casa daros

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Casa Daros Isabella Rosado Nunes – Diretora da Casa Daros Eugenio Valdés Figueroa – Diretor de Arte e Educação Quase doze anos se passaram desde que o primeiro rascunho da proposta conceitual da Casa Daros foi escrito em Havana, Cuba. Jornadas longas e inspiradoras aconteceram para articular com Hans-Michael Herzog as ideias fundamentais que, em 2004, se transformaram no projeto curatorial e programático da Casa Daros. Dois anos depois, foi comprado o casarão neoclássico, do século XIX – no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, Brasil – que iria abrigar aquele conjunto de ideias. Em 2006, o conceito foi colocado em prática, finalmente, com nosso plano inicial de ações, que incluía a recuperação, o restauro e a revitalização do antigo casarão, assim como a execução de um projeto arquitetônico em fases sucessivas, que iria adaptar os espaços para as funções programáticas da nova sede da Daros Latinamerica. O imóvel estava em um estado lastimável de conservação. Por isso, além de nosso compromisso com a arte contemporânea da América Latina, assumimos outro desafio e uma nova responsabilidade: a recuperação paciente e primorosa do prédio monumental, declarado Patrimônio da Cidade do Rio de Janeiro. Em paralelo aos trabalhos de construção, e integrando esse plano de ações, entre 2007 e 2011 desenvolvemos uma série de encontros e atividades, que marcaram o nascimento da programação da Casa Daros. Escutar, intercambiar opiniões com colegas no Brasil e na América Latina, aprender com suas experiências, conhecer as conjunturas e especificidades locais e regionais foram iniciativas fundamentais em toda esta etapa antes da inauguração. A decisão de assumir a Casa Daros como um permanente “work in progress” se reafirmou nesses anos de intensa reflexão e aproximação crítica, enquanto abríamos espaço para pontos de vista diversos sobre os desafios que, inevitavelmente, uma proposta como a nossa teria que enfrentar e que, sobretudo, implicava em outras maneiras de pensar a arte e a educação, reformulando seus significados e cenários de atividade. “Ensinar exige saber escutar” é um princípio educativo do pedagogo brasileiro Paulo Freire, que a Casa Daros adotou como filosofia. Freire costumava afirmar que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. E que para ler o mundo que nos rodeia, precisamos escutá-lo. Ele entendia a aprendizagem como um processo, sempre inconcluso, de interação horizontal. Do mesmo modo deveríamos descrever os processos artísticos. Definitivamente, fazer arte é um exercício longo de aprendizagem, de escuta atenta, de leitura do mundo. Entendendo a natureza comum que compartilham as práticas artísticas e educativas, a Casa Daros também adotou uma reformulação conceitual dos canais de comunicação

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Quase doze anos se passaram desde que o primeiro rascunho da proposta conceitual da Casa Daros foi escrito em Havana, Cuba. Jornadas longas e inspiradoras aconteceram para articular com Hans-Michael Herzog as ideias fundamentais que, em 2004, se transformaram no projeto curatorial e programático da Casa Daros. Dois anos depois, foi comprado o casarão neoclássico, do século XIX – no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, Brasil – que iria abrigar aquele conjunto de ideias. Em 2006, o conceito foi colocado em prática, finalmente, com nosso plano inicial de ações, que incluía a recuperação, o restauro e a revitalização do antigo casarão, assim como a execução de um projeto arquitetônico em fases sucessivas, que iria adaptar os espaços para as funções programáticas da nova sede da Daros Latinamerica.

