a prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

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LEGIÃO DO BOM SAMARITANO- LBS INSTITUTO DE FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO TEOLÓGICA-IFETE GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA A PRÁTICA SOCIAL BÍBLICA E AS IGREJAS EVANGÉLICAS DA CIDADE DE PARNAIBA PI OAIDSON BEZERRA E SILVA SOBRAL CE 2013

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Page 1: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

LEGIÃO DO BOM SAMARITANO- LBS

INSTITUTO DE FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO TEOLÓGICA-IFETE

GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

A PRÁTICA SOCIAL BÍBLICA E AS IGREJAS EVANGÉLICAS DA CIDADE DE

PARNAIBA – PI

OAIDSON BEZERRA E SILVA

SOBRAL – CE

2013

Page 2: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

OAIDSON BEZERRA E SILVA

A PRÁTICA SOCIAL BÍBLICA E AS IGREJAS EVANGÉLICAS DA CIDADE DE

PARNAIBA – PI

Monografia apresentada como requisito

parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Teologia no Curso de

Bacharelado em Teologia, a Faculdade de

Educação Teologia, sob a orientação da

Professora Maria Aurioneida Carvalho

Fernandes.

SOBRAL – CE

2013

Page 3: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

OAIDSON BEZERRA E SILVA

A PRÁTICA SOCIAL BÍBLICA E AS IGREJAS EVANGÉLICAS DA CIDADE DE

PARNAIBA – PI

Monografia apresentada para obtenção do grau de Bacharel em Teologia. Qualquer

citação apresentada nesse trabalho atende as normas da ética cientifica.

OAIDSON BEZERRA E SILVA

Monografia aprovada em ___/___/___.

_________________________________________________

1ª Examinadora Prof.ª. _______________________________

__________________________________________________

2ª Examinadora Professora ____________________________

___________________________________________________

3º Examinador Prof. __________________________________

__________________________________________________

SOBRAL – CE

2013

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A Deus por te me dado o dom da vida e uma porção de sabedoria

para entender Sua palavra. A minha esposa, que sempre esteve ao

meu lado me apoiando. A minha família, a igreja de Cristo que vive

nos quatro cantos da terra e a todos que de coração acreditam que a

mensagem cristã pode mudar paradigmas e transformar o homem e

a sociedade.

Dedico

Page 5: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

Concluir um trabalho de pesquisa não é uma tarefa fácil. Sem ajuda, então, seria

impossível. Nessa missão agradeço a Deus fiel companheiro que, mesmo em

minhas angustias, não me desamparou e, gratuitamente, me presenteou com o

anseio pelo conhecimento. A minha amada esposa que com muita paciência me

ajudou nessa tarefa. A minha família que me proporcionou a possibilidade de estar

onde estou hoje. Agradeço, ainda, aos meus mestres que ao longo dessa jornada,

chamada vida, tornou a busca pelo conhecimento prazerosa e desejável.

Muito obrigado.

Page 6: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

“O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu

para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar

libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos,

para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano

aceitável do Senhor.”

(LUCAS 4.18,19)

Page 7: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

RESUMO

Responder sobre mazelas que assolam o ser humano não é uma tarefa fácil. A

presente pesquisa teve por objetivo responder a questão dos problemas sociais e a

tarefa da igreja cristã parnaibana ante a realidade. Conhecer se as igrejas

evangélicas contribuem de forma contundente e intencionalmente para que a

sociedade seja transformada e tenha suas dificuldades de alguma forma reduzida,

foi o cerne de nossa pesquisa. A bíblia foi analisada na perspectiva do tema, assim

como a historia cristã e alguns teólogos da atualidade. Para o êxito de tal intento foi

realizado uma pesquisa de campo com os participantes das igrejas evangélicas de

Parnaíba a fim de descobrir se estas realmente são cumpridoras integrais do

evangelho do reino apregoado pela figura central do cristianismo. O trabalho

alcançou o objetivo que inicialmente propôs-se a realizar. As igrejas pesquisadas

não possuem um trabalho social estruturado e com raízes firmes. Ainda falta o

incentivo através do ensino bíblico do tema nessas igrejas. A falta de interesse dos

líderes de algumas igrejas em participar na pesquisa e de vários adeptos das

igrejas, foi de fato surpreendente. A pesquisa mostra que as igrejas podem e devem

contribuir de forma efetiva para sociedade, e que isso não transformaria as igrejas

em órgãos puramente assistencialistas e que perderiam sua essência religiosa de

relação com o divino, antes estariam cumprindo a missão a que foram designadas.

PALAVRAS-CHAVE: Pobreza. Desigualdade. Nordeste. Ação social. Missão

Integral.

Page 8: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

ABSTRACT

Reply on ills plaguing the human being is not an easy task. This research aimed to

answer the question of social problems and the task of the Christian church against

parnaibana reality. Knowing that the evangelical churches contribute forcefully and

intentionally so that society is transformed and has its difficulties was somehow

reduced the core of our research. The bible was analyzed from the perspective of the

subject, as well as the history and some Christian theologians today. For the success

of this endeavor was conducted field research with participants of the evangelical

churches of Parnaíba to find out if these are really compliant full gospel of the

kingdom proclaimed by the central figure of Christianity. The work has achieved the

goal they initially set out to accomplish. The churches surveyed do not have a social

work structured with firm roots. Still lack the incentive through the biblical teaching of

the subject in these churches. The lack of interest of the leaders of some churches to

participate in research and several supporters of the churches was indeed surprising.

Research shows that churches can and should contribute effectively to society, and it

would not turn churches into purely welfare agencies that would lose their religious

essence of relationship with the divine, before they would be fulfilling the mission to

which they were assigned.

KEYWORDS: Poverty. Inequality. Northeast. Social Action. Integral Mission.

Page 9: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 12 CAPÍTULO 1 METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................. 14 1.1 Métodos utilizados na pesquisa ..................................................................................... 14 1.2 Contexto empírico .......................................................................................................... 15 1.3 Instrumentos utilizados na pesquisa .............................................................................. 16

CAPÍTULO 2 REALIDADE SOCIAL HODIERNA ............................................................... 17 2.1 Realidade social no mundo e no Brasil .......................................................................... 17 2.2 Exclusão social no nordeste e no Piauí .......................................................................... 21 2.3 Realidade social em Parnaíba ....................................................................................... 23

CAPÍTULO 3 AÇÃO SOCIAL E A BÍBLIA E A HISTORIA CRISTÂ ................................... 24 3.1 A pobreza e a Bíblia: Antigo Testamento ...................................................................... ............................................................................................................................................ 26 3.2 Os desfavorecidos da antiguidade segundo o Antigo Testamento ................................. 33 3.3 A pobreza e a Bíblia: Novo Testamento ......................................................................... 44 3.4 O pensamento social na historia do cristianismo............................................................ 54 3.5 O pensamento social e a igreja evangélica no Brasil hodierno....................................... 66

CAPÍTULO 4 A REALIDADE DAS IGREJAS EVANGÉLICAS PARNAIBANAS (analisando os dados coletados) ......................................................................................................... 70 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 75 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 76 APÊNDICES ........................................................................................................................ 81 Apêndice I - Instrumento de Coleta de Dados (liderados) ................................................... 83 Apêndice II - Instrumento de Coleta de Dados (líderes) ...................................................... 83

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

A.C. – Antes de Cristo.

AD – Assembleia de Deus

D.C.- Depois de Cristo.

ARA - Almeida Revista e Atualizada.

ARC- Almeida Revista e Corrigida.

A.T – Antigo Testamento.

BJ - Bíblia Jerusalém.

DITAT - Dicionário de Teologia do Antigo Testamento.

DSI - Doutrina Social da Igreja.

FAO - Food and Agriculture Organization.

FLT- Fraternidade Latino Americana.

IB- Igreja Batista

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

IDM- Igreja de Deus Missionaria.

N.T – Novo Testamento.

NTLH - Nova Tradução na Linguagem de Hoje.

OMS- Organização Mundial de Saúde.

ONU- Organização das Nações Unidas.

PMA- Programa Alimentar Mundial.

PNAD- Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios.

UNAIDS- Nações Unidas sobre a AIDS.

UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.

T B- Tradução Brasileira.

V. T – Velho Testamento.

Vers. – versículos.

Page 11: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

INTRODUÇÃO

A realidade cruel das diferenças sociais são a causa de todo tipo de

degradação. As instituições cristãs protestantes, na tentativa de contextualizar a fé e

trazer repostas aos dilemas do homem moderno, têm levantado diversas questões

que ultrapassam o campo da fé religiosa em si.

O drama das famílias que não possuem o que é básico a sua sobrevivência,

fazendo-as viver a margem da sociedade, é o fator crucial para a pesquisa levantada

nesse trabalho. Esse trabalho teve por objetivo analisar a prática social bíblica e a

realidade das igrejas evangélicas na cidade de Parnaíba. Para tanto, foi analisado o

principal livro dos cristãos (a Bíblia) assim como alguns exemplos históricos

daqueles que são considerados lideres-exemplos para o cristianismo no decorrer da

historia cristã e alguns teólogos da contemporaneidade.

O objetivo geral dessa pesquisa é observar se os participantes das igrejas

evangélicas pesquisadas tem o conhecimento bíblico do referente tema e se esse

conhecimento é de fato praticado no convívio religioso desses adeptos. Já o objetivo

específico é apontar quais igrejas tem de fato contribuído de forma efetiva para

sociedade parnaibana pela prática social e levantar uma série de argumentos

teológicos e bíblicos para a prática social e servir de alerta e voz daqueles que “tem

sede de justiça” 1.

O procedimento metodológico utilizou o levantamento bibliográfico, onde foi

discutido o tema através da bíblia, historia cristã e alguns teólogos contemporâneos

a respeito da questão da pobreza, desigualdade e participação social dos

seguidores do cristianismo. Foi utilizado também o método de pesquisa de

levantamento onde foi aplicado um questionário para participantes das diversas

igrejas evangélicas em Parnaíba, Piauí.

A monografia encontra-se estruturada em quatro capítulos além dessa

introdução. No primeiro capítulo, apresenta-se a metodologia do trabalho, no

segundo capítulo são apresentados alguns dados da realidade social mundial, Brasil

e do contexto da pesquisa onde se apresentam dados referentes à pobreza e

desigualdade. No terceiro capitulo a fundamentação teórica e no quarto capitulo a

1 Mateus 5.6

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13

pesquisa aplicada e o relatório. Segue as considerações finais e as referencias

utilizadas.

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CAPÍTULO 1

METODOLOGIA DA PESQUISA

O presente capítulo tem por objetivo detalhar a metodologia usada na pesquisa

do tema desenvolvido. Em primeiro lugar optamos pelo estudo do caso,

posteriormente foi utilizado o levantamento de dados.

No inicio a intenção da pesquisa era comparar somente a bíblia e pratica social

das igrejas parnaibanas, porem com o desenvolver do trabalho ficou claro um lapso

de tempo que precisava ser ao menos lembrado. Dai a necessidade de fazer uma

breve pesquisa histórica sobre o pensamento social de alguns lideres cristãos que

se destacaram na historia da igreja cristã.

1.1 MÉTODOS UTILIZADOS NA PESQUISA

Em nosso trabalho procuramos não restringi-lo a uma pesquisa puramente

básica, sem preocupação com possíveis benefícios, tornando-a apenas aplicação de

conhecimento.

O estudo de caso foi usado como estratégia de nossa pesquisa por se tratar

de um problema complexo, contemporâneo e real. Como Yin define:

A clara necessidade pelos estudos de caso surge do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos. Ou seja, o estudo de caso permite uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real2.

A busca por um sólido fundamento teórico foi proposital. A fim de respaldar a

importância do tema para a cristandade hodierna a fundamentação teórica (que

ocupa o segundo e terceiro item da pesquisa) tende a revelar as discrepâncias

sociais e o que a bíblia e a história cristã demostram sobre os fatos estudados. Esse

método foi norteador para formulação dos questionários aplicados na pesquisa,

quanto mais aprofundávamos a investigação bibliográfica mais questões surgiam.

2 YIN, Robert K. Studying the implementation of public programs. In W.Williams etal.(Eds.), Studying implementation: Methodological and administrative issues, Chatham,NJ:ChathamHouse, 1982, p.36.

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Em segundo lugar a presente pesquisa utiliza o método de levantamento para

coleta de dados. No intuito de se constatar de que forma as igrejas evangélicas da

cidade de nosso contexto empírico, Parnaíba, realizam a pratica social ou conhecem

o que a bíblia diz a respeito, foi elaborado um questionário simples e objetivo com

questões pertinentes ao tema3. Dos questionamentos esperávamos descobrir como

essas igrejas corporificam a face social do cristianismo, se conhecem a prática social

ensinada pelos escritos sagrados da fé cristã, apoiam a prática social e se suas

comunidades religio-cultural de fato mantêm algum tipo de prática social.

Somente uma amostra dos evangélicos da cidade supracitada foi pesquisada

e tomada por objeto de investigação. Para tanto foi selecionado 50 pessoas para

responderem aos questionários, sendo 15 pessoas da Igreja Assembleia de Deus,

15 da Igreja de Deus Missionaria e 20 pessoas da Igreja Batista. Todas abordadas

no final de seus encontros religiosos, geralmente aos domingos entre às 20:30 e

21:00.

O relatório dos dados coletados encontra-se no ultimo item dessa pesquisa.

1.2 CONTEXTO EMPIRICO

A cidade escolhida como objeto de investigação foi Parnaíba no Piauí.

Parnaíba é uma cidade litorânea localizada no extremo norte do Piauí, que

figura como a segunda maior cidade do estado. O ultimo censo do IBGE (2010)

aponta para uma população superior a 145 mil habitantes.

A cidade de Parnaíba foi o berço da colonização do estado. Conhecida como

uma cidade de uma rica historia cultural, teve cinema, rádio, cassinos e uma grande

atividade econômica através do porto e do comercio. A cidade parecia envolta pela

modernização europeia. Algumas ruas e bairros da cidade ainda possuem nome de

europeus que relembram aquela época.

Essa cidade vem crescendo como polo turístico por ser próximo aos lençóis

maranhenses e ao Delta do Parnaíba. O artesanato se concentra nas tradições

locais, onde encontramos as rendas de bilro, decorações em cerâmicas, objetos

confeccionados a partir da palha da carnaúba e esculturas de arte santeira. Essa

cidade é considerada centro econômico da região litorânea, que abarca cidades

3 Ver anexo I, p.82.

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16

como Cocal, Ilha grande, Carnaubeiras, Caxingó, Caraúbas, Luis Correia e outras

cidades do estado do Maranhão.

Parnaíba, ainda, tem um histórico de empresas e investimento de capital

estrangeiro, e exportação de matéria prima à base de Carnaúba (Copernícia

Cerífera), Jaborandi (Pilocarpus Micropápulas), Fava d‟Anta (Dimorphandra Mollis) e

o Pau d‟Arco ou Ipê Roxo (Tabebuia Avellanedae) que são usados como

intermediários e ingredientes com fins farmacêuticos, cosméticos, alimentícios, e

carboidratos especiais como Glucose e Sacarose.

O censo do IBGE do ano de 20104 revela que mais de 20 mil da população

residente se considera evangélica, ao passo que mais de 111 mil são católicos. De

acordo com os dados do IBGE mais de 90% da população parnaibana pode ser

considerada cristã, dividida pelas ramificações e divisões comuns entre os participes

dessa religião.

Atualmente a cidade já não tem uma economia tão ativa, as mercadorias do

estado já não escoam pelo porto do Igaraçu, tão movimentado outrora em Parnaíba.

O comercio sobrevive com o movimento local.

1.3 INSTRUMENTOS UTILIZADOS NA PESQUISA

A pesquisa foi realizada através de pesquisa teórica e de campo.

A pesquisa teórica foi realizada através de livros, comentários, textos bíblicos,

sítios da internet, periódicos e enciclopédias. O instrumento campal foi um

questionário elaborado baseado na fundamentação teórica com intuito de revelar a

prática e conhecimento dos diversos participantes da pesquisa.

A opção pelo questionário deu a liberdade e possibilidade do anonimato dos

participantes. A fim de se obter informações mais precisas foram escolhidas

questões fechadas extraídas da pesquisa teórica e que estavam diretamente

relacionadas ao conhecimento adquirido dentro do convívio religioso de cada

participante.

4 IBGE, Cidades, Censo IBGE 2010, 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Acesso em 22/03/13.

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17

CAPÍTULO 2

REALIDADE SOCIAL HODIERNA

O segundo capítulo de nosso trabalho se concentra, de forma resumida, na

realidade social hodierna.

Na primeira parte esboçaremos de forma sucinta alguns dados sociais

mundiais e dados levantados no Brasil. A segunda parte desse capítulo elenca a

realidade social vivida no nordeste brasileiro, depois no Piauí e, por último, na

cidade de Parnaíba, que é o nosso contexto de pesquisa.

2.1 REALIDADE SOCIAL NO MUNDO E NO BRASIL

O início do século XXI traz consigo uma realidade de progressos para

humanidade, a capacidade de produzir bens e serviços rapidamente se expandiu, a

ciência nos vários níveis e ramos da sociedade sempre segue uma linha crescente.

As expectativas sempre são superadas, países onde não havia democracia

começam a ver um governo com bases decididas pela população. Mas tanto

progresso parece não impactar de forma eficaz e mudar a realidade social no mundo

hodierno.

O banco mundial produziu dados onde afirmam que 1.3 bilhões de habitantes

recebem uma renda menor que um dólar por dia, e assim vivem em uma condição

de pobreza aguda, cerca de 17 milhões de pessoas ainda morrem todos os anos por

doenças causadas por parasitas curáveis, como diarreia malária e tuberculose A

economia informal cresce cada vez mais. Kliksberg afirma:

...as altas taxas de desemprego ocorrem, também, uma contínua transferência de pessoas para a chamada economia informal. Ainda que heterogênea esta tende a caracterizar-se por setores maciços, sendo constituída de trabalhos instáveis, sem perspectivas claras, sem proteção social de nenhuma espécie, com baixas rendas e com níveis de produtividade muito inferiores aos da economia formal, devido às limitações de recursos, tecnologias e créditos. Na América Latina, por exemplo, o emprego no setor informal representava

40,2% da mão-de-obra ocupada não agrícola, em 19805.

5 KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o estado para o desenvolvimento social: Superando Dogmas E Convencionalismos, Cortez Editora, São Paulo, SP 1995, p.12.

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A pobreza no mundo ainda subjuga, principalmente, crianças e mulheres pelo

mundo afora. “Cerca de 600 mil crianças morrem na América Latina e Caribe6”.

Forçadas pelas circunstancias, mulheres e crianças, se submetem a exploração e a

condições deploráveis de vida. As crianças pobres servem de mão de obra para

narcotraficantes em diversos países.

A criminalidade, a violência e a degradação da sociedade são resultados, em

grande parte, do acumulo das fortes tensões sociais em todas as áreas. A família,

principal instituição no seio da sociedade, abalada pela pobreza cria sérios

problemas sociais, Kliksberg assevera:

A família, instituição central de grande parte das sociedades, fornecedora de normas morais, educação básica, saúde preventiva, afeições básicas, modelos de referência, está seriamente deteriorada pelos problemas sociais e tende a criar o abandono de sua figura masculina. Por outro lado, em diversas sociedades, observa-se um marcado aumento das cifras de criminalidade7.

Milhares de pessoas morrem anualmente por não conseguir aquilo que é

básico à sobrevivência. Dados da FAO (FOOD AND AGRICULTURE

ORGANIZATION, 2012) apontam para 870 milhões de pessoas que passam fome

no mundo, isso representa quase 12,5% da população mundial8, e grande parte

dessas pessoas vivem em países em desenvolvimento. Em relação à fome a FAO

enumera9:

1- Aproximadamente 925 milhões de pessoas no mundo não comem o suficiente para serem consideradas saudáveis. Isso significa que uma em cada sete pessoas no planeta vai para a cama com fome todas as noites. (Fonte: FAO, 2012). 2- Bem mais que a metade dos famintos do mundo, cerca de 578 milhões de pessoas, vivem na Ásia e na região do Pacífico. A África responde por pouco mais de um quarto da população com fome do mundo. (Fonte: FAO, O Estado de a Insegurança Alimentar no Mundo, 2010).

