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Este artigo objetiva aplicar o conceito de storytelling, definido pelo autor Christian Salmon como um tipo de narrativa que busca formatar pensamentos e visa o poder e o lucro de quem o utiliza. Relacionamos esse conceito com propagandas da empresa Natura, e utilizamos como corpus de análise três propagandas desta empresa, que foram veiculados em diferentes meios midiáticos. Nosso objetivo foi demonstrar a existência do storytelling em todos os anúncios analisados.

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  • ECCOM, v. 1, n. 2, p. 32-45, jul./dez., 2010 32

    NATURA: STORYTELLING PERSUASIVO NA PROPAGANDA DE COSMTICOS

    MRCIA VALRIA ALVES GOMES

    Mestre em Comunicao Miditica pela Unesp Bauru-SP

    ROSANA UTIDA PAPASSONI SALVADOR

    Licenciada em Letras pela Universidade Sagrado Corao (USC) Bauru-SP

    ADENIL ALFEU DOMINGOS

    Professor Doutor do Programa de Ps-graduao em Comunicao Miditica Unesp Bauru-SP

    RESUMO

    Este artigo objetiva aplicar o conceito de storytelling, definido pelo autor Christian Salmon como um tipo de narrativa que busca formatar pensamentos e visa o poder e o lucro de quem o utiliza. Relacionamos esse conceito com propagandas da empresa Natura, e utilizamos como corpus de anlise trs propagandas desta empresa, que foram veiculados em diferentes meios miditicos. Nosso objetivo foi demonstrar a existncia do storytelling em todos os anncios analisados.

    PALAVRAS-CHAVE

    Storytelling; Propaganda; Discurso miditico.

    ABSTRACT

    This article aims to apply the concept of storytelling, defined by author Christian Salmon as a kind of narrative format that seeks thoughts and will power and profit of the person uses. Relate this concept to the advertising company Natura, is used as a corpus analysis of three advertisements of the company, which were conveyed in different media means. Our objective was to demonstrate the existence of storytelling in all ads analyzed.

    KEYWORDS

    Storytelling; Advertising; Media discourse.

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    INTRODUO

    Com o intuito de conquistar um nmero cada vez maior de consumidores e, consequentemente, aumentar os lucros dos anunciantes de determinado produto e/ou servio, as empresas, dos mais diversos ramos de atividade, buscam, incessantemente, estratgias persuasivas, para chegar a obter seus intentos. Na elaborao de seus discursos, para convencer seu pblico-alvo, a comprarem os seus produtos, elas se servem de todas as estratgias possveis. Entre elas, est se desenvolvendo com muita rapidez e abrangncia, em diferentes mdias, um novo fenmeno: o storytelling. Trata-se de um novo modo de persuadir o pblico-alvo. um tipo de narrativa freqente nos discursos das instituies sociais e comerciais, e tem a mdia como sua principal propulsora. Quem nos alertou para esse fenmeno foi o autor Christian Salmon em 20071. Para ele, desde o final do sculo passado o ato de narrar histrias mostra-se como pea principal da disputa de espao social. a ponta de um iceberg da produo de idias para formatar pensamentos e criar hbitos, principalmente de consumo. No restam dvidas que h sculos as boas histrias promovem o sucesso de contadores de histrias. Nunca, porm, elas foram to imprescindveis para as grandes empresas como na atualidade. Fazer storytelling para qualquer produto venda algo mais que necessrio, para que o mesmo se mantenha no poder e consiga a fidelidade do cliente, ou seja, assim que um produto qualquer se mantm sendo consumido e gerando lucros. Por isso, os publicitrios passaram a se utilizar como estratgia persuasiva de uma histria, que, no seu nvel profundo, difere das histrias comuns lineares e com um final que a encerra, como se a mesma no gerasse uma semiose. Os storytelling modernos parecem no possuir um fim, j que eles no exigem um pensamento conclusivo. Eles so constantemente retomados e remodelados, embora o nvel profundo permanea o mesmo, como, por exemplo, a idia de redondidade que perpassa todas as narrativas da Skol. O que eles criam, portanto, so expectativas, ou seja, ganchos que indiciam uma continuao futura do produto gerador de prazer e felicidade. Entre algumas das caractersticas do storytelling, est a de gerar a falta do produto no leitor/telespectador para com ele atingir o prazer buscado. A apresentao de uma novidade vem sempre em forma de estranhamento, como nos objetos de arte. O storytelling publicitrio provoca catarse, j que leitor se identifica com o narrador ou um dos personagens do mesmo. Outra das caractersticas do storytelling, ora detectada, que ela tende a ser direcionada a grandes pblicos. Por isso, a associao entre storytelling e propaganda, gerando, ento, comunidades de consumidores, como aquelas que aparecem modernamente na internet. A mdia, principalmente a digital, tornou-se meio eficaz de divulgao de storytelling, gerando grandes faturamentos. At a prpria mdia passou a se servir dos storytelling colocando esse produto venda.

    UM ESTUDO DE CASO: A NATURA

    Para demonstrar esse poder do storytelling, vamos no servir aqui das campanhas promocionais da Natura, como sendo um estudo de caso. Essa empresa, sediada em Cajamar, no Estado de So Paulo, sempre buscou mostrar em suas publicidades uma idia de valorizao da mulher, da natureza e das questes sociais para, assim, vender seus produtos. Ao perceber que a publicidade clssica, no entanto, valorizava um nico tipo biofsico, a mulher perfeita, ela resolveu atacar um novo nicho de vendas: a me, a gordinha, a idosa, a mulher de trinta anos e at mesmo a adolescente no manequim. Assim, a Natura se contraps aos produtos da Avon (EUA). Como meio de conseguir sucesso ela investiu primeiro no mercado brasileiro e, depois, comeou a adentrar os mercados internacionais.

    1 SALMON, Christian. Storytelling: la machine fabriquer des histoires et formater les esprits. Paris: La Decouverte, 2007.

