cartografia polÍtica - as faces e fases da polÍtica na baixada fluminense (tese de doutorado)

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL MUSEU NACIONAL CARTOGRAFIA POLÍTICA: AS FACES E FASES DA POLÍTICA NA BAIXADA FLUMINENSE Alessandra Siqueira Barreto 2006

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Page 1: CARTOGRAFIA POLÍTICA - AS FACES E FASES DA POLÍTICA NA BAIXADA FLUMINENSE (Tese de Doutorado)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

MUSEU NACIONAL

CARTOGRAFIA POLÍTICA: AS FACES E FASES DA POLÍTICA NA

BAIXADA FLUMINENSE

Alessandra Siqueira Barreto

2006

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CARTOGRAFIA POLÍTICA: AS FACES E FASES DA POLÍTICA NA

BAIXADA FLUMINENSE

Alessandra Siqueira Barreto

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Antropologia Social. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho

Rio de Janeiro Julho de 2006

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CARTOGRAFIA POLÍTICA: AS FACES E FASES DA POLÍTICA NA

BAIXADA FLUMINENSE

Alessandra Siqueira Barreto

Orientador: Gilberto Cardoso Alves Velho

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, do

Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutor em Antropologia Social.

Aprovada por:

____________________

Presidente: Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho

____________________

Prof. Dr. Moacir Gracindo Soares Palmeira (PPGAS/ MN/ UFRJ)

____________________

Prof. Dr. Antônio Carlos de Souza Lima (PPGAS/ MN/ UFRJ)

____________________

Profa. Dra. Karina Kuschnir (PUC – RJ)

____________________

Profa. Dra. Alzira Alves de Abreu (CPDOC – UFRJ)

Rio de Janeiro Julho de 2006

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Barreto, Alessandra Siqueira. Cartografia política: as faces e fases da política na Baixada Fluminense/ Alessandra Siqueira Barreto – Rio de Janeiro: UFRJ/ MN, 2006. xi, 392f.: il; 31 cm. Orientador: Gilberto Cardoso Alves Velho Tese (doutorado) – UFRJ/ Programa de Pós-Graduação/ Museu Nacional, 2006. Referências Bibliográficas: f. 352-374. 1. Baixada Fluminense. 2. Política. 3. Trajetórias 4. Eleição 5. Processos de identificação. 6. Projeto. I. Velho, Gilberto Cardoso Alves. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. III. Título.

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SUMÁRIO

Resumo............................................................................................................................6

Abstract............................................................................................................................7

Agradecimentos................................................................................................................8

Introdução........................................................................................................................11

Capítulo I. Versões e Proposições...................................................................................25

Capítulo II. Jorge Gama: o articulador (ou visionário?) de uma Baixada......................64

Capítulo III. Zito: da Baixada para o mundo................................................................127

Capítulo IV. Lindberg: do mundo para a Baixada........................................................200

Capítulo V. Sobre o tempo da política na Baixada: entre festas e guerras...................267

Considerações finais: Construindo (e des/ re-contruindo) reis, ídolos e bacharéis......320

Bibliografia Geral..........................................................................................................352

Bibliografia sobre Baixada Fluminense........................................................................370

Anexos...........................................................................................................................375

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RESUMO

Cartografia política: as faces e fases da política na Baixada Fluminense

Alessandra Siqueira Barreto

Orientador: Gilberto Cardoso Alves Velho

Esta tese visa, a partir da apresentação de três trajetórias de políticos que atuam na Baixada

Fluminense, apreender os sentidos e as imagens acionadas sobre este “lugar” e em que

medida se relacionam com os projetos políticos em questão. Ao apresentar as

possibilidades de se construir a categoria Baixada, as práticas, os discursos e os projetos

políticos são pensados como operadores dos movimentos de expansão e retração das

fronteiras simbólicas (assim como as espaciais), enfocando o estatuto adquirido pela

política no que tange à enunciação desta multiplicidade.

Jorge Gama, José Camilo dos Santos Filho – o Zito e Lindberg Farias são apresentados

como algumas das faces da política local. Através de suas trajetórias, buscamos

compreender os processos de interação e de trânsito dos atores políticos entre os diversos

repertórios e universos socioculturais, dando destaque aos conflitos e alianças que tornam

possíveis seus projetos, acionando diferentes imagens sobre Baixada em negociações

cotidianas entre atores e agências. Os atores políticos são pensados então como

enunciadores-políticos que, ao lhe conferirem sentido, reinventam-na.

Palavras-chave: Baixada Fluminense, Política, Trajetórias, eleição, Processos de

identificação, Projetos políticos.

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ABSTRACT

Political Cartography: the faces and phases of Baixada Fluminense’s politcs

Alessandra Siqueira Barreto

Adviser : Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho

This PhD Dissertation inquires into the political career of three politicians from the Baixada

Fluminense so as to understand the extent to which their political projects relate to the

meanings and images commonly associated to this “place”. While presenting the

possibilities of constructing the category Baixada, the practices, discourses and political

projects are conceived as operating the movements of expansion and contraction of the

symbolic (as well as of spatial) borders, with a specific focus on the status held by politics

in regard to the enunciation of this multiplicity.

Jorge Gama, José Camilo dos Santos Filho – Zito and Lindberg Farias are pointed out as

some of the local politics’ faces. Through their trajectory, we seek to understand the

processes of interaction and the passage of political actors through the various repertoires

and socio-cultural universes, while outlining the conflicts and alliances that make their

political projects possible as they trigger different images of the Baixada in their daily

negotiations. The political actors are here thought as political enunciators that reinvent the

Baixada while signifying it.

Key-words: Baixada Fluminense, Politcs, Social Trajectory, Election, Political Projects.

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AGRADECIMENTOS

É neste momento ritual, como no ato imediato de um ponto final, que sentimos uma mescla

de dever cumprido e de certa sensação de vazio. A escrita prazerosa, mas por vezes irritante

e angustiante, finalmente chega ao fim. Ao menos desta etapa. Estar agora agradecendo a

quem compartilhou comigo todos esses momentos, bons e ruins, é ter a oportunidade de

lembrar, a mim mesma e aos outros, que por mais que tenha sido eu à frente de uma tela em

branco a escrever as páginas que aqui estão, elas foram produzidas em conjunto. Todos –

meu orientador, família, amigos, professores, funcionários, entrevistados, autores — foram

co-partícipes nessa empreitada. E como na dádiva maussiana, a obrigação de dar, receber e

retribuir não se encerra nessas linhas.

Nomear parece injusto, pois foram tantos que me apoiaram, cada qual a seu modo é claro,

que eu me veria diante da missão de escrever outras tantas páginas. Por isso, utilizar-me-ei

de generalizações e sentimentos. Afinal de contas, aqui é a hora e o lugar para dizer:

obrigada.

À minha família devo a sensibilidade, o afeto e a confiança. Particularmente à minha mãe,

de quem herdei o “gosto pelo mundo”, e a meu pai por buscar na construção de diálogos

(por vezes, devaneios) entre a (sua) matemática e a (minha) antropologia um caminho para

estar sempre próximo. Agradeço a Gilberto Velho, meu orientador, que também incluo aqui

como “da família”, pois mais do que alguém que simplesmente ensina, que doa, ele se fez

presente com conselhos e atitudes amigas. Ter compartilhado com ele esses quase oito anos

me fez perceber, seja por seu rigor, seja por seu bom humor, que é alguém com quem

poderei contar sempre e que mesmo finda esta etapa, jamais precisarei caminhar sozinha.

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Aos amigos de toda uma vida, aqui representados por Fernando, Bugre, Jackiele, Vicka,

Renata e Michele, agradeço carinhosamente e também àqueles com os quais convivi

durante meus dias de Quinta: Adriana Facina, Andréa Moraes, Cristina Patriota, Fernanda

Piccolo, Rogéria, Sandra Costa, Patrícia Delgado, Pedro Alvim e Marcelo, com quem

compartilhei ótimos momentos. A Isabel, Carla e Cristina (da Biblioteca); Luis Cláudio e

Marcelo (Secretaria), Afonso (Contabilidade), Álvaro e Marcelo (Informática), Roberto e

Miguel (Cantina) por se colocarem sempre como amigos, dispostos a tornar mais simples

meus problemas cotidianos.

Agradeço igualmente a Jorge Gama, por ter me recebido por vezes seguidas, sempre bem

humorado e disposto a ajudar. A Zito e Andréia Zito por terem dispensado algumas horas

de seus dias em entrevistas. A todos do PT, PTB e PMDB que se dispuseram a conversar

comigo, os quais não nomearei por excesso de cuidado. Aos moradores anônimos da

Baixada pelas conversas de portão, pela água gelada compartilhada em dias de caminhadas

políticas, pelos papos bem humorados e pela recepção sempre cordial. À Gisele e Thamara

que me auxiliaram durante um período da tese, coletando dados, fazendo entrevistas com

moradores, acompanhando-me em caminhadas e eventos políticos. Sua dedicação e

amizade foram mais que “assistência de pesquisa”.

A Roberta Ceva que compartilhou comigo alguns momentos de tensão durante esta tese e,

principalmente, por seu apoio indispensável na edição deste trabalho. Certamente você foi

responsável por tornar a leitura dessas páginas bem mais agradável.

Aos professores que jamais esquecerei: Moacir Palmeira, Lygia Sigaud, José Sérgio Leite

Lopes, Federico Neiburg, Giralda Seiferth. Assim como a Antônio Carlos de Souza Lima e

Karina Kuschnir que acompanharam o processo de “fabricação” desta tese.

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Aos colegas da UFU. Aos já bons amigos que fiz em meus dias nas Gerais, especialmente,

Deise, Lilia, Sérgio, Christy e Karen.

À Vitória que traz em seu nome a marca de quão querida e desejada é. Aos seus breves

sorrisos entre choros e sonecas.

A Juarez Humberto, um agradecimento especial. Simplesmente por me fazer desejar ser

sempre melhor. Obrigada pelas leituras durante as madrugadas, pela compreensão em meus

dias de fúria, pela infinita paciência diante de minhas réplicas e tréplicas, por me amar sem

limites. Você é indispensável na minha vida e os dias em que posso estar contigo são

sempre ensolarados.

Por fim, agradeço ao CNPq que me concedeu bolsa durante os dois primeiros anos de

minha tese neste Programa.

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INTRODUÇÃO Começo com um mapa da viagem. Afinal, o que pretendo elaborar aqui pode ser, de certa

forma, pensado como uma cartografia (ainda que breve) da política na Baixada Fluminense.

É difícil precisar quando exatamente comecei esta etnografia. A política sempre permeou

meus interesses; em um primeiro momento, muito mais como moradora e observadora da

Baixada Fluminense e somente mais tarde como questão sociológica propriamente dita.

Acho importante refletir, de alguma maneira, sobre o fato de que nasci e morei até os 15

anos de idade em Paracambi, município localizado a 80 km do Rio de Janeiro, às vezes

incluído como o último município da Baixada. A Rodovia Presidente Dutra era um de meus

caminhos habituais. Os trilhos que levavam à Central do Brasil, um outro. O destino: o Rio

de Janeiro.

A visão cotidiana e repetitiva das cidades que se sucediam, sem que se notasse

precisamente seus limites, marcou os meus dias durante muito tempo. As idas e vindas

pareciam-me, às vezes, intermináveis. O movimento era uma prática constante e uma

exigência iminente.

A manutenção de meus laços com Paracambi e com a Baixada, de forma mais ampla, deu-

se não apenas porque meus pais, outros parentes e alguns amigos ainda moram por lá, mas

também porque sempre mantive algum vínculo de identificação com a localidade. Não

havia, por exemplo, transferido o meu título de eleitor até a eleição de 2004. Era uma forma

de participar da vida da cidade de uma maneira ou de outra. Não que isto me torne uma

“nativa” (se é que posso classificar-me desta forma), que autorize o meu discurso ou, ainda,

que me coloque em posição privilegiada. Apenas reconheço que fiz uma opção consciente

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de transformar em objeto algo que fazia parte do meu cotidiano, múltiplo, heterogêneo e

perpassado por outras formas de pertencimento e processos de identificação que, em

algumas situações, foram mesmo contraditórios.

A própria alteração em meu status me fez redirecionar o olhar. Novos lugares e novos

sentidos. De repente, transformei-me numa pesquisadora em trânsito. As inúmeras viagens

operavam, agora, um desejo de conhecer e desvendar a “casa”. Os amigos, amigos dos

amigos, conhecidos e estranhos viravam interlocutores, nativos e mediadores. Tudo me

parecia fora do lugar. Eu mesma estava fora do lugar.

Cada dia era novo e cada fala, cada paisagem, cada cidade me exigia mais e mais. Os

tropeços foram intercalados por conversas com motoristas de vans e moradores em filas de

ônibus; políticos em campanha e outros que delas já desistiram; “marketeiros”, assessores e

eleitores; festas e chuvas; caminhadas e a procura por elas.

Outro aspecto de meu “trabalho de campo” foi o trânsito entre “meus diferentes mundos”,

mais especificamente e geograficamente, o Rio de Janeiro, onde residi de 1994 até 2004

(com alguns intervalos); Nova Iguaçu, cidade na qual estudei quando adolescente, morei

por dois anos e trabalhei por quatro e Paracambi, cidade onde nasci e fui criada. O

“movimento” foi parte constitutiva do meu cotidiano antes e durante todo o processo do

doutorado e as pessoas que conhecia foram peças-chave para que esta pesquisa se

desenvolvesse. Não se trata, portanto, de uma etnografia multi-situada (Marcus, 1995);

tendo antes a pensá-la como multi-referenciada.

A partir da pesquisa de campo, descortinavam-se diante de mim outras tantas Baixadas que

eu não conhecia e, de repente, em pequenos diálogos, parecia que todas se faziam uma só:

“Aqui na Baixada é assim mesmo!” “Você não tem cara de Baixada!” “Se você é de

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Paracambi, sabe do que estou falando”. Estas foram apenas algumas das falas “roubadas”

de seus contextos e registradas aqui no intuito de expressar distanciamentos e acolhimentos

que fizeram parte de minha vivência.

Não retomarei aqui a discussão sobre uma suposta imparcialidade — já exaustivamente

abordada pelas ciências sociais — tampouco aquela relativa à possível interferência da

proximidade (espacial e/ ou sociocultural) do pesquisador que opta pelo estudo no mesmo

universo de que faz parte — questão explorada e problematizada por Velho (1980 e 1981) e

Velho e Kuschnir (2003). Farei, no entanto, algumas observações sobre as condições de

realização de minha pesquisa.

Eu não segui o modelo tradicionalmente instituído pela antropologia clássica, fundado por

Malinowski a partir de sua pesquisa na Melanésia, mais especificamente nas Ilhas

Trobriand (1922). O “trabalho de campo” tornou-se a partir de então referência e marco

para a antropologia, informando um novo fazer etnográfico. Minha opção pelo recorte

socioespacial da Baixada Fluminense não se deve apenas à sua classificação como área

periférica, marginal e estigmatizada ou ao lugar secundário que ocupa na historiografia da

política regional, mas também ao fato de que este “lugar” estaria em processo constante de

construção, a partir de projetos diversos e, muitas vezes, conflitivos (dentre os quais os

projetos políticos analisados nesta tese).

A decisão de estudar a política e, mais especificamente, algumas trajetórias de políticos da

Baixada Fluminense (assim como a de situá-los nas redes de que fazem parte), deu-se a

partir do trabalho realizado para a conclusão do curso de mestrado. Esta dissertação tratou

da articulação — entendida em termos amplos e não restrita à articulação partidária — de

uma associação de moradores em um bairro carioca, tendo na figura de seu presidente, o

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mediador e porta-voz autorizado para lidar com o problema da eminente construção de um

túnel urbano (que reconfiguraria não apenas o espaço físico, mas as relações sociais dentro

do próprio bairro) (Barreto, 2001).

Ao ingressar no doutorado, procurei unir dois interesses primordiais: a política e a Baixada.

Meu projeto inicial consistia em analisar as trajetórias de dois políticos locais, também

empresários, tentando pensar as relações entre a política e o mundo empresarial, a partir

desta dupla inserção dos atores escolhidos. Tal empreitada, no entanto, logo se mostrou um

tanto complicada devido à dificuldade — quase impossibilidade — de acessá-los e, mais

ainda, o mundo empresarial da região. Voltei-me então para a idéia mais geral motivadora

de minha entrada no doutorado: a Baixada Fluminense.

Este estudo insere-se na área que se convencionou chamar Antropologia Urbana. A

passagem para uma antropologia das e nas cidades fomentou debates e buscou novas

opções para lidar com os objetos produzidos a partir desse “encontro” do pesquisador com

sua própria sociedade e da exigência de se constituir uma outra alteridade.

Seja nos trabalhos que enfocavam a cidade como objeto (Weber, 1967 [1921]), passando

por aqueles que procuravam dar conta das especificidades estabelecidas pelo novo ritmo

das metrópoles (Simmel, 1967 [1902]) e, finalmente, nos estudos da Escola de Chicago1

1 A Universidade de Chicago foi criada em 1892, com o apoio obtido da Fundação Rockfeller e a partir da atuação de diversos intelectuais, entre eles de pastores protestantes como Albion Small. A Escola de Chicago não configura propriamente uma “escola” em termos de uma referência teórica específica, referindo-se antes a estudos marcados por influências diversas, pela interdisciplinaridade e que, apesar das variadas experiências que originaram, tiveram em comum a cidade e os grupos urbanos como objetos de estudo. A origem do que se convencionou chamar Escola de Chicago foi o Departamento de Sociologia e Antropologia que funcionou entre 1892 e 1929. Em 1929 o Departamento foi desmembrado e os pesquisadores se dividiram entre as duas áreas. Os trabalhos produzidos pelos pesquisadores da Escola de Chicago, no entanto, continuaram a exercer influência entre diversos pesquisadores preocupados com as cidades e com sua própria sociedade. Entre seus principais temas e autores encontramos: a integração e imigração (Thomas e Znanieki, 1918-1920); a segregação socioespacial (Park (1967 [1916]), Wirth (1928), Burgess (1928); o estilo de vida urbano, Wirth (1967 [1938]); as carreiras, Hughes (1971a e 1971b), Becker (1977 e 1982); o desvio, Becker (1967 e 1973);

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que consagraram as pesquisas em meio urbano, a heterogeneidade e a complexidade dos

grupos sociais e das interações foram se impondo frente às transformações por que

passavam as cidades em todo o mundo.

O trabalho de Foote Whyte (2005 [1943]) é exemplar para pensarmos a constituição da

pesquisa com grupos urbanos, a metodologia de trabalho empregada, além do próprio lugar

ocupado pelo pesquisador.

“As idéias crescem, em parte, como resultado de nossa imersão nos dados e do processo

total de viver” (idem, p. 284). A partir desta afirmação, gostaria de debruçar- me sobre meu

recorte, minhas escolhas e meus dados, ainda que de forma incipiente.

A amplitude de meu recorte e minha proximidade com o universo pesquisado foram os

primeiros obstáculos enfrentados para a realização desta pesquisa. Como enfrentar a

Baixada Fluminense? E, afinal de contas, por quê? A política surgiu, então, como uma

tentativa de tornar possível tal empreitada bem como de estabelecer algum tipo de

estranhamento. Mas se a escolha recaísse sobre a análise da trajetória de um único político,

como seria possível contemplar o objetivo inicial de entender a multiplicidade de imagens e

interpretações sobre este “lugar”? Provavelmente, seria um trabalho mais minucioso que

me permitiria acompanhar pari paso o dia a dia do político, as reuniões, as alianças, com a

possibilidade de me fazer presente o maior tempo possível.

o estigma e as performances (Goffman (1975 [1959], 1974 [1961], 1975 [1963], 1969). Esses autores tiveram papel de destaque na produção antropológica brasileira, fundamentalmente pelo intercâmbio entre pesquisadores de Chicago, como Donald Pierson em São Paulo, influenciando toda uma geração de cientistas sociais e, no Rio de Janeiro, pelos trabalhos desenvolvidos por Gilberto Velho e seus orientandos, com marcada influência dos trabalhos supracitados. Sobre a Escola de Chicago, consultar Bulmer (1986), Becker (1990). Sobre as experiências e diálogos de pesquisadores brasileiros e franceses com os pesquisadores de Chicago, consultar o livro A Escola de Chicago. Impacto de uma tradição no Brasil e na França, organizado por Valladares (2005).

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O segundo problema surgia justamente daí. Se uma única trajetória não era suficiente para

pensar na multiplicidade da Baixada a partir das práticas políticas locais, quais trajetórias

deveriam ser selecionadas? E por quê?

Desde o início, eu estava decidida a abordar o caso de Zito, visto que se encaixava

exemplarmente no perfil do político-empresário e tinha sua imagem pública

constantemente associada a uma representação da Baixada condizente com os noticiários

jornalísticos dominantes na década de 1980. Logo em seguida, no entanto, após recorrentes

tentativas, a aproximação com tal político mostrou-se dificílima2. Acabei optando, então,

por recomeçar de outra forma. O critério adotado para a definição dos nomes a serem

abordados nesta tese passou a ser a possibilidade de acionarem imagens diversificadas

sobre a Baixada — e sobre o fazer político local — e não somente aquelas remetidas às

idéias de violência, criminalidade e assistencialismo.

Tentei, em seguida, montar um pequeno quadro de referência sobre repertórios e imagens

mobilizados, privilegiando as narrativas construídas por políticos que, a meu ver,

descreveriam não apenas as práticas políticas locais como trariam à tona tal multiplicidade

de formas de identificação e de constituição das diferentes Baixadas, por intermédio de seus

projetos individuais e na medida em que possibilitariam ou não a constituição de projetos

coletivos. Ao tentar definir o lugar dessas práticas e discursos, enfoquei o estatuto da

política no que tange à enunciação da(s) Baixada(s), procurando abordar os projetos

políticos como operadores dos movimentos de expansão e retração das fronteiras

simbólicas e espaciais do que se convencionou chamar Baixada Fluminense.

2 Retomarei tal questão no capítulo 3 desta tese.

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Achei adequado, após as inúmeras negativas que recebi da equipe de Zito, não invadir o

mundo da política, mas tentar entrar como convidada. Sendo assim, quando por fim me

decidi a estudar as relações políticas locais, busquei imediatamente um possível mediador.

Meu primeiro contato foi com o então prefeito de Paracambi (pelo PT), André Ceciliano,

em 2003. Este acesso foi facilitado porque já nos conhecíamos de Paracambi e, segundo um

ditado comum nas cidades pequenas, “em cidade pequena, todo mundo se conhece”. Minha

condição de ex-moradora e os laços desse tipo de pertencimento foram, portanto, decisivos,

naquele momento, para meu ingresso nesse universo.

Na reformulação do projeto inicial, resolvi recomeçar a pesquisa entrevistando outros

prefeitos da Baixada. Meu primeiro passo foi telefonar para a prefeitura de Paracambi e

marcar uma entrevista com a secretária de André Ceciliano, que a agendou para a semana

seguinte. A entrevista foi marcada para o dia 15 de setembro de 2003, às 8h30min, em seu

gabinete na Prefeitura. Cheguei antes das 8 horas e fiquei aguardando na sala de espera

onde também estavam mais quatro pessoas que desejavam uma audiência com o prefeito

(uma enfermeira, responsável por um projeto junto à Secretaria de Saúde; uma mulher de

aproximadamente 45 anos que era representante de uma associação de moradores e dois

moradores de bairros da periferia). O prefeito chegou às 9horas, aproximadamente. Logo

em seguida, solicitou à secretária que me pedisse para aguardar um pouco pois atenderia a

enfermeira para, em seguida, falar comigo. Levou apenas dez ou quinze minutos neste

“atendimento” e logo me mandou entrar. Conversamos por mais de duas horas e, a partir

daquele momento, André tornou-se um interlocutor e mediador fundamental.

Nesta primeira entrevista, conversamos sobre sua trajetória política, seus projetos – entre os

quais a reeleição – e também sobre a Baixada – sobre imagens veiculadas pela mídia,

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violência, problemas estruturais, personalidades políticas e empresários, principais agências

etc. E foi neste mesmo dia que, a partir de uma pergunta sobre os novos nomes do PT para

a Baixada (referindo-me mais explicitamente a Narriman Felicidade que há pouco havia

ingressado no PT, fato este que provocara grande repercussão no partido e também na

imprensa, já que seu marido era ninguém menos que o polêmico Zito), ficou evidenciada a

ligação de André com Lindberg Farias. Na ocasião, André me garantiu que, apesar do

alvoroço em torno de Narriman, o grande nome do partido para as eleições de 2004 seria o

de Lindberg Farias e que ele, certamente, venceria a eleição. “Você pode anotar isso: o

Lindberg vai ganhar essa eleição em Nova Iguaçu. Ele é um cara com carisma, com

potencial e não entra pra perder.” Contou-me sobre sua relação com Lindberg e alertou-me

que ficasse “ligada”, “de olho”, pois ele iria “dar o que falar”.

Naquele momento, ainda não havia decidido por que políticos “recortar” a Baixada. Resolvi

partir dos executivos municipais em seu cotidiano, pesquisando a maioria dos municípios

da Baixada Fluminense — ou seu núcleo mais conhecido, constituído por Duque de Caxias,

Belford Roxo, São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita, Nova Iguaçu, Queimados, Japeri e

Paracambi. Realizei diversas entrevistas com prefeitos, mas percebi que seria inviável

trabalhar com todo o material coletado de forma adequada. Ao mesmo tempo, já estava

acompanhando a articulação da campanha para a reeleição de Mário Marques — eleito

vice-prefeito de Nova Iguaçu em 2000, tendo assumido o cargo quando Nelson Bornier

elegeu-se deputado federal nas eleições de 2002 — junto a quem permaneci pesquisando

até o final da eleição de 2004.

Após algumas conversas e ponderações de meu orientador, resolvi definir as trajetórias

políticas a serem abordadas, escolhendo entre nomes diretamente envolvidos com os novos

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rumos que a política na Baixada poderia tomar. Concentrei meus esforços em três

personalidades políticas, cada qual mantendo uma relação bastante singular com a região.

Zito foi um dos escolhidos, mesmo sem conseguir dele me aproximar; os outros dois foram

Jorge Gama e Lindberg Farias. Tal escolha justifica-se, de forma geral, pela importância

política, pela especificidade da vida pública e pelas imagens e projetos de Baixada

suscitados por esses atores — como procurarei demonstrar ao longo desta tese.

A escolha de Jorge Gama explica-se em grande medida por seu papel central na política da

Baixada, desde os anos 1970, e por sua “sobrevivência política”, mesmo estando há muitos

anos sem mandato legislativo. A opção por Lindberg deveu-se ao fato de, em um

determinado momento da pesquisa, termos sido confrontados a uma situação inusitada. Até

então, a eleição não seria objeto de análise deste trabalho e as movimentações e a

organização do dia a dia das campanhas políticas não constava de meus planos de

investigação. Entretanto, como se a tese ganhasse vida própria, fui engolida pelos

acontecimentos políticos que tiveram início no fim de 2003, intensificando-se nos primeiros

meses de 2004: a entrada em cena de um político outsider, Lindberg Farias.

Os três perfis aqui analisados são bastante contrastantes. O pertencimento a distintos

partidos políticos e as carreiras de rumos diversificados, permitiram-me contrapor os

estilos e as atuações desses atores sociais que, no entanto, guardavam alguma similaridade:

seus projetos políticos tinham a Baixada Fluminense como locus privilegiado.

Durante a pesquisa não tive a sorte de deparar-me com um Doc como Foote Whyte (op.

cit.), mas contei com a colaboração de diversos (e valiosos) informantes ativos (em

contraposição à sua idéia de “informante passivo”). Dentre eles, André Ceciliano foi o

primeiro, mas posteriormente estabeleci uma relação similar com Pedro Cezar (o PC,

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assessor de comunicação de Mário Marques), com Jorge Gama e com Kayo (assessor de

comunicação de Lindberg Farias). Eles não se contentavam em informar-me. Na maioria

das vezes, exigiam que eu me posicionasse, emitindo, a todo momento, suas opiniões sobre

“a política” e sobre “a Baixada”. Assim como Foote Whyte, eu procurava esquivar-me de

temas delicados e de “questões melindrosas”, mas a “conversa” era o instrumento por

intermédio do qual se dava a aceitação e a justificativa para a minha interferência

inoportuna (cf. Foote Whyte, op. cit., p. 305). O reverso da moeda, no entanto, consistia no

fato de que, ao mesmo tempo em que a minha presença poderia ser problemática e

desconfortável (as conversas deveriam ser “controladas”, a escolha das palavras mais

cuidadosa, os nomes muitas vezes omitidos...), também significava que a trajetória pública

destes homens despertava interesse — e quem sabe minha aceitação poderia ser

capitalizada (como o foi e tratarei disso mais adiante) em alguma visibilidade (nota em

jornal, a publicação de um artigo, de um livro etc.).

Desde 2003, as entrevistas e conversas com políticos, pessoas a eles ligadas e moradores

foram realizadas como forma de penetrar aos poucos no “mundo” da política local. O

“estilo” de pesquisa adotado me possibilitou trabalhar com abordagens e técnicas diversas.

Em face da opção por conduzir o estudo a partir de três trajetórias específicas, não trabalhei

com histórias de vida ou estudos de caso. A peculiaridade do objeto e do tempo que cada

político dispunha para estar comigo obrigavam-me a criar alternativas ao “contato o mais

íntimo possível” — bem como o fato de estar morando em outro estado, desde agosto de

2004.

Além da pesquisa bibliográfica sobre a Baixada Fluminense, particularmente sobre a

política na Baixada, os jornais (impressos, televisionados e on line) foram fontes

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privilegiadas de análise. Já que não haveria como mapear as relações de cada ator analisado

e entrevistar/ conversar com pessoas que acompanharam tais trajetórias, utilizei os meios de

comunicação — mais do que como fontes — como informantes mesmo, juntamente com os

moradores dos municípios da Baixada e com pessoas diretamente ligadas aos políticos, ou

por vínculo profissional ou por familiar e de amizade.

As matérias coletadas provêm, majoritariamente, dos jornais cariocas O Globo e Jornal do

Brasil. Nesses dois recolhi todas as matérias publicadas sobre Jorge Gama, Lindberg Farias

e Zito até o momento imediatamente posterior à eleição de 2004, englobando o início da

década de 1980 até o final de novembro de 2004. Além dos jornais mencionados, também

realizei pesquisas on line — cujas buscas foram realizadas pelos nomes dos políticos e/ ou

da Baixada Fluminense em periódicos e semanários diversos até o fechamento desta tese:

Folha de São Paulo, Estado de Minas, Gazeta Mercantil, Jornal do Comércio, Jornal de

Hoje, Extra, O Dia, Revista Isto É, Revista Veja. As matérias foram classificadas,

inicialmente, pelo político mencionado e, em seguida, por assunto. Não houve nesta

abordagem qualquer intenção de mensuração quantitativa, mesmo porque a imprensa (em

suas diversas modalidades) foi trabalhada como um “informante” identificado, ou seja,

como fonte de informações que traduz interesses próprios.

Também foram consultadas atas de sessões da Assembléia Legislativa que diziam respeito

a algum acontecimento marcante para os políticos escolhidos, assim como sítios eletrônicos

de partidos políticos e páginas pessoais de alguns políticos na Internet. Entre o staff de cada

um, os assessores de comunicação foram privilegiados, com eles sendo realizadas

entrevistas formais. Também foram entrevistados secretários de governo, motoristas,

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fotógrafos de campanha, candidatos às Câmaras Municipais, e, quando possível, alguns

políticos próximos a Jorge, Lindberg e Zito.

Optei por entrevistas abertas e gravadas, assim preservava-se o “clima de conversa” —

nenhum dos meus interlocutores tendo demonstrado qualquer constrangimento diante de

meu pedido para realizar a gravação. Alguns deles solicitaram que eu desligasse o gravador

em alguns momentos da entrevista, para que a informação pudesse ser dada “em off”. Elas

aconteceram em locais diversos: gabinetes, restaurantes, bares, corredores, festas, casas,

carros etc. Como eu estava sempre “armada” com meu gravador, qualquer hora era hora.

Além das entrevistas, diversas outras situações e conversas informais colaboraram para

minha “imersão nos dados”. Apesar de não residir em um dos municípios da Baixada

durante o período da pesquisa, coloquei-me como etnógrafa em tempo integral, o que

implicava em transformar minhas “idas e vindas” à Baixada (para encontrar amigos, ir a um

restaurante, comprar algo) como parte de uma “vivência de campo”.

Minha familiaridade com lugares e pessoas não se revelou um empecilho à pesquisa, ainda

que, às vezes, eu me cobrasse um certo distanciamento e alteridade que, curiosamente, só

puderam ser construídos a partir da aproximação com meus interlocutores. Nesses

movimentos de “abertura” e “fechamento” fui, aos poucos, encontrando o meu lugar — não

definido apenas por mim e pela idéia inicial de que eu poderia “controlar tudo”, mas

também pelas pessoas com quem fui me relacionando e que me classificavam ora como

pesquisadora-moradora, ora como moradora-pesquisadora, ou ainda só como pesquisadora

ou só como (ex-)moradora. A suposição (ou presunção) de um domínio sobre as distâncias

processadas caiu por terra, e o convívio, mais ou menos duradouro, com o mundo da

política na Baixada tornou-se instigante e prazeroso.

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A respeito dos nomes, decidi-me por mantê-los em função do caráter público das trajetórias

abordadas. Já os nomes dos moradores e de pessoas ligadas aos políticos, por vínculos

profissionais e/ ou pessoais, foram alterados visto que em função quer das informações,

quer de suas opiniões, estariam expostas a constrangimentos e algum tipo de retaliação.

Destaco apenas que nenhuma delas fez qualquer objeção ou restrição ao uso de seu nome.

A construção da tese implicou em uma ordenação dos capítulos que, à primeira vista, pode

parecer marcada pelo recorte cronológico. Adianto que não foi este o objetivo. Tal fato

deve-se à tentativa de — juntamente com apontamentos sobre as práticas políticas e as

imagens acionadas sobre a Baixada — seguir os acontecimentos no tempo. Enfatizo, no

entanto, que minha escolha por três políticos (as faces) que ainda atuam na vida pública

justifica-se, em grande medida, por acreditar que as fases da política na Baixada podem

coexistir em situações que, à primeira vista, apresentam-se como antagônicas.

Sendo assim, inicio a tese com uma síntese (no primeiro capítulo) de algumas

considerações a respeito de como a categoria Baixada Fluminense vai sendo formada e

transformada ao longo do tempo, a partir dos discursos dos diferentes atores e agências

sociais em jogo. A partir dessas classificações, abordo os trabalhos mais recentes que lidam

com a Baixada e com a multiplicidade de suas construções: de historiadores, vereadores,

músicos, deputados e moradores de um município recém-emancipado, procurando

apreender as formas como a política é por eles entendida e vivenciada.

Nos três capítulos subseqüentes, exponho as trajetórias de Jorge Gama, Zito e Lindberg

Farias, respectivamente, enfatizando as imagens e discursos acionados sobre a Baixada,

além dos projetos políticos de cada um, na medida em que traduzem repertórios culturais

diversificados e distintas possibilidades para se pensar o “lugar” em diferentes contextos.

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Pensando essas trajetórias como interligadas a redes políticas mais amplas, buscamos

compreender os sentidos atribuídos à política e a suas práticas e a relação entre os projetos

individuais e coletivos.

O quinto e último capítulo focaliza o tempo da política na Baixada — tomando como base

as eleições de 2004 — sintetizado nas idéias da festa e da guerra. Desse modo,

privilegiamos de um lado, uma estrutura específica de visibilidade e da relação político-

eleitor propiciada pelos showmícios e, de outro, a dimensão conflituosa das contendas

eleitorais e das disputas entre projetos políticos diferenciados.

Por fim, mencionamos algumas considerações sobre a construção dos sistemas de

visibilidade e do papel dos meios de comunicação para se falar de política e de cidadania

nas sociedades contemporâneas.

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CAPÍTULO 1: VERSÕES E PROPOSIÇÕES

“Há tantas maneiras de representar o espaço quantos são os grupos” (Halbwachs,

1950:166).

Não há consenso quando o assunto é Baixada Fluminense. Por este motivo, cabem aqui

algumas considerações iniciais. Hoje, a configuração mais ampla da região (da qual me

utilizo)3 abrange 13 municípios — Itaguaí, Seropédica, Paracambi, Japeri, Queimados,

Nova Iguaçu, Mesquita, Nilópolis, Belford Roxo, São João do Meriti, Duque de Caxias,

Magé e Guapimirim — que, juntamente com as cidades do Rio de Janeiro, Niterói e São

Gonçalo, formam a Região Metropolitana do Rio de Janeiro ou o Grande Rio. Com uma

população de mais de 3 milhões de habitantes4, a Baixada tem como núcleo os municípios

de Duque de Caxias, São João de Meriti, Belford Roxo, Nilópolis e Nova Iguaçu —este

último tendo sido historicamente desmembrado em quase todos os demais que hoje

compõem a região, por meio das emancipações que tiveram início na década de 1940

(Duque de Caxias, São João de Meriti e Nilópolis); as últimas tendo ocorrido na década de

1990 (Belford Roxo, Queimados, Japeri e Mesquita)5.

Apesar de hoje já contarmos com um número mais expressivo de trabalhos sobre a região,

sua delimitação ainda permanece algo polêmica. Mesmo não sendo o objeto da maioria

destes estudos, a temática em questão figura, de uma forma ou de outra, entre as

3 As razões desta escolha serão explicitadas ao longo deste capítulo. 4 De acordo com dados do Censo 2000 do IBGE, a Baixada Fluminense — com a configuração acima exposta — teria 3.370.508 habitantes e, de acordo com o Quantitativo de Eleitores de março de 2005, divulgado pelo TSE, 2.290.890 eleitores. 5 As datas das emancipações são respectivamente: 1943, 1947 (de Duque de Caxias), 1947 (de Nova Iguaçu), 1990, 1990, 1991 e 1999. Os municípios de Itaguaí, Seropédica (desmembrados em 1997); Paracambi; Magé e Guapimirim (desmembrados em 1990) possuem características que os singularizam frente aos demais municípios. Procurarei, no entanto, matizar tal abordagem a fim de pensar o “lugar” de cada um na Baixada, como construção simbólica.

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preocupações de seus autores6. Provavelmente, a definição preliminar mais utilizada nos

trabalhos acadêmicos seja a de Geiger e Santos (1956) que, grosso modo, identifica a

Baixada como uma área de planícies baixas constantemente alagadas entre o litoral e a

Serra do Mar, atualmente estendendo-se pelos municípios situados ao longo da Rodovia

Presidente Dutra, numa extensão de aproximadamente 80 km a partir da cidade do Rio de

Janeiro7. Apesar de uma ocupação lenta verificar-se já a partir do século XVI e da região

ter sido fornecedora e distribuidora de matérias-primas diversas (cana-de-açúcar, café,

carne etc.) à capital (Rio de Janeiro)8, um dos processos mais significativos de ocupação da

localidade teve início com a construção da estrada de ferro D. Pedro II, no século XIX9.

“Desde 1840, a idéia da construção de uma estrada de ferro que, partindo do principal porto da Vila, fosse

6Diversos são os trabalhos produzidos sobre a Baixada Fluminense — ou a ela relacionados — durante as últimas décadas. Por questões relacionadas ao escopo desta tese, estarei utilizando aqueles mais recentes ou que tenham ligação direta com a questão das práticas políticas locais. O grande esforço dos pesquisadores atualmente envolvidos com a análise de grupos sociais na região é o de refletir sobre a multiplicidade de suas práticas. Sendo assim, selecionei — dentre as pesquisas acadêmicas mais recentes na área de ciências sociais — seis trabalhos com os quais pretendo dialogar mais sistematicamente neste capítulo: duas dissertações de mestrado (Oliveira, 1999 e Monteiro, 2001) e três teses de doutorado (Alves, 2003 [1998]; Enne, 2002 e Freire, 2005), exceção feita ao trabalho de Israel Beloch (1986) sobre a trajetória de Tenório Cavalcanti, dada a singularidade de seu objeto e de sua importância para esta tese. No “recorte” que fiz, privilegiei autores que estivessem, em alguma medida, preocupados em definir a(s) Baixada(s) e/ ou a política local e suas práticas. Diante disso, podemos agrupá-los a partir de alguns dos assuntos por eles abordados: identidade social, violência, práticas políticas e organizações coletivas/ arenas públicas. Percebemos a confluência em torno de alguns temas, distribuídos quase eqüitativamente por todos os trabalhos. Outro fato que acabou definindo esta escolha foi o uso recíproco entre os próprios autores e, portanto, o reconhecimento desses trabalhos e de seus objetos. Ainda nessa mesma direção, ressalto que esta produção — novamente exceção sendo feita ao trabalho de Beloch — data da segunda metade da década de 1990 em diante, acompanhando a ascensão da categoria Baixada a uma outra ordem de visibilidade, a uma mudança de status nos meios de comunicação, como apontado pela maioria dos trabalhos aqui analisados. Tal opção não implicou, no entanto, em qualquer restrição aos demais trabalhos produzidos até então sobre Baixada, que serão utilizados ao longo desta tese. 7 Para citar apenas alguns trabalhos: Beloch (1986), Alves (1991, 1999 e 2003), Fernandes (1992), Andrade (1993), Keller (1997), Souza (1997), Torres (1998), Costa (1999), Souza (2000), Prado (2000), Enne (2002), Barreto (2004), Costa (2006), entre outros. A maioria considera a Baixada como sendo composta por 11 municípios — quando não apenas por 8. Na primeira delimitação exclui-se Itaguaí e Seropédica e, na segunda, os mesmos, mais Paracambi, Magé e Guapimirim. Há, no entanto, quem inclua ainda nesta composição, Mangaratiba — somada aos 13 municípios já mencionados acima. 8 Peixoto (1968), Pereira (1970 e 1977), Ferreira (1994), Peres (1993), Silveira (1998), Oliveira (2004), entre outros. 9 Abreu (1988), Peres (2004).

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terminar à foz do rio Sarapuí, em um porto chamado da Armação, era um sonho alimentado pelos fazendeiros e financistas da região. Prejudicados com o atraso em despachar e receber suas mercadorias, que dependia da maré enchente, e mesmo assim com a ajuda de escravos que impulsionavam as canoas por meio de varas escoradas no fundo da lama, fizeram com que esse desejo fosse levado à sede do Império e, no dia 9 de maio daquele mesmo ano, autorizadas pela Fazenda Real, abriram-se subscrição de ações através da Lei Providencial para tal empreendimento” (Peres, 2004:24).

A ampliação da estrada de ferro até Queimados, em 1858, promoveu a atração e fixação da

população que, tendo se deslocado para as margens da linha do trem, estabeleceu um

padrão de ocupação ainda hoje marcante na quase totalidade das cidades que compõem a

região10. Tal processo implicou no abandono das vias fluviais — até então fundamentais

para a economia local — que acabaram por tornar-se obsoletas11.

Um segundo momento crucial da história local foi marcado, já na década de 193012, pela

criação da Comissão de Saneamento da Baixada e do Departamento Nacional de Obras de

Saneamento que ocasionaram inúmeras mudanças na região, repercutindo em uma nova

leva populacional, a partir da década seguinte13. A chegada de migrantes de várias regiões

do país e do estado — mas sobretudo nordestinos — em busca do sonho de um pedaço de

terra e/ ou da possibilidade de morar mais próximo ao local de trabalho (o município do Rio

10 Sobre a extensão da linha férrea, temos o caso, por exemplo, de Japeri cuja história é marcada pela morte de centenas de homens que trabalhavam na construção da ferrovia — acometidos de malária ou mortos em acidentes, devido às péssimas condições de trabalho e de salubridade na região. 11 Este fato provocou mudanças consideráveis na região da vila de Iguassu (mais tarde Iguaçu e, a partir de 1916, Nova Iguaçu) até então tendo uma economia voltada para os portos (como os de Iguaçu e Estrela, por exemplo) que acabaram assoreados. 12 É importante salientar que um primeiro movimento para sanear e drenar as terras da Baixada ocorreu entre 1844 e 1900, tendo como maiores beneficiários os proprietários de terra locais — que já haviam lucrado com a valorização advinda da construção da estrada de ferro e que, com a drenagem e canalização dos rios, obtiveram lucros ainda maiores (Pereira, op. cit.). 13 Na década de 1930, tal migração acentuou-se devido fundamentalmente à citricultura e às mudanças na configuração do espaço na região. Até o início da Segunda Guerra Mundial, Nova Iguaçu era uma das maiores exportadoras de laranja do país (Pereira, 1977; Souza, 1992).

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de Janeiro14) —resultou no período de maior crescimento populacional da região (décadas

de 1950 e 1960), bastante superior às taxas observadas para o restante do estado

(crescimentos de mais de 100%, só na década de 1950)15.

As narrativas de moradores locais confirmam os dados e retomam a saga — desde a cidade

de origem, passando pela viagem de muitas horas em ônibus precários ou em paus-de-arara,

sozinhos ou com toda a família; o sol e a chuva enfrentados pelo caminho e, por fim, a

chegada ao Rio de Janeiro16. O desembarque, mencionado em muitos dos relatos que

escutei, ocorria, por exemplo, no Campo de São Cristóvão — local onde os homens eram

avaliados para possível trabalho na construção civil — e o destino final era, geralmente,

uma das favelas cariocas ou alguma cidade da Baixada Fluminense. As redes familiares e

de amizade apresentavam-se como fatores decisivos no momento da escolha do local de

moradia. Contar com o auxílio, ainda que temporário, de um irmão, cunhado, prima ou

amigo era essencial para quem não tinha casa, dinheiro ou mesmo uma ocupação. Alguns

poucos já chegavam empregados — via de regra, por intermédio desses parentes/ amigos

— mas nem todos tinham a mesma sorte.

“Minha família, é uma família humilde, né? Meus pais são analfabetos, vieram do Nordeste [Pernambuco] tentar a vida no Rio de Janeiro e sempre trabalhando pra que pudesse[m] nos sustentar e dar estudo para a gente, né? Mas as condições […] como é normal no Rio de Janeiro, acho que no país todo […] Édifícil para as pessoas que não têm condições e a vida muito sacrificada. É pai trabalhando em feira, é […] ajudante de caminhão, eu, meu irmão, minha irmã também trabalhamos em feira, em barraca, enfim nós trabalhamos muito pra chegar onde nós

14 Algumas obras também contribuíram para tal processo, como por exemplo, a construção da Avenida Brasil, em 1946, da Rodovia Presidente Dutra (inaugurada em 1951), assim como os investimentos gerados graças aos loteamentos que surgiram a partir daí. 15 Fonte: IBGE, 1996. 16 A este respeito, consultar Barreto (2004).

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chegamos” (Waldir Zito, ex-prefeito de Belford Roxo, 03/02/2004). “Minha família veio pra Nova Iguaçu sem nada, só com a coragem mesmo. [...] Porque senão, iam passar fome, né? Eu nasci aqui, sou daqui da Baixada mesmo, mas já fui lá pro Norte, lá pra casa dos meus parentes [Sergipe], mas eu não troco isso aqui por lá, não” (M., 36 anos, casada, professora primária, 09/06/2004).

As estradas que atravessam e cortam a Baixada demonstram o seu fluxo permanente. Duas

principais a atravessam diametralmente: a Estrada de Ferro D. Pedro II (atualmente,

SUPERVIA) e a Rodovia Presidente Dutra (BR 116). A circulação incessante de gente, de

carros, de imagens aponta, ao mesmo tempo, para uma estética homogeneizante e para a

multiplicidade de significados em jogo. Haveria, assim, o olhar seqüencial e indistinto de

quem simplesmente passa por ali e a percepção matizada de quem se atreve a parar, a

desvendá-la (Barreto, 2004).

A primeira vez que fui à Baixada Fluminense estava na companhia do professor Luís César de Queiroz Ribeiro, do IPPUR, e de dois educadores da FASE. Eles organizavam um curso de capacitação de liderança da Baixada, em Belford Roxo. No trajeto, minha atenção passou a se voltar para os cenários cinzentos oferecidos pela Avenida Brasil e pela Rodovia Presidente Dutra. Duas vias que farão parte da minha experiência quotidiana de deslocamento, tal como dos moradores da Baixada Fluminense que trabalham no Rio de Janeiro e andam de ônibus ou de carro (Freire, op. cit., pp. 29-30).

Os seus moradores poderiam ser caracterizados como errantes. Em primeiro lugar, pela

própria condição de migrante cuja saída da cidade natal constitui o primeiro ato de

deslocamento; em seguida, pelo movimento pendular diário entre a casa e o trabalho (na

maior parte das vezes, fora da Baixada, essencialmente no Rio de Janeiro) e, por fim, pelo

deslocamento necessário até a escola, o hospital etc. Além disso, a circulação se faz

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presente de forma tão arraigada que constitui também os momentos de lazer: “viaja-se”

para ir à praia, a um show ou para encontrar amigos do trabalho, do estudo etc.17.

A superlotação de trem, de vagões de metrô e de ônibus no sentido “Baixada Fluminense” / Rio de Janeiro, de 6h00 às 9h00, e no sentido contrário, de 16h00 às 20h00, nos horários de trabalho, de “rush”, é a melhor demonstração da intensidade das situações de co-presença, de coexistência, entre pessoas desta região e do Rio de Janeiro. Cerca de 250 mil a 300 mil pessoas que residem nos municípios de Magé, Japeri, Mesquita, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, Nilópolis, Belford Roxo, Duque de Caxias e São João de Meriti, vão trabalhar diariamente na cidade do Rio de Janeiro (idem, p. 77).

A delimitação do que se poderia denominar Baixada Fluminense é alvo das preocupações

de diversos autores que atualmente trabalham na ou a Baixada. A tese de doutoramento de

Enne (2002) é exemplar ao apontar para a pluralidade de significados construída pelos

diversos agentes e agências locais. O processo polifônico em questão refere-se ao que a

autora, influenciada pelos trabalhos de Bakhtin, chamou de produção múltipla de sentidos,

denotativos e conotativos da categoria Baixada Fluminense (p.31). A múltipla apropriação

de que nos fala Enne demonstra a inadequação de uma abordagem em termos de unidade

espacial. Tal unidade é desmentida e recusada pela autora. Para além dos espaços

geográficos, estaríamos lidando com construções sociais que extrapolam tal lógica, o que a

obriga a recuperar a bibliografia sobre região, espaço, território e lugar18.

Ainda assim, não podemos perder de vista que os atores e agências que constituíram os

interlocutores em sua pesquisa têm interesses bem delineados sobre a história e a memória

17 Alguns moradores da Baixada costumam referir-se às idas ao município do Rio de Janeiro como “viagens”, o que nos permite pensar que tal uso remeteria a um duplo sentido: o da distância física, mas também simbólica que o Rio representa para uma parcela considerável da população da região. 18 Ana Enne faz uma apresentação minuciosa desta problemática, privilegiando trabalhos de autores de diversas áreas , tais como Roncayolo (1986), Heredia (2001), Gomes (1995), Pellegrino (1983), Ricq, (1983), Weber (1999), Briggs (1985), Foucault (1986), entre outros.

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locais. Grosso modo, a polifonia de que nos fala Enne é, ao mesmo tempo, produto das

construções discursivas (desses atores e agências, da mídia impressa, da televisão, do

Estado etc.) e dos projetos coletivos e/ ou individuais em disputa na região. A meu ver,

falar em Baixadas, no plural, constituiria muito mais o resultado do esforço — e do rigor —

do pesquisador em demonstrar as interações, conflitos, consensos e ambigüidades por trás

da pretensa uniformidade que o uso da categoria no singular —forjada ou não a ferro e fogo

pelo discurso político — nos sugere, do que uma “idéia-sensação” experimentada, de fato,

por seus moradores19.

No trabalho de Enne (op.cit.), a mídia foi analisada como importante produtora de imagens

e identidades e pensada como um lugar de memória20. Sendo assim, a contextualização das

transformações ocorridas nas imagens divulgadas sobre a Baixada, ao longo das últimas

cinco décadas (de 1950 ao ano 2000), permitiram à autora vislumbrar, com relação à

imprensa escrita, seu enorme potencial de comunicação e de influência na conformação das

identidades locais. Este potencial — vinculado à produção de uma cultura de massa — é

percebido em relação aos diferentes discursos (“de fora” e “de dentro”) postos em cena21.

Em um primeiro momento, as representações negativas remetiam às imagens da violência e

da criminalidade (em seu sentido mais amplo), desqualificando os moradores da Baixada

sob uma designação estigmatizante e generalizada22.

Seguindo esta trilha, o segundo capítulo de sua tese destina-se à discussão bibliográfica

sobre o tema em questão e às construções discursivas de três grandes jornais do estado do

19 Refiro-me, aqui, ao sentido atribuído, por exemplo, pela administração pública que opera divisões e delimitações espaciais. Seria importante salientar também a relação entre as noções de poder, território e política, como tratada por Weber (1999: 155-186) em “As comunidades políticas”. 20 Nora (1984). 21 Sobre o fenômeno da indústria cultural e da cultura de massa, ver, entre outros, Benjamin (1990), Adorno e Horkheimer (1990), Eco (1993), Thompson (1995), Rocha (1995). 22 Refiro-me, aqui, à construção de uma marca física e moral estruturante de algumas relações dos moradores da Baixada — fundamentalmente, com os moradores da cidade do Rio de Janeiro.

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Rio de Janeiro: o Jornal do Brasil, O Dia e A Última Hora. Enquanto o JB — como é mais

conhecido o Jornal do Brasil — goza de reputação nacional e um público considerado mais

“elitizado”, os jornais A Última Hora e O Dia são tidos como “sensacionalistas”, apesar

deste último ter passado por significativas mudanças ao longo dos últimos quinze anos23.

Nos anos 1950, a Baixada ainda não tinha muita visibilidade regional ou nacional — esta

adquirida a partir da década seguinte e consolidada ao longo das duas posteriores (1970 e

1980) como sinônimo de criminalidade e violência.

Durante esse período, um personagem local ganhou notoriedade diante de sua apresentação

pouco comum e de sua vinculação partidária, a princípio, incompatível com seu estilo

político24. Refiro-me a Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque, imortalizado como O

Homem da Capa Preta25.

Em Capa preta e lurdinha, Beloch (1986) analisa a singularidade da trajetória de Tenório

Cavalcanti para pensar as práticas políticas e a participação das camadas populares no

interior do sistema que convencionou chamar de coronelismo urbano26. Alagoano, Tenório

Cavalcanti mudou-se para o Rio de Janeiro em 1926, ainda jovem, após a morte do pai. Por

intermédio da rede de relações familiares, foi auxiliado num primeiro momento por 23 A autora faz uma exposição detalhada dos critérios utilizados para esta escolha, bem como da metodologia de trabalho com esta fonte. 24 A UDN (União Democrática Nacional), criada em 1945 aglutinando nomes contrários a Getúlio Vargas e ao Estado Novo, apesar de não ter sido um partido homogêneo, possuía uma imagem de “partido de elite”, com um eleitorado preponderantemente de classe média. Sobre este tema, ver, por exemplo, Benevides (1981). 25 Título de um filme produzido em 1986, por Sérgio Resende, tendo José Wilker no papel de Tenório Cavalcanti. Trinta anos antes, em 1954, foi filmado Carnaval em Caxias, no qual José Lewgoy interpretava Honório Boamorte, personagem inspirado em Tenório Cavalcanti. 26 Beloch (op. cit.) toma emprestado o conceito de coronelismo, desenvolvido e consagrado por Victor Nunes Leal (1975), retirando-o de seu universo original (o meio rural, no qual o coronel – o proprietário de terras – é também o chefe político) e operacionalizando-o em um contexto urbano, através da percepção do político como um mediador que privatiza a obtenção dos bens públicos. Tal transposição seria facilitada pela próprio processo de transição sofrido pelo município: inicialmente de distrito à município; posteriormente sua urbanização incipiente que o transformava num misto de cidade pequena/ de interior e periferia do Rio de Janeiro. No entanto, como o próprio autor nos chama a atenção, essa noção seria “um amálgama de elementos de populismo e de coronelismo, constituindo um movimento de transição entre as duas formas.” (p.106), no qual os diferentes mundos se encontrariam sob o impacto da industrialização da cidade do Rio de Janeiro.

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Hildebrando Góis — que lhe arranjou um emprego na construção da estrada Rio - São

Paulo, em 1927. Logo em seguida, foi convidado a administrar a fazenda de Edgar de Pinho

(cunhado do então ministro das Relações Exteriores [no governo de Washington Luís],

Otávio Mangabeira), em Duque de Caxias. Nessa época, envolveu-se em diversos conflitos

armados pela posse de terras na região e acabou deixando a fazenda, pelo que recebeu “uma

gorda indenização”. Tornou-se um próspero proprietário de terras e, por intermédio de

Getúlio de Moura (eminente político iguaçuano), ingressou na União Progressista

Fluminense (UPF), elegendo-se em seu primeiro mandato político como vereador em Nova

Iguaçu (1936). Tinha início, assim, a polêmica trajetória que inauguraria a vinculação entre

Baixada e violência no imaginário político carioca.

Com o advento do Estado Novo, e graças às boas relações mantidas com Ricardo Xavier da

Silveira, Tenório foi nomeado fiscal em Duque de Caxias. Começaram nessa época as

desavenças com Amaral Peixoto27, então interventor, e com o Secretário de Segurança por

este nomeado, Agenor Barcelos Feio, com o qual protagonizou inúmeras cenas de

violência. Com a deposição de Getúlio Vargas e o fim do Estado Novo, Tenório filiou-se à

UDN (União Democrática Nacional), sigla pela qual se elegeu deputado estadual, em 1946,

com 2.800 votos (cf. Beloch, op.cit.).

A trajetória de Tenório e a construção de sua persona pública nos permite pensar na

possibilidade de utilização da violência e da coerção como expedientes políticos legítimos.

Nesse sentido, o homem de “corpo fechado”, o “corajoso” que tinha a gratidão “do povo”

de Caxias, encerrava um paradoxo ético, como ressaltou Beloch (p.76-77): era aquele que

“mata mas faz”, ou ainda “faz porque mata (os maus)”.

27 Sobre a trajetória política de Amaral Peixoto, consultar DHBB (2001).

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“Aliás, sua concepção sobre a aplicação da justiça pelas próprias mãos coincide com a noção dominante em parcelas da população trabalhadora, que se traduz nos linchamentos amiúde repetidos. As punições que prescreve têm inclusive finalidade de defesa moral e dos bons costumes. Aludindo a ‘um marginal que urina perante moças’, sublinha: ‘Eu então dou um tiro na perna do marginal, pra ver se ele reage, para depois atirar no peito. Eu, quando dou um tiro na barriga da perna de alguém, é porque ele tá maconhado e é uma cobra venenosa que eu não posso deixar solta na rua […] Os covardes é que se omitem e deixam o cachorro louco e a cobra venenosa agredir(em) o indefeso. Tem que matar o agressor injusto, que é injusto não só contra você, mas contra toda a coletividade’” (idem, p. 70).

Quatro anos mais tarde, em 1950, Tenório elegeu-se deputado federal com uma votação

bastante superior à anterior – 9 mil votos. No pleito seguinte foi reeleito como o mais

votado de sua legenda, com 42 mil votos — posteriormente repetindo a façanha (em 1958,

com 46 mil votos)28.

Em 1960, disputou o governo do estado da Guanabara, ficando em terceiro lugar, com 23%

dos votos válidos29. Após este episódio, sua situação dentro da UDN tornou-se

insustentável, motivo pelo qual deixou o partido, logo em seguida.

Em 1962, candidatou-se ao governo do estado do Rio de Janeiro já pelo PST (Partido

Social Trabalhista), mas foi derrotado pelo petebista Bagder Silveira, irmão do ex-

governador fluminense, Roberto Silveira30, morto em um acidente. Dois anos mais tarde,

seu perfil polêmico e sua vida pública pouco ortodoxa foram motivos suficientes para que

tivesse os direitos políticos cassados pelo AI-1 (Ato Institucional no.1). Durante o período 28 É importante destacar que, a partir de 1954, Tenório Cavalcanti tinha uma poderosa máquina a seu favor: o jornal A Luta Democrática, no qual escrevia regularmente ora em coluna assinada, ora valendo-se de pseudônimos. O jornal foi fundamental para a consolidação de sua imagem de “benfeitor”, assim como a de homem justo e valente, herói destemido, preocupado com as classes populares. 29 Sobre este pleito e o papel da candidatura de Tenório Cavalcanti para a vitória de Carlos Lacerda, ver Beloch (1986), capítulo 4: “A ovelha negra”. 30 Sobre Roberto Silveira, consultar DHBB (2001).

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da ditadura militar, Tenório manteve-se afastado da cena política caxiense, mas continuou

atuando em seus bastidores — sobretudo por intermédio de Hydekel de Freitas, seu genro31.

Em 1982, passados dezoito anos, Tenório novamente candidatou-se a um cargo eletivo (de

deputado federal) pelo PDS, mas foi derrotado. Seu nome já não contava com o mesmo

prestígio de antes e, nesse meio tempo, outras lideranças já haviam surgido na Baixada.

Alves (2003[1998]) privilegiando o recorte a partir do tema da violência, por exemplo,

partindo das definições formuladas por geógrafos e recorrendo aos órgãos públicos de

administração e pesquisa (FUNDREM, IBGE, COPPE/UFRJ)32, também problematizou a

categoria Baixada até chegar ao contorno aproximado das UUIO (Unidades Urbanas

Integradas de Oeste), recorte que coincide com os dados coletados e as imagens divulgadas

sobre a violência local. “Nessa definição, entram os elevados índices de homicídio,

matéria-prima a partir da qual se produziu a vinculação da região com a violência,

sobretudo através dos meios de comunicação” (pp.16-17). Esta definição restringiria as

fronteiras da Baixada aos municípios de Duque de Caxias, São João de Meriti, Nilópolis,

Nova Iguaçu, Belford Roxo, Queimados e Japeri (Mesquita ainda não havia sido

emancipado de Nova Iguaçu no período em que o trabalho em questão foi redigido [1998]).

Se nos trabalhos de Enne (op. cit.), Freire (2005) e Monteiro (2001.), o tema foi

amplamente debatido, ele foi retomado como foco principal da tese de Alves (idem), assim

como da dissertação de Souza (1997).

Aos loteamentos, anteriormente mencionados, que determinaram um tipo de ocupação

marcado pela presença majoritária das camadas populares (ou como preferem alguns

31 A vida política de Hydekel de Freitas será abordada no capítulo 3, no qual analisarei a trajetória de Zito. 32 Entre os geógrafos, destacam-se os trabalhos de Geiger e Santos (1956), Soares (1955). Já em relação à COPPE/UFRJ, temos as contribuições de Silva (1975), Bursztyn (1976), Penteado Filho (1978) e Bronstein (1979).

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autores, classes operárias33) em áreas que não apresentavam as mínimas condições de infra-

estrutura34, somaram-se as disputas pela terra, desencadeando um violento processo que

teve à sua frente jagunços e capatazes dos grandes proprietários da região que, na grande

maioria dos casos, jamais residiram nessas localidades35.

Alves (op.cit.) traçou os rumos da violência na região, desde os primórdios do processo de

ocupação da Baixada até a constituição de seu caráter político — tema que nos interessa

particularmente, visto a imbricada relação entre a estrutura de execuções sumárias e a

dominação política, trazida à tona por este trabalho36.

Como nos mostra o autor, a marca distintiva da ocupação na Baixada passava a ser, por um

lado, a violência privada dos empregados a mando dos grandes proprietários e, por outro, o

abandono do poder público, permitindo que tais loteamentos — em muitos casos ilegais —

fossem levados adiante.

“Para abrigar a vaga populacional através de loteamentos, as prefeituras locais realizarão seu papel de favorecer ao máximo o estabelecimento das pessoas em seus territórios. Taxas mínimas eram cobradas para serem aprovadas as plantas das obras, que eram impressas e fornecidas pela municipalidade[…] Na sede de Nova Iguaçu, até 1944, o número anual de autorizações de construções não chegava a 100. No ano seguinte, chegaram a 251 e em 1950, somaram 897. Sete anos mais tarde, esse número seria duplicado[…] Na Baixada Fluminense, até 1929, tinham sido aprovados 21 loteamentos com 20.524 lotes. Entre 1930 e 1939, há um aumento pequeno de loteamentos, 22; porém uma redução do número de lotes, 15.419. De 1940 a 1949, sente-se o primeiro grande impacto da vaga loteadora.

33 Ver, a este respeito, Monteiro (2001). 34 As primeiras áreas loteadas localizavam-se nos distritos, hoje municípios, de Duque de Caxias, São João de Meriti e Nilópolis devido à sua proximidade com a cidade do Rio de Janeiro. 35 Beloch (op.cit.), Grynszpan (1990a e 1990b), Monteiro (op..cit.), Alves (2003). 36Enquanto Alves (op. cit.) trata das execuções sumárias e da relação entre violência e política em diferentes municípios da Baixada — a ela referindo-se como “um lugar”, ou seja, aludindo a uma possível unidade — Souza (op.cit.) aponta para as especificidades de Duque de Caxias.

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São aprovados 447 loteamentos com 373.025 lotes. De 1950 a 1959 os números praticamente triplicaram, 1.168 e 273.208, respectivamente. Já de 1960 a 1969, inicia-se a tendência à redução, com 615 loteamentos e 120.158 lotes. De 1970 a 1976, os números são praticamente reduzidos à metade dos da década anterior. Nessa trajetória dos índices apresentados, está presente também um outro fator. A tendência à redução da área média dos lotes” (Alves, op.cit., pp.64-65)37.

Muitas famílias perderam suas economias na compra de terrenos que não conseguiram

regularizar e outras tantas tiveram que esperar muitos anos para ter acesso aos

equipamentos urbanos básicos como luz, água e esgoto — além do calçamento das ruas e

da coleta de lixo que ainda constituem graves problemas na região.

“Isso aqui sempre foi uma lama só. Chove e a gente tem que andar com os pé(s) coberto(s) com saco plástico pra não ficar de lama até o joelho. É uma vergonha. Nós tá(sic) aqui abandonado. Ninguém olha por nós” (I., 65 anos, moradora da Estrada de Madureira, em Nova Iguaçu, 10/08/2003). “Morar em casa alugada sempre é um sufoco pra gente que é muito pobre. Pensa bem chegar... chegar aqui no Rio, vindo de onde eu vim e ter que encarar ao mesmo tempo uma sacaria ganhando pouco[…] — pra quem tava acostumado com uma enxada é ruim demais — […] e, ao mesmo tempo, morar de aluguel e ter de sustentar mulher, mãe e filharada. Rapaz! A única coisa que eu pensava naquela época era comprar o terreno e fazer o barracão” (Clenio de Lima Santos, entrevista concedida em 01/11/1995 apud Monteiro, 2001:20).