6 BELLAMY, Carol. Terceira Conferência Americana sobre a Infância, Chile, 9 ago. 1996. Disponível em: <http://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/SOWC_2003.pdf>. Acesso em: 27/12/12. 7 KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o estado para o desenvolvimento social: Superando Dogmas e Convencionalismos, Cortez Editora, São Paulo, SP 1995, p.15. 8 FAO, Jornal eletrônico G1, Quase 870 milhões de pessoas passam fome no mundo, diz FAO, 2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/10/quase-870-milhoes-de-pessoas-passam-fome-no-mundo-diz-fao.html> Acesso em 18/11/2012. 9 FAO, O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE A FOME EM 2012, 2009. Dados disponíveis em: <https://www.fao.org.br/oqvpssf2012.asp>. Acesso em 17/11/2012.

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A fome é o número um na lista dos 10 maiores riscos para a saúde. Ela mata mais pessoas anualmente do que AIDS, malária e tuberculose juntas. (Fonte: UNAIDS, Relatório Global de 2010; OMS, Fome no mundo e Estatística Pobreza, 2011). 3- Custam apenas 25 centavos de dólar por dia alimentar uma

criança com todas as vitaminas e os nutrientes de que ela precisa para crescer saudável. (Fonte: PMA, 2011).

4- A fome é o único grande problema solucionável que o mundo enfrenta hoje.

Em 2011 a ONU lançou um relatório sobre a situação social mundial, onde

concluía que os governantes mundiais não dão a devida atenção às implicações

sociais que surgiram após a crise financeira global. O relatório mostra que houve um

aumento alarmante no desemprego, quase 205 milhões de pessoas perderam seus

empregos, que não representa somente perda de renda, mais aumento na

vulnerabilidade, principalmente em países em desenvolvimento onde não existe um

sistema de proteção social abrangente. O relatório mostra que cerca de 84 milhões

de pessoas caíram para um nível de pobreza extrema. Isso em países

desenvolvidos ou em desenvolvimento.

Nas ultimas três décadas o acumulo de renda entre os mais ricos cresceu de

70% para 85 %, ao passo que a renda entre os mais pobres diminuiu de 2% para

1,45%. A diferença entre os mais ricos e os mais pobres é cada vez maior, “o quinto

da população mundial vive em países ricos e é dono de 86% do produto bruto

mundial, 82% das exportações, e mais de 95% do credito, já o quinto mais pobre só

possui 1% disso tudo10”. A polarização social cria diferenças tão agudas e

acentuadas que chega ao absurdo. Mais de 1 bilhão e 300 milhões de pessoas não

têm a sua disposição água potável e mais 3 bilhões necessitam de serviços de

saneamento.

O Brasil é uma sociedade que impera como uma das mais desiguais do

mundo. Considerada a sexta economia do mundo ainda convive com 16,2 milhões

de brasileiros em situação de extrema pobreza. Conforme o relatório do Índice do

Desenvolvimento Humano (IDH) de 2011, o Brasil foi apontado na posição de

número 84 entre os 187 países avaliados.

10 KLIKSBERG, Bernardo, O IMPACTO DAS RELIGIÕES SOBRE A AGENDA SOCIAL ATUAL, Unesco, Serie Debates IV, 2005. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001384/138431por.pdf>. Acesso em 28/12/2012, p.5.

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De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil está

classificado como um país de padrão intermediário de renda, entretanto uma

pequena parcela da população consegue padrões de renda e qualidade de vida

comparada aos padrões sociais e econômicos de países mais ricos no mundo.

A imensidão territorial brasileira continua concentrada nas mãos de poucos,

quase 3% dos grandes donos de terra dominam quase 57% das terras, e uma

grande parte delas improdutiva, do outro lado 89% de pequenos proprietários

dividem 23,4% de terras brasileiras.

Outro grande problema é a concentração de renda no Brasil, dados

divulgados pelo Banco Mundial em 1995 colocavam o nosso país como o número

um no ranking de desigualdade social no que se refere à concentração de renda11,

cerca de 3% da população recebiam mais de 20 salários mínimos enquanto a

grande maioria não conseguia mais de dois salários mínimos. Somente em 2012 o

Brasil perde a liderança, conseguindo diminuir as desigualdades na distribuição de

renda, porém, ainda continua como o quarto colocado12. O resultado da

concentração de renda em nosso país produz uma realidade social cruel.

A má administração de recursos públicos e falta de priorizar o mais importante

à nação, ainda castiga muitos em nosso país. Obras que poderiam ficar em segundo

plano, tomam o lugar da educação, da alimentação e saúde pública.

No Brasil quase 11% da população acima de dez anos de idade permanecem

analfabeta, 31% ainda não tem nenhum tipo de saneamento básico e quase 28%

não possuem nenhum tipo de coleta de lixo (IBGE, 2010). Há ainda o problema da

economia informal, que não cria nenhum tipo de segurança social por parte do

governo brasileiro.

A realidade social brasileira está estampada nas capas dos jornais e nos

noticiários informativos via televisão e internet. O narcotráfico domina regiões pobres

de nosso país e subjuga populações inteiras que não dispõem de auxilio social

eficientes. O crime organizado dia a dia revela sua face cruel.

11 KANITZ, Ayrton, BRASIL, CAMPEÃO DE DESIGUALDADE, São Paulo, SP, Revista ADUSP, maio de 1996, p.7. 12 PACHECO, Gabriela, BRASIL DEIXA ÚLTIMA POSIÇÃO DO RANKING DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA DA AMÉRICA LATINA, Rio de Janeiro-RJ, Jornal eletrônico R7, 2012. Disponível em: <http://noticias.r7.com/brasil/noticias/brasil-deixa-ultima-posicao-do-ranking-de-distribuicao-de-renda-da-america-latina-20120821.html>. Acesso em 18/11/2012.

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21

Os impostos altos não mudam a realidade social do país, os pobres são os

que mais sofrem com os impostos cobrados pelo governo brasileiro. A carga

tributaria no Brasil é uma das mais pesadas no mundo. Os brasileiros pagam mais

impostos que os americanos e japoneses.

A tributação no Brasil além de complexa é injusta. Resumindo, o brasileiro

desembolsa, em media, 40% de sua renda anual13. Mesmo com uma contribuição

tão alta o serviço prestado pelos poderes públicos fica muito aquém do mínimo

necessário.

2.2. EXCLUSÃO SOCIAL NO NORDESTE E PIAUÍ.

No nordeste brasileiro os problemas se acentuam, a região é a mais desigual

da nação, liderando em todas as pesquisas de exclusão social. A exclusão social há

anos castiga o nordeste.

O IBGE divulgou em 2005 que 55,92% da população nordestina vivia privada

de renda, nessa região a divulgação por estados ficou assim: Alagoas (63,08%);

Piauí (58,97%); Maranhão (58,00%); Ceará (56,92%) e Bahia (55,15%). O mesmo

estudo mostra que 26% da população não possuem serviços de redes de

abastecimento de água, 53,56% não possuem acesso à rede de saneamento

básico. Em relação à educação, Lemos assevera:

Mais uma vez observa-se que a região Nordeste apresenta os piores indicadores em itens essenciais ao desenvolvimento. A região apresentou os maiores percentuais de analfabetos maiores de 10 anos. E as taxas exibidas pelos estados do Nordeste, no geral, são muito elevadas, como se depreende das evidências mostradas [...]. Esta região chegou ao final de 2005, com 19,02% da sua população, maior de 10 anos, analfabeta. As maiores taxas de analfabetismo, em maiores de 10 anos, observadas em 2005 são, pela ordem decrescente, nos estados de Alagoas (23,84%); Piauí (23,11%); Maranhão (21,18%); Paraíba (20,92%); Ceará (18,61%) e Bahia (18,32%). No Rio Grande do Norte (15,48%) e em Sergipe com (17,96%) estão as menores taxas de analfabetos do Nordeste em 200514.

13 Revista Veja Digital, Desafios brasileiros, Carga Tributária 2010. Disponível em: <www.veja.abril.com.br/tema/desafios-brasileiros-carga-tributaria>. Acesso em 08/01/13. 14 LEMOS, José de Jesus Sousa. Mapa da Exclusão Social no Brasil. Radiografia de um país assimetricamente pobre. Fortaleza: Banco do Nordeste, 2005, p.123.

Page 21: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

22

Somado a essas diferenças sociais ainda tem-se o problema do clima que

dificulta ainda mais as questões sociais e econômicas da região. A seca torna

precária a situação em determinadas cidades nordestinas, trazendo consigo a falta

de alimentos e água de qualidade a população.

O estado do Piauí figura como um dos últimos no ranking de qualidade social

de acordo com os índices apresentado por Lemos (2005) em seu trabalho sobre

índice de exclusão social.

A distribuição de renda nesse estado é uma das piores conforme o relatório

do PNAD (2005) são 58% da que vivem excluídos, de alguma forma, de rendas

monetárias. A distribuição de renda esta ligada, hoje, a medição do grau de

desenvolvimento região, e é ela responsável pelo desenvolvimento ou deterioração

do tecido social como um todo.

Durante nossas pesquisas percebemos a falta de material literário para

estudos sobre a questão da distribuição de renda no Piauí, somente quando

mencionado em conjunto com estados do nordeste e do país.

Uma pesquisa realizada pelo IBGE, de maio de 2008 a maio de 2009, aponta

para uma diferença gigantesca na distribuição de renda, enquanto os mais pobres

ganham em media R$672,00 por mês os ricos tem uma renda mensal (em média) de

R$13.039,0015.

O relatório do IDH mostra o Piauí como um dos estados mais pobres da

nação brasileira, o estado com menos emprego formal, ocupa o penúltimo lugar no

quesito alfabetização e ultimo lugar na escolaridade do cenário nacional16.

Quase todos os municípios piauienses convivem com uma realidade de

exclusão social. Lima observa que de 96,9% dos municípios do Piauí estão numa

realidade de exclusão social e quase 98,3% estão mergulhados num elevado grau

de pobreza17. Os avanços nos últimos anos se mostram muito tímidos ante a

realidade social do povo piauiense.

15 GALENO, Lívio, Ricos do Piauí ganham 19 vezes mais do que a população pobre, Jornal eletrônico Cidade Verde, 23/06/2010. Disponível em: < http://www.cidadeverde.com/ricos-do-piaui-ganham-19-vezes-mais-do-que-a-populacao-pobre-60425>. Acesso em: 18/11/12. 16 LIMA, Gerson Portela. Atlas da exclusão social no Piauí/Gerson Portela Lima. Teresina: Fundação CEPRO, 2003, pp. 70-77. 17 Ibid. p.78.

Page 22: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

23

2.3 REALIDADE SOCIAL EM PARNAÍBA-PI

Nesse município, o mais desenvolvido da região norte do estado, entre os

anos de 2000 a 2010 a renda per capita domiciliar ficou em torno de R$164,00

(cento e sessenta de quatro reais) 18. A taxa de desemprego também é muito alta,

mais de 93% dos parnaibanos não possuem um tipo de renda formal.

A questão da informalidade da renda gera instabilidade para aqueles que

assim vivem, criando falta perspectivas definidas. Também exclui o cidadão de

proteção social, como INSS, FGTS, férias, abonos, etc. A baixa renda dentro do

setor informal é outra realidade que impede a ascensão social.

Os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS), através de

levantamento de dados apontam para bairros específicos onde à vulnerabilidade é

maior. Os bairros apontados são: Mendonça Clark, João XXIII, Piauí, São Vicente de

Paula. De acordo com a publicação do “Diagnóstico e Mapeamento da Rede

Socioassistencial das Áreas de Abrangências do CRAS” em 2012, demostram que

os moradores das regiões mais pobres de Parnaíba têm como fontes geradoras de

renda empregos informais.

A taxa de analfabetismo é uma das maiores do Brasil, mais de 22% da

população parnaibana, acima de 15 anos, ainda permanecem nessa condição,

sendo que no Brasil em média essa taxa não ultrapassa os 14%.

Os índices de exclusão social são extremamente altos na cidade. De acordo

com dados do IBGE Parnaíba apresenta os piores índices de exclusão social,

pobreza, emprego formal, desigualdade e escolaridade do país19. Nas publicações

do CRAS não aparece nenhum tipo de cooperação direta por parte das igrejas

evangélicas nessas regiões vulneráveis da cidade pesquisada.

Como se vê, Parnaíba tem um índice de desigualdade elevadíssimo e, diante

dessa realidade, as igrejas podem e devem contribuir para uma realidade mais justa.

18 IBGE, Censo Demográfico 2010. Disponível em: < http://censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em 14/12/12. 19 IBGE, Censo Demográfico 2010. Disponível em: < http://censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em 14/12/12.

Page 23: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

24

CAPÍTULO 3

AÇÃO SOCIAL E A BÍBLIA

A bíblia não tem a pretensão de ser um livro de ciências sociológica ou

antropológica, porém, os problemas sociais existentes e que acompanham à

humanidade não são, por ela, negligenciados.

Deus lembra, a todo instante, no antigo e novo testamento a realidade social

da humanidade e o dever, daqueles que são chamados de “povo Seu” 20, em

praticar a fraternidade, humildade e amor ao próximo.

O termo ação social, dentro da sociologia, pode ser definido simplesmente

como comportamento social, que é a consequência de contatos sociais avançados,

interação e relação social. O sentido é muito amplo, e não pode ser resumido como

assistencialismo. Em termos leigos é qualquer movimento que resulte em melhorias

para a comunidade e gere bem estar para sociedade como um todo. Para Lessa 21,

há uma má interpretação do conceito ação social para alguns cristãos que tentam

praticá-la, dentro do conceito erroneamente interpretado surgem os conceitos:

evangelho social, assistência social e serviço social.

O evangelho social foi um movimento nascido nos Estados Unidos no início

do século XX, como uma reação ao escapismo das igrejas evangélicas que

exageravam com a preocupação escatológica e cultivo de um asceticismo pietista

que não levava em consideração as implicações sociais vividas pelo mundo de

então. Essa reação chegou a criar outro extremo à polarização escapista, a total

secularização da mensagem cristã, afirmando que o reino de Deus se cumpriria

plenamente nesse mundo através da ação do homem. Há alguns evangélicos que

não apoiam a justiça social por achar que podem ser tendenciosos a filosofia do

evangelho social.

Já o assistencialismo refere-se somente a obras assistências que são meras

respostas imediatas para resolução parcial do problema. Um exemplo claro de

20 Seu povo - alusão ao trecho bíblico de 1PEDRO 2.9, CHAMPLIM em seu comentário bíblico da carta em questão interpreta da seguinte forma: “Essa nação deveria pertencer a Deus, demostrando isso por seus atos agradáveis a Deus” (CHAMPLIM, Russel Norman, O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1Pedro, São Paulo: Hagnos, 1997). 21 LESSA, Hélcio da Silva, Ação Social Cristã, Movimento “Diretriz Evangélica”, Guanabara, RJ, 1950, p.6. Disponível em <http://ftl.org.br/documentos/Acao_Social_Crista-Retrato.pdf>. Acesso em 23/04/13.

Page 24: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

25

assistencialismo é a distribuição de alimento para um desempregado, não que isso

não seja válido, mas atende somente a necessidade momentânea. Possivelmente

aqueles que de alguma forma são atendidos pelos assistencialistas, muito cedo

terão necessidades com as mesmas problemáticas iniciais. Nesse sentido Campos

afirma:

É importante destacar que o assistencialismo, por combinar caridade aos pobres com indiferenças aos fatores causais da pobreza, além de funcionar como estratégia de reprodução social, reproduz, igualmente, a subalternidade, pois o assistido nesta modalidade de proteção social, não é reconhecido (nem se reconhece) como um sujeito de direitos, não participando, desta forma, de uma comunidade de semelhantes [...], e sim de uma sociedade com desigualdades abissais 22.

O serviço social é uma profissão de caráter sócio-político. Trabalha com

instrumentos das ciências sociais analisando e intervindo nas refrações sociais

existentes. Atua na defesa e aplicação dos direitos humanos e justiça social. A ação

social vai ser mais profunda que o mero assistencialismo. Alguns evangélicos

acreditam que fazem ação social simplesmente por distribuir roupas e alimentos.

A intenção desse capítulo é provar que a bíblia, regra de fé e de prática de

vida dos cristãos, mostra claramente a preocupação de Deus com o ser humano e

com a realidade social vivida por este. Queremos provar, também, que a aplicação

desses ensinos bíblicos tornaria a sociedade mais justa e digna.

A primeira parte vai tratar a respeito da pobreza e a bíblia, trazendo uma

visão geral a respeito desse tema no antigo e no novo testamento. A nossa

preocupação é saber se a bíblia realmente se preocupa com os excluídos e

oprimidos. A segunda parte irá tratar sobre alguns fundamentos bíblicos no que se

refere aos excluídos da antiguidade segundo o antigo testamento.

A terceira parte será esboçada a partir do novo testamento fazendo as

mesmas indagações da primeira parte de nossa pesquisa teórica. Enquanto

pesquisamos os textos bíblicos e a visão geral dos ensinos contidos nas sagradas

escrituras, começamos a indagar se há alguma incoerência entre o discurso

religioso e prática aplicada desses discursos.

Já a quarta e quinta parte trará uma visão histórica e alguns exemplos de

prática social cristã, começando pelos pais da igreja, passando pela reforma e nos

22 CAMPOS, E.B. Assistência Social: do descontrole ao controle social. Revista Serviço Social e Sociedade, nº 88. São Paulo: Cortez. Novembro de 2006, p.101.

Page 25: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

26

remetendo até os dias hodiernos. Por se tratar de um material histórico extenso a

nossa pesquisa será resumida citando apenas os fatos principais referentes ao

tema.

3.1 A POBREZA E A BÍBLIA - ANTIGO TESTAMENTO

A pobreza e a sua definição é complexa. Descrever a pobreza numa ótica

bíblica não é uma tarefa fácil para o teólogo cristão protestante do presente século,

afinal estamos em uma era de certezas teológicas rasas onde a maioria dos cristãos

apregoa sobre uma vida abundante na terra. A cosmovisão de muitos protestantes

hoje, alicerçada na teologia da prosperidade 23, aliada ao capitalismo selvagem e ao

egocentrismo humano torna a questão desinteressante para alguns, afinal o

capitalismo, de acordo com o pensamento de muitos, torna livre o homem, para que

este alcance classes sociais mais altas, e o fato de alguns viverem na pobreza se

deve ao fato de não se esforçarem o suficiente para saírem de suas condições

sociais.

E, além da visão hodierna distorcida de alguns denominados protestantes,

temos a questão teológica do termo pobreza em si, que pode ser entendido de

diversas maneiras, como Barth assevera, pessoas socialmente privilegiadas podem

ser pobres: na saúde, intelectualmente, espiritualmente e nos seus relacionamentos,

em contrapartida uma pessoa pobre no sentido financeiro pode ser rica nesses

outros sentidos 24.

Mas afinal quem são os pobres de acordo com a bíblia, haja vista a tendência

de alegorizar a interpretação da palavra pobre. O sentido bíblico não deve ser

entendido somente numa conotação socioeconômica, pois o pobre, biblicamente

falando pode ser uma disposição interior ou atitude da alma 25 (cf. MATEUS 5.3

ARC), porém a interpretação do termo pobre não deve ser limitada a esse tipo de

entendimento, pois, a pobreza socioeconômica é uma cruel realidade que não

podemos fingir que não exista.

23 Movimento religioso surgido nos Estados Unidos da América, que interpreta alguns trechos da bíblia dizendo que aqueles que são fiéis a Deus devem desfrutar de uma excelente situação na área financeira, da saúde, emocional, social, familiar, etc. (FONTE: HTTP://PT.WIKIPEDIA.ORG/WIKI/TEOLOGIA_DA_PROSPERIDADE; ACESSADO EM 13/09/12). 24 BARTH, Karl. Pobreza em Dadiva e Louvor. São Leopoldo: Sinodal, 1986, p.351. 25 QUEIROZ, Carlos Pinheiro. Eles herdarão a terra. Curitiba: Encontro, 1998, p.19.

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27

Em pesquisa aos vocábulos ligados à palavra pobre e pobreza percebemos

que a bíblia fala mais sobre o assunto em questão do que outras doutrinas tão

enfatizadas e ensinadas nas igrejas protestantes hodiernas. São quase cento e

setenta citações diretas dos vocábulos estudados nesse item. A igreja precisa se

preocupar com a essa questão, afinal Deus se preocupa, pelo menos, é o que fica

subentendido pelas pesquisas dos trechos bíblicos.

