nossa fé” (cf. MV, 9), convida-nos a “cuidar das fraquezas e di-ficuldades dos irmãos”, ensinando-nos que “a credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e com-passivo”. (MV, 10.)]

na escola de maria, mãe de misericórdia

Somos sempre acompanhados pela do-çura do olhar de Maria. Em sua solicitu-de materna, redescobrimos a ternura de Deus. Ninguém conheceu tão profunda-mente como Maria o mistério da miseri-córdia encarnado na pessoa de seu Filho. Ela foi preparada pelo amor do Pai para ser a Arca da Aliança (cf. Lc 1,26-38). Guar-dou a misericórdia em seu coração, em per-feita sintonia com a missão Jesus Cristo.

O hino de louvor colocando em seus lá-bios proclama a “misericórdia que se esten-de de geração em geração” (Lc 1,50) e chega até nós. Junto à cruz (cf. Jo 19,25-27), Maria testemunha o perdão supremo que seu Filho oferece, mostrando até onde pode chegar a misericórdia de Deus, da qual ninguém está excluído (cf. Lc 23,34.43). “A Mãe do Cruci-ficado Ressuscitado entrou no santuário da misericórdia divina, porque participou inti-mamente no mistério de seu amor”. (MV, 24.)

Solícita e diligente em face das neces-sidades humanas (cf. Jo 2,1-12), presente junto aos apóstolos à espera do Espírito (cf. At 1,14), Maria é o modelo da Igreja mi-sericordiosa, chamada a desenvolver sua capacidade de se compadecer diante das misérias humanas, exercitando-se na arte da caridade e do perdão. Peçamos à Mãe de clemência e piedade que jamais se can-se de volver para nós seu olhar misericor-dioso e nos torne dignos de contemplar o “rosto da misericórdia”, seu Filho Jesus.]

Jesus Cristo, rosto da misericórdia