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    A CHEGADA DO STORYTELLING NA NATURA

    Vimos, antes, que as narrativas do storytelling perscrutam outros objetivos: a conquista de pblico-alvo, o consumo esperado e a necessidade de formatar pensamentos. O storytelling aparece em todas as campanhas publicitrias da Natura. Vimos que o storytelling na indstria miditica est presente em todos os seus segmentos, e que a publicidade est por detrs de todos os produtos miditicos. preciso perceber, portanto, que na relao mdia, publicidade e pblico-alvo, no h nada de amigvel, mas sim, interesse comercial. Tudo se resume no objetivo principal da mdia e da publicidade: o consumo. Nesse particular, o storytelling transformou-se em um trampolim para o poder. A empresa em foco abriga um enorme centro de pesquisa, produo e logstica. Opera com unidades administrativas por todo o pas, tendo o espantoso nmero de 617 mil consultoras, todas vestindo a camisa desse time. Alm do Brasil, ela j possui filiais na Argentina, Chile, Mxico, Peru, Venezuela e Frana. Nos ltimos quatro anos, sua participao no mercado brasileiro de venda de cosmticos praticamente dobrou. Ela saltou de 12% para 22,8%. Em 2006, sua receita bruta consolidada foi de R$3,9 bilhes, 19,9% superior registrada em 20052. Devido a esse crescimento, a empresa sentiu necessidade de ampliar sua agncia de marketing. Por isso, ela contratou, em janeiro de 2008, uma terceira agncia de publicidade: a Taterka, alm das j Lew e Lara3. Segundo informaes do diretor de Comunicao e Marketing da Natura, Eduardo Costa, a Taterka, tem feito um timo trabalho para diversas empresas, como, por exemplo, o Mc Donalds. O storytelling mais que a simples publicidade informativa das qualidades de um produto. um discurso que busca relacionar vidas, busca, tambm, mostrar como so as histrias de vida dos consumidores, de determinados produtos, que vivem em pleno paraso por ter adquirido o mesmo. A Taterka, porm, veio para remodelar as idias dos storytelling da Natura, indo alm do relato simples de uma vida feliz: ela veio interagir com o pblico-alvo em uma comunicao interativa e circular, como veremos adiante.

    O STORYTELLING DA NATURA: NARRATIVA EVIDENTE OU IMPLCITA?

    As conseqncias da presena da Taterka junto a Natura foram o remodelar do modo de lanamento de um produto a um pblico-alvo. Antes de um produto da Natura ser lanado na mdia, passou a haver um sofisticado trabalho de pesquisa junto ao consumidor alvo. No se trata apenas da pesquisa qumico-cientfica do produto, mas tambm do discurso que ser transmitido aos consumidores, narrando, metaforicamente, histrias de vida a serem imitadas posteriormente. Os storytelling presentes nas campanhas publicitrias dessa empresa so planejados anteriormente com seriedade, j que eles exigem pesquisas e grande considerao com o interesse e gosto do pblico-alvo. Nesse modo de agir, est at mesmo a preocupao com a produo de um objeto esttico, perfeitamente adequado s mais modernas tecnologias que possam estar presentes em todas as mdias e em todos os seus suportes. O trabalho desenvolvido, nesse particular, pela Natura tem a inteno de aproximar o produto ao usurio e o storytelling acaba por provocar a empatia entre o personagem da narrativa publicitria e o consumidor do produto. Em geral, at o produto se antropomorfiza e aparece tambm como uma personagem adjuvante e, desse modo, o storytelling cria a identificao pessoal do consumidor com a histria do produto. Conseqentemente, ele serve como adjuvante do heri, ou seja, o produto o passaporte oferecido pela Natura ao consumidor do mesmo, para que o mesmo atinja seus objetivos.

    2 Cf. Acesso em: 20 mai. 2008.

    3 Cf. Acesso em: 20 mai. 2008.

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    UM POUCO DE HUMOR

    Assim, at as caractersticas dos produtos esto sendo detectadas antes do lanamento do mesmo, como, por exemplo, aconteceu com o perfume Humor. A Natura pesquisou e encontrou a grande necessidade do paulistano: buscar um momento de humor no seu cotidiano cheio de compromissos srios, por isso a necessidade do humor no seu dia-a-dia, como um perfume que satisfizesse suas necessidades. Desta maneira, ela investiu na criao do storytelling, como nos mostra as historietas dos cartunistas Angeli, Caco Galhardo e Ado Iturrusgarai, contratados pela Natura para esse fim. Suas charges tratam de situaes do cotidiano, em que h falta de leveza, de alegria, de risos, portanto, de humor. As embalagens passaram a trazer caricaturas com idias de situaes de humor que foram repassadas aos consumidores. Alm disso, os frascos dos perfumes Humor, tambm aparecem antropomorfizados, simbolizando sexos opostos, que dialogam entre si. Os dois frascos, colocados um diante do outro, formam um casal em situao de relacionamento cotidiano. Isso nos remete at ao poema-plula, de Oswald de Andrade4, que ao aproximar amor e humor fez uma relao que nos leva a refletir sobre o relacionamento amoroso. Os pequenos storytelling criados por esses cartunistas tambm sugerem uma grande proximidade do ficcional com o factual. Assim, no storytelling dessa campanha publicitria da Natura, o artstico apodera-se do real e o transforma em um objeto de persuaso. Vejamos alguns exemplos nas Figuras 1 e 2. evidente que a Natura, nesses storytelling em forma de charge, deseja mais que contar uma histria; ela deseja que o storytelling do consumidor seja aproximado ao narrado na charge. A diferena entre eles que a intencionalidade implcita de que haja, por parte do consumidor, uma obsesso: possuir o produto. Quase no h como escapar a esse consumo produzido ideologicamente. O perfume Humor promete mais que uma fragrncia. Ele promete leveza, felicidade, conquista, seduo, resoluo de problemas afetuosos e, principalmente, inebriar o consumidor de humor. Isso leva o sujeito a sentir-se seduzido pelo contedo narrativo e como conseqncia consome o produto. O que a Natura faz com seus storytelling no seno manipular informaes de modo criativo dentro de um contexto de vida ficcional. As informaes existentes nas narrativas, porm, so produzidas em pesquisas de vida. Depois, criam-se storytelling com a inteno de mostrar apenas o lado positivo do consumo. O outro lado, o negativo, embora esteja implcito no storytelling dado, no facilmente identificado.