O termo no hebraico mostra as seguintes definições: aniy (yne) usada mais de

trinta vezes com sentido de homem rebaixado e aflito, tem o sentido de pobreza

como consequência de opressão politica, religiosa e psicológica esse termo aparece

em Isaías 3.14, ebyown (Nwyba) que tem o mesmo significado de mendigo, pedinte,

não saciado, carente, necessitado, referente à classe social mais baixa, essas

pessoas não conseguem se tornarem independentes de outros devido suas

necessidades não supridas. O outro termo é ruwsh (vwr) que significa aquele que se

torna pobre por outrem, ser pobre, ter falta de, tem o sentido de pessoas

empobrecidas por ações de injustiças. Há, também, o termo dal (ld) traz o sentido

de inferior, pobre, fraco, magro, pessoa inferior (cf. Amós 5.11). Tem o sentido de

algo que está pendurado por um fio. E por ultimo os termos ra„eb (ber), faminto, de

vigor combalido, aquele que não tem o que comer e chelaka (hklx), miserável,

pobre, pessoa infeliz, desafortunado citado em Salmos 10.426.

A base bíblica veterotestamentária de nossa argumentação para que a

pobreza, e os que sofrem com ela, seja um alvo a ser trabalhado pela igreja atual

começa em Gênesis, onde Deus cria todas as coisas. Inicialmente toda obra

criatória divina é considerada agradável, boa, amável (é o que se entende pelo

adjetivo hebraico bom, “towb”, citado em Gênesis 1.31). A criação era perfeita e

bela. Em meio à narrativa bíblica da criação, aparece à criação do ser humano, que

é narrada com um grau de importância sublime, a formação dessa criatura se dá

com um concilio divino, em Gênesis 1.26 é declarado: “façamos o homem a nossa

imagem e semelhança” (GRIFO NOSSO), e assim o fez do “pó da terra”. O nome

dado ao homem, Adão, vem do hebraico “Adam” que tem a mesma raiz da palavra

“Adamah”, que significa terra, analisando a criação do homem a partir da terra pode-

se concluir que o homem e a terra são parte integrantes. No Congresso Brasileiro de

Evangelização foi dito:

26 HARRIS, R. Laind. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, Trad. Gordon Chown, Edições Vida Nova, 1985. (todos os termos para o vocábulo “pobre”).

Page 27: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

28

O homem e a terra não entidades separadas. Eles têm uma serie de importantes relacionamentos e interdepências (...). Quaisquer dificuldades ou problemas que houver com a terra se refletirá no homem. Explode-se a terra e teremos o fim da raça humana. Polui-se a terra e se prejudica a vida na face da terra 27.

Após a criação da terra e do ser humano, Deus entrega a terra às mãos do

homem para administra-la e prover seu sustento. Até aqui o homem não sabia o que

era poluição, queimadas, destruição, fome, desigualdade, discriminação, exclusão e

injustiças e só passa conhecer esses problemas após ter cometido o pecado. O

projeto inicial de Deus era formação de uma sociedade igualitária, mas, de acordo

com entendimento formado a partir do velho testamento as desigualdades começa a

existir após a queda do homem, Cavalcanti (1987) disse:

A tremenda verdade é que, se o homem não houvesse pecado, ele

iria vivenciar plenamente este projeto de Deus em suas relações sociais; projeto esse em que nada de negativo que vemos acontecer através da historia, até nossos dias, teria talvez: tanto em relação à expressão cultural de civilização, como relação à questão social e econômica 28.

Diferentemente de Rousseau29, que acreditava que as desigualdades entre os

homens têm como base a noção de propriedade privada e a necessidade de um

superar o outro, numa busca constante de poder e riquezas, para subjugar os seus

semelhantes, para o cristianismo as desigualdades está correlacionada com o

pecado do primeiro homem, Adão.

O principal argumento veterotestamentário para o combate da pobreza

é o fato de Deus ter criado o homem a sua imagem e semelhança. Essa imagem do

divino mostra que esse ser está ligado ao Criador e é por essa ligação que o ser

27 YUASSA, Key. “O Homem Brasileiro como Objeto do Amor de Deus”, em a Evangelização do Brasil: Uma tarefa inacabada, onde estão contidas as palestras proferidas por vários autores no Congresso Brasileiro de Evangelização em Belo Horizonte – MG – 1983, São Paulo: ABU. , 1985, pp. 84 e 86. 28 CAVALCANTI, Robinson. Igreja: Agencia de Transformação Histórica. VINDE e SEPAI, 1987, p12. 29 ROUSSEAU, Jean Jaques, A origem da desigualdade entre os homens e se ela é autorizada pela lei natural, Academia de Dijon, Paris, 1753. Disponível em <www.livros_gratis/origem_desigualdades.html>. Acesso em 07/01/13.

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29

humano passa a ser “dignamente superior às outras criaturas30”. Esse pensamento

antropológico-teológico foi bem desenvolvido por Tertuliano, que acreditava na

objetividade da existência humana, que dizia que o ser humano foi modelado pelo

próprio Deus, uma obra maravilhosa que recebera a liberdade. Segundo ele, Deus

se dedicou totalmente a substância que depois de trabalhada com amor surge o

homem31. Dentro dessa perspectiva, começamos a entender a dignidade humana

que, em suma, não deve ser reduzida a nem um tipo de degradação, seja ela qual

for, inclusive a pobreza.

Por outro lado existe também o argumento de que Deus criou a terra e a

colocou a disposição do gênero humano, para que este a dominasse com trabalho e

sobrevivesse dos seus frutos. No livro das Origens é relatado que todas as aves,

peixes, animais terrestres deveriam ser dominados pelo homem e os frutos,

sementes, ervas serviriam de mantimento32. A disposição do criador em entregar os

frutos e animais para o homem leva-nos a afirmação que os bens criados devem ser

destinados a todos, sem que haja exclusões em detrimento da vontade egocêntrica

de uma minoria dominante. No Compêndio da Doutrina Social da Igreja, que cita o

Vaticano II33, encontramos o desenvolvimento dessa afirmativa, onde é declarado o

sentido universal dos bens. Essa afirmativa não implica que tudo pertença a todos,

mas que fique assegurado o exercício justo da distribuição dos bens para que todos

usufruam e tenha as condições de uma vida sem indignidade.

No livro de Deuteronômio, especificamente no capitulo 15 e verso 11 fica

patente que a existência de pobres era contínua dentro da sociedade hebreia, mas

mesmo com essa afirmativa fica visível a vontade do Divino quando se é ordenado:

“... para que entre ti não haja pobre...” (DEUTERONÔMIO 15.4 ARC). A vontade

divina não pode ser entendida com uma promessa a ser cumprida por ele, mas uma

ordenança a ser seguida pelo homem. O ser humano tem uma gama de

possibilidades de realizar-se consigo e com os outros, portanto fica plausível que a

diretiva divina é que aquele crie realidades para que não haja nem um tipo de

exclusão.

30 VITAL CORBELLINI, Referências Patrísticas quanto aos Princípios da Doutrina Social da Igreja, apud. GIOVANNI, CRISOSTOMO. “Omelie sulla prima lettera ai Corinti”, 10, 4,3-4. In: La Teologia dei Padri II. Roma: Città Nuova Editrice, 1974, p.9. 31 TERTULLIANO. La Resurrezione dei morti, VII, 3-4. Traduzione, Introduzione e Note a cura, C.MICAELLI, Roma: Città Nuova Editrice, 1990, p.34. 32 Gênesis 1.28,29. 33 Alusão aos documentos provenientes do Concilio Vaticano II, ocorrido de 1962 a 1965.

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30

Existiam leis que protegiam e davam auxilio aos pobres, mas adiante, no item

3.2 trataremos especificando as figuras da exclusão na antiguidade (órfãos,

estrangeiros, viúvas, etc.) e o que o antigo e novo testamento diz a respeito. Mas

salientamos que nas relações sociais com o pobre eram vetados os maus tratos ou

opressão (DEUTERONÔMIO 24.14), a usura (ÊXODO 22.25) e a injustiça

(LEVÍTICO 19.15). Nos cultos religiosos, o pobre não podia ser excluído por não ter

condições de ofertar sacrifícios, mas havia determinadas ofertas que se

enquadrariam de acordo com as posses do ofertante, quanto menores fossem suas

posses, menor seriam os animais sacrificados, ou ofertas entregues aos sacerdotes.

A mais profunda ideia social ante a pobreza pode ser analisada a partir de

Levítico 19.18, “amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Esse imperativo, expressa

o mais alto ideal para a convivência do ser humano, é a ideia da responsabilidade

pelo outro e isso não é uma opção, mas uma ordem que deve ser parte continua da

vida do homem, enquanto gênero. A prática dessa ordem não deve ser visada com

meio de obtenção de reconhecimentos, isso deve ser entendido como uma única

maneira de viver.

Amar ao próximo como a si mesmo eis o desafio de Deus para com o Seu

povo. A sociedade hebreia que estava em formação no deserto, deveria ser formada

a partir desse principio, esse deveria ser o norteamento de toda relação social. As

leis deveriam ser justas, o governo deveria ser administrado com equidade, às

negociações deveriam ser praticas com ética e justiça. Tudo visando o bem estar do

outro. Pensando dessa forma não poderia haver praticas trabalhistas escravagistas,

abandono, subjugação pelo poder, etc.

Durante período deuteronômico surge um dos primeiros sistemas fiscais que

se tem conhecimento, o dízimo. A decima parte de tudo que era produzido por todos

eram destinado ao sustento dos sacerdotes, viúvas, órfãos e estrangeiros. De

acordo com os textos de Deuteronômio 26.12,13 e 14.28,29 mostra que os dízimos

arrecadados serviriam para auxiliar os pobres.

Os livros históricos do antigo testamento registram o inicio da nova terra

prometida por Deus à Israel. No inicio entendemos que não havia desigualdade e

pobreza, a terra conquistada havia sido distribuída de maneira igual entre as tribos,

e estas redistribuíram de maneira igual entre as famílias. Porém com o tempo

àqueles que foram escravos no Egito, passam a oprimir e escravizar seus irmãos na

nova terra. O modelo patriarcal que trazia uma sociedade mais justa que vivia

Page 30: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

31

segundo os mandamentos do Deus de Israel, foi substituído pela monarquia. No livro

do profeta Samuel fica registrado as consequências que esse novo tipo de

sociedade traria a vida da nação, os filhos serviriam de servos para construir armas,

guerrear e trabalhar nas lavouras, de tudo que fosse produzido o melhor seria

direcionado para o rei e seus servos, os dízimos que serviam para os pobres

passam a ser entregue aos oficiais da monarquia e as filhas serviriam ao rei como

padeiras, perfumistas, cozinheiras. A monarquia fixada dava direito ao rei e seus

oficiais a usufruírem dos bens produzidos pela nação explorando como se achasse

conveniente. (1SAMUEL 8.10-20)

Os autores dos sapienciais bíblicos falam da questão da pobreza em vários

trechos. O livro de Jó elenca o fato de Deus proteger e ouvir os pobres em

detrimento dos feitos perversos dos ímpios. Podemos encontrar declarações como:

“[os ímpios], assim, fizeram que o clamor do pobre subisse até Deus, e este ouviu o

lamento dos aflitos” (JÓ 34.28) e “quanto menos àquele que não faz acepção das

pessoas de príncipes, nem estima ao rico mais do que ao pobre; porque todos são

obras de suas mãos”. (JÓ 34.19). Ainda no mesmo livro existem denuncias de

pobres sem socorro, desamparados e que tem seus direitos negados34.

Nos salmos 10 existe um clamor pelo auxilio ao pobre, o autor clama a Deus,

pois, os ímpios perseguem o pobre e os necessitados são destruídos. Diante desse

sofrimento o salmista clama: “Levanta-te, SENHOR! Ó Deus, ergue a mão! Não te

esqueças dos pobres.” (SALMOS 10.12 ARA) e mais adiante, nos Salmos 12.5,

Deus diz: “Por causa da opressão dos pobres e do gemido dos necessitados, eu me

levantarei agora, diz o SENHOR; e porei a salvo a quem por isso suspira”. Os

salmos mostram Deus como àquele que não fica passivo ante ao clamor do pobre,

podemos averiguar isso em uma rápida leitura nos trechos 132.15, 109.31 e 12.5.

Agora vejamos o que ensina os Provérbios do velho testamento. Os textos

14.31 e 17.5 ensinam que os que oprimem ao pobre insultam ao criador. Mais uma

vez o antigo testamento lembra que o homem foi criado a partir de Deus, e este não

permite que aquele sofra com as desigualdades impostas pelo poder de outro. O

livro de Provérbios ensina, ainda, nos trechos 22.9 e 14.21, que aqueles que se

compadecem do necessitado serão abençoados ao passo que os que não cuidam

dos pobres serão amaldiçoados (PROVÉRBIOS 22.16 E 28.17). Há também uma

34 Cf. Jó 20.19; 24.4; 24.9; 31.16.

Page 31: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

32

alusão muito interessante aos pobres que vivem nessas condições por serem

preguiçosos, a primeira parte do capitulo seis e trechos do capitulo 23 e 28 desse

livro trata justamente disso. A passagem de implicação forte nesse livro é a que se

segue: “Aquele que tapa os seus ouvidos ao clamor do pobre, também clamará, e

não será ouvido.” (PROVÉRBIOS 21.13, TB).

A pobreza, que de acordo com os preceitos deuteronômicos não poderiam

fazer parte da sociedade hebreia, sociedade esta que serviria de modelo, é

enfaticamente denunciada pelos profetas. Isaías revela que Deus começa a julgar os

anciãos e seus lideres por causa total desprezo pelos pobres, ele ainda fala de

homens que fraudavam os desvalidos e legisladores que criavam leis injustas que

reprimiam o direito dos pobres35. Mostra, também, no trecho 5.8 homens que juntam

propriedades e não deixam espaços para os pobres terem suas moradias. Esse

profeta revela, ainda, que o Messias prometido traria um reinado de justiça, uma

leitura nos trechos 11.4, 29.19 evidencia o que afirmamos. Por fim existe a

promessa em Isaías 32.7 de serem agraciados todos aqueles que acolhessem os

desamparados e mais adiante Deus revela claramente sua vontade no capítulo 58

onde lemos:

Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade desfaça as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo? Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante? (VERS. 6,7)

Ezequiel 18 é apresentado uma lista de características de um homem justo,

dentre essas características é citado à ajuda ao pobre. As denuncias feitas pelo

profeta mostra que Israel tornou-se tão perverso quanto à cidade de Sodoma. O

pecado de Sodoma era não cuidarem dos pobres. Em Ezequiel 16.49 encontramos

o seguinte:

Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, não fez Sodoma, tua irmã, ela e suas filhas, como tu fizeste, e também tuas filhas. Eis que esta foi a iniquidade de Sodoma, tua irmã: soberba, fartura de pão e próspera tranquilidade teve ela e suas filhas; mas nunca amparou o pobre e o necessitado. (ARA)

As acusações continuam com o profeta Jeremias, “sangue de pobres e

inocentes” (JEREMIAS 2.34) estavam nas vestes da nação, o desprezo pelas leis

35 Cf. Isaías 3.10,11. 15; 10.1, 2; 32.7.

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33

causavam degradação social, desvio moral, desvio religioso, indiferentismo. O libelo

de Amós se de ao fato de cobrança indevida de tributos aos pobres, que tiravam do

mantimento, “trigo”, para sustentar corruptos que com opulência extorquiam os

pobres. (cf. AMÓS 5.11), o castigo estava próximo de Israel, pois eles

continuamente exploravam o pobre (AMÓS 2.6). Amós continua com a acusação

contra Israel mostrando homens que controlavam dolosamente a distribuição de

alimentos enganando o povo e se aproveitando das condições de pobreza de

alguns, reduzindo a escravidão homens e mulheres, diz o texto:

Quem dera que a Festa da Lua Nova já tivesse terminado para que pudéssemos voltar a vender os cereais! Como seria bom se o sábado já tivesse passado! Aí começaríamos a vender trigo de novo, cobrando preços bem altos, usando pesos e medidas falsos e vendendo trigo que não presta. Os pobres não terão dinheiro para pagar as suas dívidas, nem mesmo os que tomaram dinheiro emprestado para comprar um par de sandálias. Assim eles se venderão a nós e serão nossos escravos! (AMÓS 8.5-6, NTLH)

O capitulo três do livro do profeta Malaquias, usado comumente nos discursos

religiosos, de evangélicos protestantes, hoje a respeito do dizimo, Deus se mostra

mais uma vez julgando o povo de Israel. O motivo? Desvio de conduta moral e

religiosa, opressão e falta de auxilio aos necessitados. O versículo 10 desse capítulo

Deus ordena que os dízimos sejam entregues para que haja mantimento, alimentos,

que eram empregados ao sustento não só de sacerdotes e levitas, mas para os

necessitados como viúvas, órfãos e estrangeiros, pois era o que a lei determinava e

pode ser conferido em Deuteronômio 14.28,29 e 26.12,13.

A seguir daremos um breve detalhamento dos socialmente desfavorecidos no

antigo testamento.

3.2 OS DESFAVORECIDOS DA ANTIGUIDADE SEGUNDO O A.T.

No antigo testamento ou Torá, que significa literalmente instrução e constitui a

base de duas das maiores religiões monoteísta do mundo, Cristianismo e Judaísmo,

Deus mostra a necessidade de haver disposição em ajudar ao necessitado. A

teologia veterotestamentária trata de temas como: exclusão social, pobreza,

desigualdades e as responsabilidades do ser humano como individuo diante desses

temas e como devem agir em suas ações para estarem moralmente corretos.

Page 33: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

34

As leis dos hebreus servem de fonte detalhada de como eram suas

legislações econômicas e sociais, além de formarem a ordens dos cultos religiosos e

suas atribuições especificas para sacerdotes e para o povo em geral. Além das leis,

havia também profetas que lutavam contra a opressão e desvios sérios de condutas

do povo, dos religiosos e dos lideres contemporâneos.

A necessidade de ensinar o povo a respeito da contribuição, da generosidade,

do amor ao próximo fica clara, em alguns casos, onde há uma espécie de

recompensa para os que assim agem (cf. Salmos 41.1; Provérbios 14.21), “essa

questão foi muito enfatizada no judaísmo” 36, e os pobres, necessitados de uma

maneira em geral eram alvo de misericórdia, compaixão e piedade.

Começamos a entender os fundamentos bíblicos para a questão social

humana quando olhamos para o livro do Gênesis, no ato criatório de Deus, quando o

homem e a mulher, ao serem criados, recebem a missão celestial de cuidar da terra,

dos animais, plantas e da família, que foi a primeira estrutura social, que iriam surgir.

O argumento bíblico básico encontrando em Gênesis, é que Deus “criou o homem a

sua imagem e semelhança” (Gênesis 1.26) e como imagem de Deus o homem não

deveria viver de forma indigna, as diferenças sociais em princípio, e assim fica

subentendido, não existiriam se não fosse à queda do ser humano desrespeitando o

direcionamento divino.

Ainda voltado para o livro de Gênesis encontramos um exemplo expressivo

da preocupação de Deus com a situação social do homem, a partir do capítulo trinta

sete, do referido livro bíblico, encontramos a história de um jovem chamado José,

filho de Jacó, que após ser vendido como escravo pelos seus próprios irmãos foi

levado para o Egito. Depois de muitos acontecimentos, José foi parar numa prisão,

onde teve o privilegio de revelar o sentido de um sonho para o faraó, sonho esse

que relatava um período de abundância e fome no Egito. Durante esse período o

Egito sobrevive e os familiares de José, também, não sofrem com a fome que

ocorreu.

O livro de Êxodo revela outra forte prova da preocupação divina com a

situação social. A história narrada sobre êxodo hebreu, os descendentes de José

que haviam ficado em Israel, depois de uma explosão demográfica desse povo,

36 CHAMPLIN, Russel Norman, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia (H-L). São Paulo: Hagnos, 2001, p. 675.

Page 34: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

35

começaram a sofrer com o reinado de um novo faraó, que passou a oprimir e afligir

esse povo. (cf. Êxodo 1.1-3.22). O povo passa viver de maneira sub-humana:

...então, os egípcios, com tirania, faziam servir os filhos de Israel e lhes fizeram amargar a vida com dura servidão, em barro, e em tijolos, e com todo o trabalho no campo; com todo o serviço em que na tirania os serviam. O rei do Egito ordenou às parteiras hebreias, das quais uma se chamava Sifrá, e outra, Puá, dizendo: Quando servirdes de parteira às hebreias, examinai: se for filho, matai-o; mas, se for filha, que viva. (ÊXODO 1.15-18).

