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Categorias Analíticas da Geografia... Silva Revista Diálogos – N.° 14 – ago. / set. 2015 237 CATEGORIAS ANALÍTICAS DA GEOGRAFIA: CAMINHOS PARA LEITURA DO ESPAÇO GEOGRÁFICO d.o.i. 10.13115/2236-1499.2015v1n14p237 Julio César Félix da Silva Mestre em Geografia pela UFPE, Professor da Escola Ambiental de Lajedo, Professor convidado pela UPE. Resumo A geografia é a ciência cuja primazia de estudo está direcionada ao espaço geográfico, pois trata-se do seu objeto de estudo. O espaço geográfico compreende a totalidade da superfície terrestre, considerando o seu substrato físico de objetos naturais e objetos sociais, e também a ações que animam a sua dinâmica e o seu processo histórico de produção. Para leitura e compreensão do espaço, o geógrafo dispõe de um conjunto de categorias analíticas, que estão contidas no espaço geográfico, a saber: paisagem, lugar, território e região. Cada uma destas categorias de análise possuem múltiplas concepções que contribuem com a apreensão da natureza do espaço. Nesta direção, a ideia do presente texto é discorrer acerca das categorias analíticas da geografia, visando elucidar caminhos que podem ser trilhados para leitura e entendimento do espaço geográfico. Para isso, o texto está ancorado em autores da geografia crítica, corrente do pensamento geográfico calcada na dialética e no materialismo histórico. Palavras- Chave: espaço; paisagem; lugar; território; região. Abstract

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Categorias Analíticas da Geografia... ‐ Silva 

Revista Diálogos – N.° 14 – ago. / set. 2015  237

CATEGORIAS ANALÍTICAS DA GEOGRAFIA: CAMINHOS PARA LEITURA DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

d.o.i. 10.13115/2236-1499.2015v1n14p237 Julio César Félix da Silva

Mestre em Geografia pela UFPE, Professor da Escola Ambiental de Lajedo,

Professor convidado pela UPE.

Resumo

A geografia é a ciência cuja primazia de estudo está direcionada ao espaço geográfico, pois trata-se do seu objeto de estudo. O espaço geográfico compreende a totalidade da superfície terrestre, considerando o seu substrato físico de objetos naturais e objetos sociais, e também a ações que animam a sua dinâmica e o seu processo histórico de produção. Para leitura e compreensão do espaço, o geógrafo dispõe de um conjunto de categorias analíticas, que estão contidas no espaço geográfico, a saber: paisagem, lugar, território e região. Cada uma destas categorias de análise possuem múltiplas concepções que contribuem com a apreensão da natureza do espaço. Nesta direção, a ideia do presente texto é discorrer acerca das categorias analíticas da geografia, visando elucidar caminhos que podem ser trilhados para leitura e entendimento do espaço geográfico. Para isso, o texto está ancorado em autores da geografia crítica, corrente do pensamento geográfico calcada na dialética e no materialismo histórico. Palavras- Chave: espaço; paisagem; lugar; território; região.

Abstract

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Geography is the science whose primacy study is directed to the geographical area because it is their object of study. The geographical area comprises the entire land surface, considering their physical substrate of natural objects and social objects, and also the actions that animate its momentum and its historical production process. For reading and understanding of space, the geographer has a set of analytical categories, which are contained in the geographic space, namely: landscape, location, territory and region. Each of these categories of analysis have multiple ideas that contribute to the apprehension of the nature of space. In this direction, the idea of this text is to discuss about the analytical categories of geography, to elucidate pathways that can be pinched for reading and understanding of the geographical space. For this, the text is anchored in critical authors of geography, current geographical thought grounded in dialectical and historical materialism. Key-words: Space; landscape; place; territory; region.

1. O espaço geográfico: sistemas de objetos e sistemas de

ações

A palavra espaço é de uso corrente, pois amiúde é

empregada por muitas pessoas no cotidiano e utilizada por profissionais de diversas áreas, tais como: astrônomos, matemáticos, economistas e psicólogos, dentre outros. Entretanto, o significado do termo é particular em cada uma dessas áreas, os profissionais citados anteriormente utilizam respectivamente as seguintes expressões: espaço sideral, espaço topológico, espaço econômico e espaço pessoal (CORRÊA, R. 2012).

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No que se refere especificamente a Geografia, utiliza-se a expressão espaço geográfico (seu objeto de estudo) ou simplesmente espaço, entretanto esta é associada por muitas pessoas como sendo uma parte da superfície terrestre, identificada pela natureza, pelo modo de vida particular do homem, e como referência a simples localização. Além disso, costuma-se associar deliberadamente o termo espaço a diferentes escalas: global, continental, regional, da cidade, do bairro, da rua, da casa e de um cômodo no seu interior.