O modelo de habitação então adotado por este segmento foi o da autoconstrução, que tinha

na dupla jornada de trabalho e nas relações de parentesco e vizinhança sua forma por

excelência38. A participação dos filhos — independentemente da idade — e às vezes de

vizinhos e/ ou amigos na construção da casa própria acabava por fundar ou fortalecer os

37 Até 1949, o tamanho dos lotes ficava em torno de 1.083m2 e, nas décadas seguintes, diminuiu para cerca de 492m2. 38 Tal questão será tratada no capítulo que aborda a trajetória de Zito e de sua família.

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laços de solidariedade e de vizinhança entre os moradores da localidade. Outro aspecto que

apontaria para a consolidação de tais laços é aquele apresentado por Monteiro (idem) em

sua dissertação de mestrado — e corroborado pelos discursos nativos e matérias de jornais

— a rede de resolução de problemas práticos39. Tal rede teria origem na necessidade de se

criar alternativas à escassez de aparatos coletivos disponibilizados para esta população —

desde aspectos básicos como coleta de lixo, água encanada, calçamento de ruas até a

questão propriamente da segurança.

“E você acha que a gente é porco pra deixar a rua virar um chiqueiro? O jeito foi ir cavando vala, tirando o matagal da rua, fazendo cobertura para os pontos de ônibus e mais um bocado de coisa que não era pra gente fazer” (Antônio de Souza Leite, entrevista concedida em 21/08/1995 apud Monteiro, op. cit, p.22).

Em pesquisa, realizada em maio de 1990, portanto anterior a de Monteiro e às demais até o

momento apresentadas, Angélica Drska e Rosana Heringer apresentam dados e

representações sobre a violência em Nova Iguaçu e Nilópolis a partir da análise qualitativa

dos depoimentos de moradores dividos em seis grupos de faixas etárias distintas (metade

composto por mulheres e a outra, por homens)40. Segundo as pesquisadoras responsáveis,

em 1987, 77% dos moradores da Baixada eram empregados, mas 33% sem carteira

assinada e 35% dos trabalhadores não contribuíam para a Previdência. 1,7 milhões dos

habitantes da Baixada residiam em Nova Iguaçu e Nilópolis e 80% desses moradores

empregados recebiam até três salários mínimos. Ainda de acordo com os dados da

39 Mais adiante me deterei especificamente nesta questão, a fim de elucidar alguns aspectos relativos às práticas políticas na Baixada Fluminense. Por hora, limito-me a mencioná-la en passant. 40 A pesquisa “A gente enterra o morto, silencia e se conforma. A violência em Nova Iguaçu e Nilópolis na visão dos seus moradores” foi realizada pelo IBASE a partir da iniciativa da Comissão Justiça e Paz da Caritas Diocesana de Nova Iguaçu e Nilópolis e contou também com a colaboração da Retrato Consulturia e Marketing. Esta pesquisa foi publicada no Cadernos IBASE 8 (1990).

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pesquisa, no ano de 1989 ocorreram 1906 mortes violentas na região noticiadas por

diversos jornais.

A partir deste panorama, as diferentes formas de entender e classificar a violência foram

trazidas à tona pelos discursos de moradores, demonstrando a ambigüidade do tema. Se a

violência estava presente nesse cotidiano, ela foi mencionada por eles de formas distintas,

dependendo dos contextos.

“...não é de ninguém da área [o corpo], são apenas desovados...Então não há violência, há morte que vem de fora...Porque se todo dia aparece quatro, seis, oito, dez conforme se vê na ladeira da rua, não existia mais nenhum morador. Então esses crimes são praticados fora e jogados lá.” (idem, p. 13)

Os sentimentos de medo e insegurança são tratados no trabalho, principalmente ilustrados

nas falas que enfatizam a preocupação com a noite. Mas se a rua é lugar de medo, a casa

também pode sê-lo. Esses sentimentos são agravados pela relação com a polícia, percebida

como “verdadeiros ladrões” ou a estes associados (grupos de extermínio e roubos de carga,

por exemplo), em contraposição aos “bandidos da área” que, de alguma forma, “prestam

serviços”, suprindo a ausência do Estado e/ ou sua ineficiência41. Assim, os policiais seriam

equiparados aos “bandidos de fora”, àqueles que não convivem com a “comunidade” e que

não coloboram com ela.

“Uma dona uma vez em Nova Iguaçu saiu chorando porque ela foi assaltada, levaram carteira, levaram tudo dela, ela chegou lá na delegacia e teve que pagar uma taxa de 150 cruzeiros. Ela veio desesperada, gritando no meio de todo munod: ‘Esses são os verdareiros ladrões!’” “Eles [os bandidos da área] não assaltam, eles não fazem sujeira ali na área...É todo mundo unido, é tudo crescido ali. Cresceu e cada um tem seu jeito, cada um faz aquilo

41 Consultar Lengruber (1985), Pinheiro (1983), entre outros.

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que tem vontade...Então eles não fazem ali. Por isso que ali no meu lugar eu me sinto segura. Eles dão proteção a todo mundo.” (idibem, p. 14) "Lá não tem liberdade, à noite não há liberdade, ninguém é de ninguém. Muitos são os mortos por policiais à paisana, disfarçados. Se te olharem e não forem com tua cara, te botam no camburão, e aí, tudo é possível...” (idem, p. 15) “É polícia mineira...tem uma caixinha que corre entre eles. É proteção da área. Aquilo ali é o serviço da madrugada. Se tiver alguma coisa errada, é só ir lá, reunir a turma, na madrugada aquele camarada desaparece.” (p. 17)

A insegurança e o medo são seguidos de relatos de moradores sobre a sensação de

impotência frente à ação de policiais, seus atos violentos e às “queimas de arquivos”. O

silêncio torna-se a estratégia mais comum nesse universo. “Tem só um jeito: enterrar o que

morreu e silenciar. É a lei do morro, da favela e da Baixada” (p. 15).

Assim, a Baixada se aproxima da favela como lugar de medo e de morte, conferindo

sentido ao desabafo do morador citado anteriormente. Mas não podemos esquecer que, por

outro lado, é recorrente nas falas de moradores a tentativa de se diferenciar dos “favelados”

(Cardoso, 1978; Silva e Leite, s/d). A Baixada aparece como a opção frente a morar na

favela. Ao recusar a comparação com o “morro”, rejeita-se também a sua associação direta

à violência explorada reiteradamente pelos meios de comunicação.

Sandra Regina S. da Costa (2006), em sua tese de doutoramento, nos traz um exemplo

oriundo de sua própria vivência — enquanto pesquisadora e ex-moradora da Baixada — da

articulação de parcelas da população para a resolução dos problemas locais, bem como da

concepção de justiça e de legitimidade implicadas nessa relação:

“Recorro a minha própria memória para explicar este ponto. Lembro que na minha infância, a ocupação do meu

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bairro [no município de São João de Meriti] não tinha se dado por completo. Não tínhamos favelas próximas, como as que existem agora, e havia muitos terrenos ainda não ocupados, cobertos de mato. Lembro que uma fonte de medo constante era os boatos acerca dos ‘tarados’. [...] Em algumas vezes, e eu me recordo de pelo menos uma meia dúzia delas, os moradores localizavam o suposto ‘tarado’, que era linchado e tinha as partes do seu corpo expostas em vários postes da localidade. A idéia de ‘justiça feita com as próprias mãos’, sem a intervenção do Estado, que se figuraria na Polícia (Civil ou Militar, nesse caso tanto faz) era a tônica desses momentos de extrema dramaticidade” (Costa, 2006:49).

Se o caso de Tenório é emblemático da visibilidade do fazer político na Baixada

Fluminense durante as décadas de 1950 e 1960, nas décadas seguintes outros personagens

não deixaram de fazer jus ao legado do “homem da capa preta”. A partir de 1964, a região

passaria por um processo de intervenção política e de supressão de qualquer forma de

oposição ao regime militar instalado. Os últimos anos desta década e toda a seguinte seriam

marcados por cassações de políticos e pela imposição de interventores, contribuindo, assim,

para o surgimento de uma nova elite no poder42.

A década de 1980 significou o ápice da vinculação entre Baixada e violência — apontada

na amostra dos jornais selecionados por Enne (op. cit.), principalmente a partir de notícias

que abordavam a questão da violência política também ligada aos interesses de

comerciantes locais. Se, conforme destacou Alves (op. cit.), a atuação dos grupos de

extermínio na região teria se iniciado essencialmente a partir da década de 1960 — como

forma de “garantir a ordem” frente aos saques e à ausência de segurança local diante da

omissão do poder público — a partir de 1970, esta situação intensifica-se, estimulada por

autoridades (policiais e militares) locais e por políticos. A “polícia mineira” (Souza, op.

cit.), como ainda é conhecida, estampava os jornais e imprimia o medo. 42 Tal fato será analisado no próximo capítulo.

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Para a Baixada (em termos de sua visibilidade externa), os primeiros anos de 1980

configuraram a “fase dos justiceiros e matadores43”. Mão Branca foi o mais famoso dentre

eles, povoando os jornais cariocas do período (cf. Enne, op. cit.). Além daqueles que se

enquadravam melhor na categoria “matadores profissionais”, proliferavam também os

assassinatos e a coerção física com fins políticos. Apesar disto, a década de 1980 marcaria

ainda o período de emergência dos movimentos sociais na Baixada, fundamentalmente

ligados à questão da casa própria44.

Além da violência e do surgimento dos movimentos sociais, um outro fator apontava,

naquela década, para uma alteração nas relações de poder na região: a eleição de Brizola,

em 1982, que teve forte impacto sobre a escolha dos prefeitos locais. O voto brizolista ou

“fenômeno Brizola” refletiu o caráter oposicionista daquelas eleições assim como a ênfase

no discurso voltado para as classes populares.

Enquanto a tese de Enne (op.cit.) nos trouxe uma discussão refinada sobre a configuração

da Baixada, colocando-nos frente a frente a discursos (e projetos) os mais diversos,

ressaltando esse “movimento” e a fluidez dessas fronteiras; a dissertação de Oliveira (1999)

concentra-se na política e pouco problematiza a categoria Baixada, focalizando seu estudo

no caso de Nova Iguaçu, local onde realizou seu trabalho de campo.

Tal dissertação (idem), defendida no Instituto de Ciência Política da UFF, teve por objetivo

analisar a dinâmica legislativa da Câmara Municipal de Nova Iguaçu, no período

compreendido entre 1997 a 2000, apoiando-se igualmente em dados sobre a legislatura

anterior (1993-1996), sobre a produção legislativa e as práticas dos vereadores daquela

43 Dentre eles: Mão Branca, Carlinhos Blá-blá-blá, Paulo Cigano, Jorginho da Farmácia, Beto da Feira, De Souza, Careca, Paulo Hulk, alguns sendo policiais militares. Para uma análise mais detalhada sobre a atuação dos grupos de extermínio na Baixada Fluminense, ver no trabalho de Alves (op.cit.) o capítulo intitulado “Da ditadura militar ao neoliberalismo: o poder e a violência recente na história da Baixada”, pp. 101-172. 44 Ver Lesbaupin (1982), Bernardes (1983), Simões (1993), Tavares (1993), Freire (2005), entre outros.

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Casa. O autor preocupou-se em analisar a “cultura política”45 de Nova Iguaçu, partindo do

pressuposto de que o papel político dos vereadores não tem sido cumprido. Para embasar

sua premissa foram testadas algumas hipóteses:

“1) as Câmaras Municipais, sob o ponto de vista constitucional, adquiriram força no quadro político-institucional vigente e significado como órgão legislativo e co-partícipe do governo local, força essa jamais vista no cenário político municipal brasileiro; 2) a relação Executivo-Legislativo em nível municipal é diferente da estabelecida em nível federal, devido ao fato de o poder institucional do Prefeito ser menor do que os poderes garantidos ao Presidente da República; 3) com isso, o Poder Legislativo municipal possui maior liberdade e amplitude para desenvolver seus próprios trabalhos, diferente do seu similar em nível federal; 4) entretanto, a produção legal da Câmara, considerando-se as iniciativas exclusivas dos vereadores, tem um caráter essencialmente assistencialista e não produz mudanças substantivas na vida dos cidadãos; 5) dentre as principais funções do Poder Legislativo, a de fiscalização é a mais prejudicada; 6) a maioria dos vereadores de Nova Iguaçu pretende seguir carreira política, principalmente por meio de reeleição. Para isso, pratica atividades de assistência social e acredita que o seu papel na política municipal é de intermediar serviços públicos junto à população; 7) por isso, essa maioria acredita que assim cumpre bem o papel político para o qual é eleita e, portanto, a CM não precisa de mudanças institucionais para melhor desenvolver suas atribuições legais no atual contexto de democratização” (ibidem, pp.22-23).

Concluindo com o destaque à fraca institucionalização e à subordinação da Câmara

Municipal de Nova Iguaçu ao prefeito, o autor retomou algumas discussões existentes na

produção sociológica acerca das relações entre executivo e legislativo (Leal, 1975; Bezerra,

1998; Lopez, 2001) com a intenção de apreender os limites que tais “cultura” e prática

políticas acabam impondo à vida democrática. Apesar da preocupação em não construir

45 Sobre a noção de “cultura política” ver, entre outros, o artigo de Carneiro e Kuschnir (1999).

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uma visão normativa ou em sugerir “soluções” para tal impasse, a democracia é tomada

como um valor durante todo o trabalho, as práticas políticas sendo assim analisadas como

estando em consonância ou não com ela. A própria opção por operacionalizar o debate em

termos de classificações, tais como a de “conservador-clientelista” ou a de “populista-

clientelista”, reproduziu o entendimento do contexto político a partir do que ele idealmente

deveria ser, atribuindo menos ênfase às falas (e a seus significados) — que, no caso do

autor, foram “recolhidas” — do que ao implacável olhar jurídico-legal (formal)46.

Sendo assim, o autor privilegiou a reconstituição de uma parte da história do município, em

detrimento das distintas formas de se entender a Baixada Fluminense. A alusão a esta

última categoria, quando ocorre, remete exclusivamente à tentativa de se criar um nós, uma

identidade coletiva, por intermédio da ênfase na escassez, na pobreza, na violência e nas

práticas políticas “típicas” das periferias e zonas desfavorecidas do país. Em consonância

com o anteriormente exposto, o autor se utiliza de uma classificação mais tradicional para

delimitar a região, segundo a qual Duque de Caxias, São João de Meriti, Belford Roxo,

Nilópolis, Nova Iguaçu (antes da emancipação de Mesquita), Queimados e Japeri seriam os

municípios que integrariam a Baixada. Tal recorte justifica-se a partir de um “quadro de

contrastes sócio-econômicos, de problemas sociais crônicos e de conflitos políticos, cuja

origem remonta à época colonial” (p. 87). Oliveira resume em mais ou menos três

parágrafos as contradições decorrentes dos processos de urbanização pelos quais a Baixada

passou, mencionado sua condição de subalternidade em relação à cidade do Rio de Janeiro,

46 Para ilustrar a minha afirmação, reproduzo as próprias palavras do autor: “[…] diante dessa conjuntura sócio-urbana e desse cenário político, se a Câmara e seus membros buscarem o aprimoramento e o aperfeiçoamento da instituição legislativa local em direção ao exercício das suas atribuições constitucionais, significará um grande avanço para a democratização e melhoria da qualidade de vida na cidade de Nova Iguaçu” (ibidem, pp. 92-93).

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e finalizando com a alusão à caracterização das cidades-dormitórios47. Sua menção à

Baixada Fluminense praticamente pára por aí.

Após efetuar esse breve apanhado, o autor concentrou-se nos dados referentes à Nova

Iguaçu, referindo-se novamente à Baixada apenas na conclusão, na qual afirmou que esta

estaria inserida numa “cultura” mais ampla, a “cultura política tipicamente brasileira”,

referindo-se ao clientelismo, ao populismo e ao assistencialismo (p. 119)48. Numa tentativa

de negar uma pretensa singularidade à Baixada, o autor enfatiza seu caráter de “periferia”

comum a outras áreas carentes do país ou, como chama, a outros “bolsões de miséria”,

próprios da estrutura social e urbana brasileira. Munido de estatísticas, que tendem a

privilegiar a dimensão representativa de nossos objetos e não a simbólica, Oliveira nos

apresenta percentuais que não se restringem à Baixada, como por exemplo, o dado relativo

aos 3,2 milhões de pessoas em situação de pobreza e miséria na Região Metropolitana do

Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ, 1995)49. Por outro lado, nesta parte do trabalho, Nova Iguaçu

ganha mais visibilidade em sua análise:

“até bem pouco tempo era considerada a segunda maior cidade do Estado [do Rio de Janeiro] e a quinta do país,

47 Uma das imagens mais comuns sobre a Baixada, bastante propagada nas décadas de 1960 a 1990, remete-nos à categoria cidades-dormitório. Diretamente vinculada ao processo de ocupação da região, tal imagem sintetizou, de certa forma, a realidade da população e da economia locais até pelo menos meados da década de 1980. No caso da Baixada, tal classificação acabou tornando-se um estigma, já que era empregada pejorativamente, remetendo à idéia de um “lugar” de escassez, de falta. Quando as indústrias e o setor de serviços tiveram um significativo incremento, alterou-se em parte a configuração do mercado interno desses municípios. No entanto, no fim da década de 1980, o fechamento de algumas indústrias (principalmente as têxteis) importantes em municípios como Paracambi, por exemplo, obrigou seus moradores a novamente buscar emprego fora dos limites de sua cidade. Nesse sentido, a refinaria e o jornal Extra de Duque de Caxias, assim como o setor terciário e as diversas indústrias de Nova Iguaçu (a Embeleze, por exemplo, de propriedade do deputado federal Itamar Serpa – PSDB/RJ ou a Compactor do Brasil), o parque industrial de Queimados e a central termoquímica de Japeri são alguns exemplos da mudança no cenário do mercado de trabalho nos municípios da Baixada, com reflexo nas áreas adjacentes. Como veremos mais à frente, o setor de comércio e serviços e o funcionalismo público representam a quase totalidade das possibilidades de absorção de mão-de-obra nos municípios da Baixada. 48 Sobre populismo, consultar, entre outros, Debert (1979), Ianni (1975 e 1991), Weffort (1980), Rodrigues (1996). 49 O autor refere-se ainda a dados relativos à educação e à saúde.

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ultrapassando a marca de 1 milhão de habitantes. Hoje possui cerca de 826.188 habitantes, ocupando a terceira posição em nível estadual e a décima sétima no país, em tamanho populacional […] Em termos eleitorais, essa posição ainda é mais significativa, pois com 526.721 eleitores, Nova Iguaçu ocupa o segundo lugar no Estado e o décimo quinto no país, que somados aos seus municípios vizinhos, formam uma das maiores regiões eleitorais do país” (idem, pp. 89-90, grifos meus)50.

Na dissertação de Oliveira, o problema da violência é mencionado — essencialmente

ligado às características dos processos de urbanização locais — mas não chega a ocupar um

lugar de destaque em sua análise.

A década de 1990, segundo Enne (op. cit.), marcaria a construção de um novo olhar —

agora positivado — que passava a ser dirigido à localidade. A partir das notícias de jornais,

ou da notícia como discurso (p.79), Enne demonstra como tais discursos vão construindo

representações sobre a Baixada Fluminense, ora aproximando-se às do senso comum, ora

vinculadas a projetos diversos, como os políticos.

Em termos políticos, a década de 1990 trouxe novidades para a Baixada. Associando nomes

novos a lideranças já consolidadas, as redes assim constituídas delineavam os contornos

que a vida política tomaria dali por diante. Alves (op.cit.) nos apresenta este panorama:

Após a primeira metade dos anos 90, conviviam na Baixada diferentes projetos políticos que se aproximavam, conforme inúmeras denúncias, tanto pelo clientelismo como pelas formas ilegais de ação: os Abraão David, com a eficiente fusão da contravenção com o carnaval e com o clientelismo político; o grupo comandado por Raunheitti, distribuindo vagas em escolas e creches, e oferecendo consultas e operações médicas gratuitas, tudo financiado pelas irregulares subvenções sociais do Congresso; Zito e Joca, combinando favor e medo, numa reedição moderna e situacionista do “homem da capa preta”. O brizolismo sobrevivia, embora muito

50 O autor se utiliza de dados referentes à contagem populacional de 1996 do IBGE.

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mais como estratégia eleitoral e política de um prefeito, o Neca, em Nilópolis, do que como força política de resistência. A grande fragilidade ficava por conta do Partido dos Trabalhadores, movimentos sociais e CEB’s, ainda com seu único vereador na Baixada, por Nova Iguaçu, sem os dois deputados estaduais que não se reelegeram e sem a mesma força mobilizadora dos anos 80 (idem, p.116)51. A atuação de Tânia Maria Salles Moreira como promotora pública na comarca de Duque de Caxias desconstruiu a rede que a partir do próprio Fórum de Justiça da Cidadecoordenava as execuções. O caso de Pedro Capeta,eleito no final dos anos 80 suplente de vereador, pelo PTB, revelou-se exemplar. Preso numa tentativa de assassinato, era assíduo freqüentador do Fórum e possuía uma carteira de oficial de justiça Ad Hoc dada pelo então juiz. A arma com ele encontrada tinha lhe sido entregue pelo próprio juiz, após ter sido apreendida em um outro crime (MOREIRA, 1996: 102-103 e 111-114).19 Assim, um dos mais famosos matadores da época agia com arma e carteira fornecidas pelo juiz, que represava processos de homicídios por anos em suas gavetas para arquivá-los em seguida, alegando ausência de tempo paraoperacionalizálos. Desnecessário dizer que Pedro Capeta foi absolvido no processo por falta de testemunhas. [...] Para Hélio, a redução dos homicídios estava diretamente associada à sua capacidade de interferir na nomeação de delegados, destituindo aqueles vinculados ao esquema de execuções, que por sua vez agiam associados ao poder político local, responsável pela indicação das suas nomeações e sustentação no cargo. O que explicaria o fato de que em anos de eleições municipais a permanência de Hélio Luz à frente do cargo que ocupava tornava-se insustentável. (Alves, 2005:25)

A escassez e a violência que marcaram os discursos sobre a Baixada construídos pela mídia

durante as décadas de 1960, 1970 e 1980 foram atenuadas a partir da década de 1990,

concomitantemente ao início da publicação do “Caderno Baixada” (um dos suplementos

51 Os projetos políticos serão retomados na análise das trajetórias de Jorge Gama, Zito e Lindberg Farias, assim como o lugar dos partidos na conjuntura política da Baixada.

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sobre bairros já publicados no município do Rio de Janeiro, posteriormente estendido para

outras regiões do estado) do jornal O Globo.

Foi somente a partir de 2000 que as notícias sobre assassinatos e pobreza divulgadas na

imprensa foram reduzidas de maneira mais significativa. Entre as hipóteses levantadas por

Enne para dar conta de tal fato (op. cit., pp.90-91) estão a percepção de que o fenômeno da

violência era agora generalizado, além da diminuição das distâncias físicas e simbólicas

entre a Baixada e a cidade do Rio de Janeiro — possibilitada pelo incremento do fluxo de

pessoas com as construções das Linhas Vermelha e Amarela — além da visibilidade

alcançada por movimentos sociais locais e da percepção da região como um novo mercado

consumidor em potencial. Ainda segundo a autora, durante a última década do século XX

as matérias sobre a “efervescência cultural e social” já apontavam para uma alteração das

representações sobre a região52.

Os mecanismos de aproximação (materiais e simbólicos) entre moradores da Baixada

Fluminense e de cidades próximas — mas principalmente do Rio de Janeiro — expostos

acima criaram novas alternativas, possibilitando que o fluxo de pessoas pudesse se dar em

outras direções que não apenas o sentido unilateral tradicionalmente estabelecido — da

capital como único pólo de atração53.

As antigas imagens — bem como os antigos problemas — evidentemente não

desapareceram de todo. A leitura da tese de Freire e sua auto-avaliação como pesquisadora

duplamente estrangeira54 fornecem elementos decisivos para pensarmos esses “novos”

52 A tese de Costa (op. cit.) ilustra este “outro lado” da Baixada. Por meio do estudo das carreiras de alguns músicos da região, a autora nos permite acompanhar o processo de reformulação de suas identidades locais. 53 E neste caso, o sentido oposto (Baixada – Rio) acaba sendo desconsiderado nas análises sobre o tema, já que tido como compulsório. 54 A condição de “dupla estrangeiridade” é explicada pelo fato de a autora ser francesa, tendo mudado para o Rio de Janeiro — mais especificamente para Niterói — há alguns anos e, durante a pesquisa, residiu cerca de dois anos em Nova Iguaçu.

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olhares sobre a região. Fascinante é a forma como constrói a passagem do tempo em seu

relato. Os acontecimentos ditam sua temporalidade. A Baixada é o seu acontecimento.

Momentos cotidianos na vida comum dos moradores locais ganham cores novas para a

pesquisadora, que se vê subitamente confrontada ao “lugar”55.

O sol se esconde e tira aos poucos a luz que permitia ver com nitidez as ruas de terra batida e as casas de tijolos do bairro. Dezenove horas. A presidente da Associação olhou para seu relógio e me aconselhou que pegasse meu ônibus. Despedi-me às pressas e acelerei o passo para chegar até o ponto. No meio do caminho, numa das ruas que conduz à estrada onde passa o ônibus, a escuridão de repente tomou conta de tudo e substituiu as tonalidades alaranjadas do pôr-do-sol. Estranho andar no escuro no meio de um lugar que desconheço. Penso: “é agora que vou me perder”. Apenas alguns fios de luz vindos das janelas das casas não confirmavam uma escuridão total. Entrevia, por vezes, a sombra de um morador, sentado numa cadeira, em frente ao seu portão. Tropeço nos buracos. Sem saber se ainda estou no caminho certo, ouço, de repente, vozes e risos vindo de um grupo de pessoas um pouco atrás de mim. Precipitadamente, interpelei o grupo. Pedi alguma ajuda. Uma mulher me respondeu: “Estamos indo pro ponto também. Pegue meu braço!”. Ela indicava detalhadamente como me deslocar, um pouco para a esquerda, para evitar um buraco, um pouco para a direita, para evitar outro. Nos minutos que se seguiram, comento minha surpresa com a situação e outra pessoa que caminhava junto, diz: “Sabe, a gente tá acostumada, já conhecemos perfeitamente o mínimo buraco. Isso é o que tem de menos. Às vezes, você pode ter maus encontros e ninguém vê (p.09). Dia de temporal, num fim de tarde de um mês de março, no horário de rush, na Via Light, Centro de Nova Iguaçu. Naquele dia de março de 2004, o clima estava quente e abafado, um céu cinza anunciava desde cedo uma chuva prestes a cair. De repente, ela desabou sobre a cabeça dos transeuntes. Os ônibus paravam rapidamente no ou fora do ponto, jogando os passageiros no meio da via que se

55 A extensão das citações faz-se necessária, neste momento, diante do objetivo proposto de entender a condição de dupla “estrangeiridade” da autora e sua mudança de “olhar” com relação à Baixada.

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alagava cada vez mais[…] Quando chove, as águas da Via Light escorrem pelas ruas perpendiculares à avenida, alagando boa parte daquelas próximas à Prefeitura. Alguns transeuntes estavam nos pontos mais elevados das calçadas esperando que as águas baixassem. […] Na entrada do túnel, um homem com mais reflexo já fez sua escolha para atravessar a rua Bernardino de Mello e chegar até o ponto. É seguido por vários outros. De fato, o caminho escolhido garantiu pés menos molhados, embora um dos seguidores, menos observador, tivesse torcido o pé num buraco coberto de água no meio da via (pp.9-10). […] Viagem chuvosa para o Rio de Janeiro Realizava um estágio de docência no IFCS. Saía num horário que, pela minha programação mental, permitisse chegar na hora para dar minha aula, se não um pouco adiantada. Pensava, como muitos moradores de subúrbio, no “tempo de margem” em caso de imprevistos. Nesta época, eu morava em frente à Prefeitura[…] Na rua que faz esquina com a Prefeitura havia um ponto de ônibus direto para o Rio, um “parador”[…] Esperava o ônibus, torcendo para que, se passasse, o motorista sentisse piedade de meu rosto, pés, corpo e mãos encharcados. Uns 45 minutos se passaram[…] Se eu e aquela moça pensávamos estar salvas e que apenas chegaríamos com alguns minutos de atraso no Rio de Janeiro, nossa presunção acabou quando o ônibus chegou na Via Presidente Dutra. Um engarrafamento de cerca de uma hora e meia, apenas na Dutra, surpreendeu os passageiros[…] Ao chegar à Avenida Brasil, novos congestionamentos em vários eixos da via. Resultado: o tempo da viagem foi de duas horas e meia, quando a demora normal é de cerca de 1h30, às vezes 1h45. Sem trânsito poderia até durar uma hora. Acrescentado o tempo de espera, foram 3h30 para chegar ao centro da cidade do Rio de Janeiro (pp. 11-12).

A autora prossegue descrevendo outros acontecimentos: os dias de verão de 45 graus, o

Hospital da Posse, o Dia Internacional da Mulher, o Juizado Especial de Pequenas Causas,

a reunião do MAB...

Preocupada em entender a pluralidade de sensos de justo em Nova Iguaçu, ela procura

definir seus “usos”, partindo da problematização de situações específicas vividas pelos

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moradores da cidade e integrantes do MAB (assim como dos múltiplos pertencimentos de

seus principais interlocutores). As percepções dos “problemas sociais” dignos de

publicização e da revolta frente a eles são contextualizadas no repertório de reivindicações

locais e de construções coletivas. Nesse sentido, as mobilizações e debates públicos são

analisados a partir de uma gramática política (dispositivos e repertórios) orientada para a

dramatização (Turner, 1984).

Com este intuito, a autora tenta reconstruir — a partir da noção de arena pública — a

definição de espaço público para esses atores, buscando apreender os mecanismos de

constituição de novos públicos, ou seja, a mudança de status do grupo a partir da

visibilidade alcançada56. Desmascarando as alegações de ilusão ou alienação, a autora

desvenda as “competências” dos atores ao definirem as situações problemáticas e

mobilizarem-se coletivamente.

Baseando-se na noção de identidade social tal como formulada por Goffman (1975a,

1975b), Freire apresenta uma pluralidade de visões acerca “da Baixada” (em geral), bem

como do sentido de pertencimento a ela atrelado — igualmente fundamentados nas

percepções dos sensos de justo. A autora coloca-se a seguinte questão: “que lugar a

‘Baixada Fluminense’, enquanto recorte cognitivo, ocupa no espaço público (entendido não

só do ponto de vista comunicativo, mas como espaço de problematização, de circulação, de

reservas e acessibilidades)?” (p.69).

56 Freire (op.cit.) vai abordar esta questão a partir do que chamou de dispositivos de publicidade: jornais, atos públicos, passeatas. A autora busca enfatizar a passagem do problema a um nível de generalidade a partir do uso de recursos políticos e dos dispositivos acima enumerados.

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Novamente dialogando com Goffman (idem), Freire procurou compreender os “olhares”

sobre a Baixada a partir dos contatos mistos (entre “normais”/ “estigmatizados”)57. A

autora pôde observar que os sentimentos acionados para operacionalizar os distanciamentos

e aproximações giravam em torno de um repertório de acusações mútuas; as manifestações

de emoções por ambos os “lados” sendo percebida durante todo o tempo da pesquisa. Os

“da Zona Sul” (uma referência generalizada na construção do outro - o morador do Rio de

Janeiro - para os nativos) acusam os “da Baixada” de “bregas”, “cafonas” ou advertem a

autora sobre os perigos do “lugar”: “Você é louca!; A Baixada é outro mundo!; Ali é lugar

de desova! Eu realmente nunca moraria lá.” (p. 73). Tais imagens manifestam-se em

relações jocosas, demonstrando ao mesmo tempo a existência de pré-noções e preconceitos,

e um certo desconforto que se faz notar pelo tom de confidência, quase privado, assumido

pelos interlocutores da pesquisa. Os “da Baixada”, por sua vez, enfatizam a “frescura”, a

arrogância e a “metidez” dos “da Zona Sul”, utilizando-se de adjetivos como “babaca”,

“otário” para caracterizá-los, além de os acusarem de “viver em outro mundo”58. Dando

destaque aos momentos de prova e à idéia da ordem pública59 como “ordem negociada”

(Strauss, 1992), Freire demonstra como os processos de definição implicavam

compromissos e acordos assim como conflitos e tensões, nos quais as arenas públicas

constituíam “os bastidores do espaço público” (Freire, op.cit., p.45). A partir da 57 A revista eletrônica Almanaque, da TV a cabo Globo News, exibiu em 17 de abril de 2006 um programa intitulado Baixada bonita. No referido programa foi mostrada uma exposição fotográfica realizada com apoio da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) e da Prefeitura de Nova Iguaçu, durante o Fórum Mundial de Educação. Pudemos perceber que ao se tentar mostrar “o que a Baixada tem de bonito”, estava implícita a todo momento a referência à pobreza e à violência da região. Esta impossibilidade de desvinculação na fala dos “de fora” — dos fotógrafos estrangeiros — evidencia-se, portanto, mesmo quando constituída a partir de um projeto político de reinvenção do “lugar”. 58 Freire utiliza-se da personagem da empregada doméstica (como um tipo ideal) para pensar no contato e nas possíveis trocas entre os distintos “mundos sociais”. Nesse sentido, enfatiza a dimensão profissional como responsável por parte significativa das relações entre os moradores da Baixada e aqueles residentes no Rio de Janeiro. 59 A autora desenvolve um debate entre noções de espaços públicos e processos de publicidade a partir, fundamentalmente, de Habermas (1992), Boltanski e Thévenot (1991) e Gusfield (1981).

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diferenciação entre espaço público e arena pública, a autora enumera suas características:

dramaturgia, pluralidade, embates, negociações, regras de publicidade coercitivas e

dispersão (cf. idem, pp. 46-47).

Apesar de Freire não mencionar a dissertação ou qualquer outro trabalho de Monteiro

(op.cit.) em nenhum momento, a complementaridade entre ambos os estudos será aqui

evidenciada. Enquanto a primeira preocupou-se em compreender os processos de

constituição dos sensos de justo a partir das arenas públicas e, portanto, os processos de

dramatização, visibilidade e encenação nelas encerrados; o segundo conferiu destaque à

explicação nativa das práticas de resolução de problemas cotidianos englobada por uma

concepção particular de cidadania.

O que Freire (p.62) denominou “repertório do próximo” e que serviu de base para o

entendimento da construção do bem comum, a partir da definição de uma situação

problemática num contexto coletivo bastante específico, estaria bem próximo da dinâmica

da rede de resolução de problemas práticos (Monteiro, op. cit.), ambos trazendo à tona

uma reflexividade prática (Boltanski e Thévenot, op.cit.), bem como uma “criatividade no

agir” (Joas, 1999 apud Freire, op.cit., p. 140).

O evento referencial seria fundamental para a constituição do “problema” em si que,

atrelada a operações cognitivas e morais, tornaria possível sua publicização. A denúncia

pública traduziria a passagem de um problema de ordem particular (e portanto de menor

grandeza) a um problema generalizado, coletivo (de maior grandeza). Tal elaboração supõe

formas de classificação e utilização de recursos do mundo da política: a publicidade gera o

“caso” — recurso operador e amplificador de grandeza.

A dissertação de Monteiro (op.cit) aproxima-se igualmente deste tipo de abordagem.

Interessado em desvendar os processos de construção das identidades locais em relação às

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práticas políticas (e ao poder público) e às percepções de cidadania em jogo, o autor

analisou o “caso Belford Roxo”. Por intermédio da análise do processo de emancipação do

ex-distrito iguaçuano, Monteiro deparou-se com uma população que, abandonada pelo

poder público e não o tendo como legítima instância a se recorrer, criava suas próprias

alternativas, agindo coletivamente, definindo “situações problemáticas” e administrando

seus sensos de justo.

Examinando as colunas destinadas a reclamações do Jornal de Hoje, o autor procurou

estabelecer uma tipificação e hierarquização das reclamações a fim de perceber a

classificação “problema” ou “situação problemática” para os moradores da Baixada. Sua

hipótese inicial era a de que os principais problemas diriam respeito a situações de difícil

resolução informal. O levantamento desses dados ocorreu entre os anos de 1982 —

escolhido pela significativa queda na taxa de migração observada — e 1997, ano em que foi

extinta a coluna de reclamações Boca no Trombone, substituída por outra, intitulada Seu

Bairro60. Não me alongarei na análise desses dados, mas é a partir deste levantamento que

o autor estabelecerá uma série de implicações com as práticas políticas locais e com a

trajetória política que utilizará para ilustrar tal vinculação.

O segundo equívoco revelado sobre a ação proletária na Baixada Fluminense relaciona-se com o entendimento de

60 A própria alteração do nome da coluna é significativa de um processo de transformação nas imagens produzidas sobre a Baixada Fluminense. A tabela que se segue traz a tipologia dos problemas e sua hierarquização. PROBLEMAS NÚMEROS TOTAIS PORCENTAGEM Hospitais 500 25,0% Lixos e pragas 400 20,0% Segurança pública 340 17,0% Saneamento básico 240 12,0% Transporte deficiente 180 9,0% Telefones públicos 180 9,0% Creche, escolas 120 6,0% Iluminação pública 20 1,0% Lotes abandonados 10 0,5% Opções de lazer 10 0,5% TOTAL 2000 100% apud Monteiro (op.cit., pp.32-33).

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que existe passividade popular no desconhecimento de deveres e direitos e na negação das reivindicações como algo efetivamente solucionador de problemas políticos inerentes à ação de governos. Aquele tradicional entendimento de que cabe ao governo a responsabilidade por resolver todos os problemas, aspecto do paternalismo extremamente aprofundado em nossas instituições políticas, é criticado involuntariamente por esse morador que se orgulha do fato de não depender do governo para manter sua rua transitável e seu bairro parcialmente organizado (idem, p. 44).

Monteiro inicia seu relato sobre a rede de resolução de problemas práticos a partir de uma

disputa política — e por visibilidade — entre um vereador local e um líder comunitário,

sobre “serviços” prestados à comunidade e sobre a “cobrança por proteção (o líder

comunitário pertenceria a um grupo de extermínio). Alguns conflitos públicos foram

desencadeados até que os dois finalmente entraram em acordo. Cessado o conflito, a

situação merecedora de cobertura da imprensa — a criação do movimento “roça limpa” —

não se desarticulou. A população local continuou revezando-se para a coleta do lixo,

improvisando latas para seu acondicionamento e utilizando-se de um caminhão particular

(de propriedade de um morador da região) para seu transporte até o “lixão”. Tal prática é

mais comum do que se imagina na Baixada, como um todo.

A rede de resolução de problemas práticos não configura, no entanto, um movimento

social. Distingue-se deste último por seu caráter espontâneo (não-formal), permanente e

não-reivindicativo (no sentido de não privilegiar as manifestações públicas)61. É neste

aspecto que a abordagem de Monteiro diferencia-se daquela elaborada por Freire — que

61 Sobre movimentos sociais, sua forma de organização, suas características, consultar, entre outros, Cardoso (1983), Boschi (1983 e 1987), Jacobi (1987), Oliveira (1987), D’Incao e Botelho (1987), Sader (1987 e 1988), Ammann (1991), Doimo (1995), entre outros.

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volta seu olhar para um movimento social constituído, o MAB. Mas qual seria a

singularidade de uma organização popular não-reivindicativa como esta?

A resposta popular à sua invisibilidade pelo poder público se dá justamente a partir de uma

concepção particular de política. Grosso modo, esses moradores não percebem a cidadania

em associação à reivindicação de direitos. O agir no mundo (em seu mundo), por

intermédio de práticas solidárias cotidianas, despidas de um caráter de “serviço” (como

empregado por políticos e alguns líderes comunitários) e a busca por visibilidade vão

novamente na direção oposta daquela abordada por Freire, ao tratar das organizações

coletivas (op.cit.). Seria justamente essa invisibilidade (não necessariamente desejada, mas

percebida como um fato, diariamente constatada na relação morador-poder público) e sua

percepção como “forma de convivência” por excelência a pautar esta relação que

permitiriam a atuação efetiva da rede de resolução de problemas práticos e sua

manutenção mesmo após a “resolução” de um problema específico.

Para Monteiro (op.cit.), tal rede seria mais ampla do que as organizações populares formais:

os moradores da Baixada, por conviverem com uma realidade extremamente dura, seriam

compulsoriamente envolvidos na “ação coletiva”. A despeito da generalização desta

afirmação, a análise relativa à constituição das redes, à auto-resolução dos problemas e à

concepção de cidadania por parcela de moradores da Baixada nos dá indicativos da

concepção de política local — e de sua experiência efetiva.

Em consonância com tal abordagem, o autor assim analisa o surgimento do líder marginal

— em oposição ao político profissional62.

62 Utilizo a definição weberiana de político profissional, cujo surgimento remete à relação de oposição entre o príncipe e “as ordens” (ou seja, os proprietários dos meios materiais de gestão). Analisando momentos históricos distintos, o autor chama a atenção para o surgimento de diversas categorias privadas dos meios de gestão públicos (clérigos, letrados, nobreza da corte, o patriciado, os juristas etc.). Interessa-nos

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O perfil do líder marginal da região da Baixada Fluminense traçado até aqui permite-nos chegar às seguintes conclusões: é esse elemento alguém necessariamente integrado à comunidade em que vive, ele não existiria sem a informalidade de resolução de problemas práticos, pois, conforme vimos, é ele parte integrante dessa informalidade, agindo como um elemento facilitador na medida em que organiza os trabalhos realizados dentro da rede. Desvinculado da rede, o líder marginal poderia surgir unicamente como mais um dos “políticos” que pululam na região ignorando o trabalho mudo da rede de resolução de problemas práticos, ou — mais comumente — se aproveitando da boa vontade de alguns inocentes para conseguir votos através da realização de “obras de maquiagem” que, segundo o senhor Antônio, “acabam com a primeira chuva” (idem, p. 96).

Para ilustrar a imbricada relação entre estes dois tipos ideais, o líder marginal e o político

profissional, o autor relata como os primeiros acabam tornando-se vereadores, prefeitos ou

deputados estaduais num movimento mais voltado à mobilização popular — com fim às

emancipações distritais — do que a profissionalização em si. “Não seria, portanto,

completo o perfil do líder marginal se não entendermos que grande parte desses líderes

lentamente, porém de forma decisiva, tomaram assento primeiramente nos legislativos

municipais e depois nas prefeituras dos distritos iguaçuanos emancipados” (ibidem, p. 97).

Ao insistir na nítida diferenciação entre tal líder e o político profissional, o autor acaba por

reforçar a caracterização do sujeito que vive “para a política”, tendo na vocação sua marca

distintiva (Weber,1971). Não deixa, no entanto, de destacar a necessária transição de um

pólo ao outro. Essa “invasão”, conforme chama, apareceria de maneira exemplar na

trajetória de Joca:

particularmente a noção de “funcionário” e a relação entre a empresa política e a empresa de interesses, cuja figura política central seria o boss (EUA).

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O primeiro prefeito de Belford Roxo surgiu-nos como um exemplo lapidar da liderança marginal baixadense na medida em que experimentou uma rápida ascensão política completamente ancorada na sua eficiente ação social substituidora do poder público e no seu forte carisma pessoal. Acompanhar tal ascensão permite-nos compreender ao mesmo tempo as razões que orientam o desenvolvimento da liderança marginal e a mutação que tal estilo de lidar com o poder público imprime no próprio poder público: a chegada de Joca à prefeitura de Belford Roxo determinou a inauguração de um estilo diverso de governo. Em lugar da negação da reivindicação política como algo eficiente na resolução dos problemas, a população belforroxense aposta que se Joca comportar-se à frente da prefeitura como comportou-se como um líder marginal de seu bairro e como vereador iguaçuano, “Belford Roxo, nunca mais será a mesma” (idem, p.98. Grifos do autor).

Jorge Julio da Costa, o Joca — ex-baleiro, pedreiro, carroceiro, “matador” e/ ou

“justiceiro” — foi eleito com mais de 80% dos votos válidos como o primeiro prefeito de

Belford Roxo (após a emancipação), em 1992, na época já “um bem sucedido empresário

do setor de transportes e construção” (p. 117). Sua vida pública começou, no entanto, como

vereador em Nova Iguaçu pelo PMDB, em 1988. Com uma trajetória política marcada por

um estilo próprio e pelas trocas constantes de partido, tinha como diferencial sua relação

com o “povo”. Joca mantinha ambulâncias (vans adaptadas) para atender a população de

Belford Roxo (ainda distrito de Nova Iguaçu) mesmo antes de candidatar-se a um cargo

público. Sua liderança na região passa a ser reconhecida já a partir do final da década de

1980. Com prestígio em alta junto ao eleitorado de Belford Roxo, algumas lideranças de

Nova Iguaçu começaram a vislumbrar possíveis alianças. No período em questão, o prefeito

do município era Aluísio Gama, do PDT que, manifestando-se a favor da emancipação do

distrito, conseguiu atrair Joca para seu partido. Em 1991, já próximo a Bornier, filiado ao

PL e convencido de que poderia alçar vôos mais altos, Joca lançou seu nome para possível

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candidatura em Belford Roxo — tendo como vice um político ligado às elites tradicionais,

Ricardo Gaspar. Foi eleito e governou Belford Toxo até 1995, ano em que foi assassinado

após reagir a um suposto assalto na saída do túnel Santa Bárbara, no Rio de Janeiro63.

As redes políticas a que atores como Joca estão vinculados trazem à tona o movimento e a

circulação de imagens e indivíduos. Contudo, a violência e a fala do crime (Caldeira,

2000), ainda que minimizadas pela grande imprensa (jornais como O Globo, Jornal do

Brasil e, mais regionalmente, O Dia) vão colocar-nos diante de um processo que, associado

às questões anteriormente elencadas (pobreza, ocupação rápida, urbanização desordenada,

abandono, globalização do crime64 etc.), viabilizará uma instrumentalização da violência

política.

“A instrumentalidade política da violência relaciona-se com a subjetividade de uma determinada população, construindo formas de perpetuação de poderes e lógicas sociais de justificação do recurso à violência: a sua relação com o poder e com o estado” (Alves, 2003, pp. 21-22).

Alves nos chama a atenção para o fato de que as imagens da violência veiculadas pela

mídia e cristalizadas pelo senso comum generalizam a violência/ criminalidade —

naturalizando-a — assim como transmitem a sensação de estarmos todos inseridos em um

“estado de barbárie”, nos eximindo de pensar tal violência como um aspecto da própria

relação com o Estado.

Nesse sentido, para o autor, um conjunto de fatores explicaria a permeabilidade da máquina

estatal e a consolidação de grupos políticos graças às relações entre violência, poder local e

esferas de poder “supra locais” (idem): o rápido crescimento urbano ocorrido na região a

63 Mais detalhes sobre sua trajetória e sobre os desdobramentos políticos de sua morte serão abordados no capítulo 3 desta tese. 64 Ver, a este respeito, Zaluar (1996).

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partir de 1930 e os conseqüentes loteamentos de terrenos; o incremento populacional; o

período de ditadura militar e a “atomização das relações sociais”; a presença de matadores

operando numa linha bastante tênue entre público e privado — além de sua ligação com

setores do capital privado (empresariado local e regional) e as relações dos atores

envolvidos nesses esquemas de dominação política local com as esferas do Executivo,

Legislativo e Judiciário. A associação entre a política local, o jogo do bicho e as escolas de

samba também constituíram outra faceta deste quadro (Cavalcanti, 1993), tendo no

município de Nilópolis e na família Abraão David seus exemplos paradigmáticos.

As elites políticas da Baixada não estiveram isoladas como se poderia supor dadas as

precárias condições infra-estruturais e o abandono de seus moradores. As trajetórias

políticas de figuras como o Barão-fazendeiro (ibidem, p.31), o eloqüente orador Getúlio de

Moura, o emblemático Tenório Cavalcanti e sua “Lurdinha”65, a família Raunheitti (em

Nova Iguaçu) e até os populares “justiceiros/ matadores” — Joca, em Belford Roxo e Zito,

em Caxias — sem dúvida lançam luz sobre os processos e relações sociais igualmente

constitutivos do “lugar” Baixada Fluminense. O contraste entre a antiga oligarquia rural e o

selfmade man inaugurou um novo cenário para as relações políticas na região, fazendo

despontar novos nomes.

Se os discursos dos moradores, tomados anteriormente, permitem-nos mergulhar na

multiplicidade desses sentidos e em sua polifonia, a dimensão política nos apresentará

algumas formas de instrumentalizá-los. Nesse sentido, os projetos — de atores políticos

coletivos e individuais — vão também delineando novas fronteiras para a Baixada.

A composição da Baixada em treze municípios — tal como mencionada no primeiro

parágrafo deste capítulo — corrobora alguns desses projetos. Tal composição está presente, 65 Nome pela qual era conhecida sua inseparável metralhadora.

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por exemplo, nos discursos de agentes ligados à Secretaria de Estado de Desenvolvimento

da Baixada e município adjacentes (conhecida apenas como Secretaria da Baixada)66, à

Associação de prefeitos da Baixada Fluminense, às mobilizações coletivas pela

Universidade Pública da Baixada (cf. Freire, op.cit.), em projetos sociais ligados à música

(Costa, 2006), entre outros que procuram redimensionar o “lugar”, quer seja na tentativa de

obtenção de verbas públicas, visando a ampliação de poder e prestígio, ou na disputa por

acessos privilegiados (Kuschnir, 2000) ou ainda em torno “da memória” (Enne, op.cit.) ou

da constituição de identidades (Freire, op.cit.; Monteiro, op. cit).

“Até mesmo o poder público, o poder político, quer construir uma outra imagem pra região. E por outro lado, você tem grupos políticos ligados a grupos de extermínio que não querem mais ser associados a isso. E eu acho que têm meios de comunicação que estão aliados a esses grupos políticos. Eu não digo nem pelo avanço cultural, que a gente não vê, pelo ‘grande avanço’ de infra-estrutura, porque não foi tanto assim, que a Baixada ganhou [espaço na mídia]. Mas talvez porque esses políticos que tinham uma representação mais a nível regional começaram a ganhar espaço nacional […] não querem ser associados à barbárie, querem buscar estar agora próximos à modernidade, porque essas chacinas estão próximas da barbárie e eles não querem mais estar associados a isso” (Maria dos Carmo Gregório apud Enne, op. cit., pp. 110-111).

Alguns discursos políticos mencionam a necessidade de se “pensar a Baixada como um

todo”, referindo-se a uma configuração que incluiria ainda Paracambi ou Itaguaí, por

exemplo — como no caso de um de meus interlocutores, abordado no próximo capítulo.

Outros exemplos serão aqui apresentados a partir de imagens divulgadas pelas campanhas

políticas durante o período eleitoral de 2004 em Nova Iguaçu e em Duque de Caxias. Deste

66 A importância da configuração adotada pelo Estado, via Secretaria de Governo da Baixada, é também abordada por Freire (op.cit.), assim como por Alves e outros pesquisadores, já em 2005, no Relatório Impunidade na Baixada Fluminense.

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modo, a busca por uma “outra imagem” para a Baixada — por intermédio de projetos

políticos traduzidos em ações com repercussão coletiva — acaba por exacerbar a fluidez

desse “lugar” e a ampliação da interpenetração com outros “lugares” (como a cidade do Rio

de Janeiro, por exemplo), quer pela associação com bairros da Zona Oeste (Campo Grande)

e subúrbios da Avenida Brasil (Irajá e Pavuna), quer com a Zona Sul e, fundamentalmente,

com a Barra da Tijuca.

“A Barra [da Tijuca] é o paraíso dos ricos da Baixada. Todo mundo que fica rico, muda pra lá. Se não muda, tem apartamento e sexta-feira pega o carro e só volta na segunda” (I., comerciária e estudante de administração, 26 anos, moradora da Posse – Nova Iguaçu).

Se no início deste capítulo, nos referimos ao “lugar” como a “territorialização” operada

pelos múltiplos sentidos possíveis (através de atores, agências etc.); daqui por diante

estaremos remetendo a um tipo específico de “territorialização”: a efetuada pelo discurso

político e por suas práticas (Deleuze, 1992).

A política na Baixada é, sem dúvida, “coisa pessoal”. A noção anteriormente mencionada

de rede de resolução de problemas práticos nos dá algumas pistas dos caminhos a seguir.

A conjunção do espaço e do território aos usos e significados a que estão submetidos

redimensionam a qualidade banal de “meio” e operam uma religação. Caracterizada pela

circulação de informações e imagens, palavras e pessoas, a Baixada permite que pensemos

esta coleção de lugares a partir do aspecto não exclusivamente racional do espaço, mas

pelo fluxo e pela interação de elementos diversos, e às vezes ambíguos, conformados em

modos de ser e experiências sensíveis.

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As trajetórias políticas selecionadas nesta tese serão os enunciadores-políticos, os lugares

de dizer (Guimarães, 2005) para que a Baixada faça sentido na própria enunciação67. Desse

modo, assim como os lugares-eventos (Borges, 2003) enfatizam as “palavras” e os “feitos”

nativos, também a rede de resolução de problemas práticos ou mesmo a construção das

arenas públicas a partir da problematização de situações específicas, voltam a nossa

atenção às experiências cotidianas e vivências, e aos discursos e projetos políticos.

O conjunto desses discursos, como uma espécie de “razão prática”, aparecem como

justificativa para a ação. E, através das narrativas, as pessoas envolvidas interpretam o

mundo e expressam alternativas (no caso, políticas) buscando apresentá-las como razoáveis

e coerentes.

É a partir desta visão que a articulação entre imagens da Baixada (e as possibilidades para

sua expansão) e projetos políticos individuais e coletivos serão apresentados como forma de

apreender os sentidos da espetacularização do mundo político. Ou seja, demonstraremos, ao

longo desta tese, como os diversos sentidos atribuídos ao “lugar” serão cruciais no

repertório acionado pelos atores políticos no momento de sua apresentação. A política,

entendida também como espetáculo trará novos personagens, técnicas e interlocutores68.

Ela tornará possível a existência de outras Baixadas e será por essa multiplicidade

atravessada.

67 Para Guimarães, o político é pensado como fundamento das relações sociais —importância fundamental sendo conferida, portanto, à linguagem (o político é o homem que fala) —e caracterizado pela contradição que encerra entre a distribuição das desigualdades e a afirmação de pertencimento ( cf. p.17). 68 Balandier (1982), Carvalho (1995), Chaia (1996), Sarmento (1999), Puls (2000), Castilho (2000), Courtine (2003), Piovezzani Filho (2003), Sargentini (2003).

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CAPÍTULO 2: JORGE GAMA: O ARTICULADOR (OU VISIONÁRIO?) DE UMA

BAIXADA

Neste capítulo, pretendo apresentar algumas observações sobre as relações políticas na

Baixada Fluminense – fundamentalmente a partir de 1964 – utilizando-me, para tanto, de

documentos históricos sobre a trajetória de Jorge Gama, além de entrevistas e conversas

informais que realizei com ele. Com isso, espero ilustrar o papel de alguns de seus atores

sociais na construção de projetos políticos que trouxeram à tona imagens da região, delas se

apropriando e tornando-as visíveis a outros universos sociais. Pensar, enfim, a

multiplicidade da conceituação referente à Baixada a partir dos discursos políticos aqui

apresentados.

A prática política na Baixada não pode, de modo algum, ser entendida através de duas ou

três redes compostas por partidos políticos determinados a priori. Para compreendermos

este quadro, devemos excluir o ponto de vista estático para pensá-lo em processos

constantes de abertura e fechamento, aglutinação e reformulação, densidade e

esvaziamento. A “personalização” é, desde sempre, uma das dinâmicas constitutivas das

redes políticas da região, operada a partir de indivíduos-chave e da busca por seus

interesses particulares, ora valendo-se de partidos, ora de redes mais amplas para atingir

seus objetivos (Beloch, 1986; Grynspan, 1990b; Ferreira, 1994; Alves, 2003). Pretendo,

assim, transformar Jorge Gama no primeiro narrador de uma das versões sobre a Baixada, a

política local e seu modus operandi.

Minha escolha por iniciar por sua trajetória não foi arbitrária. Destaco que, ao começar o

trabalho de campo em Nova Iguaçu, meu primeiro contato, ainda apenas por telefone, foi

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com o assessor de imprensa do então prefeito Mário Marques69, Pedro Cezar, em julho de

200370. Foi por seu intermédio que tive acesso aos secretários, principalmente ao secretário

de governo, um político tradicional do PMDB do estado, o ex-deputado federal Jorge Gama

que se tornou um importante interlocutor desta pesquisa, além de ser um personagem com

destaque na história política regional – e, em alguma medida, também nacional71.

Tanto as entrevistas quanto as “conversas” foram feitas em seu gabinete, na Prefeitura

Municipal de Nova Iguaçu, com exceção da última delas, realizada na Secretaria de

Governo da Baixada, localizada no km 15 da Rodovia Presidente Dutra72. O prédio da

69 Mário Pereira Marques Filho é natural de Nova Iguaçu. Advogado, foi juiz de paz da Comarca de mesmo nome, entre 1967 e 1970, e secretário de administração da prefeitura de 1967 a 1968. Elegeu-se vereador em seu primeiro mandato pela ARENA, em 1970, com 2.397 votos, sendo reeleito em 1972, pelo mesmo partido, com 3.025 votos. Foi suplente de Deputado Estadual (1974-1978) pelo mesmo partido e participou da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal, como relator, em duas legislaturas (1970/ 1972 e em 1976). Foi reeleito vereador pela terceira vez em 1976 (ARENA) com 3.024 votos. Filiou-se ao Partido Democrático Social (PDS), em 1981, no qual permaneceu até 1990. Reeleito pela quarta vez em 1982, foi o 3º mais votado do município, com 4.761 votos. Foi líder da bancada do PDS e fundador do partido (1980/ 1982) no município. Foi reeleito vereador, ainda pelo PDS, em 1988 com 1.180 votos, quando atuou como Relator da Lei Orgânica de Nova Iguaçu, em 1988 e em 1990. Candidatou-se à Câmara dos Deputados, em 1990, pela legenda do PTR, obtendo 4.882 votos – ficando na 5ª suplência. Reelegeu-se vereador pela sexta vez consecutiva em 1992, obtendo 1.615 votos, sendo o 1º da coligação PTR/ PST. Na mesma ocasião, elegeu-se também 2º Vice-presidente da Câmara Municipal de Nova Iguaçu. Reeleito vereador pela 7ª vez consecutiva, em 1996, já pelo PPB, obteve 2.772 votos e foi eleito Presidente da Câmara Municipal de Nova Iguaçu, de 1999 a 2000. Aos 63 anos, tornou-se pela primeira vez prefeito de seu município, após 30 anos de mandatos legislativos, tendo assumido o cargo em 2002. Em 2004, foi novamente candidato à Prefeitura de Nova Iguaçu pela coligação Crescer sempre com Deus e com o Povo, perdendo para o candidato do PT, Lindberg Farias. 70 Jornalista de formação, PC, como é conhecido, trabalhou nos jornais O Globo e O Dia, mas já está na política há quase vinte anos. Iniciou-se nesta atividade como assessor de Moreira Franco e Francisco Amaral, em 1986, trabalhando também com Nelson Bornier em suas duas últimas campanhas (para o executivo municipal de Nova Iguaçu, em 2000, e para a Câmara dos Deputados, em 2002), prosseguindo com suas atividades de assessoria com a transferência do mandato ao vice-prefeito Mário Marques, que na época era do PP. 71 Esclareço o uso extenso das transcrições das entrevistas – realizadas em três ocasiões (10 de agosto de 2004, 23 de setembro de 2004 e 15 de outubro de 2005) – dada a importância, para esta tese, da identificação da rede política em que Jorge Gama se insere, por intermédio de sua narrativa de si. Repetirei este artifício com outros atores, quando julgar que tal empreendimento se justifique. 72 Geralmente, após as entrevistas, almoçávamos juntamente com outras pessoas (outro secretário, Pedro Cezar e algum outro assessor). Apesar de não registrados sistematicamente, tais eventos também são considerados fontes importantes para a pesquisa. Minha presença exigia uma redefinição da “situação” pelos

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Prefeitura situa-se na Rua Ataíde Pimenta de Moraes, no. 528, no bairro central, próximo ao

maior shopping center da cidade, o Top Shopping. Tem dois pavimentos (térreo e 1º.

andar), além do piso subterrâneo onde costumavam ficar as assessorias de comunicação e

outras afins. O gabinete do secretário de governo está localizado no andar superior, no qual

há uma ante-sala com ar-condicionado, algumas poltronas e a mesa de sua secretária. O

gabinete é amplo: tem duas escrivaninhas – uma para uso próprio e a outra, para uso de seu

assessor pessoal – e uma grande mesa oval, com aproximadamente dez cadeiras.

A primeira entrevista não foi previamente agendada. Após alguns telefonemas, resolvi

dirigir-me diretamente à Prefeitura para tentar estabelecer contanto com alguém próximo ao

prefeito Mário Marques, uma vez que vários dos encontros marcados já haviam sido

cancelados. Nesse dia, 10 de agosto de 2003, conheci Pedro Cezar pessoalmente. Após

aproximadamente uma hora de conversa, prometeu agendar uma entrevista com o prefeito e

resolveu apresentar-me a seu secretário de governo para que, assim, “a viagem não fosse

perdida”. Levou-me ao gabinete, entrando sem ser anunciado. Lá, apresentou-me a Jorge

Gama como “pesquisadora, fazendo trabalho sobre política na Baixada”. Este último foi

muito receptivo, convidando-me a sentar, porque teria que dar alguns telefonemas antes de

falar comigo. Pedro Cezar saiu e pediu-me que, ao terminar, o procurasse na secretaria de

comunicação (que ficava no prédio anexo, do outro lado da rua, juntamente com o gabinete

do prefeito, uma sala de reuniões e salas de alguns secretários) para acertarmos a data da

entrevista com o prefeito.

Jorge Gama estava de terno escuro, camisa bege e gravata. O dia estava muito quente e o

ar-condicionado, ligado. Ofereceu-me água e café, pedindo à secretária que providenciasse

presentes já que, certamente, não conversavam sobre qualquer assunto e, quando desejavam falar algo que não deveria ser divulgado, alertavam-me, dizendo que determinado assunto deveria ficar em “off”.

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os mesmos. Seu assessor retirou-se, só retornando quando estávamos terminando a

entrevista, quase duas horas depois. Como de praxe, estava com meu gravador. Perguntei se

poderia gravar a entrevista, ao que ele não fez nenhuma objeção. Expliquei que se tratava

de minha tese de doutoramento pelo Museu Nacional da UFRJ e que meu interesse, a

princípio, era o de entender como se fazia política na Baixada Fluminense. Jorge Gama

mencionou o fato de gostar de antropologia, citando sua leitura de Darcy Ribeiro. Afirmou

que, se não tivesse feito Direito, certamente teria direcionado seus estudos para alguma

carreira na área das ciências sociais.

A primeira entrevista teve início formalmente e pedi que ele me falasse um pouco sobre si,

sobre sua trajetória, ao que respondeu-me imediatamente, narrando sua entrada no MDB.

Deixei que falasse sem interrompê-lo. Só mais tarde, intervim, perguntando se ele havia

nascido em Nova Iguaçu. Sua narrativa recomeçou, então, centrada em seu nascimento e

nas histórias sobre seus familiares.

Jorge Gama nasceu em 19 de setembro de 1942. Carioca “do Rocha” (subúrbio do Rio de

Janeiro), mudou-se para Nova Iguaçu com seis anos de idade, juntamente com o pai, a mãe

e os três irmãos. Seu pai, Manuel de Barros, era imigrante português nascido durante o

regime salazarista. Era comerciante, dono de uma carvoaria em Nova Iguaçu e de um

botequim, localizado onde hoje situa-se o município de Mesquita. Sua mãe, Noêmia de

Oliveira Gama de Barros, era dona de casa. Jorge fez o primário (hoje chamado de ensino

fundamental) no Colégio Iguaçuano – na época, uma das melhores e mais tradicionais

instituições educacionais privadas da cidade e referência local, ainda hoje. Aos 12 anos, foi

trabalhar no Fórum, estudando à noite no Colégio Monteiro Lobato (uma tradicional escola

da rede pública). Continuou trabalhando no cartório e, aos 18 anos, foi nomeado

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escrevente. Quando concluiu o curso de direito pela Universidade Federal Fluminense, em

1969, optou por não fazer concurso e permanecer no cartório onde “ganhava bem”.

Sua fase adulta transcorreu durante os anos de ditadura no Brasil. Em um primeiro

momento, o regime autoritário cassou mandatos parlamentares e instituiu o AI-2 (que

implicou a extinção dos partidos políticos) e, logo em seguida, o bipartidarismo (ARENA e

MDB), permitindo o funcionamento, ainda que parcial, da sociedade política e garantindo

sua legitimidade com base na percepção de que tal situação seria transitória73. Assim, a

estratégia de manter dois partidos políticos visava evitar a desconfiança e o descrédito

gerados por um sistema autoritário strito sensu (Avritzer, 2000)74. No entanto, o processo

político implementado pelo novo regime não conseguiu diferir das antigas relações

patrimonialistas e clientelistas (Faoro, 1975; Leal, 1975) já que necessitava angariar apoio,

negociando cargos e privilégios com os antigos – e tradicionais – donos do poder (Ferreira,

op. cit.; Alves, op. cit.).

O regime militar e o momento posterior da “abertura” são significativos para o

entendimento da política na Baixada Fluminense, além de constituírem o contexto de

surgimento de algumas trajetórias políticas expressivas em termos mais gerais. Nessa

73 O MDB surgia, oficialmente (registrado na Justiça Eleitoral, apesar de existir desde finais de 1965), em 24 de março de 1966. Nascido sob o signo da oposição ao regime – e “batizado” por Tancredo Neves (Ulysses Guimarães preferia a palavra ação a movimento) – o partido foi inicialmente presidido por um general, Oscar Passos, Senador pelo Acre e, a princípio, pouco defrontava o partido do governo, a ARENA. (DHBB, 2001). Segundo Diniz (1982), o MDB fluminense caracterizava-se (no período de 1965-1979) por um alto grau de heterogeneidade, congregando diferentes facções que disputariam a hegemonia interna pelo poder no partido. A autora faz uma análise da máquina chaguista – desde sua estruturação e ascensão, até a articulação de suas bases de apoio – demonstrando a construção de um aparato ligado essencialmente ao clientelismo, suas implicações dentro da estrutura urbana e sua relação com as massas. 74 Segundo Avritzer (2000), “o regime autoritário permitiu o funcionamento parcial da sociedade política, contanto que esta se sujeitasse aos objetivos primordiais do regime (...) O regime autoritário entendia que a vitória nas urnas dar-lhes-ia legitimidade, mas não porque seus programas políticos fossem ao encontro do desejo da maioria do eleitorado, e sim porque isso lhe possibilitaria manipular o processo eleitoral de modo a assegurar o controle a longo prazo do aparelho estatal. O problema dessa estratégia foi que ela criou um processo político que não levava à legitimidade, e sim ao autoritarismo” (pp. 170-171).