Diante dessa problemática, Deus intervém:

Decorridos muitos dias, morreu o rei do Egito; os filhos de Israel gemiam sob a servidão e por causa dela clamaram, e o seu clamor subiu a Deus. Ouvindo Deus o seu gemido, lembrou-se da sua aliança com Abraão, com Isaque e com Jacó. E viu Deus os filhos de Israel e atentou para a sua condição. (ÊXODO 2.23-25, GRIFO NOSSO).

O fato de Deus intervir mostra claramente que a degradação do ser humano e

a falta de dignidade deste são realidades que precisam de mudanças. Mais adiante,

especificamente, nas ordenanças feitas por Deus a Moisés, e que são relatadas por

todo Pentateuco, encontramos o direcionamento de Deus em relação a um estado

social estável. A lei divina no antigo testamento serve como fundamento para a

ordem social.

A seguir daremos um breve resumo de algumas ordenanças, que se referem

às questões sociais citadas no antigo testamento assim como alguns exemplos de

ações e ordenanças divinas e as atitudes humanas, ora positivamente e ora

negativamente, ante essas ordenanças.

3.2.1 TRATAMENTO AO ESTRANGEIRO.

Os estrangeiros (gentio, não israelita) não deveriam ser maltratados, nem

explorados. Jeová devota-lhes amor e os hebreus, também, deviam amá-los e

cuidar desses estrangeiros. (cf. Deuteronômio 10.18,19). O argumento divino para

que os hebreus agissem assim era simples: “Amai, pois, o estrangeiro, porque fostes

estrangeiros na terra do Egito.” (DEUTERONÔMIO 10.19).

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36

Na lei judaica, presente em Deuteronômio 27.19, se algum judeu oprimisse

algum adventício era amaldiçoado pela própria lei divina. A sobrevivência digna para

o estrangeiro era assegurada por lei, se não conseguisse sustentar-se não poderia

estar reduzido a uma condição de marginalidade social (cf. Levítico 25.35), as

colheitas “nos campos, nas vindimas e olivais não poderiam ser de todo colhido

após o varejamento, deviam sobrar alguns frutos daquela colheita afim de que os

estrangeiros pudessem respigar alguma coisa deixada37”, o fato de os lavradores

deixarem algumas respiga dava ao estrangeiro a oportunidade de juntar alimentos

de uma forma digna e não mendigar.

A pesquisa textual focada no Pentateuco leva-nos entender outro fator

importante: a lei torna iguais, perante ela, estrangeiros e nativos. “Como o natural,

será entre vós o estrangeiro que peregrina convosco; amá-lo-eis como a vós

mesmos, pois estrangeiros fostes na terra do Egito. Eu sou o SENHOR, vosso Deus”

38. (cf. Êxodo 14.29; Levítico 24.22; Números 9.15; Números 15.16). A discriminação

racial não poderia ocorrer, haja vista a ordenança de Deus em tratar o estrangeiro

com respeito e amor. O hebreu foi advertido por Deus para não perverter os direitos

dos não hebreus. (cf. Deuteronômio 27.19).

Outro tratamento interessante é que ao realizar algum empréstimo para o

estrangeiro não era permitido a pratica de usura (cf. Levítico 25.35-37), também,

este ao trabalhar deveria receber “seu salario antes do pôr-do-sol” 39.

Jó40, enquanto questionava Deus, mostra claramente como um cidadão

exemplar, também cuidava dos estrangeiros: “nunca deixei um estrangeiro dormir na

rua; os viajantes sempre se hospedaram na minha casa.” (Jó 31.32).

Há alguns exemplos de estrangeiros que tiveram êxito no antigo testamento,

a ex-prostituta de Canaã Raabe (Josué 2) , o soldado hitita Urias (1Samuel 11), Rute

a moça moabita (Rute 1-4), Ornã o jebuseu (1 Crônicas 20), entre outros, deixando

claro que os imigrantes, não formam esquecidos por Deus e nem pela lei.

37 CROSTTI, Nicolleta, Amara ao estrangeiro, Fundação Betânia, Caderno 17, 2010. Disponível em: <http://www.fundacao-betania.org/biblioteca/cadernos/pdf/Caderno_17_Amaras_o_estrangeiro.pdf>. Acesso em 07/02/13. 38 Levítico 19.34 39 Texto de Deuteronômio 24.15 ARA. 40 Personagem do livro veterotestamentário que leva o mesmo nome, onde narra a trágica história de um homem que sofre com o mal, mais por fim tem o seu sofrimento transformado em bem-aventuranças.

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37

Nos Salmos 94.1-10 contidos no antigo testamento os autores em alguns

casos clamam por justiça, destacamos um trecho a seguir:

Ó SENHOR Deus, a quem a vingança pertence, ó Deus, a quem a vingança pertence, mostra-te resplandecente! Exalta-te, tu, que és juiz da terra; dá o pago aos soberbos. Até quando os ímpios, SENHOR, até quando os ímpios saltarão de prazer? Até quando proferirão e dirão coisas duras e se gloriarão todos os que praticam a iniquidade? Reduzem a pedaços o teu povo, SENHOR, e afligem a tua herança. Matam a viúva e o estrangeiro e ao órfão tiram a vida. E dizem: O SENHOR não o verá; nem para isso atentará o Deus de Jacó. Atendei, ó brutais dentre o povo; e vós, loucos, quando sereis sábios? Aquele que fez o ouvido, não ouvirá? E o que formou o olho, não verá? Aquele que argui as nações, não castigará? E o que dá ao homem o conhecimento, não saberá? (ARC, GRIFO NOSSO).

Os livros dos profetas também tratam de questões ligadas aos estrangeiros

ora denunciando os hebreus de não cumprirem a lei divina, extorquindo e colocando

os adventícios numa condição social lastimável, ora dando-lhes esperança

mostrando que o Deus de Israel não se esqueceria dos estrangeiros.

O profeta Isaías, por exemplo, fala que o estrangeiro não seria discriminado

(cf. Isaías 56.3,6). Jeremias fala que uma das condições para se cumprir uma

promessa para os hebreus, estes deviam cuidar dos estrangeiros (cf. Jeremias 7.1-

7), e, ainda em Jeremias, os hebreus são convocados a executar o direito e a

justiça, “... não oprimindo o estrangeiro...” (Jeremias 22.3). O profeta Zacarias e o

profeta Malaquias, também, clamam contra a opressão imposta a estrangeiros (cf.

Zacarias 7.10; Malaquias 3.5).

O entendimento formado a partir do antigo testamento no que tange ao

estrangeiro, no mínimo deve ser o de respeito, direito a uma vida digna, emprego

não exploratório e que não haja discriminação para os adventícios existentes.

3.2.2 VIÚVAS

As viúvas não deviam ser maltratadas, antes deviam ser acolhidas e

protegidas.

Os filhos homens primogênito, em caso de morte do pai, via regra assumiam

a responsabilidade pela família, quando tinha idade para isso. A lei protegia a viúvas

e as permitiam voltar à casa de seus pais. A filha de um sacerdote, em caso de

viuvez, poderia usufruir dos dízimos. (cf. Levítico 22.13). As viúvas que não fossem

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38

filhas de sacerdotes e que não dispunham de meios de sustento ou que sua família

não tivesse recursos financeiros suficientes, como por exemplo, Judite41 que

dispunha de bens deixados pelo esposo Manasses, suficientes para uma

sobrevivência digna (Tobias 1.8). Havia uma lei especifica que dava o direito da

rebusca nos campos, olivais e vinhedos (cf. Deuteronômio 24.19-21) e nas festas

que ocorriam todos os anos podiam participar livremente dos banquetes (cf.

Deuteronômio 16.10-14). A cada três anos podiam compartilhar dos dízimos que

eram contribuídos pela nação (cf. Deuteronômio 14.28,29; 26.12,13).

Havia outra lei que dava o direito à viúva que não tivesse filho. Ela poderia

pedir ao seu cunhado para gerar filho, dando continuidade a linhagem do falecido, lei

que ficou conhecido como “levirato”. Os filhos eram muito importantes na cultura

oriental hebreia, eles ajudavam a família no trabalho, e no caso das viúvas

poderiam, também, ajudar nas colheitas (Deuteronômio 25.5-10), daí a necessidade

de filhos e a aceitação de algumas mulheres gerarem um filho de seu cunhado.

O exemplo contido no livro canônico de Rute mostra uma época conturbada

de problemas sociais agudos, onde uma moça estrangeira casa-se com um hebreu

e vivia com sua sogra Noemi. Após a morte de seu esposo, sua sogra decidiu voltar

a sua terra natal. Noemi então segue junto com a sua sogra à Belém (cidade natal

de sua sogra) onde enfrenta muitas dificuldades, nesse contexto vemos a lei

referente as viúvas sendo cumprida em dois contextos diferente.

O primeiro exemplo bíblico do cumprimento dessa lei no livro de Rute é a lei

da “rebusca42”, onde Rute passa buscar as sobras das colheitas no campo:

Rute, a moabita, disse a Noemi: Deixa-me ir ao campo, e apanharei espigas atrás daquele que mo favorecer. Ela lhe disse: Vai, minha filha! Então, disse Boaz a Rute: Ouve, filha minha, não vás colher em outro campo, nem tampouco passes daqui; porém aqui ficarás com as minhas servas... Então, lhe disse a sogra: Onde colheste hoje? Onde trabalhaste?... Bendito seja aquele que te acolheu favoravelmente! E Rute contou a sua sogra onde havia trabalhado e disse: O nome do senhor, em cujo campo trabalhei, é Boaz (RUTE 2.2,8, 19).

O segundo exemplo é o fato de Rute casar-se com Boaz, cumprindo a lei que

permitia o novo casamento com algum parente do esposo falecido, como citado em

Rute 4.5 a seguir: “Disse, porém, Boaz: No dia em que tomares a terra da mão de

41 Citada no livro deuterocanônico de Tobias 1.8. 42 Ato ou efeito de rebuscar, apanhar frutos que ficaram após a colheita, respigar.

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39

Noemi, também a tomarás da mão de Rute, a moabita, mulher do falecido, para

suscitar o nome do falecido sobre a sua herdade”.

No livro sapiencial Jó do antigo testamento existe exemplos de como as viúva

deveriam ser tratadas por todo bom cidadão hebreu que seguiam as leis. (cf. Jó

22.9; 24.3,21; 27.15; 29.13; 31.16,18)

Já nos salmos Deus é chamado de “... juiz das viúvas...” 43, e amparador,

ajudador, defensor, patrocinador das viúvas (cf. Salmos 146.9). O clamor pela justiça

também faz ressoar a opressão que as viúvas sofriam com as desigualdades e

exclusões sociais que existiam (cf. Salmos 94.1-10). No livro dos Provérbios Deus é

aquele que mantém a “herança das viúvas” 44.

Os “grandes e pequenos” 45 profetas por várias vezes relembram o povo do

cuidado que os líderes religiosos e seculares de seu tempo deveriam assumir com

as viúvas. O profeta Isaías convoca a todos para que “as causas das viúvas” 46

fossem defendidas, a opressão é denunciada quando legisladores criam leis que

negam a justiça às viúvas (cf. Isaías 10.1-2).

Deus, no livro de Jeremias promete tornar prospera a nação de Israel com

algumas condições, dentre elas, “não oprimir as viúvas” (cf. Jeremias 7.1-7; 22.3).

Ainda, no mesmo livro, Deus desafia as viúvas a confiarem nele (cf. Jeremias 49.11).

Já o profeta Ezequiel afirma que a causa de alguns males sociais, dos quais

os direitos das viúvas são negligenciados, se deve ao fato de falsos profetas que se

aproveitam da fé para extorquir o povo e de lideres religiosos que infringem a lei

para beneficio próprio, e de príncipes que lucram desonestamente (cf. Ezequiel 22.1-

29). Os profetas Zacarias e Malaquias, denunciam a opressão imposta às viúvas (cf.

Zacarias 7.10; Malaquias 3.5).

Fica claramente evidenciado que as viúvas são de fato lembradas e

amparadas pelas leis, pelos profetas e pelo próprio Deus no antigo testamento.

3.2.3 ÓRFÃOS

43 Salmos 68.5. 44 Provérbios 15.25. 45 Denominação dada aos grandes e pequenos livros escritos pelos profetas veterotestamentário. 46 Isaías 1.17,23.

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40

A legislação veterotestamentária dava direcionamento quanto ao auxilio aos

órfãos.

Não sofrer qualquer espécie de tortura, fosse ela física ou moral era o direito

básico do órfão segundo a Torah, o texto de Êxodo 22.22 mostra que o órfão não

deveria ser “afligido” 47, era exigido de o cidadão hebreu dar alimento e roupa, e isso

era uma maneira de “fazer justiça” 48.

Do dizimo arrecado pela nação, os órfãos, junto às viúvas, estrangeiros e

levitas, a cada três anos poderiam participar e eles poderiam participar das festas de

Israel sem constrangimentos.

A lei da sega encontrada no livro de Levítico (19.9-10; 23.22) e Deuteronômio

(23.24-25; 24.19-22) davam amparo aos que viviam nessas condições.

E o mais importante, Deus deu a ordem, ninguém poderia perverter,

transgredir ou omitir o direito dos órfãos sob a pena de maldição divina (cf.

Deuteronômio 24.17; 27.19).

Nos Salmos Deus é chamado de auxilio e protetor dos órfãos (cf. Salmos

10.14; 68.5; 146.9). Ainda nos Salmos o povo é conclamado a “fazer justiça”

ajudando aos órfãos (cf. Salmos 10.18; 82.3). No livro sapiencial dos Provérbios,

onde é exaltada a sabedoria, pede-se respeito à herança dos órfãos (Provérbios

23.10).

Os profetas do antigo testamento, por varias vezes, denunciam abusos e

exclusões que eles sofriam e em alguns casos o povo hebreu ouvia as denuncias e

profecias ligadas a esse trato social, Isaías, por exemplo, afirma que Deus já não se

agradava das ofertas, sacrifícios realizados pelos religiosos hebreus e asseverava

que eles precisavam aprender a “fazer o que é bom, tratar os outros com justiça;

socorrer os que são explorados, defender os direitos dos órfãos e proteger as

viúvas.” (Isaías 1.17 NTLH, grifo nosso).

A denúncia do profeta Isaías continua contra os líderes de sua época, que por

ganância esqueciam-se dos carentes (cf. Isaías 1.23; 10.2). Os profetas Jeremias e

Ezequiel também fazem a mesma denuncia (cf. Jeremias 5.28; Ezequiel 22.6-7) e

mostra que algumas promessas feitas pelo grande Deus de Israel estavam

47 O vocábulo hebraico para “afligir” (hne ‘anah), de acordo com STRONG tem o sentido de:

oprimido, humilhado, rebaixado, maltratado. (DICIONÁRIO BIBLÍCO STRONG, Barueri, SP, Sociedade Bíblica do Brasil, 2002, p.198). 48 Deuteronômio 10.18.

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41

condicionadas ao tratamento que os hebreus iriam dar aos órfãos (cf. Jeremias 7.6;

22.3). Já Oséias lembra que a misericórdia ao órfão vem de Deus (Oséias 14.3).

Em uma época de crises, de formação e de desenvolvimento de uma nação,

vemos o cuidado de Deus para com os órfãos.

3.2.4 ESCRAVOS

A questão da escravatura no antigo testamento e as implicações da

permissão divina para essa condição social tem sido alvo de duras críticas a esse

respeito. Não podemos negar que o homem, na estratificação social, criou classes,

castas e estamentos, que subjugou outros semelhantes a ele49, e dentro dessa regra

alguns dentre o povo hebreu historicamente, também, participaram dessa imposição

social, não por seguir fielmente a ordem divina, mas num desvio de conduta da

ordem social imposta por Jeová.

Não é intenção nesse trecho formar uma opinião apologética sobre o fato,

mas mostrar o ensino veterotestamentário concernente ao que se refere como

escravatura permitida por Deus, e as diretrizes de como deveriam ser tratados todos

os escravos do povo hebreu. À medida que desenvolvemos o trecho ficará clara a

diferença entre o escravo para hebreu, consonante com ensinos de Jeová, e para as

demais nações.

O vocábulo hebraico para escravo (dbe “ebed”) tem o sentido de servo,

servidor, súditos e até adoradores. Verificando esse vocábulo percebemos que para

o hebreu a palavra “escravo” não soava da mesma maneira que para um grego

(“douleuw”, douleuo - ser escravo, privado de liberdade, ou “doulov”, doulos -

homem numa condição servil) ou para um romano (slavus, sclavus do latim

medieval, que significa literalmente cativo, privado de liberdade).50 No nosso

vernáculo a palavra em questão, que foi herdada do latim, leva-nos a entender

diferentemente do que a cultura judaica, inicialmente, entendia por escravo.

O escravo era proibido de sofrer maus-tratos (cf. Êxodo 21.26,27), Deus

lembra o povo de hebreu dizendo: “Lembrar-te-ás de que foste escravo no Egito e

de que o SENHOR te livrou dali; pelo que te ordeno que faças isso”.

49 VILA NOVA, Sebastião, Introdução à sociologia, 5 ed. rev e aum. : São Paulo; Atlas 2000, p. 91. 50 HOUAISS, Antônio, Dicionário Eletrônico Houaiss, Instituto Antônio Houaiss, 2009. Produzido e distribuído pela Editora Objetiva Ltda. Seção Dicionário Língua Portuguesa.

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42

Se algum hebreu matasse um escravo seria punido (cf. Êxodo 21.20), e se

maltratasse perderia o direito de tê-lo como servo (cf. Êxodo 21.26,27), se um

animal, de algum senhor, o ferisse, esse animal deveria ser apedrejado (cf. Êxodo

21.32). O escravo recebia pagamento, com o qual poderia comprar seus alimentos e

até sua liberdade (em caso de escravos por roubos, furtos ou dividas), mas se,

enquanto escravo, este, tivesse filhos, essas crianças seriam sustentadas pelos

seus senhores (Levítico 22.11).

Se o escravo fugisse, não poderia ser devolvido para seus senhores, antes

deveria ser acolhido e não oprimido (cf. Deuteronômio 23.15-16), fica subentendido

que o escravo só fugia quando sofria algum tipo de maltrato.

Havia duas datas comemorativas em Israel onde o escravo poderia escolher

continuar com seu senhor ou viver livre, era o ano sabático e festa do jubileu. A

decisão caberia ao escravo (cf. Êxodo 21.1-5).

Para que pudesse de fato ser um escravo, este deveria se submeter a uma

exigência ante a lei, deveria ser circuncidado, tornando-se assim um professo da fé

hebreia (cf. Gênesis 17.1-27; Êxodo 12.44), e se não aceitasse tal imposição seria

devolvido a sua nação de origem.

Somente em alguns casos um ser humano escravo era forçado a trabalhar,

era o caso de um ladrão que era submetido à servidão, por não conseguir restituir

seu roubo (Êxodo 22.3), mas mesmo nessa condição receberia seu pagamento.

Se algum hebreu raptasse alguém, ou o vendesse, ou fosse achado em suas

mãos deveria ser morto (Êxodo 21.16), aqui fica clara a diferença entre escravo para

o antigo testamento e os escravos em outras nações51.

A submissão de homens e mulheres que se tornavam escravos era devido à

condição social ou por dividas, que também os levavam a uma condição social ruim,

ressaltamos, porém, que a ordem divina não foi para fazer escravos e sim acolher

servos.

3.2.5 OS EMPRÉSTIMOS

51 http://www.monergismo.com/textos/etica_crista/biblia-defende-escravidao_GaryMar.pdf. Acesso em 23/08/2012.

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43

Grosso modo e resumindo podemos afirmar que empréstimos fazem parte da

sociedade como costumes muito antigos e que é difícil datar com precisão o inicio

desse costume.

Analisando os cinco primeiros livros da bíblia pode-se aprender muito sobre a

economia de um povo em desenvolvimento. Na civilização hebreia que estava se

formando, “os empréstimos eram essenciais para permitir que as pessoas saíssem

da pobreza” 52, além de ser parte da responsabilidade social daquele povo. Os

empréstimos serviam para que alguns hebreus investissem em um pequeno

negócio, por mais atual que isso pareça, para suprirem suas necessidades e se

tornarem autossustentáveis.