    Figura 1 - Propaganda do perfume Humor Fonte:

    4 WILLIAM, Roberto; MAGALHES, Thereza Cochar. Literatura Brasileira em dilogo com outras literaturas e outras

    linguagens. 4 ed. So Paulo: Atual, 2009.

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    Figura 2 - Historieta do perfume Humor Fonte:

    preciso lembrar que a prosopopia implcita, entre os frascos de perfume, forma um storytelling dentro do storytelling da publicidade. Os frascos de perfume feminino e masculino, antropomorfizados, dialogam entre si, como se estivessem em um encontro passional. Alis, os perfumes tm muito a ver com a conquista sexual como acontece, j que o cheiro agradvel nos leva ao encontro do objeto que exala a fragrncia; o contrrio disso afasta-nos dele. comprovado cientificamente que muito da conquista amorosa humana se deve ao cheiro do parceiro, como instinto. Sem refletir, o consumidor compra essa personificao, fazendo dela uma interpretao alegrica. Assim, embora a interpretao jamais deixe de ser subjetiva, de acordo com a competncia de cada intrprete, h muito alm dela, que nos escapa nessa hora, por ser prpria dos nossos instintos. Como a grande maioria dos consumidores dos storytelling no faz a interpretao crtica do discurso persuasivo, mas sim, apenas a interpretao esperada por aquele que construiu o discurso da publicidade, muitas dessas nuanas so deixadas de lado. Como o que importa a conquista do sexo oposto a qualquer preo, o storytelling funciona nas camadas mais profundas dos seres humanos: em seus instintos, onde o humor tambm se encontra. Quase toda a publicidade da Natura vai passar pela mdia. assim que suas campanhas publicitrias atingem quase todos os pblicos. Elas no atingem apenas um pblico-alvo consumidor, pois ela pode ser apreciada at como uma simples narrativa, bem elaborada, por um leitor vido de histrias. Como elas se apresentam cheias de atrativos conteudsticos, elas provocam um prazer ao serem lidas. Por vezes, a leitura do storytelling provoca prazer de ler, estando assim, como um texto at artstico. Pode at existir, sim, um pblico-alvo, especfico para cada histria que envolva um dos produtos da empresa, mas a amplitude da idia contida no storytelling mais do que uma simples jogada de marketing, pois ela atinge at mesmo a grandeza de um texto bem elaborado esteticamente. Por isso, a Natura contrata pessoas de renome para criar as histrias das suas publicidades. A narrativa acaba por ser um mergulho em problemticas da existncia do homem. Os storytelling, assim, fugiram do clssico discurso publicitrio. No por acaso que grandes marcas como McDonalds, Coca-Cola, Brahma e tantas outras, transformam-se at em souvenirs que marcam geraes e pocas com as histrias que divulgaram seus produtos. Dessa forma, as empresas se inserem no contexto do consumidor, tornando-se parte da famlia. Podemos, ento, identificar a empresa Natura realizando aes que todo brasileiro desejaria realizar: ser um consumidor que colabora com o meio ambiente, escolhendo produtos que no agridam a natureza, e, muito mais que isso, lutar por um mundo melhor. As intenes dos storytelling da Natura so, portanto, de formatar pensamentos e vender seus produtos5.

    5 Para Salmon (2007) o storytelling apareceu na dcada de 90, nos EUA. poca em que a curva narrativa das cincias coincidia

    com a exploso da internet e a evoluo das novas tcnicas de comunicao. Diz ele, que o storytelling poltico entrou na Casa Branca, pela mo de Bill Clinton e que o mesmo fez de storytelling, a arte de fazer poltica. A poltica, dizia Clinton, deve, antes de mais, oferecer s pessoas, a possibilidade de melhorar a sua prpria histria. Cf. .Acesso em 15 mai. 2008.

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    As campanhas da Natura circulam na mdia impressa e televisada. Nos meios impressos esto inseridas nas revistas de grande circulao nacional: como poca, Veja, Isto, Corpo a Corpo, Boa Forma, Caras, Ana Maria, entre outras. Vejamos mais amide o storytelling promovido pela Natura, que circulou nas revistas poca e Veja, nas semanas anteriores ao Dia das Mes, em 2008:

    Por Que A Gente/ Conta O Tempo Em Anos?/ Porque No Em Luas,/ Como Antigamente?/ Ou Em Sis/ Que A Gente Viu Nascer?/Abraos Que A Gente Deu./ Lugares Que Conheceu./Sorrisos, Talvez./Quantos Sorrisos/ Voc Tem?6 .