Mais do que uma área específica apontada fazendo menção à localização, o espaço é uma totalidade complexa, subjetivo, multifacetado, que é definido por Santos, M. (2012, p.63), como “[...] um conjunto indissociável, solidário e também contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”. O autor chama atenção para a inseparabilidade e interação dos sistemas de objetos e sistemas de ações,

De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro, o sistema de ações leva a criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma (SANTOS, M. 2012. p.63).

Assim, para Santos (2012), o espaço geográfico não é uma porção isolada de objetos, ao contrário disso, considera todos os objetos existentes numa extensão contínua, sem exceção. Do contrário, cada objeto não faz sentido, ao passo que a ação é tudo aquilo que possui uma intencionalidade e um propósito, embora nem sempre o fim seja alcançado. Essas são cada vez mais estranhas ao lugar e aos indivíduos que o constituem. Segundo Santos, M. (2012, p.82), “A ação é o próprio do homem. Só o

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homem tem ação, porque só ele tem objetivo, finalidade. A natureza não tem ação porque ela é cega, não tem futuro. As ações humanas não se restringem aos indivíduos, incluindo, também, as empresas, as instituições”.

As ações animam o cotidiano sobre três ordens: a técnica, formal e a simbólica. A primeira, diz respeito às interações no âmbito da técnica, munidas pelo campo técnico. A segunda, se trata das ações formais no campo jurídico. E a terceira, é emocional, o afetivo, são os valores e as representações dos indivíduos. São essas ações que definem os objetos, atribuem-lhe funções, conteúdos. “As duas categorias, objeto e ação, materialidade e evento, devem ser tratados unitariamente”. (SANTOS, 2012, p.86)

Todo objeto e ação antes de criados são dotados de uma intencionalidade, que parte do próprio pensar. “A ação é tanto mais eficaz quanto os objetos são mais adequados. Então, à intencionalidade da ação se conjuga a intencionalidade dos objetos e ambas são, hoje dependentes da respectiva carga de ciência e de técnica presente no território” (SANTOS, M. 2012, p.94). Assim, os objetos são criados a partir de uma intencionalidade e para abrigar uma intencionalidade, uma ação. Todavia, os objetos e as ações mudam ao longo do tempo, deste modo o espaço se reorganiza, pois sempre houve objetos e ações, desde a pré-história, mas hoje houve um aumento exponencial desses, e a natureza desses também se alteraram, os objetos são cada vez mais artificiais e mais fixos, e as ações são mais intensas e rápidas. É justamente dessa reunião dialética que advém a dinâmica e a transformação espacial. De acordo com Santos, M. (2008, p.106),

No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais que, ao longo da história, vão sendo por objetos fabricados, objetos técnicos e, mais recentemente, objetos mecanizados e, depois,

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cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina.

A partir do que fora exposto, depreende-se que a compreensão do espaço não é uma tarefa fácil, já que a sua realidade além de dialética, é uma totalidade em movimento, ou seja, é o resultado da acumulação de tempos passados e do tempo presente, envolve assim a sua materialidade histórica, processos e funções que o perpassam e o organizam solidária e contraditoriamente. Para seu entendimento, discorre-se por meio de uma abordagem teórica pautada em geógrafos da geografia crítica, a qual surgiu em 1970, durante o movimento de renovação geografia, calcada no materialismo histórico e na dialética, no intuito de não apenas compreender, explicar e transformar o mundo, pois o seu escopo era a sociedade e o trabalho, com foco nas lutas de classes, relações de trabalho, enfim, temas mormente voltados para as desigualdades sócio-espaciais.

2. A paisagem

No estudo da paisagem, antes de qualquer coisa, é

necessário considerar dois princípios básicos: a escala de análise e a especificidade da percepção do observador. A escala varia de acordo com a localização, ampliando-se o seu campo na medida em que se eleva a altura, seja em uma escada, prédio, morro, avião, etc. Quanto à percepção do observador, essa é distinta, as formas e a vida serão capturadas pelos observadores, mas o modo de analisar a paisagem é particular a cada indivíduo, em muitos casos há uma predominância da descrição do imediato, escapando a sua subjetividade, o seu movimento, a dinâmica do espaço.