No vernáculo hebraico existem cinco palavras para indicar o termo

empréstimo, nashah (“hvn”) que significa emprestar, ser credor, lavah (“hwl”) tomar

emprestado, nathan (“Ntn”) dar, abat (“jbe”), tomar como penhor ou dar como

penhor e sha‟al ou sha‟el (“lav”) pedir emprestado.

A prática dos empréstimos era regulamentada pela lei mosaica e visava à

ajuda aos pobres, vejamos o que um trecho bíblico diz:

Porque o SENHOR, teu Deus, te abençoará, como te tem dito; assim, emprestarás a muitas nações, mas não tomarás empréstimos; e dominarás sobre muitas nações, mas elas não dominarão sobre ti. Quando entre ti houver algum pobre de teus irmãos, em alguma das tuas portas, na tua terra que o SENHOR, teu Deus, te dá, não endurecerás o teu coração, nem fecharás a tua mão a teu irmão que for pobre; antes, lhe abrirás de todo a tua mão e livremente lhe emprestarás o que lhe falta, quanto baste para a sua necessidade. Guarda-te que não haja palavra de Belial no teu coração, dizendo: Vai-se aproximando o sétimo ano, o ano da remissão, e que o teu olho seja maligno para com teu irmão pobre, e não lhe dês nada; e que ele clame contra ti ao SENHOR, e que haja em ti pecado. Livremente lhe darás, e que o teu coração não seja maligno, quando lhe deres; pois por esta causa te abençoará o SENHOR, teu Deus, em toda a tua obra e em tudo no que puseres a tua mão. Pois nunca cessará o pobre do meio da terra; pelo que te ordeno, dizendo: Livremente abrirás a tua mão para o teu irmão, para o teu necessitado e para o teu pobre na tua terra (DEUTERONÔMIO 15.6-

11) 53.

No caso de empréstimos a lei proibia a prática de usura (cobrança de juros)

com os seus compatriotas e só era aceitável a cobrança de juros quando os

empréstimos eram feito a não hebreus (cf. Deuteronômio 15.6; 23.19-20).

52 COPE, Landa. The Old Testament Template - Rediscovering God's Principles for Discipling, ed. 2, The Template Instituto Press, Burtigny, Suíça.May 2008, p. 39. 53 Bíblia Sagrada versão Almeida Revista e Corrigida.

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44

O Pentateuco mostra um ciclo onde as dividas eram perdoadas. A cada sete

anos o devedor tinha suas dividas anuladas por seus credores. Mas não se pode

pensar que os hebreus se aproveitavam dessa lei, enganando seus credores, haja

vista que aqueles que não devolvessem os empréstimos tomados eram

considerados ímpios (cf. Salmo 37.21), e os que ultrapassam esse ciclo não

conseguindo sanar suas dividas, assim agiam por pura falta de condições (cf.

Deuteronômio 24.10-17; 15.1-6).

Encontramos nos Salmos declarações de retribuições aos que tinham como

prática o ato de emprestar como ajuda aos pobres, dando condições a estes de

minimizarem sua condição social e saírem da pobreza, veja exemplo a seguir: “O

que não empresta o seu dinheiro com usura, nem aceita suborno contra o inocente.

Quem deste modo procede não será jamais abalado.” (Salmos 15.5) e “ditoso o

homem que se compadece e empresta; ele defenderá a sua causa em juízo”.

(Salmos 112.5). Ainda nos livros conhecidos como sapienciais encontramos o apoio

dessas praticas visando o bem social (cf. Salmos 37.26; Provérbios 19.17).

O estudo bíblico cuidadoso do tema aqui esboçado leva-nos a compreender

que a prática do empréstimo de bens poderia ajudar os pobres, dando-lhes

condições de criarem um meio de renda que os ajudassem. Mas, como comentado

em alguns tópicos anteriores, e historicamente falando, existiram hebreus que

praticavam justamente o contrario do sistema de leis imposto por Deus no antigo

testamento o que acabava criando problemas sociais sérios, e em relação aos

empréstimos não foi diferente.

3.3 A POBREZA E A BÍBLIA - NOVO TESTAMENTO

O novo testamento não difere do antigo testamento em vários aspectos.

Algumas leis e vários costumes foram, no novo testamento, abolidos, mas a

responsabilidade social ante a pobreza e os efeitos colaterais causados por ela são

lembrados a todo instante. Quando permeamos os evangelhos, o livro histórico

neotestamentário, as cartas paulinas, as cartas universais e o livro da revelação

(APOCALIPSE) fica evidente o que afirmamos acima.

Olhando para a língua em que foi escrito o novo testamento (grego)

encontramos os seguintes termos para pobre e pobreza: penichros (penicrov)

significando pobre e necessitado, ptochos (ptwcov) que traz o sentido de aquele que

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45

foi reduzido à pobreza, mendicância, pedinte, desamparado, indigente, destituído de

cultura intelectual que as escolas propiciam, penes (penhv) somente pobre e

husterematos (husterematov) que significa pobreza, falta ou deficiência daquilo que

se precisa, necessidade. Todos esses termos são aplicados de maneira objetiva no

novo testamento, mostrando que a pobreza jamais é esquecida por Deus.

A pregação do evangelho não veio somente para os socialmente

privilegiados, o evangelho não era uma ferramenta de libertação politica da

escravidão vivida pelos judeus como consequência da opressão romana que

dominava o mundo de então, mas, Jesus, no evangelho de Lucas 7.18-22, mostrara

que sua missão e uma das provas que ele de fato era o Messias prometido se devia

ao fato de que o evangelho estava sendo pregado aos pobres. Os socialmente

desfavorecidos não são esquecidos nas páginas do novo testamento, por isso a

igreja ou aqueles que se chamam cristãos não podem esquecê-los, e é justamente

este o proposito de nossa fundamentação teórica desse item formado a partir do

novo testamento.

O novo testamento trata da pessoa central e mais importante para o

cristianismo, Jesus Cristo. Os seus ensinos e os efeitos desses ensinos que foram

registrados servem de modelo para a igreja cristã do século XXI. O próprio Jesus em

suas palavras registradas no evangelho de João (20.21) se coloca como modelo a

ser seguido, os apóstolos imita a Cristo e incentivam os cristãos a fazê-lo também:

“Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo.” (1CORINTIOS 11.1). A

incontestável verdade é que sem a pessoa de Cristo e de seus ensinos não há

cristianismo.

Jesus era pobre. Os evangelhos registram o nascimento de Jesus em uma

família socialmente pobre. Maria e José não têm títulos e nem influência. A

afirmativa de que eles eram pobres esta registrada em Lucas 2.23-24 (você pode

comparar com Levítico 12.8), onde durante a consagração de Jesus eles levam um

casal de pombos, mostrando a falta de condições de oferecer um sacrifício de um

animal maior, um cordeiro por exemplo. Jesus nasceu numa manjedoura, não num

palácio, como acreditavam alguns em sua época.

A cidade natal de Jesus, Belém, talvez nunca tivesse a notoriedade que tem

hoje se ele não tivesse nascido lá. A infância e adolescência de Cristo foram vividas

em outra cidade subdesenvolvida, a cidade de Nazaré, mais tarde um homem

chamado Natanael duvida de Jesus quando toma conhecimento de sua cidade: “De

Page 45: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

46

Nazaré pode sair alguma coisa boa?” (JOÃO 1.46). A entrada de Jesus em

jumentinho narrada no evangelho de Mateus 21.1-16, mostra o estilo que ele trazia

consigo. Carlos Queiroz (1998) diz que Cristo era um tipo de rei que afrontava os

modelos estratificados da sociedade. A profissão de seu pai, carpinteiro, revela outra

parte da realidade social vivida por Jesus. Durante seu ministério dependeu de um

grupo de mulheres que o sustentava e não possuía um lar (Lucas 8.2 e 9.58).

Os judeus de seu tempo atribuía a pobreza a uma espécie de maldição divina

e a riqueza como evidência da benção do divino. O estilo de vida de Cristo contradiz

esse paradigma judeu, afinal Cristo vive sem pecados e mesmo assim assume uma

condição de pobreza. Porém, a pobreza não deve ser encarada, biblicamente, como

uma virtude, mas, como um mal a ser eliminado e com o qual Deus mostra profunda

preocupação.

A missão de Cristo é afirmada por ele quando, citando Isaías 61.1-2, diz:

O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor.

Note que o texto diz claramente que uma das prerrogativas ministeriais de

Cristo era a anunciação do evangelho aos pobres. Isso também foi confirmado

quando Cristo afirma a João Batista, em Lucas 7.22, que “aos pobres é anunciado o

evangelho”. Os discípulos escolhidos por Jesus eram pobres. O estilo de vida de

Jesus e a escolha de seus discípulos coadunam com o ensino registrado em Tiago

2.5: “Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que para o mundo são

pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o

amam?”.

Ele conviveu com pecadores e publicanos, acolheu os pobres, libertou

mulheres que se prostituiam, curou aqueles que viviam as margens da sociedade,

ensinou a estrangeiros discriminados pelo seu povo, como o caso da mulher

samaritana (JOÃO 4.1-30). Até em sua morte podemos ver seu estilo de vida, ele

não tinha um tumulo para ser sepultado, e só o teve pela generosidade de um

homem rico chamado José de Arimatéia. Isso nos remete ao que o apóstolo Paulo

escreveu em 2 CORÍNTIOS 8.9: “pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus

Page 46: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

47

Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza,

vos tornásseis ricos”.

Houve dois homens ricos que foram ao encontro de Jesus, o primeiro um

jovem riquíssimo que ouviu que deveria vender tudo o que tinha e dar aos pobres e

depois seguir a Cristo (LUCAS 18.22,23), mas não conseguiu faze-lo. No celebre

sermão do monte Jesus fala que não se pode servir a Deus e as riquezas (MATEUS

6.24), nesse sentido as riquezas para o cristão, de acordo com ensino de Cristo,

deve estar a favor dos homens e nunca contra os homens, ela deve ajudar e não

separar, o desprendimento em relação à riqueza e aos bens materiais é necessário

para que haja justiça, e essa justiça deve ser praticada por aqueles que querem

seguir a Cristo.

Em outros textos, Jesus da à mesma ênfase que foi dada ao jovem rico,

Lucas 12.33 e 14.33 indicam que a riqueza não pode ser um empecilho, um óbice,

para aqueles que querem se tornar discípulos de Cristo. Outro pensamento extraído

destes textos é que as riquezas não devem servir de bens para desfrute de

pequenas massas egoístas, mas devem servir de bem comum à humanidade,

suprindo a necessidade de todos igualmente.

A visão de posses de acordo com o pensamento de Cristo difere dos padrões

vividos por muitos cristãos de hoje. O segundo homem foi Zaqueu, que trabalhava

na cobrança de impostos, após encontrar-se com Jesus decide doar metade de seus

bens aos pobres. A atitude de Zaqueu leva a declaração de Cristo “hoje veio

salvação a esta casa”, ao que o texto denota o sinal de conversão foi o

desprendimento em doar, em ajudar.

No evangelho de Mateus 25. 35-45 Jesus afirma que um dos critérios usados

por Deus no julgamento, se dará com base nas atitudes do homem em relação ao

socialmente desfavorecidos. A atitude correta, de acordo com esse trecho, é saciar a

sede dos sedentos, saciar a fome dos famintos, vestir os que estão nus, dar abrigo

aos estrangeiros, prestar auxilio aos enfermos e encarcerados. Em suma Jesus

Cristo se fez pobre, pregou aos pobres, se doou aos pobres e ensinou a atitude

correta que devemos ter diante dos pobres.

Os pobres foram alvo das mensagens de Cristo veja o que evangelista Lucas

registrou: “então, olhando ele para os seus discípulos, disse-lhes: Bem-aventurados

vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus” (LUCAS 6.20). Não podemos negar

o cuidado de Cristo para com o pobre, mas e a igreja? Será que em seus primórdios

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48

houve a mesma compaixão, a mesma visão? Os continuadores da propagação do

evangelho levaram a mesma mensagem de amor ao próximo e cuidado aos

desfavorecidos? Indubitavelmente, podemos afirmar que a igreja primitiva54 e os

discípulos de Cristo continuaram o legado de amor, respeito e ajuda aos pobres.

Continuamos nossa pesquisa através dos livros neotestamentários. O livro

histórico do novo testamento, Atos dos apóstolos ou simplesmente Atos, trata da

formação da igreja e da continuidade da pregação da mensagem de Cristo pelos

seus discípulos. Em meio a perseguições e acontecimentos surpreendentes a igreja

cristã começa a ser formada. O inicio da igreja é marcado por um profundo zelo pela

pureza da mensagem cristã, pela tarefa árdua de anunciação dessa mensagem e

pela prática incansável e indelével da igreja para aplicar a mensagem de Cristo

integralmente.

Os textos de Atos 2.42-45 e 4.32-35 mostra o modo de como os primeiros

cristãos viviam. A visão do bem comum, onde todos os bens pertenciam a todos, era

aplicada, os primeiros cristãos não visavam individualmente suas propriedades, mas

os bens pertenciam à generalidade, é o que o adjetivo grego para comum moinhos

(koinov), que aparece no verso 44, exprime. O trecho de 4.32-35 revela um tipo de

sentimento que havia entre os neófitos e os cristãos de fé arraigada, havia

unanimidade, os bens deveriam servir a todos, eles dividiam uns com os outros tudo

que eles tinham, e o resultado desse tipo de sociedade é expresso no verso 34 e 35,

onde fica visível a eliminação da pobreza:

Não havia entre eles nenhum necessitado, pois todos os que tinham terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro e o entregavam aos apóstolos. E cada pessoa recebia uma parte, de acordo com a sua necessidade (NTLH).

Ressaltamos que essa comunidade cristã não agia dessa forma por obrigação

ou exigências impostos pelos apóstolos, como aconteceu com os essênios que

repartiam seus bens por uma imposição legalista, mas simplesmente pela

mensagem cristã que havia sido assimilada pelos novos conversos, o ensino de

amor ao próximo finalmente é expresso na sua totalidade, afinal o desprendimento

em favor do necessitado acontece, e qual maior prova de amor ao próximo se não a

54 Igreja Primitiva – Alusão a formação histórica da igreja cristã, ocorrida no período de 30 d.C até a permissão da religião cristã pelo imperador romano Constantino e oficialização pelo imperador Teodósio no terceiro século.

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coragem de dividir e se doar a seu favor. Contudo a liberdade de escolha individual

foi preservada como exposta em Atos 5.4. A vida na igreja primitiva valoriza o ser

humano. Os bens, a propriedade privada, o desejo de acumulo de bens são

trocados por uma vivencia real e concreta de uma comunhão ímpar. O mero ideal

teórico de uma sociedade justa é experimentado, pelo menos por algum tempo, de

forma real. Esse não era um novo modelo de sociedade como assevera Boor

(2003):

Os terrenos e as casas continuavam sendo propriedade inviolada de cada um. Mas ninguém se arvorava em seu direito de propriedade e defendia seu patrimônio. Aqui não se ensaiava um novo modelo social, nem se definia um novo conceito de propriedade. Aqui a posição interior era completamente nova. Essa atitude repercutia em todos, tanto naqueles que, como Maria, a mãe de João Marcos (At 12.12), conservou sua grande casa, a fim de torná-la útil de outro modo para os irmãos, e também naqueles que, como Barnabé, de fato venderam seu terreno. “Tudo lhes era comum”, ou como também poderíamos traduzir: Consideravam tudo como propriedade comum

55.

A preocupação era evidente na igreja, era o amor ao próximo e o cuidado

com os necessitados era uma faceta normal do discipulado cristão. Mas a jovem

igreja começa a enfrentar problemas de cunho social, Atos 6.1-7 narra o começo de

um favoritismo na distribuição de donativos que ocorria diariamente no seio da

igreja. Os helenistas56 estavam sendo esquecidos e os hebreus favorecidos. A

narrativa mostra que os apóstolos convocaram uma reunião com um fim específico,

a resolução deveria ser pronta e não poderia continuar com favoritismo e que os

necessitados pudessem ser atendidos em suas necessidades igualmente. O mal

estar foi resolvido, eles elegeram sete homens que ficaram responsáveis de

administrar o fundo dos bens, garantir equidade na distribuição de alimentos para os

empobrecidos. Esses homens ficaram conhecidos como diáconos, pessoas que, em

virtude do ofício designado a eles pela igreja, cuidavam dos pobres e tinham o dever

de distribuir o dinheiro coletado para uso destes.

Fica patente que mesmo em meio a problemas surgidos na igreja primitiva, os

pobres não deveriam ficar em esquecimento. A função diaconal empregada em

alguns núcleos religiosos no seio protestante, em nada se assemelha com o papel

55 Boor, Werner de, Atos dos Apóstolos, Curitiba, Editora Evangélica Esperança, 2003, p.49. 56 Os helenistas eram judeus advindos de países ocidentais, os quais haviam adquirido um pouco da cultura grega e falavam grego.

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50

desempenhado pelos primeiros diáconos. A diaconia serve, biblicamente, como um

órgão estruturado e ativo na ajuda aos pobres, dentro da igreja. Cabe ao diácono

identificar, apontar, levantar fundos e ajudar os necessitados, fazendo isso estará

“servindo a mesa” como foi instruído pelos apóstolos de Cristo. Destacamos o verso

3 do capitulo 6, os discípulos atribuem a essa função um papel importantíssimo, e o

chamam de “... sobre este importante negócio” (ARC).

Há um exemplo impressionante do livro Atos 9.36 onde é lembrada uma

mulher cristã chamada Tabita, a bíblia expõe que essa mulher “... usava todo o seu

tempo fazendo o bem e ajudando os pobres...”, ao que o texto traz, recebia uma

grande admiração por parte das viúvas. Já o capitulo 10 fala de um homem piedoso

chamado Cornélio, oficial do exercito romano, que continuamente ajudava aos

socialmente desfavorecidos, se antecipava e se apressava em ajudar. E mais a

frente, no capítulo 11, um profeta chamado Ágabo previu uma grande fome, diante

disso a igreja de Antioquia, ao invés de pensarem em si, se uniu para enviar socorro

aos irmãos que moravam na Judeia.

O livro de Atos traz mais um princípio muito interessante, o de “dar é melhor

que receber” (ATOS 20.35), o apóstolo Paulo registra nesse trecho que Cristo havia

dito e diante disso se fazia necessário socorrer os necessitados. O verbo grego

utilizado nesse trecho (didwmi) tem o sentido de suprir, dar algo de livre e

espontânea vontade, ser profuso, ter prodigalidade ou simplesmente doar-se. A

entrega sem espera de retorno contradiz os ditames das relações humanas. O

auxilio aos necessitados é uma exigência divina e deve ser feito com esforço.

A igreja primitiva rompe as barreiras do nacionalismo, por mais que seus

inauguradores fossem judeus, a igreja estaria aberta a todos. Não poderia haver

favoritismo, os pobres não poderiam ser esquecidos, a mensagem cristã deveria ser

preservada e as dificuldades existentes eram vencidas pela comunhão vivida por

seus membros.

O pensamento dos apóstolos descrito nas cartas ou epístolas também

expressa o cuidado com os necessitados. O apóstolo Paulo, autor da maior parte

das paginas neotestamentárias, por exemplo, revela um profundo amor e cuidado

pelo próximo. Uma parte da teologia paulina que esta expressada em 1Coríntios

1.26, 27, 28 fala de como os padrões divino difere dos padrões humanos, a escolha

divina começa com os desprezados, humildes, fracos. Para Paulo a pobreza não

pode separar o homem do amor de Deus (ROMANOS 8.35 NTLH), o serviço que

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51

Deus exige do cristão inclui repartir e compartilhar as necessidades daqueles que

estão padecendo (ROMANOS 12.13).

O próprio apóstolo Paulo levou uma oferta doada por igrejas de algumas

cidades, para os cristãos pobres que viviam em Jerusalém (cf. ROMANOS 15.25;

1CORÍNTIOS 16.1; 2CORÍNTIOS 8.1). No capitulo oito de 2coríntios Paulo se detém

no ensino onde os cristãos devem prestar assistência aos pobres. Segundo ele deve

haver boa vontade em ajudar (2 CORÍNTIOS 8.1-5) e que essa ajuda redunda em

“muitas graças a Deus” (VERS. 12). A liberalidade cristã é enfatizada nesse capitulo,

a doação, que seria coletada, também serviria aos necessitados. Na carta escrita

aos Gálatas, Paulo lembra que no inicio de seu ministério entre os gentios, num

encontro com os apóstolos Tiago, Cefas e João, ouviu deles uma recomendação

importante: “que nos lembrássemos dos pobres, o que também procurei fazer com

diligência” (GÁLATAS 2.10).

