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Direito das Obrigações Casos Práticos e outros elementos para as aulas práticas 2.ª Edição, AAFDL, 2013 Manuel Januário da Costa Gomes Carlos Lacerda Barata Nº 9 (Transmissão das obrigações) A , proprietário de um antigo e vistoso Alfa-Romeu, incumprira um contrato-promessa de compra e venda daquele carro, que celebrara com B , ficando devedor a este em 5.000 euros, quantia correspondente ao sinal em dobro. Por não ter dinheiro disponível e como o propósito de evitar a instauração de uma acção, A constituiu hipoteca do carro a favor de B , para garantia de pagamento dos 5.000 euros num prazo de um ano, com juros calculados à taxa legal, ficando desde logo convencionado que, em caso de não cumprimento, os juros seriam capitalizados. O acordo assim estabelecido teve lugar em 31 de Janeiro de 2004. Caracterizando juridicamente as diversas situações, suponha as seguintes hipóteses: Caracterização jurídica das situações: A celebra com B um contrato promessa, regulado pelos artigos 410.º a 413.º do Código Civil (doravante CC) de compra e venda cujos efeitos jurídicos são os previstos no artigo 879.º do CC, em que A se compromete a vender o seu bem móvel, neste caso, o veículo automóvel Alfa-Romeu, sujeito a registo, conforme DL 54/75 de 12 de Fevereiro (artigo 219.º a contrario sensu do disposto no artigo 875.º do CC), e, consequentemente, entregar a coisa, e em que B se compromete a comprar e, consequentemente, pagar o preço da coisa. Os dados são omissos quanto ao preço da venda mas indicam a presença de um sinal como garantia para o cumprimento do contrato promessa, esta presunção não será ilidida nos termos do artigo 830.º, n.º 2, do CC, por força do disposto no artigo 441.º do CC. Relativamente ao sinal, referido no caso sub judice, a sua restituição em dobro está de acordo com o previsto no artigo 442.º, n.º 2, do CC. Não estaremos perante uma novação objectiva por via da extinção da obrigação de vender o automóvel e esta ser substituída pela obrigação pecuniária de pagar o sinal em

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Direito das ObrigaesCasos Prticos e outros elementos para as aulas prticas 2. Edio, AAFDL, 2013Manuel Janurio da Costa GomesCarlos Lacerda Barata

N 9(Transmisso das obrigaes)

A, proprietrio de um antigo e vistoso Alfa-Romeu, incumprira um contrato-promessa de compra e venda daquele carro, que celebrara com B, ficando devedor a este em 5.000 euros, quantia correspondente ao sinal em dobro.Por no ter dinheiro disponvel e como o propsito de evitar a instaurao de uma aco, A constituiu hipoteca do carro a favor de B, para garantia de pagamento dos 5.000 euros num prazo de um ano, com juros calculados taxa legal, ficando desde logo convencionado que, em caso de no cumprimento, os juros seriam capitalizados. O acordo assim estabelecido teve lugar em 31 de Janeiro de 2004. Caracterizando juridicamente as diversas situaes, suponha as seguintes hipteses:

Caracterizao jurdica das situaes: A celebra com B um contrato promessa, regulado pelos artigos 410. a 413. do Cdigo Civil (doravante CC) de compra e venda cujos efeitos jurdicos so os previstos no artigo 879. do CC, em que A se compromete a vender o seu bem mvel, neste caso, o veculo automvel Alfa-Romeu, sujeito a registo, conforme DL 54/75 de 12 de Fevereiro (artigo 219. a contrario sensu do disposto no artigo 875. do CC), e, consequentemente, entregar a coisa, e em que B se compromete a comprar e, consequentemente, pagar o preo da coisa. Os dados so omissos quanto ao preo da venda mas indicam a presena de um sinal como garantia para o cumprimento do contrato promessa, esta presuno no ser ilidida nos termos do artigo 830., n. 2, do CC, por fora do disposto no artigo 441. do CC.Relativamente ao sinal, referido no caso sub judice, a sua restituio em dobro est de acordo com o previsto no artigo 442., n. 2, do CC. No estaremos perante uma novao objectiva por via da extino da obrigao de vender o automvel e esta ser substituda pela obrigao pecuniria de pagar o sinal em dobro, porque tal s seria possvel caso fosse essa a vontade expressa de A, conforme artigo 859. do CC e no fosse antes um resultado da Lei, conforme artigo 442, n. 2, do CC. Todavia, no podendo A ressarcir B no valor do sinal em dobro, conforme previsto no artigo 442., n. 2, do CC, A decide, voluntariamente, hipotecar a coisa prometida a favor de B; sendo esta mesma hipoteca uma garantia especial, conforme artigo 623., n.1, in fine, do CC, mas desta feita sobre o cumprimento da obrigao pecuniria. Da mesma forma que o enunciado no refere se as partes acordaram em atribuir eficcia real ao contrato de promessa, conforme artigo 413. in totum. Na ausncia de dados que corroborem esta presuno, supomos que este contrato promessa no tinha eficcia real; o que releva para a capacidade de A poder hipotecar o seu bem, cuja propriedade ainda no foi transferida.Face presuno de que o contrato promessa no tinha eficcia real, sendo que nada no enunciado aponta para que assim fosse a vontade das partes, e no tendo ocorrido transferncia de propriedade quoad effectum, A pode hipotecar a sua propriedade, nos termos dos artigos 703., 712. e 715. do CC, sem que para isso tenha que observar o disposto nos artigos 221. e 714. tambm do CC; conforme j observado, em virtude de ser um bem mvel; novamente, artigo 219. a contrario sensu do disposto no artigo 875 do CC. Caso A conseguisse pagar os 5.000 euros do valor do sinal em dobro a B, num prazo de um ano, com juros calculados taxa legal, conforme artigo 559. e 829-A, n. 4, in limine, do CC, a hipoteca extinguir-se-ia nos termos do artigo 730. do CC; bem como tambm se extinguiria a obrigao de vender o Alfa-Romeu tal como prometida em contrato.Para reforo da garantia especial hipotecria, sobre o pagamento de juros calculados taxa legal no prazo acordado para a liquidao do montante em dvida A acorda, ainda, com B o pagamento de juros capitalizados conforme artigo 560., n. 2 e n. 3, do CC, findo o prazo de um ano estipulado entre as partes. Na hiptese de A no conseguir pagar o montante da obrigao pecuniria do sinal em dobro, no devido prazo, ter B que instaurar uma ao em tribunal para que o bem seja penhorado e depois vendido. O valor pecunirio resultante da venda servir para pagar a B o valor do sinal em dobro, acrescido de juros taxa legal, e sobre estes juros capitalizados. Caso o valor do bem hipotecado no sirva para pagar o montante em dvida, e por forma a impedir a penhora do restante patrimnio do devedor A, podem as partes acordar numa Dao em cumprimento, nos termos do artigo 837. do CC, em que A, que no cumpriu com a promessa de vender o seu carro a B, o daria a B por forma a extinguir a obrigao pecuniria de pagar o valor do sinal em dobro acrescido de juros; e no ver, assim, o seu restante patrimnio penhorado para pagar a divida por si prprio causada.

1 Hiptese: B, que deve a C 6.000 euros, acorda com este a extino da dvida, mas ficando C credor de A nos exactos termos em que o B. Em Janeiro de 2006, C dirige-se a A, exigindo os 5.000 euros mais juros capitalizados e ainda juros normais e ameaando penhorar o automvel.A refere que no sabe quem C, que o automvel s foi dado como garantia a B e que a capitalizao de juros ilegal.

Resoluo: A primeira hiptese releva para os efeitos jurdicos da transmisso de crditos e de dvidas na sua vertente de cesso de crditos conforme previsto na Lei e disposto nos artigos 577. a 588. do CC. B, na posio jurdica de credor de A, pode ceder a terceiro, neste caso a C, uma parte ou a totalidade do crdito independentemente do consentimento do devedor; i.e. B, na qualidade de credor e cedente, tem a faculdade por Lei de transmitir a sua posio jurdica activa (neste caso creditcia) a C, que se torna cessionrio do crdito devido a B por A; de acordo com a letra do preceito do artigo 577., n. 1, do CC, exceptuando situaes jurdicas em que a lei prev nos artigos 420., 2008., e 579. com as excepes previstas no artigo 581.; ou quando conveno expressa ou tcita das partes relativas ao negcio jurdico que serve de base cesso (pactum de non cedendo), disponha o contrrio; ou ainda nos casos de confuso, conforme prevista no artigo 868. do CC. Existem, por isso, limites e requisitos que balizam o mbito da autonomia privada em se opera a transmisso da posio jurdica activa creditcia, cesso de crditos.Esta tem de respeitar o acordo entre o credor, neste caso B, e terceiro, neste caso C, sem necessidade da anuncia expressa ou tcita do devedor, neste caso A; desde que a posio jurdica activa seja admissvel de ser transmitida. Neste caso em concreto estamos perante um crdito hipotecrio, que por sua vez nasce de um negcio jurdico base que o do contrato de promessa de compra e venda que no foi cumprindo gerando, por sua vez, a obrigao pecuniria do pagamento do sinal em dobro, para a qual A deu como garantia especial a hipoteca da sua propriedade. O Prof. Dr. Menezes Leito alerta para este ponto, referindo que a cesso de crditos no em si mesma um negcio jurdico autnomo mas antes uma transmisso dos efeitos jurdicos, posies jurdicas activas, que podem ser desencadeadas por qualquer negcio jurdico transmissivo, o que alis est expresso na letra do artigo 578., n. 1 do CC.Ainda no mesmo artigo 578., n. 2, este articulado prev as situaes em que a cesso de crditos hipotecrios deve respeitar o mbito da forma legal, o que, como j se verificou no carece por via do artigo 219., a contrario do 875. ambos do CC, podendo esta cesso de crdito hipotecrio ocorrer sem observncia da forma legal exigida. No existem, a nosso ver, impedimentos legais ou contratuais a essa transmisso e no existe tambm, no enunciado da hiptese sub judice, a ligao do crdito em virtude da prpria natureza da prestao pessoa do credor.Durante o perodo entre 31 de Janeiro de 2004 e Janeiro de 2006, no tendo A efectuado nenhuma diligncia para extinguir a obrigao pecuniria para com B, cremos que, ainda que B no tenha notificado A durante esse perodo, A no pode arguir esse desconhecimento contra C, para o no pagamento a este do valor em divida. Deu-se uma transferncia da situao jurdica creditcia de B para C em que B cede a sua posio de credor a favor de C, deixando assim de ser efectivamente credor de A. Deixando B de ser credor de A, extingue-se por sua vez a sua relao jurdica.Tendo apenas B o dever de informar A dessa mesma extino, nos termos do artigo 227. do CC, concretizando os seus deveres de boa-f, se A o procurasse, dentro deste perodo de tempo, para extinguir a obrigao. Tal no aconteceu. Compreende-se, todavia, por sua vez, que A no cumpra a prestao devida sem ter uma prova de que, ipso facto, C o titular deste direito de crdito. Coloca-se um problema de nus da prova nos termos do artigo 342. do CC. No havendo um requisito legal de forma a observar na cesso de crditos hipotecrios de bens mveis, seria, no entanto, recomendvel que B e C exarassem por escrito as suas vontades nos termos do artigo 221., n. 1, do CC; por forma a C poder fazer prova do seu direito de crdito a A.Uma vez que tal situao fosse sanada A no se poderia recusar a cumprir a prestao devida a C; nem tampouco invocar que a capitalizao de juros ilegal, porque no o nos termos do artigo 560., do CC, in totum, e porque tal seria venire contra factum proprium, j que tinha sido o prprio a acordar tais condies inicialmente com B e que foram transmitidas a C por via da cesso de crditos.

