casamento ef daniela e nadia
TRANSCRIPT
1
Os efeitos pessoais e patrimoniais do casamento no Direito
Internacional Privado Brasileiro, à luz do novo Código Civil
Brasileiro1
Este estudo cuida dos efeitos pessoais e patrimoniais do casamento
com repercussão no DIPr, já sob o ênfoque no novo Código Civil
Brasileiro, que entrou em vigor no início de 2003. Uma das dificuldades do
estudo é a necessidade de compatibilização da nova lei civil com a Lei de
Introdução ao Código Civil, que regula o DIPr e apesar de ser de 1942, não
sofreu nenhuma modificação.
A família moderna é um núcleo cada dia mais transnacional,
ensejando repercussões de caráter internacional, por conta das
característ icas da sociedade informada pela comunicação global, e
precisando, por conseguinte, de uma disciplina própria para resol ver esses
problemas. Acreditamos ser este o papel do DIPR.
E apesar das dificuldades que essa família “globalizada”, mormente
na área de regulamentação jurídica, acompanhamos Renato Janine Ribeiro,
em palestra sobre a família na travessia do milênio, bem s intetizou o estado
de espírito da família de hoje:
“A travessia parece interminável. A família continua, e mais
empenhada que nunca em ser feliz . (Não quero dizer que seja mais feliz, e
sim que queremos, todos, ser felizes; assim a manutenção da família, h oje,
depende sobretudo de se buscar, por meio dela, chegar à felicidade). Nada
disso põe termo ao casamento ou à família Justamente porque mantê -la não
é mais obrigatório, ela só sobrevive quando vale a pena. É um desafio.
1 Por Nadia de Araujo , Doutora em Direi to Internac ional , USP e Professora de
DIPr da PUC-Rio, e Daniela Trejos Vargas , Mestre em Dire i to Consti tucional , PUC-Rio
e Doutoranda em Dire i to Civi l , UERJ, e Professora de DIPr , PUC -Rio .
2
Podemos estar às portas do milêni o, no sentido que antes descrevi (o de
promessa de felicidade), mas isso só porque estamos mais dispostos a
correr riscos. E por isso a travessia, por essas águas do afeto, ora
revoltas, ora mansas, exige delicadeza: mas não porque sejam, estas águas,
tranqüilizadoras, e sim porque a matéria com que lidamos é muitíssimo
delicada.” 2
Efeitos pessoais
O casamento gera diversos efeitos ao modificar a situação das
pessoas, que passam a constituir uma unidade familiar com conseqüências
na vida jurídica, inclusive com repercussão no direito internacional
privado. Entre os efeitos que interessam ao DIPr, e que serão analisados
abaixo, estão: a constituição do domicílio conjugal; a possibilidade de
modificação do nome, agora facultativa; a qualidade de herdeiro do
cônjuge; a não expulsão de estrangeiro casado com brasileira; o
estabelecimento de um regime de bens aplicável ao casal; a proteção
especial do patrimônio familiar, com a instituição do bem de família; a
restrição à aquisição de bens no caso de um dos conso rtes ser estrangeiro; a
necessidade da outorga uxória para qualquer modificação do patrimônio
comum, inclusive para a assunção de atos que afetem direta ou
indiretamente o patrimônio comum;.
Atualmente, toda a matéria relativa aos efeitos do casamento é
submetida aos preceitos do caput do art. 7o. da Lei de Introdução, que
utiliza o critério do domicílio para a determinação das questões relativas ao
direito de família em geral , e seus parágrafos. Serpa Lopes 3 já esclarecia
2 RIBEIRO, Renato Janine, A famí lia na t ravess ia do mi lênio, palestra
apresentada no II Congresso Brasileiro de Direi to da Famíl ia , Conferência de
abertura, Belo Horizonte, 27 de outubro de 1999 , mimeo com as autoras .
3 SERPA LOPES, Miguel Mar ia, Curso de Dire i to C iv i l , vol . I , Rio de Jane iro,
Ed. Frei tas Bastos, 1953 , p .181/182.
3
que no tocante às relações entre cônjuges, os parágrafos especiais da LICC
não haviam previsto regras para os efeitos de ordem pessoal, cuidando
somente dos de ordem econômica, prevalecendo, portanto, o cri tério geral
do domicílio. Portanto, para o DIPr, o mais importante efeito do casamen to
é o estabelecimento do domicílio conjugal.
1. O domicílio conjugal
Uma das conseqüências do casamento é o aparecimento de um
domicílio qualificado: o conjugal. Antes da proclamação da igualdade entre
os cônjuges, não só no Brasil , como no exterior, os sistemas de DIPr
determinavam a lei aplicável à sociedade conjugal utilizando a lei pessoal
do marido – fosse pelo critério do domicílio ou da nacionalidade. Isso se
justificava devido à condição de incapacidade relativa da mulher casada,
que por esta razão não podia fixar, autonomamente, seu domicílio. Este
sistema, de caráter unitário, facilitava o estabelecimento da lei aplicável às
relações familiares. Todavia, com a adoção do princípio da igualdade entre
marido e mulher, -- gerando a possibil idade da existência de mais de um
domicílio, ou nacionalidade, sem um critério de prevalência --, surgiram
novas questões diante das quais os antigos critérios se mostraram
inadequados para resolver os conflitos de leis.
As prerrogativas antes estabelecidas, decorr entes da autoridade do
marido, inclusive o direito de fixar o domicilio da família, foram
paulatinamente eliminadas com a consagração da igualdade. 4 Mesmo antes
da Constituição de 1988, deixou -se de aplicar o parágrafo 7o. do artigo 7
o.
da LICC, único disposit ivo sobre efeitos pessoais do casamento, para
determinação do domicílio conjugal, pois o Estatuto da Mulher Casada, de
4 O novo Código Civi l , em no ar t igo 1059 declara a igualdade dos cônjuges,
verb is:
“art . 1059 - O casamento es tabelece comunhão plena de v ida, com base na
igualdade dos cônjuges .”
4
1962, permitiu a esta ter domicíl io próprio, sem sujeitar -se a ter o mesmo
domicílio do marido. Posteriormente, com a nova ordem cons ti tucional
instaurada em 1988, ficou clara a posição de igualdade dos cônjuges.
Persistia, no entanto, uma indefinição quanto ao critério determinador do
domicílio conjugal em casos dos cônjuges manterem domicílios diversos,
pois a lei era omissa sobre a h ipótese.
O Novo Código Civil inova em matéria de domicílio ao estabelecer, a
par do domicíl io civil da pessoa física, que continua sendo identificado
como o local da residência com ânimo definitivo, também um domicílio no
local das suas atividades profiss ionais5. Desta forma rompe o Novo Código
Civil com o dogma do domicílio único da pessoa natural, e por
conseqüência também com a necessidade de haver um domicílio único para
os dois integrantes da sociedade conjugal. A determinação do domicílio
conjugal deve ser feita de comum acordo por ambos os cônjuges, segundo o
art igo 1569. Em linha com o disposto no artigo 72, este mesmo artigo
prevê expressamente a possibil idade de um ou outro cônjuge vir a residir
em local diverso do domicílio conjugal, por motivo s profissionais ou
pessoais relevantes, sem que isto seja considerada uma infração ao artigo
1566, II ( “vida em comum, no domicílio conjugal”).A questão é de grande
importância para o DIPr, 6 pois dependem do domicílio conjugal a
determinação da lei aplicável aos efeitos patrimoniais do casamento, objeto
do próximo item desse trabalho. 7 Note-se que nos dias atuais, a hipótese de
5 Artigo 72. É também domic íl io da pessoa natural , quanto às re lações
concernentes à prof i ssão, o lugar onde esta é exercida .
6 O tópico desperta inte resse também em outros países. Sobre o tema, veja -se
GAUDEMET-TALLON, Hélène, La desunion du couple en droi t interna tional pr ivé, in
Recueil des Cours , Tomo 226, 1991.
7 Jacob Dolinger a ler ta que a equiparação ent re homem e mulher , promovida pe la
Const i tuição de 1988, sepultou qualquer regra de DIPr que desrespe ite essa igua ldade,
tornando inconst i tucionais vár ios ar t igos do Código Bustamante, como por exemplo o
ar t . 24. , que re tra ta a mesma s i tuação do ar t igo 7o. , parágrafo 7o, e a inda o ar t igo 43 do
ci tado código.
5
casais em que os cônjuges residem em países diversos não é incomum,
podendo acarretar, no plano internacional, dúvidas sobre a le i aplicável à
sociedade conjugal.
As inovações em matéria de domicílio trazidas pelo Novo Código
Civil brasileiro, ao mesmo tempo que introduzem a autonomia da vontade
nas relações de familia, ao deixar à livre escolha dos cônjuges a
determinação do domicílio conjugal, eliminam a dúvida sobre qual
domicílio util izar para fins de determinação da lei aplicável ao casamento.
Fez-se a dist inção entre o domicíl io pessoal e o domicílio conjugal,
mostrando que este último é um domicílio de t ipo qualificado 8, para fins de
estabelecimento da vida em comum, e utilizado pelo DIPr como elemento
de conexão para a lei aplicável às relações decorrentes desta vida em
comum. Concluímos, desta forma, que o domicílio conjugal não exclui a
existência de um domicílio pessoal de qualquer dos cônjuges, o qual será
levado em consideração para resolver questões da vida profissional de cada
um, segundo o artigo 72 do Novo Código Civil, bem como, no âmbito do
DIPr, questões relativas à capacidade civil dos mesmos.
