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23 ROTA ESTRATÉGICA DE APRENDIZAGEM CASO 1 ROTA ESTRATÉGICA DE APRENDIZAGEM ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO LOCAL: A EXPERIÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE LAGOA DA PRETA E CAPOEIRA DO MILHO -VÁRZEA DA ROÇA-BA O CONTEXTO DA EXPERIÊNCIA A Associação Comunitária de Lagoa da Preta e Capoeira do Milho foi fundada em 1992 a partir da comunidade religiosa de Lagoa da Preta que, junto com as comunidades de Lagoa Danta e Capoeira do Milho, realizava trabalhos comunitários em mutirão para a construção de casas, cisternas, etc. A Associação foi criada com a finalidade de atuar para o desenvolvimento comunitário através de ações de organização social e apoio à implementação de políticas de bem estar e geração de trabalho e renda, tendo como sede a comunidade de Capoeira do Milho. QUAIS AS PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS DE ATUAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO A Associação Comunitária de Lagoa da Preta e Capoeira do Milho trabalha sempre buscando fortalecer os laços comunitários e o espírito solidário entre os associados e com outras pessoas e organizações sociais afins. Esta forma de atuar já está incorporada na cultura da organização. Além da diretoria que se ocupa com a administração geral, a Associação está estruturada em três subgrupos: Casa de Farinha e Casa da Ração, Roça Comunitária e Grupo Produtivo de Mulheres. Além disso, possuí ainda um coordenador do Fundo Rotativo Solidário. Essa configuração tem como objetivo democratizar a gestão da associação e fortalecer a autoconfiança e o espírito solidário entre os associados. Os associados atuam ainda na conservação e recuperação de solo através da adubação orgânica e da cobertu- ra morta. A organização produtiva de uma família apresenta bastante diversificação tanto no que se refere à criação animal quanto ao cultivo de alimentos. Esta estratégia produtiva tem possibilitado a geração de mais autonomia para as famílias. É comum a presença de quintais biodiversos com plantas frutíferas, além de horta com as variedades mais utilizadas pelas famílias locais. QUAIS OS PRINCIPAIS FACILITADORES DA EXPERIÊNCIA A relação de confiança entre os associados foi apontada como o principal facilitador para o desenvolvimento do trabalho da Associação. Essa confiança tem o mesmo sentido de respeito mútuo que remete a laços e valo- res comunitários tradicionais, ainda muito presentes nesta região. O documento de sistematização desta experiência foi produzido por Dirce Gomes de Almeida

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23ROTA ESTRATÉGICA DE APRENDIZAGEM

CASO 1ROTA ESTRATÉGICA DE APRENDIZAGEM

ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO LOCAL: A EXPERIÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE LAGOA DA PRETA E CAPOEIRA DO

MILHO -VÁRZEA DA ROÇA-BA

O CONTEXTO DA EXPERIÊNCIA

A Associação Comunitária de Lagoa da Preta e Capoeira do Milho foi fundada em 1992 a partir da comunidade religiosa de Lagoa da Preta que, junto com as comunidades de Lagoa Danta e Capoeira do Milho, realizava trabalhos comunitários em mutirão para a construção de casas, cisternas, etc. A Associação foi criada com a finalidade de atuar para o desenvolvimento comunitário através de ações de organização social e apoio à implementação de políticas de bem estar e geração de trabalho e renda, tendo como sede a comunidade de Capoeira do Milho.

QUAIS AS PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS DE ATUAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO

A Associação Comunitária de Lagoa da Preta e Capoeira do Milho trabalha sempre buscando fortalecer os laços comunitários e o espírito solidário entre os associados e com outras pessoas e organizações sociais afins. Esta forma de atuar já está incorporada na cultura da organização.

Além da diretoria que se ocupa com a administração geral, a Associação está estruturada em três subgrupos: Casa de Farinha e Casa da Ração, Roça Comunitária e Grupo Produtivo de Mulheres. Além disso, possuí ainda um coordenador do Fundo Rotativo Solidário. Essa configuração tem como objetivo democratizar a gestão da associação e fortalecer a autoconfiança e o espírito solidário entre os associados.