    Ao nos depararmos com esse anncio, feito de modo verbal, percebemos que h storytelling fabricado em forma de prosa-potica, com predomnio da funo retrica (conativa) em que o eu lrico demonstra que se identifica com a mulher brasileira: no to jovem, mas que deseja expressar sentimentos belos e, consequentemente, importantes. Na expresso a gente a empresa Natura identifica-se com o leitor-consumidor, ou seja, a empresa diz ter os mesmos princpios de pensamento que o consumidor, produzindo assim uma comunicao circular, em trezentos e sessenta graus. Nela, os limites entre a entidade enunciadora e o seu enunciatrio passam a fazer parte do mesmo contexto. Como medimos a beleza de uma pessoa? Podemos inferir dessa questo que o storytelling dado prope um novo valor de beleza: a quantidade de sorrisos. Isso no condiz com a ideia clssica de beleza, medida pela aparncia fsica. Logo, a Natura prope que todas as mulheres podem ser belas, bastando para isso que elas sorriam. H, portanto, trs sujeitos envolvidos emocionalmente, nesse anncio: o consumidor, a empresa e o produto. Segundo Kerckove (1997, p. 186): as pessoas da velocidade no so sobretudo consumidores, mas sim produtores e agentes. A sua produo e as suas aes so marcadas pelo seu carter pessoal. Com esse pensamento, o autor revela que a compra do produto a busca de uma identificao. A identificao do consumidor com o produto, a aproximao do mesmo com a empresa, o envolvimento personalizado, entre outras identificaes, quando produzidas por um storytelling, so mais fceis de serem concretizadas. O storytelling torna todo esse envolvimento em uma ao carnal. Percebendo como essa necessidade de identificao no era explorada ainda, os produtores de marketing da Natura envolveram as prprias consultoras, distantes da beleza real das modelos famosas, como parte do elenco nos storytelling. Era mais uma estratgia de identificao entre a empresa, o produto e o consumidor. Outra produo interessante nesse particular foi o slogan para o Natal de 2005, da mesma empresa: Feliz Brasil pra voc. Aqui nos deparamos com o desejo da empresa em homenagear os brasileiros e as diversas culturas do pas. Essa campanha desejou, atravs dos storytelling construdos, representar as relaes de um povo e sua miscigenao to intensa e diversificada. Assim, pessoas de qualquer regio poderiam conviver e celebrar o Natal em harmonia. Alis, as publicidades em impressos de pgina dupla seguem o mesmo caminho criativo dos vdeos dessa campanha: o Natal no Brasil uma festa de ndios, caboclos e mamelucos. A presena do Jatob, da Andiroba e do Jequitib excluram o famoso pinheiro americano do Natal brasileiro. O Papai Noel no chega de tren, mas de canoa, carroa ou chalana. No difcil concluir que os sentimentos de nacionalidade e brasilidade estreitam, novamente, os laos afetivos entre empresa, produto e consumidor. Depois da constatao preconizada de McLuhan de que o mundo se tornaria uma aldeia global, podemos concluir que a complexidade miditica, decorrente dos meios de comunicao de massa, apela grande corrida criatividade: o storytelling inovou de modo certeiro e atingiu seu alvo: preciso contar histria para que se produza identificao. Percebemos assim, como os storytelling das publicidades da Natura so formadores de espritos. Isso pode ser observado nos depoimentos das consumidoras, sobre os produtos dessa empresa, como podemos constatar nos blogs relacionados a essa empresa, na Internet, com a participao das consultoras e consumidoras. As histrias narradas entre elas se referem ao comportamento, experincia, ou maneira como determinado produto mudou-lhes a vida e o jeito de viver. Os depoimentos apresentam valores mais

    6 Cf. . Acesso em: 15 mai. 2008.

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    emocionais que intelectuais. Percebe-se, ento, a existncia de uma atitude humana, relacional, viva e encarnada, por ser feita por uma pessoa dirigindo-se a outras pessoas. Outro aspecto presente nessas histrias o uso de determinado perfume e/ou produto da marca, criando um estado fsico de mudana, como demonstram esses depoimentos. Essas histrias concretizam, ento, ideias (mesmo quando h opinies distintas, j que so depoimentos originados de diferentes pessoas possuidoras de diferentes pontos de vista) que, apesar de complexas, tornam-se exemplos a serem seguidos por vrios consumidores. Assim sendo, o uso do storytelling impe modos de pensar, subjugando o poder de escolha do outro, j que a performance do heri tende a ser imitada pelo sujeito que a acompanha. Como o ato de narrar um ato de construir acontecimentos, reais ou imaginrios, esses atos preenchem os espaos de pensamentos do sujeito leitor. Na verdade, a narrativa se transforma em uma faca de dois gumes, ao mostrar um acontecido e, simultaneamente, esconder a ideologia usada. So histrias consideradas de trampolim, pois elas servem de meio para atingir fins. Toda a narrativa retrica do marketing ao mesclar vises, opinies, sensaes e outros aspectos, traz luz apenas crenas e no verdades absolutas. Algo que estava escondido e desprovido de sentido parece ganhar uma realidade indiscutvel e convincente, menos a ideologia manipuladora.

    STORYTELLING: UM PROCESSO MNEMNICO

    A primeiridade peirciana (PEIRCE, 1958) considera reais as possibilidades, que podem se tornar secundidades ou existentes. S depois disso, que o existente pode ser interpretado e gerar um terceiro como signo novo, ou discurso interpretativo. Cada storytelling uma concretizao de uma potencialidade que se atualizou como discurso, como no exemplo a seguir: Lembranas boas do cheirinho da chuva, do barulhinho do balano. Ser que voc lembra?7. No momento em que h um apelo memria de acontecimentos passados, eles se presentificam no pensamento e tomam o lado consciente como se fosse um existente real. Na verdade, lembranas do cheirinho da chuva e do barulhinho do balano tornam-se expresses mnemnicas pelo seu jogo sonoro, que lembra o som do spray do perfume de modo indicial. No por acaso, que na pgina impressa, acima do produto, do vidro de perfume aberto, aparece a expresso Lembro. Assim, o leitor trazido para dentro do storytelling para ser um dos seus personagens. A resposta deixou de ser, ilusoriamente, do anncio publicitrio, parecendo ser a voz do consumidor. No entanto, tudo simulacro discursivo do storytelling montado. Esse storytelling no foi somente uma narrativa qualquer; ela foi ideologicamente produzida para fazer a identificao automtica por meio das sensaes olfativas, to prprias da vida passada de qualquer pessoa, em diferentes pocas como a infncia.

    O STORYTELLING E A INTERTEXTUALIDADE

    Outro anncio impresso da Natura do creme Chronos, veiculado na revista poca, de 26 de maio de 2008, n. 523, seu storytelling apela para textos literrios clssicos, como no exemplo a seguir: beleza! Onde est a tua verdade? (Willian Shakespeare). A intertextualidade feita aqui, com o uso de uma indagao desse famoso dramaturgo, vai gerar um prazer intelectual no destinatrio da publicidade. Em geral, todos conhecem essa personalidade literria, como um grande pensador. Assim, ao indagar sobre a beleza, Shakespeare coloca a dvida eterna de definir esse substantivo abstrato. A Natura se props a respond-la, com seus produtos. Isso gera confiabilidade, pois o aculturamento na mdia sempre faz sucesso, e vendvel, quando direcionado a um pblico-alvo capaz de compartilhar a mensagem dada, ao exigir uma intertextualidade como conhecimento colateral. Assim, definir beleza nesse storytelling faz uma interao do conhecimento individual com os grandes pensadores, no s brasileiros, mas mundiais.

    7 Disponvel em:

    . Acesso em: 20 mai. 2008.