Resta a indagação sobre como proceder à prova do domicílio conjugal
segundo as regras do Novo Código Civil. Neste, o artigo 74 que mantém a
redação do artigo 34 do Código de 1916, a prova da intenção de modificar o
domicílio resultará “do que declarar a pessoa às munici palidades dos
lugares, que deixa e para onde vai”.
Desta forma, considerar -se-á domicílio aquele declarado pelos
cônjuges, ou pelos nubentes no momento da habili tação para o casamento.
A declaração prestada pelos nubentes, perante o oficial do registro ci vil , do
seu domicílio e residência atuais é requisito essencial da habilitação para o
8 A exemplo do domic íl io prof issional previsto agora no ar t igo 72, que coexist e
com o do mic íl io geral do ar t igo 70, ainda caracter izado como o loca l da res idência co m
ânimo defini t ivo. .
6
casamento, conforme o artigo 1525, IV, do novo Código. Este domicílio irá
constar da certidão de casamento, e fará prova do domicílio dos contraentes
no momento do casamento. Se os nubentes com domícil io diverso ou
mesmo comum quiserem declarar como domicílio conjugal um outro local,
deverão fazê-lo de forma expressa.
A este respeito já decidiu o STF, no Recurso Extraordinário 86.787 9,
entendendo que a declaração de domicílio feita pelos nubentes no momento
do casamento e que consta da certidão de casamento, faz prova da vontade
das partes para fins de determinação do domicílio conjugal.
Este ponto é de grande importância para o DIPr, pois depende da
existência ou não de domicílio comum a aplicação da regra supletiva do
primeiro domicílio conjugal, conforme veremos adiante.
2.Outorga Uxória
O estado de casado impõe aos indivíduos restrições de diversas
ordens. Uma dessas restrições diz respeito à necessidade de consenti mento
de seu cônjuge para a prática de certos atos, especificamente os de
disposição direta ou indireta do seu patrimônio. Esses atos são, entre
outros: de disposição sobre imóveis, constituição de garantias e doações
que venham de alguma forma a comprometer ou onerar tanto o patrimônio
comum do casal.
Importante notar as modificações que estão sendo introduzidas nessa
matéria pelo novo Código Civil. Este estabelece expressamente um novo
regime de bens, o da separação absoluta, onde não haverá patrimônio
comum nem comunhão de aqüestos. Neste caso, dispensa-se a outorga
uxória, conforme dispõe o art . 1647. 10 Nos demais tipos de regime de bens,
9 v ide no ta de rodapé n. VERIFICAR.
10 Ar t . 1647. Re ssalvado o disposto no ar t . 1 .648, nenhum dos cônjuges pode,
sem autor ização do outro, exce to no regime da separação absoluta :
7
é obrigatório o consentimento do casal para a realização de atos de
disposição patrimonial.
Essa restrição à capacidade independe do regime de bens do
casamento, sendo assim qualificada como efeito pessoal do casamento já
que se impõe em função do estado civil de casado, para os atos realizados
em terri tório brasileiro, independentemente de ser a lei brasileira regente
da capacidade do agente. 11
O que chama atenção, todavia, é que por se tratar de requisito ligado
à questão de imóveis, a regra da lex rei sitae, sempre prevalece sobre outra
que esteja em jogo, sendo necessária a outorga uxória independentemente
de haver essa disposição na lei domiciliar do casal.
A jurisprudência, apesar de escassa, inicialmente qualificou a questão
da outorga uxória como ligada exclusivamente à capacidade pessoal, e por
esta razão dispensável no caso de estrangeiros não domiciliados no Brasil.
O TJSP assim decidiu em um caso que lhe foi apresentado. 12
Posteriormente, veio a aplicar o princípio da lex rei sitae tornando
obrigatória a outorga uxória para qualquer venda de imóvel situado no
Brasil. Aqui a qualificação foi diversa, entendend o-se que se tratava de
questão atinente à forma do ato. 13 Essa última corrente prevaleceu, como se
I – a l ienar ou gravar de ônus real os bens imóveis ;
I I – p le i tear , como autor ou réu, acerca desses bens ou d ire i tos ;
I I I – prestar fiança ou ava l;
IV – fazer doação, não sendo remunera tór ia , de bens comuns, ou dos que possam
integrar futura meação.
11 Sobre o tema, Dol inger comenta duas dec isões dos t r ibunais nacionais,
most rando a existência de divergência quanto à qual i ficação da outorga uxór ia , seja
como integrante da capacidade de contra tar da pessoa casada, regida pe la le i domici l iar ,
na forma do caput do ar t igo 7o. ; seja como formalidade essencia l para a real ização do
negócio jur ídico envolvendo bens imóveis, es te um requis i to l igado à lex re i
si tae .DOLINGER, Jacob , Dire ito Civ i l . . . p . 128
12 AP. 27254 TJSP, 23.6.78
13 Ap Cível 906/84 TJ Paraná .
8
verifica de recente manifestação do Tribunal de São Paulo, que declarou a
nulidade de uma fiança prestada por estrangeiro, por falta da outorga uxória
do cônjuge.14
Outro argumento em favor do respeito à necessidade de outorga
uxória, mesmo para os casos em que não estejam envolvidos imóveis
situados no Brasil -- como é o caso de fiança, doações, e etc. --, diz respeito
ao cumprimento de uma formalidade requerida pela lei brasileira para a
validade do ato. Tratando-se de ato praticado no Brasil , aplicar -se-á o
art igo 9o. parágrafo primeiro da LICC, que regula os negócios jurídicos, e
estipula a necessidade de se cumprir as formalidades da lex fori para a sua
realização, ainda que aplicável uma lei estrangeira à sua substância. O
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já esclareceu esse ponto, ao
julgar caso de doação entre cônjuges, vedada pela lei uruguaia, local da
celebração do casamento, mas válido no Brasil . Esclarece o Min. Rui
Rosado de Aguiar Jr., então Desembargador, “ocorre que a incidência da
legislação estrangeira foi reconhecida como aplicável apenas na regulação
do direito patrimonial decorrente do casamento, lá realizado. A doação é
ato obrigacional, praticado no Brasil e a ele se aplica a lei brasileira (
art. 9o. da LICC), onde não existe disposição assemelhada à do artigo 1657
do Código Civil do Uruguai, isto é, pela nossa legislação, o ato é válido.” 15
Podemos concluir que em casos nos quais é preciso aplicar as regras
de conexão do DIPr, os tribunais brasileiros privilegiam, cada vez mais, o
14 Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo FIANÇA - OUTORGA UXÓRIA - AUSÊNCIA - FIADOR DE ORIGEM ESTRANGEIRA - CASAMENTO REALIZADO NO EXTERIOR - FIANÇA PRESTADA NO BRASIL - CASAL RESIDENTE NO PAÍS - NULIDADE DA GARANTIA Embargos à execução. Ação de execução. Locação de imóveis. Fiador de origem estrangeira. Casamento realizado no exterior. Fiança prestada no Brasil sem a anuência do outro cônjuge. Ambos residentes no país. Nulidade da fiança.
Ap. c / Rev. 590.655 -00/0 - 12ª Câm. - Re l . Ju iz GAMA PELLEGRINI - J . 7 .12.2000
15 Apelação Cíve l 591.031.067, Tribunal de Jus t iça do Rio Grande do Sul, cóp ia
com as autoras.
9
elemento territorial –lex fori--, aproximando-se do sistema americano, e
distanciando-se de suas raízes clássicas européias.
3. Direito ao nome de famíl ia
A regra da adoção pela mulher do nome de família do marido tinha
por função tornar público o seu estado de casada, passando esta a fazer
parte da família do marido. 16 Este acréscimo, antes compulsório e agora
facultativo, revelava que o marido ocupava o primeiro plano na sociedade
conjugal. Nos dias de hoje, a matéria sofreu mudanças expressivas. Mesmo
antes do novo código civil, já não mais subsistia essa obrigatoriedade,
sendo o parágrafo único do art igo 240 claro ao estabelecer ser uma
faculdade e não uma obrigação, o acréscimo do sobrenome do marido pela
mulher, quando do casamento. O novo código, no art. 1565, aplica o
cri tério da igualdade entre os cônjuges para estender esta faculdade ao
cônjuge varão e não apenas deixando como direito exclusivo da mulher.
Cumpre notar, a importância social deste dispositivo pois o nome de família
permite não só a identificação do estado civil de casado dos cônjuges, mas
principalmente a sua relação de parentesco com os filhos, e com o ramo
familiar ao qual pertencem. Esta função do sobrenome comum como meio
de identificação do núcleo familiar foi valorizada pelo legislador no Novo
Código Civil, permitindo-se que se mantenha por esta razão o sobrenome de
casado em caso de separação judicial. 17 No que concerne ao DIPr, o direito
ao nome se rege pela lei pessoal, que no caso do Brasil, é a do domicílio.
Considerando que essa questão apresenta regulamentações diversas em
outros países, podem surgir conflitos de leis entre a lei do local da
celebração e a lei aplicável ao direito de família. Todavia, as relações
16 Veja -se GOMES, Or lando , Direi to de Família , 4
a. ed. , Rio de Janeiro,
Forense, 1981, p . 58.