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Casa Daros

Isabella Rosado Nunes – Diretora da Casa DarosEugenio Valdés Figueroa – Diretor de Arte e EducaçãoQuase doze anos se passaram desde que o primeiro rascunho da proposta conceitual daCasa Daros foi escrito em Havana, Cuba. Jornadas longas e inspiradoras aconteceram para articular com Hans-Michael Herzog as ideias fundamentais que, em 2004, se transformaram no projeto curatorial e programático da Casa Daros. Dois anos depois, foi comprado o casarão neoclássico, do século XIX – no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, Brasil – que iria abrigar aquele conjunto de ideias. Em 2006, o conceito foi colocado em prática, finalmente, com nosso plano inicial de ações, que incluía a recuperação, o restauro e a revitalização do antigo casarão, assim como a execução de um projeto arquitetônico em fases sucessivas, que iria adaptar os espaços para as funções programáticas da nova sede da Daros Latinamerica. O imóvel estava em um estado lastimável de conservação. Por isso, além de nosso compromisso com a arte contemporânea da América Latina, assumimos outro desafio e uma nova responsabilidade: a recuperação paciente e primorosa do prédio monumental, declarado Patrimônio da Cidade do Rio de Janeiro. Em paralelo aos trabalhos de construção, e integrando esse plano de ações, entre 2007 e 2011 desenvolvemos uma série de encontros e atividades, que marcaram o nascimento da programação da Casa Daros. Escutar, intercambiar opiniões com colegas no Brasil e na América Latina, aprender com suas experiências, conhecer as conjunturas e especificidades locais e regionais foram iniciativas fundamentais em toda esta etapa antes da inauguração. A decisão de assumir a Casa Daros como um permanente “work in progress” se reafirmou nesses anos de intensa reflexão e aproximação crítica, enquanto abríamos espaço para pontos de vista diversos sobre os desafios que, inevitavelmente, uma proposta como a nossa teria que enfrentar e que, sobretudo, implicava em outras maneiras de pensar a arte e a educação, reformulando seus significados e cenários de atividade. “Ensinar exige saber escutar” é um princípio educativo do pedagogo brasileiro Paulo Freire, que a Casa Daros adotou como filosofia. Freire costumava afirmar que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. E que para ler o mundo que nos rodeia, precisamos escutá-lo. Ele entendia a aprendizagem como um processo, sempre inconcluso, de interação horizontal. Do mesmo modo deveríamos descrever os processos artísticos. Definitivamente, fazer arte é um exercício longo de aprendizagem, de escuta atenta, de leitura do mundo. Entendendo a natureza comum que compartilham as práticas artísticas e educativas, a Casa Daros também adotou uma reformulação conceitual dos canais de comunicação

ativados por tais processos: a comunicação vista assim difere da verticalidade, da esquematização e da homogeneização de uma massa abstrata de “público”. Ao propor ser uma plataforma de encontro, criação, reflexão crítica e experimentação, a Casa Daros dá continuidade à tradição investigativa da coleção Daros Latinamerica, que além de investir em objetos, buscou sempre valorizar a voz do artista e entender sua obra como um território de conhecimento expandido, onde as respostas aparecem menos do que as perguntas. Por essa razão, a Casa Daros extrai da experiência artística o tipo de pensamento pedagógico que propõe, localizando seu exercício entre a dúvida e a possibilidade. Assim, pretende evitar as verdades e modelos “absolutos” que, por uma parte, tem permeado a história da arte narrada pelos circuitos hegemônicos – sua visão elitista sobre “uma arte para entendidos”, e por outra, soa ser conveniente e cômoda para “etiquetar” a arte como mercadoria. Na arte produzida na América Latina são frequentes as etiquetas. Mas também é comum que sejamos etiquetados pelos próprios habitantes da região; como uma fatalidade, levamos a todas as partes a “marca de origem”. Para o bem ou para o mal. Pois, às vezes, até se consegue tirar vantagem se a marca estiver na moda. A Casa Daros e a coleção Daros Latinamerica identificam o mosaico de sensibilidades, cosmovisões, histórias culturais e especificidades pós-coloniais que compõem a América Latina. E, trabalhando diretamente com a produção intelectual do continente, incorporam em sua proposta a falta de consenso sobre o termo e o conceito de “latino-americano”; uma polêmica ontológica, em virtude da qual nos reinventamos periodicamente, com uma inconformidade diante de qualquer definição fechada e conclusiva sobre o que já fomos, o que somos e o que poderíamos chegar a ser. Nossa admiração e agradecimento a Ruth Schmidheiny – por depositar sua confiança em todos nós e nos dar coragem ao longo destes 12 anos. Agradecemos também à equipe da coleção Daros Latinamerica e da Casa Daros, aos consultores, colaboradores e empresas, aos mestres de obra e operários – artífices virtuosos da reforma e do restauro do prédio –, as Secretarias da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro – em especial, aos técnicos do Patrimônio – e as equipes do Governo e Vice-Governadoria do Estado do Rio de Janeiro; e a todos aqueles que contribuíram e apoiaram, de uma maneira ou de outra, a realização deste projeto. Nossa mais profunda gratidão aos artistas e educadores que aportaram ideias, nos acompanharam e alentaram desde o início: o esforço e dedicação que demanda a construção de um projeto como a Casa Daros se justificam pelo trabalho instigador que eles desenvolvem e por seu compromisso com a criação.Texto publicado no catálogo Cantos Cuentos Colombianos. Mais informações: CW&A Comunicação Claudia Noronha / Marcos Noronha / Beatriz Caillaux Telefone: +55 21 2286 7926 e +55 3285 8687 [email protected] / [email protected] / [email protected]

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