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    A sugesto que se podemos detectar uma Verdade que defina Beleza, de modo concreto, isso s acontece atravs dos produtos da Natura que est muito alm das palavras, que possam dar um conceito definidor de beleza. Podemos inferir, portanto, que a palavra materializa ideias, e as idias do storytelling podem materializar conceitos semiticos. A consumidora vive, literalmente, as sensaes que o produto lhe proporciona e acredita que ele a tornou bela. O storytelling cumpre o seu dever de materializar opinies, como se fossem as verdades da vida, da qual a beleza um dos componentes que gera prazer. Assim, ela formata opinies de modo concreto. O consumidor no s empaticamente usurio do produto; ele o heri que tenta vencer, ao se servir do objeto do anncio dado, como uma espada mgica que consegue abater o drago da feira. Isso se d porque no h histria ficcional ou real que no seja originada em situaes de experincias de vidas. H todo um envolvimento carnal que causa prazer em conhecer mais histrias, em envolver-se com as mensagens nelas transmitidas e, que culminam com a felicidade do uso do produto. como se o consumidor se identificasse com o sonho do outro, como se ele vivesse a situao do outro. Assim, uma histria gera outras histrias, numa rede de comunicao irrestrita e instantnea, ou seja, num processo de semiose, como idealizou Peirce. Desta maneira, a Natura joga com o conceito de beleza como sendo uma verdade de seus produtos, porque analisou, pesquisou, e usou o que o brasileiro e todo o mundo precisa: a beleza, que as pessoas esto preocupadas em ter, quando adquirem os produtos da Natura. fcil inferir, portanto, que o mundo necessita de empresas verdadeiras, pessoas verdadeiras, ento, joga-se atualmente com o slogan: 100% Verdade! Testado em 500 mulheres brasileiras! Esse foi o slogan divulgado pela Natura em suas publicidades, em maio de 2008, e que no , seno, um storytelling em forma de plula. Percebemos que nos estudos miditicos, desde Baktin s Teorias da Recepo do Discurso8, encontramo-nos em um tempo de transformaes imensas. Perpassamos por produtos miditicos simples, que so veiculados em um ou dois canais de propagao: televiso e rdio. Hoje, longe desses objetivos, a Nova Mdia preocupa-se em atingir todos os canais existentes: jornais, outdoor, revistas, rdio, televiso, internet (sites, e-mails, blogs) celulares, por que no? O que nos leva a concluir que, por envolver diferentes meios miditicos, o storytelling atinge vrios meios de divulgao, incluindo a mdia digital, constituindo uma transmedia.

    AS PRODUES MIDITICAS DA NATURA PARA A TELEVISO

    Um dos mais recentes produtos da Natura, os perfumes e aromas do Amor Amrica, foram criados diante da necessidade de expanso de venda dos produtos, desta empresa, nos pases circundantes ao Brasil. Fez-se necessria a criao de aromas especficos que identificassem esses povos, e que os aproximassem. Algo pensado, anteriormente, com o livre comrcio Mercosul? Sim, exatamente esse o pensamento utilizado pela empresa. A Natura adiantou-se nessa procura. Para suas pesquisas, a empresa formou uma expedio composta de um jornalista, um fotgrafo, duas especialistas em perfumaria e algumas profissionais de marketing (da agncia publicitria Taterka) para a criao do storytelling. O nome NATURA AMOR AMRICA nasceu do desejo de revelar e celebrar a identidade latino-americana, segundo informaes da empresa9. H ainda a proposio de que a mesma deseja contribuir para a aproximao dos povos, assunto to propagado na mdia atualmente. Assim, os leos de Paramela e Palo Santo, inditos na perfumaria mundial, e extrados no Equador e na Argentina, desejam uma aproximao e uma criao nica, especial e diferente no cenrio mundial: juntam-se para mostrar o valor da Amrica Latina. Muito mais que vender perfumes, a Natura deseja formatar este pensamento: somos importantes, pertencemos a belos pases e tudo o que temos deve ser exaltado neste mundo competitivo.

    8 BAKHTIN, M. Esttica da criao verbal. 4 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

    9 Cf. . Acesso em: 20 mai.

    2008.

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    Trata-se de um projeto especial que retrata a Amrica Latina de uma forma nica, alm de mostrar a essncia da regio afirma o Diretor de Atendimento da Taterka, Eduardo Simon10. Os personagens, usados nos filmes da Natura e nos anncios impressos, podem ser confundidos com brasileiros, argentinos ou equatorianos. So pessoas brancas, mas cuja pele tem um tom bronzeado, prprio desses povos. Eles aparecem sentindo a brisa aromtica da Patagnia, dos Andes, ou ainda, dos pampas brasileiros, o prprio cenrio est ambguo, como os personagens em si. A Paramela (arbusto perfumado) foi extrado da Patagnia, Argentina. Palo Santo (madeira perfumada usada como incenso), foi extrada da Cordilheira dos Andes. Toda a linha Amor Amrica apresenta a Amrica Latina como sendo a origem dos produtos. O Brasil no poderia ser excludo, foi ento que a empresa percebeu a necessidade desta aproximao e juntou o aroma do mel, to brasileiro. Assim, nosso pas no estava mais excludo desse conjunto latino americano. O anncio, divulgado na mdia impressa, destes produtos composto de quatro pginas, publicadas seqencialmente, e a cada pgina o leitor tem uma surpresa: uma pgina completa a outra. O texto abaixo complementa os anncios:

    Natura Amor Amrica.

    O Palo Santo dos Andes e a Paramela da Patagnia reunidos numa linha de fragrncia com as cores e cheiros da nossa Amrica. Sem fronteiras. (Revista UMA, Edio 90, ano 9, 2008.).