17 Art igo 1578. O cônjuge dec larado culpado na ação de separação jud icial perde
o direi to de usar o sobreno me do outro, desde que expressamente requerido pelo
cônjuge inocente e se a al teração não acarre tar : . . . . . I I – manifes ta d is t inção entre o seu
nome de fami lia e o dos f i lhos havidos da união disso lvida .
10
pessoais entre os cônjuges não estão, de regra, submetidas à supervisão
judicial, e quando se apresentam questões perante o Tribunal, há uma
tendência muito natural em todos os países de aplicar a lei do foro. 18
Sobre o tema, apresentou-se o conflito de leis em caso, anteriormente
referido, decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual se
permitiu à mulher adicionar ao seu nome o sobrenome do marido, apesar da
proibição da lei do país da celebração quanto a esta adição. Isso se deu
porque o tribunal entendeu que a adição posterior do nome, por meio da
averbação à certidão de casamento já transcrita – que o fora ipsis literis ,
expedida segundo a lei do local da celebração, decorria do exercício de um
um direito garantido pela lei brasileira – o direito ao nome de família.
Desta forma, afastou no caso em questão a proibição da lei do local da
celebração do casamento. 19
4. Não expulsão de estrangeiro
O Estatuto dos estrangeiros, que regula a situação dos mesm os no
território nacional, garante o direito à permanência do estrangeiro casado
com brasileiro no território nacional, nos termos do art . 75, sempre quando
seja comprovado o efetivo vínculo matrimonial e que o casamento tenha
mais de cinco anos. E conside ra o divórcio ou separação de fato ou de
18 WOLFF, Mart in, Derecho Internacional Privado , Barce lona, Boescht Casa
Editor ia l , 1958, p . 337.
19 Tr ibunal de Jus t iça de São Paulo. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - Casamento
real izado no Japão - Possib il idade de acréscimo do no me do marido ao da esposa
vedado no sistema nipônico - Pretensão formulada conforme lei nacional brasi lei ra -
Poss ibi l idade - Confl i to de normas no espaço e direi to internacional pr ivado - Exceção
à regra locus reg it ac tum em razão da cláusula geral de ordem públ ica - Direi to ao nome
regulado pela le i c ivi l substant iva (ar t igo 204 , parágrafo único e Lei de Introdução ao
Código Civil Brasi lei ro , ar t igo 7º ) - Pr incíp io da unidade e integridade da famí l ia
preservados - Analogia ao direi to ao direi to do f i lho ao nome pa terno - Uso e costume
decorrente da afec tio e identidade fami l iar - Averbação determinada junto à transcr ição
procedida junto ao Consulado Bras i leiro - Pedido procedente - Recurso provido.
(Apelação Cível n° 47 .444 -4 - I tape tininga - 6 ª Câmara de Dire i to Pr ivado - Rela tor :
Munhoz Soares - 06.08.98 - V. U.)
11
direito como motivador da perda da garantia de não expulsão em razão da
qualidade de cônjuge de brasileiro, uma vez que a razão de ser da norma é
para proteger a família e garantir a sua união. Cessado este vínculo, cessa
igualmente a garantia assim outorgada. Semelhante garantia atinge, tão
somente, os casos de saída forçada do estrangeiro por via de expulsão, mas
não se aplica nem em casos de deportação ou de extradição. 20
Efeitos patrimoniais do casamento
1. A lei aplicável ao Regime de bens do casamento
O regime matrimonial de bens é a regulamentação das relações
pecuniárias derivadas da associação conjugal, 21 pois os consortes muitas
vezes já possuem bens e durante a vida conjugal poderão vir a adquirir
outros, quer por aquisição própria, doação ou sucessão. Estes bens tem por
finalidade atender aos encargos da manutenção da família e eventualmente
outras obrigações dos cônjuges. 22 Faz-se necessário, portanto, determinar
como serão administrados esses bens, se constituem um patrimônio comum
ou reservado, se podem ser alienados e dentro de que limites e ainda seu
20 Diferentemente da expulsão e da depor tação, a extrad ição é um inst i tuto de
cooperação penal , no sent ido da luta contra a impunidade, portanto, não far ia sent ido
deixar -se de cumprir um pedido da jus t iça es trangeira quando ho uvesse qualquer t ipo de
laço fami l iar . Já no que per t ine à expulsão, por ser a to unilate ral do Brasi l , pode inf luir
na decisão elementos relat ivos à proteção da famí l ia , nos moldes elencados no Esta tuto
dos Estrangeiros. A deportação, por não ser def ini t iv a e permi t ir ao est rangeiro o
reingresso no pa ís, uma vez regular izada sua documentação, não impor ta em ameaça a
união fami liar .
21 Roguin, apud Esp ínola, p . 376
22 Eduardo Espíno la, p . 377. Por exemplo, quando o patr imônio é ut i l izado para
dar determinadas garant ias, como a f iança.
12
destino em caso de dissolução da sociedade conjugal, por divórcio ou por
falecimento de um dos cônjuges.
No Brasil, o regime de bens decorre da lei ou de convenção dos
nubentes, por pacto ante-nupcial. No Código de 1917, além de sua
característ ica imutável, o regime legal era o da comunhão total de bens.
Posteriormente, por ocasião das modificações ocorridas quando da
introdução do divórcio no Brasil, em 1977, o regime legal passou a ser o da
comunhão parcial . Agora, com o novo Código Civil , mantém -se, como
regime legal o da comunhão parcial.
A separação das leis de regência do casamento e do regime de bens
foi uma inovação da LICC, pois a introdução de 191 7 estabelecia apenas a
aplicação da lei nacional da pessoa ao regime dos bens no casamento, o que
gerava inúmeros conflitos, quando os cônjuges tinham nacionalidade
diversa. Assim, justifica -se a preocupação do disposto no artigo 7 parágrafo
4o. da Lei de Introdução do Código Civil, que acrescentou a menção ao
primeiro domicílio conjugal, dispondo:
“o regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em
que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, à do primeiro
domicílio conjugal”.
Desta forma, o regime de bens será sempre regido pela lei do
domicílio comum, na seguinte ordem: o domicílio que já existia antes do
casamento, havendo aqui uma presunção de permanência deste mesmo
domicílio para a sociedade conjugal; ou o primeiro domicí lio da recém-
criada sociedade conjugal, no caso dos nubentes terem domicílio diverso,
pois este será o primeiro domicílio comum.
A tendência de submeter o regime de bens à lei do domicílio conjugal
sempre prevaleceu na doutrina clássica brasileira, como sa lientam a
doutrina brasileira, v.g., Serpa Lopes, Haroldo Valladão e Jacob Dolinger .
Mesmo na época da vigência da Introdução de 1917, em que a regra de
13
conexão era a da nacionalidade, Clóvis Beviláqua inclui o domicílio
conjugal como critério supletivo p ara os casos de ausência de nacionalidade
comum ou de dupla nacionalidade de um dos cônjuges, resultando em
nacionalidades diversas.
A regra de conexão adotada para o regime de bens, no caso de já
haver um domicílio comum dos nubentes, não admite a autono mia da
vontade, ou seja, não admite que se utilize um domicílio diverso desse
domicílio comum. Apenas no caso de nubentes com domicílios diversos,
terão a faculdade de determinar um novo domicílio comum e, desta forma, a
lei aplicável ao regime de bens, mormente agora que o novo Código Civil
permitirá a escolha do domicílio comum.