Os associados atuam ainda na conservação e recuperação de solo através da adubação orgânica e da cobertu-ra morta. A organização produtiva de uma família apresenta bastante diversificação tanto no que se refere à criação animal quanto ao cultivo de alimentos. Esta estratégia produtiva tem possibilitado a geração de mais autonomia para as famílias. É comum a presença de quintais biodiversos com plantas frutíferas, além de horta com as variedades mais utilizadas pelas famílias locais.

QUAIS OS PRINCIPAIS FACILITADORES DA EXPERIÊNCIA

A relação de confiança entre os associados foi apontada como o principal facilitador para o desenvolvimento do trabalho da Associação. Essa confiança tem o mesmo sentido de respeito mútuo que remete a laços e valo-res comunitários tradicionais, ainda muito presentes nesta região.

O documento de sistematização desta experiência foi produzido por Dirce Gomes de Almeida

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Outro ponto fortemente destacado refere-se às boas relações internas: a integração dentro da Associação e a boa relação dentro dos subgrupos. Evidenciando mais uma vez que os laços existentes dentro da entidade ultrapassam o marco legal.

O terceiro eixo facilitador que aparece são as relações de parceria com outras organizações e o reconhecimen-to social do trabalho coletivo. Estes dois pontos apresentam uma complementariedade, pois ao mesmo tempo em que as parcerias são facilitadores do processo de desenvolvimento através das capacitações/formações externas e apoio na realização de ações, a Associação passou a ser reconhecida socialmente por estar sempre aberta a novas parcerias e disposta a apoiar projetos e outras organizações da região.

Organograma com as relações de parceria atuais

Associação Comunitária de Lagoa da Preta e Capoeira do Milho

IPB - Instituto de Permacultura da

Bahia

CAR Jacobina

EBDA Escritório Mairi

COOPES

SENAR

EFA / CONVIVERJabuticaba

SICOOB SERTÃO

Diocese de Rui Barbosa

Organizações com atuação apenas em Várzea da RoçaOrganizações com atuação regionalOrganizações com atuação na BahiaOrganização com atuação Nacional

Curso de Agropecuária

UNAVAR

Prefeitura Municipal de

Várzea da Roça

Igreja Católica

Igrejas Evangélicas

QUAIS AS CONQUISTAS DA EXPERIÊNCIA?

• Para as mulheres: auto-valorização e autonomia financeira; valorização social do trabalho da mulher;• Trabalho coletivo na roça comunitária;• Grande espaço construído pela Associação;• Reconhecimento pela sociedade da importância do trabalho desempenhado pela associação;• Comercialização de produtos para o PNAE e a CONAB;

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QUAIS DESAFIOS TÊM A ENFRENTAR?

Os desafios da Associação Comunitária de Lagoa da Preta e Capoeira do Milho para o futuro são diversos e exigem um planejamento estratégico para definir ações de curto, médio e longo prazos na busca das melhores estratégias para superá-los. Eles podem ser agrupados nos seguintes eixos:

• Construção do futuro da organização: renovação do quadro social, especialmente através do ingresso de jovens na associação; preparação dos sócios para assumir cargo na diretoria da Associação.

“Se nós não colocamos isso como um desafio pra o futuro nós podemos ficar por mais 10 anos aqui de luta e quando tiver com 30 anos de história faltou esse povo, que o jovem não foi conquistado, não foi colocado nessa experiência aí pra dar continuidade, então por isso que eu acho que esse vai ser o grande desafio pro nosso trabalho.” (Sr. José Souza Santana/Zó)

• Revalorização produtiva: análise e planejamento com os associados sobre as possibilidades de diversifi-cação na produção e nos produtos trabalhados pela associação e/ou pelos associados; ampliar as estra-tégias de convivência com o semiárido; produzir e/ou adquirir localmente a maior parte da matéria prima utilizada pelo grupo de mulheres.