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época, entraram em cena novos atores que, vinculados ou não aos militares, perpetuaram-se

na vida política local e ainda demonstram sua influência e prestígio, mesmo após 20 anos

de democracia.

Apesar de qualquer menção ou análise da situação de Nova Iguaçu estar ausente da

narrativa de Jorge Gama durante a primeira entrevista que me concedeu, na Baixada

Fluminense como um todo, tal situação explicitava-se pelo grau de intervenção nos

municípios75. Entre 1963 e 1969, a região passou por significativas mudanças políticas.

Em Nova Iguaçu, mais especificamente, tais mudanças resultaram na nomeação de/ ou na

eleição de oito prefeitos diferentes, fato que, diante da situação política conturbada que se

estabeleceu após a instauração do regime militar, culminou na interferência direta sobre o

poder local, com cassações de prefeitos e vereadores da oposição e a imposição de

interventores na região.

A cidade teve como chefes do executivo, nesse período, dois interventores (Joaquim de

Freitas, em 1966, e Rui Queirós, em 1969), dois presidentes da Câmara Municipal (José

Lima, em 1966, e Nagi Amalwi, em 1968), dois prefeitos eleitos (Aluísio Pinto de Barros,

em 1963 e Ari Schiavo do MDB, em 1967) e dois vice-prefeitos (João Luiz do

Nascimento, em 1963 e Antônio Joaquim Machado, da ARENA, em 196776) e viu

despontar nomes como o de Darcílio Aires Raunheitti, irmão mais velho e “padrinho

político” de Fábio Raunheitti que, mais tarde, surgiria como uma das principais lideranças

dentro da Baixada77.

75 Sobre os processos de construção da memória, assim como sua reelaboração sob diversas perspectivas, consultar Pollak (1989 e 1992), Sarmento (1999), Enne (op.cit.), Santos (2003), Amado (2003), entre outros. 76 Fonte: TRE-RJ e Arquivo da Câmara Municipal de Nova Iguaçu. 77 Do outro lado do campo político, Darcílio iniciou sua vida pública ocupando a quinta suplência na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, pela UDN (União Democrática Nacional, em 1962). Fábio

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Nos municípios adjacentes, a situação de ingerência era a mesma. Duque de Caxias, após a

lei 5.449, de 4 de junho de 1968, tornou-se área de segurança nacional devido à presença de

uma refinaria de petróleo e de uma rodovia interestadual (a Rodovia Washington Luís),

tendo como primeiro interventor Carlos de Medeiros78. Em São João de Meriti, José

Amorim, que há pouco se havia filiado à ARENA, não escapou da cassação e João Batista

Lubanco – ligado aos Raunheitti (Darcílio e Fábio) – foi nomeado interventor, em 197079.

No mesmo ano, Nilópolis também substituiria seu prefeito. João Cardoso, do MDB, perdeu

Raunheitti, por sua vez, nasceu em Nova Iguaçu em 1928. Advogado, formado pela UFF, casado com Lígia Gonçalves Raunheitti, iniciou sua vida profissional como tabelião substituto em sua cidade natal. Tornou-se uma das principais lideranças políticas locais a partir da década de 1960, articulando alianças e financiando as campanhas de seu irmão e de outros políticos locais sem, no entanto, candidatar-se, pois teria que “fazer frente” a seu irmão. Os dois estiveram vinculados à prefeitura de Nova Iguaçu durante a gestão de Rui Queirós, por intermédio da empresa responsável pela limpeza urbana na cidade – CONDENI, envolvendo-se em acusações de corrupção e mau uso do dinheiro público mas, apesar disso, não sofreram qualquer sanção (sobre corrupção ver, por exemplo, Bezerra 1994 e 1998). A entrada de Fábio na vida pública deu-se como Secretário de Educação e Cultura entre 1968 e 1970. Presidiu a Fundação Educacional de Nova Iguaçu de 1975 a 1976 e, também, a Companhia Municipal de Desenvolvimento até 1982.Após a morte do irmão, no entanto, ocorrida em 1986, seu prestígio e liderança foram transferidos para Fábio, que conseguiu projeção regional ao eleger-se deputado federal, pelo PTB, nesse mesmo ano. Em 1969, Fábio fundou e, em seguida, dirigiu a Sociedade de Ensino Superior de Nova Iguaçu (SESNI) que atendia à demanda de toda a região, visto que as instituições de ensino superior na Baixada eram escassas nesse período. Com isso, adquiriu não somente knowhow, mas praticamente o monopólio de tal atividade na região. Inicialmente, contando apenas com faculdades de pedagogia, ciências contábeis e direito, foi conquistando cada vez mais alunos (majoritariamente trabalhadores de segmentos populares e de camadas médias assalariadas que precisavam e/ ou desejavam aperfeiçoamento), ampliando assim a oferta de cursos e seu orçamento particular. O carro-chefe da antiga SESNI – transformada em universidade em 1992 – agora Universidade Iguaçu (UNIG), era (e ainda é) a faculdade de medicina (posteriormente, a ela somando-se a de odontologia), que esteve rodeada de denúncias de compra de vagas, de gabaritos de provas, de venda de diplomas e, por fim – fato decisivo para a trajetória política de Fábio Raunheitti: uso de dinheiro público em sua instituição privada e nos hospitais da Posse e São José, informação que veio à tona no escândalo em que ganhou a alcunha de “anão do Orçamento”. 78 Duque de Caxias será administrada por interventores até 1985, ano em que finalmente elege seu primeiro prefeito desde a instauração da ditadura militar. As relações políticas que têm o município como locus serão objeto do próximo capítulo que analisará a trajetória de Zito. 79 Em 1965, Darcílio, já filiado à ARENA (Aliança Renovadora Nacional) – partido que dava sustentação política ao governo militar instaurado em 1964 – iniciou uma relação de apoio incondicional ao regime, elegendo-se deputado estadual em 1970 e deputado federal em 1974 e 1978. Em 1979, filiou-se ao PDS, reelegendo-se em 1982. Defensor do regime militar, impôs resistência às eleições para governadores, senadores e deputados e colocou-se a favor da transferência do pleito de 1982 para 1986. Também fez oposição à volta das eleições diretas para presidente da República, representada pela emenda Dante de Oliveira, apresentada na Câmara em 25 de abril de 1984. Faleceu em 1986, transferindo sua base eleitoral ao irmão, Fábio Raunheitti. João Batista Barreto Lubanco, por sua vez, integrante do mesmo partido de Darcílio e ligado aos irmãos Raunheitti, elegeu-se vice-prefeito de Nova Iguaçu, em 1972, juntamente com o ex-interventor, nessa ocasião prefeito também pela ARENA, Joaquim de Freitas. Em 1974, assumiu a prefeitura após a renúncia do prefeito de Nova Iguaçu, em um processo aparentemente sem conflitos, no qual a população não se pronunciou, mantendo a pretensa aparência de “ordem” (Alves, op. cit.).

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o mandato como resultado de um processo judicial movido contra ele – e cujas testemunhas

foram Miguel Abraão e Aniz Abraão David, parentes do sucessor de Cardoso, Jorge David

(Alves, 2003)80. Já em São João de Meriti, Denoziro Afonso elegeu-se o único prefeito de

oposição (MDB) nas eleições de 1972.

Foi sob esse clima político que teve início a vida pública de Jorge Gama. Filiado ao MDB

desde 1967, a política lhe interessava, mas ainda com certa distância e muito ligada às suas

relações pessoais e a um “estilo contestador”.

“Aqui, em Nova Iguaçu, tinha um fato interessante. Lançava-se um candidato, assim, da nossa patota, da nossa turma e aí, nós apoiávamos. Vamos votar no cara, vamos botar ele na Câmara. Era uma coisa muito despolitizada, muito eleitoral. Era um modismo. Pegava um nome, uma espécie de liderança na turma e botava ele na Câmara. Nós fizemos isso

80 As famílias David e Abraão David ingressaram na política durante o período da ditadura, inicialmente ocupando cargos nas prefeituras da Baixada com o apoio do aparato do governo federal e, em alguns casos, mantendo relações com interventores federais. Iniciava-se, assim, a união entre política e contravenção que marcaria a imagem de Nilópolis, nesse período já emancipada de Nova Iguaçu. Simão Sessim, irmão de Jorge David e primo de Aniz Abraão David, nasceu no Rio de Janeiro, em 8 de dezembro de 1935. Mudou-se para a Baixada quando criança e sua aproximação com a política deu-se ainda quando estudante, momento em que se filiou à UDN, em 1962. Aos 19 anos, foi diretor do Instituto de Educação Rangel Pestana, em Nova Iguaçu. Formou-se em Direito pela Gama Filho, em 1969, ano em que ingressou na ARENA, tendo ocupado o cargo de secretário de Educação de Nova Iguaçu. No ano seguinte, tornou-se chefe de gabinete na mesma cidade sendo, logo em seguida, (1971) nomeado procurador-geral em Nilópolis. Em 1972, elegeu-se prefeito de Nilópolis pela ARENA, enquanto seu primo, Miguel Abraão David, foi nomeado presidente da Câmara. Em 1977, deixou a prefeitura para ocupar o cargo de assessor da presidência da Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Fundren). No ano de 1976, a família Abraão David sairia derrotada nas eleições municipais de Nilópolis, na qual Nelson Abraão não se elegeu. No entanto, nas eleições para a Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, elegeram Simão Sessim deputado federal (pela primeira vez) e Jorge David, deputado estadual. De acordo com Alves (op. cit.), iniciou-se, neste momento, a vinculação das relações políticas com o jogo do bicho no município, cujos antecedentes remetem ao apoio financeiro da família Razuk, de São João de Meriti, a Roberto e Bagder da Silveira, ambos do PTB, durante a década de 1950. Em 1979, Simão Sessim filiou-se ao PDS, reelegendo-se deputado federal em 1982. Em 1984, esteve ausente da sessão em que foi votada a emenda Dante de Oliveira, demonstrando, dessa forma, sua posição quanto ao assunto em questão. Em 1985, Simão Sessim filiou-se ao PFL – partido formado pela dissidência do PDS – no qual se reelegeu pela terceira vez, em 1986 e, novamente, em 1990. Em 1994, candidatou-se outra vez e foi eleito, pela quinta vez. Nas eleições municipais de 1996, mesmo tendo Nilópolis como uma de suas principais bases eleitorais (além de Itaguaí e Magé), Sessim não conseguiu eleger-se prefeito pelo PSDB, ficando com o segundo lugar, atrás do candidato do PDT, José Carlos Cunha (TRE/RJ). No ano seguinte, saiu do PSDB e filiou-se ao PPB, legenda pela qual se reelegeu no pleito de 1998 e também no de 2002.

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com o Mauro Miguel, amigo, boêmio. Demos uma força e o elegemos. Bom, depois com a ditadura começou a ter um grupo que pensava, que conversava, que trocava idéias. E esse grupo se reunia, informalmente, perto do Fórum, num bar que tinha na esquina, em frente à estação [ferroviária], era o bar do Zuza. Todo mundo ia pra lá de noite tomar cerveja, conversar e trocar idéia. Era quase semelhante àquele grupo do Pasquim, um pouco influenciado pelo grupo do Pasquim81. Era o Robson, que é dono do Correio da Lavoura;82 eu, o Sérgio Fonseca, o Eliasar Diniz, o Roque Bone (Roque da Paraíba, compositor e pintor), Hugo Freitas (artista), Paulo Faria, Paulo Amaral. Aquilo era um centro de debate, de contestação ao prefeito, à política da ditadura. E aí se criou, no Correio da Lavoura, uma coluna chamada ‘O Negócio é o seguinte’. Era uma coluna livre e cada um fazia uma frase, e foi um sucesso muito grande. O jornal era semanal e todo mundo comprava pra ver as piadas e as críticas. Eu usava pseudônimos: ‘o Transeunte’ e ‘Maria Auxiliadora da Paz’. Depois criei um outro personagem, o ‘Geraldinho boca de trombone’, que esculhambava todo mundo. Enfim... Fazia uns artigos uma vez ou outra. Aquilo ali era um cenário, ninguém tinha um projeto eleitoral. Era um cenário meio boêmio e meio contestador. Aos domingos, o jornal publicava o que saía dali, mais ou menos.”

Os personagens criados trazem à tona o papel dos jornais como um dos poucos espaços

possíveis para a crítica ao regime. A relação e as implicações entre as diversas mídias e a

política perpassam a análise da trajetória de Jorge Gama e conferem tons distintos aos 81 O Pasquim – assim como Opinião, Movimento, Em Tempo, Coojornal e Versus – era um jornal alternativo, em formato de tablóide e com circulação irregular; um jornal de protesto e de oposição. Editado no Rio de Janeiro, foi lançado em 1969, tornando-se um dos principais jornais do gênero. Teve em seu quadro de redatores nomes como os de Sérgio Cabral, Jaguar, Tarso de Castro, Carlos Propseri, Claudius Ceccon etc.. De acordo com Maria Paula N. Araújo (2000), o “Pasquim misturava política, comportamento e crítica social. Reproduzia a linguagem coloquial e incorporava o palavrão – muitas vezes utilizando um asterisco como substituto do termo. Chegou a ter uma tiragem de 200 mil exemplares (...) Atingido pela censura prévia, o Pasquim teve várias edições apreendidas, com prisão de seus editores e processo judicial (...) Naquele ano [1970] o Pasquim representou, de certa forma, um símbolo da luta de resistência ao regime militar. (...) Durante os anos 1980 sua tiragem foi se tornando extremamente rarefeita. Os últimos números do jornal saíram no final dessa década.” (p.23). 82 O jornal Correio da Lavoura, de circulação local, foi criado em 22 de março de 1917. Atualmente, sua periodicidade é semanal.

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marcos temporais, aos “momentos históricos” por ele vivenciados. O período da ditadura

apresenta-se como basilar para a constituição de sua identidade política a partir do viés da

expressão artística, do humor (sarcasmo), da crítica e do engajamento, ainda não

propriamente vinculado a uma adesão ideológica. Manifesta-se, simplesmente, o escritor

livre, indignado com o cerceamento, com o medo, com a incapacidade de agir.

Primeiramente o “Transeunte” e “Maria Auxiliadora da Paz”, depois “Geraldinho boca de

trombone” vão compondo e divulgando discussões políticas e informações proibidas e

censuradas como alternativa às notícias dos jornais tradicionais, limitadas pelas exigências

do regime e do mercado. Estes novos veículos trazem para o cenário local (Nova Iguaçu)

uma forma de mobilização e de provocação (aos políticos locais) marcada pela criatividade,

pela coragem e pela imprudência. Os codinomes utilizados são emblemáticos:

“Transeunte”, aquele que se move, sem paradeiro fixo, sem destino. O marginal (e

marginalizado) por excelência. “Maria Auxiliadora da Paz”, mulher, portanto pertencente a

uma minoria, que carrega no próprio nome um apelo. E, por fim, o escracho: “Geraldinho

boca de trombone”, o homem comum que fala; que fala sem que o detenham, sem limites;

em suma, o agitador.

A conjuntura política do país transformou o papel das mídias – principalmente do jornal e

dos jornalistas – gerando, conforme ressaltou Abreu (2003), uma valorização simbólica da

ligação entre jovens quadros a partidos, principalmente o PCB. Assim, “a escolha do

jornalismo como profissão era uma forma de exercer o engajamento político, divulgar uma

ideologia e atuar politicamente” (p.21). Na época de sua atuação como colunista no Correio

da Lavoura, Jorge Gama era um advogado recém-formado que, de alguma forma, traduziu

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esse espírito de seu tempo como porta-voz local da insatisfação, da contestação e do anseio

pela mudança.

Este “movimento” (como Jorge o denomina) teve início na década de 1970, influenciando

em sua entrada na vida político-eleitoral local com a candidatura pelo MDB do advogado

Humberto dos Santos, considerada “mais conseqüente, mais de esquerda”. Jorge coordenou

a campanha vitoriosa de Betinho (como Humberto era conhecido). Um candidato “mistura

de boêmio e contestador, mas inorgânico”, que fez um mandato “combativo” sem, no

entanto, manter uma relação de proximidade com o partido.

Em 1972 (ano em que se casou e residiu no bairro carioca da Ilha do Governador), deu

prosseguimento à sua atuação como articulador e coordenador de campanhas, envolvendo-

se na candidatura de João Luis Nascimento, ex-prefeito de uma cidade do interior do estado

pelo MDB. O primeiro turning point de Jorge Gama deu-se, contudo, apenas dois anos

depois. Alguns membros do partido queriam que ele se candidatasse a deputado estadual,

mas Jorge não aceitou, alegando que o nome de Francisco Amaral (Chico Amaral) seria o

mais adequado, naquele momento. De seu escritório, que ficava próximo ao fórum,

gerenciava uma prestadora de serviços de assistência jurídica e administrativa juntamente

com dois outros políticos, por ele considerados “mais de esquerda”: Paulo Faria (um

político do interior do estado) e Paulo Amaral (advogado da Comissão de Justiça e Paz, ex-

membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário - PCBR e ex-preso político). Sua

firma foi a responsável pela articulação da campanha de Francisco Amaral –apoiada pela

esquerda (segundo Jorge, “uma esquerda independente, uma parte do “Partidão”, além de

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setores da Igreja”) – que foi eleito e tornou-se um dos principais nomes da “esquerda

local”83.

O escritório de Jorge figura, em sua narrativa, como o espaço no qual se deu sua formação

ideológica. É a partir da criação desta prestadora de serviço, do contato com os dois

advogados que trabalhavam no escritório e com Francisco Amaral que Jorge marca sua

passagem para a “política de verdade”. Se a “origem” dessa ligação localiza-se nas

“conversas políticas” com os amigos boêmios e contestadores, a mudança de seu estatuto

político foi conferida por intermédio da relação com nomes “mais da esquerda” e se

apresenta como fundadora de um novo ciclo: sua entrada como ator político na arena local.

“Eu tinha uma formação crítica, no máximo. Depois eu adquiri uma formação ideológica.

Uma formação mais social”. Havia, sem dúvida, um significativo peso simbólico em

classificar-se (e/ ou ser classificado) como “de esquerda”. De um lado, havia a preocupação

em não ser vinculado a uma postura radical (“esquerdista”), ao mesmo tempo em que era

desconfortável (para alguns atores sociais) ser rotulado de conservador. Grosso modo, “ser

de esquerda” aludia a um rol de atributos, conhecimentos e práticas remetidos

fundamentalmente à postura de crítica ao regime militar.

A relação com Francisco Amaral, anterior à sua vinculação com eleições, estreitou-se a

partir de sua entrada no cenário eleitoral de Nova Iguaçu e das possibilidades abertas por

um contato direto com a Assembléia Legislativa. A atuação no cartório (“desde criança”) e

sua profissão foram decisivas para o estabelecimento de contatos com diferentes segmentos

83 Nesse ano, a eleição para governador deu-se por meio de eleição indireta, realizada pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral nas Assembléias Legislativas, na forma do artigo único, caput e § 1º da Emenda Constitucional n.º 2, de 9 de Maio de 1972. Da mesma forma ocorreu a eleição para Presidente da República, realizada pelo Colégio Eleitoral (composto de membros do Congresso Nacional e de delegados das Assembléias Legislativas dos Estados), na forma dos arts. 1º e 2º, da Lei Complementar n.º 15, de 13-08-1973. (Tribunal Superior Eleitoral)

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sociais, assim como a vida boêmia e o estilo contestador. Juntos, estes atributos

compunham a imagem de um profissional responsável, ao mesmo tempo em que o

associavam a um tipo de sociabilidade e de trânsito entre a classe média (na qual se incluía

na época da entrevista) e setores populares, em algum nível mediado pelos locais por ele

freqüentados, pelos “personagens” que criou e por seus escritos nos jornais locais.

Forjavam-se, assim, algumas das características que o distinguiriam e o tornariam um

candidato vitorioso naquele momento. Estavam em jogo os processos de identificação que

resultariam na constituição de sua persona pública.

“Nessa época, na verdade, estava surgindo uma classe média em Nova Iguaçu. Já não era mais aquela aristocracia rural. Ali, eu apareço em [19]76 como um personagem que transitava entre todo mundo, que conversava com todo mundo, que tinha as idéias. Não era esquerdista, mas não era conservador. Eu também estava buscando uma identidade.”

Jorge Gama disputou, em 1976, sua primeira eleição para a Câmara Municipal de Nova

Iguaçu, embora o partido pretendesse lançá-lo como candidato à prefeitura84. Preferiu, no

entanto, novamente apoiar Francisco Amaral que, contudo, não conseguiu se eleger, sendo

perseguido, tendo sua candidatura ameaçada de impugnação e seus colaboradores

coagidos85. Jorge, por sua vez, foi eleito vereador pela legenda do MDB (Movimento

84 As eleições de 15 de novembro, de âmbito nacional, foram reguladas na forma da Resolução n.º 10.041, do Tribunal Superior Eleitoral, de 16-06-1976. As eleições para prefeito, vice-prefeito e vereadores deram-se em 20 de dezembro, nos municípios em que não foram realizadas em 15-11-1976. Consoante disposto no art. 1º da Resolução n.º 10.242, do Tribunal Superior Eleitoral, de 10-12-1976. (Tribunal Superior Eleitoral) 85 Jorge Gama foi intimado – “convidado para ter uma conversa” – com o major Carneiro, no Regimento Sampaio, não somente por estar à frente da campanha de Francisco Amaral, mas essencialmente por sua ligação com o jornal O Pontual, que pertencia ao empresário Manuel Góes Teles e que, segundo este último, fora “aproveitado” por seu grupo (dada a coragem e ousadia de seu proprietário) para fazer ataques políticos. Na ocasião, Jorge foi inquirido a respeito do jornal e de sua ligação com Manuel Góes Teles e depois liberado.

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Democrático Brasileiro) como o segundo mais votado do partido – com 3.847 votos86 –

graças à sua inserção junto às camadas médias de Nova Iguaçu e, segundo o próprio, ao

voto expressivo dos “servidores da Justiça”, em uma alusão direta a seu vínculo

profissional. Nesse mandato, durante o governo do prefeito da ARENA, ex-interventor

agora eleito, Rui Queirós presidiu a Comissão de Justiça e a de Redação da Câmara

Municipal e foi um opositor incessante do governo municipal e das políticas

administrativas que o executivo implementava.

Nesse primeiro momento, ainda não havia delineada uma geografia eleitoral de contornos

nítidos. Jorge Gama não tinha como reduto eleitoral um bairro ou área da cidade

específicos, e sim uma determinada camada social e um grupo profissional mais facilmente

identificável. A representação espacial, tão cara à política em geral – como, por exemplo, à

política dos vereadores (Lopez, 2001) – não era predominante e tornava possível ao

candidato (Jorge Gama) ampliar suas possibilidades eleitorais por intermédio de uma

“bandeira” que, apesar de representar interesses específicos, perpassava, no caso de Nova

Iguaçu, diferentes áreas da cidade.

A dinâmica das relações pessoais é outro fator que merece atenção. Desde o período de sua

“formação política”, as relações de Jorge com algumas pessoas em Nova Iguaçu foram

fundamentais para sua decisão de ingressar no cenário político-eleitoral. A noção de rede é

aqui retomada privilegiando-se seu aspecto mais centrado no ego, o ator político,

interessando-me refletir sobre a forma como as relações diádicas são travadas e

operacionalizadas para a prática da política local (Mitchell, 1969; Bott, 1971; Mayer, 1969;

86 O mais votado foi Ricardo Gaspar, de Belford Roxo, filho do então deputado estadual Antônio Gaspar.

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Bezerra, 1994)87. Tais relações não foram constitutivas apenas dos processos de

identificação política de Jorge Gama, mas qualificaram sua inserção local a partir da rede a

que resolveu aderir.

Sua aproximação definitiva com as camadas populares foi, no entanto, posterior à primeira

eleição e deu-se por meio de sua relação com membros da Igreja Católica da Diocese de

Nova Iguaçu – fundamentalmente por intermédio de Francisco Amaral que o apresentou a

Dom Adriano Hipólito88, o que permitiu sua inserção no universo dos movimentos

populares89. Essa ligação – e o reconhecimento de seu lugar legítimo como político na

cidade – favoreceu sua eleição para deputado federal, pelo MDB, em 1978 – com 25 mil

votos, apenas em Nova Iguaçu (no total de 38 mil votos), tendo sido um dos mais votados

da região (TRE/RJ).

O suporte (político e financeiro) do partido não foi imediato e irrestrito já que seu antigo

colega de escritório, Paulo Faria, também se lançara candidato, dividindo, portanto, o apoio

87 Sem desconsiderar as observações desenvolvidas por Barnes (1969), para quem a rede seria um “conjunto de relações interpessoais concretas que vinculam indivíduos a outros indivíduos” (p.167), desenvolvo minha análise levando em consideração os nódulos da rede, as relações travadas a partir de um ego sem que, no entanto, sejam exclusivamente referidas aos contatos concretos – levando em consideração, portanto, os contatos a partir de terceiros. Trabalho com um conjunto limitado de contatos diretos, mas os indiretos (denominados de segunda ordem por Barnes, op. cit) também mostraram-se relevantes para o entendimento do conjunto das ações. 88 Dom Adriano Hipólito foi um personagem marcante na Baixada entre 1966 e 1981. Foi Bispo de Nova Iguaçu e atuou junto aos movimentos sociais, auxiliando a formação das Comunidades Eclesiais de Base na região. Foi seqüestrado em 1976 e torturado, tornando-se um símbolo pela luta contra a repressão e a ditadura. O depoimento de Frei Beto à jornalista Deigma Turazi, da Agência Brasil, exemplifica o papel da Igreja e de personagens como Dom Adriano: “Na verdade, havia setores da Igreja que apoiavam o golpe e outros que fizeram resistência ao regime, como foi o meu caso e o de um grupo de dominicanos de São Paulo, de Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Hélder Câmara, Dom Mauro Morelli, Dom Adriano Hipólito e de tantos outros bispos. Acontece que, quanto mais a repressão policial-militar fazia cair a sua pesada mão sobre a Igreja, tanto mais a Igreja se unia e se afastava do apoio ao golpe, tornando-se uma instância crítica e uma caixa da ressonância da insatisfação com o Regime. Com a vantagem de que era a única instância, a única instituição do país para a qual os militares não teriam como nomear um general da reserva para comandá-la. Eles podiam fazer isso com universidades, com associações, com sindicatos, mas não com uma instituição duplamente milenar, como a Igreja Católica. Isso fez dela um grande espaço da conquista, da democracia, de defesa dos direitos humanos, de sementeira de movimentos sociais que renasceram nos anos 70/80 e, por fim, fator de derrubada da ditadura”. Dom Adriano morreu em 1996. 89 Sobre a relação entre política e Igreja Católica na Baixada, consultar, por exemplo, Alves (1991).

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dentro do MDB. Em seu relato, Jorge Gama enfatizou sua independência com relação aos

nomes mais importantes do partido na cidade – como o de Francisco Amaral – assumindo a

responsabilidade pelas despesas da campanha com a ajuda de alguns parentes, de

conhecidos (“um ou outro me dava alguma coisa...”) e, só mais tarde, de sua legenda.

“A minha eleição, repito, foi pela classe média, [fui] o segundo mais votado. Mas, logo depois de eleito, o movimento popular estava começando a ter um crescimento aqui; esse crescimento, muito ligado à Diocese de Nova Iguaçu – a Dom Adriano, e aí o Francisco Amaral, que nós já tínhamos feito a eleição dele em (19)74, já estava na política antes de mim. Então, peguei o meu mandato e coloquei o meu mandato à disposição do movimento popular. Eu me engajei totalmente no movimento popular, na formação das associações de moradores, na sua organização do ponto de vista legal. Nós dávamos uma assessoria [sobre] como fazer e tal ; política, principalmente política. Nós tínhamos reuniões intermináveis aí, em todo o município de Nova Iguaçu, que antigamente era Queimados, Mesquita, Japeri […] era bem maior. E depois teve uma luta específica que também fortaleceu muito o movimento popular90.”

A partir de sua relação com as associações, a bandeira política de Jorge Gama passou a ser

a da “casa própria”. Assim como o lote (Borges, 2003), a “casa própria” não representava

somente um sonho de consumo, mas a própria incorporação social, tornando possível aos

indivíduos perceberem-se como cidadãos ao expressarem relações de significação entre

espaço e política e sua dimensão na configuração de modos de vida. Em Nova Iguaçu, e na

Baixada de modo geral, tal problemática mobilizou discursos políticos e organizações civis,

possibilitando a Jorge a operacionalização de um fazer político informado por seu fazer

profissional: o Direito. Os despejos em massa consistiram acontecimentos decisivos para

90 É importante destacar que, nesse período, Francisco Amaral foi advogado da Diocese de Nova Iguaçu.

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solidificar essa aproximação e reformular as imagens que compunham sua identidade

política.

“O BNH produziu, aqui na Baixada, uma centena de conjuntos habitacionais; estes conjuntos habitacionais acabaram […] gerando um adensamento populacional grande, mas a organização financeira não foi a melhor e gerou uma enorme inadimplência. Aí as financeiras, na época, ingressaram aqui com uma série de despejos e houve um pânico generalizado. Nós pegamos aquele movimento e demos uma organizada. Nós fundamos mais ou menos umas 23 associações de conjuntos habitacionais, já também engajando no movimento popular das associações de moradores tradicionais; e aí, foi realmente importante essa luta porque nós conseguimos – aí eu já era deputado – modificar toda a legislação para atender aos conjuntos habitacionais de baixa renda.”

Para Jorge, ainda que se partisse de uma questão pessoal – como a casa da família A ou B –

o mecanismo de articulação desenvolvido junto às associações conseguia originar debates

de natureza política. Para ele, aquele era o momento oportuno para “plantar a crítica e a

conscientização” e mobilizar as pessoas para a ação política. A centralidade da “casa

própria” para os envolvidos nos movimentos sociais da cidade refletia-se na dinâmica local,

nos símbolos adotados e no discurso tornado público pelos atores legitimamente

constituídos (investidos) durante o processo. A “casa própria” aparece então como palavra-

de-ordem para criar e organizar a ação. Através dela (e por ela), esta última se realizava.

Reuniões eram articuladas no escritório de Jorge, nos domingos à noite; fomentava-se o

debate; construía-se a mobilização.

O referido escritório situava-se na rua Moacir Marques Morado – atualmente rua Paulo

Machado – em frente ao Fórum, na região central da cidade. De acordo com Pedro Cezar –

que estava presente durante uma das entrevistas – “aquilo ali era um aparelho. Estava

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sempre cheio; tinha sempre alguém que precisava usar o telefone e ia lá”. Além de receber

eleitores, o lugar era, por excelência, um ponto de sociabilidade. “Ia todo mundo, o Roque

Bone, o Hugo Freitas, o Robson, o Paulo Faria, o Paulo Amaral, o Chico Amaral […] Às

sextas-feiras, aparecia um amigo meu, aposentado do Ministério da Saúde, que vendia um

whisky, uma calça Lee, e sempre levava um whisky pra gente abrir. A gente tomava na

tampinha, conversando, uma fumaceira, o escritório era pequeno, uma coisa horrorosa […]

Tinha até um mimeógrafo a álcool. Esse mimeógrafo produziu os primeiros panfletos,

feitos pelo Laerte Barros sem a minha autorização, sobre lotes de graça no Nova Aurora”

(atualmente, um bairro popular de Nova Iguaçu, ocupado pelo movimento social local). O

escritório funcionava como ponto de encontro para falar de política, conversar com as

lideranças das associações de moradores. Era freqüentado também por sambistas, artistas e

boêmios, ao mesmo tempo em que funcionava para o atendimento ao eleitor (Kuschnir,

2000).

Durante o mandato de deputado federal, Jorge Gama costumava voltar às quintas-feiras à

Nova Iguaçu para atender os eleitores e reunir-se com as lideranças locais em seu

escritório. Na sua ausência, seu irmão ou algum assessor conduzia as reuniões e os

atendimentos até a chegada do deputado, organizando as prioridades. “A gente também

convivia no escritório com o cara que ia pedir uma ajuda, uma coisinha […]”. Neste

contexto, o “eleitor tradicional” é concebido como aquele que corrobora a “política dos

vereadores”, ou seja, o atendimento como uma atividade eleitoral, de troca. Para Jorge, tal

troca não consistiria uma dimensão política, “de crítica”, visando apenas a maximização de

votos por parte do político, em contrapartida à satisfação de necessidades e interesses

individuais, por parte do eleitor. Assim, a capacidade do político de obter o bem desejado

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pelo eleitor lhe garantiria, em algum nível, retribuição em termos de voto e apoio (Bezerra,

1999; Kuschnir, op.cit.; Borges, 2003; Lopez, 2001 e 2004). Tal explicitação é, no entanto,

evitada e, ao se pensar a relação de “generosidade” e de “benfeitoria” do político com

seu(s) eleitor(es), o foco recai sobre algo já observado por Bordieu:

“[…] o caráter primordial da experiência do dom é, sem dúvida, sua ambigüidade: de um lado, essa experiência é (ou pretende ser) vivida como uma rejeição do interesse, do cálculo egoísta, como exaltação da generosidade, do dom gratuito e sem retribuição; de outro, nunca exclui completamente a consciência lógica da troca” (Bourdieu,1996: 7).

Em todas as entrevistas que me concedeu, Jorge Gama atribuiu um juízo de valor negativo

à “política de resultados”, conferindo à sua identidade política a marca da opção ideológica

e da ‘função de fiscal’ do Executivo – mais presente em seu mandato como vereador.

Diferentemente do exposto por Kuschnir (2000) sobre a concepção de política dos Silveira

(seus interlocutores: Fernando e Marta), Jorge Gama – ao falar de si e de sua prática

política –afirma não priorizar o atendimento, que estaria ligado a interesses individuais, em

detrimento do que considera o real fazer político: a doação desinteressada, o bem da

coletividade. A doação (do tempo do político, da atividade política, da “bandeira”) é

pensada então em relação diametralmente oposta à troca (reificada em termos do caráter

imediato do bem). No entanto, mesmo atribuindo um caráter negativo a tal sistema,

reconhece sua necessidade, justificando-o pelo argumento da “tradição”. Tradição mantida

por vereadores, prefeitos, deputados, eleitores (“eleitores tradicionais”) enfim, por todos os

atores sociais envolvidos no processo político. Segundo Jorge, a carência de aparatos e

serviços públicos somada à pobreza em que vivem muitos dos moradores da região

promovem a utilização desse tipo de recurso político, possibilitando sua reprodução. É

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interessante notar que o político benfeitor e/ ou doador nos termos de Chaves (1996) pode

tanto atender aos pedidos de pessoas de camadas populares (por remédio, lotes ou

gasolina), quanto intermediar concessões políticas a empresários, render homenagens

públicas a “cidadãos ilustres” etc. (Kuschnir, 1993; Viegas, 1996; Lopez, 2001). Colocar-se

como doador significaria, então, apresentar-se como ator legítimo, socialmente investido

para atender às demandas da população por meio dos canais gerados pelo próprio status do

político e por acessos angariados no exercício dessa função. Nesse sentido, “ter acesso é o

que diferencia os políticos e, em especial, os parlamentares, das demais pessoas. O acesso é

um bem escasso e que não pode ser comprado, mesmo por quem tem muito dinheiro. Para

se obter acesso, é preciso entrar para a política” (Kuschnir, 1998: 237).

Em seu primeiro mandato como deputado federal, as invasões de terra ocuparam boa parte

das preocupações e ações de Jorge Gama. Consideradas “um problema da coletividade”91, o

auxílio prestado aos grupos nelas envolvidos era tanto político, quanto técnico. Político,

uma vez que remetia à negociação entre parcelas da população e esferas do poder público.

Já o saber técnico, que remetia à formação profissional de Jorge, configurava um aspecto

distintivo, singularizando-o frente a outros atores políticos locais92. Nova Aurora e Monte

Líbano são algumas das áreas invadidas – hoje bairros majoritariamente ocupados por

conjuntos habitacionais – cujos processos de ocupação tiveram, em algum nível, a

participação de Jorge Gama. Sua atuação nestes episódios proporcionou sua aparição na

91 É interessante notar como Jorge Gama diferencia a “casa” ou o “lote” de um bem em termos mais gerais. Tal diferenciação passa pela construção de um discurso coletivo sobre o bem em questão – que envolve a constituição de um “movimento” – autorizando-o, portanto, a tomá-lo como demanda coletiva. A relação entre “movimento” e interesse é fundamental para entendermos as formas de classificação operacionalizadas por Jorge Gama com relação ao seu fazer político. 92 Ver, Coradini (2001).

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mídia e a conexão de seu nome ao de outras personalidades de grande carisma, como Dom

Adriano Hipólito.

Os atores políticos engajados nesses movimentos originavam-se de diversos segmentos

sociais: políticos profissionais, moradores da periferia, lideranças de bairros, membros da

Igreja Católica etc. Para os políticos profissionais, tais movimentos sociais configuram loci

de atuação privilegiados, propiciando um espaço de visibilidade e de exaltação da mediação

como ferramenta necessária, permitindo que algumas pessoas se coloquem em evidência

devido à singularidade de seu potencial de trânsito por distintos segmentos.

Kuschnir (2000) já nos advertiu que nem todo político é necessariamente um mediador.

Portanto, como pensar a mediação quando nos referimos a atores políticos? Falamos de

mediação em geral ou seria necessário qualificá-la, adjetivando-a? O que, afinal de contas,

distinguiria o mediador? Neste trabalho, a mediação será pensada como uma atividade

quando – conforme ressaltou Castro (2001) – relacionada a um “projeto pessoal de se tornar

mediador”(p.210). No entanto, diferentemente da análise elaborada por este autor, defendo

que o político profissional não é um mediador apenas ou mais facilmente em períodos de

transição e de mudança – apesar de tais momentos potencializarem sua visibilidade e seus

atos. Por esta razão, a mediação política é tratada aqui como uma atividade. Ela não é o

extraordinário, mas o cotidiano. É a execução constante do projeto pessoal e não uma

qualidade “natural” de certos indivíduos. Esta especialização na articulação e/ ou

negociação, como enfatiza Castro (op. cit.), singulariza determinados indivíduos, mas

realça a dimensão “voluntarista” assim como a condição necessária para essa atuação:

gostar de desempenhar tal papel. Este gostar é definido por sensações tanto quanto pela

crença no sucesso ou na possibilidade de conquistá-lo. A vontade de atuar como mediador e

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a aptidão em desenvolver tal atividade são proporcionais à capacidade de lidar com a

diversidade de códigos, símbolos e interesses envolvidos – neste caso, no processo político.

No entanto, podemos dizer que seria mais apropriado pensar no mediador como uma

situação (estar mediador) e não, necessariamente, como uma qualidade ou propriedade (ser

mediador). Não é garantia, portanto, para a reprodução incessante dessa atividade apenas o

desejo do ator ou algum atributo inato, mas um complexo de significados, ações e

motivações intersubjetivas; interessando-nos mais especificamente o between, do que a

suposta origem ou finalidade da mediação.

No caso específico de Jorge Gama, há uma grande ênfase em tal atuação. “Quem marcou a

primeira audiência de Dom Adriano com um membro da ditadura fui eu”. Atuando como

mediador em um determinado segmento da população, Jorge demonstrou possuir algum

trânsito entre as diferentes esferas e atores públicos, conseguindo expor suas reivindicações

– mesmo em um espaço cerceado pela insegurança e pelo medo da exposição,

característicos dos anos de regime militar. O episódio em que agendou uma audiência para

Dom Adriano com o então Ministro do Interior, Mário Andreazza, para que tratassem de

um novo modelo de financiamento habitacional que melhor atendesse às necessidades e

restrições econômicas da população de baixa renda de Nova Iguaçu, consagrou-se como

uma demonstração de sua capacidade de articulação e mediação. Jorge presenciou tal

reunião em Brasília, juntamente com Francisco Amaral, Paulo Amaral e Ubaldo Rodrigues.

O político, assim como qualquer outra liderança, precisa constituir seu espaço legítimo de

atuação e conformar seu discurso a um público específico –seu eleitorado. O processo de

investidura requer dos atores políticos a demonstração de seu capital simbólico, de seu

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poder e prestígio93. Em um universo político no qual a mobilização era vigiada e os direitos

políticos, sociais e civis restringidos, tal demonstração passava, necessariamente, pelo

trânsito entre os militares (nas instituições de direito), tanto quanto entre as associações

civis e a Igreja Católica – que passou a ter uma postura de contestação e crítica aos

militares com o recrudescimento do regime, a partir da década de 1970. Apesar dos limites,

o campo de possibilidades de indivíduos-chave é sempre colocado em evidência por meio

de suas ações e projetos. Ou seja, as delimitações sócio-históricas implicam uma estrutura

mais ou menos rígida que, no entanto, pode ser flexibilizada a partir da atuação dos sujeitos

(alguns mais, outros menos) no mundo social. Esse “atuar” ou “agir no mundo” leva em

consideração o potencial de metamorfose (Velho, 1994) dos atores em questão para a

concretização de seus projetos (individuais ou coletivos). Assim sendo, os projetos políticos

individuais aqui analisados demandavam conciliação, conformando projetos coletivos em

alguns momentos e circunstâncias específicos, dentre os quais o da redemocratização

brasileira que conseguiu aglutinar, em torno de um objetivo comum, um grande número de

atores individuais e entidades civis.

A partir do final de década de 1970, os movimentos sociais começaram a imprimir sua

marca por meio da articulação de alguns grupos civis pela busca do exercício de seus

direitos, da cidadania. De acordo com a análise de Avritzer (op. cit.), três deles traziam suas

próprias propostas de modernização e de reação ao regime autoritário: o novo sindicalismo,

os movimentos sociais urbanos (chamados pelo autor de “organizações dos pobres das

áreas urbanas”, dentre as quais destaca o papel das Comunidade Eclesiais de Base - CEB’s

[p.178]) e as associações de classe média. Foi justamente a partir deste momento que o

93 Bourdieu (1974 e 1989).

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MDB tornou-se mais combativo, abrindo espaço para a incorporação das lideranças

populares, apoiando suas críticas quanto à queda no desempenho da economia nacional

devido à crise do petróleo e quanto ao fim do “milagre econômico brasileiro”94.

Ainda de acordo com este autor (idem), no final da década de 1970, o MDB apresentava

todas as condições para a incorporação dos movimentos surgidos ao longo do período

ditatorial, sendo, no entanto, incapaz de fazê-lo.

“O papel de oposição institucional desempenhado pelo MDB não incluía o desafio radical às políticas do regime autoritário do governo no âmbito do eleitorado operário. A reivindicação de autonomia para os trabalhadores nunca fez parte do programa do MDB. A ligação de políticos do MDB com o passado populista, um passado rejeitado pelos movimentos sociais, também não ajudava no relacionamento desses movimentos com o partido de oposição. Por outro lado, o MDB, apesar de sua reação positiva inicial aos movimentos sociais, não levava a sério a sua reivindicação de uma nova forma de atuação política. […] Incorporar o discurso de mudança na atuação política equivaleria a afastar o eleitorado patrimonialista, enfraquecendo o MDB nos estados onde o patrimonialismo predominava. Os movimentos sociais e o MDB seguiram caminhos diferentes entre o final da década de 1970 e o começo da de 80, criando uma dissociação entre a lógica dos atores sociais criados pela modernização e a política

94 Ulysses Guimarães teve um papel crucial nesse processo. O episódio da anti-candidatura, narrado a seguir, é bastante ilustrativo desta situação . “O Grupo Autêntico do MDB, que já vinha amadurecendo a idéia no início de 70, resolveu lançar Ulysses como anticandidato na passagem do governo Garrastazu Médici para Ernesto Geisel. Em companhia de Barbosa Lima Sobrinho, o vice, Ulysses percorre as capitais do País com a pregação das idéias oposicionistas. Ganha espaço na mídia interna e alcança grande repercussão no exterior, o que mais irrita os militares. A semente estava lançada, mas Ulysses foi além do combinado com os autênticos. A idéia era que renunciasse no dia da eleição. Ele resolveu ir até o fim, o que deu legitimidade ao Colégio Eleitoral e à eleição do general Ernesto Geisel. Apesar do clima de chumbo da época - que obrigou Ulysses a enfrentar literalmente os cachorros da polícia baiana do governador Roberto Santos em visita a Salvador - os autênticos tinham lá o seu humor. Como o adversário era um militar, (ou os militares), resolveram montar também a sua hierarquia de caserna. No grupo, cada um tinha uma patente: Fernando Lyra era o “cabo Lyra”, Alceu Collares, o “sargento”, Alencar Furtado, o “coronel”, Marcos Freire, o “almirante”, Chico Pinto, o “marechal”. Nem todos gostavam dessa brincadeira, mas era o ‘nosso exército’, lembra Chico Pinto” (site do Diretório Regional do PMDB, consultado em 12/03/2004).

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de oposição ao autoritarismo no nível institucional” (pp.182-183).

A partir de 1979, com o fim do bipartidarismo e o início do processo de organização e

criação dos partidos políticos, Jorge Gama filiou-se ao PMDB (Partido do Movimento

Democrático Brasileiro), sucessor direto do MDB. Foi justamente a partir deste panorama

que surgiu o “outro político”, o inimigo: em um primeiro momento, o PT; logo em seguida,

o PDT. A aproximação de partidos de esquerda e das CEB’s com as associações de

moradores é o mote desse conflito, narrado com desconfiança e descrédito por Jorge Gama

– e coincidindo com seu afastamento do “movimento”.

“[…] daí a Igreja se identificava com o PT e aí ruiu tudo. Eu, por exemplo, em 1982, quando vi isso aí, eu parti pra dentro do partido político, larguei isso aí pra lá; eu me excluí do movimento popular, ou melhor, não, eu fui excluído pelo sectarismo deles. Eles não têm uma visão democrática da sociedade. O PT, infelizmente, tem uma visão corporativa, até mesmo do processo político. […] A originalidade, a autenticidade do movimento popular se dilui na medida em que você partidariza e depois, pior que isso, eleitoraliza; aí, é uma tragédia total. Hoje, as associações estão em declínio, em decadência, infelizmente, depois de ter tido um auge na década de 1970, 1980, porque no caso de Nova Iguaçu, em particular, e no Rio de Janeiro, a FAMERJ acabou.”

A legitimidade na condução dos movimentos sociais em Nova Iguaçu aparece como um

dos nichos de maior disputa pelo poder político no momento em que a sociedade civil

começa a se organizar e a se manifestar. A contenda em torno de quem seria o porta-voz

autorizado desses movimentos aumentava as rivalidades ideológicas, tendo as siglas

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partidárias – agora passíveis de expressão e visibilidade – entrado em cena, disputando

cada qual o seu quinhão.

O multipartidarismo provocou uma fissura interna na frente de oposição ao regime militar e

sua pulverização em uma gama de partidos que agora disputavam a arena política95. O

MDB, que congregou em sua sigla frentes ideológicas diversas desde a exigência do

bipartidarismo, sofreu um grande impacto eleitoral com tal dissenso. Apesar de ter mantido

nomes importantes em seus quadros, como Ulysses Guimarães96, seu vice-presidente, a

impossibilidade de entendimento entre alguns deles possibilitou a criação de outros partidos

– dada a incapacidade de atrair para si políticos que se apresentavam como adversários. Tal

foi, por exemplo, a forma como se deu a criação do PP –congregando nomes como

Tancredo Neves97 e Chagas Freitas98 – do PDT de Brizola; do PTB; do PCdoB etc.

95 Segundo Skidmore, em “A queda de Collor: uma perspectiva histórica”: “a legislação eleitoral altamente permissiva, redigida no final dos anos 1970 e início dos 1980, levara à rápida criação de 40 partidos políticos, dos quais 17 tinham representação no Congresso. Essa tolerância exagerada com a proliferação partidária podia ser em parte explicada como uma reação retardada à manipulação anterior da legislação eleitoral pelo regime militar, visando a garantir a vitória do partido governamental.” (1999: 27/28). 96 Ulysses Silveira Guimarães nasceu em Rio Claro (SP) em dia 6 de outubro de 1916 e morreu em um acidente de helicóptero no litoral fluminense em 1992. Elegeu-se pela primeira vez como deputado para a Constituinte de São Paulo em 1947. Foi deputado federal por oito mandatos. Foi Ministro da Indústria e Comércio no governo de João Goulart. Em 1966, foi um dos articuladores da organização do MDB, tornando-se vice-presidente do partido. Em 1989, foi derrotado na primeira eleição direta para a Presidência da República, ficando em sétimo lugar. Morreu em um acidente de helicóptero no litoral de Angra dos Reis em 12 de outubro de 1992. Para mais informações ver Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (2001). 97 Tancredo Neves nasceu em São João del Rei (MG), no dia 4 de março de 1910. Iniciou sua vida pública como vereador em sua cidade natal, em 1935. Elegeu-se deputado estadual pelo PP em 1947. Foi primeiro-ministro em 1961. Em 1962, elegeu-se deputado federal pelo PSD, reelegendo-se em 1966, 1970 e 1974, pelo PMDB. Em 1978, foi eleito senador por Minas Gerais. Em 1982, elegeu-se governador do mesmo estado. Em 1985, foi eleito Presidente da República, vindo a falecer no dia 21 de abril do mesmo ano. Para mais informações ver Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (op. cit.). 98 Antônio de Pádua Chagas Freitas nasceu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, em 1914. Foi deputado federal pelo PSP em 1954, reeleito em 1958, em 1962 (pelo PSD) e em 1966 (pelo MDB). Foi governador do estado da Guanabara, em 1970 e, em 1978, após a fusão, do estado do Rio de Janeiro (ambos por via indireta). Faleceu no Rio de Janeiro, em 1991. Para mais informações ver Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (op. cit.) e Diniz (1980 e 1982).

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Dentro desse panorama, reaparece a figura de Leonel Brizola que, precisando de espaço e

convencido de seu poder e prestígio políticos, entrou na disputa com Ivete Vargas pelo

capital simbólico representado pela sigla do PTB. Depois de uma batalha judicial, Ivete

Vargas – da “ala” de São Paulo e ligada a Golbery do Couto e Silva (Ministro-chefe do

Gabinete Civil do presidente Ernesto Geisel) – saiu vitoriosa, não deixando a Brizola outra

alternativa senão a da criação de um novo partido. O que, no entanto, acabou gerando um

outro impasse. A aproximação com o PC do B e com o “novo sindicalismo” (representado

por Lula) também resultou infrutífera e a criação do novo partido significaria colocar

Brizola como o seu núcleo – diferentemente do que aconteceria com a conquista da sigla do

PTB que, como o político gaúcho, já possuía sua própria história e legado. A criação do

PDT foi, assim, marcada por negociações e pelo fortalecimento da figura política já

emblemática de Brizola99.

Em 1982, já findado seu primeiro mandato de deputado federal, Jorge Gama foi escolhido

para concorrer como vice-governador do Rio de Janeiro ao lado de Miro Teixeira, com a

missão de desempenhar o papel de “governador da Baixada”. Essa “escolha”, no entanto,

não se deu sem esforços. Segundo Jorge, tudo começou com um amigo seu, Luis Carlos

Medeiros, que achava que o vice-governador deveria ser alguém da Baixada, já que a

região representava o segundo maior colégio eleitoral do estado. Restaria ao partido

escolher entre os nomes de Jorge ou Francisco Amaral. Com a divulgação de uma nota do

jornalista Pedro Cezar, publicada no jornal O Globo, anunciando que o vice de Miro

Teixeira poderia vir da Baixada, o presidente do PMDB – na época, o senador Mário

Martins – teve que lidar com os diversos nomes que pleiteavam o cargo: Rafael de Almeida

99 Ver, Sento-Sé (1999)

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Magalhães, Noel de Carvalho, Arthur da Távola, Valter Silva, Paulo Rattes e Jorge Gama.

Em uma reunião do partido, Mário sugeriu que os interessados conversassem e tentassem

resolver a questão sem a necessidade de uma disputa mais acirrada e pública. Diante desta

situação, Jorge propôs que a reunião fosse realizada no sítio de Noel de Carvalho (em Três

Pinheiros, próximo a São Lourenço – MG). O encontro foi marcado para um fim de semana

e todos os pleiteantes compareceram, com exceção de Valter Silva, que mandou um

representante. Percebendo que a disputa seria difícil, já que todos tinham suas pretensões,

Jorge sugeriu que, em conjunto, indicassem Arthur da Távola como o segundo nome do

partido para concorrer ao Senado – conseguindo, assim, que um dos pleiteantes (o mais

forte, segundo ele) se retirasse da disputa sem o ônus e o desgaste de um embate. Em

seguida, na reunião do partido, foi anunciada a decisão do “encontro dos vices”. O

presidente do partido protestou contra a decisão do grupo, mas foi voto vencido, pois a

candidatura de Arthur – que concorreria com o próprio Mário Martins – já estava lançada.

Restavam, agora, os outros pleiteantes. Noel de Carvalho desistiu e lançou o nome de

Rafael de Almeida Magalhães que, mais tarde, depois de algumas negociações, concorreu

também para o Senado – no lugar de Flávio Castreoto, que fora indicado por Mário Martins

(“por ser um político de pouco expressão e, por não ter possibilidade de fazer frente a ele

nas eleições”), mas rejeitado por Miro Teixeira que encarregou Jorge Gama de negociar

com ele sua desistência. Valter Silva também desistiu. Sobravam apenas Jorge Gama e

Paulo Rattes. Esses dois, no entanto, tinham um acordo prévio – e mesmo anterior ao

“encontro dos vices” – de que não se enfrentariam e caso a disputa ficasse entre eles,

escolheriam entre si sem a interferência da esfera partidária. Sendo assim, na conferência

do partido que ocorreu no escritório de Jorge Leite, Paulo solicitou quinze minutos para

conversar com Jorge em particular. Optaram então por impedir que Miro Teixeira decidisse

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o destino dos pleiteantes, pois isso enfraqueceria a candidatura do escolhido e colocaria o

outro em uma posição politicamente desconfortável. Paulo pediu a palavra e desistiu em

favor de Jorge Gama, optando por candidatar-se à prefeitura de Petrópolis (cuja eleição

venceu). Este episódio demonstra, uma vez mais, a capacidade de articulação de Jorge

Gama e o reconhecimento desta habilidade por seus pares políticos – além de ressaltar os

laços pessoais de amizade entre ele e Paulo Rattes e alguns interesses comuns.

Foi Leonel Brizola, no entanto, quem se elegeu governador; a chapa composta por Miro

Teixeira e Jorge Gama tendo ficado em terceiro lugar 100. Nessas eleições, o voto vinculado

gerou a obrigatoriedade de se votar na mesma legenda partidária para todos os cargos, o

que acabou desencadeando o chamado “fenômeno Brizola”, abalando a estrutura do poder

vigente até então na Baixada, devido ao número de cadeiras obtido pela oposição nas

Câmaras Municipais da região. Para a política desenvolvida pelo PMDB na localidade, tal

“arranjo” foi um dos principais obstáculos à consolidação de sua imagem e a seus avanços

como “partido de oposição”.

Em Nova Iguaçu, o PDT elegeu o advogado trabalhista Paulo Leone e, em São João de

Meriti, Manoel Valêncio Opasso. Inaugurava-se, assim, um período em que o brizolismo

reinaria, quase absoluto, nos municípios da Baixada Fluminense e no qual o partido de

Brizola – juntamente com seu líder – passaria a configurar o novo “inimigo” por

excelência.

O fenômeno do brizolismo, analisado por Sento-Sé (1999), deve ser concebido como

processo de construção de uma imagem pública – da persona Brizola – e dos elementos

100 Essa eleição foi regulada na forma da Resolução n.º 11.455, do Tribunal Superior Eleitoral, de 16-09-1982 e teve o seguinte resultado: Brizola (PDT) em 1º. Lugar, com 34,19% dos votos; Moreira Franco (PDS), em 2º., com 30,60%; Miro Teixeira (PMDB), em 3º., com 21,45%; Sandra Cavalcante (PTB), em 4º., com 10,71% e Lysâneas Maciel (PT), em 5º., com 3,05% (Tribunal Superior Eleitoral).

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conformadores de seu discurso. Sendo assim, este autor reflete sobre os contextos de sua

produção e atualização, preocupado com a (re)definição dos processos eleitorais como

dramas (Turner, 1994) ressaltando as formas de identificação com a figura de Brizola desde

seu retorno do exílio, em 1979. Tendo como mito fundador o trabalhismo (e o legado

varguista), Sento-Sé demonstra a construção da persona Brizola como um “todo coerente”

– desde sua infância “de luta”, até o seu ingresso na vida pública, filiando-se ao PTB. A

austeridade de seus atos políticos e sua disposição para a “briga” compuseram sua imagem,

ajudando a defini-lo como “um guerreiro disposto à auto-imolação, enfrentando

adversários ocultos, em certas ocasiões, semi-ocultos em outras.” (p.62). Particularmente

no tocante à Baixada, seu discurso dirigido aos excluídos, seu “nacionalismo moreno” e,

segundo Sento-Sé (idem), sua verborragia consagraram-no como a grande liderança

popular, em uma região marcada pela escassez, pela pobreza e pelo alto índice de

criminalidade, sem, no entanto, incorporar o tom mais radical do PT que, apesar da

militância junto aos movimentos sociais, só conseguiu eleger um vereador em Nova

Iguaçu101.

O brizolismo, no entanto, não conseguiu penetrar em áreas já cooptadas por um tipo muito

específico de política. Nesse sentido, a família Abraão David ainda assegurava seu poder

em Nilópolis, elegendo Miguel Abraão pelo PDS – por meio de uma associação entre a

política e a contravenção, cujo emblema seria a Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis.

Delineava-se, assim, a formação das redes que configurariam o campo político (Bourdieu,

1974 e 1989) na Baixada Fluminense. A influência do “brizolismo” na região fazer-se-ia

101 Alves (op.cit.).

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sentir até a década seguinte, apesar de progressivamente ir perdendo força para partidos

como PSDB, PTB e PFL.

Após a derrota nas urnas, em 1983, Jorge Gama afirma ter percebido ser aquela “a hora do

partido político”. Com esta “intuição”, procurou Miro Teixeira para que este concorresse à

presidência do PMDB. Obteve, no entanto, uma resposta negativa. Miro argumentou que

precisava pensar em outros projetos. Jorge fez, então, a opção pela máquina partidária e

começou as articulações para concorrer à presidência regional do PMDB. “Comecei a

trabalhar esta possibilidade”, diz. As reuniões tiveram início na casa do professor de ciência

política, Eurico Lima Figueiredo, das quais também participavam Gilberto Rodrigues,

Carlos Alberto Direito, Carlos Alberto Muniz, Hércules Correia e Paulo Rattes.

Começaram a discutir a reformulação do partido no estado. Em seu relato, durante as

entrevistas que me concedeu, Jorge Gama oscila entre duas alternativas. Ao mesmo tempo

em que diz ter tomado as rédeas da situação, fazendo da presidência do partido, seu projeto

político naquele momento, afirma que sua candidatura foi cogitada por seus pares, “tendo

surgido” nas reuniões e começado a ganhar força a partir daí.

Esta aparente ambigüidade entre fazer a escolha (um projeto) e ser escolhido (investido)

deve ser compreendida, tendo em vista uma apresentação de si a posteriori, que marca a

construção de uma memória e de uma identidade política ancoradas na idéia de vocação

(Weber, 1971). Tal idéia estabeleceria uma relação entre sujeito político, valor ético (de

convicção) e valor de eficiência (de sucesso), em contraponto com a lógica da política do

poder (idem, p. 108), do poder em si.

“O verdadeiro político de vocação seria, portanto, o político responsável. Aquele político capaz de sacrificar algumas de suas convicções, se assim o contexto exigir,

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mas que em determinado momento, no limite de seus princípios, pode vir a dizer: "Não posso fazer de outro modo; detenho-me aqui" (Weber 1998: 122). Na verdade, na ação política não estão em jogo apenas o poder ou a paz e a satisfação individuais — embora estes existam — mas, sim, esforços responsáveis por uma causa que, apesar de transcendente ao indivíduo, requer convicções pessoais. A política não é em si o reino das intenções e da força, a política é por excelência o mundo das realizações comprometidas em contexto” (Grifos meus) (Teixeira, 1999: 5).

Naquele momento, o partido simbolizava justamente essa adesão. Simbolizava a crença na

possibilidade de construção de uma unidade ideológica que o fortificaria politicamente e,

conseqüentemente, eleitoralmente dentro do panorama estadual. A disputa pela presidência

do PMDB possibilitou, no entanto, a evidenciação das nuances e matizes internas ao

partido, bem como a cristalização do novo inimigo político pós-eleições de 1982: Brizola.

A justaposição da figura de Brizola à do partido é de tal ordem que a sigla pouco é

mencionada nas entrevistas realizadas com Jorge Gama102. É sempre o nome de seu líder

que aparece e se apresenta como grande opositor do PMDB no estado do Rio de Janeiro.

Para Jorge Gama, Brizola tornara-se um empecilho na conquista da presidência do partido,

pois ao governador não interessava um “PMDB hostil”. Assim sendo, o chefe do executivo

estadual promoveu um governo de coalizão ou, nos termos de Jorge, “de cooptação”, pois

“trocou” secretarias por apoio além de ter conseguido aliar-se a alguns deputados estaduais

“brizolistas” (ainda segundo meu entrevistado; nomes por ele mencionados: Átila Nunes,

Aluisio Gama, Cláudio Moacir, Jorge Roberto da Silveira). A chapa concorrente era

composta por Miro Teixeira e majoritariamente pelos chamados “euros”, os “intelectuais de

102 Sento-Sé (1999), em sua análise sobre o brizolismo, enfatiza tal colocação, demonstrando como o conceito de carisma é fundamental para a compreensão da construção da persona Brizola.

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Ipanema”. Como aliados, Jorge Gama contava com membros do “Partidão”, com os

“chaguistas”, com os prefeitos e com setores de uma esquerda dividida — liderados por

Paulo Rattes, que figura sempre como aliado político e amigo de confiança .

“Bom, eu disse não […] Eu vou […] O meu espaço tava muito reduzido e eu, depois de ter sido candidato a vice-governador, tive uma longa conversa com Miro Teixeira pra que nós não deixássemos o PMDB do Rio de Janeiro se esvaziar e tal, e aí, aconselhei o Miro a ser candidato à Presidência do PMDB do Rio de Janeiro. Ele disse que não. Logo depois da eleição, o estado [do Rio de Janeiro] negativo pra nós. ‘Não... não, vou pensar, mas não quero’. E aí achei, percebi que a minha campanha de vice-governador, ao longo de todo estado […] Numa campanha ampla, eu já tinha conhecimento suficiente, já era conhecido suficiente pra pleitear a presidência do partido. Analisei, verifiquei, pensei... No ano de [19]83, todo ano de [19]83, eu me dediquei à campanha da presidência do PMDB e acabei eleito em 20 de outubro de [19]83, presidente do PMDB do estado do Rio de Janeiro. O PMDB totalmente dividido: várias tendências, várias correntes. Tinha o chaguismo tradicional; tinha os independentes — eu era um dos independentes — tinha o MR-8; uma parte, um setor do “Partidão”; o PCdoB todo; os euros, que eram mais localizados na Zona Sul, intelectuais – Maria da Conceição Tavares, Carlos Lessa, Milton Temer, João Roberto, Monteiro de Barros, Joca Serran, meu querido amigo e saudoso Joca Serran... Então tinham vários PMDBs. Era preciso fazer aquela leitura e a leitura daquilo era... pra quem tava de fora era difícil de entender. Então... E ainda tinha um poder paralelo na Assembléia Legislativa, que eram os brizolistas do PMDB […]”.

A vitória (por 66%), marcou mais um episódio em que ficou evidenciada também a

capacidade de trânsito e articulação de Jorge Gama por intermédio das alianças por ele

costuradas. Seu vice, por exemplo, era o deputado federal Jorge Leite — personagem

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político conhecido por sua forte vinculação ao “chaguismo”, que mantinha uma máquina

política eficiente em todo o estado103. Os problemas, no entanto, não haviam cessado com a

conquista da presidência do partido, em 20 de outubro de 1983. Lidar com a diversidade

das frentes de apoio que tornaram possível tal empreendimento e, principalmente, com o

estilo político de seu vice transformou o mandato de Jorge em uma constante mediação e

negociação de conflitos — além da fragilidade de sua condição de político sem mandato.

O Deputado federal Jorge Leite e o Prefeito de Petrópolis, Paulo Rattes, - líderes da chapa “Unidade” – confirmaram ontem seu favoritismo, na convenção do PMDR-RJ, derrotando, com 66 por cento dos votos para o diretório, a chapa de Arthur da Távala, do jornalista Paulo Alberto Monteiro de Barros, de Marcelo Cerqueira e Cláudio Moacyr, entre outros. [...] Devido à impugnação na justiça eleitoral de alguns Diretórios zonais e ao impedimento do voto plural, a chapa de Arthur da Távola também perdeu na composição da no va Comissão Executiva, que tem agora como Presidente o ex-Deputado Jorge Gama. A convenção do PMDB-RJ transcorreu em clima de muita disputa e a tônica foi a troca de provocações e de ameaças de agressão entre militantes das duas chapas. (O Globo, 21/11/1983) “Naquele dia — eu não vou esquecer — eu cheguei no partido, na Almirante Barroso no. 82, e meia hora depois, chegou o advogado do Jorge Leite, que era um advogado da Assembléia, um advogado experimentado, chamado Francisco Romão de Lima […], com uma procuração pra eu assinar, para expulsar o vereador Jorge Felipe que tinha traído o Jorge Leite na eleição. Olha que coisa! Ele diz: ‘O Jorge Leite mandou isso daqui, que nós vamos expulsar o Jorge Felipe porque ele traiu a gente lá em Bangu, na Zona Oeste.’ […] Eu pensei, analisei. Se eu assinar isso daí, eu sou um escravo do Jorge Leite. Se eu não assinar, ele é meu maior inimigo. De qualquer maneira, se eu assinar perco a minha independência, se não assinar vou pro enfrentamento. Disse: ‘Não assino’. Olha Romão, você avisa ao Jorge que eu vou evitar levar o partido para o Judiciário. Isso é uma questão política,

103 Diniz (1982).

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eleitoral e vamos resolver isso aqui. O partido só irá pra Justiça em último caso. E, mais ainda, quem vai representar o partido na Justiça, sou eu mesmo. Não vou assinar, não é nada contra o Jorge, peça a ele desculpas, mas não vai acontecer aqui levar o partido pra Justiça, sobretudo por causa de acerto eleitoral […] Foi um sinal de guerra. Depois, fui embora pensando que não ia ficar mais dez dias”.