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No que se refere ao conceito de paisagem, Santos, M. (1988, p.21) a concebe como “Tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons, etc.”. Desta forma, a paisagem é uma categoria inerente aos sentidos do individuo, mormente a visão. Em suma, sem o indivíduo a paisagem não existe. Segundo Gomes, E. (2001, p.56), “A paisagem só existe a partir do indivíduo que a organiza, combina e promove arranjos de conteúdo e forma dos elementos num jogo de mosaicos”.

A paisagem é uma espécie de retrato temporário de determinada porção do espaço, que pode ser apreendido pela observação de imagens (retratos propriamente ditos) e/ou pelo simples olhar do entorno, daquilo se apresenta ao nosso redor, e também do horizonte. “A rigor, a paisagem é apenas a porção da configuração territorial que é possível abarcar com a visão” (SANTOS, M. 2012, p.103). E como fotografia de determinada configuração territorial, a paisagem apresenta objetos de temporalidades distintas, perceptíveis através das características das formas espaciais. Para Santos, M. (2012, p.104), “A paisagem existe através de suas formas, criadas em momentos históricos diferentes, porém coexistindo no momento atual”.

Mas, apesar de algumas formas de tempos passados persistirem e conviverem simultaneamente com as formas do período atual, o seu conteúdo se transformou para adaptá-la ao momento presente. Santos, M. (2012) considera as formas espaciais importantes, mas ressalta que, não se deve apenas se deter a elas, sua disposição consiste apenas em um olhar paisagístico. Para o autor, precisa-se levar em conta o seu conteúdo social. “Considerada em si mesma, a paisagem é apenas uma abstração apesar de sua concretude como coisa material. Sua realidade é histórica e lhe advém de sua associação com o espaço social”. (SANTOS, M. 2012, p.108) Por a paisagem se tratar da

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representação do espaço humano, o movimento da vida social promove constante processo de transformação, algumas efêmeras e outras lentas.

Destarte, pode-se dizer que a paisagem reúne de forma relativamente imóvel as condições materiais histórico-sociais de tempos diferentes. Por essa capacidade de exprimir o passado social, Santos, M. (2012) a concebe como uma preciosa ferramenta de análise do espaço geográfico. Embora, chame atenção para não supor apenas o passado. De acordo com Santos, M. (2012, p.107). “Se queremos interpretar cada etapa da evolução social, cumpre-nos retomar a história que esses fragmentos de diferentes idades representam juntamente com a história tal como a sociedade a escreveu de momento em momento”.

Em consonância com o pensamento de Milton Santos, Carlos, A. F. (2001) salienta que a paisagem urbana apresenta dois aspectos: o espaço construído e o movimento da vida. O primeiro, trata-se do imediato, da materialidade, do concreto, que exprime os contrastes e contradições entre as classes sociais. O segundo, o movimento da vida, diz respeito ao acontecer cotidiano, a dinâmica das pessoas na cidade.

Desta forma, para se alcançar a essência da realidade social, faz-se necessário buscar na paisagem a relação dialética entre as formas espaciais e a sociedade, que as anima com conteúdos diferentes em cada momento da história.

3. O lugar

O lugar é uma categoria analítica (uma porção do espaço),

é onde a vida acontece, é o locus do convívio social. No estudo do lugar, cabe ao geógrafo considerar os seus limites territoriais,

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a proximidade física entre as pessoas e a sociabilidade entre elas em sua totalidade (SANTOS, M. 2012). Considerar o lugar em sua totalidade social, conforme Carlos (2007), é tê-lo como o lugar da base da reprodução da vida, é o mundo do vivido, onde se produz a existência social dos seres humanos, e analisá-lo enquanto a tríade: habitante – identidade – lugar. Sumariando, é sob esses olhares que se apreende a individualidade dos lugares, é no cotidiano social que se percebe a natureza dos lugares. É também no espaço vivido que se identifica os elementos que o tornam global, fornecendo assim pistas que conduzem a compreensão do fenômeno da globalização1.

Além disso, se hoje, graças à unicidade técnica2 e ao avanço dos meios de comunicação e transporte, os lugares tornaram-se mundiais, foram mundializados pela técnica, que pode ser entendida como sinônimo de trabalho, como um elemento intermediário na relação sociedade/natureza. Mas, não se pode generalizar os lugares com o termo homogeneização – como muito tem falado após o processo da globalização em virtude da cultura de massa –, pois além de uma estrutura social singular, os ritmos dos lugares são diferentes, isso porque há lugares que possuem uma conectividade maior com o mundo, ou seja, são mais globais que outros. Essa diferenciação da globalidade do lugar é reflexo da forma de apropriação seletiva e desigual do capital, que escolhe no território do Estado-Nação os lugares mais propícios para sua instalação.