Assim já entendeu o STF, quando permitiu que a escolha do
domicílio comum fosse interpretada como a verdadeira escolha do casal
sobre o regime aplicável ao patrimônio do casal . 23
Tratava-se de casal que foi ao Uruguai para a realização de seu
casamento, declarando, naquela ocasião, que estavam domiciliados no
Uruguai. Posteriormente, por ocasião da separação, era preciso determinar a
lei aplicável ao regime de bens, que segundo a r egra de DIPr brasileira,
23 CASAMENTO. REGIME DE BENS. INTERPRETACAO DO ARTIGO 7., PAR-4., DA LEI DE INTRODUCAO AO CODIGO CIVIL BRASILEIRO. 1) NUBENTES QUE, SEM IMPEDIMENTO PARA CASAR, CONTRAEM MATRIMONIO NO URUGUAI, DEPOIS DE PREENCHER, PELA LEI URUGUAIA, OS REQUISITOS EXIGIDOS PARA A FIXACAO DE DOMICILIO NESSE PAIS. DECISAO ONDE SE RECONHECE QUE O DOMICILIO SE ESTABELECEU NO LUGAR DO CASAMENTO TAMBEM SEGUNDO A LEI BRASILEIRA. CONCLUSAO QUE ASSENTOU, NESTE PONTO, NO EXAME DA PROVA, SENDO, POIS, IRREVISIVEL EM SEDE DE RECURSO EXTRAORDINARIO (SUMULA 279). INEXISTENCIA, POIS, DE OFENSA AO ARTIGO 7., PAR-4., DA LEI DE INTRODUCAO AO CODIGO CIVIL BRASILEIRO. 2) DA INTERPRETACAO RAZOAVEL, POR OUTRO LADO, A ESSE DISPOSITIVO LEGAL, O ARESTO IMPUGNADO, QUANDO SUSTENTA QUE NAO IMPORTA OFENSA AO ALUDIDO PRECEITO DA LEI DE INTRODUCAO, NO QUE TOCA AO REGIME DE BENS, CASAMENTO EFETUADO NO ESTRANGEIRO, SEGUNDO A LEI LOCAL, PARA QUE INCIDA DETERMINADO REGIME DE BENS, QUANDO ESTE E ADMITIDO, TAMBEM, PELA LEI BRASILEIRA. NO CASO, O MATRIMONIO EFETUOU-SE NO URUGUAI, ONDE O REGIME COMUM E O DA SEPARACAO DE BENS, PARA QUE ESTE FOSSE O REGIME DO CASAMENTO, REGIME TAMBEM ADMITIDO PELO NOSSO DIREITO. 3) INFRACAO AO PRINCIPIO GERAL DE DIREITO SEGUNDO O QUAL NAO PODE A PARTE "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". RECURSO EXTRAORDINARIO NAO CONHECIDO. Supremo Tribunal Federal DESCRIÇÃO: RECURSO EXTRAORDINARIO.NÚMERO: 86787JULGAMENTO: 20/10/1978OBSERVAÇÃO: VOTACAO UNANIME. RESULTADO NAO CONHECIDO. VEJA AR-1105.ANO: 84 AUD: 04-05-79 ORIGEM: RS - RIO GRANDE DO SULPUBLICAÇÃO: DJ DATA-04-05-84 PG-***** EMENT VOL-00113-02 PG-00621 RTJ VOL-00090-03 PG-00968 RELATOR: LEITAO DE ABREU SESSÃO: 02 - SEGUNDA TURMA
14
deveria ser aquela do domicílio comum. Como então já estavam assentados
no Rio Grande do Sul, quis o cônjuge varão convencer o tribunal ser este
seu verdadeiro domicílio – aplicando-se a lei brasileira -- , e não aquela
antes declarada, que importaria na aplicação da lei uruguaia. Alguns
aspectos devem ser apontados: a mulher era viúva, de abastada família,
enquanto o noivo t inha vinte anos menos, sem qualquer patrimônio, e na
época o consórcio era considerado como escandaloso para o s padrões da
sociedade local. Por esse motivo, o casal pensou, inclusive, em radicar -se
no Uruguai onde tinham fazendas. Além disso, o casal não t inha qualquer
impedimento para casar segundo a lei brasileira, e para adotar o regime de
bens que bem entendesse. Mas, depois de 30 dias voltaram ao Rio Grande
do Sul e ficaram casados por vários anos.
De notar a importância desta determinação, visto que no Brasil o
regime seria da comunhão de bens e no Uruguai, o da comunhão parcial ,
sendo que a mulher era possuidora de expressivo patrimônio imobiliário,
cuja propriedade era anterior ao seu casamento, posto que viúva. Assim, o
STF não tinha porque desconsiderar a vontade declarada de ambos, no
sentido de que o domicílio era o uruguaio. O caso foi objeto de
manifestação do Prof. Haroldo Valladão, que entendeu não ser possível que
o cônjuge varão alegasse a nulidade de uma declaração validamente
proferida.
Com relação à segunda hipótese de determinação de domicíl io comum
– a dos nubentes que tem domicílio diverso --, os tribunais brasileiros
sempre aplicaram sem maiores problemas a lei do primeiro domicílio
conjugal. Por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu em
agravo de instrumento n. 87.722, de 1998, que tendo sido celebrado o
casamento em país estrangeiro, onde eram domiciliados os nubentes e onde
se fixou o primeiro domicílio conjugal, aplicava -se a lei desse mesmo país
15
ao regime matrimonial de bens. 24 Este acórdão reforça a idéia de que o
objetivo da LICC é que a lei aplicável ao regime de bens seja aquela
referente ao domicíl io comum da recém instaurada sociedade conjugal, ou
seja, se antes tinham domicíl ios diversos, o regime seguirá aquele domicílio
que se inicia com o casamento. Essa orientação também encontrou eco no
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 25 O Projeto de Lei 4.905/95,
elaborado para substituir a Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, e
que acabou por não ser convertido em lei, optou por reger sempre o regime
de bens pela lei do primeiro domicílio conjugal 26.
Com a entrada em vigor do novo Código Civil, e a determinação de
que o domicílio conjugal fosse estabelecido de comum acordo pelos
cônjuges, parece-nos que a autonomia da vontade para estabelecimento
deste domicílio qualificado não se harmoniza adequadamente com a regra
do artigo 7o. 7 da Lei de Introdução que manda aplicar a lei do domicílio
comum existente antes do casamento. Deve -se respeitar a autonomia da
vontade para estabelecimento de um domicílio conjugal por mútuo
consenso, não só para aqueles casais que tinham do micílios diversos antes
24 C AS AMENTO - Ce leb ração no exter ior - Regime de bens - Le i do dom ic í l io - Ar t igo
7º , § 4º , do Decreto - le i 4 .657, de 1942. Tendo s ido c e leb rado o casamento em pa ís es t range i ro , onde eram dom ic i l iados os nubentes e onde se f i xou o pr imei ro dom ic í l i o con juga l , ap l i c a -se a l e i do mesmo país quanto ao regime mat r imonia l de bens . (Ag ravo de Ins t rumen to n . 87.722 -4 - São Paulo - 6ª Câmara de Di re i to Pr ivado - Re la tor : Ernan i de Pa i va - 03.09.98 - V . U. )
25 Inventario . Regime de bens do casamento do inventariado . O regime de bens
obedece à lei brasi leira, no caso de espanhol aqui domici l iado que, indo `a terra nata l ,
a l i contra iu casamento , com mulher espanhola ali domici l iada, si lente o contrato
quanto ao regime de bens, e vol tou logo em seguida ao Brasil , onde o casal estabeleceu
o primeiro domici l io conjugal. Ap licacao da regra do art . 7 . par . 4 . , da L e i de
Introdução. (DP)Tipo da Ação: AGRAVO DE INSTRUMENTO 1987.002.1157,
24/03/1988, Comarca de SEGUNDA CAMARA CIVEL, Rela tor PECEGUEIRO DO AM ARAL. Julgado em 23/02/1988 . No mesmo sent ido, veja-se também, Ap. Cível 10906/99, Relator Nagib Slaibi Filho, ju lg do. 2/12/99.
26 Art igo 9o. O reg ime de bens obedece à le i do primeiro domicí l io conjugal,
ressalvada a apl icação da le i brasi leira para os bens s i tuados no Brasi l que tenham
sido adquir idos após a t ransferência do pr imeiro domic íl io con jugal . Para íntegra do
texto, consultar Dolinger e Tiburc io, Dire i to Internac ional Pr ivado, Vademecum, Ediç ão
Univers i tá r ia , 2a. edição revista e atua lizada , Ed . Renovar , 2002 .
16
do casamento, mas também para os casais que t inham um domicílio comum
mas que transferiram seu domicílio por ocasião do casamento.
Esse é mais um caso em que a ausência de modificação da LICC
juntamente com o novo Código Civil causa rá inúmeras polêmicas em
matérias regidas diversamente pela lei anterior do que a posterior.
A imutabilidade do regime de bens
Uma das características do sistema brasileiro sempre foi o da
imutabilidade do regime de bens a partir da celebração do casament o. O
reflexo desse princípio para o DIPr significa que a lei aplicável ao regime
de bens, uma vez determinada, também era imutável. Por ocasião da LICC e
da substi tuição do cri tério da nacionalidade pelo domícilio, decidiu o
Supremo Tribunal Federal , em favor da imutabilidade do regime e da lei
aplicável ao mesmo. 27
Surge a dúvida se uma mudança posterior de domicílio irá afetar o
regime de bens do casamento, que poderia por ventura passar a ser regido
por outra lei . E nesse sentido, o Tribunal de Justiça d e São Paulo
esclareceu que apesar do casal agora ter domicílio no Brasil, regia os bens
a lei do primeiro domicílio conjugal. Isso porque o tribunal não acolheu a
pretensão do casal , de ver reconhecido a alteração do regime de bens para
o regime da comunhão parcial sob a alegação de ser este o regime legal em
vigor no Brasil, onde o casal passou a residir. 28
27 CASAMENTO. REGIMEN LEGAL DE SEPARACAO DE BENS. LEI ITALIANA APLICADA, EM OBEDIENCIA AO PRINCIPIO DA LEI NACIONAL, AO TEMPO ENTRE NOS CONSAGRADO. EMBORA HOJE VIGORE O PRINCIPIO DA LEI DO DOMICILIO, NAO HA COMO APLICAR AO REGIME DE BENS DE UM CASAMENTO REALIZADO ANTES DA ATUAL LEI DE INTRODUCAO (DE 1942) O QUE ESTA DISPOE. Supremo Tribunal Federal; RECURSO EXTRAORDINARIO. NÚMERO: 19686 JULGAMENTO: 31/08/1953 OBSERVAÇÃO: VOTACAO: UNANIME. RESULTADO: NAO CONHECIDO. PRV 6 PP.. ANO: 54 AUD: 22-04-54 ORIGEM: SP - SAO PAULO PUBLICAÇÃO: DJ DATA-23-04-54 PG-***** EMENT VOL-00165-01 PG-00087
RELATOR: LUIZ GALLOTTI SESSÃO: 01 - PRIMEIRA TURMA RE 19686.