• Estruturação logística: aquisição de um veículo de carga para facilitar a produção e a comercialização dos produtos.

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QUAIS AS PRINCIPAIS LIÇÕES DA EXPERIÊNCIA?

Aprender a relacionar-se Para aqueles que estão na Associação desde o começo da experiência é fácil ouvir afirmações como “isso aqui foi uma escola para mim”, referindo-se à grande oportunidade de aprendizado que a participação ati-va dentro de uma organização dinâmica e próspera como a Associação Comunitária de Lagoa da Preta e Capoeira do Milho oferece. Para eles o mais importan-te foi aprender a relacionar-se com os pares/associa-dos e construir consensos e também poder participar nos espaços externos de articulação de parcerias e atuação política junto aos diversos fóruns de forma a contribuir para a definição e ampliação de conquistas para o território;

Realização de trabalhos comunitários solidários

A experiência da Associação mostra de forma contun-dente como a realização de trabalhos comunitários

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solidários, comum na maior parte das sociedades tradicionais ao redor do mundo, é essencial para garantir a formação e o desenvolvimento de organizações mais centradas no apoio mútuo e nos valores comunitários. Assim estruturadas estas organizações estarão bem mais fortalecidas e com melhores condições de superar os desafios coletivos para a construção das soluções mais adequadas para os problemas locais. Utilização de estratégias de recuperação de solo e produção agroecológica

A Associação tem vivenciado, momentos de dificuldades em função da estiagem prolongada. Como podemos constatar pelos depoimentos a seguir, a utilização prática de estratégias de recuperação e adubação do solo, diversificação da produção, estocagem de água e alimentos e integração dos sistemas produtivos tem assegu-rado maior resiliência às unidades produtivas familiares.

“O monzê é o melhor adubo pra crescer rápido... a folha do monzê. Se a gente cortar um pé de monzê grande e de-pois com poucos dias você arrastar ele ali e mudar o garrancho pra outro canto eu num achei folha melhor pra essas coisas do que a folha do monzê, além de ser muita, também ela é boa, desmancha rápido.” (Sr. Manoel Orlando/Landinho)

“A Associação influencia... igual mesmo a mandioca mesmo a gente planta em dois sentidos: da ração animal e da casa de farinha. A silagem mesmo... eu tinha um pouco mas, com a associação a gente aprendeu a investir mais, aumentar... a palma também...” (Sr. Jackson)

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“Antes da Associação a gente fazia as coisa, mas só levava fé só em mandioca, depois da associação... re-união... o povo conversando, eu mesmo animei e fui fazendo mais um pouquinho... Agora na seca a pro-dução pra mim foi boa porque nessa seca nunca faltou o coentro, a cebola... os pé de laranja tudo deu laranja chega deu as pencas, aquele pé de laranja lá deu umas laranja muito graúda. Tenho o maior prazer, todo dia de manhã cedo quando eu levanto já venho pra aqui e de tarde a mesma coisa, pra mim é um divertimento muito bom.” (Sr. Israel/Raé)

A gente tinha o costume de fazer roças grandes, mas se a gente pegar, colocar isso em prática: adubar bem, fazer cobertura morta com uma roça pequenininha, o trabalho vai ser menos e a gente vai ter mais várias coisas... eu tenho certeza que tem muitas coisas que se a gente for por em prática a gente vai amelhoran-do.” (Sr. Manoel Orlando/Landinho)

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Gestão compartilhada para novos aprendizados

Um dos grandes desafios da Associação ao longo dos seus 20 anos de existência tem sido motivar os associados a assumirem cargos na diretoria, alguns sócios afirmavam: “dá medo substituir pessoas que sabem trabalhar”. Em 2011 a nova diretoria discutiu e implantou a gestão compartilhada como forma de construir novos aprendi-zados e também disseminar para mais sócios o conhecimento já acumulado dentro da Associação. Esta estra-tégia tem servido para dar maior leveza à gestão, desonerando a diretoria e formando novos associados para assumirem cargos de direção no futuro.