Os confrontos foram, de fato, constantes. De um lado, com Jorge Leite e, de outro, com os

“intelectuais”. Segundo Jorge, as acusações de suburbano, “da Baixada” e “sem muita

expressão política” constituíam a tônica dos discursos oposicionistas por parte dos

“intelectuais”. “Fizeram uma reunião pra me dizer que eu não podia ser o presidente do

partido. Já entrei na presidência do partido estigmatizado”. A acusação aparece, aqui, como

uma das principais formas de vinculação a uma identidade de “originário da Baixada”. De

acordo com Goffman (1975b: 16), os gregos foram os criadores do termo estigma, fazendo

alusão a “algo de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava”.

Estes “sinais” marcavam socialmente a pessoa como uma metáfora da poluição que esta

representava. Jorge vinha da Baixada, uma região vinculada a símbolos de violência e

pobreza. Independentemente de outras possíveis pertenças sociais, naquele momento em

particular, seu pertencimento determinante dava-se pela associação a uma imagem que

denunciava, incriminava e segregava, corroborada pela mídia104. Para ele, o maior

problema não era, no entanto, o discurso acusatório —aquela facção não dispunha de poder

e influência dentro do partido e acabou se ausentando das reuniões e eventos — e sim o

104 É importante relembrar que nesse período — e até a década de 1990 — as imagens veiculadas pelas mídias televisiva e impressa sobre a Baixada Fluminense faziam referência constante a questões sobre violência, criminalidade e pobreza, pouca atenção sendo dada às notícias políticas que não estivessem a tais temas relacionadas. E as matérias de jornais que traziam o nome de Jorge Gama geralmente enfatizavam sua origem: filho de carvoeiro, morador de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense.

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“chaguismo”, representado principalmente por Jorge Leite, que tentou, inclusive, promover

a destituição da executiva.

Todavia, em 1983, um acontecimento marcou a história política nacional e definiu um

lugar para Jorge Gama dentro do partido. No relato sobre a constituição de seu papel como

ator social e político legítimo (e legitimado), Jorge atribui um peso decisivo à sua atuação

junto ao movimento popular local como conformadora de um modus operandi que o

singulariza frente aos políticos atuais — aos por ele chamados de “políticos de realização”.

É a partir desta vinculação que se dá, também, a ampliação de sua “bandeira de luta” e de

sua mobilidade política (ascensão e declínio).

Como já mencionado, a movimentação de grupos da sociedade civil teve início na década

de 1970, intensificando-se na presidência do general Ernesto Geisel (1974-1979), que

prometia uma abertura “lenta, gradual e segura” (Soares, 2001). O peso da propaganda

política eleitoral – mesmo com as limitações impostas pela Lei Falcão – foi demonstrado

nas urnas.

“Por ironia típica das artes da política, porém, o feitiço voltara-se contra o feiticeiro já nas eleições de 1974, quando a institucionalização da propaganda eleitoral gratuita na televisão acabou favorecendo a campanha do partido de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro. O MDB obteve considerável vitória eleitoral (basicamente nas eleições majoritárias para o Senado) em pleito que, por força do bipartidarismo e da insatisfação popular – mediada agora pela TV se transformou em autêntico plebiscito de aprovação, ou não, do governo” (Lattman-Weltman, 2003: 140).

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Com o fim do bipartidarismo e, conseqüentemente, a criação de partidos políticos (além da

organização das siglas que já possuíam uma história anterior ao golpe de 1964), as vitórias

angariadas pela oposição (MDB) — ainda em 1974 e também em 1976 — anunciavam que

o regime ditatorial chegara ao fim. Entretanto, foi somente durante o governo Figueiredo

(1979-1985) que se assistiu a uma intensa mobilização de distintos setores da sociedade,

exigindo o retorno ao regime democrático por intermédio do voto direto para presidente da

República (idem).

“O PMDB que eu estava descrevendo, aqui, tinha um nicho na Assembléia, que eram os governistas que fizeram um acordo, logo, com o Brizola. Eu fiquei totalmente ilhado no PMDB, eu era uma rainha da Inglaterra, entendeu? Ficava, ali, um zumbi pensando: ‘Meu Deus, o que é que eu vou fazer aqui? Ganhei uma eleição duríssima, o partido rachou no meio, o brizolismo contra mim, né?’ Daí, danou a vir aquela expressão de que o PMDB não abria – entre a bíblia e o capital, ele fica com o diário oficial – já não havia isso, então eu diria que... (risos) Mas já tava começando esse negócio. Então foi uma dificuldade grande pra mim juntar aquilo tudo e coisa e tal...o partido fracionado e tal […] Mas aí aconteceu, começou a acontecer a campanha das Diretas Já”.

A articulação pelas “Diretas Já” teve seu pontapé inicial, ainda em março de 1983, por

intermédio da apresentação de uma emenda constitucional para o restabelecimento das

eleições diretas, feita pelo deputado federal do PMDB/MT, Dante de Oliveira (emenda esta

que ficaria conhecida pelo nome de seu autor). Tal iniciativa, no entanto, teve pouca

repercussão em um primeiro momento, sendo noticiada apenas pelo jornal Folha de São

Paulo — em um artigo assinado por Tristão de Athayde, em 18 de março, e no editorial do

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dia 27 de março daquele ano, no qual o jornal colocava-se a favor do retorno do pleito

direto em todos os níveis.

A movimentação de setores políticos, religiosos, entidades de representação profissional,

entre outros, intensificou-se a partir de abril daquele ano, com o pronunciamento de

lideranças diversas, como Dom Evaristo Arns e Dom Ivo Lorscheiter, e com a

aproximação do PT ao PMDB, que buscava se articular aos demais partidos sob a bandeira

do retorno à democracia. Se desde abril, o processo dava indícios de sua intensidade, a

partir de outubro a movimentação dos atores políticos em diversos estados cresceu

consideravelmente. Em novembro, os jornais — principalmente a Folha de São Paulo —

passaram a noticiar as ações e articulações que pretendiam restaurar a democracia

representativa em sua íntegra. Os principais nomes do PMDB circulavam entre os diversos

estados, negociando alianças e dando maior visibilidade à campanha pelas Diretas Já. O

ano de 1984 começa com intensa mobilização. Tancredo Neves, Ulysses Guimarães,

Miguel Arraes (do PMDB), além de Lula, entre outros, tornaram-se figuras-chave nesse

movimento, que contou ainda com a participação de vários intelectuais e artistas,

percorrendo o país em diversos comícios e shows em prol da campanha.

Jorge Gama, na época presidente regional do PMDB/RJ, relata sua inserção e seu papel

neste processo como uma espécie de “revelação”. Nesse sentido, volta-se para a construção

de um discurso visionário, segundo o qual seu potencial de observador atento aos fatos e

hábil articulador lhe garante o privilégio de estar um passo à frente dos demais atores

políticos — dentro e fora de seu próprio partido — o que lhe assegura um lugar na história

(como denota a narrativa na primeira pessoa do singular) .

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“Quando eu percebi a campanha das Diretas Já, eu me conectei imediatamente com Brasília, com Dr. Ulysses. Quando nós fomos fazer a campanha com a sociedade civil, a campanha já estava dando mídia, que a mídia da época ali não foi […] A mídia ali foi conquistada, os movimentos foram crescendo e a mídia não pôde ignorar mais. A TV Globo demorou... ignorou até quando pôde... depois não... e aí, o partido começou a receber não só a sociedade civil — que o partido curiosamente também tinha uma sociedade civil que era PMDBista, MDBista e tal; ela não era militante permanente, mas quando o movimento cresceu, eles se aproximaram do PMDB e eu consegui (como eu estava ali convivendo, conhecia o partido, eu conheço o conveniado do PMDB ) ... Eu consegui interpretar o que cada movimento pensava das Diretas Já: todos eram a favor das Diretas Já. Eu digo: ‘bom isso já nos une’[…]”

Diante da heterogeneidade do partido — que se colocava como um dos grandes obstáculos

a um projeto coletivo de unidade política — e da necessidade de lidar com frentes de

matizes ideológicas distintas, Jorge Gama torna-se um dos principais articuladores e

mediadores do movimento pelas Diretas Já no Rio de Janeiro. Fundamentalmente por estar

à frente do partido — mas também por apresentar um projeto político unificador — seu

discurso dá o tom da fragilidade da experiência de presidir o partido, ao mesmo tempo em

que marca sua importância para o processo de consolidação política do PMDB na região e

em todo o país. A capacidade de negociar com as variadas frentes internas e de “aproveitar

o momento” para colocá-las sob o imperativo do devir histórico deve ser entendida de

acordo com a complexidade simbólica com que é narrada.

Corroborando a narrativa acima, as mídias viram-se obrigadas a posicionar-se. Conforme

ressaltou Lattman-Weltman (op. cit.),

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“[…] a campanha das Diretas Já marcou a necessidade de uma nova relação entre a cobertura midiática da política e seu público mais amplo. O movimento ofereceu a alguns veículos a oportunidade de afirmar uma nova identidade editorial, mais conforme com os novos tempos – caso da Folha de São Paulo— assim como obrigou outros a uma inflexão de enfoque. Foi o caso da Rede Globo, que tentou ignorar o movimentos pelas diretas em seus primeiros passos, mas acabou se rendendo, diante do crescimento da participação popular e da cobertura a ela conferida pelos concorrentes” (p.143).

A partir do ato público realizado em São Paulo com a presença do governador Franco

Montoro (PMDB) e de lideranças políticas de diversos partidos — no qual Jorge Gama

esteve presente — as primeiras movimentações no Rio de Janeiro começaram a ser

organizadas. Em torno à reivindicação do retorno às eleições diretas, o PMDB conseguiu

mobilizar suas diferentes facções internas, possibilitando a reaproximação dos

“intelectuais” com o partido presidido por Jorge. O passo seguinte consistiu em uma

reunião entre as entidades civis e profissionais, juntamente com o PMDB, com as

comissões do PTB, do PC do B, do PT e com o governador do estado, Leonel Brizola, para

planejar a manifestação pública. A partir daí, o PDT — e principalmente Brizola — é

alçado ao patamar de inimigo número um do PMDB, o que se prolonga por toda a década

de 1980. As relações tensas e os conflitos deram o tom das interações entre, por exemplo,

Jorge Gama e Brizola, remetendo-nos ao quadro mais amplo das relações partidárias e

político-eleitorais no estado e, fundamentalmente, na Baixada.

“O PMDB naquela época elegeu nove governadores e, no Rio de Janeiro, elegeu o Brizola, que não queria as Diretas Já. O Brizola queria uma Constituinte com o Figueiredo, mais dois anos de mandato com o Figueiredo. Então até nós alavancarmos a campanha das Diretas Já e organizarmos a campanha no Rio de

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Janeiro, nós tivemos muitos embates com o Brizola no Palácio (da Guanabara). O primeiro embate foi quando eu cheguei com umas 12 associações, 12 entidades, OAB, ABI ... Várias outras entidades: CUT, PT, comissões provisórias de partido etc. O Brizola disse: ‘Não […] nós só vamos fazer campanha com os partidos legalizados’, o que era uma bobagem do ponto de vista político na época e, outra coisa, era uma coisa autoritária, prepotente, excludente, da cabeça dele, caudilho como sempre – e não tira uma palavra disso que eu digo, digo e repito. Aí eu digo: bom, eu me lembro que saiu de dentro do gabinete — nós estávamos na ante-sala — o falecido deputado Brandão Monteiro, aos berros, dizendo: ‘Não... só com os partidos legalizados!’.. e eu: ‘Que isso companheiro? A sociedade civil está participando disso, o partido está em vias de organização. Isso é uma bobagem!’ Aí vira ele pro Hélio Sabóia — que era presidente da OAB — e pro Augusto Villas Boas — que era representante da ABI — e também estavam o Drº Barbosa Lima Sobrinho não ia e o Augusto que disse que queria ouvir, mas peraí...o Dr Barbosa Lima sobrinho disse vamos nos retirar daqui; aí entrou o Talarico, José Gomes Talarico, que disse: ‘Calma, Brandão!’ Brandão vociferava pra poder […]aquela subserviência ao Brizola, uma coisa horrorosa […] ‘Não é bem assim, isso aqui não é assim... você está falando com o presidente do partido!’. Aí a coisa evoluiu, nós ameaçamos nos retirar. Ia ficar mal, o Brizola ia ficar isolado ali; ele, aí, instaurou o plenário permanente das Diretas Já; chegamos a ter 19 entidades, ele era minoria, o governo era minoria mas, de qualquer maneira, pagava a conta... Tinha que ser... Então a luta pra colocar a campanha das Diretas Já, no Rio de Janeiro, foi uma luta dura, tivemos que enfrentar o Brizola, principalmente o Brizola, que queria uma Constituinte com o Figueiredo, outro fato curioso neste particular. Quando nós fizemos a caminhada no centro da cidade, que o Lula veio depois pra Niterói, nós colocamos 300 mil pessoas. Nossa caminhada foi em substituição ao comício que o Brizola resolveu adiar, nós fizemos uma caminhada; depois nós viemos a descobri que o Brizola só permitiu que se fizesse o comício na Cinelândia [o que agregou 1 milhão de pessoas], ele marcou aquela data porque sabia que o Figueiredo ia pra Espanha e não queria fazer nada que

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desagradasse o Figueiredo. Era o Aureliano Chaves que estava na Presidência, e aí o Brizola apareceu com uma data estranha, mas vamos fazer, não interessa. Depois, nós descobrimos que o Figueiredo deu uma entrevista à Veja, dizendo o seguinte: “se eu tivesse no Rio de Janeiro, seria um milhão e um” mas, na verdade, o Brizola procurou saber quando o Figueiredo ia viajar pra fazer na ausência dele, pra passar por ‘bonzinho’ pra ditadura. Esse que era o papel do Brizola, mas aí, com o sucesso, não teve jeito. Esse foi outro episódio que eu vivi com muita profundidade e que precisa ser contado”.

A emenda Dante Oliveira foi, então, votada pelo Congresso, recebendo 298 votos a favor,

faltando 22 para a maioria exigida de 2/3105. Duas expressivas lideranças políticas da

Baixada não integraram esse movimento: Darcílio Aires, que votou contra e Simão Sessim,

que se absteve. Restava, então, à oposição articular-se para a disputa do Colégio Eleitoral.

A partir daí teve início uma acirrada negociação política em torno dos nomes que

disputariam a eleição.

“A costura deste apoio, conhecido como o ‘acordo de Minas’, foi iniciada ainda na noite da renúncia106 de Sarney, quando este recebeu a visita do deputado Ulysses Guimarães e do senador peemedebista Fernando Henrique Cardoso e, confessando-se traído pelo presidente, deu o sinal de que ele e seu grupo se dispunham a apoiar um candidato da oposição […] Com o intuito de deter o retrocesso da redemocratização, os governadores do PMDB, sob a presidência do deputado Ulysses Guimarães, reuniram-se em Brasília no dia 29 de junho e decidiram lançar o nome de Tancredo Neves à disputa no Colégio Eleitoral. Quatro dias depois a Frente Liberal do PDS rompeu definitivamente com o governo federal, passando a atuar no Congresso e nas assembléias legislativas estaduais como bloco parlamentar independente

105 É interessante notar que a oposição detinha apenas 244 cadeiras, o que significa dizer que membros do partido do governo votaram a favor da emenda, em uma demonstração de que o regime militar chegava, de fato, ao fim. 106 Tal renúncia refere-se à intenção de concorrer à Presidência da República pelo PDS.

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e dando início às negociações com a oposição em torno do lançamento da candidatura do governador de Minas à presidência. A formação da Frente Liberal implicou, automaticamente, as desistências de Aureliano Chaves e Marco Maciel da disputa pela indicação do PDS na convenção partidária, ficando esta restrita aos candidatos Andreazza e Maluf. No dia 14 de julho, no palácio Jaburu, sede da vice-presidência da República, foi firmado o pacto da Aliança Democrática para enfrentar a caminhada de Paulo Maluf, o mais cotado dos pré-candidatos pedessitas, rumo ao palácio do Planalto[…] O pacto foi consolidado em encontro realizado em Brasília no dia 7 de agosto, quando foram abordados os itens essenciais do programa do candidato aliancista: constituinte, problemas sociais, eleições diretas, dívida externa, casa própria, pleno emprego, previdência social, liberdade sindical e estado de direito. Na ocasião, ficou decidido que a Frente Liberal faria a indicação do candidato à vice-presidência da República, recaindo a escolha no senador José Sarney. A coordenação da campanha ficou a cargo de Ulysses Guimarães” (DHBB, 2001).

Os episódios das Diretas Já e a movimentação política em torno do nome de Tancredo

Neves para disputar a Presidência da República pela Aliança Democrática demonstram

também a proximidade e fidelidade de Jorge Gama a Ulysses Guimarães, há todo instante

evidenciada107. Tais acontecimentos descortinam os processos de disputa pelo poder no

interior do partido, entre Ulysses e Tancredo Neves. Diante deste quadro, Jorge Gama mais

uma vez enfatiza uma percepção de si como articulador político —sem, no entanto,

107 O primeiro contato com Ulysses Guimarães deu-se durante o mandato de deputado federal, em 1978. Jorge Gama nunca havia ido à Brasília. Com pouca experiência, não conseguia estabelecer uma relação de proximidade com o então líder do partido, o deputado Freitas Nobre. Começou a freqüentar os gabinetes de Ulysses e de Amaral Peixoto e, com isso, foi construindo uma aproximação. Com a escolha de seu nome para disputar as eleições de 1982 como vice-governador, passou a chamar mais atenção mas foi a eleição para a presidência do partido que, de fato, estreitou a relação — porque, segundo o próprio Jorge Gama, “Dr. Ulysses era muito institucional. Ele não vinha ao Rio sem falar comigo”. As viagens de Ulysses ao Rio de Janeiro eram sempre comunicadas ao presidente do partido e encontros agendados. Assim, a relação entre os dois foi ficando cada fez mais próxima, a “fidelidade” de Jorge Gama sendo colocada à prova com o movimento em torno da escolha do nome peemedebista para a disputa do colégio eleitoral de 1984.

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romper com os laços que inicialmente o prenderam ao partido e à “ala” que escolheu/

aderiu. Colocando-se no “olho do furacão”, seu relato traz à tona os melindres e agruras de

liderar um partido heterogêneo, em momentos de definição de poder. A visibilidade

angariada pelo PMDB como partido-aglutinador da oposição produzia um duplo (e crucial)

desafio para Jorge: posicionar-se a favor do movimento que ajudara a articular e organizá-

lo, anunciando o nome de Tancredo, ou manter-se fiel à sua facção? Diante de tal

encruzilhada, sua opção recaiu, segundo ele próprio, “sobre a coerência”.

“Partimos pra campanha do ‘Tancredo Já’. É, eu era presidente do PMDB e tal, mas eu era ‘ulyssista’, não era ‘tancredista’ e surgiu um manifesto dos artistas, dos intelectuais, de todo mundo assinando, aqui, para ser publicado no Jornal do Brasil. Quem tinha que encabeçar o manifesto era eu, e eu disse: ‘Eu não assino’. Eu não assinei porque – vim a assinar mais tarde – porque não havia uma definição de quem seria o candidato, se seria Ulysses ou Tancredo e no PMDB havia uma luta interna e tal, que a imprensa já (es)tava anunciando (não era bem interna, já era pública); e eu era ‘ulyssista’, não vou assinar um manifesto ‘Tancredo Já’ e aí fiquei esperando a solução, porque o Dr. Ulysses, sabiamente, se lançou candidato à Presidência da República numa viagem que ele fez a Nova York. Quer dizer, está logo ali, mas vai interpretar esses sinais... É uma dificuldade! Se ele se lançou lá fora foi pra poder retirar, isso é um código interessante, mas quem não interpretava esse candidato, Ulysses é candidato só em Nova York […] Bom, quando o Dr. Ulysses esteve na famosa visita que ele fez ao Palácio da Liberdade, ao Tancredo e ali resolveu, aí eu assinei o manifesto. Mas aí já estava na mão, desesperado... ‘Assina’; ‘Não vou assinar, não adianta’; ‘Mas por quê’? ‘Não vou assinar […] eu sou presidente do partido, sou de uma corrente, não vou assinar […]’. Eu diria pra você que historicamente era até um fascínio assinar aquilo, era uma sedução você assinar ao lado de Chico Buarque […]. Nada disso, o político não pode entrar nessa, tem que ter pensamento estratégico, senão ele cai numa sedução

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momentânea e se perde e não é por aí […] Eu disse: ‘Não!’ Uma pressão violenta dos intelectuais [que diziam]: ‘você está atrapalhando’. ‘Eu não estou atrapalhando nada […], cada coisa no seu tempo […]’ Aí, logo em seguida, eu assumi a campanha do Tancredo no Rio”.

Se a assinatura ao lado de intelectuais de renome poderia significar atrair – ainda que

apenas momentaneamente — os holofotes para si, os frutos políticos a serem colhidos

posteriormente poderiam ser desastrosos. Jorge já enfrentava muita oposição dentro do

partido para colocar-se contra seus próprios aliados; isso poderia significar um suicídio

político.

O movimento pelas Diretas Já também delimitou sobremaneira os campos para a atuação

política. Os aliados — bem como os adversários — são explicitados e suas posições

marcadas nas disputas pelo poder. O caráter acusatório e o tom denunciativo da narrativa

do ex-presidente do PMDB são exemplares para se pensar a constituição da identidade

política de Jorge Gama em oposição a outros homens públicos como Brizola, Jorge Leite,

entre outros — além de evidenciar a importância de sua relação com Ulysses Guimarães

para a constituição de tal identidade.

O período à frente da presidência estadual do partido (1983/1986) foi marcado também por

festividades. Uma delas, em particular, evidenciou novamente sua performance de hábil

articulador, garantindo visibilidade à sua filiação institucional. Foi uma homenagem e uma

demonstração pública de apoio político a Ulysses, realizada logo após a escolha do nome

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de Tancredo Neves para disputar a Presidência da República108. Ulysses era, então, cotado

para tornar-se o novo presidente da Câmara e membros do PMDB pensavam em uma forma

de colocá-lo na mídia e reafirmar o seu prestígio. A realização de uma festa foi cogitada

como meio de se conseguir tal resultado. Não havia, no entanto, dinheiro em caixa para

organizá-la. Após conversar com Paulo Rattes — que sugeriu fazer a festa no hotel

Quitandinha, em Petrópolis, evitando com isso custos com aluguel do local — Jorge

convocou uma reunião para comunicar sua decisão aos membros do PMDB/RJ. Nessa

reunião, surgiu uma nova proposta, de Albino Pinheiro, sugerindo que a festa fosse

realizada no Copacabana Palace, restabelecendo assim os “tempos de glamour do partido”.

Debaixo de muitos aplausos, a idéia foi aprovada. Encerrada a reunião, Rodrigo Faria

Lima, que era amigo de José Eduardo Guinle, dispôs-se a levar Jorge Gama ao hotel para

que tratassem dos detalhes. O orçamento da festa ficou muito alto e o partido não dispunha

daquele dinheiro. Jorge Gama resolveu, então, entrar em contato com a bancada federal

para tentar algum tipo de ajuda financeira, o que acabou não se concretizando. Diante disso,

ligou para Pedro Cezar — na época jornalista de O Globo, trabalhando junto à colunista

Teresa Cruvinel — e, durante um almoço, pediu a ele que “soltasse uma nota” dizendo que

Tancredo viria à festa e que os convites já estavam esgotados. Pedro Cezar acatou o pedido.

A partir daí “o telefone não parou de tocar. Era gente querendo dez convites, querendo

cinqüenta. Era assim. O almoço havia saído por Cr$25 mil, mas eu coloquei logo por

R$50,00. Assim, a gente podia dar alguns pra quem não podia comprar e pra algumas

personalidades” (Jorge Gama).

108 A eleição de Tancredo Neves foi indireta, realizada pelo Colégio Eleitoral no Congresso Nacional, em 15 de janeiro de 1985, na forma do art. 1º, da Lei Complementar n.º 47, de 22-10-1984 (Tribunal Superior Eleitoral).

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110

A festa foi um sucesso, sendo noticiada em jornais como O Globo e Jornal do Brasil109.

Jorge conseguira atingir seu objetivo: demonstrou a Ulysses sua fidelidade e aptidão frente

à presidência do partido, além de conseguir, uma vez mais, projetar-se na mídia nacional.

O Presidente nacional do PMDB, Deputado Ulysses Guimarães, receberá hoje o troféu de “Campeão da Democracia” durante o jantar no Copacabana Palace em que mais de 1.200 pessoas vão homenageá-lo numa festa organizada pelo partido no Rio com a finalidade de lançá-lo publicamente à Presidência da Câmara [dos Deputados]. Os candidatos da aliança Democrática à Presidência e Vice-Presidência da República, Tancredo Neves e José Sarney, já confirmaram sua presença na festa de que participarão, ainda, oito Governadores – Leonel Brizola, Franco Montoro, Gilberto Mestrinho, Nabor Júnior, Wilson Martins, Jader Barbalho, Hélio Garcia e José Richa – e centenas de Senadores e Deputados, Prefeitos e Vereadores de todos os partidos. Para o Presidente do PMDB do Rio, Jorge Gama, a festa acabará se transformando num grande fato político nacional. Os convites, a Cr$25 mil, estão esgotados há uma semana. (O Globo)

À frente da presidência regional do partido, Jorge Gama viajou por todo o estado do Rio de

Janeiro, estabelecendo contatos, firmando ou consolidando alianças. Estava “em

campanha” pela busca de uma possível (e desejada) unidade para o partido, como também

“preparando o terreno” para as eleições futuras. Para o político profissional, o tempo da

política não se restringe ao período eleitoral, como assinalam diversos autores que se

debruçam sobre este tema (Palmeira e Heredia, 1995; Viegas, 1996; Kuschnir, 2000;

Borges, 2003; Chaves, 1996 etc110). A dinâmica temporal de quem “vive da política” é

reinventada pela necessidade de angariar apoios (de outros políticos, de empresários e dos

eleitores) e conseguir acessos. Nesse sentido, presidir o partido significava não somente

109 Ambas as matérias de 06/12/1984. 110 O trabalho de Palmeira e Heredia (idem) é pioneiro e acabou influenciando diversos pesquisadores que lidam com o tema das eleições e da política em geral.

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manter seu status, mas também dispor de recursos (humanos e financeiros) – além de

alguma visibilidade. Representava também a possibilidade de se fazer notar pelas

lideranças mais importantes do partido em nível nacional e, desse modo, afiançar apoio

para uma possível candidatura.

Em 1986 (sem mandato eletivo desde 1982), Jorge Gama foi escolhido como o articulador

da campanha de Moreira Franco para o governo do estado do Rio de Janeiro. No mesmo

ano, disputou uma vaga na Câmara dos Deputados, ficando com a primeira suplência. Tal

resultado foi atribuído à falta de (ou pouca) dedicação à sua própria campanha, dado seu

envolvimento na coordenação da campanha de Moreira, e as inúmeras atividades que lhe

ocupavam no partido (em 1986 passou o cargo de Presidente para o Senador Nelson

Carneiro, ficando com o cargo de secretário geral do partido no estado). Em conseqüência

dos argumentos anteriores, o afastamento de suas bases (a Baixada) acabou revelando-se

muito longo para quem tinha pretensões eleitorais. Seu projeto político havia suplantado

sua expectativa eleitoral. Ainda assim, foi nomeado Sub-secretário de Governo em maio de

1987 e, depois da extinção da pasta, assumiu a Secretaria de Trabalho, corroborando a

identidade de articulador e mediador político – e sendo recompensado pelo trabalho durante

a campanha do governador eleito (Moreira Franco) com um cargo que viabilizava contatos

e acessos111.

111 Segundo matéria publicada pelo Jornal do Brasil em 28/05/1987, Jorge Gama teria planos de disputar a prefeitura de Nova Iguaçu na próxima eleição municipal. No entanto, isto jamais foi mencionado em qualquer das entrevistas que me concedeu durante todo o tempo da pesquisa. De acordo com o exposto neste capítulo, Jorge Gama alega ter sido convidado e cogitado algumas vezes para disputar a prefeitura da cidade, mas nunca como um projeto político próprio. A posse de Jorge Gama como novo Secretário de governo de Moreira Franco foi também noticiada pelo jornal O Globo de 22/05/1987.

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“Eu fui nomeado sub-secretário, depois que saiu o Paulo Rattes [que] voltou pra Petrópolis112. Eu tinha como finalidade, como exercício da minha atividade, conversar com os partidos porque nós fizemos uma coligação imensa com todo mundo […] Então eu diria o seguinte botaram aquele abacaxi na minha mão: atender deputado eleito, prefeito e tal. Eu me lembro uma vez, eram 11 horas da noite – o secretário do Moreira me contou depois – ele abriu a cortina e falou: ‘Mas ainda tem gente aí’? Tinha muita gente, ainda, porque eu atendia com calma, nada de atender o político … ele não gosta de ser atendido com pressa, tem que ter calma... Chegar: ‘Ó, companheiro […] Outra coisa: de preferência, chamá-lo pelo nome pra facilitar, aí a coisa caminha bem. Então, eu atendia o cara do interior – o cara demorava 5 horas pra chegar no Rio de Janeiro, é atendido em 2 minutos, não dá... – o que eu podia resolver, eu resolvia; ligava pra um secretário, marcava uma audiência pra ele ir na mesma hora.” (Jorge Gama) Jorge Gama: Só por ser o ocupante da Secretaria de Governo, já teria um considerável poder de influência: ao contrário dos demais secretários, que despacham com Moreira só de quinze em quinze dias, despacha todo dia. É um político de centro esquerda. Jorge Gama amortece os conflitos que surgem entre as centenas de políticos da Aliança Popular Democrática. É ele, em suma, que administra a distribuição dos melhores chuveirinhos de Moreira, os que vêm em forma de emprego. Chuveirinho, no universo vocabular do governador, é um afago, um agrado que se dá a todos os tipos de insatisfeitos. (Jornal do Brasil, 23/08/1987)

“Um belo dia, o Moreira resolveu acabar com a secretaria de governo, transformá-la em gabinete civil – cometeu um erro – despolitizou o Palácio, ficou uma coisa fria, administrativa, ninguém ia mais lá; e me pediu, me designou para ir para a secretaria do trabalho […] Fiz alguns acordos internacionais: fiz acordo com a Organização Internacional do Trabalho, com o curso de instrutores sindicais. De relevância, fizemos a carta de São Paulo, reafirmando todos os

112 Paulo Rattes foi vice-prefeito de Petrópolis em 1966, elegendo-se prefeito em 1972. Em 1978, foi eleito deputado federal, sempre pelo MDB. Em 1982, já pelo PMDB, tornou-se novamente prefeito de Petrópolis. Foi Secretário de Governo de Moreira Franco durante o primeiro semestre de 1987.

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poderes da Constituinte. Eu conduzi, fui eleito secretário geral do Fórum Nacional dos Secretários de Trabalho; e aí, depois, nós tínhamos um compromisso, queria era reformular o governo”. (Jorge Gama)

A mediação aparece, novamente, como um conceito-chave para a compreensão da

trajetória de Jorge Gama. A construção de sua persona pública não é remetida ao carisma

individual ou a algo que o designe um líder nato, ligando-se preferencialmente ao

desempenho de um papel político específico – crucial para a consolidação de projetos e de

sua própria existência política – e possibilitado por seu enorme potencial de metamorfose e

mediação. A habilidade com as palavras e a postura de “distinção” foram atributos

selecionados em momentos cruciais e diferentemente utilizados segundo os contextos em

questão. A composição de sua fachada, de sua apresentação de si (Goffman, 1975a) e sua

aptidão como mediador transformaram-no em político singular na Baixada, apesar das

derrotas nas urnas. Em sua atuação junto aos movimentos sociais, às características

anteriormente aludidas somava-se a prudência na escolha do repertório de símbolos – dada

sua origem social e profissional – ora referindo-se à origem “popular”, “do Rocha”, “da

Baixada”, ora à profissão de advogado. Nesse sentido, há alguns turning points (Becker e

Strauss, 1970) na trajetória de Jorge Gama. Evidenciados, ao longo da narrativa, nota-se

como seu discurso foi re-semantizado, suas “bandeiras” reconstruídas e – ao mesmo tempo

em que se manteve fiel a uma determinada facção – suas alianças internas e externas

edificadas em etapas capitais para o partido a que pertencia.

Os múltiplos processos de identificação acionados em contextos sociais específicos

demonstram o grau de percepção de Jorge Gama acerca de sua própria capacidade de

atuação no mundo político, bem como a consciência na aplicação de determinados meios

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para atingir os objetivos desejados. Sua sobrevivência enquanto figura pública deve-se

fundamentalmente à sua “função” (de articulador/ mediador) e à sua manutenção dentro da

arena política por intermédio do exercício de cargos públicos (administrativos ou de

assessoria). Estar apartado deste meio e de suas relações implicaria sua morte política e,

talvez, a impossibilidade de um ressurgimento, dada as características particulares de sua

atuação.

“[…] Então, eu assumi o meu segundo mandato de deputado federal, já em (19)89, depois da Constituição. Eu infelizmente não participei da Constituinte”.

Em 1990, Jorge voltou a substituir Aluísio Teixeira na Câmara dos Deputados (primeira

substituição tendo ocorrido em 1989) e, em outubro deste mesmo ano, concorreu às

eleições, não conseguindo, no entanto, se reeleger.

Nessa eleição, novamente a ligação entre política e corrupção foi trazida à tona. Segundo o

Jornal do Brasil, de 13 de novembro de 1990, o nome de Jorge Gama aparecia entre os

citados pelo relatório final do TRE/RJ113.

Na noite da última quinta-feira, quando o TRE divulgou o relatório final sobre fraude nas eleições de 3 de outubro, a platéia presente ao plenário ficou surpresa com a inclusão de um novo nome entre os acusados – o do deputado Jorge Gama. Militante da resistência ao regime militar, Gama, um filho de carvoeiro que se formou advogado trabalhista a duras penas, beneficiou-se com 100 votos em fraude comprovada, manchando uma longa carreira política. (grifos meus)

113 Entre os demais nomes de políticos de Nova Iguaçu citados estavam o de Nelson Bornier (PL), que teria sido beneficiado com 381 votos; José Távora (PFL), com 418 votos; Ernani Boldrim (PMDB), com 248 votos.

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Tal derrota foi, no entanto, atribuída por Jorge à falta de recursos financeiros, o que a partir

de então seria condição necessária para o sucesso nas urnas. Com os novos padrões de

propaganda e marketing políticos (Scotto, 2004; Castilho, 2000), ou o candidato dispunha

de uma “bandeira forte” ou precisaria de muito dinheiro para custear as despesas de

campanha –– além do assistencialismo e clientelismo recorrentemente praticados (Diniz,

1982; Bezerra, 1994, 1998, 1999a e 1999b; Alves, 2003). Jorge tentou criar a sua

“bandeira” através de um projeto de implantação de uma universidade pública na Baixada,

mas não teve êxito. Tal projeto desagradou (e acirrou a briga com) outro nome importante

da política local: Fábio Raunheitti, dono da UNIG (Universidade Iguaçu), irmão e sucessor

de Darcílio Raunheitti, pertencente à outra rede política local.

“Nesse período, aqui em Nova Iguaçu, surgiram forças políticas insuperáveis. Surgiu o Fábio Raunheitti, surgiu Itamar Serpa e o Bornier. Então, eu fiquei sem espaço porque todos os três são poderosos do ponto de vista econômico. O Itamar é um empresário de sucesso; o Fábio tinha uma universidade atrás dele, e aí... Mas aconteceu uma coisa curiosa que, de alguma maneira, foi importante. Como eu não tinha dinheiro, eu tinha que ter criatividade, só me restou isso. Então, eu comecei o projeto de implantação da universidade pública. Eu preparei um projeto de lei ‘autorizativo’ no meu mandato de (19)90 ainda Eu fiquei preocupado: ‘Que é que eu vou fazer? Que bandeira que eu vou levantar?’ Eu não tinha. Estava olhando o panorama econômico: candidatos com mais potencial, essa coisa toda. […] estruturados. E aí eu bolei e fiz um projeto de implantação de uma universidade pública no município. Eu fiz toda a minha campanha recolhendo assinaturas, um abaixo-assinado imenso para que nós tivéssemos uma universidade pública. Eu ainda era deputado; encaminhei ao ministro – na época era o Carlos Chiarelli, ministro do Collor114 – solicitando, e aí... fiquei ‘batendo uma lata’ com o meu projeto.

114 Carlos Chiarelli foi Ministro da Educação no governo do presidente Fernando Collor de Mello.

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Terminou, não foi possível... Que é que eu fiz? A Constituição Federal obriga a interiorização das universidades quando existem aquelas só na capital, nas capitais de um modo geral. A Constituição percebeu isso, obrigou em 10 anos que as universidades fizessem uma política de interiorização. Baseado nisso – tendo em vista que eu perdi o meu projeto – na época havia uma comissão e ela considerou um projeto eleitoreiro – então nem dei bola pra eles, é evidente. Eu me lembro que eu encontrei o Roberto Freire, e falei: ‘Ó, Roberto, eu estou com um projeto de lei ‘autorizativo’, criando uma universidade pública pra Baixada Fluminense. Se ele for distribuído pra você como relator, você é da comissão, você me dá um parecer favorável’? Ele disse: ‘É evidente’ (Foi interessante) ‘Você acha que eu comunista, não vou dar um parecer favorável? Claro que vou! Mas eu nem sei pra que foi distribuído porque eu já vim pra campanha e nunca mais tomei conhecimento do projeto, não pude acompanhar e depois perdi a eleição. Parece que foi arquivado.”

Em 1992, no entanto, durante o mandato do prefeito de Nova Iguaçu Aluísio Gama (PDT),

Jorge articulou as negociações e depois presidiu a comissão que instaurou uma unidade da

UFF (Universidade Federal Fluminense) em Nova Iguaçu. Esse campus contava com três

cursos: direito, ciências contábeis e administração. Tal empreendimento (que funcionou por

apenas cinco anos) demonstra novamente seu trânsito por diversas esferas e sua habilidade

em conceber arranjos suprapartidários.

“Bom, terminado isso […] Aí nós já estamos falando em [19]91 mais ou menos, [19]92. A Constituição consagrou em um dos seus artigos a obrigatoriedade de expansão das universidades pro interior. Aí que é que eu faço: ‘peraí, eu tenho um projeto para a sociedade iguaçuana na qual houve uma mobilização; há uma memória disso’. Aí eu fui procurar o diretor da faculdade de Direito de Niterói, profº Manoel Martins. Fui lá: ‘Ó, Manoel, veja bem, eu fiz esse movimento, um movimento eleitoral, é verdade, mas

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aí tem a Constituição. Há um espaço pra gente negociar uma interiorização da UFF’? Ele falou: ‘Há, é claro’. ‘Então, eu gostaria de discutir isso. Está aqui o meu projeto, está aqui o abaixo assinado’. Ele falou: -‘Vou te levar na Reitoria’ – foi uma audiência com o José Raimundo Martins Romeu, que era o reitor. Aí eu fui, conversei com o Romeu. E ele falou: ‘Nós temos interesse. Qual o município’? Eu digo: ‘A região da Baixada Fluminense, mas com sede em Nova Iguaçu’. Ele até estranhou porque falou: ‘Mas Nova Iguaçu é do PDT, do Aluísio Gama’. Eu digo: ‘Sim, mas eu não vim reivindicar uma universidade para o PMDB, vim pelo município, seja PDT, qualquer partido serve’. Aí ele perguntou: ‘O prefeito de lá topa’? Aí, eu liguei pro Aluísio Gama, na época, e digo: ‘Olha, Aluísio, está nos planos fazer uma parceria com a UFF pra botar uma universidade em Nova Iguaçu? É possível?’ ‘É possível, claro que é!’ ‘Eu já estive na universidade e ele quer nos receber lá’. Aí marquei uma audiência, levei o Aluísio lá. O Reitor disse: ‘[…] não vamos fazer um convênio guarda-chuva inicialmente, cobrindo tudo. Vamos evoluir. O projeto tem que ser detalhado, a grade curricular, as cadeiras, as faculdades’. Criamos uma comissão, que eu presidi. Falei: ‘vai dar problema, Aluízio. Você é do PDT e me nomear […]então, eu vou fazer o seguinte, eu vou te pedir algumas considerações: não remunerado, vinculado ao seu gabinete e com classe específica, que eu vou indicar a maioria da comissão […] pra eu ficar à vontade. Se eu fosse ficar lá com o secretário, não iria andar’. E ele respondeu: ‘Prepara que eu assino’. Aí eu fiz a portaria, ele assinou. Em 120 dias nós fechamos o projeto e... em 92, janeiro de 92, lançamos o edital do 1º vestibular com 3 cadeiras: Direito, Administração, Ciências Contábeis... é... 4 mil e tantos inscritos. Fizemos o vestibular com 150 vagas – se eu me lembro – pra cada cadeira... não me lembro bem aí o número […] E funcionaram as 3 universidades [faculdades] aqui... Tem gente formada aqui em Direito, Administração e Ciências Contábeis sem nunca ter ido à Niterói; o curso todo feito aqui no Monteiro Lobato. Depois outros governos não puderam prosseguir... o convênio foi extinto. Então, nós tivemos uma universidade pública aqui; uma projeção da UFF, a interiorização da UFF, funcionando muito bem” (grifos meus).

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No início de 1993, Nelson Carneiro disputou, e perdeu, a presidência regional do partido

para Renato Archer (presidente da Embratel), que foi apoiado por Moreira Franco,

desligando-se do partido e filiando-se ao PP. Em solidariedade ao Senador, Jorge também

saiu do partir e disputou as eleições de 1994 já pelo PP. No entanto, outro acontecimento

marcaria a sua carreira. Um novo escândalo vinculou-o à contravenção do jogo do bicho.

Em uma lista, apreendida pelo Ministério Público, nomes de vários políticos apareceram

como receptadores de doações – dentre eles também o de Simão Sessim, já filiado ao PPR,

Partido Progressista Reformador, onde permaneceu por menos de um ano –vinculados ao

bicheiro Castor de Andrade. Nesse mesmo ano, as eleições no estado do Rio de Janeiro

foram anuladas devido a suspeitas de fraude e remarcadas para dezembro, mas Jorge Gama

não voltou a concorrer.Nas entrevistas que me concedeu, justificou tal decisão alegando

que estava com um enorme déficit – um passivo acumulado desde 1990115 – e que sua

família também o pressionava para “deixar a política”. Na primeira entrevista, Jorge Gama

pouco falou a respeito da denúncia, ressaltando apenas que nada havia sido provado contra

ele. Em outras conversas e entrevistas, entretanto, admitiu o peso político dessa denúncia –

e da subseqüente cobertura da imprensa – em sua derrota, influenciando também sua

decisão de não concorrer novamente, depois de anulado o primeiro pleito. Nenhum

processo foi instaurado contra ele e Jorge afirma que sua ligação com Castor de Andrade

era distante – visto que conhecia apenas Anísio, Aniz Abraão David, irmão de Simão

Sessim (deputado federal) e de Farid (atual prefeito de Nilópolis) e chefe do jogo do bicho

115 Segundo verbete do Dicionário Aurélio, passivo é conjunto de dívidas e obrigações de uma pessoa ou empresa; o conjunto de contas que registra a origem dos recursos da empresa: capital próprio, financiamentos etc.

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na mesma localidade. Diz ainda, que desconhecia a origem das camisas recebidas para a

campanha, por intermédio de um conhecido– vindas de Nilópolis [de Anísio].

A distância relativa da imagem de Jorge Gama dos estereótipos acionados para falar de

política na Baixada dessa vez não se concretizou. Mesmo minimizando os efeitos políticos

da associação com o jogo do bicho em termos gerais (a partir de uma percepção não-

negativa sobre o seu papel na região), a projeção política de Jorge não se restringia aos

limites territoriais da Baixada, motivo pelo qual tal ligação repercutiu negativamente em

esferas mais amplas.

Tal episódio não significou, no entanto, que as portas do mundo da política fecharam-se

para Jorge. Após o ocorrido, ele decidiu dedicar-se ao escritório de advocacia, situado no

Centro do Rio de Janeiro, onde prestava consultorias diversas a deputados e vereadores,

mantendo assim seus vínculos com políticos profissionais e retornando ao partido de

origem.

A ligação com Nelson Bornier (que, a essa altura, já era um dos nomes mais influentes da

política local )116, por exemplo, estreitou-se em 1998, quando este o convidou para a sub-

116 Nelson Bornier configura uma peça-chave para se pensar a política na Baixada a partir da década de 1990. Nascido no Rio de Janeiro, em 1950, formou-se em direito por uma faculdade particular de Valença, em 1977, dedicando-se, além da política, à atividade de contador e empresário em Nova Iguaçu. Em 1986, filiou-se ao PL (Partido Liberal) e presidiu o diretório do partido até 1989, quando se tornou vice-presidente regional (cargo no qual permaneceu até 1993) (DHBB, 2001). Em 1990, elegeu-se deputado federal, com votos provenientes fundamentalmente da Baixada. Durante seu mandato, integrou diversas comissões e defendeu projetos de interesse para a região, tais como: obras na Linha Vermelha; instalação do pólo petroquímico de Itaguaí; comissões de Finanças, de Viação e Transportes, de Desenvolvimento Urbano e Interior e de Defesa Nacional. Fez parte também da CPI que investigou irregularidades na Previdência Social e na privatização da VASP. Em 1994, reelegeu-se pela sigla do PL com 105 mil votos (TSE). Como já mencionado anteriormente, esta eleição foi anulada, sendo uma outra realizada em novembro do mesmo ano – na qual confirmou a vitória de 3 de outubro. Neste mesmo ano, filiou-se ao PSDB (em dezembro de 1994), tomando posse na Secretaria Especial da Baixada no princípio do ano seguinte, durante a gestão de Marcelo Alencar. Nelson reativou o hospital da Posse – ligado à UNIG, de Fábio Raunheitti – e, em fevereiro de 1995, reassumiu o seu mandato, dada a decisão do TSE quanto à anulação do pleito de outubro de 1994, desligando-se imediatamente depois para retomar as atividades à frente da Secretaria da Baixada. Em 1996, elegeu-se prefeito de Nova Iguaçu (com 184.640 votos contra 66.240 de Cornélio Ribeiro do PDT e 56.563 de Arthur Messias do PT), onde

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secretaria de Desenvolvimento da Baixada e Municípios Adjacentes117. Este cargo

significava a possibilidade de novamente dispor dos acessos. Jorge permaneceu neste cargo

até receber o convite de Mário Marques para assumir a secretaria de governo de Nova

Iguaçu, em 2002118. À frente da nova secretaria, teve a oportunidade de exercitar seu poder

de mediação junto às lideranças locais, mas sentia-se isolado. Jorge e Bornier discordavam

com relação a algumas “políticas” do governo de Mário, fundamentalmente porque o

primeiro via como ingerência a atuação do ex-prefeito na administração municipal. Jorge

acreditava que Mário Marques deveria ser mais independente em relação a seu antecessor,

mas sua postura era de certa submissão, “um misto de gratidão e admiração”119. A partir

daí, a relação de Jorge com Bornier ficou abalada. A situação complicou-se ainda mais a

partir da campanha de 2004. Os indícios de que os conflitos existiriam apareceram logo no

reorganizou a administração e retomou o pagamento do funcionalismo público municipal, com atrasos superiores a três meses. Foi em seu mandato executivo, tendo o sobrinho de Raunheitti, Fernando Gonçalves, como vice-prefeito, que as desavenças entre Bornier e Fábio tiveram início, principalmente devido a problemas com a transferência de dinheiro público para o hospital vinculado à instituição de ensino deste último. Em 2000, com apoio popular e político, reelegeu-se com maioria absoluta sobre o segundo colocado (204.716 votos, contra 83.645 de Sheila Gama do PDT e 28.520 de Adeilson Teles do PT) (TRE/RJ). Em 2002, já pelo PMDB, afastou-se da prefeitura de Nova Iguaçu, sendo eleito deputado federal com 140 mil votos . Manteve, no entanto, sua influência política no governo do sucessor devido à permanência de parte de seu secretariado na administração seguinte. 117 O secretário da Baixada era, até então, Ernani Boldrim. Advogado, filiou-se ao MDB em 1977 e foi um dos fundadores do diretório de Nova Iguaçu. Em 1979, filiou-se ao PP (Partido Popular), liderado pelo então governador do Rio de Janeiro, Chagas Freitas. Em 1982, o PP foi incorporado ao PMDB. Em 1986, candidatou-se a uma vaga na Câmara dos Deputados, ficando com a suplência. Ex-deputado federal pelo PMDB, em 1989, e entre 1990-1991 – em ambos os casos porque era suplente – ocupou respectivamente a vaga dos deputados Flávio Palmier da Veiga – que se tornou Secretário de Turismo, Esporte e Lazer no governo de Moreira Franco – e de Gustavo de Farias – que renunciou, ameaçado de cassação. Ernani foi também deputado estadual, de fevereiro de 1995 ao início de 1997. Sem mandato, tornou-se secretário de Desenvolvimento da Baixada e Municípios Adjacentes em 1998, ainda no governo de Marcelo Alencar (1995-1998), que promoveu obras como o Baixada Viva e o projeto de construção da Via Light. No mesmo ano, elegeu-se deputado estadual pelo PPB. Em 2002, diretamente vinculado à família Garotinho, tentou a reeleição, mas saiu derrotado. 118 Jorge Gama foi convidado primeiramente para assumir a Secretaria de Saúde no lugar de Gilberto Badaró em outubro de 2002, mas acabou permanecendo apenas na Secretaria de governo. A notícia foi veiculada pelo Jornal O Globo, no Caderno Baixada, em 27/10/2002 (p.9). 119 Um fato ilustrativo dessa preocupação de Jorge com relação a Mário Marques foi explicitado por Pedro Cezar, em uma das entrevistas que me concedeu. Segundo ele: “o Mário nem tirou a foto do Nelson da parede das repartições públicas. Você chega numa secretaria e vê a foto do Nelson, e não a dele. Ele é muito grato ao Nelson por seu apoio. Mas com isso, ninguém sabe que ele é que é o prefeito agora.”

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início da campanha, quando Bornier deixou Jorge Gama totalmente à margem das

principais decisões. A condução de todo o processo foi gerenciada pelo primeiro, tendo

como braço-direito Pedro Cezar – quem, de fato, coordenou de perto e que sempre

manteve boa relação com Jorge.

Durante o período da campanha, Jorge permaneceu à distância, limitando-se a preparar

algum material escrito – fundamentalmente o programa de governo e algumas críticas ao

adversário do PT. Ia aos comícios, mas sem fazer uso da palavra. Não era um porta-voz

autorizado. Mais tarde, as discordâncias entre Mário e Bornier e, conseqüentemente, o

afastamento deste último do dia-a-dia da campanha possibilitaram a reaproximação de

Jorge com a equipe de Mário. A partir daí, ele esteve presente nas carreatas, nas

caminhadas no centro comercial da cidade – o calçadão – inclusive na que acabou em um

confronto físico direto entre os cabos eleitorais das coligações ‘Crescer sempre com Deus e

o Povo’ (PP, PDT, PMDB, PSL, PTN, PSC, PL, PPS, PSDC, PRTB, PHS, PMN, PV, PRP,

PRONA e PT do B) e ‘Hora da Mudança’ (PT, PFL, PSDB, PSB e PC do B).

Com a derrota de Mário para a prefeitura de Nova Iguaçu, Jorge foi ocupar novamente o

cargo que já ocupara anteriormente na Secretaria de Desenvolvimento da Baixada – cujo

secretário era seu “afilhado” político, o ex-prefeito de Paracambi por dois mandatos e

deputado estadual por três, Délio César Leal (PMDB). A Secretaria em questão configura

uma importante máquina política visto que abriga a Fundação Leão XIII, a Serla

(Superintendência de rios e lagos), a Secretaria de Trabalho, a Secretaria de Administração,

além de diversos projetos sociais como o pólo de distribuição de leite em pó, o projeto de

inclusão digital, além do Detran e da Escola de Serviço Público.

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No fim de março de 2006, com a necessidade de desincompatibilização de Délio Leal para

disputar ou uma vaga na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro ou a de vice-governador

nas eleições deste ano, Jorge Gama foi indicado para assumir a Secretaria da Baixada,

telefonando-me em seguida para me comunicar seu novo posto120. Encontra-se atualmente

envolvido com novos projetos como a criação e implantação do curso de formação política

para mulheres, a criação de uma universidade à distância, além das atividades culturais para

a comemoração do Dia da Baixada (30 de abril). Jorge Gama é um dos defensores da

centralização das atividades da Secretaria da Baixada exclusivamente nos municípios da

região e não o formato que vem sendo adotado, englobando também a região Metropolitana

– agregando assim os municípios de Itaboraí, Niterói, São Gonçalo e Tanguá. Para ele,

“trabalhar pela região metropolitana e pela Baixada fica muito extenso e pouco produtivo.

Devemos atuar somente nos treze municípios da região” (Jornal de Hoje, 19/04/2006).

Persiste a seguinte pergunta: por que Jorge Gama não tentou disputar novas eleições? Por

que ainda atua como mediador se não possui mandato eletivo há mais de 15 anos?

Minha opção recaiu em pensar as possíveis respostas a tais perguntas a partir de sua própria

narrativa. Sendo assim, os discursos acusatórios (corrupto, ligado ao jogo do bicho etc.) não

foram rechaçados, mas colocados no plano do narrador. De tal perspectiva, as práticas

necessárias para perpetuar-se no mundo político da Baixada remetem ao assistencialismo/

120 Assim que cheguei ao Rio, numa quarta-feira 19/04/2006, após ter sido avisada dos telefonemas de Jorge Gama, dirigi-me à Secretaria da Baixada para falar-lhe. Assim que cheguei fui muito bem recebida e fiquei aproximadamente uma hora conversando com ele em sua sala, onde também estava presente um professor do campus da UERJ na Baixada. Falamos sobre a “situação política” para as eleições de 2006 e sobre as comemorações pelo dia da Baixada (30 de abril). Fui presenteada com uma camisa comemorativa da Baixada e também fui convidada a participar de alguns eventos desta comemoração, inclusive cogitando a possibilidade de se lançar uma revista com alguns artigos sobre a Baixada e seus “tipos”. Antes de sair, Jorge Gama perguntou sobre a defesa de minha tese e sobre o “lançamento do livro” e disse que gostaria que eu o fizesse na Secretaria da Baixada e que a secretaria estava à minha disposição para a organização de um seminário ou qualquer evento que dissesse respeito à Baixada Fluminense. Agradeci e disse que pensaria a respeito.

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clientelismo de um lado e/ou ao marketing político, de outro. Em ambos os casos, Jorge

Gama coloca-se à parte. No primeiro caso, por opção e, no segundo, por falta de recursos.

A mediação tornou-se, portanto, o único modo de efetivar sua permanência na política.

Criando espaços de visibilidade, circulando entre diferentes atores políticos, tendo trânsito

livre em diferentes esferas do poder (Executivo e Legislativo) — desde presidentes

nacionais de partidos a vereadores de cidades do interior do estado etc – em uma palavra,

conseguindo manter os acessos.

Seu projeto político foi então analisado tendo-se em vista a vocação de mediador tanto

quanto a dedicação à atividade. Desde o início de sua apresentação, a Baixada aparece

como uma escolha. Fazer da Baixada sua “terra” e a de seu “povo”, sua gente, foi

determinante para a concepção de seu devir político. Nas entrevistas, e em outras

conversas, Jorge Gama sempre manifestou uma grande preocupação com a posição política

da região em relação ao estado do Rio de Janeiro. Enfatizando iniciativas como a da

Associação de Prefeitos da Baixada e do consórcio de municípios na área da saúde e meio

ambiente, ele acredita em um possível alinhamento de forças no intuito da região conseguir

unidade política para pleitear mudanças relativas ao tratamento que recebe dos governos

estadual e federal.

“Eu acho – do ponto de vista dos políticos da Baixada – eles talvez ainda não tenham percebido a importância da Baixada como um todo; eles defendem a Baixada ainda de forma isolada e cada um fazendo o seu pedacinho. Claro que isso daí é até a questão da sobrevivência, eu compreendo – concorrência eleitoral, política, essas coisas todas; mas eles não entenderam a necessidade de se ter uma atuação mais conjunta, sobretudo os parlamentares, os prefeitos não, já estão entendendo mais; mas os deputados estaduais e federais ainda não interpretaram a Baixada, ainda não têm uma atuação

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parlamentar satisfatória em direção à Baixada como região; sempre defendem a Baixada isoladamente. Vai lá, faz um estudo, faz[em] leis, mas que não liga coisa nenhuma; não é nada estruturante, não é nada disso”.

A preocupação com a criação de um projeto coletivo é por ele manifestada frente aos

conflitos e ao caráter “pouco orgânico” das lideranças da região. A Baixada aqui

apresentada é multifacetada e englobada por redes políticas que se intercomunicam, ora

agrupando-se em facções rivais, ora configurando novas “alas” e dissidências, em um

trânsito constante de atores políticos que, ao se moverem, redimensionam as forças

presentes no campo político. Tal configuração, no entanto, não é capaz de engendrar

objetivos comuns que pensem a Baixada como um todo – mas ao contrário, o caráter

segmentado acaba sendo enfatizado diante das realidades diversas dos distintos municípios.

Neste universo, os projetos (Velho, 1994) dos atores políticos são, via de regra, tomados

individualmente, e a associação a outros projetos não visa uma “construção coletiva”, mas

a capitação de recursos (simbólicos e econômicos) em benefício próprio, na medida em

que o político com maior capital simbólico for capaz de viabilizar alianças para este fim.

Apesar de estar mais próximo da classificação de ideológico do que de assistencialista, não

me parece que essa dicotomia dê conta satisfatoriamente da trajetória de Jorge Gama. Ele

próprio não se define nem como uma coisa, e muito menos como a outra. Sempre esteve

muito ligado ao intrincado processo de constituição de seu partido e das mudanças pelas

quais ele passou – desde o vínculo com os independentes, a aproximação com Moreira

Franco e a devoção a Ulysses Guimarães, até a configuração mais recente, com a entrada de

Anthony Garotinho e da governadora Rosinha Matheus. A adesão a uma determinada

facção não o impediu de galgar posições e constituir alianças diversas dentro do partido

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como forma de manter as condições para sua sobrevivência política. Suas ligações com

chaguistas como Jorge Leite, por exemplo, e com a própria Fundação Leão XIII, que desde

o governo de Chagas Freitas, esteve vinculada a notícias de uso político, empreguismo e

clientelismo nos mais diversos contextos (fundamentalmente eleitorais) foram ilustrativas

dessa atuação.

Assim, as formulações de uma história ou de suas versões (como prefiro) são determinadas

pelos discursos e transformadas pela possibilidade de recontar e reinventar, num mover-se

constante entre diversos campos, numa fluidez relacional na qual não só o tempo, mas o

espaço e os possíveis interlocutores configuram distintos planos para a construção

narrativa. Dentro dessa composição relacional, e portanto dinâmica, o universo político é

conformado, através da apreensão de práticas próprias e de formas de experiência

significativas.

A tentativa de apreender as relações políticas travadas na Baixada por intermédio da

narrativa de alguns de seus atores merece algumas considerações. Mesmo não utilizando a

expressão “história de vida”, lidar com trajetórias implica, decerto, operar com a idéia de

sucessão temporal dos acontecimentos pertinente a um (ou mais) ator (es), em alguma

medida, remetida a “um deslocamento linear, unidirecional” (Bourdieu, 1996: 183).

Entretanto, neste caso em particular, é a partir da construção narrativa sobre eventos de uma

memória da política nacional – e de suas implicações locais – que se encontram os

elementos que possibilitam recompor um quadro de forças no qual os atores em questão

disputam espaço, poder e cargos/ mandatos. Entremeado de emoção, satisfação e críticas, o

depoimento de Jorge Gama ilumina a posteriori aspectos da trajetória de nomes

importantes da política na Baixada, em termos de visibilidade nacional e regional.

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Reestruturado, o discurso sobre si funde-se com a história da nação, da cidade, da Baixada,

a justificativa de sua transformação/ conversão em ator político aparecendo como uma

seqüência de proposições verdadeiras e significativas para além do âmbito de uma escolha

individual e/ ou egoísta, ou seja, surgindo como vocação.

Nesse sentido, há uma lógica retrospectiva e prospectiva no relato do entrevistado que é

organizada a partir de fatos significativos para si e para quem o “interroga”. O antropólogo,

como o inquisidor (Ginzburg, 1989), contribui para o condicionamento da produção desta

“fala”: tanto a relacionada a uma acusação de feitiçaria quanto àquela ligada à narrativa de

acontecimentos nacionais como as Diretas Já, a partir da perspectiva de Jorge Gama. O

sujeito da narrativa constrói seu próprio romance, atribuindo constância e conseqüência aos

momentos selecionados, marcando passagens, omitindo outras, revelando assim a

preocupação em apresentá-lo como um continuum coerente e conciso.

No entanto, a percepção de que o mundo social é marcado por acontecimentos cuja

sucessão no tempo não é unilinear evidencia a multiplicidade e a profusão das relações que

perpassam os indivíduos, pensados aqui como sujeitos fracionados, mas interligados no

interior do campo social. Apresentar as intrincadas relações políticas na Baixada a partir da

versão de Jorge Gama não significa retirá-las de seu campo e das relações de poder aí

existentes, mas antes, afirmar o caráter de artefato da narrativa e, ao mesmo tempo, encará-

la como potencialmente produtora de realidade(s): da Baixada como palavra de ordem121.

121 A Baixada como palavra de ordem é possível a partir do entendimento sobre sua aparição centrada na análise dos processos que desencadearam sua expansão em meio ao campo político.

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CAPÍTULO 3: ZITO: DA BAIXADA PARA O MUNDO

Entrevistando Zito

Optei por iniciar este capítulo de maneira um pouco diferente dos demais. Sua redação se

deu sem que eu tivesse acesso ao personagem principal, Zito. A dificuldade em conseguir

contactá-lo acarretou a diversificação de possíveis entradas e a captação de dados das mais

diversas fontes.

Sendo assim, a construção do capítulo baseou-se principalmente na biografia de Zito

(Gramado, 1999) e em entrevistas realizadas com alguns de seus secretários (em seu

segundo mandato como prefeito de Duque de Caxias) e com membros da família Camilo

dos Santos. Também foram analisados trabalhos acadêmicos sobre a cidade, a política local

e seus atores, assim como documentos dos arquivos das Câmaras Municipais de Duque de

Caxias, Belford Roxo e Guapimirim, além de matérias de jornais.

Durante mais de dois anos, apesar de muita insistência, não foi possível entrevistar Zito.

Após diversas tentativas sempre frustradas, decidi tomar sua biografia (autorizada ou

encomendada?) como fonte primeira de dados a respeito de sua trajetória pessoal. Com

relação à sua vida política, foram também utilizadas fontes oficiais, depoimentos de

moradores de Duque de Caxias sobre sua administração, bem como entrevistas com

pessoas próximas a ele (com vínculos de parentesco, profissionais e/ou de amizade).

Em uma última tentativa, telefonei para o gabinete da deputada estadual Andréia Zito (o

que já havia feito antes sem sucesso), no dia 17 de abril de 2006, e fui atendida por Aurélio

que, muito solícito, pediu-me que ligasse mais tarde para falar com a chefe de gabinete.

Liguei na hora recomendada, mas não consegui encontrá-la. Pedi então a Aurélio o telefone

celular de Marcela Dutra (a chefe de gabinete) para que eu pudesse contactá-la o mais

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rápido possível, explicando que se tratava de uma pesquisa em fase de redação final. Uma

vez obtido o número de telefone, liguei imediatamente, explicando no que consistia a

pesquisa. A princípio, mencionei tratar-se de minha tese de doutoramento e da redação de

um livro sobre a política na Baixada, enfatizando a minha área de atuação e minhas

filiações institucionais (Antropologia, Museu Nacional/ UFRJ e UFU). Como, na ocasião,

eu falava de meu telefone residencial, em Uberlândia, Marcela Dutra perguntou se a

entrevista seria por telefone e se eu desejava falar apenas com Andréia ou se também

gostaria de falar com Zito. Respondi prontamente que, se possível, queria falar com os dois,

explicando que já havia tentado entrevistá-los sem sucesso. Forneci, então, meus telefones

para, posteriormente, agendar e confirmar a data e o local das entrevistas.

No dia seguinte, Marcela telefonou-me, marcando a entrevista para quinta-feira, 20 de abril

e solicitando que, uma vez no Rio, eu lhe telefonasse para confirmar o encontro. Como

combinado, liguei para o telefone do gabinete, mas não consegui encontrá-la. Aurélio,

então, forneceu-me outro número no qual finalmente conseguiria encontrar Marcela. Esta

passou-me diretamente para o secretário pessoal de Zito, Fernando, que agendou o dia e o

horário para as duas entrevistas. O encontro com Zito seria em seu escritório, em Duque de

Caxias, às 10 horas; com Andréia, às 16 horas, em seu gabinete, no prédio anexo à ALERJ.

O dia 26 de abril de 2006 certamente foi o mais tenso (talvez porque o mais esperado) de

toda a minha pesquisa de campo. Durante esses mais de três anos, participei de diversos

eventos: jantares, almoços, caminhadas, carreatas, reuniões, conversas informais,

entrevistas. Ora como anônima – como mais uma – ora como pesquisadora, acompanhando

políticos ou entrevistando/ conversando com moradores/ eleitores. Todos eles eram repletos

de rituais, dos mais variados tipos. As entrevistas, no entanto, constituíam momentos

particularmente interessantes. Durante as caminhadas, carreatas, showmícios e reuniões, a

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minha presença (apesar de nunca deixar de contar como um dos elementos em jogo) podia

ser diluída ou atenuada e não se colocar como peça-chave nessas situações. Nas entrevistas,

por sua vez, o pesquisador é parte fundamental do ritual, tendo um papel ativo e explícito

no processo de construção da própria interação. Trata-se de um diálogo, no qual as

intervenções marcam lugares específicos para cada ator envolvido.

Apesar de todas elas terem marcado momentos singulares e excepcionais para a elaboração

desta pesquisa, a entrevista com Zito me fez confrontar todas as imagens e pré-noções que

eu mesma já havia construído acerca de sua persona pública.

Cheguei no escritório, na rua Prefeito Carlos Lacerda, em Duque de Caxias, às nove e meia

da manhã. O prédio onde ele está situado é estritamente comercial e localiza-se ao lado da

Câmara Municipal da cidade, próximo à praça central. Dirigi-me à sala que fica no sétimo

andar. Para entrar ali, há um interfone por meio do qual a secretária, Simone, monitora a

entrada e a saída de pessoas. Na recepção, há também algumas poltronas que comportam

cerca de oito pessoas. Quando cheguei, dois homens já aguardavam para falar com Zito.