    O mesmo slogan est disposto na pgina impressa, em que os produtos so apresentados e nos comerciais televisivos. Na mesma edio da revista Uma, acima citada, apareceram os personagens: um jovem e uma jovem, na primeira pgina; na segunda, aparecem fotos da Argentina (cerro Tronador), cavernas, pinheiros e toda a vegetao prpria da regio Andina e da Patagnia; no mais no inverno, to charmoso deste pas, mas no vero, onde toda a vegetao pode ser exposta em toda sua beleza e exuberncia. A campanha quer espelhar o conceito de proximidade entre os povos. Nos anncios desta campanha, exibidos no horrio nobre da televiso brasileira, mostra-se uma mulher cuja casa est localizada exatamente na divisa entre as duas naes. Outro anncio, da mesma campanha, mostra um pescador que troca de pas ao cruzar um rio. Tudo isto acompanhado pela trilha sonora Soy loco por ti Amrica, de Gilberto Gil, com som do Afro Reggae e produo de Liminha:

    Soy loco por ti, America,

    yo voy traer una mujer playera

    Que su nombre sea Marti,

    que su nombre sea Marti

    Soy loco por ti amores tenga como colores

    la espuma blanca de Latinoamrica

    Y el cielo como bandera,

    y el cielo como bandera

    Soy loco por ti, Amrica, (Bis)

    soy loco por ti amores

    10 Cf. . Acesso em: 20 mai. 2008.

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    Sorriso de quase nuvem,

    os rios, canes, o medo

    O corpo cheio de estrelas,

    o corpo cheio de estrelas

    Como se chama a amante desse

    pas sem nome, esse tango, esse rancho,

    Esse povo, dizei-me,

    arde o fogo de conhec-la,

    o fogo de conhec-la

    Soy loco por ti, Amrica,

    soy loco por ti amores [...]

    Elementos combinados por simples analogia? No. A msica escolhida retrata o sonho do jovem Che, do povo latino-americano como: a busca da liberdade, da beleza e da justia. A Natura aproxima-se do sonho de seu consumidor final. Aqui devemos atentar, com maior afinco, pois o storytelling originou-se com a interao de imagens, personagens, cores, sons, cheiros e palavras. Metforas e metonmias formaram uma grande teia procura do consumidor. Envolvem-no, como se no houvesse escapatria, pois o consumidor fica preso por todos seus sentidos humanos: o perfume, a sensao de liberdade, o tato atravs do toque suave dos ventos, a sensibilidade e o grande sentimento de unio. Ao analisarmos o anncio, podemos perceber que o storytelling estava pronto: cenrio, pessoas, vidas que se cruzam. Criou-se uma histria para contar o desejo dos povos da Amrica Latina: amor alm das fronteiras. Mais uma vez, o storytelling contribuiu para a formatao deste conceito. No podemos deixar de comentar o valor comercial deste storytelling, nem sempre percebido pelo consumidor: venda de produtos na Amrica Latina (que se v como protagonista), implementao de um conceito estruturalmente vendvel; o conceito de que a Amrica Latina tm fora e, conseqentemente, apresenta-se para o mundo, principalmente para a Frana, com os novos aromas latinos. Em nossa opinio, o storytelling tem deixado de lado as zonas limtrofes entre Lingstica e Semitica, que tantos conceitualistas tenham desejado separar. A semitica entende o processo de gerao de sentido como um percurso que vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto. A Lingustica preocupa-se com as palavras. Pretendemos uni-las. O storytelling consegue unir cincias to dicotomizadas. As questes de interpretao verbal, polifonia, esto suscetveis a estudo nestes anncios e filmes da empresa, porm, o estudo semitico tambm mostra-se necessrio nesses storytellings. H de se debruar diante destes novos papis da mass mdia, para que possamos, com certeza, delinearmos este plurilingusmo miditico. Tsumori (2008), presidente da AMPRO (Associao de Marketing Promocional) afirmou em artigo publicado na Revista Exame, que:

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    para o prximo binio, a deciso das empresas de marketing dever ser a de optar por um caminho mais difcil, mas que ser a nica forma de fazer a diferena na comunicao. Ela chama a isto de Reinveno do Marketing que o configura como um olhar mais detalhista no aqui e agora. Tambm faz aluses necessidade de conseguir uma legitimidade que tantos esperam e anseiam.11

    preciso perceber que tudo o que a presidente citada deixou claro, que a empresa Natura, e as empresas contratadas para o marketing da mesma, dispararam frente, e demonstraram, em 2008, um avano: o storytelling. O que Elza Tsumori pretende informar para o prximo binio, j acontece. O storytelling vem sendo realizado por muitas marcas famosas, h muito tempo. preciso que as pessoas envolvidas com marketing estejam em constante atualizao, pois o criador do storytelling, Christian Salmon, tem alertado escritores, profissionais e estudiosos da Comunicao h anos. Salmon12 acredita que a palavra fora sequestrada por uma nova casta, no de escritores; mas de intelectuais, chamando-os de idelogos do mercado. So estes profissionais que esto procura do desejo do pblico. No procuram legitimidade nas instituies do saber, todavia, procuram nos meios de comunicao de massa os desejos e as necessidades do pblico atual, usando de toda a tcnica fornecida pelo marketing. Tambm so denominados por Salmon como vendedores de iluso. Assim, acontece com a propaganda da Natura, a qual procura persuadir os consumidores com as necessidades latentes, ou seja; aquelas que no esto expostas, mas esto intrnsecas. Na atual era da liquidez, nada melhor que conquistar o pblico com a tcnica do storytelling, pois esse abre espao para que o consumidor se encontre, e se sinta como personagem na histria contada. As empresas que trabalham na construo dos storytelling da Natura (como as agncias publicitrias Tarteka, Lara e Lew,) so os verdadeiros idelogos do mercados, pois pesquisam com antecedncia a vontade do pblico, suas mazelas sentimentais e, consequentemente, conseguem trabalhar com toda essa essncia. Salmon, ento, nos convida a repensar a manipulao miditica. Essa, se faz presente nos storytellings, ainda implcita, mas com uma nova roupagem: as histrias so convincentes! A palavra do escritor, j no pertence a ele, pertence quele que conta uma histria e, essa histria no apenas de um (o escritor), mas est em todos, em cada ser, de uma forma intensa e intrnseca. O valor artstico no objeto de estudo neste artigo, porm, percebemos que o storytelling mantm implcito uma preocupao artstica: o compromisso com o belo. Percebemos que os storytellings polticos preocupam-se em investir nos mecanismos de criao de uma persona. Assim como aconteceu com a campanha poltica de Ronald Reagan (nos EUA) e Fernando Collor de Mello (no Brasil) na dcada de 80. Tambm, podemos assistir ao discurso de Bill Clinton afirmou que o que a poltica deve visar dar s pessoas, antes de mais nada, a possibilidade de melhorarem suas histrias. Este, sabiamente sabia o que dizia, pois estava propondo o desejo de um povo: ser visto parcialmente, individualmente. J para a venda de produtos, o storytelling tem como principal objetivo a criao das ideias coletivas, onde as pessoas encontram-se com as histrias, e esto nelas identificadas, atravs dos sentimentos mais inerentes ao ser humano: o amor, o prazer, a necessidade de identidade cultural, a proteo do ambiente e o cuidado com o ser humano. O storytelling consiste naquilo que, em termos de narrativa literria, se denomina de efeito de realidade. Os anncios televisivos e impressos da Natura no esto preocupados em definir projetos de sustentabilidade, muito menos apresent-los. No h preocupao poltica, mas h essa dimenso poltica, onde o prprio consumidor justifica a sua participao correta e idnea, atravs do consumo dos produtos; pois a ele est sendo imposta uma parceria: Natura e consumidor em defesa do planeta, buscando o consumo responsvel. Aqui est o sonho do consumidor captado pela empresa: a contribuio para a construo de um mundo melhor. o consumidor imbuindo-se de suas expectativas sentimentais, satisfazendo-se delas.