28 (Relator : Munhoz Soares - Apelação Cíve l n. 180.372 -1 - Campinas -
17.12.92) . Tr ibunal de Just iça de São Paulo E M E N T A : C AS AMENTO - Regime de bens -
Ce lebração no exter ior - Casa l es t range i ro com dom ic í l io a tua l no Bras i l - Ausênc ia de pac to antenupc ia l no dom ic í l io do casamento que determ ina a comunhão to ta l - Imutab i l idade, inc lus ive pa ra f ins pat r imonia is , inobs tante o regime b ras i le i ro em v igor se ja o da comunhão parc i a l - Recurs o não prov ido. O fa to de côn juges es t range i ros , após o casamento , mudarem -se
17
A única exceção à imutabilidade era a contemplada no parágrafo 5o.
da LICC, que permitia ao estrangeiro, no momento de sua naturalização e
com expressa anuência de seu cônjuge proceder à mudança do regime, para
o regime legal brasileiro (de comunhão parcial). Assim, aqui a mudança do
regime de bens acarretou também a mudança da lei aplicável, que passa a
ser a brasileira, por força do domicílio conjugal. De notar que esta regra, de
caráter unilateral , fazia mais sentido na época da anterior Introdução ao
Código Civil, de 1917, quando o estatuto pessoal era regido pela lei da
nacionalidade. 29
Todavia, inova o Código Civil de 2002, ao permitir 30 a alteração do
regime, por via judicial, a pedido justificado de ambos os cônjuges,
ressalvados os direitos de terceiros. 31 As conseqüências desse art igo para o
DIPr não podem ser menosprezadas, pois possibili tará a substituição da lei
aplicável ao regime de bens da época do casamento, pela lei brasileira,
para o B ras i l , não impor ta , só po r i sso, em poss ib i l idade de a l te rar -se o regime de bens por que opta ram. (Rela tor : Munhoz Soares - Ape lação C íve l n . 180.372 -1 - Campinas - 17.12.92)
29 Supremo Tribunal Federal DESCRIÇÃO: RECURSO EXTRAORDINARIO. NÚMERO: 74934 JULGAMENTO: 14/09/1976 E M E N T A REGIME DE BENS. - CASAMENTO, CELEBRADO NO BRASIL, DE BRASILEIRO NATURALIZADO, COM ALEMA. AMBOS DOMICILIADOS NO PAIS, SOB REGIME DE SEPARACAO DE BENS, CONSOANTE PACTO ANTENUPCIAL. - ADOCAO, DE COMUM ACORDO, PELOS CONJUGES, DO REGIME DA COMUNHAO UNIVERSAL, APOS CONCEDIDA NATURALIZACAO BRASILEIRA A MULHER, - NULIDADE, DE PLENO DIREITO, DO ATO, NAO CARACTERIZADA A HIPOTESE PREVISTA NO PAR 5, DO ART. 7, DA LEI DE INTRODUCAO AO CODIGO CIVIL. - QUESTOES, SUSCITADAS, PELO RECORRENTE E PELA RECORRIDA, INSUSCETIVEIS DE APRECIACAO NO RECURSO. - RECURSO EXTRAORDINARIO CONHECIDO E PROVIDO.
ORIGEM: SP - SAO PAULO PUBLICAÇÃO: DJ DATA-12-09-77 PG-***** EMENT VOL-
01069-01 PG-00451 30 Art . 1 .639. É l íc i to aos nubentes, antes de ce lebrado o casamento, est ipular ,
quanto aos seus bens , o que lhes aprouver ,
§20. É admissível al teração do regime de bens, media nte autor ização judicial em
pedido mot ivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e
ressa lvados os di rei tos de terce iros .
31 Roguin, apud Espíno la, p . 377, já havia levantado a questão da necess idade de
ressa lvar , no regime de ben s, o interesse dos f i lhos, e de terceiros.
18
mesmo quando aquela lei estrangeira inicialmente aplicável estabelecer a
sua imutabilidade, se o requerimento for feito no Brasil. 32
Outra questão importante diz respeito à necessidade ou não da
comprovação do regime aplicável. Há precedentes judiciais pela
desnecessidade da prova do regime de bens em casos de transcrição de
assento de casamento realizado no estrangeiro. Assim decidiu o Tribunal de
Justiça de São Paulo, que em matéria de dúvida suscitada na hora da
transcrição do casamento realizado no estrangeiro, permitiu que a
declaração pessoal suprisse a omissão sobre o regime de bens adotado, por
força da aplicação do art . 7, p. 5 da LICC. Desta forma observou -se a lei do
paíse em que os nubentes tinham domicílio, nada impedindo a adoção do
regime por eles declarado. 33 Esta decisão é interessante porque efetivamente
respeita as peculiaridades da lei estrangeira sem pretender adaptá -la ao
sistema brasileiro. Considerando que entre as formalidades locais, onde o
ato foi praticado, não é necessária a informação sobre o regime de bens na
certidão, não poderia o direito brasileiro exigi -la, criando requisito que a
lex fori não prevê.
2. Regime convencional de bens – pactos ante-nupciais
Quando os nubentes decidem estabelecer, através de um pacto
antenupcial, o regime de bens de seu matrimônio, diverso daquele legal,
surgem alguns problemas relacionados ao direito internacional privado, se
este ato for praticado no exterior. Importante notar que o art . 7o p. 4
o. da
LICC, ao falar de regime de bens, não distingue entre o regime de bens
legal e o regime de bens convencional. Aplicam -se, portanto, ao regime de
bens convencional as mesmas disposições do regime legal quanto à lei
32 Como no Brasi l não se ut i l iza o reenvio , a imutabi l idade do regime pela le i
aplicável ao mesmo não sur t irá e fei tos aqui , para fins de impedir os cônjuges de usar a
faculdade prevista no ar t . 1639 p. 2o. do novo Código Civil .
33 Recurso AC 162367 , Relator Weiss de Andrade, julgamento em 22/10/93.
19
aplicavel, em função do domicílio comum, e quanto à sua imutabilidade.
Desta forma, se o domicílio comum ou o primeiro domicílio conjugal for no
Brasil, a lei aplicável ao pacto será a brasileira.
Não podemos esquecer que o pacto é um acordo de vontades, e como
tal sujeito ao disposto no art . 9o
da LICC, no tocante aos requisitos de sua
validade, que não podem ignorar a lei local. Contudo, no momento de dar
efeito a esse pacto no Brasil – por ser o domicílio comum dos nubentes ou o
primeiro domicíl io conjugal --, a interpretação de suas cláusulas será feit a à
luz das normas imperativas do direito brasileirorelativas ao regime de bens.
Isso porque, nos dizeres de Caio Mário 34 embora o pacto seja um
contrato, não se subordina ao direito das obrigações, mas sim ao direito de
família, adquirindo um caráter inst itucional diverso do que é permitido
pactuar no campo obrigacional.
No tocante à forma, surge a dúvida quanto à necessidade de atender
aos requisitos formais da lei brasileira 35 em vista do disposto no parágrafo
1o. do art. 9
o , v.g., no caso de um pacto feito no exterior por instrumento
particular, quando a lei brasileira exige escritura pública e registro em livro
especial do registro de imóveis, para produzir efeitos perante terceiros. A
solução está na aplicação da regra locus regit actum, tendo em vista que
seguiu-se a lei local no momento de sua elaboração, sendo um ato jurídico
perfeito e não havendo óbice para a sua aceitação no Brasil. Nesse sentido
já lecionava Oscar Tenório 36 ao esclarecer que os elementos extrínsecos dos
34 SILVA PEREIRA, Caio Már io, Inst i tu ições de Dire ito Civi l , . . .vol . v , p . 122.
35 No novo Código Civil :
Art . 1 .653. É nulo o pacto antenupcial se não for fe i to por escr i tura públ ica, e
ineficaz se não lhe segui r o casamento.
Art . 1 .657. As convenções antenupcia is não terão efei to perante terce iros senão
depois de registradas, em l ivro espec ia l , pe lo o fic ia l de Registro de Imóveis do
domicí l io dos cônjuges .