Após minha identificação, Simone (a secretária) avisou a Lucas (um assessor) que eu havia

chegado. Ele imediatamente veio falar-me, pedindo que eu esperasse alguns minutos. Em

seguida, entraram os dois homens que haviam chegado antes de mim. Esperei por cerca de

trinta minutos. Enquanto aguardava, as pessoas não paravam de chegar ao escritório e eu

aproveitava para prestar atenção nas conversas que elas mantinham sobre política e a atual

administração municipal122.

122 Dentre os relatos que ouvi, o que narro a seguir chamou particularmente minha atenção. Uma mulher negra, apelidada pela secretária de “Luana Piovani”, reclamava sobre a forma como vinha sendo tratada pela equipe do atual prefeito. Tentando entender do que se tratava, puxei conversa. Ela explicou-me, então, que a atual administração estaria promovendo uma “caça às bruxas” e que todas as pessoas ligadas ao antigo prefeito estariam “com um X nas costas”. Tal moça cursa faculdade de serviço social e trabalha como “parceira” em um projeto social, não sendo funcionária da prefeitura. Alegando que vinha sendo discriminada

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Fui recebida, finalmente. Na sala, que deve ter aproximadamente 12 metros quadrados,

estavam Zito e Dr. Moretti, ex-secretário de governo de Waldir Zito na prefeitura de

Belford Roxo. Ao que tudo indica, aquela era a sala de Moretti, pois este estava sentado

atrás de uma escrivaninha, de costas para uma grande janela — de onde se via o viaduto e a

linha férrea — enquanto Zito encontrava-se em uma das cadeiras à sua frente, onde também

me sentei.

As imagens do homem arrogante, quase rude, de voz imponente e estatura marcante

propagadas por fontes variadas – moradores, políticos, jornalistas etc. – foram reavaliadas

no mesmo instante em que pisei naquela sala. Ao entrar, fiquei frente a frente com um

homem modestamente vestido (tênis, calça jeans e camisa de malha verde) que não

ocupava a cadeira principal e colocava-se como um “convidado”. Este homem levantou-se

e cumprimentou-me respeitosamente, pedindo que eu me sentasse a seu lado. Sua voz

imponente, entretanto, contrastava com a postura curvada e com o olhar que me fitava por

não mais que alguns poucos segundos, sempre dirigido ao chão, como se estivesse fechado

em si mesmo.

Após as apresentações (Zito apresentou-me a Dr Moretti, que permaneceu conosco durante

toda a entrevista) e alguns minutos de conversa sobre o meu trabalho, perguntei se poderia

gravar a entrevista.A autorização foi imediata.

Iniciei com uma pergunta geral: “Como foi sua entrada na vida política” ?

A resposta foi sintética. Um breve resumo de cerca de 15 minutos, sem mencionar partidos

ou nomes de aliados e adversários, centrando-se em sua origem familiar “humilde” — filho

de “pais analfabetos” que chegou a ser vereador, deputado e prefeito.

e boicotada, afirmava sua vinculação a Zito dizendo não ter um X nas costas como os outros, e sim um Z, de Zito.

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Fiz então uma nova intervenção: “O senhor começou sua vida pública no PTR, um partido

pequeno, e depois integrou vários outros. Poderia falar um pouco mais sobre estas

‘passagens’” ?

Obtive a seguinte resposta: “Você está sabendo bem da minha vida, né?!” (risos). Em

seguida, Zito reiniciou seu relato contando em detalhes os diversos momentos de sua

trajetória que serão agora explorados ao longo deste capítulo, revisitado após as

entrevistas123.

Os Caminhos Que Levam À Baixada

José Camilo dos Santos Filho – Zito – nascido em 15 de outubro de 1952, é o segundo dos

três filhos de José Camilo (conhecido como Seu Zé) e de Dona Luzia. Pernambucanos, Seu

Zé e Dona Luzia deixaram sua cidade natal e foram para Paulista, cidade da zona da Mata,

em busca de um emprego na indústria têxtil Companhia Paulista de Tecidos que sustentasse

a família inteira124. Após anos e anos de trabalho, Seu Zé foi demitido por testemunhar a

favor de um ex-funcionário da empresa, um conhecido seu que moveu um processo

trabalhista contra a companhia. A partir daí, a família precisaria prover seu sustento da 123 A entrevista com a deputada Andréia foi marcada em seu gabinete, no prédio anexo à ALERJ, na sala 407. Cheguei às 15hs50 e fui recebida por Aurélio, com quem já havia falado algumas vezes por telefone e que me forneceu o telefone de Marize. Logo na entrada do gabinete, há uma pequena ante-sala com duas cadeiras, separada da parte interior na qual se encontram as mesas de trabalho do staff da deputada, além de sua sala e a de sua chefe de gabinete. Há também uma pequena copa com bebedouro, máquina de café, geladeira e pia. O espaço não é grande, mas bem organizado por divisórias. Após esperar por alguns minutos, fui atendida por Marize que me levou à sua sala onde aguardei um pouco mais conversando com ela. A deputada me recebeu por volta das 16hs30. Conversamos sobre a minha pesquisa e Marize fez algumas perguntas sobre o trabalho: como havia começado, quais os meus interesses etc. A entrevista teve aproximadamente quarenta minutos de duração. Após a conclusão, ainda conversamos por cerca de vinte minutos sobre Zito e as “imagens” divulgadas a seu respeito. Marize indagou-me novamente, agora sobre minha impressão sobre a deputada e seu pai. Discorremos sobre sua visão enquanto não-moradora da Baixada e sobre o tratamento da imprensa aos políticos da região. Ao final, Marize perguntou à deputada se poderia me fazer um convite e ela concordou. Propuseram que em caso de publicação da tese, fizéssemos o lançamento na ALERJ, na tentativa de aproximar “a casa ao meio acadêmico”. 124 Consultar, por exemplo, os trabalhos de José Sérgio Leite Lopes (1979 e 1988) e Maria Rosilene Alvim (1979).

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forma que lhe fosse possível. Teve início, assim, a ciranda de empregos e ocupações pelas

quais Seu Zé passaria. Tentou de tudo um pouco. A princípio, montou uma “venda” no

quintal de casa, na qual comercializava desde bebidas até frutas e mantimentos. Depois de

algum tempo, no entanto, a empreitada não deu certo devido à dificuldade em receber pelas

mercadorias compradas “fiado” — na maior parte dos casos por amigos ou pessoas

próximas, em situação semelhante ou pior do que a da família Camilo dos Santos. O

esgotamento de todas as alternativas da família fez Seu Zé decidir “tentar a vida” em outro

lugar. Saíram de Paulista em fevereiro de 1954, tendo como destino o Rio de Janeiro e a

busca do “sonho da cidade grande”. Na ocasião, a filha Maria José tinha 4 anos e Zito,

pouco mais de um ano de idade.

O mito fundador da trajetória de Zito é reforçado tanto na narrativa de seu irmão Waldir,

quanto em sua biografia (Gramado, 1999). Essa construção o transforma em um

personagem com um passado em comum, um passado partilhado com muitos moradores

da Baixada: o de migrante nordestino. A viagem para o Rio de Janeiro corrobora a saga

nordestina: o pau-de-arara, a fome, a sede, o medo e, às vezes, até mesmo a morte. Há uma

espécie de ilíada conferindo um desencadear espetacular aos acontecimentos (no sentido

mais amplo, de não-ordinário), envoltos em dramas pessoais que, no entanto, marcam

ligações com um todo maior — no caso, o percurso transcorrido por muitos migrantes de

diversas localidades das regiões Norte e Nordeste do país. Esses nordestinos, saídos de suas

cidades-natais, deixam para trás familiares, amigos, enfim, tudo o que possuem, em troca

do sonho de uma “outra vida”. No caminho, a poeira, o sol, a chuva e a sensação ambígua

da esperança e do medo do porvir. A designação comum a tantos que narram suas histórias

a partir desses fatos, ricos em incidentes e acontecimentos, é apenas um dos aspectos que

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unem pessoas diferentes e lugares distantes. Mas se a viagem, por mais penosa que possa

ser, é carregada de desejo e confiança, a chegada pode trazer à tona uma realidade nem

sempre parecida com as imagens idealizadas. O acordar pode ser abrupto, um despertar

quase cruel.

O relato do caminhão chegando ao Rio de Janeiro, desembarcando todas aquelas pessoas —

algumas com rumos já traçados, outras ainda não – marca a expatriação, mas também

formas de integração. Alguns lugares constituíam destinos certos. É o caso da Baixada

Fluminense que aparece, novamente, como um destino partilhado. Sendo assim, a chegada

ao recém emancipado município de Duque de Caxias reintegrou a família de Zito, a partir

dos laços de parentesco originais. Os Camilo dos Santos foram acolhidos na casa de um

parente de Seu Zé que tinha lhe arrumado um emprego em uma empresa de ônibus. Pouco

tempo depois, no entanto, a convivência na pequena casa da rua Itatiaia, em Duque de

Caxias, tornava-se complicada devido ao grande número de pessoas dividindo um espaço

exíguo. A mudança para um lugar exclusivo da família deu-se ainda naquele mesmo ano,

quando Seu Zé optou pela permanência no município, alugando um cômodo na rua

Itacolomi.

Diante das possibilidades de tal segmento social, a Baixada Fluminense aparece como o

espaço privilegiado para moradia. As razões são variadas. Desde a proximidade com a

cidade do Rio de Janeiro e, portanto, com o local de trabalho, até a possibilidade de se

conseguir ocupar ou adquirir um terreno/ lote ou casa125. O problema da habitação é então

recolocado, agora sob a ótica do morador e não a do político como anteriormente abordado

(capítulo 2). Da perspectiva dos indivíduos que buscavam a “casa própria”, a Baixada foi

125 Soares (1962), Abreu (1988), Souza (1992), Costa (1999).

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ao mesmo tempo eldorado e lugar de expiação. Representava a possibilidade da crença em

um futuro melhor, com terrenos baratos e adequados aos restritos orçamentos dos membros

das camadas populares. Mas também encerrava inúmeras outras relações: de abandono, de

dominação e de submissão. Se por um lado tornava possível o surgimento do selfmade

man, por outro mantinha os moradores sob o jugo de práticas políticas coronelistas e

clientelistas, quase invariavelmente associadas à violência (Ferreira, op. cit.; Leal, op. cit.,

Alves, 1991, 1999 e 2003).

Em nosso país, a estrutura latifundiária favoreceu a transfiguração do poder público por

meio dos usos (e abusos) do poder privado, ancorada no poder político que tinha como

contexto a profunda desigualdade da distribuição de renda e de terra, criando vínculos de

obrigação e de compromisso entre o “coronel” e a população a ele submetida. O

coronelismo funcionou então como “uma forma específica do poder político brasileiro que

floresceu durante a Primeira República, e cujas raízes remontavam ao Império; já então os

municípios eram feudos políticos que se transmitiam por herança não configurada

legalmente, mas que existia de maneira informal” (Queirós, 1976:165). Grosso modo, o

mandonismo local operaria uma diferenciação de poder ao colocar em cena a figura do

chefe político, impondo a premência do estabelecimento de uma relação com o “coronel”

para o funcionamento e a manutenção do referido sistema 126. Este último oferecia o

eleitorado, enquanto o chefe político, os serviços públicos e o fortalecimento de seu poder

privado. Tal estrutura, entretanto, vai se enfraquecendo com o crescimento urbano e a

industrialização, responsáveis pela reconfiguração das relações de poder tradicionais. Essa

alteração no panorama político refletiu nos primeiros anos da família Camilo dos Santos em 126 Ver, também, a este respeito, o artigo de Castro Faria (1999) sobre poder local e municipalismo, no qual enfatiza a centralidade do trabalho de Oliveira Vianna (1920), Populações Meridionais do Brasil: História, organização, psicologia, para se pensar em tais questões.

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Duque de Caxias, correspondendo a um período de agitação e conflitos (Grynszpan, 1987).

Mesmo ausentes da biografia de Zito e dos relatos de Waldir, os saques e as revoltas

camponesas representaram um levante popular inédito na região e marcaram a história local

(idem)127.

Desde seu início, a trajetória de Zito evidencia a diversidade de códigos culturais e campos

de possibilidades em jogo. A chegada ao Rio de Janeiro ainda bebê, com pouco mais de um

ano de idade, tendo viajado por quase oito dias em um caminhão com mais de 40 pessoas

foi o começo de tudo. A infância foi marcada pela dificuldade financeira, a questão da

moradia constituindo sempre um grande problema — a família passou por seis endereços

diferentes, desde o cômodo da rua Itacolomi, até conseguir adquirir o terreno onde

finalmente construiu a casa própria.

Tal terreno foi comprado na rua Ipanema, no bairro de Copacabana, em Duque de Caxias,

em 1957, antes do nascimento de Waldir, o caçula e o único filho a nascer no Rio de

Janeiro. O lote – como os demais oriundos do retalhamento das grandes áreas destinadas às

culturas agrícolas como, por exemplo, a citricultura – ficava em uma rua sem calçamento,

sem rede de esgoto e sem luz, como a maioria das ruas do município nessa ocasião.

A especulação imobiliária somada ao descaso com que o poder público lidava com a

problemática da moradia na Baixada Fluminense definiam o panorama encontrado pelas

famílias de migrantes que ali tentaram fixar-se, fugidos da miséria da cidade-natal, da falta

de oportunidades de trabalho ou das favelas cariocas. Desde a falta de infra-estrutura básica

até loteamentos irregulares, as questões relativas à terra e à casa própria foram tomando

vulto e, dessa forma, capitalizando os discursos políticos que visavam arregimentar os

127 Consultar também Torres e Menezes (1987).

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votos daquela (grande) parcela da população128. Apesar das dificuldades, a compra e/ ou

ocupação dos lotes deu início ao processo de expansão da cidade (e da região) com a

ampliação da construção de imóveis residenciais129.

O terreno foi comprado graças aos esforços da mãe que procurou em diversas imobiliárias

e, por fim, conseguiu um terreno barato — tendo, como tantos outros, inúmeros problemas

para a sua legalização. A figura materna (e o papel da mulher numa “cultura nordestina”130)

é ressaltada como personagem-chave para a concretização do sonho da casa própria. Foi

Dona Luzia quem teria “corrido atrás” do terreno e mobilizado a família para tal

empreendimento. Era em suas mãos que Seu Zé entregava o pagamento e era sua a

responsabilidade de zelar pelas economias da família. A casa própria surge como valor e

fonte de segurança frente às incertezas do “lugar desconhecido” e das parcas possibilidades

financeiras familiares.

“A gente tinha uma coisa na mente: a casa própria, né? Isso ninguém pode tirar da gente. Até hoje, ainda, a gente não conseguiu acaba(r) ela, mas pelo menos não pagamo(s) aluguel pra ninguém. É dinheiro jogado fora, né”? (D. I. , 55 anos, moradora de Duque de Caxias).

“Morar em casa alugada sempre é um sufoco pra gente, que era muito pobre. Pensa bem: chegar... chegar aqui no Rio, vindo de onde eu vim e ter que encarar, ao mesmo tempo, uma sacaria ganhando pouco — pra quem tava acostumado com uma enxada é ruim demais — e, ao mesmo tempo, morar de aluguel e ter de sustentar mulher, mãe e filharada. Rapaz! A única coisa que eu pensava naquela época era comprar o terreno e fazer o

128 Entre os trabalhos recentes sobre o tema, consultar, por exemplo, os artigos organizados por Valladares (1980) e o trabalho de Borges (2003). 129 Sobre o processo de ocupação e desenvolvimento da Baixada Fluminense, ver capítulo 1. 130 A novela “Senhora do Destino”, da Rede Globo de televisão, constituiu um exemplo do uso dos estereótipos relativos a alguns tipos sociais para falar da região da Baixada: o bicheiro, o baixadense (como sinônimo de nordestino pobre) e a mulher nordestina, neste caso, Maria do Carmo, representada pela atriz Suzana Vieira, entre outros.

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barracão” (entrevista com Clenio de Lima Santos, natural de Pernambuco e morador do Morro da Cocada, em Belford Roxo apud Monteiro, 2001).

A autoconstrução foi o modelo (possível) adotado pela família que, assim como grande

parte dos moradores da região, contava com uma rede de solidariedade fundada nos laços

de parentesco, mas também nos novos laços adquiridos: os de vizinhança131. A dupla

jornada marcava os dias dos Camilo dos Santos, principalmente os do chefe da família. O

trabalho na Garagem Bom Retiro durante o dia era seguido pela construção da casa, para a

qual contava com a ajuda dos filhos e de Dona Luzia.

Além da empreitada privada da construção da casa própria, os moradores da Baixada têm

que enfrentar inúmeros outros problemas. A maneira pela qual eles conseguem lidar com

adversidades e privações do cotidiano consiste em estender tal padrão de resolução privada

para fora de suas casas, para as vias públicas. A rua — lugar de todos, mas

responsabilidade do poder público — é, então, reapropriada pelos moradores que elaboram

um modo de atuação para tentar converter o abandono e o descaso — com a falta de

aparatos coletivos e de infra-estrutura — em soluções imediatas. “O morador entrará em

cena como construtor e mantenedor precário dos equipamentos urbanos necessários às

mínimas condições de salubridade e conforto” (Monteiro, op. cit, p.23).

131 Ver, a este respeito, Maricato (1976) e Lima (1980). Lima (1980), em nota de rodapé, explica a categoria autoconstrução como “o processo através do qual o proprietário constrói sua casa sozinho ou auxiliado por amigos e familiares […] nos seus horários de folga do trabalho remunerado, principalmente, portanto, nos feriados e fins de semana”. No artigo em questão, a autora analisa as motivações para escolha da casa própria além das alternativas adotadas para prover os recursos necessários à construção. Outro questão por ela destacada refere-se ao fato de que a casa própria não teria apenas um valor de uso, tendo também um potencial mercantil (podendo ser vendida ou alugada) – além da tendência observada neste segmento populacional de se construir no mesmo local de residência, um lugar para o trabalho, como uma loja, uma “venda” ou uma mercearia. A autora não discute o valor afetivo e simbólico da casa própria, mas deixa entrever esta questão, ao afirmar que nenhum dos entrevistados pretendia, no momento da pesquisa, vender ou alugar a casa, sendo esta apenas uma possibilidade em caso de real necessidade.

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A partir da categoria rede de resolução de problemas práticos132 — que nos possibilita

apreender a realidade do morador da Baixada assim como sua relação com a política e os

políticos locais — as noções de escassez e precariedade são re-significadas, adquirindo uma

gramática pautada na ação como meio e fim. Conforme sugere Monteiro133, a construção

das identidades na região respeita a “situação desvantajosa”, a “não-possibilidade de atrair

a atenção do poder público para si” para pensar a constituição de ideologias e de uma

cultura política própria (“cultura política baixadense”). Apoiando-se no entendimento da

ideologia como sistema cultural (Geertz, 1989), o autor adota o conceito para pensar as

construções ideológicas das camadas subalternas — para além da imposição das classes

superiores — sobre a própria prática cotidiana da política. Fundamentalmente preocupado

em repudiar as alegações de alienados dirigidas aos moradores da Baixada frente à não

sistematização da reivindicação como ação fundadora de sua cidadania (a reivindicação

seria uma “besteira”), Monteiro aponta a criação das redes de resolução de problemas

práticos como mais do que uma resposta ao poder público: como um sistema que dá

sentido à vivência desses moradores, exprimindo suas idéias sobre o mundo e sobre o lugar

nele ocupado. A fala dos entrevistados ilustra exemplarmente esta questão:

“Não foi somente na época que eu vim pra cá que a prefeitura não se interessa(va) por isso aqui... Até hoje, eles só aparece(m) […] fazer obra aqui, só quando tem política. A prefeitura daqui só faz obra no centro ou no bairro onde mora(m) os parentes do prefeito. Acho também que a gente não pode reclamar muito, não, porque, na verdade, a gente nem existe pra eles: isto aqui era um loteamento ilegal e ninguém paga imposto nenhum. Até hoje, não se paga nada pra eles” (Guilherme Antônio Novaes, aposentado do setor químico, natural do interior do Rio de Janeiro, morador do bairro Prata em Belford Roxo apud Monteiro, pp.24-25).

132 Idem 133 Ibidem, pp.26-27.

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"[…] você deve ter visto que não temos luz nessa rua, apesar da gente pagar todo mês iluminação pública na conta de luz. Foi besteira reclamar e a gente comprou os bocais e foi roubando luz da Light e colocando luz em cada poste" (Fabiano Queiroz, comerciário, morador do bairro Barro Vermelho em Belford Roxo, idem, p.29).

"Água é a mesma coisa. Todo mundo aqui tem porque pagou para uns cara(s) furar(em) o cano da adutora que passa na rua de trás. A CEDAE nunca veio aqui legalizar e a gente vai gastando sem pagar. Adianta reclamar? (Fernando Matos, natural de Duque de Caxias, morador do Lote XV em Belford Roxo, ibidem, p.29)

“Todo mundo trabalha um pouco. Não tem moleza aqui, não. Os filhos ajuda(m), os vizinhos... Não dá pra ninguém ficar parado. Senão, é só dá (sic) uma chuva que inunda tudo. Se a gente não faz, fica aí, jogado” [sobre os problemas do bairro, da cidade e a ação dos políticos] (entrevista realizada em 2003 com A., 33 anos, cabeleireira, moradora da Palhada, bairro de Nova Iguaçu).

“O destino do pobre é o trabalho, mesmo. Eu me orgulho disso. Nunca pedi nada pra ninguém, vizinho, político... Nada, nadinha. Até hoje, tem que faze(r), eu faço” (entrevista realizada em 2004, durante o período eleitoral, com W., 67 anos, aposentado, morador da Posse, bairro de Nova Iguaçu).

O trabalho aparece como solução para os problemas, mas também como valor social e

elemento constitutivo dos processos de identificação locais. A característica primeira de

uma ocupação a partir do crescimento e urbanização da região, já no século XX, foi a

presença maciça de trabalhadores de camadas populares. Um ethos do trabalho é aqui

acionado, sem que isso signifique uma característica exclusiva dos membros de camadas

populares. Uma leitura da composição de processos de identificação pela oposição

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trabalhador versus bandido seria por demais simplificadora da realidade social que

encontramos na Baixada134. Se em alguns contextos, a diferenciação pode ser definida pela

confrontação desses “tipos ideais”, em outros, poderíamos utilizar a conjunção aditiva e

acumular papéis — como no caso do justiceiro Miranda, no qual o trabalho é fortemente

enfatizado em sua narrativa e opera como um “elemento legalizador e, ao mesmo tempo,

normalizador do comportamento, introjetado como desviante” (Barreira, 1998:105). Nos

discursos da família Camilo dos Santos, o trabalho tem um lugar de destaque, sendo

recodificado (na categoria trabalho social) e transformado por Zito.

Todos os membros desta família aprenderam desde muito cedo a importância do trabalho.

Seu Zé sempre levava os filhos para a barraca que montava na feira, durante os finais de

semana. Além da real necessidade de mão de obra, mantinha os meninos ocupados e “longe

dos problemas”. A ajuda deles era fundamental também para complementar o orçamento

familiar. A “tendinha” — modelo de pequeno comércio realizado no próprio terreno da

casa e já adotado pela família em Paulista — começou a funcionar em 1958, com a obra

ainda em andamento. Com a experiência acumulada desde os tempos de Pernambuco, Seu

Zé logo percebeu a escassez desse tipo de comércio na nova localidade e a demanda da

população do bairro por algo que suprisse suas necessidades mais imediatas. O

estabelecimento funcionou por mais de vinte anos, transformando-se em alguns momentos

na principal fonte de renda da família. Vendia-se de tudo. O lugar tornou-se ponto de

referência, tendo Dona Luzia principalmente — mas também as crianças — à frente do

negócio (“birosca”) durante o dia, enquanto Seu Zé trabalhava no laboratório Monteiro

Lázaro (em Vila Isabel, zona Norte do Rio de Janeiro).

134 Sobre a relação entre os tipos “trabalhador” e “bandido” para a construção de identidades entre membros de camadas populares ver, por exemplo, Zaluar (1985).

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A educação dos filhos era prioridade do casal que não queria que os meninos fossem

“analfabetos como eles”. Estudavam em escola pública e auxiliavam no trabalho

preferencialmente nos finais de semana. No entanto, ao longo de toda sua biografia, Zito

nos é apresentado como alguém que não valorizava o estudo como forma de ascensão

social, diferenciando-se dos pais que tinham a educação como única via de mobilidade

possível para os filhos. Zito via no esforço individual, no “ganhar dinheiro”, a única

maneira de “crescer”, de “mudar de vida”. Nesse sentido, um ethos do trabalho vai

constituir uma marca identitária forte, permeando todo o discurso sobre si construído na

biografia e a composição de sua persona política.

Ele entrou e saiu de alguns colégios (todos públicos), mas sempre encontrava tempo para

jogar futebol e, principalmente, para fazer “uns bicos”. Começou a trabalhar como faz-

tudo: carregando areia, fazendo pequenos serviços. Seu primeiro empreendimento

autônomo consistiu na confecção e venda de pipas na feira livre do Aterro do Flamengo,

inaugurada durante o governo de Carlos Lacerda. Inicialmente sozinho e depois com a

ajuda de amigos e do irmão, Zito conseguiu juntar algum dinheiro — até a chegada do

inverno que representava uma queda no movimento, devido à diminuição do número de

freqüentadores do parque. “Era uma verdadeira aventura […] Saíamos de casa de manhã

bem cedo e só voltávamos à noite. Ganhava um bom dinheiro” (Zito apud Gramado, op.

cit.:108). Se até este episódio, Waldir era apresentado na biografia de Zito como o irmão

caçula, “preguiçoso”, “fofoqueiro” (p.48) e a relação entre os dois ainda não era marcada

pela proximidade, pela partilha e pela amizade; o trabalho em parceria é tido como o

veículo desta união. Foi a partir da venda das pipas que os irmãos deram início à uma

relação de extrema cumplicidade que se estenderia também à vida política.

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Com 15 anos, Zito foi empregado em uma estamparia. Ainda assim, sempre conseguia um

jeito de arrumar “um dinheiro extra”, fosse por meio da confecção de pipas que ele próprio

vendia nas feiras livres no Rio de Janeiro (no Aterro do Flamengo, por exemplo) ou

transportando água para os moradores de seu bairro e de bairros vizinhos em sua carroça.

Zito estava sempre envolvido em atividades que lhe rendessem algum lucro. Nessa época,

seus “serviços” eram empreendimentos exclusivamente particulares, não havendo qualquer

menção à prestação de assistência à população do bairro. Interessava-lhe apenas “ganhar

dinheiro”135. A falta de recursos do bairro era por ele convertida em oportunidades e a

“independência” (leia-se: saída da casa e da jurisdição paterna) chegou cedo, aos 17 anos,

quando se casou. Sua casa foi construída nos fundos do terreno de seus pais, uma “meia-

água”, e Andréia nasceu no ano seguinte.

Aos 25 anos, decidiu deixar o emprego que o pai lhe havia arrumado — ainda na juventude,

na Monteiro Lázaro — e tornar-se seu próprio patrão. Associado a um amigo formado em

química, abriu um laboratório na mesma rua em que morava. O dinheiro de suas economias

e da rescisão trabalhista foi investido na abertura e legalização da firma que, no entanto,

não foi pra frente. Zito acabou, então, indo trabalhar com o pai na “tendinha” da família. A

partir destes episódios são elaboradas as características que o transformariam no selfmade

man, — aspecto central de sua persona pública. O espírito empreendedor configuraria a

primeira delas. À frente da “tendinha” foi responsável por sua reorganização e

transformação em loja, reestruturando o lugar e fazendo obras de expansão. No ano

135 Na biografia de Zito, é marcante a referência constante aos bens materiais adquiridos ao longo de sua trajetória. A carroça, a moto, a televisão, a geladeira, outra moto, o carro etc. Tais bens parecem simbolizar as conquistas e a própria ascensão social de Zito, sendo enfatizados como fatores de distinção com relação aos “colegas de bairro” e ao próprio irmão.

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seguinte, inaugurou uma outra no bairro Jaqueira e Seu Zé, à essa altura já aposentado,

ficou responsável pela loja da rua Ipanema.

Indícios Da Violência Como Marca

Os problemas com a criminalidade local começaram a aparecer e a postura de Zito foi

distinta da dos demais comerciantes. A fama de “valente” — que teria começado ainda na

juventude com as brigas de rua, narradas como revanches da época de criança —

alcançaria, agora, um novo patamar.

“[Zito] Não deixava de resolver seus problemas com qualquer um e começou a ser respeitado no bairro, dando os primeiros contornos no homem que se tornaria um líder comunitário. Mais pela imposição da própria vizinhança, que via nele uma pessoa que não admitia injustiças. A primeira providência para resolver os impasses era sempre uma boa conversa, mas se preciso fosse, Zito não pestanejava em utilizar os punhos para se impor” (Gramado, op. cit.:116/117).

O pagamento por “proteção” era uma prática comum na região e, em larga medida,

obrigatória. O “pedágio” era uma das formas de extorsão habitualmente realizadas: para

carregar ou descarregar a mercadoria ou para entregá-la em outros bairros, os comerciantes

tinham que pagar uma taxa. Zito rebelou-se e não aceitou fazer parte desse sistema local.

Enfrentou os bandidos, chegando inclusive a ir “tomar satisfações”. Em um dos episódios

narrados em sua biografia, sua postura de enfrentamento lhe rendeu, entretanto, alguns

prejuízos e a agressão a um de seus funcionários, gravemente ferido pelos bandidos locais.

Nesta narrativa são claramente ressaltadas sua coragem e disposição para o embate (físico,

inclusive) enquanto “homem de bem”. Por outro lado, um episódio ali relatado vai de

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encontro a relatos de moradores sobre a relação de Zito com a violência e o banditismo

locais. Segundo Gramado (p.122), ele teria conseguido adquirir alguns pontos comerciais

de pessoas que preferiram fugir da insegurança a enfrentar a criminalidade. Em algumas

das entrevistas que realizei com moradores, tal episódio foi mencionado. O tom, no entanto,

era outro. Algumas versões apresentavam Zito como “mancomunado” com os bandidos e,

portanto, usurpando os comerciantes, obrigando-os a venderem seus pontos e saírem da

região.

A essa altura, Zito já havia conseguido ampliar seu patrimônio e começava a explorar um

outro tipo de estabelecimento: os bares/ botequins. O primeiro deles, o Bar e Mercearia

Compre Bem, foi em sociedade com o irmão, Waldir. Pouco depois, compraram um galpão

na rua Copacabana onde abriram o Zitu’s Bar, contando com shows de música ao vivo e

serviço de bar. Um trágico incidente, no entanto — a morte de duas meninas próximo ao

bar — levou os irmãos a mudarem de ponto, indo, então, para a Praça Dr. Laureano. A esta

altura, Zito já conquistara relativa ascensão, tornando-se proprietário de alguns

estabelecimentos comerciais — desde mercearias e lanchonetes até bares e boites — mas a

sociedade com o irmão foi rompida depois da falência de um deles — e retomada algum

tempo depois. Entre fracassos e novos negócios, ele ingressou, em 1985, na Guarda

Municipal de Duque de Caxias. Mas foi somente a partir de sua entrada para a política que

à sua fama de “valente” somou-se a de “justiceiro” ou “matador”.

Conforme Barreira (op. cit, p.10), o pistoleiro é um “tipo lendário da sociedade brasileira,

especificamente da nordestina”. Tal personagem povoa o imaginário social,

primordialmente agrário (mas não exclusivamente), sendo estampado nos cancioneiros, nos

romances, na história oral e em relatos jornalísticos. É a partir de tal atributo em particular e

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da composição desse personagem que serão feitas algumas considerações relativas às

“falas” sobre Zito e sobre a violência política.

É no campo político, entretanto, que se estabelecem as maiores ambigüidades desta realidade na qual se insere a Baixada. A trajetória política de vários membros de grupos de extermínio, eleitos a partir da notoriedade adquirida enquanto matadores, nos dá toda a dimensão da tragédia das milhares de pessoas cuja única referência de segurança pública foi dada pela atuação dos esquadrões da morte, pelo controle exercido recentemente por traficantes e pela atuação comprometida do aparelho judiciário que, em mais de 90% dos casos de homicídios não consegue identificar a autoria dos crimes nem constituir processo (Soares, 1996).

Se os problemas estruturais e o retorno à democracia são levantados como questões-chave

para se pensar a violência e o aumento da criminalidade no Brasil (Peralva, 2000), a

referência à “cultura nordestina” (p.12) é também acionada — tanto nos discursos nativos

quanto em trabalhos acadêmicos — quando se trata da violência na Baixada136. A violência

do cangaço, dos coronéis, dos jagunços, dos grileiros, dos posseiros faz parte da história

local desde o século XIX137, pelo menos. Conforme tratado no primeiro capítulo, a região

foi palco de diversos episódios de violência e esteve à mercê de sua própria sorte. O

descaso do poder público implicou na centralização do poder e da força nas mãos dos

poderosos locais — nesse caso, políticos e fazendeiros e, mais tarde, políticos, empresários

e policiais (Benevides, 1983; Grynszpan, 1990b; Alves, op. cit., Souza, 1997).

136 Sobre a relação entre uma “cultura nordestina” e práticas violentas, consultar Barreira (op.cit.) e Freitas (2003), assim como os de Marques (1999) e Villela (1999). Já nos trabalhos relacionados à Baixada ver, por exemplo, Beloch (1986). 137 Tais discursos remetem à dimensão dos valores sociais, tais como a masculinidade, a honra e a lealdade, também abordados nos trabalhos de Peristiany (1971), Pitt-Rivers (1977), Peristiany e Pitt-Rivers (1992), assim como Herzfeld (1988) sobre honra mediterrânea.

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O trabalho de Barreira (op. cit.) consiste no estudo da pistolagem enquanto sistema,

enfatizando os pistoleiros — alguns deles tendo sido entrevistados, inclusive – bem como o

papel e o lugar dos mandantes, dos intermediários e dos discursos sobre as vítimas. O autor

preocupou-se em entender a articulação dos valores culturais por intermédio das narrativas

sobre o cotidiano do pistoleiro e das falas sobre a violência (legítima ou não; legal ou

ilegal). Ao desenvolver sua pesquisa, Barreira deparou-se com a notoriedade desse

fenômeno, não mais restrito ao universo rural, ao campo, mas presente também nas cidades,

onde a atuação de pistoleiros e os “crimes por encomenda” adquiriram formas mais

complexas e, como no caso estudado, passaram a ser encarados como “questão de

segurança pelo Estado”138.

O fenômeno da pistolagem é, atualmente, marcado pelos aspectos urbanos, deixando de ser um fenômeno apenas rural. A cidade de São Paulo tem uma média de 20 assassinatos por dia, sendo mais de 50% através de “pistolagem”. As motos, os capacetes passam a fazer parte dos crimes de aluguel, cometidos em movimentadas vias públicas (Barreira, 1998:54).

O relatório da CPI corroborou as conclusões de Barreira, apresentando um cenário

preocupante.

A impunidade é uma regra: das 1.646 pessoas assassinadas no campo, apenas 22 casos foram a julgamento. Existem localidades onde nenhum crime foi apurado, sendo vários os casos de homicídios que sequer deram origem a inquéritos policiais (Relatório final da CPI, 1994: 63 apud Barreira, op. cit., p.54).

138 O autor analisa mais especificamente três situações: a primeira referente à campanha para acabar com a pistolagem no estado do Ceará, promovida pelo governo local, através de sua Secretaria de Segurança Pública, entre o fim de 1987 e o começo de 1988. A segunda, refere-se à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Pistolagem, instaurada em 1992, a partir da iniciativa do deputado Edmundo Galdino (PSDB/TO), no Congresso Nacional; e a terceira, trata das eleições municipais de 1996 em Maracanaú, município do estado do Ceará, diretamente relacionada a crimes políticos.

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A situação no estado do Rio de Janeiro e, particularmente, na Baixada Fluminense não é

diferente do quadro delineado acima. Segundo o relatório Impunidade na Baixada

Fluminense, desenvolvido em 2005 por diversas entidades e pesquisadores, a região

apresenta índices alarmantes de criminalidade139. Acontecimentos como a chacina de 31 de

março de 2005 refletem a dura realidade dos moradores da região. O Laboratório de

Análise da Violência da UERJ fez um levantamento dos índices de violência letal a partir

de dados fornecidos pela Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça

e pelo DATASUS (certidões de óbitos). Nessa análise, o estado do Rio de Janeiro aparece

em terceiro lugar em número de homicídios no Brasil, em 1998, e em quinto, em 2002. A

Baixada, no entanto, apresenta uma taxa de homicídios 21% superior a do município do Rio

de Janeiro e a do estado como um todo. Ainda de acordo com as conclusões dos

pesquisadores, a despeito dos índices, não há como distinguir os homicídios ligados a

grupos de extermínios, à violência policial ou a crimes políticos. Não obstante essa

indiscernibilidade, os crimes na Baixada estão presentes nas diversas narrativas sobre o

modus operandi da política local.

A ambigüidade da conceituação revela-se no processo contínuo que engendra sua

constituição por atores diversos. Não há unanimidade quanto ao tema da violência e do uso

privado/ particular da força/ coerção física. Os episódios violentos e crimes que

permaneceram impunes e estamparam os jornais cariocas e fluminenses — desde os mais

populares aos de circulação mais ampla — refletem esse cotidiano no qual proliferaram a

utilização da coerção física por particulares ou mesmo os crimes de vingança.

139 As instituições responsáveis pela elaboração de tal relatório foram: CESEC, FASE, JUSTIÇA GLOBAL, Laboratório de Análise da Violência / UERJ, SOS QUEIMADOS e VIVA RIO.

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No caso de Zito, em particular, a identidade nordestina, de “homem valente” —

constantemente acionada — e provavelmente seu histórico de inserção no “mundo policial”

— por ter integrado a Guarda Municipal — podem ter fornecido elementos para algumas

dessas construções narrativas140. Uma espécie de “cultura do medo” — como assinalou

Barreira (p.63), ao tratar da relação entre pistolagem e eleições — apontaria os policiais

como uma das categorias menos confiáveis no universo estudado pelo autor. De forma

análoga, na Baixada, tais atores também estão sujeitos à mesma classificação negativa. No

entanto, ao mesmo tempo em que tais associações relacionam-se a um certo imaginário do

medo, os crimes podem conferir fama e prestígio em um universo social marcado pela falta

de segurança pública e pela privatização da coerção (física e moral). Dessa forma, a

notoriedade desejada e necessária em determinados contextos (ser escolhido para um

“serviço” específico; ser considerado um “vingador” por certos grupos) pode transformar-

se em um predicado pouco interessante em outros (conseguir votos para além do seu

universo eleitoral de origem, por exemplo).

Eleito vereador com base na limpeza que realizou no bairro onde morava, executando não só os possíveis ladrões e bandidos como qualquer um que o contestasse, assumiu a presidência da Câmara Municipal. Tendo acesso às máquinas da prefeitura, em troca do apoio e sustentação dados ao prefeito, ampliou sua já notória rede de clientelismo, realizando agora obras públicas de impacto coletivo. Arrolado como réu em um processo de homicídio doloso e após ter sido preso duas vezes pelo Ministério Público, elegeu-se deputado estadual, ganhando imunidade parlamentar por quatro anos, neste absurdo da legislação brasileira que, naquela época, garantia imunidade também para crimes comuns. (Alves, 2005: 27).

140 Tais conexões, no entanto, são descartadas pela deputada Andréia Zito e pelo próprio Zito, alegando que tais acusações foram forjadas por “inimigos políticos”, na tentativa de deter seu êxito eleitoral.

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“A bandidagem daqui se encolhe com ele […] Mas é assim mesmo: se fez, tem que paga(r)” (47 anos, taxista, morador de Duque de Caxias). “De repente, acontece um crime de grande repercussão na cidade. O assassinato do subsecretário municipal de Serviços Públicos, Ary Vieira Martins, em 14 de agosto de 1993, baleado na garagem da prefeitura. Era a cartada que o grupo que tentava se perpetuar no comando da cidade precisava para prejudicar o fenômeno de votos da Baixada [referindo-se a Zito]” (Gramado, op, cit., p. 150). “E teve gente que achou bom [referindo-se à fama de ‘matador/justiceiro’]. Que achava que seria bom pro lugar, pra defender as pessoas” (Andréia Zito, 26/04/2006).

A ambigüidade e a ambivalência são constitutivas das narrativas sobre a violência,

principalmente quando associada às práticas políticas. O agente de determinada ação ilegal

pode ser considerado “pistoleiro” ou “vingador”, implicando em um sistema classificatório

com remissão direta a valores e à sua hierarquização. Se ambos são criminosos sob o olhar

jurídico-legal, não o são necessariamente a partir das perspectivas dos diferentes grupos

atingidos por sua ação. A internalização de valores sobre a violência por determinados

estratos sociais implicará na maneira como esta é percebida e engendrada como aceitável

ou não; legítima ou ilegítima. Freitas (2003: p.89) já nos chamava a atenção para o fato de

que, a princípio, a violência seria sempre tomada como referência de negatividade por

aludir, normativamente ou não, à vida como valor universal (Arendt, 1989). Entretanto,

prossegue o autor, no plano da análise narrativa (em seu caso, referente ao universo do

trabalhador do mundo da cana), os fatos/casos e agentes, apesar de dispostos em uma

estrutura socialmente reconhecida, seriam representados de modos variados e, por vezes,

ambíguos.

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Os crimes por vingança, passionais ou ligados à honra são diferentemente percebidos e

avaliados em relação aos crimes encomendados, ao crime profissional. O rol de valores

associados a um tipo ou outro reporta-nos a visões mais ou menos sedimentadas

socialmente que tanto podem implicar em manifestações de apoio, quando se trata de “lavar

a honra” ou de “pagar com a mesma moeda”, quanto resultar em atribuições de

“crueldade” ou “ambição” quando envolvendo a dimensão do dinheiro e sua subordinação.

Sendo assim, os crimes políticos oscilariam entre a legitimidade ou não da ação,

indistintamente enquadrada como ilegal pelas esferas oficiais. Quaisquer que sejam os

argumentos e valores acionados a favor de determinada ação (por exemplo, um homicídio

de um rival político), são desqualificados pelo Estado que se outorga o monopólio da força

física e da aplicação dos valores sociais vigentes por meio do Direito e da legislação.

Contudo, o recurso bastante comum à diabolização do outro — no caso, a vítima –

(Wieviorka, 1997) pode produzir a imagem desejada e ser acolhido por determinados

grupos ou segmentos, não somente legitimando a ação, como também sobre ela elaborando

algum consenso e justificação moral.

A Baixada Fluminense, assim como Duque de Caxias, sempre esteve envolta em histórias

de crimes e de violência (dos criminosos, mas também do poder público – via abandono

e/ou atuação dos policiais). Os processos de identificação geralmente remetem a tais

experiências, seja para afirmá-las ou negá-las, mas de todo modo tornando-as palpáveis.

Reais mesmo para quem não as vivenciou diretamente e que, ainda assim, acaba

construindo um mapa da região, da cidade, do seu bairro a partir das narrativas (endógenas

e exógenas) sobre a violência141.

141 Ver, Campos (1987), Velho (1987), Zaluar (1985, 1994), Soares (1996), Silva (1999), Peralva (2000).

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A fala do crime (ou da violência), como ressalta Caldeira (2000), não marcaria apenas o

cotidiano das grandes cidades, mas reconfigura e re-semantiza o universo social mais

amplo. A re-siginificação do mundo a partir dos acontecimentos violentos é, para quem os

sofre — mas também para os demais — uma maneira de lidar com o corte, com a mudança

brusca na percepção da cidade e das relações sociais nela engendradas. Falar do crime é

uma maneira de se (re)colocar no mundo, assim como de entendê-lo a partir da ruptura

gerada pela experiência violenta. Nesse sentido, por intermédio das narrativas, a violência é

difundida, criada, apropriada e transformada.

Mais marcante (ou será presente?) em alguns momentos do que em outros, a violência deu

o tom dos mais diversos discursos sobre a Baixada e sua população, ainda hoje gozando da

infame reputação de “faroeste fluminense”.

Responsabiliza-se o poder público pela condição marginal da região, pelo abandono. A

falta de infra-estrutura, de aparatos coletivos e de segurança criariam as condições para que

a violência, nas suas formas mais diversas, proliferasse. Mas a política, ou melhor, os

políticos conseguiram transformar tais carências em capital político que lhes rendeu votos;

muitos votos. Somente o recurso ao uso da violência não seria capaz de dar conta do

sucesso de alguns atores políticos e o fracasso de outros. Tampouco explica por que alguns

policiais ligados a grupos de extermínio conseguem eleger-se e outros não; ou por que

alguns deles utilizam de maneira mais recorrente a temática da violência/justiça, enquanto

outros preferem expor outros temas, levantar outras bandeiras.

Se, no caso de Zito, as acusações não foram levadas adiante — ou pelo silêncio como

“tática de preservação da vida” (Freitas, op.cit.), ou por falta de provas materiais — sua

apresentação de si foi igualmente deslocando o foco na violência e evidenciando seus

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predicados como “um igual”, um “trabalhador como outro qualquer”. As carências e a falta

de infra-estrutura do bairro Dr. Laureano permitiram que Zito começasse a travar contatos

com políticos e funcionários da prefeitura e se constituísse como porta-voz e mediador das

reivindicações de sua vizinhança. Um dos primeiros contatos foi com o então vereador Dr

Heleno. A partir das relações que estabeleceu por meio das reivindicações de melhorias

para o bairro, Zito construiu o discurso sobre sua vocação política e sobre o imperativo do

exercício desse papel. A estruturação de tal narrativa conferiu inteligibilidade às ações de

mediação com o poder público e seus agentes, ao mesmo tempo em que o autorizou a “falar

por seu bairro”.

Corroborando a informalidade da resolução de problemas como regra geral, Zito — assim

como anteriormente Joca, em Belford Roxo (Monteiro, 2001) — atualizará a relação entre

tais ações e as práticas políticas142. Em um primeiro momento destaca-se como líder

comunitário e só mais tarde torna-se um legítimo mediador político. A princípio, Zito

guardaria algumas semelhanças com o que Monteiro (p.92) denominou líder marginal.

Como anteriormente abordado (capítulo 1), tal líder se destacaria em sua comunidade por

privilegiar a atuação em termos da resolução dos “problemas práticos”, diferenciando-se do

142 Jorge Júlio Costa dos Santos, o Joca — um dos principais nomes da política baixadense com quem Zito é, por vezes, comparado — ingressou na vida pública, em 1982, como vereador em Nova Iguaçu. Teve expressiva votação no distrito de Belford Roxo que, na época, ainda não havia sido emancipado. É apresentado por Monteiro (op.cit.) como um líder marginal, ou seja, como alguém integrado à sua comunidade e cuja existência só é possível frente à informalidade da resolução dos problemas locais. Nesse sentido, é um agente dessa informalidade, mas também um facilitador, na medida em que é ele próprio quem organiza e operacionaliza tal rede (idem, p.95). A ascensão política de Joca foi bastante rápida, assim como seu fim. Exatos treze anos de vida pública. Joca foi vereador por Nova Iguaçu durante três mandatos consecutivos — sempre por partidos diferentes (PMDB, PDT, PL) — e mantinha uma máquina assistencialista que distribuía desde brinquedos a comida. Por fim, elegeu-se o primeiro prefeito de Belford Roxo, em 1992, pelo PL, com mais de 80% dos votos, transformando-se numa espécie de herói local142. Ligado a acusações de uso da violência e participação em grupos de extermínio (Sousa, 1997; Alves, op. cit.; O Globo, 8/7/1992; Jornal do Brasil, 13/10/1992) ficou menos de três anos à frente da prefeitura. Sua heroicização teve como desfecho seu assassinato, em 20 de junho de 1995. Houve grande comoção e manifestações de tristeza e indignação por sua morte. A praça central de Belford Roxo foi tomada de gente e seu enterro acompanhado por uma multidão de moradores.

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líder assistencialista “que se aproximaria de uma determinada comunidade com a única e

exclusiva intenção de através da prestação de determinado serviço auferir benefícios

eleitorais”. Contudo, me parece complicado estabelecer uma separação estanque entre tais

classificações. Não obstante a percepção da experiência cotidiana do líder marginal, como

demarcar a intencionalidade de suas ações? Como determinar a priori se ele tem ou não

interesses político-eleitorais?

Grosso modo, para Monteiro (op. cit.), o agente assistencialista — ou “benfeitor” — parece

ser aquele que “presta” um determinado serviço à população sem, no entanto, compartilhar

seus problemas. Seriam “geralmente profissionais liberais ou comerciantes que

disponibilizam parte de seu tempo, capital ou propriedades para ‘servir’ à comunidade em

épocas de campanha eleitoral” (idem). Não haveria, portanto, um cotidiano, não haveria

relações de vizinhança nem tampouco uma rede de resolução de problemas práticos

permanentemente implementada. Novamente, a idéia de um destino compartilhado, de uma

experiência comum é acionada, possibilitando-nos pensar tais atores enquanto “[…]

individuals act in politics largely as members of groups” (Landé, 1977: 75)143.

O caso de Zito guarda algumas semelhanças com o de Joca: ambos são oriundos de

camadas populares, empreendedores — selfmade men — envolvidos em acusações de

pertencimento (ou contato com) grupos de extermínio, tendo ingressado no mundo da

política inicialmente com ações comunitárias, depois como vereadores e finalmente como

143 Nesse sentido, adoto o conceito de grupo enquanto “a set of individuals who share an attitude. They act together because they perceive that by doing so they are most likely to attain objectives consistent with the attitude which they share, and thus to gain similar individuals rewards. Groups often […] consist of persons whose common attitude stems from the fact that they have some similar 'background' characteristic such as sex, age, religion, occupation or social class” (Landé, 1977:76).

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prefeitos144. O fato de ser um comerciante/empresário local não desvinculou Zito de uma

experiência comum e tampouco de sua vizinhança. Suas ações implicavam a resolução dos

problemas práticos em seu bairro e, em alguma medida, nas adjacências, obtida por

intermédio dos contatos com o poder público e seus agentes. Deste modo, a atuação a partir

da rede de resolução de problemas práticos não pode ser pensada apartada das demais

relações sociais, estando estas comprometidas ou não com atores políticos145. O fim

exclusivamente eleitoral, sublinhado por Monteiro (op.cit.), só pode ser mensurado após a

sua explicitação e, portanto, sua percepção a partir de discursos diversos: o do interesse

pessoal e, nesse caso, o uso deliberado da condição de “líder local” ou, ainda, a velha

conhecida alegação de “chamado do povo” ou “a pedido dos amigos” e assim por diante.

Qualquer que seja a justificativa adotada, a relação entre a vivência de problemas, suas

soluções e a intencionalidade da ação nos possibilitará refletir sobre a atuação política

desses atores (líderes marginais ou não) em relação a um espaço físico específico (ao

menos em um primeiro momento, ligado às relações de vizinhança e à rede de resolução

dos problemas práticos)146.

Surge o Político Zito

Meu sonho era chegar a ser prefeito em minha cidade

144 Sobre grupos de extermínio, ver a dissertação de mestrado de Josinaldo Aleixo de Souza (1997), intitulada “Os grupos de extermínio em Duque de Caxias - Baixada Fluminense” (UFRJ). 145 Por outro lado, creio que o conceito em questão vincula-se à especificidade dos municípios recém-emancipados, nos quais se destaca o papel dos líderes comunitários e das expectativas das populações locais quanto à continuidade do “trabalho” por estes desempenhados como líderes marginais — agora, como agentes políticos. Sobre essa questão, ver capítulo 2, item 1.1 A municipalização de distritos baixadenses. 146 Apesar das semelhanças anteriormente apontadas, há também diferenças significativas entre Zito e Joca. Este último governou um município recém-emancipado, com carências de todos os tipos, o que implicou uma condução ainda mais personalista da administração e a resolução dos problemas nos moldes adotados em sua época de vereador. A cooptação de vereadores —convertidos em clientes — e de empresas locais operacionalizaram o exercício de seu mandato através de uma espécie de repartição/ divisão das áreas da cidade entre estas duas categorias, possibilitando assim que serviços básicos como a coleta de lixo, por exemplo, fossem finalmente disponibilizados para a população local (Monteiro, 2001).

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Zito, em 26/04/2006

Quando analisamos o surgimento de Zito como ator político147, uma geografia política

evidencia-se imediatamente. A construção de um lugar para si dentro do bairro e, com isso,

a obtenção do reconhecimento de sua capacidade em “resolver problemas” e de lidar com

políticos foi o ponto de partida para sua transformação de liderança comunitária a candidato

“ideal”. A própria noção de “ideal” já nos remeteria à percepção da entrada na arena

eleitoral como involuntária, dada pela vocação (Kuschnir, op. cit.). Aqui, novamente, o

“cálculo egoísta” é minimizado (Bourdieu, op. cit.), exaltando-se o engajamento como

comprometimento desinteressado.

Em 1988, a convite do então deputado federal e candidato à prefeitura de Duque de Caxias ,

Messias Soares, Zito candidatou-se a vereador pelo PTR (Partido Trabalhista Republicano),

sendo eleito com 1.770 votos. Sua campanha direcionou-se ao bairro de sua residência e

áreas adjacentes, contando com o apoio de familiares e vizinhos. Começava assim a vida

política de Zito, e sua escalada rumo ao poder regional.

“Eu, que não era filiado a nenhum partido, que não gostava de política, me filiei e me candidatei a vereador. […] Eu entrei para a vida pública em 1988 — candidato a vereador — na vontade de fazer alguma coisa pras comunidades nos bairros onde eu tinha uma certa credibilidade política, eleitoral. E tive uma sorte imensa de ser eleito […]”.

147 É importante destacar que muitos trabalhos sobre trajetórias políticas e eleições de modo geral marcam a pertinência do conceito de geografia eleitoral para a compreensão da atuação de políticos e cabos eleitorais. A trajetória de Zito corrobora este modelo não apenas no que tange seu aparecimento como personagem político mas, como demonstraremos aqui, no próprio desenrolar de sua carreira. Ver, a este respeito, os trabalhos de na coletânea organizada por Palmeira e Goldman (1996), Chaves (1996), Kuschnir (1993 e 2000), Lopez (2001), Borges (2003), entre outros.

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A entrada na arena política municipal não foi fácil. Seus pares não o receberam de braços

abertos. Zito não tinha qualquer intimidade com a rotina da Câmara e desconhecia o

habitus político. Sua apresentação, tanto quanto seu “estilo”, colocavam-no à margem,

distanciado dos demais parlamentares. Era chamado de “peão” — segundo ele mesmo

contou a Gramado (op. cit.) — por “estar sempre sujo de lama”. Sua proximidade com o

eleitor pobre incomodava duplamente. Primeiro, porque configurava uma ameaça no

momento de disputar os votos, em eleições futuras. Segundo, porque aquela forma de

apresentar-se “simplesmente vestido”, “como um qualquer”, “desarrumado” diluía a

fronteira entre o mundo ao qual ele pertencia anteriormente — como um “morador comum”

da cidade — e seu novo status, de homem público, de vereador.

A importância da apresentação de si e da performance dos atores sociais (Goffman, 1975)

nos remete à relação entre identidade, relações sociais e autoconstrução de imagens. Nesse

sentido, a apresentação de si demarca de maneira mais imediatamente visível fronteiras

simbólicas — no caso, entre o morador pobre e o político profissional — forjando

distinções, da mesma forma em que pode, em determinadas circunstâncias e lugares,

expressar a hierarquia como valor social. É interessante perceber que distinguir-se do

eleitor-morador é também condição para o reconhecimento do político enquanto tal. A

afirmação recorrente de alguns moradores referindo-se a políticos/ candidatos: “ele é como

a gente” ou, ainda, “ele é um de nós” não contradiz a percepção do político como alguém

especial. A suposta igualdade anteriormente mencionada refere-se muito mais ao

reconhecimento de possíveis laços identitários e/ ou de relações específicas do que à

persona política em si.

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As mudanças na vida de Zito não foram ocasionadas somente por seu ingresso na vida

pública. No ano de 1988, em seu primeiro mandato como vereador, conheceu Narriman

Felicidade em uma festa, por intermédio de um amigo casado com a irmã dela. Narriman,

na época, com 33 anos, era formada em engenharia e cursava pós-graduação na Fundação

Osvaldo Cruz. Sua família residia em Bangu, bairro da Zona Oeste carioca. De acordo com

a biografia de Zito, houve a princípio alguma resistência ao relacionamento, colocada em

termos da diferença social entre os dois – ela, pós-graduanda e ele, “que mal havia

estudado”; ela moradora do Rio (ainda que do subúrbio carioca) e ele, da Baixada148. A

diferença social entre as famílias expressa-se na narrativa de Gramado quando o autor

menciona a surpresa (“susto”) de Narriman ao conhecer o lugar onde os Camilo dos Santos

residiam. Segundo o depoimento de Zito ao jornalista (p.143), “ela ficou horrorizada

quando foi à minha casa. Achou o bairro uma tragédia, sujo, com ruas de barro e barracos

amontoados, tudo feio. Disse que ali não moraria de jeito nenhum. Eu falei que era melhor

só ficarmos namorando, então, porque dali não sairia”. A partir desta conversa, Narriman

voltaria atrás em sua posição e a ênfase do relato biográfico recai sobre o engajamento/

identidade de Zito com o lugar de moradia e sua população. À companheira, que mais tarde

será bem mais do que uma aliada política, é atribuído um lugar de destaque na biografia —

exaltando-se sua escolaridade, sua formação, “com pós-graduação” — que coincide com a

ascensão política de Zito.

148 A alusão à resistência da família de Narriman ao namoro reflete a hierarquia de cidades e bairros existente no mapa social e a própria flexibilidade da atribuição valorativa a lugares. Neste caso, para o morador da cidade do Rio de Janeiro, a Baixada Fluminense aparece como um lugar violento, distante, perigoso. Por outro lado, para o morador da Baixada, suas cidades são melhores do que alguns bairros cariocas, principalmente quando a comparação se dá com favelas ou bairros do subúrbio carioca. Assim, a contextualização de tais classificações permite evidenciar o lugar de onde se fala, para quem se fala e o que se pretende demarcar com tal “fala”. Esta é aqui pensada como uma ordem instauradora do real, como potência virtual. Sobre as imagens do subúrbio carioca e as identidades a elas relacionadas, ver, por exemplo, Heilborn (1984) e Kuschnir (2000[1998]).

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Seu projeto político delineia-se mais claramente a partir de 1990, com o ingresso no PTB e

a candidatura para a ALERJ. Na ocasião, já casado com Narriman, Zito havia conquistado

seu eleitorado valendo-se da imagem de “homem de ação” (relacionada à violência, à

“limpeza do bairro”, ou não) e costurado algumas alianças locais. Na disputa por uma vaga

na ALERJ, mesmo tendo obtido 11.300 votos (TRE/RJ), não conseguiu ser eleito, ficando

com a primeira suplência149.

Na eleição municipal de 1992, já pelo PSB, foi o vereador mais votado da Baixada

Fluminense, com 7.100 votos — e Moacyr do Carmo (PFL) voltava novamente ao

executivo de Duque de Caxias. Se a votação demonstrava o prestígio de Zito (relacionado

ou não à questão da violência), ele não era suficiente para garantir-lhe a condição de

mediador político. A inexperiência em lidar com seus pares e as desavenças com o

deputado caxiense Alexandre Cardoso, um dos nomes em evidência no cenário estadual —

e o responsável pelo convite para que Zito ingressasse no partido — o levou a deixá-lo .

“[…] Zito resolveu correr por conta própria. Arranhou o prestígio negociando apoio sem ouvir os líderes do partido. Um dos que estavam observando-o era o Alexandre Cardoso. Independente desse controle, Zito decidiu apoiar Moacyr do Carmo. Numa reunião entre os dois, acompanhada por Lacerda, ficou determinado que ficaria com a Secretaria de Obras. [citando Zito]: ‘Por quê? Porque queria trabalhar. Se a tivesse nas mãos naquela época, já teria promovido uma verdadeira modificação no município. Nem exigi que me dessem o secretário, que seria um nome deles mesmo. Mas o restante dos cargos seriam [sic] meus. O que acabou não acontecendo, já que tive que sair do PSB porque o Alexandre Cardoso não aceitou o que eu fiz. Fiquei sem nada’” (Gramado, op. cit, p.148).

149 Sobre o PTB, ver Ângela de Castro Gomes (1988).

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Ainda em 1992, Zito teve a oportunidade de assumir a vaga na ALERJ e ficou seduzido

pela idéia. “Aquilo era um verdadeiro mundo para mim, fiquei alucinado vendo o palco de

importantes decisões de todo um estado, os carros dos parlamentares. Mas não deixei o

poder me subir à cabeça” (idem, p.149). Optou, no entanto, por continuar seu mandato e

posteriormente conquistar a presidência da Câmara Municipal.

No biênio 1992-1993, enquanto era Presidente da Câmara Municipal de Duque de Caxias,

Zito foi acusado pela morte de Ary Vieira Martins. Segundo depoimentos divulgados por

jornais, as desavenças entre ele e o subsecretário de Serviços Públicos da Prefeitura de

Caxias em torno de obras, materiais e equipamentos teriam motivado o crime. De acordo

com Gramado (op. cit.), a acusação não passava de uma armação de inimigos políticos,

enfurecidos com seu sucesso eleitoral e com a promessa política que representava. Assim,

os desafetos teriam se aproveitado de um assassinato — mesmo o mandante e o assassino

sendo réus confessos — para imputar a Zito a responsabilidade pelo ocorrido e “sujar” o

seu nome. Na ocasião, ele chegou a ser acusado e teve até mesmo a prisão preventiva

decretada150. Diferentes discursos e versões foram construídos a respeito do episódio,

alguns o incriminando, outros, o defendendo. A sua própria versão é reproduzida abaixo,

assim como de importantes jornais da época:

“[…] A maquiavélica engrenagem foi colocada em movimento e o passo seguinte foi mais covarde […] A prisão foi decretada, em 25 de agosto de 1993, com base

150 Grande destaque é atribuído ao fato de que, nessa mesma noite, sua esposa, Narriman Felicidade, teria se convertido ao protestantismo. O contato com o mundo evangélico seria anterior, a fim de buscar “equilíbrio” — na época em que seu marido já estava no segundo mandato como vereador. Dr. Heleno e sua família são mencionados em tal passagem, já que teriam sido eles os responsáveis por levar membros da Assembléia de Deus à casa da família, na noite da prisão de Zito. Marca-se assim, com um acontecimento dramático, a conversão de Narriman. Zito, por sua vez, se auto-classifica como cristão sem, no entanto, vincular-se a nenhuma uma religião em especial. Afirma que sua esposa e filha são evangélicas — Andréia pertencendo à Igreja Maranata.

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numa suposta ameaça de morte sofrida, indiretamente, por Sadarx [filho da vítima]. […] Ao chegar à Câmara, Anilton [advogado de Zito] notou a presença de vários policiais em torno do prédio. Quatro deles cercavam Zito no interior do gabinete. Um dos policiais, após perguntar a Anilton se ele era o advogado de Zito, colocou sobre a mesa o mandado de prisão temporária. ‘Logo verifiquei que não constava[m] números de processo ou de inquérito, dados referentes ao tombamento dos autos, entre outros. Quer dizer, tinha alguma coisa diferente por ali’, lembra Anilton”(ibidem, pp. 151-152)151. O Presidente da Câmara de Vereadores de Duque de Caxias, José Camilo Zito dos Santos Filho, foi preso no início da noite de ontem sob a acusação de estar ameaçando de morte a principal testemunha de um homicídio encomendado por ele. A prisão temporária de Zito, com prazo de cinco dias, foi pedida pela promotora Tânia Moreira Salles. Ele foi levado para a 59ª. DP (Caxias), onde está numa cela comum, porém individual. (Jornal O Globo, 26/11/1993) O juiz da 4ª. Vara Criminal de Duque de Caxias, Caio Ítalo, decidirá, segunda-feira, se renova ou não a prisão temporária do presidente da Câmara de Vereadores do município, José Camilo dos Santos, o Zito (PSDB), preso desde quita-feira na 59ª. DP [...] Para o delegado, o principal motivo do assassinato do subsecretário – que consta do inquérito – foi a política de moralização adotada por ele na administração da garagem municipal. Ari criou o projeto Mãos Limpas do município e afastou 20 pessoas acusadas de desviar combustíveis e peças de carros de garagem. (Jornal do Brasil, 27/11/1993)

Apresentando o “caso” como uma “armação” dos adversários políticos, Zito conseguiu

habeas-corpus e foi solto no dia seguinte. Começava ali a polêmica com a promotora Tânia

151 Tal episódio é extremamente marcante (e controverso) na trajetória de Zito. De modo distinto ao que é relatado na biografia de seu pai, Andréia Zito afirmou em entrevista que, na época, “a viúva mesmo declarou que meu pai era inocente e que ela sabia quem era o mandante. Só que não podia falar nada porque estava ameaçada de morte, com medo, é claro. O filho e a própria viúva tinham certeza que não era meu pai” (26/04/2006).

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Maria, noticiada nas páginas dos jornais e abordada na tese de doutoramento de Alves

(op.cit.).

A seguir, um encontro marcante resultaria em uma nova troca de partido e em uma aliança

que se mostraria decisiva ao longo de toda a trajetória de Zito. Em 1993, como presidente

da Câmara dos Vereadores, conheceu Marcello Alencar. “Achei ele um político diferente

de todos que eu já tinha conhecido. Getúlio Gonçalves, Alexandre Cardoso, Hydekel,

Lacerda, Messias Soares e, aí, eu fui para o PSDB junto com o Marcello.” (Zito,

26/04/2006).

Em 1994, já pelo PSDB, teve novamente a prisão decretada, agora pelo juiz Cairo França

Davi, do Tribunal do Júri de Duque de Caxias. O vereador e, agora candidato a deputado

estadual, foi detido no dia 9 de setembro, no Aeroporto Internacional, enquanto aguardava

a chegada do candidato de seu partido à Presidência da República, Fernando Henrique

Cardoso e levado ao Ponto Zero em Benfica152. No entanto, — e ainda sob a acusação de

homicídio — foi eleito deputado estadual, com 34.373 votos (sendo 30.484 somente em

Duque de Caxias), ficando entre os dez mais votados para a ALERJ153. Em 7 de dezembro

de 1994 conseguiu novo habeas corpus concedido pelo desembargador Décio Góes e em

15 de dezembro foi diplomado deputado estadual154. Em 1995, Zito estava à frente da

Comissão de Orçamento da ALERJ e era novamente denunciado, agora através do

procurador-geral Hamilton Carvalhinho. Os jornais cariocas apresentavam as acusações e a

152 Jornal do Brasil, 13/09/1994. O jornal O Globo, 14/09/1993 também deu destaque à prisão e à concessão do habeas corpus pelo desembargador Mário Magalhães que, no entanto, voltou atrás em sua decisão e juntamente com outros desembargadores cassou a liminar. Zito, no entanto, não ficou preso. 153 Sobre a relação entre política e violência, ver Soares (1996) e seus desdobramentos para a Baixada Fluminense em Benevides (1983) e Souza (1999 e 2000). 154 A diplomação, com ênfase na acusação de homicídio, foi noticiada pelos jornais O Globo e Jornal do Brasil de 16/12/1994.