Paulo, em Gálatas 3.28, lembra aos gálatas que em Cristo Jesus não existe

discriminação social, pois todos são um. Paulo não nega a pluralidade humana

advinda da criação, mas critica as condições sociais discriminatórias que surgiram.

Os judeus determinavam suas ações apoiados em raça, gênero e condição social, já

a relação estabelecida pelos cristãos pautada pelo amor não cria barreiras culturais

ou socioeconômicas.

De acordo com o trecho de Gálatas 6.10, a ajuda aos desfavorecidos não

deve se concentrar somente aos partícipes da comunidade cristã, mas deve ir além

do convívio religioso. Isso coaduna com o pensamento expresso por Paulo em

Romanos 12.20, onde é dito: “Mas façam como dizem as Escrituras: Se o seu

inimigo estiver com fome, dê comida a ele; se estiver com sede, dê água”.

Na epístola escrita aos efésios (4.28), Paulo exorta aos cristãos viverem de

maneira diferente, comparando a vida pré-cristã. O estilo de vida, passado e

renovado pela fé, deve ser trocado por trabalho justo para que se tenha com o que

ajudar ao necessitado. No seu comentário do texto em questão Eberhard Hahn diz:

Uma vez que a igreja cristã é corpo de Cristo, no qual o dar e o receber recíprocos vigoram por princípio, a “igualação” representa uma função central da vida comunitária: ela inclui participar da alegria ou tristeza (1CO 12.26), mas também compensar a carência de uns com a abundância de outros! Nessa busca de igualdade o olhar dirige-se inicialmente ao irmão, mas, além disso, leva em o

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necessitado em geral: “Façamos o bem a todos, mas principalmente aos companheiros na fé” (Gl 6.10; cf. TT 3.14; 1JO 3.17) 57.

O apóstolo Tiago ensina que o independentemente da condição social vivida

pelo cristão, rico ou pobre, todos tem o dever em demonstrar gratidão a Deus. Os

pobres têm motivos para se gloriar na sua dignidade, o rico, por outro lado, gloria-se

na sua insignificância, lembrando que tudo é efêmero. Segundo Grünzweig o trecho

de Tiago 1.9-10 deve ser interpretado da seguinte forma:

Isso coloca no mesmo nível os membros da igreja socialmente diferentes e os posiciona muito perto uns dos outros. A pobreza não humilha e a riqueza não exalta. Quando a questão da riqueza não parece mais tão terrivelmente importante, estão asseguradas também as premissas para a harmonização social 58.

No pensamento de Tiago o culto cristão a Deus deve ser mais profundo que o

simples rito e cerimônia. No texto de 1.27 fica claro que a pura e verdadeira religião

consiste em ajudar aos órfãos e viúvas nas suas aflições e não se contaminar com

as coisas desse mundo. O cristão não deve se afastar do mundo, porém, tem o

dever de se manter puro diante do mundo. Para o apóstolo Tiago isso é realmente

possível, quando a mensagem cristã é colocada em pratica (TIAGO 1.22) e essa

pratica leva ao cumprimento da verdadeira religião.

O trecho de 2.1-17, Tiago ensina a não fazer distinção entre pobres e ricos,

dando honra aos ricos e desprezo aos pobres devido a sua condição social e sua

aparência. E lembra que os pobres foram escolhidos por Deus para serem ricos na

fé, esse pensamento lembra a teologia paulina expressa em 1Coríntios 1.26-28 e o

fato de Cristo anunciar o evangelho aos pobres descrito em Lucas 4.18. Ele lembra

que o cristão deve amar os outros como a si mesmo, mais uma vez a lei régia é

lembrada. Tiago continua exortando à prática da fé, usa como exemplo pessoas

carentes, que precisam de roupa e alimento, que podem e devem ser alvo da prática

cristã da fé através da ação. A fé cristã não pode ser indiferente à condição do

semelhante, antes expressa o amor divino em todas as dimensões.

57 HAHN, Eberhard, Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses: Comentário Esperança. Curitiba, PR: Editora Evangélica Esperança, 2006, p.59. 58 GRÜNZWEIG, Fritz, Cartas de Tiago, Pedro, João e Judas. Curitiba, PR: Editora Evangélica Esperança, 2008, p.76.

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53

Para Tiago a riqueza de muitos está associada à opressão e exploração de

trabalhadores (cf. 5.3-4) e muitos inocentes foram condenados ou mortos pelo

desejo desenfreado e ganância de alguns e devido a isso, estes serão condenados

por Deus.

O apóstolo do amor, João, em sua primeira carta transparece que a vida real

e essencial consiste no amor. Ele afirma que “Deus é amor” (1JOÃO 4.8), que os

cristãos são aperfeiçoados no amor (1JOÃO 2.5), que a prova de amor de Deus

para o cristão é o fato de este ser chamado de filho de Deus (1JOÃO 3.1) e que

Cristo deu sua vida pelo gênero humano (1JOÃO 3.16; 4.9,10). Ele continua

ensinando que devemos amar uns aos outros (1JOÃO 4.7), que aqueles que não

amam não podem conhecer a Deus (1JOÃO 4.8). A palavra amor e suas variações

permeiam toda sua carta, aparece cerca de vinte seis vezes. No pensamento

joanino a falta de amor implica no triste fato do ser humano estar morto (1JOÃO

3.15), e a prática de toda lei se resume no amor.

João denota o amor que vincula a comunhão entre o ser humano e Deus e a

relação entre o ser humano e seus semelhantes. Ele indaga sobre a prática desse

amor, e desafia para que o cristão expresse não somente de “palavras, mas de fato

e verdade” (1JOÃO 3.18).

Ele indaga ainda: “Se alguém é rico e vê o seu irmão passando necessidade,

mas fecha o seu coração para essa pessoa, como pode afirmar que, de fato, ama a

Deus?” (1JOÃO 3.17). O fato de alguém padecer necessidade e ser suprido por

aquele que vive abastado parece óbvio nessa declaração. A necessidade material

do próximo deve ser suprida pela disposição auxiliadora advinda do amor de Deus

nos corações daqueles que são discípulos de Cristo.

Terminando o novo testamento, precisamente no Apocalipse, encontramos

diversas promessas que mostram o desejo divino para o ser humano. É prometido

um novo reino sem dissonâncias sociais, a fome, a sede, o sofrimento deixam de

existir (APOCALIPSE 7.16-17), uma nova terra e um novo céu é criado, o projeto

inicial do Genesis é alcançado, as promessas preditas pelos profetas

veterotestamentários se cumprem. Cristo é o rei e nesse reino não haverá mais

maldição, a morte, o luto ou pranto.

A pobreza não é desprezada no novo testamento e aqueles que são

denominados cristãos não podem ignorá-la, e nem agir passivamente diante dessa

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54

realidade cruel. A pobreza não é somente um problema a ser tratado pelos

governantes, isso fica claro pela nossa pesquisa nas paginas neotestamentárias.

3.4 O PENSAMENTO SOCIAL CRISTÃO NA HISTORIA

Na tentativa de minimizar o lapso histórico criado pela pesquisa bíblica e pela

pesquisa do pensamento social hodierno, foi necessário um levantamento histórico

subalterno ao tema.

A seguir veremos alguns exemplos históricos que mostram a atitude social de

vários pensadores cristãos no decorrer da historia. A pesquisa começa com os Pais

da Igreja, período que vai do segundo século até o quinto século da era cristã.

Posteriormente faremos menção ao período escolástico que compreende o período

do sétimo século até o decimo segundo século. O pensamento social dos

reformadores é rapidamente esboçado com as duas figuras ilustres do período,

Calvino e Lutero. Em seguida veremos alguns exemplos históricos que são do

período pós-reforma terminando com o pensamento social no Brasil de hoje.

A pesquisa histórica é muita extensa mais de grande valia. Pode e deve ser

investigada mais afundo, mas como o cerne da pesquisa teórica é mostrar uma

visão geral do tema, essa pesquisa foi reduzida.

3.4.1 OS PAIS DA IGREJA

Terminada a era apostólica, período que compreende o início da igreja

primitiva, registrada no livro de Atos, até a morte do ultimo apóstolo, destacamos um

período de notável consciência social, é a era Patrística59.

A era dos Pais da Igreja lança os fundamentos da teologia cristã e filosofia

cristã por meio da dogmática e apologia da fé, onde começaram a delimitar e

conscientizar a cristandade doutrinariamente. Inicia-se no século II, com o

surgimento da consciência histórico-eclesiástica, onde mestres proeminentes

59 Essa é a designação dada àquele ramo da teologia (e da história) que estuda os chamados pais da Igreja cristã. Esses estudos incluem as vidas, os escritos e as doutrinas dos primeiros e mais proeminentes lideres da igreja cristã pós-apostólica. A questão tem sido dividida cronologicamente em pais ante-nícenos e pais pôs-nícenos.

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55

surgem 60. Doutrinas fundamentais do cristianismo são discutidas, a questão da

trindade, a pessoa do Espirito Santo são algumas doutrinas enfatizadas e

consolidadas nesse período. Mas será que os pobres foram esquecidos por esses

pensadores? De acordo com nossas pesquisas a resposta é não. Eles tiveram uma

atuação social contundente, a estrutura imperial, que mantinha escravos e excluía

os pobres, foi questionada e denunciada.

Não iremos nos deter profundamente nesse período em questão, por se tratar

de um material histórico extenso, mas, abordaremos alguns lideres brilhantes que se

destacaram nas questões sociais de sua época. Mais a frente iremos abordar o

pensamento social dos dois principais reformadores, Lutero e Calvino.

Dentre os Pais da Igreja referenciamos São Basílio Magno (331-379 D.C.),

João Crisóstomo (347-407 D.C.), Gregório de Nazianzo (330-389 D.C.) e Gregório

de Nissa (340-394 D.C.). Os pensamentos e ensinamentos desses homens dizem

muito a respeito das questões sociais conflitantes que existiam em sua época e

como os cristãos deviam agir ante a realidade da pobreza.

Basílio nascido e educado como aristocrata, tinha todos os recursos

necessários para ser um homem rico, mas levado pela fé cristã abre mão de seus

bens e se torna um líder cristão. Vivia em uma época onde o Estado nada fazia para

minimizar a situação dos miseráveis e onde a economia estava baseada na

concentração de terras e em atividades rurais. São Basílio, em seu celebre sermão

sobre Lucas 12.16-21, expõe a realidade de sua época.

Nesta homilia São Basílio argumenta a respeito da generosidade divina, que

dá fertilidade ao solo, abundancia de sementes e condições atmosféricas favoráveis

ao cultivo, em contraposição com a avareza e falta de sociabilidade humana. Ensina

que o homem é um administrador dos bens recebidos das mãos do Criador, que o

rico deve ser semelhante à terra e produzir frutos:

Imita a terra, ó homem, e produz frutos à sua semelhança: não sejas pior que a criatura inanimada. A terra produz frutos não para o proveito próprio, antes para tua sustentação. Tu, no entanto, qualquer fruto de bondade que produzires, recolherás para teu proveito, dado que o mérito das boas obras se reverte para os doadores. Deste ao faminto? O dom se volta para ti e te é restituído com juros. Como o trigo lançado à terra transforma-se em lucro para aquele que o semeou, assim o pão dado ao fa- minto te renderá, há

60 EICHER, Peter, Dicionario de conceitos fundamentais da teologia, São Paulo, SP: Paulus, 1993, p. 644.

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seu tempo, lucro abundante. Põe fim, pois, ao cultivo dos campos e começa a semear para o céu61.

Os ensinos de Basílio mostram que a glória do homem é a generosidade, e

que este não pode agir passivamente ante o clamor do pobre62. Para Basílio o

homem tem um estranho costume: acumular o que é comum e possuir sozinho o

que pertence a todos. Foi o primeiro a criar um hospital para os pobres, criou asilos

e orfanatos.

As demandas impostas pela teologia e pela administração eclesiástica no tempo de Basílio não o impediram, entretanto, de dedicar muito de sua vasta energia às obras de caridade. Provavelmente o grande hospital para abrigo e refrigério de viajantes e pobres, que ele estabeleceu nos subúrbios de Cesaréia, foi planejado, e talvez iniciado, nos últimos anos de seu presbiterado, pois seu tamanho e importância foram usados como pretextos para denunciá-lo a Elias, o governador da Capadócia, em 372. Este hospital era tão abrangente que se tornou conhecido pelo nome de Cidade Nova, e mais tarde como „Basiléia‟ (...). Ele distribuiu abundantemente por conta própria e ministrou pessoalmente aos anseios dos sofredores63.

Para Basílio, no dia do juízo, aqueles que compartilharam o pão com os

necessitados serão os primeiros justos a entrarem no Reino dos Céus64. Outro Pai

da Igreja que lutou pelas questões sociais foi Gregório de Nazianzo. Nascido em

Nazianzo, pequena cidade da Capadócia, após uma vida dedicada aos preceitos

cristãos foi eleito bispo de sua cidade.

Em seu sermão “Amor aos pobres” Gregório afirma que não há nada que

torne o homem tão parecido como Deus como a capacidade de fazer o bem. Incita a

todos a socorrer os que naufragam, a socorrer os infelizes, a abrir o coração aos

necessitados. Ensina que por menor que seja a ajuda que se faz ao necessitado,

para ele, que nada tem, será muito. A fonte da santidade, segundo Nazianzo, é a

comunhão com os que nada têm. Ele acreditava que a avareza e as desigualdades

sociais não eram partes integrantes no projeto inicial de Deus.

61 MAGNO, São Basilio, Homilia sobre Lucas 12: 330-379, Basílio de Cesaréia, tradução de Roque Frangiot, Monjas Beneditinas, São Paulo: Paulus, 1998, pg. 28, 29. 62. ALTANER, Berthold, Patrologia: vida e obra dos Padres da Igreja, 2ª ed., tradução monjas Beneditinas, São Paulo, SP: Paulinas, 1988, p. 298. 63 GILBERT, James B; Os pobres e os pais da igreja. Disponível em:<http://www.maosdadas.org.br/ Os_Pobres_E_Os_Pais_da_Igreja.pdf>. Acesso em 12 out. 2012. 64 OLSON, Roger, Historia da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas, São Paulo, SP; Vida, 2001, p.181.

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57

Em seu tempo denunciou a opressão por parte daqueles que detinham o

poder econômico à custa da exploração dos pobres. Dizia que aqueles acumulavam

terras e casas como se estivessem sozinhos na terra e outros exploradores não

ajudavam os órfãos e viúvas dando-lhe o sustento necessário para sobrevivência.

Gregório de Nissa, irmão de São Basílio Magno, nasceu na Cesárea da

Capadócia. Foi um dos primeiros a se esforçar por unir a filosofia platônica com o

pensamento cristão. Em sua obra “A criação do homem” traz uma reflexão sobre a

dignidade do ser humano. Afirma que o homem é a coroa da criação e é honrado

por Deus. Versa detalhadamente sobre a criação do homem, mostrando que Deus

tomou o barro e com um cuidado especial o desenhou e soprou em suas narinas, e

ocorreu uma mistura de um elemento superior e com o elemento inferior. Para

Gregório de Nissa as condições sociais existentes eram contrarias ao pensamento

desenvolvido por ele. Segundo ele o homem é a imagem de Deus, por isso uma

condição de dignidade superior. Sendo o homem imagem e semelhança de Deus,

não poderia estar reduzido a nenhum tipo de condição degradante65. Agostinho

também expõe o mesmo pensamento.

Outro líder na mesma época foi João Crisostomo, ou João Boca de Ouro,

nascido em Antioquia em meio a uma família rica e culta, filho de oficial de alto nível

e de uma mãe dedicada. Foi batizado antes dos dezoito anos de idade. Foi

ordenado diácono por volta de 381. Aos trinta e nove tornou-se padre e começou a

pregar substituindo o bispo de sua época. O nome Crisostomo, que recebera por

seu destaque na pregação, grande eloquência e respeito por parte do povo, significa

literalmente boca de ouro ou língua dourada. Em 398 foi consagrado bispo. Ficou

conhecido por seu envolvimento nas questões politicas, como no caso da

iconoclastia que ocorreu por volta de 387 em Antioquia, pela sua coragem, e pelas

suas mensagens pregadas que ora expressavam seu dom em oratória e seu

profundo conhecimento66.

Inúmeras vezes João tomou a defesa dos pobres e dos infelizes, dos que

morriam de fome e sede. Firme, ergueu sua voz contra os flagelos sociais, o luxo e a

65 ALTANER, Berthold, Patrologia: vida e obra dos Padres da Igreja, 2ª ed., tradução monjas Beneditinas, São Paulo, SP: Paulinas, 1988, p. 309. 66 CURTIS, A. Kenneth, J. Stephen Lang e Randy Petersen; Os 100 acontecimentos mais importantes da história do cristianismo: do incêndio de Roma ao crescimento da igreja na China, São Paulo, SP: Editora Vida, 2003, pp. 38 e 39.

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cobiça. Lembrou a dignidade do homem, mesmo pobre, e os limites da propriedade.

Dizia: "Libertai o Cristo da fome, da necessidade, das prisões, da nudez” 67.

Para Crisostomo os bens deveriam ser destinados universalmente, afinal tudo

fora criado por Deus. Quando alguém afirma que algo pertence a si fala sem sentido

por que tudo pertence ao criador de todas as coisas68. No seu sermão sobre o

evangelho de Mateus ele diz:

Não vos digo isto para vos impedir de fazer doações religiosas, mas defendo que simultaneamente, e mesmo antes, se deve dar esmola. [...] Que proveito resulta de a mesa de Cristo estar coberta de taças de ouro, se Ele morre de fome na pessoa dos pobres? Sacia primeiro o faminto, e depois adornarás o Seu altar com o que sobrar. Fazes um cálice de ouro e não dás um copo de água fresca? . [...] Pensa que se trata de Cristo, que é Ele que parte errante, estrangeiro, sem abrigo; e tu, que não O acolheste, ornamentas a calçada, as paredes e os capiteis das colunas, prendes com correntes de prata as lâmpadas, e a Ele, que está preso com grilhões no cárcere, nem sequer vais visitá-Lo? [...] Não te digo isto para te impedir de tal generosidade, mas exorto-te a que a acompanhes ou a faças preceder de outros atos de beneficência. [...] Por conseguinte, enquanto adornas a casa do Senhor, não deixes o teu irmão na miséria, pois ele é um templo, e de todos, o mais precioso 69.

Não foram somente esses lideres que se destacaram no desenvolvimento e

pratica do pensamento social da igreja cristã, homens como Agostinho, Tertualino,

Cipriano, Ambrósio, e vários outros, homens que se lembraram dos menos

favorecidos da sociedade.

3.4.2 O CONCEITO DE AQUINO NO PERIODO ESCOLASTICO

O período escolástico70, que teve seu ponto culminante nos séculos XII e XIII,

teve um grande nome: Tomás de Aquino. Nascido no período mais prospero da

67 VITAL CORBELLINI, referências patrísticas quanto aos princípios da doutrina social da igreja, apud.GIOVANNI, CRISOSTOMO. “Omelie sulla prima lettera ai Corinti”, 10, 4,3-4. In: La Teologia dei Padri II. Roma: Città Nuova Editrice, 1974, p 7. 68 VITAL CORBELLINI, referências patrísticas quanto aos princípios da doutrina social da igreja, apud.GIOVANNI, CRISOSTOMO. “Omelie sulla prima lettera ai Corinti”, 10, 4,3-4. In: La Teologia dei Padri II. Roma: Città Nuova Editrice, 1974, p.8. 69 Revista Eletrônica Ecclesia, 26/09/2010. Disponível em: <http://ecclesia.com.br/news/2011/?p=4978>. Acesso em 04 de novembro 2012. 70 O escolasticismo é a doutrina das idéias e os sistemas dos escolásticos, aquele movimento que abarcava a Europa medieval. É impossível marcarmos datas exatas para um movimento dessa natureza. Alguns dizem que já estava em seus primórdios, ai pelo

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Europa, no castelo da Roccasecca, próximo de Aquino na Itália. Estudou na

universidade de Paris, onde teve como mestre um dos mais notáveis professores de

seu tempo, Alberto Magno71. Conhecido como doutor Angélico foi responsável por

grandes obras, dentre as quais se destaca sua “Suma Teológica”.