De acordo com Santos, M. (2012, p.314), “Cada lugar é, à sua maneira, o mundo”. Em outros termos, o lugar é singular, mas ao mesmo tempo é o mundo, devido a inevitável conexão que a unicidade técnica – pautada na técnica, ciência e informação –, possibilita com outros lugares. “Mas, também,

 1 A globalização é um processo econômico que se manifesta na escala global, interferindo no plano político, ambiental, cultural, religioso, dentre outros. 2 A unicidade técnica é a capacidade da totalidade-Terra de se prover de um único sistema técnico, base material para a mundialização dos lugares. 

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cada lugar, irrecusavelmente numa comunhão com o mundo, torna-se exponencialmente diferente dos demais. A uma maior globalidade corresponde uma maior individualidade” (SANTOS, M. 2012, p.314). Nesse sentido, quanto maior a conectividade do lugar com os demais a nível global, maior será a sua individualidade, rompendo assim com a ideia de homogeneização.

A individualidade do lugar decorre justamente da quantidade de processos e subprocessos pelos quais ele está imerso, pois, se amplia quantidade individual e especializada de agentes e de ações, tornando-o um mosaico de elementos complexo. E nesse emaranhado de processos internos e externos, a um movimento de revolta, de resistência contra a homogeneização dos lugares, trata-se da revanche da cultura popular contra a cultura de massa. A cultura popular torna-se também de massa, na medida em que passa a utilizar instrumentos da globalização para a sua maior difusão, preconizando assim a expansão da identidade local para além do lugar, impelindo a participação e apreço dos indivíduos para com as raízes e fortalecendo assim a identidade concreta do lugar. De acordo com Santos, M. (2012, p. 320)

[...] em nossos dias a cultura popular deixa de estar acantonada numa geografia restritiva e encontra um palco multitudinário, graças às grandes arenas, como enormes estádios e as vastas casas de espetáculo e de diversão e graças aos efeitos ubiquitários trazidos por uma aparelhagem tecnotrônica multiplicadora.

Deste modo, pode-se dizer que, o lugar é o ponto de interseção de múltiplas práticas sócio-espaciais, é o palco do devir cotidiano social, é a base da vida comum, do acontecer solidário, independente das forças que nele atuam, pois abriga

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ações de indivíduos contíguos e de atores de lugares longínquos, trata-se de um ponto ocupado pela coexistência do pragmatismo preciso mundial e das forças espontâneas e criativas dos indivíduos por meio da razão e da emoção.

4. O território

No tocante ao território, este é um termo amiúde empregado por muitos indivíduos, especialmente no senso comum, atribuindo-o um significado restrito, distante de sua amplitude e complexidade. Isso ocorre quando remetem o sentido do termo ao território nacional, pensando-se unicamente no Estado ou governo de um país, e aos sentimentos de patriotismo. É certo que não existe Estado sem território, mas existe território sem Estado (SOUZA, M. 2012).

O significado de território é bastante vasto, visto que esse é construído (e descontruído) em diversas escalas, desde uma rua até a formação de um bloco de países. Assim, desde a escala local a internacional existe territórios, com temporalidades diferentes no que diz respeito à existência destes. Para Souza, M. (2012), O território é um espaço definido e delimitado por relações de poder, este é essencialmente um instrumento de exercício de poder, preconizado por um indivíduo ou por um grupo de indivíduos.

Mas a noção de território que se pretende discutir aqui é o território como resultado das relações sociais, que materializam o espaço concreto, isto é, as formas espaciais, as quais possuem um tempo de vida indeterminado, podendo ser sua existência longa ou curta.

Ademais, na concepção de Souza, M. (2012), o território pode ser cíclico ou móvel, dentre os quais podemos destacar o território da prostituição. Trata-se de um território cíclico pela alternância habitual de uso diurno e noturno de determinados espaços, e móvel por ser uma área flutuante, com limites

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instáveis, com uma área de influência deslizando sobre o substrato material, com relativa identidade, sendo esta mais funcional que afetiva.

Já outras territorialidades são mais definidas e possuem menor mobilidade, como é o caso de camelôs que se apropriam de espaços públicos, como praças durante parte do dia, que podem se deslocar para outras áreas devido a conflitos com lojistas e a polícia. Eis um conflito entre o trabalho formal e informal. Outro exemplo de territorialidade mais definida, ocorre quando em dias de feira-livre, quando pessoas (feirantes) armam seus bancos nas ruas em dias especificados pelo poder público, o qual organiza e cobra tributos dos feirantes.