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reabertura do processo contra Zito que poderia ser cassado, chamando atenção ao fato que

talvez o sonho do deputado de concorrer à prefeitura de Caxias estivesse arruinado155.

Na década de 1990, as emancipações de Belford Roxo, Japeri e Mesquita descortinaram

novos arranjos políticos. Nomes como os de Joca — que, apesar de curta vida pública é

lembrado como um dos principais políticos da Baixada — ou da família Paixão

conquistaram significativo espaço na vida política local. Desse modo, na eleição de 1996,

o capital simbólico acumulado por Joca — já falecido — ainda garantiu a eleição de sua

viúva que, com o slogam “Maria Lúcia é Joca”, conseguiu 90.383 votos contra 31.920 do

segundo colocado, o deputado estadual pelo PSDB, José Renato de Jesus — mesmo

amparado em um sistema de distribuição de sacolões e perpetuando no poder a rede

política ligada a Bornier156.

Zito, por sua vez, sob novas denúncias que ligavam seu nome a mais três assassinatos, já

fazia articulações para o pleito municipal mesmo antes de 1996157. A intenção de disputar o

cargo de prefeito não se concretizaria sem alianças importantes. Washington Reis (na época

filiado ao PSC e deputado estadual como Zito) foi consultado sobre uma possível

coligação e sobre a viabilidade de lançar seu nome como vice na chapa encabeçada pelo

PSDB.

“Ele também tinha as pretensões políticas dele, e a pretensão de ser prefeito. E eu disse a ele que se

155 Jornal do Brasil 08 e 12/09/1995, O Dia, 20/09/1995. 156 Outro nome que remete à vinculação entre violência e política é o do advogado criminalista Carlos Moraes. Eleito prefeito de Japeri, em 2000, pelo PDT, esteve envolvido em diversos episódios de conflito e, até mesmo, de agressões físicas. Acusado de ligações com “bandidos” e de fazer ameaças de morte a seus adversários, tentou a reeleição (PSC), mas foi derrotado pelo pastor Bruno (PSDB), por 22.824 votos contra 21.097. 157 Em outubro de 1995, outra denúncia rondava Zito. Dessa vez, de envolvimento em mais três assassinatos publicada pelo jornal O Dia de 03 de outubro de 1995. Em outra matéria, com o mesmo conteúdo, o jornal em 17 de janeiro de 1996 dava voz a Sidney Tavares, guarda-municipal e principal testemunha de acusação no inquérito sobre a morte de Ary Vieira, que declarou que Zito também era o mandante do assassinato de um jovem de 14 anos e de um feirante de 35 anos em 1988 e 1989, respectivamente.

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viéssemos nós dois candidatos, nós perderíamos a eleição e novamente o Hydekel venceria, ele ganharia. E que nós fizéssemos uma dupla que seria quase imbatível porque o que faltava pra eu ganhar as eleições era o apoio dele […] Ele aceitou ser o meu vice, até porque ele era muito jovem e o desejo dele era ser o prefeito de Caxias. E ele foi o meu vice e ganhamos as eleições”(Zito, 26/04/2006).

Foi a partir deste momento que Zito ganhou visibilidade na grande mídia. Ainda nessas

eleições, ele — no PSDB — conseguiu eleger-se para o primeiro mandato em um cargo

executivo, tornando-se prefeito de Duque de Caxias em um pleito disputadíssimo com o

ex-prefeito e ex-senador, Hydekel de Freitas. No primeiro turno, Hydekel (PPB), com

114.866 votos, estava tecnicamente empatado com Zito, que obteve 114.302 votos. As

alianças no segundo turno possibilitaram uma reviravolta e a eleição deste último com

195.778 votos, contra 142.309 do adversário. Atribuindo esta vitória à “credibilidade que

o povo deu a um homem que veio das bases, de origem humilde e ao cansaço e à perda de

esperança nos políticos que por Duque de Caxias passaram” (idem), Zito entrava para a

história política de Caxias.

“Em 1996, eu me candidatei para prefeito, venci as eleições e comecei um trabalho muito sério, com a intenção enorme e a vontade de fazer da minha cidade uma cidade diferenciada. Até então era vista como a cidade do bangue-bangue, a cidade do mal, a cidade da sujeira, dos políticos sem credibilidade, dos coronéis, dos doutores. Na política, eu que vim das bases humildes, tinha a chance de mostrar o outro lado de uma política mais direcionada ao trabalhador” (Zito, ibidem). No último round da briga entre o governador Marcello Alencar e o prefeito César Maia na Baixada Fluminense, os dois ganharam – e perderam. Em Duque de Caxias, venceu o deputado estadual José Camilo Zito dos Santos. O tucano virou o jogo no segundo turno e derrotou io ex-prefeito Hydekel de Freitas (PPB) [...] César Maia saiu vitorioso em São João de Meriti, onde o deputado estadual Antônio de Carvalho (PFL), que também ficou

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em segundo lugar no primeiro turno, venceu o deputado federal Candinho Mattos, do PSDB. (Jornal do Brasil, 16/11/1996)

Durante o primeiro mandato, Zito promoveu uma administração de muitas obras. Calçando

ruas, construindo e reformando escolas, postos de saúde, praças etc., ele se fez notar158. A

construção de um aparato assistencial municipal para a população caxiense, incluindo

projetos diversificados — como o para a terceira idade, por exemplo — fazia com que sua

gente o visse como um benfeitor (Chaves, 1996) que legitimava o atendimento sob a

rubrica de “ação pública”, colocando-se, assim, como provedor ou doador

desinteressado159. Tais iniciativas possibilitaram a arregimentação de um séquito de

vereadores, sua administração caracterizando-se pelo clientelismo interno à Câmara

Municipal — de maneira similar ao analisado por Lopez (2001) em seu trabalho sobre

Araruama. Como ressalta este autor, o vereador é percebido como alguém que tem como

obrigação servir à população e, nesse sentido, a categoria trabalho passa a ser evocada

como sinônimo de serviço de assistência, como trabalho assistencial. É comum escutarmos

frases como “Fulano sempre trabalhou pra comunidade” ou ainda “Ele faz um trabalho

muito bom aqui no bairro”. Tais afirmações nos levam de encontro à própria lógica em

jogo. Kuschnir (2000) já nos havia alertado para tal percepção acerca do papel do vereador.

No caso por ela estudado, era justamente dessa forma que a vereadora de Roseiral concebia

sua atuação política. O atendimento era uma obrigação, um dever que, se por um lado

implicava em “amarrar” o eleitor e garantir ao vereador seu lugar no mundo da política, por

outro também remetia à própria construção de identidade no interior deste universo. Assim,

158 De acordo com dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Comunicação e Promoção de Duque de Caxias, nesta administração teriam sido pavimentadas três mil ruas na localidade, além da extensão do serviço de coleta de lixo, da drenagem de rios, da instalação de nova iluminação (a vapor de sódio), do passe livre para estudantes da rede pública e do aumento do salário do professor em início de carreira para R$1.000,69. 159 Idem, p.135.

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a lógica da dádiva (idem) pode ser estendida para outros cenários pesquisados como Buritis

(Chaves, op. cit.), Araruama (Lopez, op. cit.), Recanto das Emas (Borges, op. cit.) ou, no

caso desta tese, a Baixada Fluminense.

À frente da Secretaria de Meio Ambiente, Zito colocou sua esposa, Narriman, que ganhou

visibilidade por intermédio das polêmicas em torno do aterro sanitário de Gramacho. Nesse

meio tempo, Andréia trabalhava diretamente com o pai na Secretaria de Governo e, como

ela própria ressalta, “não era uma função política, era mais administrativa, interna”.

A alocação de parentes em cargos “de confiança” é uma prática antiga e recorrente em

nosso país que, para além de explicitar o nepotismo, traz à tona a dimensão da obrigação

social (Queiroz, 1976), segundo a qual trata-se de um dever para com a família e a forma

mais eficaz de impedir que tais cargos sejam ocupados por outros grupos políticos

formados no momento da eleição — mas que, na realidade, continuam a disputar acessos

fundamentais para manterem-se na arena política160. No caso de Narriman, sua nomeação

tinha dupla justificativa, segundo a lógica em questão: ela era a esposa do prefeito —

portanto, alguém de extrema confiança — e, por outro lado, possuía habilitação técnica,

sendo pós-graduada pela Fundação Osvaldo Cruz. Era dessa forma que Zito costumava

justificar sua escolha para quem o acusasse de nepotismo, ao mesmo tempo em que

garantia uma importante secretaria a um aliado.

A visibilidade na Secretaria de Meio Ambiente rendeu a Narriman o capital político

necessário para que pudesse compor, em 1998, a chapa como vice-governadora ao lado de

Luiz Paulo Corrêa da Rocha pelo PSDB — obtendo o terceiro lugar em votos (110 mil só

em Duque de Caxias).

160 Ver, a este respeito, Bezerra (1995), Kuschnir (op.cit.) e Lopez (op.cit.).

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“Aqui, a gente pode falar que tinha Caxias antes e depois do Zito. Ele mudou a cara da cidade. Isso não dá pra negar” (Entrevista com Sr. C., 64 anos, morador de Duque de Caxias apud Barreto, 2004: 54-55). Segundo todas as evidências, [Zito] está fazendo uma boa administração. As vagas nas escolas públicas subiram 35% e os professores ganham R$ 700 mensais. Ele se dá ao luxo de realizar sonhos acalentados na infância de menino pobre. Comprou, por exemplo, três ônibus com ar-condicionado e videocassete para levar os alunos da rede pública a pontos turísticos como o Pão de Açúcar e o Corcovado no Rio. "Não conhecem o mar", justifica. Zito gosta de lembrar que se elegeu prefeito contra "a oligarquia que mandava em Caxias há 30 anos e que tinha o apoio de Cesar Maia, Garotinho e até do Paulo Maluf". Ninguém ousou discordar. Afinal, Zito é o Rei da Baixada. ‘O povo diz que sou um mito, mas o poder não me subiu à cabeça’, jura. (Revista Isto É, Especial Eleição 98, 14/10/1998).

Ainda naquelas eleições, Zito faria um de seus maiores inimigos políticos, o então

candidato ao governo do estado, Anthony Garotinho (PDT)161. Durante a campanha para o

segundo turno, César Maia (PFL) e Garotinho disputavam o apoio do prefeito de Caxias

que já gozava de prestígio — tendo conseguido eleger a filha, Andréia Zito, de 24 anos

(pelo PSDB), com quase 60 mil votos. O prefeito caxiense aproveitou a oportunidade para

demonstrar seu peso político e atrair a imprensa.

“César Maia e Garotinho estão me procurando por causa de minha performance nestas eleições. O Luiz Paulo (Corrêa da Rocha) teve em Caxias uma de suas melhores votações. Eu transfiro votos por isso querem meu apoio”,

161 Ressalto que as classificações operadas para (e pelos) os atores políticos são bastante dinâmicas. Nesse sentido, Garotinho ser aqui tomado como inimigo não impede que em outros contextos as alianças possam vir a constituir-se. Sinalizo aqui a constituição de grupos e de redes políticas que, no entanto, se fazem e desfazem com relativa rapidez. Como me disse em entrevista, o ex-deputado federal cassado, Fábio Raunheitti, falecido em dezembro de 2005, “na política, a gente não tem amigos nem inimigos; tem interesses”.

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diz, sem modéstia, o prefeito [Zito]. (Jornal do Brasil, Perfil, 07/10/1998)

Em uma situação, no mínimo, inusitada, colocou os dois candidatos frente a frente, em um

debate promovido em Duque de Caxias para uma platéia por ele escolhida — e

denominada, pela Revista Isto É (14/10/1998), “Movimento Popular da Zitolândia”. Entre

promessas de ajuda política e juras de fidelidade a Zito, os candidatos passaram por uma

espécie de sabatina pelos presentes no auditório. Zito decidiu-se então pelo apoio a César

Maia que acabou perdendo a eleição — e, desde então, a relação com Garotinho é

extremamente complicada.

Em seu primeiro mandato como deputada, Andréia retomou a atividade desenvolvida pelo

pai durante a atuação como vereador, reocupando o QG do bairro Dr. Laureano. Em um

espaço no terreno da própria casa, Zito costumava oferecer atendimento à população. O QG

de trabalho162 — como preferem chamar — teria sido uma exigência da população,

desativado assim que Zito ganhou o primeiro mandato executivo. Apesar de seu discurso

durante nossa entrevista ter sido pautado na crítica ao assistencialismo difundido, de modo

geral, em todo o território nacional e não apenas na Baixada — e apesar de ter direcionado,

em vários momentos, suas críticas ao ex-governador do Rio, Anthony Garotinho — quando

perguntado a respeito de sua própria utilização desta prática política, a resposta que deu

contradiz o depoimento dado por sua filha. Zito afirma não mais possuir qualquer centro de

assistência e que o QG que mantinha, há muito havia sido desativado. Andréia, por sua vez,

162 Para Zito, o QG de trabalho é um “ponto de referência”, ou seja, a representação máxima da territorialidade do voto, de sua base eleitoral — que, em seu caso, concentrava-se no bairro Dr. Laureano. Ainda segundo ele, depois de ser eleito deputado — e, mais tarde, prefeito — não havia mais sentido em sua manutenção pois, a partir daí, a política a ser desenvolvida não seria estritamente “local”, e sim “mais ampla, geral, pra população como um todo”. Há portanto em sua fala uma diferenciação marcante entre o fazer político do vereador (local e de assistência) e, de outro lado, o do deputado e o do prefeito (mais geral).

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menciona ter sido procurada pela população do município, solicitando a reabertura de tal

centro.

“Eu tive um QG de trabalho. [ênfase dada pelo entrevistado]. Funcionava com o trabalho de médicos do município. Eu era vereador, eu cedia. Trabalhava como ponto de referência enquanto eu era político-vereador; depois deputado, prefeito, aí não tem porquê mais” (Zito, 26/04/2006). “Eu não acho certo isso. Essa coisa de assistencialismo. Meu pai tinha o QG quando era vereador, mas depois parou. Depois que eu fui eleita, as pessoas vieram me procurar e solicitaram que eu reabrisse. Eu não tinha como negar. Então nós voltamos a atender a população, ali, da Dr. Laureano. Mas é só esse. Nós não temos centros assistenciais porque não acreditamos nesse tipo de política” (Andréia Zito, 26/04/2006). “Agora, a gente tem lá um cinema comunitário. Você precisa ver a felicidade deles. Aqueles olhinhos brilhando de frente pra tela. Na Baixada, você sabe, a gente não tem atividades culturais, a gente não tem opção. Então essa é uma opção pra eles. Tem gente que nunca foi ao cinema na vida” (idem). “Os pobres, os trabalhadores, esses são vítimas dos políticos profissionais. Esses políticos não trabalham. Talvez pra eles seja muito mais fácil não lutar pela escola pública de qualidade, pelo ensino profissionalizante, pela universidade pública [...] pra ele, talvez seja mais fácil concentrar força no dinheiro — não sei se legal ou ilegal, não posso aqui avaliar — e fazer centros sociais pra atender a uma população aqui, ali, acolá, porque o pobre quer comida, quer assistencialismo de qualquer jeito […] O cara fala: ‘Mas você, Zito, é contra o restaurante popular a R$1,00’. Eu não sou contra. Tem que ajudar o pobre, o necessitado, mas tem que fazer com que ele cresça. Não pode incentivar a ele que aquilo ali é bom. Aquilo é um sustento naquele momento, mas que é muito melhor ele estudar, trabalhar […] Eu sou contra essa coisa de assistencialismo, essa política vergonhosa, barata […] Grande parte dos políticos não quer acabar com a pobreza, porque senão acaba com os currais eleitorais que eles têm

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como o senhor daquele campo eleitoral que ele domina”163 (Zito, 26/04/2006).

No ano seguinte, em novembro de 1999, o nome de Zito foi novamente associado à

violência. Naquele ano, foi instaurada na ALERJ, uma Comissão Parlamentar de Inquérito

(CPI), que tinha como finalidade apurar algumas denúncias sobre a rede de narcotráfico

que atuaria no Rio de Janeiro e a relação de seus membros com alguns agentes políticos.

Sendo assim, foram realizadas algumas diligências em lugares apontados pelas denúncias

entre novembro de 1999 e junho de 2000 quando, por fim, os sub-relatores — deputados

Laura Carneiro, Paulo Baltazar e Wanderley Martins — deram por concluído o

inquérito164. Após terem sido apuradas as denúncias do advogado Edson Lourival dos

Santos contra Zito (de que fazia parte de um grupo de extermínio na Baixada Fluminense e

de que teria recebido ajuda do narcotraficante Niltinho do Dendê), chegou-se à conclusão

de que não havia provas materiais contra o prefeito de Caxias, pondo em dúvida “a

verdadeira intenção das denúncias que [o advogado] encaminhou a esta CPI”.

Ascensão e Declínio Do Mito

Eu peço desculpas, perdão, à população desses dois municípios[Belford Roxo e Magé], mas infelizmente não foi de vontade minha fazer tão somente com que eles tivessem o

poder, mas sim que eles fossem úteis às cidades em que governavam. Mas não foi possível, mais uma vez eu quero deixar bem claro que foi um erro meu, político, em fazer os dois

prefeitos. Zito, 26/04/2006.

163 Na tentativa de desvincular-se do discurso acusatório do assistencialismo, Zito corrobora algumas imagens sobre a pobreza e as camadas populares, segundo as quais “o pobre, o trabalhador é um acomodado por natureza”, ou ainda a associação entre pobreza e violência, pobreza e prostituição etc. “O que mais você percebe nessa classe é a jovem grávida, a mãe de família sem o pai, o crescimento desordenado da família. Isso vai gerar o que? Vai gerar violência”. 164 Em abril desse ano, novamente o caso do assassinato de Ary Vieira é retomado. Agora pelo procurador-geral Muinos Pinheiro Filho (Jornal do Brasil, 21/04/1999).

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Mesmo em meio a denúncias, 2000 revelou-se irrefutavelmente o ano de Zito. Bastante

assediado pela imprensa, colocou à mostra todo o seu poder e influência políticos e não

apenas por meio de sua reeleição — com 81,06% de aprovação e a expressiva votação de

315.679 contra 27.950 votos do segundo colocado, Geraldo Moreira (do PDT) — sendo

apresentado pela imprensa como um “fenômeno eleitoral” (TRE/RJ) e deixando o genro de

Tenório Cavalcante, Hydekel de Freitas, em quinto lugar.

“Minha segunda eleição foi por mérito. Na primeira, foi por uma falta de opção e uma

vontade de mudança. Eles viram [a população/ os eleitores] em mim uma chance muito

remota, mas cansados e sem esperança, deram o voto a mim e me fizeram prefeito.”

A aliança com Washington Reis, alinhavada para o primeiro pleito executivo, não duraria

muito. Este último deixou o cargo de vice em 1998, reassumindo o mandato de deputado na

Assembléia. Para Zito, Washington

“faz de tudo para alcançar os seus objetivos. Ele não foi candidato a prefeito em 2000 porque sabia que não tinha condições de me vencer. Senão, ele seria candidato contra mim. Mas nós tivemos sempre um bom diálogo, uma boa convivência. Eu sei também que ele só foi meu vice porque não tinha jeito, não tinha como ele vencer. Ou a gente se unia pra vencer ou o Hydekel ganharia. E ele é esperto, é muito mais político, talvez, do que eu, nessa visão de negociação e de interesse pelo poder, sede pelo poder”.

Zito também teve papel fundamental nas eleições de sua esposa e de seu irmão para

prefeituras-chave da Baixada. Waldir foi eleito em Belford Roxo, pela coligação PPS/ PTB

/ PRN / PMN / PST, derrotando a ex-prefeita, Maria Lúcia, por 89.495 votos contra 73.640.

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Em Magé, Narriman derrotou Nelson do Posto (PDT) e Núbia Cozzolino (PTB), dois

caciques locais — com 35.802, 32.589 e 27.453 votos respectivamente165.

“Presidente do diretório local do seu partido, elegeu-se prefeito e se reelegeu. Nesta reeleição [2000], conseguiu emplacar dois parentes seus como prefeitos em outras duas cidades da Baixada e um outro familiar ocupando a Assembléia Legislativa do Estado. Somados os votos dessa família, aproximamo-nos do meio milhão de votos” (Soares, op. cit., p.27).

A derrota de Maria Lúcia significou mais do que a inclusão de um novo município no rol

de influência de Zito. Correspondeu a uma tomada de posição frente à rede política do ex-

prefeito de Nova Iguaçu e deputado federal Nelson Bornier na região. Em Belford Roxo,

Bornier apoiou Maria Lúcia, juntamente com Antônio de Carvalho (prefeito de São João de

Meriti), Azair Ramos (prefeito de Queimados) e o governador do Rio de Janeiro, Anthony

Garotinho (na época, do PDT) e, apesar de sua força conjunta, não foi possível deter a

popularidade de Zito — cuja estratégia de construir a campanha de Waldir como um elo de

ligação e de continuidade com a sua foi extremamente eficaz. A transferência do capital

político de Zito ao irmão foi possibilitada por diversos fatores que, conjuntamente,

garantiram a vitória contra uma adversária de prestígio local, mas excessivamente ancorado

na figura de seu marido, Joca166. Nesse caso, como salientou Monteiro (op.cit.), a memória

de Joca estava diretamente relacionada às suas ações anteriores e não a objetos ou lugares

de memória (Nora, 1984), o que poderia explicar o “esquecimento” representado pela

165 Zito contou também com o apoio de sua filha, Andréa Zito, deputada estadual no terceiro mandato e do deputado federal Dr. Heleno, ambos do PSDB. Heleno Augusto de Lima, conhecido como Dr. Heleno, é advogado e contador e foi um dos responsáveis pela entrada de Zito na vida política. Tendo como base eleitoral Duque de Caxias — mais especificamente o bairro Dr. Laureano e adjacências — foi eleito deputado federal (pelo PSDB) pela primeira vez em 1998. Hoje está em seu segundo mandato, tendo sido um dos nomes-fortes do ex-prefeito de Caxias e um de seus mais importantes articuladores. 166 Sobre os processos de conservação e reelaboração da memória, ver, por exemplo, Pollak (1989).

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inexistência de um culto ao político após a sua morte e, por outro lado, a busca por outro

salvador, no caso, Zito, por intermédio de seu irmão, Waldir167.

Da mesma forma, vencer Núbia Cozzolino significou romper com um reinado de mais de

uma década na região de Magé e Guapimirim168.

A prefeitura de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, é mais uma a ser controlada pelo clã Zito, liderado pelo prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito, reeleito para o segundo mandato consecutivo. O candidato do PPS, Waldir Zito, que foi eleito hoje, é o irmão caçula de Zito, cuja mulher, Narriman Felicidade, foi eleita prefeita de Magé (Folha de São Paulo, 29/10/2000).

Em 2001, Zito deixou pela primeira vez o PSDB, alegando insatisfação com a forma como

o partido vinha tratando Marcello Alencar, após a sua doença. “Num momento da minha

vida enquanto prefeito, teve o problema da doença do Marcello e houve assim uma falta de

respeito para com ele que eu não gostei e saí do partido; quase entrei no PMDB, fui pro

PDT e agora retornei ao PSDB, novamente pelo convite do Marcello. Eu tenho ele como

um pai. Ele me deu muita credibilidade política, ele me deu uma chance de mostrar quem

eu era e hoje eu me encontro no PSDB e sou candidato a deputado estadual, numa vontade

enorme de retornar a ser prefeito em 2008” (Zito, 26/04/2006).

167 Na tentativa de explicar tal esquecimento, Monteiro (op. cit, pp.109-110) afirma que a “mitificação política de Joca é fluida porque na realidade todo o seu carisma embasava-se muito menos nos seus atos espetaculares e muito mais na percepção popular de que Joca era parte do povo belforroxense e de que suas soluções somente diferiam em grandeza das soluções tradicionalmente encontradas pela população baixadense. Não era possível, portanto, que o processo de mitificação política de Joca se restringisse a objetos concretos como um túmulo, um livro de memórias, uma estátua ou uma rua. Muito mais próximo que todos os objetos que possam lembrar Joca está a convivência diária com problemas para os quais Joca significava em primeiro lugar uma solução. Solução que mesmo parcialmente já era proporcionada pela rede de resolução de problemas práticos. 168 “Outra família tradicional da política fluminense a manter seu espaço parlamentar é a Cozzolino, um clã muito forte na região de Guapimirim e Teresópolis. A deputada federal Núbia Cozzolino (PPB), que responde a processo por supostamente ter encomendado o assassinato de um jornalista no ano passado, se reelegeu, ficando com a última vaga de seu partido. Núbia pode comemorar também a vitória do sobrinho Renato Cozzolino (PSC), reeleito para a ALERJ” (Agência Carta Maior, 11/10/2002).

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O “flerte” entre Zito e o PMDB não passou incólume. Houve manifestações contra e a

favor e, inclusive, cenas de confronto entre deputados na ALERJ dias antes de sua filiação,

deflagradas a partir do discurso do deputado André Luiz. Na ocasião, o deputado Geraldo

Moreira fez críticas à filiação de Zito, alegando que “no meu Partido, como diz o

Governador Garotinho, teria que haver uma ficha criminal limpa, para sabermos quem, de

fato, é a pessoa”. Tal declaração foi imediatamente respondida pelos deputados André Luiz

e Paulo Melo, que saíram em defesa de Zito e do partido que o acolhia.

Em primeiro lugar, quero falar sobre o regozijo que todos nós temos com a entrada do Zito no PMDB. Também gostaria de dizer ao nobre Deputado que me antecedeu que, talvez, S. Exa. tenha experiência de abandono, afinal de contas, sempre defendeu o Brizola. Já lhe ouvi dizer que Brizola era o grande líder: perdeu o poder, perdeu o companheiro. Agora, esse negócio de pedir ficha criminal, tem que pedir a de muitos companheiros. Respeito o Deputado que me antecedeu pela sua história e pela sua trajetória, mas a leviandade nas declarações tem que ser medida e comedida, porque, garanto, se for pedida a de muita gente, [eles] nem nesta Casa estariam. Como Deputado, temos história. Não reconhecer que, na cidade do Prefeito, a população que o elegeu deu para o Zito o maior atestado que um político pode ter — 80% dos votos — é desconhecer a própria realidade. (Deputado Paulo Melo, 05/06/2001). Sr. Presidente, se o Zito fosse à margem da Lei, não teria sido reeleito Prefeito de Caxias. Obrigado. (Deputado André Luiz, 05/06/2001).

Zito significava capital político para qualquer partido e, nas eleições de 2002, o PMDB,

mesmo tendo força na Baixada, não podia abrir mão dos cerca de 500 mil votos

representados por sua rede política na região. As acusações que pesavam sobre ele eram

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minimizadas em prol das possibilidades eleitorais advindas da ligação com o “rei da

Baixada”.

Ainda nesse ano, ele novamente teve seu nome vinculado a acusações de violência. Foi

apontado como possível mandante do assassinato do jornalista Mário Coelho de Almeida

Filho, do jornal A Verdade, de Magé. Mariozinho, como era conhecido, foi assassinado

com cinco tiros, por volta das 18 horas do dia 16 de agosto de 2001, quando chegava em

casa. As denúncias contra Zito foram motivadas devido à ação que movia contra o

jornalista — por ter usado o espaço em seu jornal para reproduzir uma declaração da

deputada estadual Núbia Cozzolino (na época, do PTB), insinuando que Narriman Zito,

prefeita de Magé e mulher do prefeito de Duque de Caxias, estaria tendo um caso com um

segurança169. Núbia, um dos alvos preferenciais do jornalista assassinado — que

freqüentemente publicava matérias contrárias a ela e a sua família no jornal — também foi

acusada neste inquérito, chegando até mesmo a responder a processo como mandante do

assassinato.

Trazendo novamente à tona a questão da violência política na Baixada, o episódio marcou a

disputa entre duas famílias pelo poder político em Magé: a de Zito e a de Núbia Cozzolino.

Conforme ilustra a matéria reproduzida abaixo, os confrontos foram se tornando cada vez

mais acirrados, tendo como principal estratégia de ataque as denúncias feitas por

intermédio da imprensa escrita.

A Polícia do Rio está investigando se o assassinato de Marílton dos Santos, 49, assessor da deputada estadual Núbia Cozzolino (PTB), tem alguma ligação com a morte do jornalista Mário Coelho de Almeida Filho, 42, diretor administrativo do jornal "A Verdade", ocorrida no último

169 Houve grande repercussão no assassinato do jornalista, com destaque até mesmo em jornais de âmbito nacional como, por exemplo, a matéria publicada no jornal Folha de São Paulo em 19/09/2001.

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dia 16. Santos foi encontrado morto com um tiro na barriga, na madrugada de ontem, em Piabetá, distrito de Magé (a 60 km do Rio). A deputada insinuou no jornal "A Verdade" que a prefeita de Magé, Narriman Zito (PMDB), mulher do prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito dos Santos (sem partido), mantinha um romance com um ajudante-de-ordens. A família Zito nega qualquer relação com os crimes. Em depoimento ao 66ª DP (Piabetá), a família de Santos afirmou não acreditar que o crime tenha ligação política (Folha de São Paulo, 23/08/2001). O sargento reformado da Polícia Militar, Manoel Daniel de Abreu Filho, 55 anos, foi preso no dia 14 de setembro de 2001, por suspeita de assassinato no caso do jornalista Mário Coelho Filho. O juiz de Magé decretou a prisão preventiva do sargento a pedido do delegado Hallak, depois que uma denúncia anônima em 13 de setembro levou-o até Abreu Filho. Em seu apartamento, em Belford Roxo, parte da Baixada Fluminense, foram encontradas duas armas, uma delas uma pistola 380 — mesmo calibre da arma utilizada para matar Mário Coelho Filho. Abreu ficará preso no 20º Batalhão de Polícia Militar, no município de Mesquita, até que seja feito o exame de balística para comparar se os tiros que atingiram o jornalista saíram de sua pistola. Segundo o delegado Hallak, duas testemunhas que ajudaram a fazer o retrato-falado e que haviam reconhecido Manoel Daniel de Abreu Filho por foto não sustentaram o reconhecimento pessoalmente. Mas ainda falta confrontar o preso com outras testemunhas. O delegado pretende pedir a quebra de sigilo telefônico do suspeito e sua ficha de antecedentes criminais para verificar se teve participação no crime e o motivo. Manoel Daniel de Abreu Filho, que disse à polícia que não vai a Magé há 10 anos, trabalha como guarda-costas de Maristela Corrêa Nazario, esposa de Waldir Zito, prefeito de Belford Roxo e irmão de José Camilo Zito dos Santos. Negou-se a dar declarações sobre esse assunto e afirmou que só vai responder em juízo, na presença de um advogado, às perguntas sobre seu trabalho com a família do prefeito de Duque de Caxias. A relação de trabalho do suspeito foi confirmada pelo próprio prefeito Zito dos Santos que, em uma entrevista para os jornais do Rio de Janeiro, reconheceu que Manoel foi guarda-costas de sua filha, a deputada estadual Andreia Zito, mas que deixou de trabalhar com Andreia "para ficar mais perto de casa".

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Depois de saber que duas testemunhas não reconheceram o suspeito, o prefeito disse ao jornal O Dia que pretende processar o delegado Ricardo Hallak e o Estado por perdas e danos e calúnia por vincular seu nome ao crime. Afirmou que é vítima de perseguição política por ser candidato à sucessão do governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (Jornal Impunidade, matéria de Clarinha Glock, setembro de 2001).

Se a imprensa era o palco mais visível das disputas entre as famílias Zito e Cozzolino, a

ALERJ tornou-se igualmente cenário de confrontos entre Andréia Zito e Núbia, com

acusações recíprocas. Através do requerimento 490/2001, a deputada do PPS criou uma

comissão para acompanhar o assassinato do jornalista de A Verdade, transformando a

sessão de 3 de outubro daquele ano em um palanque no qual aliados e adversários

pronunciavam-se com veemência, declarando apoio a um lado ou a outro. Com o apoio dos

deputados José Távora, Sivuca, André Luiz e, inclusive, Washington Reis, foi solicitado o

adiamento da votação e a não inclusão de deputados com qualquer suspeita de vinculação

com o caso na comissão que acompanharia o assassinato do jornalista — além de terem

sido feitas severas críticas ao “comportamento” da deputada e à sua tentativa de “fazer

politicagem” a partir do episódio da morte do jornalista170.

Em 2002, mais um caso de assassinato. Desta vez, a vice-prefeita de Narriman, Lídia

Menezes (PSDB), foi encontrada carbonizada dentro de seu automóvel, na estrada Magé-

Manilha, há cerca de 20km da cidade. Segundo Narriman, Lídia não tinha experiência

política, "não era muito esclarecida. Eu, engenheira, fazia o trabalho técnico e o

planejamento da cidade. Mas fui eu quem a coloquei ali, por ser uma negra, uma pessoa do

povo, uma boa mulher que me representava publicamente” (Folha de São Paulo,

02/06/2002).

170 A transcrição integral da sessão ordinária de 03 de outubro de 2001 pode ser consultada no Anexo.

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As versões sobre o crime giraram em torno de questões políticas, assim como as

declarações da prefeita e de membros de seu secretariado. Segundo Jorge Cosan, presidente

do PSDB de Magé, os crimes políticos não eram apurados, motivo pelo qual a cidade

transformara-se em um imenso barril de pólvora. Alertando que mais pessoas poderiam

morrer, Jorge levantou algumas hipóteses sobre o ocorrido, em todas elas desviando o foco

das atenções para Narriman. “Qual o objetivo de matar a vice-prefeita? Será que querem

tirar a prefeita do cargo? Será que alguém está interessado em ocupar o Executivo com a

ocorrência destes crimes? Estas mortes são por motivação política e nunca são investigadas

a contento” (idem). Dessa forma, os adversários da prefeita eram automaticamente

colocados sob suspeita e a morte capitalizada em revolta e solidariedade.

Apesar das acusações e conflitos, as expressivas vitórias nas urnas em 2000 e em 2002,

possibilitaram a Zito começar a trabalhar no projeto político de tornar-se governador do Rio

de Janeiro. Viajando pelo estado, na tentativa de formar alianças e de fortalecer-se

politicamente, acabou se ausentando bastante da cidade o que, segundo ele próprio, lhe

causou algum ônus. “A minha intenção, naquela época, era ser candidato a governador e eu

confesso que deixei um pouco a cidade meio que de lado. Deixei o time trabalhando na

cidade, mas quando eu percebi que a minha ausência [es]tava fazendo falta, eu retornei”.

Também no ano de 2002, já de volta ao PSDB e seduzido pela possibilidade de disputar as

eleições para o governo do Rio de Janeiro171, Zito foi escolhido coordenador da campanha

presidencial de José Serra no estado (e anunciado como tal em abril daquele ano). Com o

lema “vamos serrar”, acompanhou as caminhadas e comícios do presidenciável em Duque

171 No início do ano, o PSDB cogitava o nome de Zito para uma possível candidatura própria ao governo do estado. De acordo com a pesquisa de intenções de voto do Datafolha, realizada em fevereiro daquele ano, Sérgio Cabral (PMDB) e Zito (PSDB) apareciam tecnicamente empatados — com respectivamente 18% e 17% — em hipótese que excluía a candidatura de Garotinho (PSB). Em primeiro lugar, com 30%, aparecia a vice-governadora, Benedita da Silva.

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de Caxias. As tentativas de alianças (com o PDT, por exemplo) foram, no entanto,

fracassadas; sendo assim, a executiva nacional resolveu não lançar candidato próprio ao

governo do estado do Rio de Janeiro172.

O apoio do partido à candidatura de Solange Amaral (PFL) para o governo do estado do

Rio de Janeiro frustrou o projeto político de Zito de ascensão ao Palácio Guanabara —

deixando-o extremamente contrariado. O apoio subseqüente aos candidatos Jorge Roberto

Silveira (PDT) ao governo do estado do Rio de Janeiro e Ciro Gomes, da Frente

Trabalhista, à Presidência da República, foi o primeiro passo na direção da futura migração

ao PDT (concretizada apenas em 2003). Tal filiação o colocaria como um dos principais

nomes do partido no estado, tendo em vista seu esvaziamento após a saída de Anthony

Garotinho, seu desafeto — além da perda de prestígio do partido após as sucessivas

derrotas de seu fundador, Leonel Brizola.

Insatisfeito com a falta de apoio da Executiva Nacional do PSDB, o prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito dos Santos, acaba de deixar a seção do Rio de Janeiro do partido. Zito queria ser candidato ao governo estadual, mas não contou com o apoio da direção do PSDB, que fechou coligação em torno da deputada estadual Solange Amaral (PFL). O prefeito encaminhou o pedido de desfiliação para a Executiva Estadual, que ainda não se pronunciou. Ele deixa o partido para anunciar o apoio a Jorge Roberto Silveira (PDT), ex-prefeito de Niterói, na sucessão a governador, conforme já vinha sinalizando desde a semana passada. Por contar com forte influência na região de Duque de Caxias, Zito é disputado pelos atuais candidatos. Pela manhã, ele se reuniu com a governadora, Benedita173 da Silva (PT), com quem almoçou. O prefeito ainda não anunciou quem irá apoiar para presidente, mas deve

172 Sobre as disputas no interior de uma mesma facção e de como a política é percebida pelos próprios políticos, ver, Viegas (1997) e Heredia (1999). 173 A aproximação com Benedita havia ocorrido desde o início do mandato de vice-governadora, por intermédio dos projetos sociais vinculados à Baixada Fluminense. Em notícia divulgada pelo Jornal do Brasil de 12/11/2000, o governador Anthony Garotinho teria se desentendido com ela, alegando que Benedita o traíra ao receber dois de seus desafetos políticos: César Maia e Zito (p.6).

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descartar um apoio a José Serra (PSDB), por considerar que o candidato teve atuação tímida em favor de sua candidatura ao governo (Folha de São Paulo, 15/07/2002).

A direção nacional do PT começou a se aproximar de Zito no fim do ano passado, durante a campanha presidencial, por intermédio da então governadora Benedita da Silva. O prefeito, que começara 2002 como coordenador da campanha de José Serra (PSDB), acabou se desentendendo com os tucanos e aderindo a Ciro Gomes (PPS) ainda no primeiro turno. No segundo turno, apoiou Lula. Os agrados em retribuição vieram primeiro para o irmão Waldir Zito. Belford Roxo, um dos municípios mais pobres do Rio, que tem 450 mil habitantes e deu a Lula mais de 90% dos votos no segundo turno das eleições, foi incluído no programa de erradicação dos lixões do programa Fome Zero, com recursos de R$ 1,3 milhão (Agência Carta Maior, 16/09/2003).

“Pelo Marcello [Alencar], nós teríamos candidatura própria e quando o Marcello adoentou-se, eles aproveitaram e fizeram a imposição de uma candidatura apoiando a Solange Amaral, que é minha amiga, foi deputada comigo. E essa imposição fez com que eu me afastasse do partido e do grupo político que lá estava. Resolvi abandonar a campanha do Serra e não aceitar a candidatura da Solange” (Zito, 26/04/2006).

A saída do PSDB não implicou a perda de prestígio de Zito. Desde o início, sua trajetória

política esteve desvinculada de uma ideologia partidária, atrelando-se diretamente à

construção de sua persona pública — e a constante troca de partido só reforçava esta

situação. Tal mudança de sigla também não significou demonstração de força ou adesão a

seu nome, visto que Zito somente conseguiu levar consigo quatro vereadores de Duque de

Caxias (dentre eles, Laury Villar). Sua filha e esposa optaram por não mudar de partido.

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Apesar de muito criticada por não ter acompanhado o pai, a deputada Andréia afirma que

ele não manifestou qualquer contrariedade com relação à sua decisão.

“Ao contrário do que todo mundo fala, meu pai não é um ditador. A gente conversa muito, e eu fui conversar com el. Falei que não achava uma boa idéia a saída dele do partido; que eu gostava do partido — me identifico com suas ideologias — e que eu preferia continuar. Que eu ia continuar porque pra mim era melhor. Ele entendeu a minha posição e não me criticou. Os outros, sim, é que criticaram, não entenderam. Mas a minha vida política é uma coisa e a do meu pai é outra. Nós temos um projeto sim, mas ele me escuta, a gente conversa muito, ele me ouve muito. E eu, Andréia, sou quem resolvo as minhas coisas; eu falo com ele, escuto ele, mas eu resolvi que era melhor ficar” (26/04/2006).

Decerto, a saída do partido marcava a posição de Zito na queda-de-braço interna ao PSDB,

mas relacionava-se mais imediatamente à busca pela operacionalização de seu projeto

político, até então barrado pelo partido. Como seu trânsito entre alguns partidos e pessoas

importantes ainda estava garantido e sabendo que seu peso político certamente não seria

descartado, Zito pôde arriscar-se. E o fez.

O rei da Baixada Fluminense, José Camilo Zito (PSDB), não teve dificuldades para eleger a filha, Andréia Zito, deputada estadual com 56 mil votos. Há dois anos, Zito conseguiu, além de se reeleger prefeito de Duque de Caxias, bancar as eleições do irmão Waldir e da mulher Narriman para as prefeituras de Belford Roxo e Magé, respectivamente. Agora, seu poderio se alastra ainda mais (Agência Carta Maior, 11/10/2002).

Para Andréia, a saída do pai do PSDB não repercutiu negativamente em sua votação em

2002, pois seu prestígio “não havia sido abalado”. Com um mandato já cumprido e alguma

experiência acumulada — de lidar com o eleitor, inclusive — Andréia esperava uma

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votação mais expressiva. Apesar de sua avaliação pouco otimista, ela foi bem votada,

conseguindo reeleger-se.

“Eu fiquei muito chateada. Nessa eleição, eu fiz mais campanha, percorri as ruas, em São João mesmo. Eu fui aos showmícios, mas a ligação de meu nome ao de um candidato a [deputado] federal me prejudicou um pouco [referindo-se ao candidato a deputado federal de seu partido, Dr. Heleno]. Muitas pessoas não queriam votar nele e acharam que como fizemos campanha juntos, outdoors juntos, que se votassem em mim, teriam que votar nele e preferiram abrir mão de votar em mim”.

Apesar da vitória com sua absolvição do assassinato de Ary Vieira em março daquele ano,

os problemas com Narriman começavam a aparecer e a imprensa não deixou passar em

branco. Ela afastou as pessoas próximas a Zito da prefeitura de Magé, alegando precisar

ficar “independente na política”. Na eleição estadual, ele apoiou Jorge Roberto Silveria

(PDT) e ela, Benedita da Silva (PT). Assim como na eleição para a Presidência da

República: o apoio de Zito foi para Serra (PSDB) em um primeiro momento da campanha

e, depois, para Ciro Gomes, apoiando Lula apenas no segundo turno. Já sua esposa

manifestou seu apoio ao PT de Lula desde o início da campanha presidencial.

Se desde o final de 2001 os boatos envolvendo o casal já apareciam, em 2002 (junho), um

momento difícil, a confirmação de problemas em outro setor da vida marcou Zito. O jornal

O Dia, por exemplo, explorou bastante a crise conjugal e sua repercussão em termos

políticos para ambos os lados.

“A notícias da separação do prefeito de Caxias, José Camilo Zito dos Santos, e da prefeita de Magé, Narriman Felicidade, foi o principal motivo de comentários ontem nas duas cidades e no meio político. [...] quem não gostou nada das insinuações dos políticos da região de que o coração de Zito já teria dono foi a Secretaria de Comunicação [Duque de Caxias], Cláudia Cataldi.”

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Naquele mesmo ano, os dois se reconciliaram. “Estou namorando meu ex-marido”, disse

Narriman ao jornal O Dia de 22/12/2002, enfatizando a necessidade de “união da família”.

No ano seguinte, em outro episódio polêmico, foi a vez de Narriman trocar o PSDB pelo

PT, que tampouco trouxe as vantagens esperadas (e desejadas) — a possibilidade de

angariar recursos financeiros junto ao governo federal, além do capital político advindo de

uma vinculação ao nome de Lula174.

A ofensiva petista nos municípios fluminenses, parte da estratégia de tornar o partido uma das duas maiores forças políticas no Estado do Rio em 2004, dividiu o PT. Parte do PT fluminense reage à estratégia. A bancada do PT na Assembléia Legislativa decidiu ontem, por seis votos a um, ser contra a participação na prefeitura de Nilópolis. Só Palmares foi a favor. Para o líder do PT na ALERJ, Carlos Minc, as atividades da família Abrahão David são incompatíveis com o ideário petista. “Essa não é uma questão partidária. O problema é que pesa sobre esse grupo político uma vinculação com o bicho”, disse Minc. No Câmara dos Deputados também houve protestos. Ex-procurador de Justiça do Estado do Rio, o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) criticou a filiação de Narriman, defendida pelo presidente nacional do PT, José Genoino. “O patrimônio ético do PT não pode ser atingido por filiações como esta. A prefeita e seu marido (José Camilo Zito dos Santos, prefeito de Caxias) utilizam-se de práticas políticas condenáveis e são suspeitos de outras atividades ilícitas”, disse Biscaia, que já criticara a punição do deputado Chico Alencar por ter se abstido na reforma da Previdência. “No momento em que parlamentares éticos são punidos pelo partido, o PT cogita a filiação desse tipo de pessoa”, criticou Biscaia. Chico disse que ficou surpreso com a participação de Narriman no programa do PT na televisão, anteontem: “Sou do tempo em que quem era recém-admitido no partido era soldado raso e não general cinco estrelas. O programa era discutido, havia critérios rigorosos para participar desses veículos de massificação do ideário

174 Sobre a relação entre captação de recursos e redes políticas ver, entre outros, Leal (1975), Bezerra (1999a e 1999b).

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petista”. O ex-deputado Milton Temer preferiu ironizar: “Ou não era o programa do PT ou não era a Narriman”. (O Globo, 10/09/2003).

A filiação de Narriman Zito ao PT, no entanto, acabou se revelando mais problemática que qualquer ajuda financeira do governo federal. Elevada à condição de estrela do programa de TV do partido sem consulta prévia às lideranças regionais petistas e apenas dois dias após ter sido filiada, Narriman causou desconforto. Sobretudo ao presidente regional do PT, deputado estadual Gilberto Palmares, que viu sua intenção de levar o partido a participar do governo de Farid Abraão David (PP) em Nilópolis ser rejeitada pelos outros seis deputados da bancada petista na Assembléia do Rio, inconformados com a nova postura adesista. Narriman piorou as coisas ao anunciar que pretende processar o deputado federal e ex-procurador-geral de Justiça do Rio, Antonio Carlos Biscaia (PT), que criticou sua filiação (Agência Carta Maior, 16/09/2003). A Executiva Nacional do PT aprovou a filiação ao partido da prefeita de Magé (RJ), Narriman Zito, eleita pelo PSDB e mulher do prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito dos Santos (PDT), acusado de envolvimento com grupos de extermínio que atuariam na Baixada Fluminense. A Executiva pressionou e obteve do Diretório Municipal de Nilópolis (RJ) a rejeição à participação de petistas na gestão do prefeito Farid Abrão David (PP), irmão do banqueiro de bicho Aniz Abrão David, o Anísio. As duas decisões dividiam os petistas do Rio de Janeiro. Houve contestação do diretório regional tanto da filiação de Narriman quanto da aliança com Abrão David. Ambas ações haviam sido aprovadas pela direção fluminense. Mas a participação no governo do PP de Nilópolis foi agora derrubada por meio de pressões da Executiva Nacional (Folha de São Paulo, 14/10/2003).

A imagem política de Narriman não podia ser desconectada da de Zito e, portanto, dos

discursos que o ligavam à violência, ao clientelismo e ao uso da máquina política com fins

eleitorais. A ingerência de Zito na administração dos municípios chefiados por seus

parentes era alardeada pelos jornais. Conduzir reuniões, demitir funcionários, enviar sua

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equipe para “dar suporte técnico” foram algumas de suas ações, noticiadas pela imprensa

como comprovação da existência da “Zitolândia”. Narriman era acusada, assim, de ser um

mero fantoche do marido175. Além disso, seu nome e suas relações políticas poderiam gerar

uma alteração na configuração das forças internas ao partido no estado, o que gerava

inquietações. A objeção de membros do diretório estadual à sua filiação ligava-se, sem

dúvida, a aspectos ideológicos, mas evidentemente não podemos menosprezar as questões

eleitorais implicadas em sua adesão ao novo partido. Narriman era uma peça importante no

tabuleiro político da Baixada que, ao mudar de posição, alterou as demais relações,

produzindo efeitos sobre outros atores e outras possibilidades de alianças eleitoralmente

relevantes para alguns projetos políticos de membros do PT.

Sua administração à frente da prefeitura de Magé tampouco trouxe os resultados esperados

pela população, desejosa de uma atuação semelhante à de seu marido em Duque de Caxias.

O município governado por Narriman não contava com uma arrecadação tão expressiva

quanto a de Caxias, inviabilizando uma administração voltada exclusivamente para a

realização de obras, marca registrada do governo Zito. Além disso, os Cozzolino não

tinham desistido de Magé. Os conflitos acompanharam todo o mandato de Narriman — por

meio de denúncias em jornais (como as acima apresentadas) ou dos atendimentos

realizados pela deputada Núbia e sua equipe.

175 Na entrevista que me concedeu, Zito referiu-se a este assunto da seguinte forma: “Não é verdade. Eu sou um homem que respeito muito a condição de qualquer um e o exercício da eleição — que por ela passaram os dois, e eleitos foram. E eles governaram a cidade deles sem nenhuma intervenção minha. Claro que, quando eu percebia que alguma pessoa ligada a mim pudesse ajudá-los, eu sempre deixava à disposição. Se eles assim pretendessem, que eles levassem pra que eles pudessem atuar lá como eles atuaram aqui...mas nunca desrespeitando a democracia e a posição que eles ocupavam enquanto prefeitos. Tanto que ninguém nunca me viu lá mandando em nada, funcionário nunca me viu nem sequer sentado na cadeira deles, que eu tinha por eles um respeito enorme. Eu confesso que eu até deveria ter sido mais duro, mais impulsivo na demonstração de que eles não [es]tavam agindo corretamente como deveriam, mas do outro lado foi bom porque, hoje, eles não podem dizer que se não fizeram um bom governo, um bom trabalho, foi por intervenção minha ou coisa parecida”.

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Na avaliação de Zito, tanto quanto na de Andréia, a filiação de Narriman ao PT foi um

equívoco. Para o primeiro, ela não era reconhecida pelos demais membros do partido como

“um deles”: “[Era] um peixe fora d’água no PT. Foi usada sem que lhe dessem retorno

político e governamental. Está bem claro atualmente que o PT não sabe governar. E não

souberam ajudá-la para que ela fosse uma prefeita melhor do que foi”. Começavam aí os

desentendimentos que resultariam na ausência de Zito durante toda a campanha para a

reeleição de Narriman176.

“Eu não estive nenhuma vez lá [na reeleição da Narriman] porque nós tivemos alguma divergência política, de governo. Ela já se achava pronta para caminhar sozinha politicamente e eu, então, no governo dela, já me afastei e na reeleição, também não fui mais lá” (Zito, 26/04/2006). “Se o PT quisesse, teria levado até Magé muitos recursos através de deputados federais, estaduais e feito com que o trabalho dela e de tantos outros prefeitos que eles governam pudesse aparecer. Isso não foi feito. Pelo contrário, deixaram ela à deriva. […] Eles [o PT] têm as cartas marcadas. Só dão a César o que é de César. Eles usam você” (idem).

A eleição municipal de 2004 traria novas surpresas. Desde o ano anterior, Zito já havia

desistido da reeleição de seu irmão, em Belford Roxo. Waldir tinha um grande índice de

rejeição: em sua gestão, a cidade sofreu com paralisações de servidores municipais, greves

de motoristas de vans e todo tipo de denúncia sobre uso ilícito de dinheiro público. A

cidade continuava com os mesmos problemas de antes e as promessas de que “Waldir é

Zito” não se concretizaram.

176 Em 2003, Zito parecia inclinado à adesão ao PT. Freqüentou reuniões em Magé juntamente com sua esposa, estreitou relações com José Genoíno e Gilberto Palmares na tentativa de uma coligação PDT-PT contra a força de Garotinho no estado. No entanto, não hove conciliação nas negociações em torno do nome para disputar a eleição em Duque de Caxias e Zito acabou escolhendo um nome do próprio partido.

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Em Duque de Caxias, por sua vez, a sucessão tornou-se uma questão complicada. Que

nome seria capaz de substituir Zito? Seu carisma seria transferido ao sucessor? Quem

seguiria o seu estilo político?

Devido à legislação eleitoral, Andréia não podia disputar a prefeitura como “sucessora

natural” de seu pai. Narriman, com projeto político próprio, tentava a reeleição e Waldir

não havia demonstrado habilidade no exercício do mandato executivo — estando, por

conseguinte, descartada a possibilidade de manter-se como um dos peões no jogo político

de Zito. Diante da impossibilidade da transferência de seu capital político a um dos

membros da família, a alternativa foi escolher entre um dos aliados “de fora”.

Sob o lema da continuidade política, Laury Villar — que ingressou no PDT juntamente

com Zito — foi o escolhido pelo partido para concorrer à prefeitura de Duque de Caxias.

“Eu tenho consciência de que, hoje, eu represento o ‘Projeto Zito’; o projeto que não é mais uma pessoa, e sim o de toda uma cidade e o apoio dele é fundamental. Eu acho que hoje o governo que o Zito fez na nossa cidade resgatando a auto-estima e a cidadania do povo de Duque de Caxias tem sido uma marca muito grande, e isso, com certeza, é a minha bandeira; a bandeira da continuidade desse projeto político e o apoio do Zito, não tenha dúvida, é fundamental; eu tenho certeza que o Laury será prefeito muito mais pelo apoio de tudo aquilo que o Zito fez na nossa cidade; e eu tenho certeza que com o apoio dele, aí sim, eu vou poder mostrar a minha capacidade, a minha competência na forma de administrar essa cidade” (entrevista com Laury Villar, em agosto de 2004).

Na avaliação de Zito, no entanto, Laury não era o nome mais indicado para concorrer ao

pleito, mas diante da hesitação partidária frente às demais opções, acabou apoiando tal

candidatura.

“Eu cheguei ao término [do mandato], fazendo a opção por um candidato que não era o preferido. Não que ele não seja

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uma pessoa que não tenha qualidades para exercer o poder e não que eu não tenha confiança e não que eu não gostasse. Mas eu tinha outras idéias, né? Sondei um grande amigo meu que foi presidente da Câmara na minha época, que foi vereador comigo. Eu acho que era um grande nome pra cidade, pela vivência que nós tínhamos, pelo conhecimento político dele, mas ele resolveu não ser candidato. Depois eu achei que a Secretária de Educação [Roberta Siqueira] seria um grande nome pra ser a minha sucessora, mas aí teve um problema na vida dela familiar, pessoal, de casamento e tal e isso traria um desgaste enorme na campanha. Então, o escolhido foi o Laury já que eu sempre tive por ele uma grande admiração. Volto a frisar que não seria o meu candidato enquanto prefeito porque ele era vereador — foi meu Presidente da Câmara — mas eu não via ainda uma experiência avantajada para que ele viesse a ser prefeito, mesmo que eu tivesse por trás. Mas você sabe que o poder é o poder, a caneta seria dele então […] não era o nome que eu escolheria, se tivesse na minha vontade. Não porque eu vim a perder as eleições com ele, não é isso. Não que eu perdi a empolgação com ele, não é isso, né? Eu acho que ele pode até ser um bom vice, mas não o titular, eu acho que ele ainda está jovem pra isso”.

A trajetória de Laury Villar está intimamente relacionada com a de seu pai, cujo nome

herdou. Este último era natural de Campos, no noroeste fluminense, e sua mãe, de

Madureira (subúrbio carioca). Mudaram-se para Duque de Caxias em 1945. O ingresso de

Laury (pai) na vida política daria-se apenas em 1966 (como vereador). Após cinco

mandatos consecutivos, deixaria a vida pública em 1988. Muito ligado ao meio esportivo e

com um bom trânsito político, conseguiu que seu filho fosse nomeado Secretário de Esporte

do município, em 1989, no governo do então prefeito José Carlos. Nesta função, Laury

permaneceu por onze anos — atravessando distintas administrações — sendo responsável

pela implantação de projetos de vulto como a Vila Olímpica de Duque de Caxias (através

de verba do Ministério do Esporte, na época, sob o comando de Pelé). Formado em

Administração de Empresas e em Direito, Laury é casado e disputou a primeira eleição em

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2000, concorrendo — a pedido de Zito, segundo ele próprio — ao cargo de vereador pelo

PSDB, para o qual foi eleito com 4.594 votos.

Apoiado pelo prefeito, ficou entre os dez mais votados no município. “Assumi meu

mandato e o prefeito já me deu uma incumbência muito grande que foi ser o líder do

Governo na Câmara; eu fiquei 2 anos como líder de governo. Fui candidato a presidente da

Câmara para o biênio 2003 e 2004. Fui eleito por unanimidade” (entrevista com Laury

Villar, 05/04/2004).

Representando o que ele próprio chamou de “projeto Zito”, o discurso de Laury centra-se

no tema da continuidade. Apesar de localmente percebido como “homem de bem”, “pessoa

direita” e de pautar a construção de sua fala e de sua apresentação de si na ética e na

responsabilidade — que também parecem ter marcado a vida pública de seu pai — ele não

era conhecido por parte significativa da população do município. Na definição que elabora

a respeito de si mesmo, diferenciando-se do prefeito de Caxias, lança mão de características

como a discrição e o equilíbrio em contraposição à impulsividade de Zito.

Grosso modo, não podemos dizer que Laury seja um político carismático ou de grande

expressão eleitoral. Sua atuação sempre foi mais técnica, e a secretaria que comandava, de

segundo escalão. Não reunia características que possibilitassem sua associação a Zito ou

mesmo a seu discurso, sempre enérgico e veemente. A transferência do carisma de Zito,

bastante vinculado à imagem de “homem do povo”, não seria fácil já que o candidato por

ele apoiado era oriundo das camadas médias caxienses. “Estudado” e sempre “bem

vestido”, Laury não exercia a mesma “mágica” de Zito, com seu linguajar simples e trajes

“de gente do povo”, como mencionado por um de meus entrevistados (Sr. M, 58 anos,

evangélico, morador da Vila Operária). A associação com a “gente de dinheiro”, no

entanto, não impedia que Laury fosse também classificado como “gente de bem”. Sua

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atuação como vereador pautava-se na “fiscalização e execução do orçamento municipal”,

“em fazer as leis”, ligando-se também a projetos esportivos e culturais. Nesse sentido,

afastava-se da lógica da política dos vereadores (Leal, op. cit.; Queiroz, op. cit; Soares, op.

cit.; Lopez, op. cit.) e da constituição da prática política a partir do trabalho social (Lopez,

idem) — exemplificada na Baixada pela atuação de centros assistenciais dos mais

diferentes tipos, ligados a vereadores e membros de suas famílias.

O principal adversário de Laury Villar na eleição de Caxias foi o deputado estadual

Washington Reis (PMDB). Casado, empresário e membro da Igreja Evangélica Assembléia

de Deus, Washington iniciou sua vida política aos 24 anos, elegendo-se vereador por

Duque de Caxias (PSC), em 1992, com 2.194 votos. Em 1994, concorreu à Assembléia

Legislativa do Rio de Janeiro, sendo eleito o deputado mais jovem da casa. Na eleição

municipal seguinte (1996), compôs a chapa como vice-prefeito de Zito, em Duque de

Caxias. Em 1998, aos 28 anos de idade, foi reeleito deputado estadual após desentender-se

com o prefeito e deixar o cargo de vice. Em 2002, já pelo PMDB — seu atual partido — foi

reeleito com 64.788 votos.

A participação de Zito na campanha de Laury à prefeitura foi intensamente criticada, sob a

alegação de que a ela não estaria dedicando-se a contento. Durante o período eleitoral, Zito,

de fato, não se afastou dos trabalhos da prefeitura, a eles destinando o período da manhã —

momento em que deixava a cargo da filha, Andréia, a rotina de campanha. O prefeito em

exercício costumava privilegiar o horário noturno para a promoção de seu sucessor e

eventos de maior repercussão, fato ao qual caberiam interpretações distintas (ou, até

mesmo, opostas): maximização do tempo e /ou estratégia de campanha ou, por outro lado,

falta de cuidado, de dedicação, descrédito ou mesmo demonstração de descontentamento

pela escolha de Laury. Zito não compareceu a alguns dos eventos dos quais participei em

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Caxias, apesar de sua presença amplamente propagandeada. Tais anúncios, sem dúvida,

faziam parte de uma estratégia de marketing para cooptar o maior número de pessoas para

tais atividades — sua ausência sendo lida como descaso e abandono e deslegitimando o

apoio alardeado em panfletos e propagandas políticas.

No primeiro momento da campanha, Zito parecia acreditar que seu nome por si só já seria

suficiente para promover a candidatura do sucessor. A disputa, no entanto, tornava-se cada

vez mais acirrada e a entrada em cena da propaganda televisionada significou um capítulo à

parte na corrida eleitoral.

Transmitido pela emissora de TV CNT, o HGPE dos candidatos ao pleito municipal de

Duque de Caxias redimensionou o cenário político local. A princípio, em setembro, os

índices favoreciam o candidato do PDT — com 41,7% das intenções de voto contra 37,1%

para Washington Reis (PMDB), 5% para Dica (PFL) e 3,8% para Alexandre Cardoso

(PSB)177. Segundo a mesma pesquisa, entre o eleitorado evangélico (que somou 32,1% da

amostra), Washington liderava com 47,4%, contra 33,6% de Laury Vilar. No final do

mesmo mês, a disputa seguia acirrada e os jornais anunciavam empate técnico entre os dois

primeiros colocados: Washington Reis (PMDB), com 42% das intenções de voto e Laury

Villar, com 35% (PDT)178.

A participação de Anthony Garotinho e da governadora Rosinha Matheus, manifestando

publicamente seu apoio a Washington Reis, além do uso da máquina do governo do estado,

foram fundamentais para a reviravolta nas intenções de voto. A vinculação ao nome de Zito

177 Pesquisa realizada pelo GPP com 600 pessoas, no dia 21 de setembro. A pesquisa foi registrada no TRE de Duque de Caxias sob o nº 086/04. 178 Ver, por exemplo, O Globo de 29/09/2004, p.5 da seção “O País”, e de 03/10/2006, p.11 da mesma seção em matéria na qual Washington Reis (PMDB) aparecia com 47% e Laury Villar (PDT) com 39% das intenções de voto.

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não conseguiu fazer frente à distribuição de cestas básicas pela Fundação Leão XIII e pelos

centros assistenciais do candidato do PMDB em Caxias.

No fim de setembro, todo o arsenal do PMDB voltou-se contra o candidato do PDT. A

mesma tática utilizada na campanha em Nova Iguaçu era implementada nos demais

municípios da Baixada e em outros do estado do Rio de Janeiro: entremear o discurso

religioso com as ameaças de corte de verbas estaduais aos municípios que elegessem os

adversários da rede política de Garotinho179.

O primeiro turno acabou com vantagem de Washington Reis, totalizando 45,2% dos votos

válidos contra 41,6% de Laury Villar (TRE/RJ).

As negociações para as alianças no segundo turno começaram antes mesmo do resultado de

3 de outubro. O PDT não favoreceu a ampliação de capital político de Laury e o apoio da

executiva nacional do partido ao PMDB, no segundo turno das eleições, deixou seu

candidato em situação complicada. Apesar do apoio de César Maia (PFL) ao candidato do

PDT, o candidato pefelista, Dica, também aliou-se a Washington Reis (PMDB), alegando

ser um adversário de longa data do prefeito caxiense, sendo, portanto, inconcebível seu

apoio ao candidato de Zito. A aliança de maior peso foi, sem dúvida, a costurada com

César Maia, adversário de Garotinho, que, no dia 8 de outubro, recebeu Laury e Sandro

Matos (candidato do PTB à prefeitura de São João de Meriti) no Palácio da Cidade para

formalizar seu apoio e marcar as gravações dos programas eleitorais. O prefeito reeleito do

Rio visitou Duque de Caxias diversas vezes nas últimas semanas antes da eleição — o PT

demonstrando seu apoio por intermédio das visitas da ex-governadora Benedita da Silva e

de gravações para a propaganda televisiva das quais participaram seus principais líderes

179 Ver, por exemplo, as matérias publicadas nos jornais Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e O Globo de 25/09/2004. Este tema voltará a ser abordado mais detidamente no capítulo 5.

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nacionais, como os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Humberto Costa (Saúde). Outra

importante aliança foi com o pastor da Assembléia, Manoel Ferreira (PP) que, após

rompimento com o grupo político do ex-governador Garotinho (e apoiando também o

candidato à prefeitura de Nova Iguaçu pelo PT, Lindberg Farias, no segundo turno das

eleições) participou de algumas caminhadas com Zito e o candidato Laury.

Em matéria intitulada “Caxias tem guerra de caciques”, o Jornal do Brasil de 31 de outubro

dava o tom da disputa no segundo turno daquela cidade:

Na véspera do 2º turno, Duque de Caxias era o retrato da eleição não decidida. Por toda a cidade, havia outdoors e bandeiras dos dois candidatos — Washington Reis (PMDB) e Laury Villar (PDT). Ontem, os dois candidatos optaram por seguir em carreatas e demonstraram confiança. - O povo de Caxias abraçou nossa campanha. Tenho certeza de que o eleitor vai saber reconhecer quem é o melhor - comentou Laury, que tem o apoio do atual prefeito, José Camilo Zito. Washington Reis, que representa o grupo político do ex-governador Anthony Garotinho, ressaltou a importância da aliança com o governo estadual. - O povo deixou bem claro que quer mudanças, isso vai se refletir nas urnas.

Os últimos dias da campanha já apontavam uma certa vantagem do candidato do PMDB,

apesar da situação ser apontada como empate técnico. Washington Reis aparecia na

pesquisa Ibope com 46% das intenções de voto, contra 43% do adversário, Laury Villar —

este com o apoio do PT e do PFL de César Maia, ambos interessados em derrotar o grupo

político de Garotinho com vistas às eleições de 2006.