36 TENÓRIO, Oscar , Lei de Introdução . . . p . 276 .
20
pactos ante-nupciais dependiam da lei do lugar da celebração e os
elementos intrínsecos, da lei do domicílio comum dos nubentes ou do
primeiro domicíl io conjugal. Também Serpa Lopes entende não haver
dúvida de que prevalece, quanto à forma, a regra locus .37 Portanto, quando
o pacto é celebrado no exterior, dispensar -se-á a observância da forma
essencial da lei brasileira, qual seja, a forma pública. 38
Já quanto à questão do registro do pacto no Registro de Imóveis, para
que o mesmo produza efeitos perante terceiros, precisará ser at endida só no
que tange aos bens imóveis aqui si tuados. Isso porque, trata -se de questão
relativa à direitos reais, regida pela lex rei sitae , sendo o registro
constitutivo dos seus efeitos perante terceiros. 39
No que diz respeito à substância das disposiçõ es do pacto, não se
pode esquecer que há países em que esta liberdade é bastante ampla,
permitindo estipulações de todo desconhecidas da lei brasileira. No Brasil ,
considerar-se-ão não escritas as cláusulas do pacto violadoras da ordem
pública, quando a regência for pela lei estrangeira, e aquelas que
extrapolarem os limites do sistema de regime de bens brasileiro, quando
aplicável a lei brasileira. Essas duas hipóteses seguem, portanto, a regra de
DIPR do art . 7o p. 4
o . Assim, um determinado pacto, apesar de válido pela
lei local de sua celebração, pode, em caso de cumprimento no Brasil, ter
algumas de suas cláusulas consideradas como nulas, ao menos com relação
aos bens aqui situados, pois incompatíveis com a nossa sistemática. 40
37 SERPA LOPES, M.M. Lei de Introdução. . .p. 119.
38 De lembrar , que o pac to não se d i ferenc ia dos demais documentos
es trangeiros, e por tanto é necessár io proceder -se à sua lega lização com a sua tradução
pública juramentada e o se u regis tro em t í tulos e documentos, que desta forma lhe darão
fé públ ica, a tendendo -se ao requis i to da publ ic idade do a to .
39 Veja -se sobre o tema, FACHIN, Lu ís Edson, e RUZYK, Carlos Eduardo P. ,
Código Civ il Comentado , vo l . XV, (Dire i to de Família .Casament o) , São Paulo, Ed.
Atlas, 2003, p . 139 e seguintes.
40 O código civi l brasi leiro possui t rês modal idades de regime de bens: a
comunhão parcial , que é o regime legal , e a co munhão universal , antigo regime legal a té
21
A questão da comunicação dos aqüestos
Note-se que no direito internacional privado a questão da lei
aplicável ao regime de bens resulta de uma escolha fria e matemática, mas
que espelha uma verdadeira escolha entre culturas diversas. Isso porque há
enormes diferenças culturais no que diz respeito à proteção da família,
entre os países que adotam a comunhão total, parcial ou separação de bens.
Veja-se que essa diferença, ainda hoje sentida, remonta às àquelas
existentes entre os sistemas jurídicos de origem romana ou germânica.
Enquanto Roma possuía o sistema de separação total e absoluta, no sistema
de origem germânico vigia o da comunhão universal de bens. Haroldo
Valladão relata que o regime da comunhão universal aparece e domina em
Portugal, como costume do reino longamente us ado, desde as ordenações
afonsinas, perdurando nas ordenações Filipinas, quanto aos bens presentes e
futuros, mantido no Código Português, e seguido até recentemente no
Brasil. Entre esses extremos temos ainda numerosos sistemas mistos de
comunhão e separação parciais, entre os quais podemos citar o tradicional
costume espanhol da sociedad de los gananciales, que compreende a
comunhão apenas dos bens adquiridos durante o casamento, a título
oneroso, e que se estendeu aos códigos dos países hispano -americanos.41
Na época em o tema era regido pelo cri tério da nacionalidade,
tivemos inúmeros casos de imigrantes, cuja lei aplicável da nacionalidade
era agora de um país distante de sua realidade pessoal (ou seja imigraram já
casados e fizeram todo o seu patrimônio no país adotado, embora o regime
de bens continuasse sendo o do país de origem, seguindo o princípio da
1977, e a separação de bens. O novo Código Civi l inovou ao incluir um quarto regime:
o de par t ic ipa ção f inal de aqüestos, na forma do disposto no ar t . 1672 e seguintes .
41 VALLADÃO, Haro ldo, op. Cit . , vol . I I , p . 82 .
22
imutabilidade). Isso gerou inúmeras injustiças, em especial com relação aos
italianos, país no qual o regime legal era o da separação, o que deixava a
viúva, após anos de convivência, em situação de penúria no momento da
morte de seu marido. Em razão desse contexto, os tribunais desenvolveram
interessante teoria acerca da comunhão dos aqüestos, para os regimes de
bens regidos por lei estrangeira, e para os casos da lei brasileira que previa
a obrigatoriedade da separação de bens em algumas hipótese, como a dos
maiores de sessenta anos. Os tribunais brasileiros deram uma interpretação
mais elástica a esse conceito de separação de patrimônio, de forma a
privilegiar o esforço comum, mesmo quando a lei aplicável fosse a
estrangeira e dispusesse de forma diferente. Essas decisões atingiram
somente àqueles bens aqui situados, pois quanto a estes, possuíam nossos
tribunais competência exclusiva. O assunto chegou a ser consolidado pelo
STF, através da súmula 377, que dispôs que apesar das característ icas
inerentes ao regime da separação comunicam -se os bens adquiridos na
constância do casamento se resultantes de esforço comum.
O assunto foi ventilado na jurisprudência, que destacamos através da
análise de alguns casos dos tribunais estaduais.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, seguindo posição também de
outros tribunais do país, decidiu que se aplicam aos bens adquiridos no
Brasil o regime da comunhão de aquestos mesmo quando o casamento foi
realizado no exterior e o regime de bens é de separação segundo a lei
estrangeira, por presumir -se uma conjugação de esforços na formação do
patrimônio do casal. 42 Ampara-se em decisão do STF no RE 78811, de 1975,
no qual aplicou o art . 259 do Código Civil ao casamento de alemães
casados pelo regime da separação de bens, de acordo com a lei alemã. 43
42 Agravo de Instrumento n. 414 /88, in RTJE, vo l . 61, p . 105.
43 RECURSO EXTRAORDINARIO .- RE-78811 / GB
23
Desta forma, apesar da regra de conexão brasileira acerca do regime
de bens aceitar a util ização da lei estrangeira quando o do micílio comum ou
o domicílio conjugal foi no exterior, dar -se-á a comunhão de aqüestos para
os bens adquiridos pelo esforço comum, ao menos no que diz respeito aos
aqui situados. Essa situação aparece tanto por ocasião do divórcio, quanto
na sucessão.
Todavia, em outro caso julgado também no Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro essa orientação não foi seguida, decidindo -se de forma
diversa. A questão dizia respeito a uma execução pela qual responderia o
imóvel em nome da mulher, caso fosse consagrada a com unhão de aquestos,
apesar do regime ser de separação de bens. A peculiaridade do caso é que o
casamento se dera no Zimbabwe, antiga Rodésia, onde também fora
estabelecido o 1o. domícilio conjugal. Por essa razão, em função da
aplicação do parágrafo 4o. do art . 7o da LICC, o regime de bens obedecia a
lei estrangeira. A senteça de 1o. grau aplicou o direito brasileiro por
Relator(a): Min. ANTONIO NEDER
Publicação: DJ DATA-06-06-75 PG-03949 EMENT VOL-00988-01 PG-00234 RTJ VOL-00074-01 PG-
00194 Julgamento: 29/04/1975 - PRIMEIRA TURMA
Ementa
1. ALEMAES CASADOS PELO REGIME DA SEPARACAO DE BENS DE ACORDO COM A LEI
NACIONAL DE AMBOS, QUE SE RADICARAM NO BRASIL APOS O CASAMENTO. SE O MARIDO E A MULHER SE MANTIVERAM SEMPRE UNIDOS E CONJUGARAM ESFORCOS PARA LEVAR A CABO A FORMACAO DO PATRIMONIO COMUM, AINDA QUE A COOPERACAO DA ESPOSA TENHA SIDO LIMITADA AO TRABALHO DOMESTICO, TEM ELA INDISCUTIVELMENTE O DIREITO, ATE
MESMO NATURAL, DE COMPARTILHAR DAQUELE COMPLEXO DE BENS, COMO DISPOE O ART. 259 DO CODIGO CIVIL. NAO IMPORTA QUE O MARIDO E A MULHER SEJAM ESTRANGEIROS E HAJAM CELEBRADOS O CASAMENTO PELO REGIME DA SEPARACAO DE BENS, NOS TERMOS DA LEI NACIONAL DE AMBOS, PORQUE, NO PORMENOR DA COMUNHAO DOS AQUESTOS, O IMPORTANTE E DECISIVO E O ESFORCO COMUM E CONSTRUTIVO DESENVOLVIDO PELO CASAL NO DOMICILIO EM QUE ELE CONSTRUIU OU FORMOU O PATRIMONIO PELO TRABALHO CONSTANTE E CONJUGADO DO MARIDO E DA MULHER. TRATA-SE DE UMA REALIDADE QUE O
DIREITO POSITIVO SE LIMITA A HOMOLOGAR, TAO DIFICIL E SUA NEGACAO. 2. RECURSO EXTRAORDINARIO PROVIDO, NOS TERMOS DO VERBETE 377 DA SUMULA DO STF.
24
entender que não fora convenientemente comprovado o direito estrangeiro.
Segundo este, o regime de bens era da separação de bens, não have ndo no
Zimbabwe qualquer regra sobre comunicação de aquestos. Todavia, o
Tribunal reformou a sentença de 1a. instância, entendendo que as certidões
do notário público de Harare faziam prova do direito estrangeiro e,
consequentemente, excluía a possibil idade de aplicação da regra
brasileira.44 Com isso, excluiu-se o imóvel dos efeitos da execução contra o
marido e o adquirente cessionário do referido imóvel. Desta forma,
protegeu-se o direito desse terceiro, adquirente de boa -fé.