O conceito de justiça social para Aquino se dividia em duas partes, justiça

comutativa, onde o ser humano tem direito a preço justo, salario justo e participação

nos lucros, e a distributiva, onde os bens devem estar à disposição de acordo com a

necessidade das pessoas. Em sua concepção os bens são comuns e aquele que

possui esses bens tem obrigação de ceder, sem reservas, aos que necessitam.

Segundo Aquino tudo que ultrapassa a necessidade individual se torna supérfluo, e

isso é devido aos que nada possuem72.

3.4.3 O PENSAMENTO SOCIAL DOS REFORMADORES

No século XV e XVI, durante o movimento que ficou conhecido como

Reforma, Calvino e Lutero, nomes centrais desse movimento e considerado, por

muitos, pais das igrejas protestantes atuais, escreveram sobre a questão da pobreza

e o compromisso da igreja cristã ante essa problemática.

Lutero foi o responsável pela tradução da bíblia, que antes escrita em latim,

para a língua alemã, com isso influenciou a língua e literatura germânica que surgiria

mais tarde. A época em que viveu foi marcada por mudanças nos setores de

produção e cultivo do material de subsistência. Novos mercados surgiram, havia

fabricas que produziam em escalas maiores. A exploração de minério e vidro

também estava em alta. Com esse tipo de produção houve um grande acumulo de

capital, que voltava para a produção, posto de empregos e assalariamento surge,

era uma espécie de pré-capitalismo. Rietch (1995) observa:

século VII D.C., tendo prosseguido seu desenvolvimento até o século XV D.C. A maioria dos estudiosos concorda que o escolasticismo atingiu o seu ponto culminante nos séculos XII e XIII D.C., quando foram publicados os grandes Summae, ou sumários, de teologia e de filosofia. (Champlin, Norman Russel, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia (D-F), São Paulo, SP; Hagnos, 2001, pg. 451). 71 BARROS, Manoel Correia de. Vida de Santo Tomás. Disponível em <http://permanencia.org.br/sumateologica/Comentarios/vida%20de%20s%20tomas.pdf>. Acesso em: 09 de novembro. 2012. 72 PIERRE, Bigo e Avilla, Fé Cristã e Compromisso, Ed. Paulinas, 1986, p. 167.

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A concentração econômica nas mãos de poderosas casas comerciais – Fugger, Welser e Höchstetter estavam entre as mais destacadas – deveu-se em muito à participação direta de algumas delas no financiamento da invasão e conquista do Novo Mundo, bem como aos enormes lucros advindos do daí decorrente comércio com as colônias73.

Martinho Lutero foi um homem que sentiu dolorosamente as contradições

sociais existentes. As famosas noventa e cinco teses, afixadas na abadia de

Westminster (1517), revelam, em alguns trechos, o pensamento de Lutero da

responsabilidade do cristão com o próximo. A tese quadragésima terceira e quarta

dizem:

Deve-se ensinar aos cristãos, procede melhor quem dá aos pobres ou empresta ao necessitado do que os que compram indulgência. É que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem torna-se mais piedoso; pelas indulgências, porém, não se torna melhor senão mais seguro e livre da pena.

Para esse reformador, todo cristão é um sacerdote, livre para viver uma vida

de serviço de amor a Deus e ao próximo. A mudança social começa com a liberdade

baseada na justificação alcançada pela graça, e isso mediante a fé, que resulta num

compromisso real não somente com Deus, mas com a sociedade. Lutero registra,

que o cristão que enxerga seu próximo padecer necessidade e gasta seu dinheiro

com indulgencias atrai a ira de Deus74.

Max Weber (1864-1920) em seu livro “A ética protestante e o Espirito do

Capitalismo” explica a concepção de Lutero sobre vocação, onde todos os homens

(gênero) recebe uma tarefa outorgada por Deus, que cria algo que é

indiscutivelmente novo: “... a valorização do cumprimento do dever nos afazeres

seculares como a mais alta forma que a atividade ética do indivíduo pudesse

assumir segundo e isso foi um dos principais75.”.

Ainda de acordo com Weber o pensamento dos reformadores era que a vida

do cristão aceitável a Deus, não era uma vida enclausurada num ascetismo

exacerbado buscando uma moralidade distante do mundo, mas uma vida onde suas

73 RIETH, Ricardo. Economia Introdução ao Assunto in: KAYSER, Ilson. Martinho Lutero Obras Selecionadas., Rio Grande do Sul, Sinodal e Concórdia Editora Ltda, 1995, p. 367. 74 45ª Tese. 75 WEBER, Max, 1864-1920, A ética protestante e o espirito do capitalismo, 2ª ed. rev., São Paulo, SP, Pioneira Thomson Learning, 2005, p.34.

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61

obrigações consigo mesmo e com os outros fossem cabalmente cumpridas, isso era

sua vocação76.

A educação foi outro grande instrumento de mudança social aplicado por

Lutero, ele acreditava que a educação seria o melhor e o mais eficaz agente de

mudança social. As noventa e cinco teses publicadas por ele, circulou em quase

todas as casas da Alemanha e levou a cada grupo e família a ler e debater cada

tese, levando a uma ação de educação revolucionaria para época77. Nesse sentido

Lutero não foi somente um reformador religioso, mas um reformador religioso e

social.

Do outro lado da reforma, mas não menos importante, temos João Calvino

(1509-1564). Nascido em Noyon, Genebra, foi um dos grandes nomes da Reforma.

O pensamento de Calvino influenciou e continua influenciando grande parte dos

cristãos protestantes de hoje. Foi, ainda, um grande transformador da realidade

social de Genebra, Suíça, sua cidade natal.

A cidade de Genebra, assim como outros lugares da Europa do século XVI,

enfrentava um período de instabilidade. O papa e as autoridades eclesiásticas

enfrentavam um grande descontentamento por parte do povo. A venda de

indulgências causou revolta. A pobreza contrastava com a riqueza do clero.

Calvino, após sua conversão, foi convidado por Farel, um dos precursores da

reforma na Suíça, a ajudar nos problemas sociais que existiam naquela cidade. De

acordo com Biéler (1961) Calvino foi intimado e logo começou a trabalhar no sentido

trazer mudanças àquela cidade:

Farel intimou Calvino a vir para a Suíça, dizendo que Deus iria amaldiçoá-lo se recusasse. Chegando a Genebra, vendo a miséria e a corrupção de costumes aí reinantes, organizou um consistório composto por pastores e leigos que tinha autoridade para controlar a conduta dos cidadãos: o consistório determinava o vestuário, o comportamento; proibia a bebida, o jogo e a dança. Havia uma disciplina bastante severa com o objetivo de moralizar os costumes. Foram estabelecidas rijas regras de comportamento, era proibida a vadiagem e o comerciante ficava impedido de roubar no peso, ou cobrar além do preço justo78.

76 WEBER, Max, 1864-1920, A ética protestante e o espirito do capitalismo, 2ª ed. rev., São Paulo, SP, Pioneira Thomson Learning, 2005, pag. 34 e 35. 77 KEIM, Ernesto Jacob, A educação e a revolução social de Martinho Lutero, Eccos Revista Científica, vol. 12, núm. 1, São Paulo, SP, 2010, p. 223. 78 BIÉLER, André. O humanismo social de Calvino. São Paulo: Edições Oikoumene, 1961, p.99.

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62

Incentivou o trabalho, o valor da fraternidade, a ajuda aos necessitados, o

descanso semanal, e vários outros. Devido sua atuação Genebra se tornou exemplo

para os cristãos. Em pouco tempo a pobreza ali foi reduzida drasticamente. O

ensino foi outro ponto forte de total apoio e incentivo por Calvino, ele acreditava que

todos poderiam entender melhor a bíblia se possuíssem ensino elementar, por isso

fundou a Academia de Genebra, local onde pastores iriam ministrar educação aos

fiéis.

A justiça social, a abolição de classes, a igualdade faziam parte das

preocupações de Calvino. A organização eclesiástica de Calvino demostrava,

também, seu apelo social. A igreja era dividida em pastores, doutores, presbíteros e

diáconos. Os pastores ficariam conectados as questões doutrinais da igreja, os

doutores a educação, os presbíteros à disciplina e os diáconos as questões sociais.

O serviço diaconal, no pensamento de Calvino, volta a ser como nas paginas

neotestamentárias onde o serviço de distribuir as ofertas dos mais ricos aos pobres

necessitados é colocado em pratica.

Os bens deveriam servir a todos. Quem muito possuísse deveria, por

obrigação, socorrer e dar amparo aos pobres. Cabia à igreja dar suporte necessário

aos pobres, órfãos, viúvas, doentes e todos necessitados, pois:

A cada passo se pode encontrar, tanto nos decretos dos sínodos, quanto nos escritores antigos, que tudo quanto a Igreja possui, seja em propriedade, seja em dinheiro, é patrimônio dos pobres79.

E se fosse necessário os bens da igreja e até as vestes sacerdotais deveriam

ser vendidas para sustento dos pobres. As transformações decorrentes da Reforma,

através de Calvino e Lutero foram muito mais profundas do que relatamos acima, e

pode ser tema de estudos específicos com uma gama de material histórico para tal.

3.4.4 AS OBRAS SOCIAIS DE ALGUNS CRISTÃOS NO PERIODO PÓS-

REFORMA.

Nesse item abordaremos alguns relatos de cunho social que ocorreu no meio

protestante pós-reforma. As ideias de grandes nomes no meio protestante que dão

79 INSTITUTAS DE CALVINO, livro IV cap. IV item 6.

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63

ênfase e conclamam as mudanças sociais são muitas, e, por isso, discorreremos

apenas alguns.

O primeiro exemplo citado encontrasse na Escócia do século XVI. Foi

profundamente transformada sobre a liderança espiritual de John Knox, houve

grande mudança na educação, com a criação de escolas e universidades publicas.

O trabalho de Knox disseminou um forte espirito de independência e democracia.

Em 1675 surge o pietismo, movimento iniciado entre os luteranos na

Alemanha. O principal nome associado a esse movimento foi Philipp Jakob Spener e

August Hermann Franke, discípulo de Spener. Esse movimento cresceu

rapidamente, Franke insistiu na pratica cristã social, por isso criaram escola para os

pobres, um orfanato, e outras obras de caridade. Outra grande colaboração social foi

a criação de uma casa publicadora, onde a literatura cristã era distribuída, criou

também a farmácia popular80.

O movimento metodista de Jonh Wesley pode ser considerado, em principio,

um movimento pietista. Esse movimento, que deu origem as igrejas metodistas

espalhadas pelo mundo, levou um grande avivamento para a Inglaterra e América.

Wesley foi autor de vários sermões e mudanças no modo de vida e culto de

muitos, a religião experiencial foi um dos maiores lemas pregados por ele. Mas não

somente isso, Jonh Wesley pregava sobre como o cristão deve ser e agir em meio à

sociedade. Vejamos uma das três regras de ouro apregoada por ele: “Faze todo o

bem que puderes, por todos os meios possíveis, em todos os sentidos, em todos os

lugares, a todo o tempo, a todas as pessoas, enquanto puderes81.” Em um de seus

sermões intitulado “O uso do dinheiro”, Jonh Wesley conclui:

Convém ganharmos tudo que pudermos ganhar, mas isto é certo que não devemos fazer; nós não devemos ganhar dinheiro pelo preço da vida, nem pelo preço de nossa saúde. Não atire seus dons preciosos no mar. Tendo, primeiro, adquirido tudo que você pôde; economize tudo que você puder; e, então, distribua tudo que for possível82.

80 CHAMPLIN, Russel Norman, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia (P-R). São Paulo: Hagnos, 2001, p. 272. 81 CHAMPLIN, Russel Norman, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia (P-R). São Paulo: Hagnos, 2001, p.254. 82 WHITE, Charles Edward, O que Wesley Praticou e Pregou sobre o Dinheiro?, Editora Fiel, Trad. Waléria Coicev, Copyright© Charles Edward White. Disponível em: <http://www.editorafiel.com.br/artigos_detalhes.php?id=353>. Acesso em 08/03/13.

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64

Em 1780 Robert Raikes, um jornalista evangélico na cidade Gloucester na

Inglaterra, com um profundo sentimento de compaixão pelas crianças de sua cidade

que vagueavam pelas ruas ociosas, abandonadas e entregues aos vícios, criar um

local de reunião para levar essas crianças a fim de alimenta-las e ensina-las

princípios de linguagem, aritmética, instrução moral, cívica e ensino das escrituras

sagradas83. Deu origem a uma das maiores agencias de educação no mundo, a

escola dominical.

No ano de 1793 um sapateiro, que havia se tornado pregador, chamado

Wiliam Carey vai à Índia levar a mensagem do evangelho. Hoje Carey é considerado

o pai das missões modernas. O modelo de propagação da mensagem cristã

empregado por ele conhecido como “fivefold pattern84” ou padrão de cinco dobras

consistia em: Igreja local, agricultura, educação, medicina e ação social. Sobre seu

trabalho na Índia podemos destacar:

Talvez mais relevante à questão de impacto social na cidade foram duas mudanças estruturais que Carey causou na Índia. Mesmo em frente oposição dos colonizadores ingleses e, no primeiro caso, dos próprios indianos, ele promoveu uma campanha política contra a prática normal de incendiar a viúva viva junto com o corpo do marido falecido (sati) e também fundou a instituição educacional em Serampore (hoje faculdade), que ainda é uma das mais respeitadas no continente Indiano85.

Outro grande evento social ocorre no ano de 1807, onde William Wilberforce,

um anglicano e membro da Câmara dos Comuns, consegue vencer uma dura

batalha politica para abolir o comercio de escravos no império britânico. A obra

iniciada por ele deu fim a todo tipo de escravatura e deu liberdade dos escravos em

1833.

Em 1817 uma mulher chamada Elizabeth Fry inicia um projeto de visita às

mulheres encarceradas. No século XIX as prisões britânicas eram escuras, sem

condições sanitárias, superlotadas, etc. Os presos, violentos ou não, dividiam o

mesmo espaço sem nenhuma distinção. Pessoas que aguardavam julgamento

também esperavam no mesmo local. Mulheres que haviam perdido seus cônjuges 83 SILVA, Antonio Gilberto da, A Escola Dominical, CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 1998, p. 15. 84 Termo em inglês que significa quíntuplo padrão. 85 AMEY, Brian, William Carey - pai de missões integrais modernas, Batistas.com, 2010. Disponível em: <http://www .batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=317&Itemid=68>aAcesso em 08/03/13.

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65

contraiam algum tipo de divida e sem conseguir salda-las acabavam presas.

Elisabeth, filha de um prospero comerciante, decidi ajudar aquelas mulheres que

haviam sido presas, e em inúmeros casos o único crime era a pobreza, e reúne um

grupo feminino que passa a visitar as prisioneiras com regularidade, ensinando-as a

ler e a costurar, isso provocou uma mudança radical na vida das prisões na Grã-

Bretanha, os comerciantes locais passaram a apoiar a iniciativa. Fry ainda lutou pela

reforma no sistema penal e pela reforma em presídios femininos. Em 1823 o ministro

Robert Peel propôs a Lei das prisões ao Parlamento britânico86.

Há ainda o exercito da salvação, fundado em 1865 por Wiliam Booth e por

sua esposa, que se preocupava com o clamor dos pobres. A Inglaterra se tornara

um país centrado nas fabricas. As favelas cresciam com multidões que vinham de

todas as partes trabalharem nas fabricas. Wiliam acreditava que o cristianismo

poderia melhorar a situação daqueles que precisavam de ajuda, mas não só

ideologicamente e sim com ação, organizou estabelecimentos comerciais chamados

“Comida para Milhões”, onde oferecia refeições baratas. Eles abordavam o problema

da fome e moradia. Booth fundou varias agencias que cuidavam das necessidades

físicas e sociais das pessoas.87.

Hoje o exercito da salvação é uma das maiores instituições de caridade e está

presente em mais 10088 países ao redor do mundo. Atua com programas de

assistência à família, da maternidade a velhice, com casas de amparo. Também

desenvolve projetos de educação e promove locais de apoio para estudantes e para

promoção humana. Destaca-se com ajudas humanitárias em situações de

emergência em todo mundo.

O ultimo exemplo histórico que queremos apontar ocorre nos Estados Unidos

da América no século passado com um homem chamado Martin Luther King, cristão

e pastor evangélico, que ousou sonhar com o fim da discriminação racial. Martin

Luther disse: "eu tenho um sonho... que um dia meus quatro filhos possam viver em

86 CURTIS, A. Kenneth, J. Stephen Lang e Randy Petersen; Os 100 acontecimentos mais importantes da história do cristianismo: do incêndio de Roma ao crescimento da igreja na China, São Paulo, SP: Editora Vida, 2003, pp. 148 e 149. 87 Ibid. pp. 167 e 168. 88 Wikipédia, 15/02/2013. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ex%C3%A9rcito_de_Salva%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 09/03/13.

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66

uma nação onde não sejam julgados pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter89".

Ele lutou com armas não violentas, e chegou a causar grandes transformações na

América nos anos posteriores ao seu assassinato devido sua luta. Hoje é lembrado

como único ministro religioso em que teve um feriado em sua homenagem.

Os relatos históricos que ocorrem após a reforma também coadunam com a

visão bíblica do tema desenvolvido até aqui. Como dito anteriormente, trata-se de

um material muito extenso que pode ser útil em um estudo mais aprofundado, porem

foi resumido na presente pesquisa.

A pesquisa histórica mostra que o cristianismo através dos tempos não

esposou uma religião puramente retorica e ideológica, mas uma religião prática e

integral, onde as necessidades espirituais, psicológicas e físicas eram atendidas por

seus praticantes.

3.5 O PENSAMENTO SOCIAL E A IGREJA PROTESTANTE BRASILEIRA ATUAL.

O cristianismo protestante brasileiro atual tem sido despertado para a prática

de um evangelho integral.

Alguns teólogos protestantes tem debatido como o discurso não deve parar

no campo das ideias, mas levar aqueles que se denominam cristãos à prática da

mensagem cristã, atendendo seu semelhante na sua forma integral.

Infelizmente as grandes maiorias dos cristãos brasileiros ainda não dão a

devida atenção aos problemas sociais que circunda o ser humano. A pesquisa

teórica do tema revela que a total ausência, ou poucos estudos brasileiros de

algumas denominações, que hoje dominam o cenário religioso cristão-protestante no

Brasil (como por exemplo, Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus,

Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, e varias

outras), revela o caráter de um tipo de cristianismo sem a preocupação social, o que

contraria o cristianismo bíblico e histórico.

Os tele evangelistas90, tão em voga atualmente, pouco incentivam a prática

social aos seus telespectadores. Mas, contrariando a grande maioria, há alguns

89 CURTIS, A. Kenneth, J. Stephen Lang e Randy Petersen; Os 100 acontecimentos mais importantes da história do cristianismo: do incêndio de Roma ao crescimento da igreja na China, São Paulo, SP: Editora Vida, 2003, pp. 196 e 197. 90 Alusão aos lideres religiosos cristãos que mantem programas em rede nacional, ou local, em canais televisos.

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67

lideres brasileiros se debruçando sobre o tema e trazendo a baila à necessidade da

igreja, de alguma forma, lutar por justiça. Padilla diz:

Uma das tarefas prioritárias da Igreja como comunidades de discípulos de Cristo [...] é a encarnação dos valores do Reino de Deus e a globalização da solidariedade com as vítimas do sistema institucionalizado de injustiça no nível mundial91.

A preocupação com o ser espiritual, humano, cria, até certo ponto, uma

teologia escapista, onde o ser humano é visto simplesmente como um ser espiritual

em uma vida transitória, os problemas existentes devem ser suportados com a

promessa de uma vida, após a morte, cheia de bem-aventuranças. Assim sendo é

exaltada a alma e o espirito, e esquecido o corpo e as suas interações e implicações

com o mundo do qual fazemos parte. E isso é visto como pensamento predominante

das igrejas mais expressivas em âmbito nacional. O envolvimento social, politico e

cultural é desprezado. Robinson Cavalcanti denomina esse tipo de líder cristão

como uma visão teológica neofundamentalista e conclui:

Fechado em si mesmo, procurando fazer crescer quantitativamente suas instituições, isolado, alienado, intolerante, farisaico, inseguro, guardião da ordem, vivendo num mundo das palavras, dos conceitos, das proposições, com a teoria sem conexão com a prática, em seu medíocre triangulo da felicidade, casa-igreja-trabalho, o neofundamental faz do evangelho uma literatura eminentemente platônica e espiritualizada do cristianismo92.