Na queda de braço com Garotinho, venceu este último que, dentre as muitas derrotas

sofridas nas eleições municipais de 2004, conseguiu com Duque de Caxias uma das vitórias

político-eleitorais mais importantes do estado.

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“Muitos me perguntam assim: ‘Mas, Zito, será que não houve falha da tua parte? Porque o Washington poderia estar com você até hoje, ser o seu candidato, seu sucessor haja visto que ele foi o vitorioso nas eleições e tal’. Eu confesso que estou consciente, cada vez mais convicto que acertei em não fazê-lo o meu sucessor ou o meu candidato a meu sucessor. Porque eu via sempre nele uma sede enorme de poder. Sempre vi nele um político trabalhador, inteligente, com certa experiência no campo legislativo, mas não como executivo. Então, eu não via nele um grande sucessor pra vir a me suceder e ser um grande prefeito. Já que eu percebia a vontade de riqueza, né? Não a riqueza política, mas a riqueza na vida particular, na vida pessoal e isso faz com que os políticos não cresça[m], não evolua[m], não venham a evoluir […] isso eu sentia no meu coração, que não seria o nome que eu poderia trazer e dar a responsabilidade da minha sucessão. Então, por isso, ele nunca seria um nome escolhido por mim. Não porque eu quisesse continuar comandando o município, mas sim imaginando que a cidade não teria essa continuação desse desenvolvimento e ele tá mostrando aí, né? Uma cidade que eu deixei sem débito nenhum — quando eu peguei o município, foi com 12 milhões de reais, a renda mensal; nós entregamos com 68 milhões de reais/ mês. Uma cidade que entregamos com 100 mil alunos e que pegamos com 30 mil alunos. Uma cidade que entregamos nas mãos dele, com o professor mais bem remunerado de todo o estado do Rio de Janeiro — ganhava cinco salários mínimos, no piso inicial, e ele acabou com isso. Uma cidade que hoje eu vejo falar em empréstimo no BNDES, uma cidade que eu vejo falar com tanta parceria com o estado, tentando viabilizar uma eleição do candidato do partido dele [Anthony Garotinho]. Uma cidade que eu vejo muita bravata, muitas promessas que foram trazidas na época de eleição e que não […] que eu tinha certeza que não teria condição de fazer. Uma situação de uma série de problemas que estão aparecendo e que vão aparecer e que eu prefiro não ser aqui o denunciante porque a imprensa e os órgãos responsáveis certamente irão trazê-los no momento certo, não serei eu […] o autor disso aí, até porque não me sinto feliz com isso. Mas isso vem a fortalecer a minha visão da época em que eu achava que ele não deveria ser o meu sucessor”.

Com as derrotas amargadas pela rede política de Zito, Núbia Cozzolino conseguiu ser eleita

em Magé (com 46.699 votos contra apenas 31.397 de Narriman) e Maria Lúcia voltava à

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prefeitura de Belford Roxo. Narriman não apenas não havia conseguido se reeleger, como

ficara com o segundo lugar com uma diferença considerável de votos. Sua campanha não

contou com o apoio esperado do partido, como outras na Baixada, não sendo considerada

“estratégica”.

“Foi um grande erro político meu. Falta de experiência e visão. Não foi uma criação minha, uma vontade minha fazê-los políticos. O Waldir, pela vontade própria e por interesses de amigos que moram em Belford Roxo que tinham assim...hoje eu vejo...tinham uma vontade, interesse pessoal na ida dele pra lá e a Narriman, do mesmo jeito, em Magé. Se perguntar se eu faria isso de novo eu vou dizer que não faria. E não farei isso mais porque as pessoas que votaram no Waldir e na Narriman votaram pelo Zito e achavam que eles pudessem fazer o mesmo que eu fiz em Duque de Caxias, mas tá cada vez mais comprovado que cada pessoa é uma pessoa. Nós não somos iguais, cada um tem seu lado forte, o seu conhecimento, a sua eficácia. Mas não é a mesma coisa. E as pessoas ficaram frustradas em não ter tido a sorte de que eles pudessem fazer com que o sonho deles virasse uma realidade. Tanto que eu pedi ao Waldir que não se candidatasse e ele foi […] ele respeitosamente aceitou o meu pedido e não se candidatou. Ele — acho eu — dificilmente retornará à vida pública em qualquer cargo eletivo, a não ser que tenha uma passagem pelo legislativo. Começar como vereador, como eu acho que todo mundo deve fazer. Como eu fui. É o ABC da política […] Tem que começar pelo primeiro degrau; eles começaram pelo terceiro degrau, né? […] Confesso a você que não foi de minha vontade e isso mostrou a minha força política — que eu elegi os dois — mas também serviu de desgaste político enorme pra mim e de problemas com vários políticos. Hoje, eu jamais faria isso” (Grifos meus).

Na ocasião, os jornais anunciaram amplamente que Zito havia perdido o posto de “rei da

Baixada”180. Ele, no entanto, de forma alguma desistira de seu projeto político. A

aproximação com César Maia foi, então, concretizada com o convite e a criação de uma

secretaria para Zito. À frente da Secretaria de Relações Institucionais, Zito estava

180 Ver, por exemplo, as matérias publicadas nos seguintes jornais: Jornal do Brasil, 04/11/2004; O Dia, 06/11/2004 e O Globo, 06/11/2004.

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incumbido de conseguir apoio onde o prefeito carioca não gozava de grande prestígio: na

Baixada.

O projeto político de César Maia era coincidente, nesse momento, ao de Zito. Se este

último desejava continuar no cenário político, mantendo seus acessos e reconhecimento

como mediador legítimo; César, por sua vez, não podia dispensar seu capital político que,

somado ao de Lindberg Farias na prefeitura de Nova Iguaçu, poderia significar votos em

uma região tradicionalmente resistente a seu discurso.

Em seguida, o retorno ao PSDB marca a retomada do projeto inicial de Zito. Nesse

momento — não mais contando com a aliança com o antigo aliado político, Dr. Heleno,

agora no PP e aliado do atual prefeito de Caxias, Washington Reis — sua filha, a deputada

estadual Andréia Zito, destaca-se na operação de retomada de sua trajetória política.

Segundo Andréia, Zito teria inclusive desistido de cargos políticos no ano de 2005, depois

da derrota em Caxias e dos desgastes com o PSDB, e depois com o próprio PDT.

“Meu pai havia desistido. Eu o convenci a retornar ao PSDB. O Marcello diz que foi por minha causa que meu pai voltou. Foi preciso muita conversa. Mas foi mais como filha, foi mais com o coração que eu falei com ele do que como deputada. A gente conversa muito. E eu falei pra ele que achei um erro ele ter saído do partido. O lugar dele é no PSDB” (Andréia Zito, 26/04/2006).

Mais do que apoio para a volta ao PSDB, Andréia configurou uma peça-chave para a

retomada de Zito à vida pública. O seu retorno ao partido, em setembro de 2005, acabou

provocando um certo mal-estar, uma vez que se cogitava seu possível ingresso no PFL de

César Maia. Sendo assim, no início deste ano, Zito deixou o cargo que ocupava na

Prefeitura do Rio de Janeiro a convite do prefeito para dedicar-se à campanha de 2006.

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Para viabilizar seu retorno e seu projeto político de retomar a administração de Duque de

Caxias, em 2008, Zito optou por candidatar-se a deputado estadual nas próximas eleições e

tentar fazer de sua filha uma aliada na Câmara dos Deputados — posição até então ocupada

por Dr. Heleno. As articulações nesse momento giram em torno dessas duas candidaturas

que, se concretizadas, podem significar maior proximidade do objetivo final de Zito: o

governo do estado em 2010.

“Agora, nós estamos indo de casa em casa. A campanha de rua é o nosso forte. Fazemos reuniões em casa de família, com pequenos grupos para conseguir apoio e mostrar o que pretendemos. Nós trabalhamos assim” (Andréia, 26/04/2006). “Nas eleições em Caxias, nós batemos na trave. Mas minha credibilidade política cresceu. Os convites aconteceram para que eu fosse candidato a governador do meu partido, para que fosse vice, fazendo o fechamento do PSDB com outros partidos, para que fosse senador. Mas eu quis e quero reiniciar minha vida pública no cargo de deputado estadual. Por que? Porque eu vou ficar mais próximo às bases no meu estado. A minha filha que tem dois mandatos de deputada estadual […] houve uma lacuna nessa nossa caminhada, porque o Dr. Heleno — que sempre foi o meu federal — acompanhou também o Washington, me deixou. Então, eu pedi que a Andréia fosse candidata a federal e eu a estadual para que eu venha a recomeçar o meu trabalho não só aqui em Duque de Caxias. Eu quero poder ajudar os prefeitos em outras cidades, na sua reeleição e com algumas outras lideranças que por ventura venham a surgir. Enfim, eu quero fazer um trabalho enquanto deputado estadual que venha a abranger todo o estado do Rio de Janeiro. Por isso, eu quero voltar a ser deputado estadual por dois anos, porque eu quero voltar a ser prefeito e fazer um grande trabalho; em 2010 me credenciar de novo a ser candidato a governador. Esse é o meu caminho, a minha pretensão política e eu vou trabalhar para que eu tenha uma votação expressiva em todo o estado do Rio de Janeiro e não só em Duque de Caxias. E pretendo fazer a Andréia nossa deputada federal, porque é muito importante pra mim, pra que os projetos federais, as verbas federais, as emendas venham e pra que eu possa ajudá-la e que ela me tenha como guia para que esses recursos possam chegar nas

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cidades onde nós certamente iremos trabalhar” (Zito, 26/04/2006).

Apesar do discurso de que “há um exército [de aliados] atrás de mim”, Zito parece

relativamente isolado. Quando perguntado sobre seus aliados políticos no momento,

mencionou apenas dois: sua filha Andréia e o candidato derrotado nas eleições municipais

de Duque de Caxias, Laury Villar.

Seu mais antigo aliado político, Dr. Heleno, o abandonou, indo para o lado adversário. Os

demais políticos com quem mais recentemente manteve estreitas ligações — César Maia,

Lindberg Farias, entre outros — são nomes de ocasião, ou seja, acertos políticos

momentâneos e instáveis. O retorno ao PSDB, por exemplo, implicou no afastamento de

César Maia — a relação de proximidade com Lindberg e o PT sendo imprevisível. Todo o

desgaste oriundo da insistência em levar a cabo o projeto de candidatar-se a governador

acabou lhe rendendo um grande ônus político, apesar de seu prestígio pessoal em Caxias

estar aparentemente intacto. Em relação a Narriman, segundo ele ainda estariam juntos,

mas durante a entrevista Zito não usava aliança. Os jornais parecem concluir que a união do

casal não durará muito, já que, ainda filiada ao PT, a ex-prefeita teria sido convidada a

disputar as próximas eleições como candidata do partido à Assembléia Legislativa,

contrariando os interesses políticos do marido que afirmar que ele deveria sair da

política181.

As diversas falas aqui apresentadas permitem-nos apreender a multiplicidade de interesses

em jogo e as formas pelas quais as práticas políticas são operacionalizadas. Não foi

objetivo desta tese classificar ou mesmo rotular este ou aquele político de assistencialista,

181 O Dia, 26/11/2004.

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populista ou clientelista182, nem mesmo de benfeitor, herói, messias ou salvador183. Por

outro lado, a preocupação em tampouco diluir ou mesmo suprimir a pecha de populista ou

assistencialista remete à percepção de que as relações em questão estão sempre envoltas em

tipologias e classificações (nativas ou não) associadas a julgamentos de valor.

Ao traçar as possíveis relações entre os discursos sobre ou para uma determinada pessoa e

ressaltar a polifonia existente na constituição dos processos de identificação sociais

vinculados às práticas políticas e eleitorais, podemos relacionar os projetos em jogo, os

campos de possibilidades dos atores e sua capacidade de mediação (Velho, op.cit.; Velho e

Kuschnir, op. cit). Nesse sentido, a análise da trajetória de Zito permitiu-nos expor com

minúcia as estratégias e os obstáculos enfrentados para a concretização de seu projeto

pessoal — e em que medida tal projeto podia associar-se a outros e, assim, obter êxito.

Grosso modo, as disputas internas ao próprio partido – a luta entre “os mais iguais entre os

iguais” (Heredia, op. cit.) – ou mesmo o desgaste nas relações familiares (com Narriman e

Waldir) puderam ser entendidos em relação às estratégias individuais e às mudanças por

que passaram os projetos políticos dos atores em questão. A incapacidade de manter-se

como mediador político (mesmo que temporariamente), independentemente de seu carisma

pessoal, foi demonstrada através da tentativa mal-sucedida de imposição de sua vontade e

projeto a outras lideranças.

Assim, o papel e a influência dos partidos — apesar do “sentimento de inferioridade” com

relação a estes últimos184 — mesmo que minimizados em trajetórias como a aqui abordada,

são novamente acionados quando nos depararmos com o insucesso de Zito na efetivação de

182 Leal (op. cit.), Weffort (1980), Nunes (1997). 183 Harris (1978) e Girardet (1987). 184 A expressão entre aspas é de Jairo Nicolau (1996) quefaz uma análise sobre o sistema político e, particularmente, sobre os partidos políticos no Brasil, no período pós-1985.

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seu projeto de candidatar-se ao governo do estado. Novamente, seu carisma, por si só, não

foi capaz de garantir a concretização de suas intenções, tampouco de lhe assegurar a

prefeitura de Duque de Caxias como base para projetos futuros.

Aparentemente isolado politicamente, Zito enfrentará sua prova de fogo nas eleições de

2006. Testando o seu carisma pessoal e sua capacidade de mediação política, sua vitória ou

derrota para a ALERJ — e a de sua filha para a Câmara de Deputados — definirá os

destinos políticos de sua família.

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CAPÍTULO 4: LINDBERG: DO MUNDO PARA A BAIXADA

O Brasil está olhando para esta eleição em Nova Iguaçu, afirmou Lindberg Farias (Jornal

do Brasil, 04/10/2004).

Neste capítulo abordarei a trajetória de Lindberg Farias, a última selecionada para

pensarmos a Baixada como o resultado da multiplicidade de práticas políticas locais, seus

atores e processos de identificação nelas envolvidos. Esta apresentação visa refletir a

respeito da multiplicidade em termos representativos e expressivos, expondo os diferentes

(e em alguns casos, novos) discursos (e projetos – individuais e coletivos) sobre a região e

o próprio fazer político, acionados durante a campanha eleitoral para o pleito municipal de

Nova Iguaçu, em 2004.

Conforme demonstrarei no decorrer do capítulo, meu acesso ao candidato petista não foi

imediato, tampouco sem esforços. Sendo assim, como ponto de partida, trabalhei com

fontes documentais sobre sua vida política — fundamentalmente com o Dicionário

Histórico e Biográfico Brasileiro (Abreu et al., 2001), devido à inexistência de uma

biografia até o momento — além de matérias de jornais de âmbito nacional e regional.

Utilizei-me, ainda, de entrevistas com alguns assessores e pessoas ligadas à sua campanha,

documentos de partidos políticos e material obtido por meio de pesquisa em sítios

eletrônicos diversos.

Embora tenha conversado com Lindberg, não realizei uma entrevista formal. Fiz

observação participante, acompanhando o cotidiano de sua campanha pelo maior tempo

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possível. Durante o trabalho de campo, conversei também com moradores dos mais

diversos bairros da cidade em circunstâncias variadas e participei de eventos —

showmícios, caminhadas, carreatas e encontros — dos três principais candidatos à

Prefeitura de Nova Iguaçu185.

Conforme tratado em capítulo anterior186, Nova Iguaçu pertence à Região Metropolitana do

Rio de Janeiro e constitui um dos núcleos do lugar Baixada Fluminense. De acordo com o

IBGE, a cidade possuía, em 2002, 750.487 habitantes, distribuídos por nove unidades

regionais (URGs): Centro (175.562 hab.), Posse (117.834 hab.), Comendador Soares

(108.614 hab.), Austin (96.199 hab.), Cabuçu (76.350 hab.), Vila de Cava (63.035 hab.),

Km 32 (57.467 hab.), Miguel Couto (50.872 hab.) e Tinguá (13.328 hab.). Segundo as

estimativas deste mesmo órgão, em 2004, Nova Iguaçu contava com a terceira maior

população do Estado do Rio de Janeiro (817.117 habitantes) e, ao lado de Duque de Caxias

(a segunda no ranking, com 830.679 hab.), constituía uma das cidades mais importantes

política e economicamente dentro da região.

Nova Iguaçu sempre teve um papel crucial na Baixada Fluminense — até a década de 1980,

disputando a hegemonia política regional somente com Duque de Caxias. A trajetória de

Zito, abordada no capítulo anterior, bem como a dos demais atores políticos aqui

apresentados, ilustra exemplarmente o processo que culminará, em 2004, na

reconfiguração das relações de poder locais, cada vez mais dinâmicas e fluidas, trazendo à

tona a complexidade do fazer político numa arena ampliada para além das fronteiras

fluminenses e de seus “caciques”. Nesse sentido, Nova Iguaçu transformou-se no cenário

185 Os candidatos à prefeitura de Nova Iguaçu, em 2004, foram: Lindberg Farias (PT), Mário Marques (PMDB), Fernando Gonçalves (PTB), Carlão (PSTU) e Zé Renato (PCB). 186 Ver capítulo sobre a(s) Baixada(s) e seus municípios.

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de uma das eleições mais noticiadas daquele ano — tanto pela imprensa escrita carioca,

quanto por alguns jornais de caráter mais abrangente (O Globo, Folha de São Paulo,

Estado de São Paulo, Gazeta Mercantil, Estado de Minas, entre outros). Tais eleições

acarretaram uma visibilidade política inédita para a região. A cobertura da imprensa

nacionalizou as campanhas locais e transformou a cidade no palco da guerra política entre o

casal Garotinho (a governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Matheus e seu marido, o ex-

governador e ex-secretário de segurança do estado, Anthony Garotinho, ambos do PMDB)

e o governo federal (o presidente Lula e o PT), redirecionando, assim, os holofotes para a

Baixada Fluminense187.

No pleito em questão, as redes políticas que atuam na Baixada polarizaram o campo

político (pensado em termos de lutas entre concorrentes pelo poder político na cidade e na

região como um todo188), fundamentalmente, em torno de dois candidatos principais: Mário

187Anthony Garotinho nasceu em Campos, onde disputou sua primeira eleição (em 1982, para a Câmara dos Vereadores, pelo PT). Apesar de ter sido o candidato mais votado da cidade, não conseguiu eleger-se porque seu partido não atingiu o coeficiente eleitoral mínimo. Em 1986, elegeu-se para a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Em 1988, ainda pelo PDT, candidatou-se à prefeitura de Campos. Foi Secretário de Agricultura do estado do Rio de Janeiro, na gestão do então governador Leonel Brizola, entre 1993 e 1994. Neste mesmo ano foi candidato ao governo do estado pelo PDT, tendo sido derrotado, em segundo turno, pelo candidato do PSDB, Marcello Alencar. Em 1996, Garotinho foi eleito para a prefeitura de Campos. Em 1998, deixou o cargo para lançar-se novamente candidato do PDT ao governo do estado do Rio de Janeiro. Elegeu-se, em segundo turno, com 58% dos votos válidos para o mandato de 1999 a 2003, tendo como vice, Benedita da Silva, do PT. Foi, em 2002, secretário de governo de sua esposa, Rosinha Matheus, em seguida tornou-se Secretário de Segurança do estado. No ano de 2006 tentou lançar-se pré-candidato à Presidência da República pelo PMDB, mas não teve sucesso. As disputas internas ao partido e interesses em possíveis coligações impediram que o projeto de Garotinho se concretizasse. Ele foi alvo de diversas denúncias de mal uso do dinheiro público feitas pelo jornal O Globo, fazendo greve de fome como protesto ao que chamou de tentativa de “derrubá-lo”, de “tirá-lo do campo” maculando sua imagem de homem público. Até o momento da revisão final desta tese, o PMDB ainda não havia tomado qualquer decisão sobre possíveis coligações e, devido à verticalização, as coligações para o cargo de Presidente implica no respeito a tais coligações também nas esferas estaduais para a eleição de Governadores. Já Rosinha Matheus é Governadora do Rio de Janeiro, em seu primeiro mandato eletivo, obteve 4.101.423 votos, representando 51,30% do total dos votos válidos, contra os 1.954.379 votos de Benedita da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), totalizando 24,45% do total da votação (Dados do TSE). O casal é evangélico, membro da Igreja Assembléia de Deus (Barreto, 2004:60). 188 Ver, a este respeito, Bourdieu, 1989: 163-164.

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Marques189, do PMDB — através da coligação “Crescer sempre com Deus e o povo”,

composta por 16 partidos (PP, PDT, PMDB, PSL, PTN, PSC, PL, PPS, PSDC, PRTB,

PHS, PMN, PV, PRP, PRONA e PT do B) — e, do outro lado, o paraibano Lindberg

Farias, escolhido para disputar a eleição na cidade pela coligação “Hora da Mudança” (PT,

PFL, PSDB, PSB e PC do B).

A opção pela análise da trajetória de Lindberg deveu-se não somente à novidade

representada por sua candidatura — em termos do lugar que a Baixada (via Nova Iguaçu)

passaria a ocupar na política do estado, mas também do país de forma mais ampla — mas,

sobretudo, por constituir o primeiro passo em direção a um projeto político coletivo do PT

para o Rio de Janeiro, com implicações para as eleições futuras (de 2006). Pela primeira

vez, em muitos anos, Nova Iguaçu e a Baixada, de forma mais ampla, eram alçadas a

manchetes nacionais sem remissão direta (ou exclusiva) à violência, criminalidade ou

pobreza da região190.

189 Neste trabalho, não abordarei a campanha de Mário Marques. Faz-se necessário, no entanto, um breve resumo de sua biografia. Mário Pereira Marques Filho é natural de Nova Iguaçu. Advogado, foi Juiz de Paz da Comarca de mesmo nome, entre 1967 e 1970, e Secretário de Administração da Prefeitura, de 1967 a 1968. Em 1970, foi eleito vereador em seu primeiro mandato (pela ARENA), com 2.397 votos e reeleito, em 1972, pelo mesmo partido, com 3.025 votos. Foi suplente de Deputado Estadual (1974-1978) ainda pelo mesmo partido, participando, como relator, da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal, em duas legislaturas (1970/ 1972/ 1976). Em 1976, reelegeu-se vereador pela terceira vez (ARENA), com 3.024 votos. Filiou-se ao Partido Democrático Social (PDS) em 1981, no qual permaneceu até 1990. Reeleito pela quarta vez em 1982, foi o 3º mais votado do município, com 4.761 votos. Foi líder da bancada do PDS e fundador do partido (1980/ 1982) no município. Em 1988, reelegeu-se vereador, ainda pelo PDS, com 1.180 votos, momento em que atuou também como relator da Lei Orgânica de Nova Iguaçu (em 1988 e 1990). Em 1990, candidatou-se à Câmara dos Deputados pela legenda do PTR, com um total de 4.882 votos, obtendo a 5ª suplência. Reelegeu-se vereador pela sexta vez consecutiva em 1992, obtendo 1.615 votos — sendo o 1º da coligação PTR/ PST, posteriormente eleito 2º Vice-presidente da Câmara Municipal de Nova Iguaçu. Foi reeleito vereador pela 7ª vez consecutiva, em 1996, já pelo PPB, obtendo 2.772 votos. De 1999 a 2000, foi Presidente da Câmara Municipal de Nova Iguaçu. Aos 63 anos, após 30 anos de mandatos legislativos, tornou-se pela primeira vez prefeito de seu município, tendo assumido o cargo em 2002. 190 Tais “imagens” não desapareceram por completo, foram minimizadas em relação às demais regiões do estado e, principalmente, ao município do Rio de Janeiro, conforme retratado por Silvia Ramos e Anabela

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Destinos e Projetos

“Eu vim pra cá pra mudar Nova Iguaçu. Porque Nova Iguaçu é só o começo.”

Lindberg Farias, no palanque, durante a sua campanha em 2004.

Luís Lindbergh Farias Filho nasceu em João Pessoa (PB), em 8 de dezembro de 1969. Filho

da professora Ana Maria Nóbrega Farias e do médico Luís Lindbergh Farias, começou a

vida adulta trilhando o caminho do pai — ao optar pelo curso de Medicina da Universidade

Federal da Paraíba, no qual permaneceu por dois anos. Sua inserção na vida política

universitária iria, entretanto, levá-lo em outra direção. O “encontro” com a política também

deveu-se, de certa forma, à influência paterna —seu pai tendo sido ex-militante da Ação

Popular (AP) e vice-presidente da UNE, em 1961.

Em 1988, Lindbergh filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PC do B). No ano seguinte,

integrou, como secretário-geral, o Diretório Central dos Estudantes da Universidade

Federal da Paraíba. Em 1991, tornou-se secretário-geral da UNE (União Nacional dos

Estudantes) e, em maio de 1992, foi eleito presidente, em cerimônia na USP na qual

estiveram presentes o então presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da

CUT, Jair Meneguelli; a prefeita de São Paulo, Luiza Erundina; o presidente da SBPC,

Enio Candotti, e o presidente do PC do B, João Amazonas191.

Paiva no relatório completo, realizado pelo CESeC, assim como no relatório Impunidade na Baixada Fluminense, organizados em conjunto por diversas entidades e centros de pesquisa (2005). 191 Jornal do Brasil de 16/07/1992.

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Meses depois, Lindbergh se transformaria em um dos principais líderes do movimento dos

“cara-pintadas” (DHBB, 2001)192. A partir de agosto daquele ano, juntamente com outras

entidades civis como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Central Única dos

Trabalhadores (CUT), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Conferência Nacional

dos Bispos do Brasil (CNBB), organizou diversas manifestações públicas estudantis (e de

cidadãos, de modo em geral), exigindo o impeachment do presidente Fernando Collor de

Mello (PRN) 193.

“Na passeata de sexta-feira às 10h30m, partindo da Candelária, temos um objetivo muito claro: unir toda a juventude que está indignada com os rumos que o país está tomando. Mas não queremos apenas os jovens, que naturalmente estão participando [...] Vamos unir todos que são contra a impunidade, os que são contra a corrupção, os que defendem o impeachment do presidente Collor. Não interessa por que partido têm simpatia. Se os simpatizantes do PFL que defendem o impeachment quiserem participar, ótimo. Serão muito bem recebidos” (O Globo, 20/08/1992).

No dia 31 daquele mesmo mês, o jornal Folha de São Paulo, referindo-se a Lindberg como

“o novo herói”, publica uma entrevista feita com ele sobre as manifestações estudantis, a

UNE, Cuba, a década de 1960 e a luta armada, terminando com a seguinte pergunta: “Você

pretende seguir carreira política?”. A resposta negativa enfatizava os planos de “acabar os

estudos”, formar-se em Direito e trabalhar pela causa “dos trabalhadores e camponeses”.

192 É importante destacar que a própria grafia de seu nome foi alterada, suprimindo o H ao final e tornando-se conhecido apenas como Lindberg Farias. 193 Nesse mesmo ano, Lindberg conheceu Maria Antônia Goulart durante uma das passeatas, sua companheira e mãe de seu filho, também chamado Luís. Maria Antônia e Lindberg se separaram e permaneceram assim até meses antes da eleição de 2004, quando reataram o casamento.

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Apesar de não assumir qualquer intenção de ingressar na vida pública, suas palavras finais

acabaram sendo um presságio: “Eu sempre vou querer estar no olho do furacão”194.

Através da visibilidade nacional alcançada com o “Movimento pela Ética”, liderando os

estudantes a favor do impeachment, Lindberg tornou-se um interlocutor privilegiado com o

governo federal — na ocasião, já sob o comando de Itamar Franco (PSDB/MG) — a

despeito das críticas de seu partido a esta administração. No ano seguinte (1993), ele esteve

à frente das manifestações estudantis contra o aumento das mensalidades e participou

ativamente do Movimento pela Ética na Política (DHBB, op. cit.).

A conquista de um cargo eletivo, sem dúvida, já figurava entre seus interesses, constituindo

um projeto pessoal, desde o impeachment de Collor. O ano de 1993 foi de muitas conversas

e de articulação política. O mais famoso dos “cara-pintadas” tornara-se importante e

disputado politicamente. Em matéria publicada em 5 de maio de 1993, a revista Veja

ressaltava alguns dos atributos de Lindberg, a ele referindo-se como o “astro do

impeachment”.

“De fala arrastada e jeito sedutor, Lindo, o bonitão modelo anos 60 que se tornou o muso dos cara-pintadas, agita a moçada, provoca paixões e distribui autógrafos. [...] No movimento estudantil, o partido responde pelo nome de Viração. Lindberg é a estrela da chapa, que hoje comanda a maioria das entidades estudantis do país. Foi eleito por mais da metade dos votos dos representantes dos 1,5 milhão de estudantes universitários. É também a esperança do PC do B, que tem sete deputados e nenhum senador no congresso”.

194 Poucos dias após essa entrevista à Folha de São Paulo, outro jornal — o Jornal do Brasil — afirmava que o sonho de Lindberg era diplomar-se, mudar-se para o Rio de Janeiro e “com certeza, fazer política” (Jornal do Brasil, 13/09/1992).

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Em 15 de agosto de 1993, o Jornal do Brasil anunciava uma possível aproximação com

Brizola que, no entanto, não se concretizou. Em 1994, o projeto individual (Velho, op.cit.)

de Lindberg foi vitorioso: ele conseguiu eleger-se o deputado federal mais votado de seu

partido (PC do B), com 57.544 votos — pela Frente Brasil Popular (PC do B, PT, PSB, PV

e PSTU) — com um discurso voltado para a área da educação, para o movimento estudantil

e contra a corrupção. Sua atuação durante este primeiro mandato eletivo esteve, de fato,

muito ligada à educação, com uma postura crítica ao “provão” — apoiando, assim, a

posição sustentada pela UNE — e à abolição do monopólio estatal das telecomunicações e

do petróleo. Em setembro de 1997, Lindberg desligou-se do PC do B, filiando-se ao PSTU.

A lógica dos partidos pode ser acionada de diversas maneiras195: do ponto de vista do

político que participa de uma “ciranda de siglas” com o objetivo de eleger-se; para pensar a

operacionalização de um sistema partidário fragmentado — como no caso brasileiro — e a

dinâmica dos números196; como crítica à perda do caráter ideológico dos partidos ou, ainda,

como denúncia, no contexto da disputa eleitoral — como no caso da matéria, veiculada

pelo jornal da Liga Bolchevique Internacionalista, que pretendia fazer uma análise da saída

de Lindberg do PC do B.

195 O tema em questão é abordado por inúmeros pesquisadores — historiadores (Beloch, 1986; Sarmento, 1999; Soares, 2001); cientistas políticos (Schmitt e Araújo, 1997; Sento-Sé, 1999; Mainwaring, 2001); sociólogos (Diniz, 1982), antropólogos (Palmeira e Goldman (orgs.), 1996; Viegas, 1997; Bezerra, 1999; Kuschnir, 2000; Santos, 2001; Borges, 2003) — com ênfases diversificadas, mas com o objetivo comum de tentar entender o sentido e as formas de operação da política e da democracia no Brasil. É interessante perceber como a lógica dos partidos é correlata à lógica da dádiva, influência de Mauss na re-significação operada por Kuschnir, sendo a primeira possível graças a um sistema multipartidário que qualifica como atendimento, a mediação operada pelo ator político. Dessa forma, a prática da “ciranda das siglas” adotada por muitos políticos convive, na maioria dos casos, harmoniosamente com o tipo de Estado constituído na América Latina e, particularmente, no Brasil. 196 O que denomino dinâmica dos números refere-se essencialmente à expressão numérica e percentual da representação política. No processo da dinâmica eleitoral, os votos, pensados como números, são tratados sob o prisma da quantificação, deixando de lado o caráter expressivo — de seu sentido e de sua dimensão de valor.

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“[…] a saída de Lindberg do PC do B e seu ingresso no PSTU seguia unicamente suas conveniências eleitorais, em um processo de re-acomodação partidária no mesmo marco da frente popular. Alertávamos, porém, que mais grave que a conduta de Lindberg era a orientação levada a cabo pela direção do PSTU ao acolher, sem qualquer reserva ou exigência de autocrítica profunda, uma figura de ponta do PC do B em seus acordos com a burguesia, procurando apagar as traições de seus antigos adversários, no momento em que estes se filiam ao partido. Em resumo, a forma como Lindberg ingressava no PSTU acabava por tornar esse partido uma espécie de legenda de aluguel da esquerda[…] O ex-presidente da UNE e garoto-propaganda do impeachment, eleito em 1994 em função das mobilizações do Fora Collor, via ameaçada suas pretensões de reeleição em 1998, porque o PC do B do Rio de Janeiro decidira priorizar a reeleição da também deputada federal, Jandira Fegalhi. Em uma conduta eleitoral típica dos mais marginais políticos burgueses, Lindberg Farias, às vésperas do encerramento do prazo para mudanças de partidos, larga o PC do B e adere ao PSTU” (06/08/2001).

Os jornais também conferiram destaque à mudança de sigla. Com manchetes como

“Lindberg troca o PC do B pelo PSTU: militante no partido desde 87, deputado federal pelo

Rio recebe críticas de colegas” (Folha de São Paulo, 28/09/1997), ou “O desbunde do cara-

pintada: o deputado Lindberg Farias troca a cartilha do PC do B pelo trotskismo do PSTU e

é vítima de insinuações no Congresso” (Revista Isto é, 08/10/1997). Vários políticos

também comentaram a troca de partido, algumas situações de conflito vindo à tona nesta

reportagem da Isto é (idem).

“‘Não entendi nada. Pelas posições que defendia [Lindberg], parecia estar mais próximo de pessoas como Leonel Brizola e Miguel Arraes do que dos trotskistas’, afirmou o deputado Inácio Arruda (PC do B - CE) [...] ‘Acho que o PC do B é burocrata e tem ilusão de que é possível mudar o país aos pouquinhos. A saída é a luta

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popular’, defende um aguerrido Lindberg [...] ‘O que ele fez foi uma mistura de oportunismo eleitoral com vontade de brilhar sozinho num partido pequeno. Ele acha que no PSTU só vai ser menos importante que o Trotski’, alfineta Ricardo Capelli, atual presidente da UNE e militante do PC do B. ‘Ele apostou no PSTU porque acha que vai haver uma aliança com o PT e assim fica mais fácil para se reeleger’, avalia o deputado Ricardo Gomide (PC do B - PR).

Nos últimos quatro meses, Lindberg vinha emitindo sinais a seus colegas de que estava perdendo o eixo. Ameaçou renunciar ao mandato na hipótese de condenação do líder dos sem-terra, José Rainha Júnior [...] Antes de radicalizar de vez, foi convidado a ingressar em partidos menos ortodoxos.

‘Chamei o Lindberg porque no PV ele poderia desbundar à vontade’, brinca Fernando Gabeira, único representante do Partido Verde na Câmara. [...] As críticas [de Lindberg a Miguel Arraes] tiveram resposta imediata. O deputado federal Alexandre Cardoso, líder do PSB de Arraes, fez um discurso malicioso insinuando que Lindberg estaria envolvido com cocaína [...]

‘O Alexandre Cardoso é o tradicional político da Baixada Fluminense. Gosta de baixar o nível’, contra-ataca Lindberg” (Grifos meus, p.32).

Enquanto para alguns atores (fundamentalmente de “alas”, mas também de redes políticas

diferentes, como acima exposto), a troca de partido efetivada por Lindberg significava uma

simples manobra eleitoral; para outros (para uma parte da imprensa, por exemplo), refletia

um recrudescimento de suas posições políticas, valendo-lhe a designação de “radical”. No

entanto, apesar da expressiva votação obtida (74 mil votos) naquele ano (1998), a mudança

de sigla não reverteu necessariamente em sua reeleição e Lindberg não conseguiu ser

reeleito.

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À fama de “radical”, somava-se também a de “bêbado”, “encrenqueiro”, “badboy”.

Lindberg protagonizou confusões dos mais variados tipos: com policiais, durante leilão da

Vale do Rio Doce, em 1997; trocando cotoveladas com seguranças da Câmara dos

Deputados, em 1998; arremessando pedras em policiais militares durante leilão de

privatização da Telebrás, neste mesmo ano e, por fim, envolvendo-se numa briga em uma

lanchonete, em 1999. Lindberg, após estes episódios, decidiu mudar seu visual (emagreceu,

começou a praticar esportes, a correr), no intuito de transformar também sua imagem

pública.

“Hoje, aos 29 anos, Lindberg Farias pode até continuar o mesmo radical de sempre – tanto que permanece filiado ao ultraxiita PSTU, partido no qual ingressou em 1997, por achar os comunistas do PCdoB ‘muito conservadores’. O visual, entretanto, mudou um bocado. [...] São 88 quilos sarados em 1,86m de altura” (O Dia, 25/06/2000, grifo do autor).

Tais mudanças visavam o ano eleitoral de 2000. Ainda pelo PSTU, disputou uma vaga na

Câmara Municipal do Rio de Janeiro, obtendo 40.503 votos, mas novamente não

conseguindo eleger-se — sendo necessário um mínimo de 85 mil votos, considerado um

coeficiente alto para um partido do porte do PSTU197.

Em 2001, Lindberg efetuou uma nova troca de partido, filiando-se ao PT — o que gerou

novas críticas e acusações de ex-colegas do PSTU198. Nas eleições de 2002, disputou uma

vaga para a Câmara dos Deputados, saindo vitorioso com 83.468 votos e sendo o terceiro

197 Chamo a atenção para a noção de risco intrínseca à própria concepção de projeto, seja ele individual e/ou coletivo. Conforme assinalou Velho (1999:29), “o projeto, sendo consciente, envolve algum tipo de cálculo e planejamento, não do tipo homo economicus, mas alguma noção culturalmente situada, de riscos e perdas quer em termos estritamente individuais, quer em termos grupais”. 198 O Partido dos Trabalhadores não é objeto desta tese, mas sobre sua criação, projetos, trajetórias ver, por exemplo, Gadotti (1989); Meneguello (1989); Florestan Fernandes (1991); Keck (1991); Silva (2000). Outros trabalhos recentes que se referem ao PT, mas que não o tomam necessariamente como objeto, são: Gaglietti. (1999); Dacanal (2002); Pereira (2004); Soares (2004); Nobre (2004).

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mais votado do partido no estado do Rio de Janeiro, atrás apenas de Chico Alencar (com

169.131 votos) e Jorge Bittar (com 140.848 votos) (TSE)199.

A trajetória no PT seguiu caminhos, por vezes, polêmicos. Em alguns momentos, Lindberg

colocou-se contrário a decisões da “ala governista”, integrando a “ala radical” juntamente

com Heloísa Helena (a quem fez juras de amizade e fidelidade200), Babá, Luciana Genro,

entre outros, o que implicou em embates e até em ameaças de expulsão do partido. O

episódio em questão recebeu abundante atenção da imprensa, sendo alçado ao patamar de

“questão de Estado”, segundo Luiz Antonio Magalhães, do Observatório da Imprensa.

De acordo com matéria publicada na Folha de São Paulo de 04/02/2003, a cúpula do

partido estaria insatisfeita com as declarações e tomadas de posição de alguns de seus

correligionários. Ainda segundo seu autor, o jornalista Kennedy Alencar, o então ministro

da Casa Civil teria dito que “gostaria de ver fora do PT as senadoras Heloísa Helena e Ana

Júlia e os deputados federais Lindberg Farias, Luciana Genro e o Deputado Babá”. Segue-

se, na mesma matéria: “nas conversas reservadas, Dirceu tem dito que o grupo de

deputados mais sectários deve sair do PT. ‘O PSTU e o PCO receberiam esse pessoal de

bom grado’, disse Dirceu a um grupo de deputados no último final de semana” (idem). Essa

não foi a única manifestação dos conflitos internos ao partido, ficando cada vez mais tensa

a relação entre os “radicais” e os “governistas”.

Em seguida, Lindberg foi procurado por nomes importantes do PT. Convidado a participar

de reuniões, que contaram com a presença do Presidente Lula; ele parecia estar assumindo

uma posição de conciliação, afastando-se dos “radicais” que acabaram expulsos do partido

199 É importante destacar que a vitória de Lula no segundo turno contra José Serra (PSDB), marcaria uma nova fase para o Partido dos Trabalhadores, agora pela primeira vez no governo. 200 Folha de São Paulo, 21/05/2003; Revista Época, 06/09/2003, entre outros.

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— e que vieram a fundar o PSOL. Na ocasião, os jornais elencaram os motivos e as

alianças que começavam a descortinar-se, a partir dos episódios em questão. De acordo

com matéria do Jornal do Brasil, de 02 de abril de 2003,

“O deputado Lindberg Farias (PT-RJ) confirmou que está costurando uma declaração de voto, em plenário, para que os radicais possam marcar sua posição. Essa declaração envolverá parlamentares de outros partidos da base. ‘A reunião de hoje foi uma dupla vitória. Do presidente do PT, que demonstrou disposição no diálogo e capacidade de trânsito de todas as correntes. E de nosso grupo, que consegui garantir um debate amplo sobre a autonomia do BC e o Pl9’, disse o deputado.”.

Como retaliação e prenúncio do que estaria por vir, no início de maio, Lindberg foi

ameaçado de afastamento da vice-liderança da bancada do partido na Câmara dos

Deputados. Sua aproximação definitiva de membros governistas do PT (e de seus projetos)

deu-se a partir de então e foi sendo aos poucos estruturada, ficando explícita na coluna por

ele escrita, a respeito da votação da reforma da Previdência — e publicada pela Folha de

São Paulo, em 09/05/2004.

“A proposta de reforma da Previdência merece apoio dos deputados do PT? – Sim. A votação da reforma da Previdência esquentou o debate sobre o governo Lula entre velhos militantes da esquerda. Alguns, em especial sindicalistas do funcionalismo público, já falam em sair do PT, acompanhando os parlamentares que votaram contra o governo e que provavelmente serão expulsos do partido. Esse, a meu ver, é um grave erro político. A saída do partido dos que têm posição mais à esquerda favorece a consolidação das forças mais conservadoras no governo e fora dele. Quero alertar aos mais desavisados que a opção que alguns fizeram pelo tensionamento às últimas conseqüências faz parte de uma estratégia política. Querem ser expulsos do PT. Crêem que chegou a hora

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da construção de um novo partido, este verdadeiramente revolucionário. No fundo, estão presos a um velho esquema: o da Revolução Russa, de 1917. Ou melhor, a uma leitura equivocada e esquemática de seus feitos. Não creio na possibilidade de uma ultrapassagem pela esquerda a Lula e ao PT. Se o governo for derrotado, não vem o PSTU; voltam os tucanos e o PFL. Não é hora, portanto, de criar um movimento de oposição pela esquerda, mas de fortalecer uma ala à esquerda no governo e no PT que pressione e exija mudanças de rumos. A falta de uma avaliação equilibrada dessa correlação de forças pode levar uns a pensarem que agem como os portadores da coerência, quando na verdade estão sendo usados como inocentes nas mãos da direita. O fato é que o jogo não acabou. Ao contrário, está esquentando. Temos de apostar em uma aliança ampla de forças que juntem do mesmo lado os trabalhadores e os setores produtivos do empresariado contra essa hegemonia asfixiante do sistema financeiro; os setores da esquerda do PT e dos movimentos sociais com a parte do governo que começa a entender que essa é a hora de iniciar o descarte desse entulho monetarista. É nessa batalha que o futuro do governo Lula será decidido. Se persistir a política atual, perde o Lula e toda a esquerda. Volta a direita. Se, por outro lado, o governo entrar em uma outra fase que privilegie o crescimento econômico e a geração de empregos, teremos uma vitória, que, apesar de parcial, será importantíssima. Ela nos dará um tempo maior na espera de uma alteração na correlação de forças em nível internacional que poderá abrir possibilidades para saltos maiores” (Tendências e Debates, Folha de São Paulo, 09/05/2004).

Os pronunciamentos de Lindberg — ora criticando duramente o governo, ora pedindo

calma aos “companheiros” — revelavam a ambigüidade de suas posições ao mesmo tempo

em que testavam suas possibilidades no interior do partido, naquele momento específico.

Lindberg Farias (RJ), 33, afirmou que não recuou em suas críticas ao governo e que não decidiu ainda qual será a sua posição na votação dos pontos polêmicos das reformas. "Acho que a bancada pode ainda mudar muito a

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opinião", disse o deputado federal. Folha - O sr. recuou da decisão de ir contra a proposta do governo? Lindbergdigitação Farias - Eu não recuei um milímetro. Continuo articulando contra a cobrança dos aposentados, que entendo ser errada. Folha - Mas o sr. vai votar contra a proposta de reforma previdenciária do governo? Farias - Não vou dizer de antemão qual será o meu voto. Acho que a bancada pode ainda mudar muito a opinião em relação à proposta. Vou trabalhar para isso. Folha - Por que o caso do sr. não irá para a comissão deéticaFarias - Acho que eles quiseram dar um exemplo agora. Mas eu continuo contra determinados pontos da reforma. Folha - O sr. concordou com a proposta do Campo Majoritário de o debate ser interno e o voto em conjunto? Farias - Fui contra. Eu não antecipei o voto. Mas quero ganhar a bancada (Folha de São Paulo, 13/05/2003).

A impossibilidade de manter-se unido aos “radicais” e de dar continuidade aos seus

projetos políticos fez com que Lindberg buscasse o alinhamento com o chamado Campo

Majoritário (composto, entre outros, pelo Presidente Lula, pelo presidente do PT, na época,

José Genoíno, pelo então Ministro da Fazenda/ Economia, Antônio Palocci e pelo então

Ministro da Casa Civil, José Dirceu), alinhamento este que, de alguma forma, já vinha se

delineando anteriormente. Os contatos iniciados desde o fim de 2002, mas consolidados

somente após o rompimento com os “radicais” — e a tomada de posição a favor de projetos

de interesse dos governistas — lhe renderam, mais especificamente em meados de 2003, o

apoio a seu nome como pré-candidato à eleição majoritária em Nova Iguaçu, por uma

importante parcela do PT nacional.

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A pré-candidatura de Lindberg não foi, no entanto, um ato isolado do PT, e sim uma das

jogadas no tabuleiro político regional com implicações para um projeto político nacional: as

eleições de 2006.

Através, por exemplo, de declarações sobre as estratégias para as disputas eleitorais de

2004, feitas pelo então presidente do PT, José Genoíno — em entrevista concedida aos

jornalistas Marcel Gomes, Ottoni Fernandes Jr. e Verena Glass, da Agência Carta Maior,

em 16 de setembro de 2003 — podemos perceber como as lideranças do partido

ponderaram suas resoluções e preocuparam-se em construir um projeto coletivo (para o

PT). Na entrevista em questão, Genoíno traçou um panorama das disputas anteriores e da

posição que o partido deveria tomar a partir de 2003.

“Como o PT é governo, a primeira prioridade é disputar essas eleições para ganhar. Eu estou insistindo muito nesta tese. Em algumas das eleições anteriores, disputamos para acumular forças, para afirmar nomes, de olho na eleição presidencial. Em 2000, lançamos candidatos para ganhar, mas também para fazer nome. Em 2004, temos que entrar para ganhar. Primeiro, mantendo as prefeituras que o PT já governa, com a reeleição na maioria delas, evitando o que ocorreu em 2000, quando nos reelegemos em apenas 30% dos municípios que governávamos. Além de garantir a reeleição dos nossos prefeitos, temos que vencer nas cidades pólos, nas capitais de estados importantes e nas cidades com mais de 200 mil habitantes. Também queremos prefeituras de pequenas e médias cidades e pelo menos um vereador em todos os municípios”.201

201 De um ponto de vista retrospectivo, não podemos deixar de mencionar o episódio conhecido como “mensalão”. A expressão “mensalão” foi cunhada pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e imediatamente adotada pela mídia. A primeira ocorrência da expressão em um veículo de comunicação de grande reputação nacional foi no jornal Folha de S.Paulo, em matéria do dia 6 de junho de 2005. Ela refere-se a um suposto esquema de pagamento mensal a parlamentares da base governista, em troca de apoio nas votações do plenário. Tal esquema, divulgado a partir das investigações sobre corrupção dos Correios, deu origem a uma Comissão Parlamentar de Inquérito que colheu depoimentos de diversos nomes envolvidos no escândalo e culminou na cassação do mandato do deputado Roberto Jefferson, do ex-Ministro Chefe da Casa Civil ,José Dirceu, e do deputado Pedro Corrêa (PP/PE).

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Enfatizando sempre a constituição das alianças a partir dos partidos que já integravam a

base governista (PC do B, PSB, PPS, PTB, PL, PP e PMDB), Genoíno afirmava, então, que

as articulações para acordos com os demais partidos — mesmo o PFL e o PSDB — não

estariam descartadas, mas que não se processariam em nível nacional, ocorrendo apenas

localmente. Com relação à autonomia dos diretórios municipais na constituição dessas

alianças, o presidente do PT afirmou que a eles caberia:

“[…] com recurso ao diretório estadual e no limite ao nacional. Por exemplo, em algumas cidades do Rio de Janeiro, poderemos fazer aliança com o PTB. Mas na capital, o PTB tende a fazer aliança com o César Maia, que é oposição ao governo e ao PT. Já com [relação a]o PMDB: nós vamos lançar candidato próprio no Rio, e o PMDB também. E faremos aliança no segundo turno, apoiando quem for enfrentar o César Maia. O critério ético terá que ser respeitado na escolha dos candidatos e não vamos apoiar um prefeito de partido coligado ao Lula se existir um dossiê ou denúncia contra ele” (Grifos meus).

Não foi o que ocorreu em Nova Iguaçu, no entanto. Se por um lado, Lindberg contava com

as manifestações de apoio de Bittar, por outro, enfrentava as críticas de outros nomes de

peso dentro do PT, como Benedita da Silva, por exemplo, que se colocava contrária a

candidaturas “estrangeiras” à Baixada. Fazendo coro às declarações da vice-governadora —

e sendo o mais interessado no desfecho negativo para Lindberg — Adeilson Telles, ex-

secretário estadual de Trabalho durante o governo de Benedita, também condenou tal

candidatura, alegando que o pré-candidato desconheceria a realidade da Baixada e que sua

participação iria “contra todos os princípios defendidos pelo PT. Já tivemos exemplos de

prefeitos de Nova Iguaçu que moravam na Barra da Tijuca e sempre nos colocamos contra

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isso” (O Dia, 23/07/2003, p.19202). O mal-estar ocorrido no diretório local do PT deveu-se

ao fato de a pré-candidatura de Lindberg trazer à tona as fissuras internas e a briga de

facções no interior do próprio partido. Em seguida, houve um “racha” no diretório

municipal e nomes locais pronunciaram-se contrários à candidatura “estrangeira” e às

alianças que se delineavam. O nome de um “nativo”, de um morador, como Adeilson —

ainda que vinculado à ala mais “à direita” do PT (a Articulação) — parecia a escolha mais

acertada, uma vez que encarnaria a “identidade da Baixada”, “a cara do iguaçuano” 203.

Sendo assim — e conforme abordado por Freire (2003) — lançar mão desse status

significava operar sob a lógica do estigma, ou seja, fundamentar o discurso e o projeto

políticos (de tornar-se candidato do partido) na gramática da identidade social, investindo

na condição estigmatizante vivenciada pelo “povo da Baixada”204.

No caso estudado por Freire, a situação de prova (Boltanski e Thévenot, 1991) enfrentada

pelos pré-candidatos concerne justamente à uma reunião do partido cuja pauta era a escolha

do nome que disputaria a eleição de 2004205. A apresentação dos repertórios de ambos os

202 A fala de Adeilson é novamente citada pelo jornal em matéria de 23/08/2003, p. 21. Tal matéria também menciona o fato de Lindberg ter sido vaiado durante a inauguração do CEFET no bairro Santa Rita, na qual também estavam presentes o Ministro da Educação, Cristóvam Buarque (PT), e o deputado federal Nelson Bornier (PMDB). 203 Alguns membros locais, como Jerry Simões, um dos fundadores do PT em Nova Iguaçu, eram partidários de uma candidatura “nativa” — como a de Adeilson Telles, ex-vereador, candidato a prefeito na eleição de 2000 e ex-secretário estadual de Trabalho — e contrários à candidatura de Lindberg Farias. Já o presidente do diretório, Percival Tavares, apesar de desautorizar o anúncio da coligação com o PSDB, por exemplo, manifestava seu apoio à Lindberg, desde setembro de 2003 (Hora H, 23/09/2003). 204 Utilizo a noção de estigma tal como a define Goffman (1975:11). De origem grega, ela remete aos “sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava[…] Mais tarde, na Era Cristã, dois níveis de metáfora foram acrescidos ao termo: o primeiro deles referia-se a sinais corporais de graça divina que tomavam a forma de flores em erupção sobre a pele; o segundo, uma alusão médica a essa alusão religiosa, referia-se a sinais corporais de distúrbio físico. Atualmente, o termo é amplamente usado de maneira um tanto semelhante ao sentido literal original, porém é mais aplicado à própria desgraça do que à sua evidência corporal”. 205 A escolha do candidato que concorreria à Prefeitura de Nova Iguaçu pelo PMDB também não foi consensual. Nomes como os dos deputados estaduais Cornélio Ribeiro e Walney Rocha também foram “testados”. O mais cotado era o do deputado José Távora que também disputava a candidatura. Mas a escolha acabou recaindo sobre o “candidato natural”, o prefeito em exercício, Mário Marques. O descontentamento de

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lados — cada qual tentando adequar-se à situação dada pela “ala” oponente, a ênfase nas

trajetórias, a alusão a projetos específicos, todos esses foram fatores elencados no momento

da disputa. A dificuldade de aceitação — pela “ala mais à esquerda” do PT local — de

determinadas alianças não impediu, no entanto, que, mais tarde, a candidatura de Lindberg

firmasse uma coligação com o PSDB — por intermédio do vice, Itamar Serpa206 — e com

o PFL207.

Ficava explícita a fragmentação dos interesses na luta interna ao partido e na diversidade

dos repertórios arrolados. A formação de um projeto supra-individual, nos termos de Velho

(idem), não prescinde ou desconsidera tal pluralidade, mas procura tratá-la a partir de algo

que a englobe ou que, ao menos, sintetize interesses comuns de “[…] classe social, grupo

étnico, grupo de status, família, religião, vizinhança, ocupação, partido político etc.” (p.33).

Os projetos políticos de Lindberg e do PT, de forma mais ampla, entrecruzaram-se na

medida em que a viabilidade política do primeiro também estaria implicada (mas não

exclusivamente) em estratégias eficazes para o projeto coletivo do segundo que, ao incluí-

Távora ficou patente e seu possível apoio (ainda que velado) ao candidato petista — que, assim que soube da decisão, assim manifestou-se publicamente: “A camisa 10 da minha campanha está guardada no meu armário à espera dele. Ele será o capitão da minha equipe” (O Dia, 09/06/2004) — preocupou peemedebistas. 206 Itamar Serpa nasceu em Vitória, Espírito Santo. Mudou-se para Nova Iguaçu na década de 1950, trabalhando em serviços diversos até ingressar na faculdade de Engenharia Química da Universidade do Brasil. Participou do movimento estudantil e filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PC do B) em 1965, no qual permaneceu até sua diplomação, em 1969. De volta à política depois de alguns anos afastado, filiou-se ao PMDB em 1980, elegendo-se vice-prefeito no pleito de 1982, na chapa de Pedro Ivo, originário do PC do B. Na eleição seguinte, foi eleito vereador já pela sigla do PSB, transferindo-se para o PDT antes mesmo de sua posse. Reelegeu-se em 1992. Foi eleito deputado federal em 1994. Em 1995, filiou-se ao PSDB. Neste mesmo ano, teve seu mandato cassado pelo TRE, acusado de abuso de poder econômico e corrupção eleitoral; tendo recorrido ao Tribunal Superior Eleitoral, foi absolvido. Em 1998, não se elegeu, ficando com a primeira suplência. Exerceu o mandato de Deputado Federal de 30 de junho de 2000 a 25 de outubro de 2000. Reassumiu novamente como deputado , sendo efetivado em 21 de novembro de 2000. Nas eleições seguintes, ficou novamente com a suplência, vindo a exercer o mandato na legislatura 2003-2007 — de 19 de fevereiro a 5 de agosto de 2003 — reassumindo o mandato em 15 de agosto de 2003 (Câmara dos Deputados). 207 A homologação da candidatura de Lindberg Farias à prefeitura de Nova Iguaçu foi realizada pelo PT na Câmara Municipal da cidade, no dia 24 de junho de 2004.

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lo como ator privilegiado, gerava não somente um repertório de interesses comuns, como

aglutinava discursos potencialmente envolventes para os mais variados perfis.

Esta situação não impediu, no entanto, que no início da corrida eleitoral, Lindberg fosse

acusado de “pára-quedas” e “forasteiro” e que sua candidatura sofresse fortes resistências,

tanto de políticos de partidos adversários quanto de militantes do próprio PT de Nova

Iguaçu. A campanha caracterizou-se por duas fases. A primeira delas seria traduzida no

desconhecimento da população iguaçuana sobre a candidatura petista e seu candidato —

período compreendido entre sua (alegada) mudança para a cidade em 2003 e agosto de

2004. A segunda teve início com o horário gratuito de propaganda eleitoral, com a

intensificação da campanha de rua (com destaque para os showmícios) e com o apelo a um

projeto novo de cidade e de Baixada.

Em Busca Da Vizinhança

“Se deixá-lo [Lindberg] sozinho em Santa Rita [ bairro de Nova Iguaçu], ele não sabe chegar ao Centro. Não sabe chegar à casa dele” (Nelson Bornier, em matéria do jornal O

Dia, de 23/08/2003, p. 21).

Morando em um apartamento alugado no centro da cidade desde agosto de 2003 — pelo

qual pagaria mil e duzentos reais de aluguel, mais quatrocentos reais de condomínio —

Lindberg tentava desde o mês seguinte a transferência de domicílio eleitoral208.

Neste período, procurou estabelecer contatos não apenas com os moradores da região, mas

também com alguns políticos locais, tornando-se conhecido e buscando criar laços de

pertencimento à cidade (mais especificamente, entre dezembro de 2003 e agosto de 2004).

208 Os valores foram divulgados pelo jornal O Dia, de 24/01/2004.

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Foi o momento de consolidação das alianças. O fato de “vir de fora” tornava esse início

mais complexo em termos de conjunção de forças e composições partidárias.

O rol de acusações que cercaram os indícios, a confirmação e, finalmente, o anúncio do

nome de Lindberg como pré-candidato do PT à prefeitura da segunda cidade em população

e importância econômica da Baixada Fluminense gravitou, em um primeiro momento, em

torno de sua identidade outsider209.

“Os antigos residentes poderiam ter aceitado os recém-chegados, como pessoas que precisavam de ajuda, se estes se submetessem a sua proteção e se contentassem em assumir, na hierarquia de status, a posição inferior que costuma ser destinada aos recém-chegados, pelo menos durante um período de experiência pelas comunidades já estabelecidas, mais estreitamente unidas e conscientes de sua posição. Em regra, tais comunidades esperam que os novatos se adaptem a suas normas e crenças; esperam que eles se submetam a suas formas de controle social e demonstrem, de modo geral, a disposição de ‘se enquadrar’” (Elias, 2000: 64-65).

Diferenças à parte, assim como os antigos moradores de Winston Parva esperavam a

“adequação” dos novos moradores às suas regras, os atores políticos “nativos” também

tentaram impor as suas ao candidato recém-chegado. Não bastava, portanto, ser um “nome

conhecido”, havia a necessidade de entrar no jogo político local e de dialogar com seus

“caciques”. Destarte, a busca pelos nomes certos significava o passaporte de entrada no

campo político de Nova Iguaçu, e implicaria arcar com o benefício, assim como o ônus das

escolhas e alianças compostas a partir daí.

209 Como nos mostra Elias, em seu trabalho sobre Winston Parva (2000), a primeira forma de classificação social, como também de segregação, constitui-se na dicotomia entre antigos residentes e recém-chegados. O autor chama a atenção para o fato de que não se trata de uma diferenciação de status “pura e simples” (p.63), mas de uma diferença relacional de posição social relativa, nesse caso, aos três bairros que compõem a localidade.

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A escolha do nome do vice era fundamental para o ingresso na vida política local. Sem o

apoio de uma rede política forte na cidade, talvez fosse ainda mais difícil levar adiante a

campanha e obter sua aceitação. Lindberg não quis arriscar. O PT local discordou. Para

uma parte dos petistas do diretório local — como Jerry Simões, um de seus fundadores e

partidário de uma candidatura “nativa” — geravam desconforto a escolha de alguém “de

fora” e as alianças que o partido havia feito. Eram inaceitáveis o nome de Itamar Serpa

como candidato a vice-prefeito bem como a ligação de Lindberg com Rogério Lisboa,

vereador, candidato à reeleição pelo PFL e inimigo declarado de alguns membros do

partido em Nova Iguaçu210. Apesar de todas essas dificuldades, Lindberg conseguiu

contabilizar alguns importantes aliados locais. Tinha ao seu lado membros da “ala” mais à

esquerda (o Refazendo), além de lideranças do Movimento Amigos do Bairro de Nova

Iguaçu (o MAB), membros da Diocese local e de alguns movimentos sociais.

No contexto do diretório local, o discurso de um projeto “para os pequenos, para o

movimento popular iguaçuano” (Freire, op. cit., p.4) conseguiu reverter os argumentos

utilizados em defesa de uma candidatura nativa e operar a (re)definição da situação. Ainda

nessa linha, o nome de Lindberg foi capaz de fazer convergir repertórios a princípio

inconciliáveis (identidade local X identidade mais ampla; outsider X established; pobre X

rico) graças, por um lado, à sua trajetória que o colocava (na ótica de alguns) mais à

210 Em uma das caminhadas das quais participei, um membro do PT local, conversando comigo sobre a campanha enquanto aguardávamos a chegada de Lindberg, mostrou-se bastante desconfortável ao perceber que este havia chegado junto (no mesmo carro, uma caminhonete) com Rogério Lisboa, fazendo o seguinte comentário: “Esses dois estão igual irmãos siameses; não se desgrudam”. A frase dita naquele contexto ilustra exemplarmente o quão problemática era a relação entre os diversos atores da coligação firmada para a disputa eleitoral em Nova Iguaçu. A aliança era mantida por uma linha tênue, a todo momento ameaçada de ruptura.

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esquerda do partido e, por outro, a seu acesso a uma constelação política, ou seja, de

“grandes nomes” (lideranças políticas nacionais do PT)211.

A articulação política em busca de alianças locais significava um fôlego extra para a

campanha, além de dinheiro e de colaboradores. Mas isso não era suficiente para que a

população o conhecesse. As pessoas ainda não o reconheciam nas ruas. Lindberg ainda era

um estranho.

A transferência do domicílio eleitoral configurava o primeiro passo para tornar-se, de fato,

um morador (e candidato) de Nova Iguaçu. Mesmo alegando residir na cidade desde abril

de 2003 (na casa de uma amiga) 212, Lindberg teve negados o pedido de transferência —

em setembro de 2003, pela ex-juíza da 27ª Zona Eleitoral de Nova Iguaçu, Clara Maria

Jaguaribe213 — bem como seu recurso — no dia 21 de janeiro de 2004, pelo juiz Joel

Teixeira de Araújo — permanecendo em uma situação indefinida até 16 de junho de 2004,

quando, por fim, conseguiu uma liminar do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) garantindo

não apenas a transferência almejada mas a possibilidade de disputar a eleição.

A notícia de sua “entrada” na Baixada e, mais especificamente, em Nova Iguaçu, não foi

bem recebida pelas redes políticas adversárias. A agitação em torno de seu nome não parou

e os conflitos exacerbaram-se a partir de dezembro de 2003. No dia 15, o Ministro da

Cultura, Gilberto Gil, foi à cidade participar do encerramento do seminário Cultura para

211 Utilizo a idéia de constelação política no sentido de uma configuração de notáveis, ou seja, de indivíduos capazes de conferir legitimidade/ poder/ acessos por intermédio da apropriação/ utilização de suas imagens/ falas por outrem. 212 O verbo alegar é utilizado neste parágrafo, na medida em que o candidato não comprovou residência fixa, não havendo documentação em seu nome que fornecesse tal evidência, o que somente ocorreu após a locação de um apartamento no bairro central da cidade, como já mencionado anteriormente. 213 A aliança com Itamar Serpa foi, desde o início, bastante complicada. Quando a transferência de domicílio foi negada a Lindberg, Serpa lançou-se imediatamente como pré-candidato em seu partido, alegando que a conjuntura política havia mudado e que pretendia buscar alianças com outros partidos para viabilizar uma candidatura própria, o que provocou grande mal-estar e constrangimento.

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Todos realizado no Sesc. Tal visita provocou muito alvoroço e troca de acusações, sendo a

principal em torno do uso da máquina política federal para fazer propaganda com fins

eleitorais no município. Este fato foi agravado — segundo nota oficial da Prefeitura de

Nova Iguaçu — pois nenhum representante do município foi convidado a participar do

evento. Na ocasião, o secretário municipal de Cultura, Nelson Freitas, protagonizou cenas

de confronto público com o pré-candidato Lindberg Farias, declarando repúdio à sua

candidatura, em uma manifestação escrita e assinada pela Comissão Organizadora da

Associação de Secretários da Cultura da Baixada.

Em janeiro, apesar de toda a querela judicial por conta do domicílio eleitoral, mais

precisamente no domingo dia 18, a equipe de Lindberg e o PT organizaram o primeiro ato

político na cidade para o lançamento do programa de governo participativo214. Estavam

presentes importantes personalidades políticas além de um público estimado, segundo os

jornais, entre 500 a 1000 pessoas (Jornal do Brasil: “mais de 500 pessoas”; Estado de São

Paulo: “reuniu mais de mil militantes”). Realizado no Centro de Formação de Líderes, ao

lado do Sesc de Nova Iguaçu, o ato contou com a presença de José Genoíno, que defendeu

as alianças feitas pelo PT em Nova Iguaçu e em nível nacional; de Bittar, pré-candidato à

prefeitura do Rio de Janeiro; de Marcello Alencar, ex-governador do estado, presidente

regional do PSDB, importante nome da política regional e liderança estratégica na Baixada;

de Luiz Paulo Corrêa da Rocha, deputado estadual pelo PSDB; de Alexandre Cardoso,

deputado federal e presidente regional do PSB; de Gilberto Palmares, deputado estadual e

presidente regional do PT; de Adeilson Telles, membro do PT local; além de Antônio

Pitanga, ex-vereador carioca, representando a mulher, a ex-governadora e ex-ministra da 214 O evento foi anunciado, acompanhado e noticiado por diversos jornais, dentre eles: O Globo, 16/01/04 e 19/01/2004; Jornal do Brasil, 16/01/2004 e 19/01/2004; O Dia, 14/01/2004 e 19/01/2004; Folha de São Paulo, 19/01/2004; Estado de São Paulo, 19/01/2004 e Estado de Minas, 19/01/2004.