Restrição à aquisição de bens imóveis por estrangeiro
Outro efeito que pode advir do casamento entre brasileiro e
estrangeiro diz respeito à aplicação das restrições à aquisição de imóvel por
estrangeiro no Brasil, por força da comunicação do patrimônio comum do
estrangeiro com o conjuge brasileiro.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 190, remete à
legislação infraconstitucional a regulamentação sobre a aquisição ou o
arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira.
Anteriormente, a matéria já havia sido regulada pela Lei 5.709 de 07 de
outubro de 1971 e pelo 74.965 de 1974. Havia dúvida sobre a aplicação
dessa matéria ao patrimônio comum, já que a regulamentação exigia prévia
autorização para aquisição de imóveis rurais e impunha limites máxim os
por município, nesta aquisição.
O tema foi pacificado pelo STJ, que por decisão da Primeira Turma
do Superior Tribunal de Justiça examinou um Mandado de Segurança 45
apresentado por um brasileiro casado com estrangeira, que se insurgia
44 t i r ar essa no ta.
45 No ROMS 5831/ SP de 27.02. 1997,
25
contra a exigência de uma prévia autorização do INCRA para a aquisição de
um imóvel rural. Por unanimidade, foi negado provimento ao recurso,
entendendo o STJ que a exigência de caráter administrativo imposta ao
estrangeiro se estende ao cônjuge brasileiro quando se tratar de uma
propriedade que passará a integrar o patrimônio comum dos cônjuges 46.
Nos embargos de declaração a essa mesma sentença, o STJ esclarece que a
Lei 5.709 de 1971 foi recepcionada pela Constituição de 1988, conforme
disposto no artigo 23 parágrafo 1o. da Lei 8.629, de 25 de fevereiro de
1993, que regulamenta a Constituição. Desta forma, a interpretação do
art igo 190 da Consti tuição à luz da regulamentação infraconstitucional em
vigor é de que “o estrangeiro casado com brasileiro, ou vice -versa, em
regime de comunhão universal de bens, só pode adquirir imóvel rural, com
área especificada na lei, com autorização do INCRA” 47.
46 Superior Tribunal de Justiça ACÓRDÃO: ROMS 5831/SP (199500267942) 153434 RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA DECISÃO: POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. DATA DA DECISÃO: 27/02/1997 ORGÃO JULGADOR: - PRIMEIRA TURMA E M E N T A MANDADO DE SEGURANÇA - AQUISIÇÃO DE IMOVEL RURAL POR CONJUGE BRASILEIRO CASADO COM ESTRANGEIRA. 1. O BRASILEIRO, AO CONVOLAR NUPCIAS COM ESTRANGEIRO, SUJEITA-SE A RESTRIÇÃO DA LEI 5.709/1971, SE O REGIME DE BENS DETERMINAR A COMUNICAÇÃO DA PROPRIEDADE. 2. SENDO ASSIM, O CONJUGE BRASILEIRO, PARA ADQUIRIR PROPRIEDADE RURAL TERA QUE SOLICITAR AUTORIZAÇÃO DO INCRA. ESTA EXIGENCIA NÃO PROIBE DE SE TORNAR PROPRIETARIO, APENAS O SUJEITA A UM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. 3. RECURSO IMPROVIDO. RELATOR: MINISTRO JOSÉ DELGADO
47 Superior Tribunal de Justiça ACÓRDÃO: EDROMS 5831/SP (199500267942) 168844 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA DECISÃO: POR UNANIMIDADE, ACOLHER OS EMBARGOS. DATA DA DECISÃO: 23/05/1997 ORGÃO JULGADOR: - PRIMEIRA TURMA
26
Esclarece ainda o STJ de que não se trata de uma proibição à
aquisição da propriedade, mas sim um requisito de ordem administrativ a
que deve ser cumprido, pois previsto em lei.
A nosso ver, a necessidade de obter a prévia autorização do INCRA
se aplica não só aos casos de casamentos sob o regime de bens da
comunhão universal, mas a todos os casos em que, pelo regime de bens do
casamento, o imóvel adquirido for propriedade comum de um casal em que
um dos cônjuges for estrangeiro.
3. A qualidade de herdeiro do conjuge sobrevivente
A tradição brasileira sempre foi de não considerar o cônjuge como
herdeiro necessário, sendo chamado à sucessão apenas no caso de ausência
de descendentes ou ascendentes. Quando o regime de bens tradicional do
Código Civil de 1916, era o da comunhão universal , o cônjuge já fazia jus à
meação do patrimônio conjugal. Posteriormente, com a mudança do regime
legal para o da comunhão parcial, ainda assim, na maioria dos casos, a
comunhão de aqüestos já é expressiva, todavia, não havia garantia da
existência de patrimônio a dividir com o cônjuge sobrevivente,
E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATORIOS. OMISSÃO. EXISTENCIA. 1. SENDO EVIDENTE A OMISSÃO DO ACORDÃO POR TER DEIXADO DE DISCUTIR TEMAS JURIDICOS APRESENTADOS PELA PARTE RECORRENTE, CUMPRE COMPLEMENTA-LO COM A APRECIAÇÃO DE TAIS QUESTÕES. 2. A CARTA DE 1988 RECEPCIONOU A LEI 5.709/1991. EM ASSIM SENDO, O ESTRANGEIRO CASADO COM BRASILEIRO, OU VICE-VERSA, EM REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS, SO PODE ADQUIRIR IMOVEL RURAL COM AREA ESPECIFICADA NA LEI, COM AUTORIZAÇÃO DO INCRA. 3. INTERPRETAÇÃO DO ART. 190 DA CF/1988. 4. EMBARGOS RECEBIDOS. RELATOR: MINISTRO JOSÉ DELGADO INDEXAÇÃO: DESCABIMENTO, BRASILEIRO NATURALIZADO, CONJUGE, ESTRANGEIRO, AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOVEL, ZONA RURAL, HIPOTESE, CASAMENTO, COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS, NECESSIDADE, AUTORIZAÇÃO, INCRA, DECORRENCIA, RESTRIÇÃO, ESTRANGEIRO, AQUISIÇÃO, IMOVEL. FONTE: DJ DATA: 18/08/1997 PG: 37781 REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS: LEG: FED CFD: 000000 ANO: 1988 ***** CF-88 CONSTITUIÇÃO FEDERAL ART: 00190 LEG: FED LEI: 005709 ANO: 1971 ART: 00015 ART: 00003 LEG: FED DEC: 074965 ANO: 1974 ART: 00007 PAR: 00002
27
especialmente em casos no qual todo o patrimônio famil iar decorria de bens
havidos por herança pelo de cujus . Agora, com o novo Código Civil, opera -
se significativa mudança: o cônjuge supérstite concorre com os
descendentes na sucessão legítima, a depender do regime de bens. 48
No que diz respeito ao DIPr, embora a lei vigente no Brasil não
qualificasse o cônjuge sobrevivente como herdeiro -- como se fará na
entrada do novo Código Civil --, havia casos em que isso ocorria por força
da regra de conexão que determinava a aplicação da norma estrangeira à
sucessão, na forma do caput do art . 10 da LICC. 49
Recentemente, tivemos um exemplo da ocorrência deste problema,
como parte do processo de cumprimento de um testamento particular no
Brasil, sendo o de cujus estrangeiro e tendo falecido no exterior, surgiu a
dúvida acerca da identificação dos possíveis herdeiros em uma sucessão
legít ima, já que o artigo 1131 do CPC dispõe que serão intimados para a
inquirição não somente os beneficiados pelo testamento, mas também
48 Art . 1 .829. A sucessão legí t ima defere -se na ordem seguinte :
I – aos descendentes, em concorrência co m o cônjuge sobrev ivente, sa lvo se
casado es te com o fa lecido no regime da comunhão universal , ou no da separação
obrigatór ia de bens (ar t . 1 .640, parágrafo único) ; ou se, no regime da comunhão parc ia l ,
o autor da herança não houver deixado bens par t iculares ;
I I – aos ascendentes , em concorrência com o cônjuge;
I I I – ao cônjuge sobrevivente ;
IV – aos cola terais.
Art . 1831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, srá
assegurado, sem prejuízo da par t ic ipação que lhe ca iba na herança, o dire i to real de
hab i tação relat ivamente ao imóvel dest inado à res idência da famí lia , desde que seja o
único daquela natureza a inventar iar .
Art . 1832. Em concorrência com os descendentes (ar t . 1 .829, inc iso I) caberá ao
cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, n ão podendo a sua quota ser
infer io r à quarta par te da herança, se for ascendente dos herdei ros com que concorrer .
Art . 1837. Concorrendo com ascendentes em primeiro grau, ao cônjuge tocará um
terço da herança; caber - lhe-á a metade desta se houver um só asc endente, ou se maior
for aquele grau.
49 Sobre a determinação da qual idade de herde iro , segundo o ar t . 10 p . 2o. da
LICC, veja -se decisão do STJ no caso Blanca Escuder o.
28
“aqueles a quem caberia a sucessão legítima”. O pedido foi feito pelo
conjuge sobrevivente, herdeiro por força do testamento e da lei aplicável à
sucessão.