Surge com muita força e ênfase no Brasil atual, a teologia da prosperidade

onde crer-se que todos os cristãos, pela fé, merecem ter uma vida melhor com

prosperidade financeira e sem pobreza. Isso se dá com as recompensas do divino

em relação à fé de cada um e a disposição, do fiel, em doar seus bens (financeiros

ou materiais) em prol da causa das igrejas que apregoam esse tipo de crença. Essa

teologia não atende aos desemparados e nem tão pouco se envolve nas questões

sociais. Acaba se tornando outra face do escapismo teológico.

A visão holística do ser humano tem sido preconizada na teologia eclesiástica

no que tange a evangelização cristã, em algumas denominações evangélicas. Hoje

91 PADILLA, René, Missão Integral: Ensaios sobre o Reino e a Igreja, Editora Temática Publicações, 1992, p. 97. 92 CAVALCANTI, Robinson, Os Cristãos e a missão da Igreja: Neo-fundamentalismo, Teologia da Libertação e Evangelicalismo Integral, Boletim Teologico, São Leopoldo, RS, Ano 2, Vol. 7, 1996, p.7.

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68

a chamada “Missão Integral” tem ganhado espaço no meio evangélico. A missão

integral começa surgir já no século XX com vários pensadores cristãos em debates

com a tentativa de conciliar evangelização e responsabilidade social e diferir da

Teologia da Libertação, que era estritamente católica. O desenvolvimento da igreja,

sua influencia social, justiça, paz e vários conceitos passam a ser questionados e

levantados por lideres evangélicos.

No ano de 1974 houve um congresso em nível mundial que marcaria vários

nomes da liderança evangélica, foi o Congresso Internacional de Evangelização

Mundial em Lausanne, Suíça, que teve como tema “Para que o Mundo ouça a Sua

(Deus) voz”. O resultado desse congresso se mostrou muito positivo com um

compromisso firmado com Deus e uns com os outros a fim de trabalharem na

evangelização mundial, unidos. Esse pacto ficou conhecido como Pacto de

Lausanne.

O Pacto de Lausanne afirma o interesse dos evangélicos pela ação social em

favor daqueles que precisam de ajuda. E não somente isso, o proposito de mudar as

estruturas sociais foi apresentado como uma das propostas do pacto.

A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando as pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem procurar não só evidenciar, mas também divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta93.

No Brasil, a instituição denominada Fraternidade Latino Americana (FLT) 94,

tem se esforçado para provar que as igrejas podem permanecer fieis as suas

convicções históricas e manter uma postura firme em relação às dissonâncias

sociais. A visão sobre o evangelismo na sua integralidade tem sido pulverizada por

líderes evangélicos e teólogos como Ariovaldo Ramos, Carlos Queiros, Robinson

Cavalcanti, Ricardo Godim, Ed Rene Kivitz entre outros.

93 Citação do Pacto de Lausanne, item 5. Disponível em:<http://www.lausanne.org/pt/pt/1662-covenant.html>. Acesso em 30/05/13. 94 Criada em 1970, Bolivia, a Fraternidade Latino Americana é um movimento de reflexão e práxis evangélica (fonte disponível em: http://www.ftl.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=198&Itemid=98 Acesso em 12/03/13).

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69

A missão integral mostra que a prática jamais se separa da reflexão cristã. A

libertação da opressão e prisão do ser humano seja social, politica ou econômica, é

a premissa dessa maneira de teologizar. Scobar, um dos fundadores da FLT diz:

O evangelho não é um programa social e político. Não se trata, entenda-se bem, de que as igrejas evangélicas tenham que propor um programa político na América Latina. Essa não é sua missão. A mensagem de salvação deve chegar a cada um em sua circunstância, mostrando como o pecado afeta todas as esferas da vida e as relações entre os homens. A mensagem também deve demonstrar como a entrega pessoal a Jesus Cristo transforma a vida de cada um, de modo que os efeitos da conversão sejam visíveis na sociedade em que o crente vive95.

Os avanços do pensamento social no Brasil por mais tímido que pareça, tem

alcançado igrejas evangélicas no país, o tema ainda precisa ser discutido. A prática

social deve e pode levar a pesquisas posteriores.

95 ESCOBAR, Samuel. A responsabilidade social da Igreja. Editado por STEUERNAGEL, Valdir Raul. A Serviço do Reino: um compêndio sobre a missão integral da igreja. Belo Horizonte: Missão Editora, 1992. p.34.

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70

CAPÍTULO 4

A REALIDADE DAS IGREJAS EVANGÉLICAS PARNAIBANAS:

ANALISANDO OS DADOS LEVANTADOS.

O ultimo item da pesquisa se ocupa na analise dos dados levantados. Como

dito anteriormente, foram selecionados cinquenta pessoas participantes das

principais igrejas evangélicas de Parnaíba (Igreja Batista, Igreja Assembleia de Deus

e Igreja de Deus Missionaria) para responderem a um questionário com questões

fechadas pertinentes ao tema.

O primeiro questionamento levantado foi: Dentro de sua visão qual era a

finalidade, para que servia, qual era a destinação do dizimo no antigo testamento?

As repostas ficaram assim: 61% dos participantes da igreja batista (IB) responderam

que os dízimos serviam para sustento dos sacerdotes e levitas e 30,8%

responderam que os dízimos serviam para a manutenção do templo e compra de

utensílios, já 7,7% dos participantes batistas responderam que o dizimo era

destinados aos pobres e ao sustento dos sacerdotes.

Dos cristãos da igreja Assembleia de Deus (AD), 50% responderam que o

dizimo era destinado aos pobres e sacerdotes, 37% responderam que serviria a

compra de utensílios e 13% acreditam que os dízimos serviriam de sustento aos

sacerdotes e levitas.

Já na Igreja de Deus Missionaria (IDM) os resultados foram: 63,6%

responderam sustento aos sacerdotes e levitas, 27, 3% destinava-se a compra de

utensílios e apenas 9,1% ao sustento de pobres e sustento do sacerdote.

A resposta correta de acordo com a bíblia seria ajuda aos desfavorecidos

socialmente (órfãos, viúvas, estrangeiros) e sustento dos sacerdotes. (reposta C da

primeira questão, ver anexo I).

As respostas obtidas levam a conclusão que os participantes das igrejas

evangélicas que responderam ao questionário não são ensinados sobre o tema de

acordo com o ensino veterotestámentario, pois de acordo com a própria bíblia (regra

de fé e prática dos cristãos), em Deuteronômio 26.12,13 encontramos:

Quando acabares de dizimar todos os dízimos da tua novidade, [...], a darás ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, para que comam

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71

dentro das tuas portas e se fartem. E dirás perante o SENHOR, teu Deus: Tirei o que é consagrado de minha casa e dei também ao levita, e ao estrangeiro, e ao órfão e à viúva, conforme todos os teus mandamentos que me tens ordenado; nada traspassei dos teus mandamentos, nem deles me esqueci.

A pesquisa teórica contida no item 3, 3.1 e 3.2 revela que a ajuda aos

desfavorecidos socialmente era uma exigência do divino. A utilização dos recursos

doados para os sacerdotes deveriam servir também aos necessitados. Apenas os

evangélicos da igreja AD tem um conhecimento maior sobre o tema de acordo com

os ensinos do antigo testamento.

O segundo questionamento foi: Você concorda que a entrega do dizimo é

válida para os dias de hoje? As respostas foram unânimes 100% dos participantes

das igrejas concordam que a pratica de doação de 10% de sua renda é bíblica e

valida para os dias de hoje.

A terceira pergunta consiste em saber se todos os participantes de fato

concordavam se os dízimos doados eram destinados aos seus fins corretamente, as

respostas apresentaram os seguintes resultados:

Na IB 76,9% acreditam que os dízimos são destinados corretamente, ao

passo que 23,1% responderam que não concordam com a destinação desses

dízimos. Já a AD a grande maioria dos participantes respondeu que a destinação

dos dízimos não está sendo destinados corretamente, foram 87,5% que

expressaram essa opinião, e somente 12,5% concordam com o destino final dessas

arrecadações pela instituição.

A IDM apresentou o índice de maior contentamento com o investimento dos

dízimos, 81,8% responderam que concordam.

A análise dos dados apresentados na terceira questão comparados à primeira

questão revela que os evangélicos da igreja AD por possuírem um conhecimento

mais aprofundado que os outros participantes no que se refere ao tema, não

concordam com a destinação do dizimo dentro sua instituição religiosa.

Continuando a analise dos dados a quarta questão foi subdividida em seis

partes. A primeira questiona se as igrejas em que o participes da pesquisa

frequentam são de fato uma igreja que segue a bíblia cabalmente ou uma igreja

biblicamente correta. Os dados coletados apresentam o que se segue:

Na IB 100% dos membros acreditam que sim, sua igreja segue fielmente os

ensinos contidos na bíblia. Somente 37,5% dos evangélicos da AD acreditam como

Page 71: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

72

os participantes da IB, 62,5% declaram que a AD não pode ser uma igreja

biblicamente correta. Já na IDM, assim como a IB, todos os seus membros

participantes da pesquisa acreditam que estão em uma igreja biblicamente correta.

A intenção desse questionamento é provar se de fato a igreja é biblicamente

correta, o que para tanto conforme esboçado no item três, a igreja precisa ser

praticante da fé pregada. Ora se uma igreja não cumpre as determinações exigidas

pela bíblia, não pode ser considerada biblicamente correta. Mais uma vez citamos

um trecho contido na bíblia:

Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante assemelha-se ao homem que contempla num espelho, o seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de como era a sua aparência96.

As questões foram ajustadas para que as repostas posteriores comprovem a

afirmativa ou contradiga o pensamento do participante. A segunda parte da quarta

questão foi: Você conhece o que a bíblia fala sobre ação social?

Os resultados obtidos na IB foram: 84,6% conhecessem o que a bíblia fala a

respeito do tema e 15,4% não conhecessem o assunto. Na AD 87,5% afirmam ter

conhecimento dos ensinos bíblicos sobre a prática social e 12,5% desconhecessem

totalmente o tema. Já a IDM demostra o maior índice de conhecedores do tema,

foram 90,9% que afirmaram conhecer os ensinos da bíblia e 9,1% desconhecessem.

O conhecimento pode ser adquirido de forma independente da instituição em

que o participante esta envolvido. Por isso a preocupação em saber se este

conhecesse sobre o tema. A terceira parte questiona se o problema da pobreza e

amparo aos pobres é ensinado nas instituições pesquisadas. Na IB 76,92% afirmam

que isso é de fato ensinado, 23,08% expressam que não. Já na AD 62,5% afirmam

que esse ensino não é apresentado em suas instituições na cidade Parnaíba, e

apenas 37,5% afirmam que este ensino é apresentado. A IDM apresenta 81,8%

dizem que sim, e 18,2% dizem que não existe esse ensino.

Saber se a igreja pesquisa possuía ou investia em algum projeto social foi a

quarta parte da questão. Mais 68% afirma que sim contra 23% na IB, a IDM

apresenta resultado semelhante, mais de 62% afirmam que sim contra 28%. Já a AD

96 Tiago 1.22-24.

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73

apresentou o resultado de 100% dos participantes afirmam que a igreja não possui

nenhum projeto social e nem investe na cidade de Parnaíba nesse sentido.

A segunda, terceira e quarta parte da questão são interligadas entre si e

demonstra que quanto maior o conhecimento do tema, maior o envolvimento da

instituição na justiça social estabelecida pela bíblia. Nesse sentido podemos afirmar

que a instituição AD em Parnaíba não cumpre os ensinos bíblicos esboçados nessa

pesquisa e nem ensina seus adeptos a praticarem a justiça social bíblica, mesmo

com uma gama tão grande de instruções encontradas na bíblia e que esta

fundamenta teoricamente no terceiro item da pesquisa.

O alheamento dos evangélicos pesquisados sobre a realidade social de

Parnaíba foi o cerne da quinta parte. Mais de 54% dos participantes da IDM

responderam que conhecem a realidade social de Parnaíba, 46% disseram que não.

A IB demostra o menor índice de alienação 61,5% dizem que conhecem contra

38,5% afirmam desconhecer essa realidade. Já os da AD tem o maior índice de

alienação 62,5% afirmam que não conhecessem a situação social da cidade onde

residem, e somente 38,5% afirmam conhecer a realidade social.

A última parte da quarta questão é a que se segue: Você sabe quanto do que

é doado a sua igreja é destinado para ações sociais? A grande maioria respondeu

que não fica claro quanto do que as igrejas recebem é de fato destinado para ações

sociais. Na IB 76% afirmam que desconhecem quanto da renda arrecada é revertida

para ação social, na AD mais de 87,5% e na IDM 90%.

A quinta e última questão indagava se o participante acreditava que a cidade

de Parnaíba seria diferente, em relação aos problemas sociais existentes, se as

igrejas evangélico-protestantes realizassem ações sociais conforme orientado pela

bíblia, todos foram unanimes e responderam que sim.

Foi elaborado um segundo questionário (anexo II) e entregue aos pastores

das igrejas pesquisadas, porém os lideres dessas igrejas não devolveram os

questionários ou não responderam.

A pesquisa revela que as igrejas evangélicas em Parnaíba não tem

compromisso com a prática social tão aprofundado. Falta investimento de recursos

financeiros e de tempo na prática social, falta de ensino sobre prática social e

quando existe algum tipo de pratica social falta organização da mesma.

O discurso religioso deve ultrapassar o campo ideológico e impulsionar o

ouvinte a prática. As igrejas por pregarem padrões rígidos de moralidade, ética e

Page 73: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

74

abstinência de álcool, drogas e outras substâncias, acabam por realizar uma prática

social indireta. Há muitos relatos de pessoas que eram dependentes de álcool ou de

drogas tiveram suas condutas modificadas após aderirem às igrejas evangélicas e

praticar seus ensinamentos, mas a práxis cristã deve ser consciente e concreta.

As igrejas devem ser relevantes do ponto de vista histórico, assim como os

cristãos citados na presente pesquisa, foram relevantes historicamente falando. O

ensino da bíblia não deve promover somente uma experiência transcendental com o

divino, mas relacional com Deus e com todos que cercam aqueles aderem ao

cristianismo. A bíblia claramente diz: “Se alguém diz: Eu amo a Deus, mas odeia o

seu irmão, é mentiroso. Pois ninguém pode amar a Deus, a quem não vê se não

amar o seu irmão, a quem vê.” (1JO 4.20 NTLH).

Page 74: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

75

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa objetivou comparar a prática social das igrejas

evangélicas parnaibanas e compará-las com os ensinos contidos nas sagradas

escrituras.

O trabalho alcançou o objetivo que inicialmente nos propusemos a

realizar. As igrejas pesquisadas não possuem um trabalho social estruturado e com

raízes firmes. Ainda falta o incentivo através do ensino bíblico do tema nessas

igrejas.

Ao iniciar a pesquisa o pensamento era que as igrejas contribuíam de

forma eficaz e efetiva nos locais onde estavam. Mas infelizmente não é com esse

sentimento que concluo a pesquisa, pois as igrejas acabam contribuindo de forma

indireta e não proposital. A falta de interesse dos lideres de algumas igrejas em

participar na pesquisa e de vários adeptos das igrejas, foi de fato surpreendente.

A pesquisa mostra que as igrejas podem e devem contribuir forma efetiva

para sociedade, e que isso não transformaria as igrejas em órgãos puramente

assistencialistas que perderiam sua essência religiosa de relação com o divino,

antes estariam cumprindo a missão a que foram designadas.

Ela revela, também, que a pesquisa deve ser aprofundada em trabalhos

posteriores que contribuirão para o enriquecimento das pesquisas acadêmicas em

diversas áreas, tais como sociológicas, serviços sociais, filosóficas e outras.

O termino da presente pesquisa define o cerne da linha teológica do

pesquisador, uma teologia prática e libertadora. O homem deve ser livre do homem

e de suas imposições.

Page 75: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

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Page 80: A prática social bíblica e as igrejas evangélicas da cidade de parnaiba – pi

81

APÊNDICE I

LEGIÃO DO BOM SAMARITANO – LBS

INSTITUTO DE FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO TEOLÓGICA – IFETE

BACHARELADO EM TEOLOGIA

INSTRUMENTO COLETA DE DADOS (MEMBROS, FIÉIS, PARTICIPANTES OU

CONGREGADOS).

QUESTIONARIO DE PESQUISA SOBRE “CONHECIMENTO E PRATICA DA AÇÃO

SOCIAL PELAS IGREJAS EVANGÉLICAS NA CIDADE DE PARNAÍBA” COMO

PARTE DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO PELO INSTITUTO DE

FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO TEOLÓGICA – IFETE - BACHARELADO EM

TEOLOGIA.

Agradeço a sua colaboração. Não é preciso se identificar.

Denominação:____________________________________________________

1- Dentro de sua visão qual era a finalidade, para que servia, qual era a

destinação do dizimo no antigo testamento?

( ) Sustento dos sacerdotes e levitas.

( ) Manutenção do templo de Jerusalém e compra de utensílios

( ) Ajuda aos desfavorecidos socialmente (órfãos, viúvas, estrangeiros) e

sustento dos sacerdotes.

2- Você concorda que a entrega do dizimo é válida para os dias de hoje?

( ) SIM

( ) NÃO

3- Em sua concepção, a destinação desses dízimos hoje em dia é correta?

( ) SIM

( ) NÃO

4- Assinale com X de acordo com o grau de concordância para as questões

apresentadas.

Questões SIM NÃO

Sua igreja é uma igreja biblicamente correta

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Você conhece o que a bíblia fala sobre ação social

A questão da pobreza e o amparo aos pobres é discutida

ou pregada em sua igreja

Sua igreja tem ou investe em algum projeto social em

Parnaíba

Você conhece a situação social de Parnaíba

Você sabe quanto do que é doado a sua igreja é

destinado para ações sociais

5- Você acredita que a cidade de Parnaíba seria diferente, em relação aos

problemas sociais existentes, se as igrejas evangélico-protestantes

realizassem ações sociais conforme orientado pela bíblia?

( ) SIM

( ) NÃO

Muito obrigado!

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APÊNDICE II

LEGIÃO DO BOM SAMARITANO – LBS

INSTITUTO DE FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO TEOLÓGICA – IFETE

BACHARELADO EM TEOLOGIA

INTRUMENTO COLETA DE DADOS (LIDERANÇA)

QUESTIONÁRIO DE PESQUISA SOBRE “CONHECIMENTO E PRÁTICA DA AÇÃO

SOCIAL PELAS IGREJAS EVANGÉLICAS NA CIDADE DE PARNAÍBA” COMO

PARTE DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO PELO INSTITUTO DE

FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO TEOLÓGICA – IFETE - BACHARELADO EM

TEOLOGIA.

Agradeço a sua colaboração. Não é preciso se identificar.

Denominação:____________________________________________________

1- No seu entendimento o dízimo no antigo testamento tinha a finalidade

de:

( ) Sustento dos sacerdotes.

( ) Manutenção do tabernáculo, templo e auxilio aos sacerdotes.

( ) Sustento para os sacerdotes e auxilio para os desfavorecidos socialmente

(escravos, órfãos, viúvas e estrangeiros).

2- Dentro de sua concepção, no novo testamento os diáconos foram

instituídos para:

( ) Servir santa ceia e ser um braço forte da liderança local.

( ) questões sociais e para auxiliar os apóstolos.

3- Você conhece o que os evangelhos, o livro de atos, as epístolas e o livro

de apocalipse ensina sobre a ação social ou ações humanitárias?

( ) SIM

( ) NÃO

4- Qual a importância que você dá, biblicamente falando, às praticas

sociais (ajudar aos necessitados) hoje:

( ) BAIXA.

( ) MÉDIA.

( ) ALTA.

5- O modo que as pessoas veem a igreja evangélica protestante se torna

diferente a partir do momento que esta desenvolve algum projeto social:

( ) SIM

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( ) NÃO

6- A sua igreja promove, apoia, sustenta algum tipo de projeto social na

cidade de Parnaíba- PI.

( ) SIM

( ) NÃO

7- Se na questão anterior sua resposta for positiva, você poderia fornecer

detalhes sobre o projeto social realizado?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________

8- De todos os valores arrecadados em sua denominação quanto em

percentual (%) é destinado para o sustento ou prática de ações sociais:

( )0% ( ) de 4 a 6% ( ) 10% ( ) 30%

( ) de 1 a 3% ( ) de 7 a 9 % ( ) 20% outros:____________________

Muito obrigado!