    11 Cf. .Acesso em: 25 jun. 2008.

    12 Cf. SALMON, 2007.

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    possvel perceber a prtica do storytelling nas empresas: chefes so levados a contar suas histrias para motivar operrios, mdicos esto sendo formados para ouvir as histrias de seus pacientes; visando humanizar a Medicina. Reprteres aderiram ao storytelling, pois o jornalismo narrativo prende o leitor-ouvinte. Psiclogos usam a terapia narrativa abundantemente. No se trata de modismo miditico, mas de um conceito lgico, e fortemente ampliado. Basta-nos debruarmos sobre ele. O conceito de produes televisivas tem se modificado, drasticamente, e to velozmente que causa-nos espanto. Produzir algo para ser visto numa grade de programao, com horrio definido, simplesmente no satisfaz o consumidor. claro que este ainda no o perfil brasileiro, mas o mundo da TV Digital to usada em outros pases. Bob Garfield (da Advertising Age) tem dito que eventos esportivos ao vivo sero a nica coisa que restar para a TV.13 Precoce pensamento? No. por este motivo que as empresas esto preocupadas em construir vnculos afetivos atravs do storytelling. Ento, as empresas esto denominando isto de Transmedia Storytelling, ou seja, consiste em uma estratgia focada em marca COMO contedo. E no marca COM contedo. A Natura adiantou-se neste aspecto. Sua marca e cone foram construdos, planejados para serem lembrados por toda a mdia: blogs, TV, mdia impressa, outdoor, enfim, toda a abrangncia miditica. No h mais a idia linear de venda do produto. H uma construo de um planejamento transmdia, no linear, mas que atinge 360. Ou seja, diferentes canais contendo elementos distintos, resultando na criao de um mundo mais extenso. Os consumidores opinam e, juntamente empresa, delineiam os produtos com suas opinies. Pensando assim, tudo projetado para que se criem comunidades sobre a marca. possvel a redefinio de produtos, diante da opinio do consumidor, ou ele acredita que isto possa acontecer mediante e-mails que circulam pelo site da empresa. Robert Mckee, clebre roteirista de Hollywood, tornou-se um guru do storytelling e afirma 14 que motivar o pessoal a funo essencial dos dirigentes e dos produtos ou marcas. Para tanto, preciso mobilizar as emoes. E a chave para abrir seus coraes o storytelling. A empresa Natura contratou empresas especializadas e, juntas, pesquisam e procuram por storytelling. No basta mais pensar, procurar, inovar produtos. Se os mesmos no formatarem pensamentos, no sero vendidos. Este cenrio de venda por meio do storytelling foi observado, pois h crescente venda dos livros que contam histrias pessoais inspiradoras: a exemplo das seguintes obras: Princesa Diana, O pai da TAM, comandante Rolin; o grande difusor da Rede Globo, Roberto Marinho; e at livros contando histrias de amantes de pessoas importantes ou prostitutas famosas so muito vendveis, pois proporcionam lucro fcil. No que esses pseudo-autores tenham escrito suas histrias de prprio punho, mas ajudados por uma equipe, produziram seus storytellings. Olhando as listas de best-sellers percebemos as vendas impressionantes de livros consagrados, mediante a arte do storytelling. No obstante, h storytelling dos produtos, a Natura criou o prprio stoytelling. E este, o maior produto da empresa: a histria da mesma, o storytelling da Natura. A empresa montou seu storytelling com uma estrutura de fcil acesso: o site. O consumidor pode fotografar a empresa atravs do acesso ao site: www.Natura.com.br. Aqui propomo-nos a enxergar a necessidade da empresa de criar a sua histria. Ser que Natura pe luz uma empresa real? o provvel pensamento do consumidor, pois j est construda e formatada a imagem e o logotipo da marca Natura com os seguintes conceitos implcitos: sustentabilidade, preocupao com o meio ambiente e o consumo consciente. A empresa propaga sua preocupao com a sustentabilidade e, mais que isto; formata o pensamento do consumidor com a idia de que toda a matria-prima utilizada pela empresa adquirida de modo sustentvel. Na pgina 07, da Revista Natura, ciclo 07/2008, a linha Natura Eko necessitou ser mostrada atravs de fotos, que enfatizam a idia dessa sustentabilidade: trabalhadores lidam com plantas e espalham sementes. Mais

    13 Cf. . Acesso em 20 mai.

    2008. 14

    Cf. . Acesso em 20 mai. de 2008.

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    que a sustentabilidade desejada, h outro conceito implcito: responsabilidade social, pois estes trabalhadores esto retratando suas histrias pessoais, esto trabalhando para o sustento familiar. A parte verbal do anncio diz:

    Os cacaueiros tm altura mediana e precisam de sombra para se desenvolver. Existem vrias formas de criar essa condio favorvel, e uma das mais importantes o mtodo cabruca, criado no sul da Bahia h mais de 200 anos. Esse mtodo tem papel de destaque para a conservao da biodiversidade do Corredor Central da Mata Atlntica... (REVISTA NATURA CICLO 07/08, 2008, p. 7).