Segundo o artigo 10 da LICC, a qualidade de herdeiro é dada pela lei
da sucessão, que seria a do Panamá, último domicílio do de cujus. E pelo
direito panamenho, conforme restou comprovado nos autos, na forma
estabelecida no Código Bustamante, o cônjuge supérstite é sempre herdeiro
na sucessão intestada, concorrendo em igualdade de condições com os
descendentes, e na ausência destes, com os ascendentes. Po rtanto, tendo
em vista a disposição da lei estrangeira, foi considerado essencial , para
atender ao artigo 1131 do CPC brasileiro, intimar a mãe da falecida, a qual
era domiciliada na Espanha, para se manifestar sobre o testamento
particular.
Somente a confirmação do testamento particular, efetuada pelo juiz
brasileiro, após a inquirição das testemunhas, é que teria o condão de
excluir o ascendente da sucessão. Na eventualidade do testamento não ser
confirmado, o ascendente herdaria juntamente com o cônju ge sobrevivente,
tudo na forma do direito panamenho.
29
A dissolução do casamento
O casamento pode dissolver-se por três motivos: pela anulação, pela
separação e posterior divórcio e pela morte de um dos cônjuges. Cada um
desses motivos tem uma repercussão diferente para o DIPR.
No que diz respeito à anulação proposta no Brasil, a LICC contém
dispositivo especial a respeito, no art . 7o p. 3o, repetindo o sistema da
regra que dispõe sobre regime de bens, manda aplicar a lei domicílio dos
nubentes ou sendo diverso este domicílio, a lei do primeiro domicílio
conjugal.
O tema foi abordado pelo STF, em priscas eras, e não teve
manifestações mais recentes. Na SE 2085, ao negar homologação a uma
sentença estrangeira anulatória de casamento, o Ministro Luis Gallotti
declara que o dispositivo da LICC resultou de equívoce evidente na
transição do princípio da nacionalidade para o domicil iar em direito de
família, pois “a validade de um ato só pode ser aferida em face da lei a que
ele obedeceu”.
Também Haroldo Valladão, 50 ao abordar o tema classifica o artigo
como absurdo, entendendo que a validade de um ato da importância do
casamento não pode se submeter a uma lei diferente daquela que o presidiu,
e cuja incidência decorre de evento alheio à própria celebração . Desta
forma, em linha com o que já dissemos a respeito da lei aplicável aos
impedimentos matrimoniais, não se pode aplicar à anulação do casamento
baseada em defeitos da celebração, tais como infração aos impedimentos,
outra lei que não aquela que regeu a habilitação dos nubentes. Por seu
turno, admitir -se-ia a regra em questão, ou seja do domicílio conjugal,
50 VALLADÃO, Haro ldo, “ Dire ito Internacional. . . ” vol. I I , p . 133 .
30
somente para os casos de erro essencial ou coação, observando -se, neste
caso, os prazos prescricionais da lei domiciliar.
No que tange à dissolução do casamento pelo divórcio, três hipóteses
se apresentam com repercussões no DIPR: divórcio realizado no Brasil , de
casamento realizado no exterior, 51 e os efeitos de divórcios realizados no
exterior, de casamento lá celebrado ou aqui celebrado.
Estando o casal, cujo casamento foi celebrado no exterior,
domiciliado no Brasil, e querendo aqui divorciar -se, será competente a
justiça brasileira para processar o feito. No curso do processo será seguida
a lei brasileira para processar o feito. Mas, o juiz dever á debruçar-se sobre
a lei estrangeira para verificar a validade do ato estrangeiro, por força da
regra locus regit actum . Cumpre lembrar que se uma das partes for
brasileira, o casamento deverá ter sido registrado no Brasil para aqui
produzir efeitos. Deverá também verificar a lei aplicável ao regime de bens,
na forma do art. 7o p. 4
o. , util izando a lei estrangeira, se necessário.
Se o divórcio ocorreu no exterior, a produção de efeitos no Brasil
dependerá de sua homologação no STF. A LICC em seu artigo 15 parágrafo
único dispensava de homologação a sentenças que qualificava como
“meramente declaratórias do estado das pessoas”. Desta forma, sentenças
de divórcio que não dispussem sobre partilha de bens, alimentos ou
qualquer outro efeito diferente do estado civil dos ex-conjuges não
precisavam ser homologadas, sendo levadas diretamente ao registro no
Registro Civil de Pessoas Naturais. Todavia, essa orientação foi modificada
pelo STF, em um caso em que o juiz da comarca de Bicas, MG, confirmou
exigência de homologação da sentença pelo oficial do registro civil e
solicitou pronunciamento do STF. O Ministro Celso de Mello, em sua
51 Não vamos cuidar do divórc io anter ior à 1977 ou mesmo antes, quando vigia a
antiga Introdução ao Código Civil , com o cr i tér io da nac ional idade. Para um estudo
aprofundado desse tema, veja DOLINGER, J acob, O dire i to c ivi l . . . , capítulos 5o e
seguintes.
31
decisão monocrática declarou que o artigo em questão fora revogado pelo
art . 483 do CPC, e portanto todas as sentenças estrangeiras necessitam de
homologação. 52
O artigo 7o. da Lei de Introdução, contém no seu parágrafo 6
o.
redação introduzida pela Lei do Divórcio brasileira de 1977, que estabelece
a necessidade de observância do prazo previsto na lei brasileira para a
conversão da separação judicial em divórcio, mesmo nos casos de divórcio
realizado no exterior se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros. No
entanto, devido à exigüidade do prazo atual da lei brasileira, essa questão
não tem sido objeto de apreciação pelo STF, que no pa ssado – quando o
prazo era de três anos--, homologava sentenças de divórcio estrangeiras
com efeito de separação judicial até que se cumprisse o lapso temporal.
Uma questão se mostrou controvertida dizia respeito à possibilidade
do divórcio realizado no exterior dispor sobre a partilha de bens situados
no Brasil , pois o Código de Processo Civil de 1973 inclui norma expressa
acerca da exclusividade da justiça brasileira para proceder “ inventário e
partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da h erança seja
estrangeiro e tenha residido fora do terri tório nacional”.
Em decisão na sentença estrangeira n. 2446, o STF indeferiu a
mesma sob a alegação de que a justiça paraguaia não poderia decidir sobre
a partilha de bens situados no Brasil . No entan to, a partir de 1982, essa
orientação foi modificada, passando o STF a aceitar tais part ilhas
52 Esse entendimento resu l ta de decisão do STF, que cuidou do assunto e ass im
decid iu: Pet ição Avulsa n° 11 *Relator: Min. CELSO DE MELLO (Pres idente) E menta:
Sentença estrangeira de divórcio . Pedido de averbação desse a to sentencia l d ir igido a
magistrado estadual . Alegada desnecessidade de prévia ho mologação, em face do ar t .
15, parágrafo único da LICC. Norma legal derrogada pelo CPC (art . 483 ) . Magistér io
da doutr ina. Impossib il idade processual da instauração de delibação inc idente . Ação de
homologação de sentença es trangeira. Si s tema de contenciosidade l imi tada. Evolução do
ins t i tuto no dire i to bras i le iro . Indispensabil idade da ho mologação prévia de qualquer
sentença es trangeira, quaisquer que sejam os e fei tos postulados pela par te interessada.
Precedente do STF. Veja in www.st f. gov.br .
32
realizadas no exterior, pois entendeu não haver incompatibilidade com a lei
processual brasileira, que na verdade trata de partilha mortis causae.
Atualmente, continua o STF com esse entendimento, conforme se verifica
da decisão na sentença estrangeira contestada n. 4512, que assim decidiu
em homologação de sentença estrangeira proveniente da Suiça. O casamento
havia sido celebrado no Brasil, e divórcio foi decreta do pelo Poder
Judicario da Suiça. Entendeu o STF que não feria o artigo 89, II do CPC
que a partilha de bens da sociedade conjugal processada posteriormente
perante o Judiciário suíço com aplicação das leis brasileiras, fosse
considerada válida no Brasil, homologando, por conseguinte, tal decisão.
Recentemente, em 2002, o Ministro Marco Aurélio também decidiu na
mesma linha, e homologou uma sentença estrangeira com hipótese similar.
Conclusão
Depois de proceder esta análise das principais questões relativa s ao
direito de família no DIPR, concluímos que a matéria exige, por parte dos
nubentes, uma preocupação prévia de análise das leis possivelmente
envolvidas na relação familiar transnacional. Só assim poderão ser evitados
problemas futuros de validade do casamento e demais questões atinentes à
constituição dessa família. Os problemas relativos à validade do casamento,
do pacto ante-nupcial e do regime de bens, surgem todos no futuro, ainda
na constância do casamento para a outorga uxória, e quando o casal s e
separa ou quando ocorre a sucessão, com relação ao patrimônio amealhado
ao longo da relação matrimonial .
É evidente que não se pode mais prescindir de um certo planejamento
jurídico, nas relações matrimoniais transnacionais, para evitar problemas
futuros, como já aliás é comum na seara contratual. A tendência da
utilização da autonomia da vontade para o direito de família pode estar
ainda engatinhando no Brasil, mas o novo Código Civil segue nesta direção,
que já é realidade em vários países. E esse plane jamento é importante
33
porque porque notamos que, por ocasião de uma disputa judicial, há uma
tendência dos juízes de aplicar sua lei territorial, a lex fori , diante do
desconhecimento e dificuldades de aplicação do DIPR e comprovação
adequada do direito est rangeiro.