ATENO: Existe uma Dao em cumprimento no caso do B para D que cumpre com a obrigao de mtuo com D com uma Dao em cumprimento com uma obrigao de crdito diversa da pr-existente. Caso no houvesse acordo expresso poderamos ir pela figura do 840. Dao pro solvendo.

Requisitos do crdito tem de existir. Mas pode ter-se crditos futuros casos estes sejam determinveis art. 280. vide factoring introduo de facturas sobre crditos ainda no vencidos.

Impedimentos de natureza contratual. O pacto non cedendo no oponvel ao cessionrio. Decorre da Eficcia relativa estrutural das obrigaes.

Verificar os impedimentos.

Eficcia da cesso de crditos notificao ao devedor. 583./1 que o terceiro.Se no foi notificado mas conhece aplica-se o 583/2.A notificao consolida a cesso e completa-a havendo a plena transferncia das posies jurdicas

Mais duas situaes.582.Hipoteca = garantia real. As garantias reais tm o direito de sequela; a garantia real persegue a coisa at ao cumprimento da prestao da obrigao. Temos de explicar porque que o C fica na exacta posio do B. 585. por analogia.

Doutrina: Menezes Cordeiro diz que a distino entre direitos reais e direitos de crdito, basta usar ambos os termos para classificarmos as coordenadas dogmticas a que situaes se referem. Direitos de crditos no so coisas corpreas.

Ex lege obrigado a garantir que o crdito exigvel - artigo 587/2 muito parecido com o 426/2. So ha garantia do crdito se esta tiver sido prevista.

Requisitos.O crdito tem que existir, ou se no existir tem de ser determinado 280.No pode estar impedidos por questes da lei.

Para a cesso ser vlida e eficaz tem de ser notificada.

Por norma devia ser o cedente a notificar o devedor por fora do 227.

2 Hiptese: D compromete-se para com B, que aceita, a pagar a divida de A. Em Janeiro de 2006, B, perante a insolvncia de D, escreve a A exigindo o pagamento da dvida, sob pena de imediata execuo e penhora do automvel. A responde que o devedor D.

3 Hiptese: Uma vez que o automvel de A destrudo num acidente, B exige uma outra garantia. A consegue que o seu amigo E preste fiana.Interpelado por B, em Janeiro de 2006, E paga a dvida e quando pretende ser reembolsado por A, este recusa-se.

4 Hiptese: Aflito com a dvida a B, cuja pacincia se esgotara, A pede ao seu amigo F um emprstimo do montante da quantia em dvida.Apesar da prontido com que acudiu ao seu amigo, F confrontado, meses depois, com a recusa, por parte de A, em pagar-lhe os juros da quantia emprestada, sendo que F pretende cobrar juros nos exactos termos em que o vinha fazendo B.

Hipoteca 693, 701, 703 (hipoteca voluntria)- 712 715