    O consumidor no v que o mtodo acima, descrito, no foi criado pela Natura, porm sente-se responsvel pelo planeta e adquire este produto, assim, contribui para a conservao da Mata Atlntica. Ironicamente, podemos afirmar que contribui muito mais para os lucros da empresa aumentarem. A empresa est jogando ao consumidor esta responsabilidade e o mesmo no percebe que a quantidade de matria-prima, a ser utilizada pela mesma, toda obtida por empresas terceirizadas, em forma de cooperativas ou no. Nesta auto-promoo empresarial, a Natura construiu um storytelling para o prprio cacaueiro e outro para os trabalhadores. O cacaueiro personificado, pois tm altura mediana e precisa de cuidados. A analogia est perfeita: consumidor, tambm, precisa de cuidados. A revista citada composta de 162 pginas, completamente ilustradas com os produtos da Natura, mas contm mais de 15 storytellings. Em especial, queremos analisar, criticamente, as pginas 86 e 87 da mesma revista. Com o slogan Crer para Ver, a empresa expe os projetos os quais mantm participao. Observe: JUNTOS FAZENDO ESCOLA E CONSTRUINDO UM MUNDO MELHOR (REVISTA NATURA CICLO 07/08, 2008, p. 86-87).

    Acreditamos que a educao de qualidade pode transformar o Brasil, por isso desenvolvemos o Programa Crer para Ver. Este programa investe em projetos que contribuem para a melhoria do Ensino Pblico no pas, por meio de recursos obtidos pela venda de seus produtos. Os projetos so voltados para o Ensino Fundamental, a Educao de Jovens e Adultos-Eja- e a Educao Infantil, e tm, desde 2006, a leitura como tema central. (REVISTA NATURA CICLO 07/08, 2008, p. 86).

    Atentemo-nos para este assunto, exaustivamente, comentado na mdia e pela populao. A veracidade destes projetos culturais pode ser mensurada. Qual a fatia de impostos economizada pela empresa diante das aplicaes em projetos educacionais? Contudo, este grande storytelling compromete o consumidor em ser parceiro na construo de um Brasil mais culto. Assim, o eu lrico do anncio apresenta-se em primeira pessoa do plural (Ns) juntos... Esta cumplicidade foi transmitida atravs do storytelling. No o caso desta pesquisa discutir a idoneidade da empresa, muito menos as informaes propagadas pela mesma. Aqui, estamos pesquisando o efeito e a contribuio do storytelling para a formatao do pensamento, e a obteno de lucros, por meio da venda de idias e produtos. bom lembrar que a Revista Natura o meio impresso de divulgao dos produtos e seus respectivos valores. Ela chega s mos do consumidor atravs das consultoras e no vendedoras ou representantes comerciais. A denominao consultora origina-se no latim Consultore, ou seja, aquele que d conselhos. Ento, podemos inferir que o storytelling das consultoras esto implcitos mais uma vez no marketing da empresa. Tambm possvel perceber o esforo da empresa na valorizao deste profissional que, concomitantemente ao consumidor, mantm a empresa.

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    CONSIDERAES F INAIS

    A anlise das propagandas selecionadas como corpus de anlise para a elaborao deste artigo, divulgadas nos diferentes meios miditicos, nos levou a concluir que uma histria, seja curta ou longa, o fator comum na criao das diversas campanhas publicitrias da empresa Natura. Essas histrias versam sobre diferentes assuntos, que aparecem de maneira subentendida aos consumidores. Tais contedos podem ser a experincia do consumidor, bem ou mal sucedida, a histria da regio onde ser lanado determinado produto, a histria da origem das essncias dos cosmticos ou de seus aromas constituintes. Diante disso, podemos observar que toda a divulgao baseada em histrias que advindas de experincias reais culminam com o lucro do anunciante. So histrias reais construindo histrias comerciais de sucesso. Uma gama de histrias to distintas une diferentes consumidores tornando-os produtores, criadores, crticos e construtores do tipo de produto que gostariam de utilizar. Portanto, o storytelling baseado em experincias reais ultrapassa as fronteiras dos meios miditicos e digitais unindo-os num grande conglomerado de informaes, que engloba opinies, crticas, sugestes e culmina com o sucesso comercial da empresa. Assim, a experincia pessoal atinge a era digital rompendo barreiras geogrficas e fazendo sobressair aqueles que so capazes de persuadir seu receptor com uma boa e convincente histria. Conclumos que o uso do recurso do storytelling muda toda a rotina de elaborao de uma propaganda, onde o anunciante contratava os servios de uma agncia publicitria para elaborar as campanhas publicitrias, bem como definir quais as estratgias de marketing que deveriam ser utilizadas para alcanar os melhores resultados com os consumidores. Neste novo contexto miditico, somos consumidores e produtores daquilo que queremos comprar e utilizar, tornando o desejo pessoal superior aos anseios comerciais.

    REFERNCIAS

    BAKHTIN, M. Esttica da criao verbal. 4 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2003. KERCKHOVE, D. A pele da cultura. Lisboa: Relgio D gua, 1997.

    Peirce C.S. CP Collected Papers, 8 volumes, ed. por Charles Hartshorne e Paul Weiss, para os 6 primeiros volumes, e por Arthur W. Burks, para os volumes 7 e 8, Cambridge, Mass., Harvard Univ. Press, 1931-1958 (em especial sobre as categorias ver tambm: PEIRCE, C. S.. Semitica e Filosofia. Trad. de Octanny Silveira da Mota e Lenidas Hegenberg. So Paulo: Cultrix, 1972). REVISTA NATURA. Ciclo 07/08, 2008.

    REVISTA UMA. Edio 90, ano 9, 2008.

    Sites: Natura Cosmticos S/A. Comentrios sobre Natura Cosmticos S/A. Disponvel em: . Acesso em: 02 jun. 2008. SALMON, C. Storytelling: la machine fabriquer des histories et formatter les esprits. Disponvel em: . Acesso em 25 jun. 2008. TSUMORI, E. Gesto e pessoas. 2008. Disponvel em: .Acesso em: 25 jun. 2008.