Assim, depreende-se que as relações de poder espacialmente delimitadas e operando que se instalam sobre parte da materialidade, isto é, a territorialidade, é aquilo que faz de qualquer território um território. Desta forma, conforme Souza (2012), todo espaço definido e delimitado por relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma gangue de jovens até o bloco constituído pelos países membros da OTAN.

5. A região

O conceito de região e o exercício de regionalização faz

parte do temário de muitas ciências, como a matemática, a biologia, a geologia e etc. (GOMES, P. 2012 apud SILVA, J. C. p.41). Além de fazer parte do vocábulo de outras ciências, o termo região é de uso corrente no senso comum, e por isso possui uma multiplicidade de significados.

No senso comum, o termo região é associado à localização e extensão. Sendo empregado a localização e extensão de um fato ou fenômeno, ou ainda mais ou menos aos limites habituais atribuídos à diversidade espacial. De acordo

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com Gomes, P. (2012, p.53) a noção de região é usada no senso comum “[...] como referência a um conjunto de área onde há o domínio de determinadas características que distingue aquela área das demais”.

A região também significa unidade administrativa, já que os Estados utilizam para administração com fins de planejamento e hierarquia a divisão regional. E nas demais ciências o sentido de região está bastante atrelado a localização de um certo domínio, isto é, na predominância de um aspecto em parte do território. Neste caso, é considerada região a área que apresenta uma certa regularidade de propriedades que a definem.

No âmbito da geografia, o uso desta noção de região é um pouco mais complexa, já que trata-se de uma categoria analítica. Este conceito surge na Geografia Tradicional, no início do século XX, considerada um elemento da geografia física, e por tanto, região natural. De acordo com Gomes, P. (2012), “o conceito de região natural nasce da ideia que o ambiente tem um certo domínio sobre a orientação do desenvolvimento da sociedade”. Inicia-se assim um intenso debate acerca do conceito de região, principalmente com a contraposição da corrente possibilista, a qual defende que a natureza pode influenciar a sociedade, mas seria a natureza fornecedora de possibilidades para o homem, o qual seria o principal agente escolhendo o que esta colocava a sua disposição.

Não se pretende aqui, discorrer acerca das metamorfoses da concepção de região ao longo do percurso histórico do pensamento geográfico. De acordo com Silva, J. C. (2015, p. 42), “Nas próprias correntes do pensamento geográfico, a despeito de compartilhar a mesma base filosófica, havia discrepâncias entre os geógrafos, por isso, coexistiam variações quanto aos elementos constituintes no critério a ser adotado na tarefa de regionalizar”. Regionalizar significa dividir o espaço em regiões.

Por essa razão, a ideia é compreender a noção de região a partir do espaço, haja vista que a região é uma porção do espaço

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delimitada a partir do agrupamento de aspectos, em certa medida, homogêneos, seja por um critério físico-natural ou socioeconômico, dentre outros. Conforme Silva, J. C. (2015, p.42),

[...] a região é uma categoria analítica importante na Geografia, tendo em vista que a regionalização está vinculada a um critério e propósito específicos, que derivam na delimitação de uma determinada porção espacial, por meio daquilo que é diferente e/ou semelhante; olhar para região é dar ênfase a atributo(s) do espaço em prol de uma intencionalidade.

Assim, a região é fruto da intencionalidade do

pesquisador, que retalha o espaço a partir de um critério para uma finalidade específica. Mas, é preciso considerar que, a região não é estática e engessada, ao contrário disso, ela é dinâmica, pois a mesma é o espaço. Deste modo, a despeito da divisão regional servir para um propósito pré-estabelecido, a mesma negligencia a dinâmica espacial de fluxos e a metamorfose espacial no transcorrer do tempo.

Referências

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GOMES, Edvânia Torres. Natureza e cultura: representações na paisagem. In: ROSENDHAL, Zeny; CORRÊA, Roberto Lobato (Org.). Paisagem, imaginário e espaço. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001. GOMES, Paulo César. O conceito de região e sua discussão. In: CASTRO, I. E. (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional. 5. ed. São Paulo: Edusp, 2008. ______________. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2012. SILVA, Julio César. Hidropolítica da Bacia do Rio Una: uma abordagem a partir das margens fluviais em São Bento do Una – PE. 148 f. Dissertação (Mestrado em Geografia), Universidade Federal de Pernambuco, Recife-PE, 2015. SOUZA, Marcelo Lopes. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO, I. E. (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.