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Assistência Social, Benedita da Silva. Tratou-se de um evento eminentemente voltado para

correligionários, visando a cobertura da imprensa e, com isso, a promoção do nome de

Lindberg e de suas propostas.

Usando bonés de campanha, mencionando a possibilidade de mais verbas para a Baixada e

a importância das alianças ou criticando partidos por “racionalizar(em) demais”, Lindberg,

Genoíno e Marcello Alencar permaneceram todo o tempo lado a lado, cercados por uma

pequena multidão que vestia camisas com o nome do pré-candidato —concentrada atrás da

mesa principal, de onde orquestrava as saudações e manifestações de maior entusiasmo

juntamente com a platéia logo à frente.

A importância do evento deveu-se não apenas ao lançamento do nome de Lindberg,

configurando também uma demonstração de força do PT nacional frente às hostilidades de

um grupo pertencente ao diretório local do partido. A presença de personalidades

importantes da política nacional e regional evidenciou qual era o lugar desta candidatura

para o partido e para os interesses mais amplos de alguns partidos (uma parcela da

executiva nacional do PT; o PFL de César Maia e um grupo do PSDB ligado a Marcello

Alencar). Na queda de braço entre Lindberg e o PT de Nova Iguaçu, ganhou o primeiro,

mas a insistência na obtenção de apoio local acabou resultando na escolha de Adeilson

Telles para a coordenação da campanha, como forma de apaziguar as diferenças e os

problemas iniciais.

No mês seguinte, em fevereiro de 2004, juntamente com outros políticos, o deputado-

candidato conseguiu — por intermédio de emendas individuais — que fosse destinado à

cidade o maior montante do Orçamento Federal para um município do estado do Rio de

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Janeiro naquele ano. Foram mais de 9 milhões de reais, dos quais Lindberg foi responsável

isoladamente por quase 2,5 milhões215.

A questão foi amplamente noticiada. Na matéria intitulada Orçamento vira arma eleitoral,

onde o jornal Estado de Minas de 11/04/2004 dava o tom do debate.

“Um grupo de 110 deputados e senadores parte para a disputa das eleições com uma arma a mais em relação aos seus adversários: as verbas do Orçamento da União. Eles destinaram R$ 63 milhões em emendas individuais aos municípios onde concorrerão à prefeitura[…] Os congressistas do PT, que sempre apontaram as emendas individuais como fator de clientelismo e de cooptação de parlamentares pelo governo, foram os que mais utilizaram este instrumento. Os 22 petistas que disputam a eleição apresentaram um total de R$ 19 milhões em emendas para os seus municípios – média de R$ 860 mil. Em segundo lugar, aparece outro partido governista, o PSB, com um total de R $6 milhões e média de R$ 680 mil[…] Os campeões do clientelismo são do Rio de Janeiro[…] O petista Lindberg Farias, pré-candidato a prefeito de Nova Iguaçu, aprovou três emendas para o seu município. Serão R$ 750 mil para unidades especializadas em saúde, R$ 950 mil para a ampliação de oferta de cursos de graduação e R$ 800 mil para a instalação de um espaço cultural. Sandro Matos (PTB), candidato em São João de Meriti, destinou R$ 1,46 milhão ao Hospital de Caridade da cidade, R$ 300 mil para a unidade de saúde do bairro Venda Velha, R$ 740 mil para revitalização de áreas centrais. O suplente de deputado Fernando Gonçalves (PTB-RJ), outro candidato em Nova Iguaçu, cedeu a vaga na Câmara para o titular Miro Teixeira, mas deixou três emendas para o município. São R$ 2,15 milhões dirigidos à Associação de Caridade Hospital Nova Iguaçu […]”.

215 O dinheiro seria destinado a projetos como: Base de Apoio à Cultura, do Ministério da Cultura; Consórcio de Universidade Públicas, do Ministério da Educação, além de projetos ligados à área da saúde. Os demais deputados fluminenses com emendas individuais ao Orçamento da União foram: Itamar Serpa (PSDB), Nelson Bornier (PMDB), Fernando Gonçalves (PTB), André Luiz (PMDB), Eduardo Cunha (PMDB), Leonardo Picciani (PMDB), Laura Carneiro (PFL) e Jandira Fegalhi (PC do B).

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As “atuações” de Lindberg em projetos importantes do governo federal o inseriram no

circuito das dádivas da máquina governamental. Ainda em fevereiro, devido às suas

atividades na Câmara dos Deputados, se ausentou de Nova Iguaçu devido à viagem a

Roraima. O caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol foi exemplar nesse sentido.

Indicado como Relator da Comissão Externa da Câmara para avaliar a polêmica

demarcação de terras indígenas, desde fevereiro de 2004, Lindberg apresentaria dois meses

depois uma proposta que implicava na redução de até 45% do território da reserva Raposa

Serra do Sol. Em meio a críticas da Funai e de setores diversos da sociedade civil, a

controvertida proposta/ avaliação do deputado-relator foi manchete dos principais jornais,

sendo associada algumas vezes a “outros interesses”.

Agravando ainda mais os conflitos, em matéria publicada no Jornal do Brasil de

19/04/2004, o deputado federal e relator Lindberg Farias acusou o presidente da Funai de

incentivar a violência, sugerindo que ele renunciasse ao cargo. Em suas palavras: “ele, que

deveria agir como um bombeiro, apagando o incêndio deste conflito, partiu como se tivesse

um balde de querosene, para jogar mais fogo[…] Não se pode, em hipótese nenhuma, tentar

justificar o que foi uma verdadeira chacina” (referindo-se à morte de 29 garimpeiros na

referida reserva)216.

Ainda envolto em problemas relacionados à comissão da reserva Raposa Serra do Sol, em 8

de março, Dia Internacional da Mulher, Lindberg já estava de volta à cidade, indo —

216 Durante todo o mês de abril, diversos jornais publicaram matérias a respeito da demarcação das terras e do relatório da comissão. Em 19/04, além da matéria supracitada, outras figuraram nos seguintes jornais: Jornal do Brasil (coluna do Boechat); O Globo (reportagem de Ilimar Franco). Em 20/04: Jornal Extra (Coluna Extra Extra,de Berenice Seara); O Globo (Caderno O País, reportagem de Evandro Éboli); Jornal do Brasil (O País, reportagem de Luiz Queiroz). Em 21/04: O Estado de São Paulo (Editorial, página A3); Folha de São Paulo (Brasil, A10). Em 22/04: O Globo (Opinião, artigo de Lindberg Farias). Em 27/04: Agência Câmara (reportagem de Tatiana Azevedo e Natália Doederlein). Em 28/04: O Globo; Jornal do Brasil. Em 29/04: O Dia (coluna de Cláudio Humberto).

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juntamente com alguns assessores e candidatos à Câmara Municipal — para o

“calçadão”217, no Centro, distribuir flores para as homenageadas do dia218. Começava a

partir daí um cortejo219 que acabaria caracterizando a segunda fase de sua campanha: a

habilidade — e o enorme sucesso — em lidar com o eleitorado feminino.

“Lindberg Farias, gato e pré-candidato à prefeitura de Nova Iguaçu pelo PT, foi o grande destaque do Dia Internacional da Mulher naquela cidade. Segunda-feira, sol a pino, o galã e ex-rebelde cara-pintada resolveu fazer um agrado e saiu pelo calçadão distribuindo flores às necessitadas. Resultado: filas, corre-corre, gritinhos, e beijos-ventosa ‘partout’. Lindberg gostou da experiência, mas não deve repetir. Até porque ele não quer ser só um rostinho bonito na política fluminense” (Jornal O Dia, Coluna Lu Lacerda, 10/03/2004).

As ações de Lindberg como deputado federal visavam um único propósito: a eleição. Sendo

assim, a publicidade angariada com os projetos governamentais e com a vinculação de seu

nome ao da cidade de Nova Iguaçu possibilitava a criação de laços, convertidos em capital

simbólico. Dentre os projetos por ele apresentados, o de maior repercussão foi o da

Universidade Pública da Baixada Fluminense220. Ainda em março de 2004, foram liberados

R$ 950 mil para a abertura das primeiras turmas e anunciada a liberação de mais R$ 30

217 O “calçadão”, como é popularmente conhecido, corresponde à área comercial no centro da cidade, na qual a maior parte das ruas é interditada ao tráfego de veículos, criando um grande shopping a céu aberto. 218 Ainda naquele mesmo mês, Lindberg participou de debate realizado em Brasília sobre a questão do oleoduto. Tal evento revelou um tom apaziguador no discurso do deputado e de seu novo alinhamento no interior do PT. Conforme nota de Arnaldo César, do jornal O Dia, de 17/03/2004: “Quem ouviu o discurso do ex-presidente da UNE, líder dos cara-pintadas e hoje deputado federal Lindberg Farias (PT), ontem, no debate sobre o oleoduto Rio-São Paulo, em Brasília, não reconheceria o radical de anteontem. Ele disse que é contra extremismos e a favor de conversar sempre para atingir um ponto em comum. O que a entrada no governo não faz com o cidadão...” 219 Utilizo o substantivo no duplo sentido: denotando o ato de cortejar, dirigir galanteios, mas também como séquito e comitiva. 220 Note-se que um projeto semelhante já havia sido proposto por Jorge Gama, em 1992, constituindo sua bandeira de campanha. Jorge, no entanto, não conseguiu aprová-lo, tampouco reeleger-se.

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milhões até 2006221. O Pólo Universitário de Nova Iguaçu, como foi batizado, tornar-se-ia

uma das principais bandeiras da campanha de Lindberg e um dos elos fundamentais com

seu eleitorado preferencial: a juventude iguaçuana. Se durante o ano de 2003 e os primeiros

meses de 2004, Lindberg procurou costurar as alianças político-partidárias (internas e

externas) que possibilitariam uma candidatura com chances reais de vitória, no momento

seguinte precisava confirmar sua inserção como morador de Nova Iguaçu. A partir de

então, Lindberg começou a participar mais ativamente da vida da cidade, das festas, das

“peladas” (jogos de futebol222), freqüentando as escolas de samba, os restaurantes e bares

locais.

A sociabilidade política na Baixada passa necessariamente pelos bares, botequins e

restaurantes. Um quadro espacial é montado no tempo da política, definindo os lugares

específicos de cada rede e/ou facção política. Não é comum encontrarmos, numa cidade do

porte de Nova Iguaçu, as diferentes redes políticas locais freqüentando os mesmos bares e

restaurantes223. Os membros de partidos considerados “de esquerda” (PT, PC do B), como

também alguns integrantes de movimentos sociais, costumam “bater ponto” nos bares

Raízes, Bar do Daniel e Bar das Meninas — todos próximos à prefeitura e às sedes desses

partidos. Os locais são ponto de encontro nos fins de tarde e cenários das negociações e

embates políticos em qualquer época do ano. O Siri do Galeão, por sua vez, localizado

próximo ao Corpo de Bombeiros, é bastante procurado pelos partidários de Bornier, por

membros do PMDB e seus aliados —as reuniões e almoços do staff da prefeitura que pude

221 O Dia, 15/03/2004 e 18/03/2004. 222 Os jogos de futebol, não apenas um esporte mas também uma forma de sociabilidade tradicionalmente masculina foi, ao longo da campanha, transformando-se em dos “lugares” do cortejo. A presença cada vez maior de mulheres para assistirem aos jogos, mas fundamentalmente para verem Lindberg era marcante e noticiada pelos jornais. 223 Silva (1980), Guebel (1996).

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acompanhar durante as últimas duas administrações ocorriam costumeiramente nesse

espaço. O Pizza e Pasta é um dos restaurantes prediletos da rede política dos Raunheitti. É

comum encontrar ali alguém ligado à família (por parentesco ou afinidade) jantando

semanalmente, ou simplesmente tomando um chope224. Do mesmo modo, Lindberg

também se encaixou no circuito da boêmia política iguaçuana225.

Paralelamente às iniciativas visando o reconhecimento e a aceitação de Lindberg, ressurgiu

a discussão em torno de sua condição outsider, agora redefinida sob a égide da identidade

nordestina. A distribuição de panfletos apócrifos por toda a cidade, com dizeres como

“Trate bem o turista, mas não vote nele” marcou o início da ofensiva226.

A acusação de “forasteiro”, por sua vez, desconsiderava a composição da Baixada em

termos de origens sociais e regionais, possibilitando à equipe de Lindberg um contra-ataque

baseado na menção a (e reinvenção de) uma identidade maior, “fundadora”: a identidade

nordestina. A ênfase em tal pertença social acabou redimensionando as posições no interior

da arena política local227. Testando a capacidade de mobilização desse discurso —

inicialmente surgido como acusação — Lindberg procurou utilizá-lo como mote para o

estabelecimento de um vínculo com os moradores da região. De um lado, a oposição (os

candidatos Fernando Gonçalves e Mário Marques) o acusava de forasteiro, “paraíba”; de

224 Conforme mencionei no capítulo 2 desta tese, a política em Nova Iguaçu relaciona-se intimamente à boemia. Não me refiro apenas à dimensão da comensalidade, mas à tênue fronteira entre a política e a alegria/ vadiagem/ vida desregrada representadas pelo consumo algo excessivo de bebida alcoólica pelos políticos e seus afins. Tal consumo é por vezes acionado como categoria acusatória. Há uma lógica operando a classificação dos agentes políticos em político-boêmio-alegre e, no extremo oposto, político-irresponsável. Esta polarização é, no entanto, circunstancial, ou seja, a atribuição dos adjetivos variará de acordo com outros elementos em contextos específicos — como poderemos ver mais adiante ao abordarmos os ataques dirigidos a Lindberg por seus adversários na eleição municipal Lindberg. 225 Os “encontros” políticos em bares/ botequins/ restaurantes foram matérias de jornais como: O Dia, de 30/05/2004. 226 Ver Anexo. 227 A mídia, mais especificamente a imprensa escrita, teve um papel primordial nesta ênfase, que será tratada mais adiante.

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230

outro, Lindberg — e sua equipe de assessoria —defendia-se, criando estratégias como a da

alegação de uma origem social comum entre ele e a maioria da população da Baixada

Fluminense e de Nova Iguaçu — ele era “um nordestino, com muito orgulho!”.

Mais que um argumento, a identidade nordestina da Baixada é um lugar-comum, reiterado

em discursos diversos: desde a fala oficial de representantes políticos, da imprensa, aos

trabalhos acadêmicos (Souza, 1992; Prado, 2000; Monteiro, 2001 e, entre os não

acadêmicos, Gramado, 1999, por exemplo). Apesar de a Baixada ser, de fato, composta por

um número significativo de migrantes nordestinos — sendo que em Nova Iguaçu este

percentual sobe para 40% do total da população — é importante mencionar o fato de que há

também uma forte presença negra na região. Tal questão é abordada em apenas alguns

poucos trabalhos que pesquisam a história local, mas seus autores têm se esforçado para

reverter esse quadro, apresentando dados significativos sobre a composição desta parcela da

população na região (Gomes, 1992 e Viana, 1998). No campo político, o resgate da

presença negra na Baixada é operado apenas pelos movimentos sociais ou, no caso da

eleição em questão, pelo candidato do PSTU, Carlão, único candidato negro à prefeitura de

Nova Iguaçu.

Levanta-se então a seguinte interrogação: quem é o nativo, no caso em questão? Ou, quem

é “mais nativo”? A questão da identidade social e da busca por uma origem que se

apresenta como o cerne da problemática da representação é aqui recolocada, revelando

possibilidades para sua utilização pelos atores sociais aqui analisados. Que identidade

marcaria, de fato e de direito, o morador da Baixada a ponto de fazê-lo sentir-se mais ligado

a um candidato que a outro? Ser iguaçuano ou nordestino? Em que espaços e momentos

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aciona-se uma ou outra identidade? Para a política local, o que se mostraria, de fato, mais

eficaz, a identidade local (de morador) ou a regional (de migrante)?

Não há uma resposta única para todas essas questões. A dinâmica do processo eleitoral e

dos processos de identificação, de modo geral, revelam o poder de aglutinação e, ao mesmo

tempo, de fragmentação dos símbolos e discursos empregados na constituição dos

personagens políticos. A satisfação de condições gerais não é dada a priori, o campo

político tendo uma incrível capacidade de mover-se e transformar-se. Pela própria fluidez

de tais classificações e pela incerteza a respeito da identidade que cada candidato deveria

assumir — além do ônus da contra-partida do adversário — a adoção do discurso

identitário como bandeira de campanha seria excessivamente arriscada e imprevisível.

Assim, o que parecia a melhor estratégia para desacreditar e deslegitimar o candidato

“forasteiro”, não se confirmou. Sua resposta foi pontual e sua campanha acabou não se

apoiando (mais do que para responder às acusações) na identidade nordestina, como alguns

chegaram a prever. Tal discurso se demonstrou inócuo, incapaz de qualificar um dos

candidatos de maneira a singularizá-lo frente aos demais e, apesar do apelo à identidade, o

cotidiano da campanha seguiu em outras direções. Em junho, a convenção do partido, que

contou com a presença do Ministro da Educação, Tarso Genro, e o da Coordenação

Política, Aldo Rebelo, como já se esperava, oficializou a candidatura de Lindberg Farias à

prefeitura de Nova Iguaçu.

O início da campanha de rua foi marcado pela sensação de total desconhecimento da

população com relação a quem ele era, o que fazia ali, qual a sua ligação com a cidade e

com os grupos que detinham (e ainda detêm) o poder. No dia a dia da campanha, a

preocupação central era com a conquista do eleitorado iguaçuano. As reuniões com

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associações de moradores e lideranças dos bairros foram as primeiras atividades

desenvolvidas em busca de possíveis interlocutores e da conquista de contatos e alianças.

Assim, o discurso “para os pequenos” ganhava contorno e sua candidatura, legitimidade. A

partir da apresentação de um programa de governo anunciado como tendo sido concebido

“em conjunto com os moradores” e, portanto, “sólido e bem construído” a partir da

“realidade da cidade”, o candidato tentava diferenciar-se da “politicagem local”, recorrendo

inclusive ao expediente de registrá-lo em cartório228.

A rotina de Lindberg — quando teve início o período eleitoral oficial (6 de julho de 2004)

— começava bem cedo, no Terminal Rodoviário da cidade onde procurava aproximar-se

das pessoas comuns, com elas conversar e tornar-se conhecido. Às 6 horas da manhã, já era

possível encontrá-lo distribuindo material de campanha. Testemunhei tal fato num dia em

que esperava o ônibus para voltar ao Rio, momento em que indaguei alguns funcionários

dos guichês da rodoviária sobre a periodicidade dessa ação. Responderam-me que isso

vinha acontecendo com freqüência e, segundo um deles, “o menino (referindo-se a

Lindberg) bate ponto aqui”.

Apesar de contar com o apoio de Marcello Alencar — que enfrentava seu ex-pupilo

Bornier, agora ligado a Garotinho — desde o início da campanha, Lindberg costumava ser

visto acompanhado apenas por alguns poucos candidatos à Câmara Municipal e por seu

staff. Suas caminhadas pelos bairros centrais praticamente não tinham repercussão, o que

revelou-se diferente na periferia. Uma frase bastante ilustrativa de tal inadequação inicial

foi retirada de uma entrevista feita com um assessor de imprensa que acompanhou

228 Aqui novamente percebemos a eficácia da estratégia de marketing da equipe de Lindberg. Segundo um de seus assessores, a atitude foi pensada para gerar publicidade e render-lhe algumas notas e matérias na imprensa.

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Lindberg desde o início da campanha: “Era preciso que a gente falasse assim: Esse aqui é o

deputado federal Lindberg Farias, do PT, partido do presidente Lula, que vai ser nosso

prefeito aqui em Nova Iguaçu”. Ainda assim, segundo este mesmo assessor, era

praticamente necessário “arrastar” as pessoas para que o candidato pudesse conversar com

elas, distribuir seus “santinhos” etc.

Além do desconhecimento do candidato, a campanha também não dispunha de material

físico e humano adequado, contando apenas com algumas kombis — com a logomarca da

candidatura — e com uma banda composta por músicos locais. Na ocasião, a falta de

recursos era evidente e, mesmo, declarada pelo então coordenador de campanha, Adeilson

Telles. Nestas eleições, as críticas dos candidatos petistas à executiva nacional eram

constantes, exigindo o apoio do PT para que houvesse chances reais de disputa contra a

máquina do governo do estado229.

Ainda nesse primeiro momento da campanha, acompanhei algumas das caminhadas na

periferia e na região central do município. De início, o candidato à Câmara de Vereadores

local reunia um grupo de pessoas (o tamanho dependia do prestígio de cada candidato e dos

recursos disponibilizados) que ia de casa em casa chamando os moradores com um carro de

som (uma kombi), que anunciava a chegada de Lindberg e reproduzia o jingle da

campanha. Somente após uma ou duas horas do horário marcado para a concentração,

Lindberg chegava, quase invariavelmente acompanhado do candidato Rogério Lisboa

(PFL). Dependendo do bairro que se visitava, havia também a presença de lideranças de

movimentos sociais locais como o MAB (Movimentos Amigos do Bairro de nova Iguaçu),

de líderes de bairro e, invariavelmente a pequena banda — que se assemelha àquelas que

229 Tais críticas também vinham dos candidatos às prefeituras do Rio (Bittar) e de Niterói (Godofredo Pinto).

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tocam em coretos de praça ou em festas de igreja de cidade pequena — cujo repertório era,

em parte, de autoria de um dos músicos, o responsável pelo grupo. Lindberg parava nas

portas das casas, em algumas até mesmo entrava, cumprimentava, conversava com as

pessoas.

“A rua é a casa do candidato”, disse um dos assessores políticos de Lindberg. Ela constitui

o local privilegiado da interação, onde a corporalidade, o contato físico se faz mais

evidente, necessário e, às vezes, até mesmo exigido. É importante para o eleitor tocar,

abraçar ou, ao menos, apertar a mão do candidato. É a expressão de uma proximidade não

existente nas eleições estaduais e federais ou, pelo menos, não necessariamente. As eleições

municipais propiciam, portanto, o evento por excelência do contato entre corpos que produz

efeitos como se aí operasse uma espécie de imantação230. O predomínio das relações face a

face garante que a política (distante, vazia e impura) seja, então, ressignificada pela

virtualidade da aproximação dos corpos, pela troca de palavras e gestos, pelo olhar dentro

dos olhos.

No bairro central, a organização dos encontros adquiria outros contornos. Região de

localização do centro comercial da cidade, conta com várias ruas de circulação exclusiva

para pedestres, por onde circulam milhares de pessoas todos os dias. Sendo assim, a hora e

o local de concentração do evento eram anunciados com antecedência. Lindberg costumava

chegar no mesmo momento que os candidatos do PT — e de partidos aliados — à Câmara

Municipal, caminhando por quase toda a extensão da rua principal. Entrava nas lojas,

cumprimentava funcionários, sempre acompanhado pela bandinha de música. Essas

230 Denomino imantação política, a interação intensa, cujo grau de proximidade/ contato não é avaliado a priori pelo sujeito político e os demais atores sociais, o primeiro detendo forte poder de atração, sedução, encantamento sobre os demais. A imantação distinguiria-se do carisma na medida em que seu tempo-espaço específico seria o tempo da política.

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caminhadas pelo calçadão davam-se, geralmente, em horários de pico (perto do horário do

almoço, ainda na parte da manhã, ou depois das 14 horas, prioritariamente) e duravam, em

média, cerca de três a quatro horas.

Havia também as carreatas pelas ruas da cidade e por bairros mais afastados. Na primeira

fase da campanha, a maior parte dos carros que acompanhava a comitiva pertencia a

candidatos e pessoas a eles ligadas. A essa altura, os moradores, de modo geral, ainda não

tinham aderido à campanha. Em algumas localidades havia uma melhor aceitação —no

centro comercial e em bairros da periferia, como Posse, Tinguá, Vila de Cava, Miguel

Couto, Palhada, entre outros. Nas demais localidades visitadas, a população ainda estava

“estudando” o candidato, tentando conhecê-lo. Esta situação manteve-se inalterada até

meados de agosto de 2004 e mesmo a presença de Benedita da Silva, em caminhadas por

bairros da cidade, não foi capaz de mobilizar o número esperado de moradores nesse início

de campanha231. Em uma das visitas de Benedita, a bandinha de música enfrentou

problemas técnicos e, segundo militantes e um dos assessores de Lindberg, a convidada

reclamou em tom de brincadeira. Tal episódio foi motivo de piada tanto entre eles como

entre os adversários232.

Nessas caminhadas, ficava difícil aproximar-me do candidato. Geralmente, eu conversava

com pessoas próximas, assessores, candidatos à Câmara Municipal e eleitores. Meu

primeiro contanto pessoal com o candidato do PT foi travado em um jantar com um

empresário — e potencial financiador de campanhas na Baixada — em junho de 2004. No 231 Apesar de não atingir o objetivo almejado, a presença de Benedita da Silva já demonstrava o papel da relação entre política e religião em Nova Iguaçu e na Baixada de modo geral; assunto que será abordado mais adiante. 232 A escassez de recursos durante o que convencionei chamar “primeira fase da campanha” era expressa na forma de uma joke relationship. Assim, as tensões ficavam à margem e as críticas, dissimuladas em tom de brincadeira e de deboche. Percebi tal situação em diversas conversas com membros do diretório local do PT, assim como em campanhas dos demais candidatos.

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dia 30 de junho, eu estava acompanhando o “dia do prefeito” 233 e candidato à reeleição em

Paracambi, André Ceciliano (PT). Depois de passar toda a manhã observando os despachos

em seu gabinete, as conversas com candidatos à Câmara Municipal e algumas negociações

sobre o nome que comporia a chapa como vice, seguimos para o Rio de Janeiro, pois uma

de suas atividades consistia em entregar relatórios no Tribunal de Contas — no referido

município — cujo prazo já se havia esgotado. Como ele dispunha de acessos em tal órgão

público, preferiu fazer a entrega pessoalmente. Além disso, havia o compromisso de

comparecer a um jantar que, a princípio, não seria “político”, mas que contaria com a

presença de “pessoas envolvidas com a política”. Saímos de Paracambi por volta das 16

horas e fomos direto para o centro da cidade (Rio de Janeiro). Depois de sermos

brevemente recebidos pela pessoa responsável no Tribunal de Contas, fomos à ALERJ para

que o prefeito se encontrasse com assessores de políticos aliados. Após alguns telefonemas,

nos dirigimos ao Café do Paço, ao lado da Assembléia, onde o prefeito conversou com dois

assessores de deputados. Ele pediu que eu ficasse em uma mesa separada, pois precisaria

tratar de assuntos confidenciais. A conversa levou cerca de uma hora. Em seguida, veio até

a mesa em que eu estava (a uma distância de mais ou menos dois metros), pediu um café e,

em seguida, nos dirigimos à Barra da Tijuca. Eram mais ou menos 21 horas quando

chegamos à Avenida Lúcio Costa, na cobertura do empresário/ anfitrião234. Fomos os

233 Conforme apresentado na parte introdutória desta tese, nessa fase da pesquisa eu entrevistei alguns prefeitos da Baixada e, quando possível, acompanhei suas atividades durante um dia inteiro de trabalho, situação que denominei de “dia do prefeito”. 234 O casal pode ser classificado como novo rico ou emergente. Os dois têm “origem modesta”, segundo a esposa. Ele é antigo morador de São João de Meriti — cujos familiares ainda residem no município — divorciado e pai de um adolescente. Ela, oriunda da Zona Oeste do Rio de Janeiro e dona de um salão de beleza em seu atual bairro. Na ocasião, residiam na Barra da Tijuca já há algum tempo, tinham um filho de pouco mais de um ano de idade e estavam de mudança para outro apartamento — no mesmo bairro, porém maior (um duplex). O marido, ao contrário da esposa, não falava sobre seus bens, mencionando o novo apartamento apenas quando indagado por um dos convidados a respeito da mudança. A preocupação com a decoração, o vestuário e as jóias era visível no estilo de vida da mulher, e atenuado no do marido — que

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primeiros a chegar e logo fui apresentada aos donos da casa como “pesquisadora da

Baixada”. O candidato à prefeitura de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, só chegou por volta

das 23 horas, acompanhado por um assessor, Francisco Sousa (o Chico), por Rui Aguiar,

apresentado como seu coordenador de campanha e pelo candidato a vereador, pelo PFL,

Rogério Lisboa235. Tive então a oportunidade de conversar não apenas com Lindberg, como

também com seu “coordenador de campanha”. Todos os convidados falavam abertamente

sobre qualquer assunto apesar de minha presença. Mesmo tendo sido apresentada como

“uma pesquisadora que estava escrevendo uma tese sobre a política na Baixada”, não

pareciam preocupados com o conteúdo de suas falas, uma vez que presenciei — ou mesmo

participei de — conversas que giravam em torno das ações de políticos locais tradicionais,

da questão da violência política em Nova Iguaçu e de seus “possíveis” mandantes ou ainda

de aspectos relacionados aos financiamentos das campanhas236. Outra questão que me

chamou a atenção foi o fato de que eu era a única mulher presente nesse jantar, com

exceção da dona da casa237.

Serviram prosseco, uísque e água mineral francesa. Havia apenas uma empregada que se

ocupava da comida, sendo o anfitrião, o responsável pela bebida. Os convidados ficaram a

trajava uma camisa pólo (Ralph Loren), bermuda, sandálias e usava um relógio discreto, mas que era provavelmente de ouro. 235 A roupa adequada para enfrentar situações diversas — e, às vezes numa mesma jornada — constituía uma de minhas preocupações freqüentes. Sendo assim, optei por criar um padrão. Sempre usava calça jeans escura e blusa de mangas compridas, que poderia ser de algodão ou linha, sem decotes e de cores discretas. Quando vestia saia, era sempre longa. Nas campanhas de rua, eu trajava, às vezes, camisa de mangas curtas pois o calor era extremo e as caminhadas com os candidatos e/ou suas equipes poderiam prolongar-se por horas a fio. No jantar em questão, o prefeito de Paracambi estava com um terno escuro e discreto. Lindberg Farias estava de calça jeans e uma camisa de mangas longas. Seu tesoureiro, Chico, e Rogério Lisboa corroboravam seu estilo. Somente seu conselheiro-coordenador de campanha trajava um terno de cor clara (bege). Eu vestia uma blusa de linha preta com uma gola branca que caía sobre os ombros e calça jeans. 236 As conversas eram travadas entre um empresário do setor farmacêutico e o prefeito de Paracambi e entre este mesmo empresário e Lindberg — neste caso, versando sobre uma possível “ajuda” para a campanha em Nova Iguaçu. 237 Abordarei tal especificidade em um segundo momento, ainda neste capítulo.

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maior parte do tempo na espaçosa varanda (que contava com uma banheira de

hidromassagem em seu canto esquerdo, próxima a algumas plantas). Até o jantar ser

servido na parte interna do apartamento, em uma ampla sala de jantar, todos conversavam e

bebiam despreocupadamente. Os anfitriões optaram por um cardápio japonês. Os talheres

japoneses eram de prata, fato este que mereceu grande destaque por parte da dona da casa

que chegou inclusive a comentar com Lindberg onde os havia comprado, quem lhe havia

“recomendado” etc238. Depois do jantar, os convidados sentaram-se no living e os homens

fumaram charutos. Ficaram conversando sobre a condução mais adequada para a

campanha de Lindberg e sobre as ameaças por ele sofridas — abordando também suas

desconfianças com relação aos supostos mandantes do “atentado”, citando o nome de um

tradicional político de Nova Iguaçu e a ele atribuindo sua autoria 239. Lindberg afirmou que

de nada adiantariam as ameaças e que sabia exatamente de onde procediam — porque

desde a época em que atuava na Câmara era um único deputado que costumava chamá-lo

de “aquele paraíba”. “Não tinha medo”, mas sabia que a política na Baixada “não é mole” e

que a violência é um dos recursos utilizados pelos “locais”. As conversas versaram ainda

sobre a “correria” da campanha, o cansaço —às vezes não dando tempo sequer de tomar

um banho, tamanho “entra e sai”, tendo sempre uma camisa reserva no carro — e sobre a

238 Faz-se necessário ressaltar que a Barra da Tijuca é o destino da maioria dos políticos e empresários da Baixada Fluminense após sua ascensão social. O bairro carioca representa para esse grupo (emergentes/ novos ricos) o que, em algum nível, Copacabana representava para os grupos white collar pesquisados por Gilberto Velho em sua dissertação de mestrado, publicada no livro A Utopia Urbana (1973). Refiro-me especificamente à dimensão da relação entre ascensão social e mobilidade espacial e a seus desdobramentos para pensarmos estilos de vida e visões de mundo. Em outro trabalho do autor — dando continuidade à pesquisa em questão, Cotidiano e Política num prédio de conjugados (1981) (publicado anteriormente em Classes médias e política no Brasil, organizado por J. A. Guilhon de Albuquerque, 1977) — a problemática da visão de mundo e do estilo de vida é retomada, agora sob o prisma da percepção deste grupo a respeito da política e de como esta manifestava-se, de certa forma, em todos os aspectos da vida das pessoas entrevistadas. A tese de doutoramento de Diana Lima (2005) também aborda a temática dos emergentes/ novos ricos a partir da análise do padrão de consumo e de sua relação na constituição dos sujeitos. 239 A violência da campanha de Lindberg será abordada no próximo capítulo. Esclareço apenas que este episódio refere-se à abordagem ameaçadora sofrida por um de seus coordenadores políticos em Nova Iguaçu.

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sensação de que sairiam vitoriosos. Perguntei sobre a cidade (Nova Iguaçu), o que ele

estava achando de fazer política ali e Lindberg me respondeu que “se sentia em casa”.

Falou sobre o enorme acolhimento das pessoas de lá e de como a cidade era diferente do

que a mídia apresentava; “não é o lugar que a gente vê nos jornais”. Continuou dizendo que

iria “mudar aquilo lá”, reconhecendo a existência de muita pobreza na região. Nossa

conversa foi interrompida por um momento de grande tensão, ocorrido por conta de um

telefonema recebido por André Ceciliano, no qual lhe contavam o que estava se passando

na convenção do PT de Paracambi para a escolha do candidato a vice em sua chapa. O

nome por ele sugerido provavelmente não seria escolhido. André dizia-se traído por seu

secretário de governo — e presidente local do partido — que desejava que seu próprio

nome fosse indicado. Muito nervoso, praticamente descontrolado e aos gritos, disse que

estava desistindo da candidatura caso o nome que havia sugerido não fosse o escolhido.

Lindberg tentou acalmá-lo, dizendo que precisava controlar-se para reverter a situação e

que não podia, de forma alguma, desistir da reeleição —o que seria péssimo para o partido.

Todos tentavam demovê-lo da idéia, mas André parecia irredutível. Em seguida, resolveu

dar alguns telefonemas e, por fim, a convenção foi encerrada sem decisão alguma sobre o

vice. Uma outra seria convocada para que a escolha fosse feita. Esta notícia acalmou

André, que foi aconselhado a negociar com os “interessados”. Pouco depois do episódio,

todos decidiram ir embora ao mesmo tempo.

A relação entre André Ceciliano e Lindberg Farias era de proximidade e de apoio mútuo. A

mediação do primeiro foi fundamental para meu contato e posterior inserção na campanha

do PT — até então não conseguida por meios próprios240. No jantar acima relatado,

240 A pesquisa em Nova Iguaçu teve início com o acompanhamento da campanha de Mário Marques para a reeleição, uma vez que minha inserção no campo havia se dado por intermédio das entrevistas realizadas com

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Lindberg conversava com o prefeito de Paracambi como se fora seu pupilo (mas sem a

reverência típica desse tipo de relação); pedindo conselhos e o colocando a par de questões

da campanha. A experiência de André à frente da prefeitura era um capital que o candidato

do PT não possuía — não tendo qualquer experiência no executivo — mas que podia lhe

ser transmitido por meio de contatos, caso deste jantar, ou de sugestões como, por exemplo,

a do nome de Rui para “conselheiro-coordenador” da campanha241.

Tal relação me chamou a atenção porque existia um diferencial de poder entre André e

Lindberg que, visto de fora, tendia para o último. No jogo político local, no entanto, a

experiência de André — fundamentalmente, à frente da Associação de prefeitos da

Baixada — lhe rendia um knowhow e um trânsito que Lindberg não possuía. Os contatos e

acessos de André, de fato, parecem ter sido bem aproveitados pelo candidato recém-

chegado. Para André, por sua vez, o sucesso de Lindberg significaria apoio político na

região — assim como de nomes do PT com ampla visibilidade nacional — e dividendos

visto que, de acordo com o projeto coletivo do partido, ele seria seu “garoto-propaganda”

na região e no estado, de forma geral.

Até meados de agosto de 2004, a movimentação da campanha de Lindberg não havia

impressionado a população local nem tampouco a imprensa. Os números indicavam que a

disputa giraria em torno de Fernando Gonçalves (28%) e de Mário Marques (26%), que

crescia nas pesquisas de intenção de votos, em relação ao primeiro colocado. Lindberg

prefeitos da Baixada. Tal contato, no entanto, provocou uma espécie de mácula em minha identificação local, principalmente porque foi utilizado pela equipe de marketing do referido candidato através da divulgação de notas em jornais, como a publicada na coluna Extra Extra, de Berenice Seara, no jornal Extra de 06/08/2004. 241 Utilizo o termo conselheiro-coordenador porque Rui Aguiar não era o coordenador “de direito” da campanha e não tinha ligações formais com o PT. Havia um coordenador oficial, integrante do partido do candidato, cuja atuação corresponderia muito mais ao imperativo da conciliação política local do que à coordenação da campanha, propriamente dita. A coordenação “de fato” ficava a cargo, nesse primeiro momento, de Rui Aguiar.

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aparecia em terceiro lugar (com aproximadamente 12%) e sua campanha de rua ainda não

havia alcançado o ritmo desejado pelos organizadores. O apelo à identidade nordestina –

inicialmente usado como acusação pelos adversários, aludindo a uma identidade outsider

(Elias, 2000) e que fracassou – tampouco conseguiu cristalizar um vínculo de

pertencimento de Lindberg com a cidade e seus moradores, possibilitou tão somente um

contra-ataque sem maiores desdobramentos — veiculado pela imprensa, no material de

campanha e nos discursos do candidato — sob a alegação de que Lindberg seria

“nordestino como a grande maioria dos moradores da Baixada”242.

A busca pela vizinhança (Park, 1912) definia sua condição, dependente igualmente de uma

decisão (positiva) da Justiça Eleitoral — cujos pareceres, até então, lhe haviam sido

desfavoráveis. A construção de um elo local na condição de morador poderia significar

maior “gás” em sua campanha. Além da vinculação ao eleitorado, a socialização no mundo

da política requer do principiante a obtenção de contatos e acessos que possibilitem a

aquisição de capital político, viabilizando o trânsito nessa arena. Lindberg tentava

constituir uma vizinhança, laços e interações sociais com os grupos locais, ao mesmo

tempo em que buscava inserções no campo político, o que passava inevitavelmente pelas

articulações com políticos e empresários locais. Este campo, na Baixada, é particularmente

marcado pelo número de empresários diretamente envolvidos em cargos comissionados ou

com mandatos eletivos na vida política. Sendo assim, além do financiamento de campanhas

242 Há uma espécie de fórmula seqüencial, ou seja, a cadeia que se forma a partir da primeira acusação, geradora de uma série de ataques e contra-ataques, réplicas e tréplicas que podem ser apresentadas publicamente, em discursos televisionados e nos palanques, direcionadas individualmente ou disseminadas sob formulações genéricas. As propagandas eleitorais gratuitas são exemplares nesse sentido, mas é no comício / showmício que tal prática ganha corpo, ficando explícitas as diversas formas de ataque utilizadas pelas facções políticas envolvidas no imbroglio, a partir das performances não apenas dos candidatos, mas de todos os que formam o palanque (Palmeira e Heredia, op. cit.).

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e demais “auxílios” em termos de prestígio e acessos, eles configuram, na região, atores

políticos por excelência243. São pequenos comerciantes, donos de padarias, de botequins, de

salões de beleza ou industriais ligados às áreas farmacêutica e de beleza, ao setor

imobiliário ou à educação privada. Volto a frisar: não me refiro apenas ao expressivo

número de políticos-empresários da região, mas ao potencial de influência desses

indivíduos na vida pública. Nesse sentido, André Ceciliano foi, novamente, um importante

mediador entre Lindberg e o mundo político da Baixada Fluminense244.

Ainda no mês de agosto, antigos problemas voltaram à cena, na corrida de Lindberg à

prefeitura de Nova Iguaçu. As desavenças entre ele e o coordenador da campanha, Adeilson

Telles eram constantes. Seu afastamento, ainda que temporário, foi inevitável. Segundo

Adeilson, “a personalidade de Lindberg é um problema”. Este último teria exigido a não

243 Para ilustrar tal colocação, cito apenas alguns nomes de empresários (de pequeno e médio porte) de Nova Iguaçu que têm ou tiveram mandato eletivo nos últimos anos: Fábio Raunheitti e seu filho, Fabinho (como é conhecido), Nelson Bornier, Itamar Serpa, Xandrinho, Tuninho da Padaria, entre outros. 244 André Ceciliano nasceu em Nilópolis e mudou-se, na década de 1960 (com dois anos de idade) para Paracambi onde seus pais — ele, comerciante de origem italiana e ela, oriunda de uma família de portugueses e índios — foram buscar trabalho na empresa Nicola Salzano. André estudou na cidade e trabalhou na loja que pertencia a seu pai. Iniciou o curso de Direito algumas vezes, mas não o concluiu, resolvendo dedicar-se apenas ao trabalho. Mudou-se para o Rio de Janeiro, montando uma factoring na qual empregou vários moradores e amigos de Paracambi. Sua relação com a cidade mantinha-se por intermédio das visitas aos familiares e amigos e do empreendimento que lá realizou, possibilitando, em 1996, a reabertura da única sala de cinema da cidade, fechada por mais de 10 anos. André iniciou sua vida pública em 1995 ao filiar-se ao PT. Segundo ele conta, já tinha contatos com integrantes do partido, sempre acompanhando de perto as campanhas e seus candidatos — pois “tinha alguma militância no partido” — mas sendo empresário do mercado financeiro, acreditava “não ter o perfil do PT”. Em 1996, candidatou-se à prefeitura de Paracambi, sendo derrotado por Rogério Ferreira — médico cardiologista, filho de um empresário local do ramo da construção civil e membro do PMDB, mesmo partido do ex-prefeito da cidade e, na época, deputado estadual , Délio César Leal. Dois anos depois, elegeu-se deputado estadual pelo PT, sendo o candidato mais votado em Paracambi (obteve 58% dos votos válidos). Em 2000, foi eleito prefeito e em 2004, disputou a reeleição, cuja vitória foi garantida por uma pequena margem (300 votos) de seu adversário, Dr. Flávio (PL). Neste pleito, houve uma grande disputa jurídica a partir da denúncia de compra de votos por parte do candidato do PL. Somente no segundo semestre de 2005, saiu a decisão final do Supremo Tribunal, garantindo a posse de André Ceciliano como prefeito. No período em que esteve afastado da prefeitura, André foi secretário de governo de Lindberg, em Nova Iguaçu, levando boa parte da equipe que com ele trabalhava em Paracambi — e que, depois de sua vitória jurídica, para lá retornou quase integralmente.

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243

divulgação de uma pesquisa de sondagem com indicadores negativos sobre sua

popularidade, o que agravara ainda mais as discordâncias entre os dois.

Adeilson já estava, desde o início da corrida eleitoral, em uma posição extremamente

delicada. Primeiro porque seria o candidato natural do PT para as eleições, o que o colocou,

desde o início, no pólo oposto ao de Lindberg. Em seguida, apesar das alianças internas ao

partido visando um reajuste de forças e a indicação de seu nome para a coordenação da

campanha, esta não era de fato levada a cabo por ele — que acabava tratando de assuntos

mais pontuais, permanecendo afastado das decisões e atuando muito mais como um

“conselheiro”. Rui Aguiar, “homem dos bastidores” da política local, vinculado a políticos

de Mesquita (à família Paixão, por exemplo) foi, num primeiro momento, o articulador por

detrás do coordenador. Somou-se, portanto, à debilidade da posição de Adeilson naquele

contexto, o episódio da sondagem não divulgada por determinação do candidato. Uma nova

crise era deflagrada. Para além do fato de que os índices levantados poderiam causar um

impacto interno no campo dos próprios aliados e da “justificativa ética” dada por Adeilson,

a veiculação dessas pesquisas produziria um efeito de “construção de opinião”, conforme

enfatizado nos trabalhos de Bourdieu ( 1976, 1977 e 1980 [1973]) e de Champagne (1996

[1990]).

“[…] a política é, antes de tudo, uma luta simbólica na qual cada ator político procura monopolizar a palavra pública ou, pelo menos, fazer triunfar sua visão de mundo e impô-la como visão correta ou verdadeira ao maior número possível daqueles que são, econômica e, sobretudo, culturalmente, desfavorecidos” (Champagne, idem, p.24).

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244

Desse modo, o jogo de poder imbricado na construção, aplicação e divulgação das

sondagens pode refletir-se na constituição da “opinião pública”. Sendo assim, para

Lindberg, disponibilizar os dados em questão, significaria explicitar a debilidade da

campanha posta em prática até então. O preço a pagar poderia ser alto e inviabilizar a

estratégia pensada para reorganizar o campo de forças na arena política iguaçuana — via

publicização de sua persona política e de seus programas eleitorais televisionados245.

A segunda fase da corrida eleitoral teve início justamente a partir deste episódio, marcada

pela entrada em cena de outros personagens — para a coordenação e realização da

campanha — e pela veiculação do horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE) e

realização dos showmícios, que transformaram o candidato petista em um “fenômeno de

popularidade”, mal podendo sair às ruas e caminhar sozinho.

Nova Iguaçu tornara-se um dos principais cenários das eleições municipais de 2004, e não

apenas no estado do Rio de Janeiro. Um grande investimento (político e econômico) dos

governos federal, de um lado, e estadual, de outro, resultou não apenas na atenção da mídia,

mas hiper-dimensionou a publicidade local, bem como a de algumas de suas

personalidades, como o candidato Lindberg Farias — e, no pólo oposto, também o

candidato Mário Marques, essencialmente devido à “guerra” travada entre o governo

federal e o então Secretário de Segurança e ex-governador do estado do Rio de Janeiro,

Anthony Garotinho.

Somente em meados de agosto de 2004, os índices de intenção de votos começaram a

mudar; primeiro em favor de Mário Marques e, mais tarde, de Lindberg. A partir deste

momento, entrava em cena em sua campanha a empresa de publicidade Super Nova que

245 Trabalho com a idéia de Champagne (1996), da opinião pública como artefato.

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245

atuaria na fase decisiva da preparação da propaganda eleitoral para as mídias eletrônicas.

Instaurava-se assim, no discurso do candidato petista, um outro olhar sobre Nova Iguaçu e

a Baixada Fluminense, de forma mais ampla.

Vozes e Cenários

No ano de 2004, o TRE inovou ao distribuir a transmissão das propagandas eleitorais entre

as principais cidades e canais de televisão. A emissora Rede Bandeirantes foi o canal

sorteado para a propaganda eleitoral gratuita dos candidatos ao pleito de Nova Iguaçu e um

imponderável acabou auxiliando os coordenadores da campanha do PT nesse período: as

olimpíadas. A Bandeirantes transmitiu com exclusividade tais jogos, atingindo uma

audiência muito superior a que tem habitualmente, o que favoreceu a veiculação dos

programas políticos dos candidatos do município, potencializando o poder de alcance e de

influência de seu marketing político246.

Foi a partir de setembro daquele ano, com a propaganda eleitoral gratuita veiculada pelo

rádio e pela televisão e com os inúmeros showmícios realizados, que o candidato do PT

246 Em entrevista realizada com Débora Souto (uma das sócias da empresa de marketing e consultoria política Monte Castelo, assessora de imprensa de Lindberg durante a campanha e a ele ligada profissionalmente ainda hoje ), percebi o destaque conferido por ela e por sua equipe à conexão olimpíadas-audiência para o reconhecimento do candidato do PT pela população local. O fato é que as transmissões em questão possibilitaram que um maior número de moradores conhecesse Lindberg, o que, segundo Daniela, foi comprovado por meio de pesquisas e de enquetes, tornando possível a reestruturação da propaganda televisiva e o melhor aproveitamento das inserções diárias. Não tratarei aqui da viabilidade (ou não) da mensuração das conseqüências deste acaso, limitando-me a apresentar o real crescimento das intenções de voto e a chegada do candidato do PT ao primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto divulgadas ainda em setembro. O papel desempenhado por Débora Souto, Miranda e Cacá (os dois últimos, sócios da agência de publicidade Super Nova, responsável pela campanha de Lindberg Farias), bem como aquele exercido por Pedro Cezar (responsável pela campanha de Mário Marques), entre outros, ainda será abordado neste tese. Refere-se, no entanto, à problemática do marketing e do peso de seus agentes (os assessores políticos) na arena eleitoral e seus desdobramentos para a democracia — tratados em trabalhos como os de Scotto (2004) e Castilho (2002).

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246

passou a ter um crescimento extraordinário nas pesquisas de opinião247. Sua propaganda

política centrava-se na idéia de mudança. “É hora de mudar, pra ser feliz” foi o slogam da

campanha e mudança foi a palavra-chave empregada para sensibilizar o público iguaçuano.

O tema em questão, norteador da propaganda eleitoral de Lindberg, pode ser encontrado,

em graus variados, em diversos trabalhos sobre trajetórias políticas e sobre eleições,

constituindo igualmente o elemento central dos discursos dos candidatos (Palmeira, 1996;

Lemenhe, 1995 e 1998; Barreira, 1998). Concorrendo para a constituição de identidades, a

247 Getúlio Vargas deu início à organização da propaganda política no Brasil. Foi durante o seu governo, fundamentalmente, que a propaganda — até então vinculada a produtos e marcas e dirigida ao mercado consumidor — centrou-se nas questões políticas, pretendendo-se um veículo fidedigno de informação aos eleitores (ver Scotto, 2004). A criação, em 1931, do Departamento Oficial de Publicidade (DOP) representou a primeira vinculação entre propaganda e Estado. Em 1934, o DOP transformou-se em Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC) também ligado ao Ministério da Justiça. E em 1937, passou a atuar na área de “educação nacional” já sob a rubrica de Departamento Nacional de Propaganda (DNP), responsável pela criação de “A Hora do Brasil”, programa transmitido diariamente pelas estações de rádio, que relata os acontecimentos nacionais. Em 1939, criou-se o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), subordinado à presidência da República e relacionado a nomes da intelectualidade brasileira e do movimento da semana de 22 (Cassiano Ricardo, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, entre outros). O Código eleitoral foi criado na década de 1950, mas a cada eleição a regulamentação se dá por intermédio de leis específicas a cada pleito. A partir de 1964, com a criação do Conselho Nacional de Propaganda (CNP), grande ênfase é dada durante o regime militar à atividade governamental de relações públicas, suprindo um espaço de informação e comunicação com a população, posteriormente suprimido pela censura — especialmente entre 1970 e 1974, durante o governo do general Médici. Este modelo da “comunicação governamental” caracteriza-se inicialmente pelo elevado número de anunciantes com ligações com o aparato do Estado: Banespa, Caixa Econômica etc. (Scotto, idem). Até 1968, as forças de oposição ainda têm algum espaço na mídia, progressivamente restringido devido ao endurecimento do regime, com a instauração dos atos institucionais — fundamentalmente o AI5 (1968) — que caracterizou um período de controle e “fechamento” dos meios de comunicação de massa. Os partidos políticos só vieram a ter direito à propaganda eleitoral gratuita em 22 de agosto de 1962, com a lei no. 4.115, até 1974 coexistindo com a propaganda paga . Neste ano, a modalidade gratuita foi extinta pela lei 9.601, conhecida como Etelvino Lins. A lei 6.339, conhecida como lei Falcão, foi aprovada em 25 de julho de 1976, no governo do general Ernesto Geisel, com o intuito de conter os avanços da oposição (MDB) que aumentava o número de cadeiras na Câmara e nas Assembléias desde as eleições de 1974. A propaganda eleitoral gratuita passaria, então, a exibir apenas a foto e o currículo do candidato, além de anunciar horários de comícios (ver Castilho, 1994; Soares, 2000). Desde a década de 1970 — mas, principalmente, a partir da década de 1980 — a política passa a ser representada como um mercado no qual os candidatos podem ter suas “imagens vendidas”. Foi somente a partir da Constituição de 1988 que os todos os partidos políticos tiveram garantido o acesso ao tempo de propaganda eleitoral gratuita sem que, no entanto, fossem proibidas as propagandas pagas em rádios, revistas, jornais e canais de televisão. O Código eleitoral será o responsável por restringir este uso, normatizando e fiscalizando os processos eleitorais.

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247

mudança aparece como categoria relacional na medida em que se constrói no discurso de

diferenciação do Outro — neste caso, o(s) adversário(s) político(s) — e vai se adequando

aos contextos aos quais é inserida. A mudança pode ter uma conotação de gênero

(candidatas mulheres em oposição a candidatos homens), de classe social (movimentos

sociais), de perfil ocupacional (empresários) ou relacionada a uma estrutura de dominação

política (remanejamento de poder com discurso de contestação/ crítica de elites locais). A

propaganda de Lindberg referia-se especificamente a esta última. Apesar das alianças com

o PSDB e com o PFL, pretendia-se, por um lado, alcançar a parcela da população

insatisfeita com o governo de Mário Marques e, por outro, dar um basta à alternância das

elites locais — representadas mais recentemente por Bornier e pela família Raunheitti —

no poder.

Lindberg assumia, portanto, o discurso do herói/ salvador (Girardet, 1987) que viria

resgatar Nova Iguaçu — e a Baixada, em sentido mais amplo — da condição

estigmatizante a que há anos se via relegada e reverter sua alcunha de “curral eleitoral”.

Atacando o coronelismo, o clientelismo e o assistencialismo como práticas políticas

“típicas” da elite local, o candidato do PT colocar-se-ia contra o complô permanente a que

seus moradores estiveram submetidos, instaurando um novo tempo para a política. De

modo semelhante a Lindberg, como nos mostra Carvalho (1995), o discurso político de

Tasso Jereissati opera igualmente com a “dimensão simbólica” do coronelismo no

imaginário coletivo nordestino248.

“Insidioso mal, o coronelismo afeta não apenas o corpo desnutrido, mas a própria alma do povo, imprimindo ao anti-coronelismo o tom de exortação moral [...] Tasso é, portanto, muito mais que um candidato ao governo de um

248 Segall (1979).

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248

estado do Nordeste, ele é a materialização da imagem mítica da ruptura com os grilhões do passado, anúncio de um novo tempo na política” (pp.132-133).

A trajetória do candidato fundia-se então a um conjunto ampliado de imagens e projetos

relativos à própria cidade. O projeto de uma nova Baixada, a partir de uma nova Iguaçu, era

então veiculado nas propagandas televisionadas do candidato petista. O discurso do partido

apresentava, na figura de um jovem e promissor político, a possibilidade de experimentação

de uma nova etapa na vida da cidade. A fala de Lindberg — durante debate realizado no

SESC de Nova Iguaçu pelos movimentos sociais locais, fundamentalmente o MAB, a

Diocese de Nova Iguaçu e a Escola de Governo da Baixada, em 16 de setembro de 2004 —

evidencia a ênfase em um discurso de diferenciação em relação aos demais candidatos e de

transformação: “(...) eu vou entrar ali, eu vou pôr ordem (...) eu tô (estou) mandando um

recado para aquela turma que tá (está) ali (...) não tô (estou) de brincadeira. Vamos entrar

rasgando aquela máfia lá, de compra de medicamentos, de tudo” (palavras de Lindberg

Farias). Devo ressaltar que, se nas propagandas gravadas, o candidato não costumava

utilizar-se do expediente de atacar os adversários, o mesmo não se dava nos palanques. Tais

ataques, no entanto, apresentavam-se sob forma “genérica” e não individualizada (omitindo

nomes), prática esta que os demais candidatos entrevistados assumiram como rotineira

durante o período de eleições: “é assim mesmo, na hora da eleição, vale tudo!” (candidato à

Câmara Municipal pelo PDT).

O jingle de Lindberg é exemplar para pensarmos a construção do discurso que moldou toda

a sua campanha e que procurou forjar sua identidade política.

01 Ele foi cara pintada

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02 Líder de uma geração

03 E manteve o passo certo

04 Cresceu junto com a Nação

05 Hoje é homem de idéias

06 Que traz a solução

07 Sempre com a verdade

08 Sempre com a sinceridade

09 Nova Iguaçu, nova direção

10 Um novo caminho

11 Uma nova visão

12 Lindberg é o futuro

13 Com coragem e pé no chão

14 Pra cuidar de todo mundo

15 Coração e peito aberto

16 Pra mudar o que tá ruim

17 E pra fazer do jeito certo.

18 É hora de mudar

19 Pra ser feliz

20 Lindberg prefeito

21 É assim que se diz.

22 Lindberg prefeito, é hora de mudar...

(grifos meus)

O velho e o novo, o tradicional e o moderno confrontavam-se por detrás dos nomes de

Lindberg, em um dos pólos, e de Marques/ Gonçalves, no outro. Estes pares de opostos

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aplicavam-se não somente aos programas políticos e slogans, como também às trajetórias e

faixas etárias dos candidatos. A identificação da população jovem do município com o

candidato do PT e sua atuação no movimento estudantil e no impeachment de Collor

mostrou-se um dos pilares de sustentação da campanha (linhas 1 e 2 do jingle), sendo a

trajetória como deputado (por dois mandatos) enfatizada como o traço que o distinguiria do

“estudante”, ao mesmo tempo em que o transformara, de fato, em “homem”(linhas 4 e 5).

A nova conjunção de forças em Nova Iguaçu, no entanto, redefiniu a luta política em

termos de facções. Não se operava mais uma disputa entre duas elites locais, ou entre uma

elite local e um forasteiro (como tentaram qualificá-lo com a utilização da categoria

“nordestino”, no período pré-candidatura). A partir de agora, a composição de forças era

diferenciada, resultando em um amálgama que permitia a Lindberg utilizar-se do discurso

da mudança, ao mesmo tempo em que costurava arranjos com políticos tradicionais sem

que tivesse afetados seu foco ou prestígio. A temática da mudança sempre esteve

relacionada à sua figura política e remetida à construção de uma trajetória ligada aos

sentimentos e às emoções (linhas 14, 15 e 19).

A esta altura da campanha (3 de setembro de 2004), as pesquisas de opinião já se haviam

alterado. Lindberg deixara para trás os 12% que registrava em 10 de agosto e já estava em

primeiro lugar, com 30% das intenções de voto, seguido de Mário Marques (27%) e

Fernando Gonçalves (16%). Acenava-se, portanto, para uma nova polarização. Sendo

assim, a partir deste momento, o “poder de fogo” voltou-se inteiramente para o primeiro

colocado, o candidato do PT. Se até o mês anterior, o grande rival de Mário Marques era

Fernando Gonçalves e a disputa girava em torno das elites iguaçuanas — que tentaram

atingir Lindberg por intermédio de um discurso apoiado na identidade local — os

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jogadores, agora, haviam mudado de posição, as regras do jogo devendo ser

necessariamente reformuladas. A equipe de Marques iniciou um feroz ataque ao deputado

federal do PTB que, somando-se a falta de apoio e de dinheiro, foi aos poucos sucumbindo

ao poder da máquina representada por Mário e pelo PMDB.

As mesmas iniciativas foram tomadas em relação a Lindberg, mas, neste caso, os resultados

foram outros. Cartazes apócrifos foram espalhados pela cidade. Outdoors colocados em

pontos estratégicos. Todos com o mesmo conteúdo: acusações dirigidas ao candidato da

coligação Hora da Mudança.

Aqui, novamente, os sentimentos e os “atributos psicológicos” voltaram à tona nos ataques

ao candidato do PT e na resposta de sua equipe. A expressão acusatória dos sentimentos

(Barreira, idem) remete, em geral, a fatos contados como revelações, admitindo-se assim

um caráter de artificialidade e de construção de características apresentadas como

verdadeiras por determinado candidato, e que seriam desmentidas pelo adversário para o

conhecimento da população, para o “bem do povo”. A exibição de fotos de Lindberg

bebendo uísque, cartazes revelando sua suposta concordância com a liberalização da

maconha, outdoors denunciando seu voto a favor do salário mínimo de R$ 260,00, foram

expedientes utilizados pelos adversários para desconstruir a imagem de “homem de bem” e

deslegitimar o discurso da mudança através da retórica do medo e da divulgação de antigas

imagens a ele associadas: a de bêbado, arruaceiro, drogado, violento.

“Você tem que saber uma coisa. Aqui, na Baixada, a gente faz política com fofoca”

(palavras de um assessor político de um dos candidatos à Prefeitura). Grosso modo, e

levando em conta que “o uso comum nos inclina a tomar por fofocas, em especial, as

informações mais ou menos depreciativas sobre terceiros, transmitidas por duas ou mais

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pessoas umas às outras” (Elias, op. cit, p.121), verificamos que a fofoca —

preferencialmente a blame gossip, mas não exclusivamente — transformou, naquelas

eleições em particular, a arena política num folhetim, no qual os personagens surgiam e

desapareciam conforme os “gostos” dos eleitores. Os temas das maledicências eram

“testados” a partir dos sentimentos e reações manifestados pelos demais atores em jogo (os

adversários, os aliados, os eleitores).

Se os ataques a Lindberg apresentavam-se de forma violenta e incessante, não conseguiram,

no entanto, provocar sua rejeição por parte da população local — fato muito bem

explorado pela equipe de marketing do PT e capitalizado em termos de solidariedade e

demonstrações de apoio ao candidato. Sua resposta às acusações também foi equivalente

àquela adotada em 2002: no estilo “lulinha paz e amor”, prometendo “cuidar de todo

mundo” (linha 14), Lindberg incitava a população a optar por uma nova fase em suas vidas:

“é hora de mudar pra ser feliz” (linhas 18 e 19 do jingle)249.

A equipe de marketing responsável pela campanha do PT em Nova Iguaçu não atacou o

candidato à reeleição em termos pessoais, preferindo explorar sua atuação administrativa à

frente da prefeitura por quase dois anos e os graves problemas de infra-estrutura que a

cidade ainda enfrentava. “Isso aqui é uma vergonha. Eu nasci na lama, tô criando meus

filhos na lama, vou criar meus netos na lama”. Por intermédio do depoimento de uma

(suposta) moradora da periferia da cidade exibido em um dos programas eleitorais de

televisão, o discurso do candidato do PT voltou-se para a revitalização dos bairros —

percebidos como o locus da sociabilidade nativa por excelência —as peças publicitárias

passando a enfatizar um conhecimento sobre a cidade e seus problemas, mostrando o

249 A menção ao “estilo lulinha paz e amor” foi recorrentemente utilizada por assessores e demais pessoas próximas a Lindberg Farias.

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candidato nas ruas com “sua gente”, a par das dificuldades cotidianas do morador

iguaçuano.

O direcionamento de sua propaganda voltou-se, então, para um projeto de reconstrução da

cidade, não apenas um projeto urbanístico como o das administrações anteriores de Bornier,

mas um projeto novo, de uma nova cidade, uma nova Iguaçu. A valorização da cultura

local, da ecologia e do trabalho foram os pilares de sustentação de seu programa de

governo, bem como das propagandas televisionadas. Além da temática da mudança e de

suas implicações, o apelo “ao que Nova Iguaçu tem de bom” ditou o ritmo das propagandas

e das falas políticas. Essa nova Iguaçu aparecia como projeto político, mas também como

vocação da cidade. Neste sentido, operava-se com a idéia de que já haveria capacidades

inerentes à cidade e a seus moradores, inexploradas pelos antecessores políticos. A

potencialidade do crescimento e da grandeza era agora enfatizada a partir da natureza e da

cultura próprias à localidade.

Evocando, em muitas situações, a “comunidade da Baixada” ao invés de referir-se

exclusivamente à Nova Iguaçu, a equipe de Lindberg e o candidato optaram por redefinir a

Baixada a partir da condição iguaçuana, ou seja, alçar o iguaçuano à condição de legítimo

representante da região. Sendo assim, Nova Iguaçu deveria ser restituída a seu posto, de o

“lugar” da Baixada. As tomadas externas da campanha publicitária priorizaram a “gente de

Nova Iguaçu”, a “terra” e as “belezas iguaçuanas”. Conferindo o título de “capital da

Baixada” à Nova Iguaçu, a campanha do PT propunha uma retomada do antigo prestígio e

poder da cidade, do “tempo dos laranjais” (Souza, 1992), quando ainda não havia sido

desmembrada com as emancipações que se seguiram.

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O Cortejo e a Vitória

“Não sou só um rostinho bonito” (Lindberg Farias, O Dia, 24/10/2004).

A segunda fase da campanha foi marcada, entre outras coisas, pela conquista do eleitorado

feminino. Desde os “tempos” da UNE, Lindberg já gozava da fama de “bonitão”, de

“lindo”, seu “efeito” sobre as mulheres sendo sempre ressaltado em matérias jornalísticas.

A eleição iguaçuana de 2004, entretanto, operou sua transformação de “muso” em ídolo,

“pop star”.

A apatia dos primeiros dias de campanha havia ficado para trás e Lindberg passava a ser

festejado por segmentos diversos nas ruas e aclamado pelas mulheres, que o apelidaram de

Lindoberg ou Lindinho. Não refiro-me apenas a seu prestígio político, mas à fama

alcançada pelo candidato do PT. Assim como exposto no trabalho de Coelho (1999), a fama

pode ser pensada em termos de uma relação assimétrica entre ídolo-fã — neste caso,

especificamente, a condição de ídolo do candidato do PT e seu pólo oposto e

complementar, o fã (neste caso, fã-eleitor). Segundo a autora, “o modelo da relação é

basicamente centrípeto: um indivíduo centraliza as atenções de muitos, sendo da natureza

mesma dessa relação a impossibilidade de o indivíduo famoso corresponder às expectativas

que tantos alimentam a seu respeito” (p.135), o que pode manifestar-se na idealização de

uma relação amorosa com o indivíduo singularizado por seu carisma (que no caso desta

tese foi ressaltado na relação de eleitoras com Lindberg) ou ainda, combinada com a

impossibilidade de identificação plena, na transformação do candidato em “produto

massificado”. Aqui, a fama — por vezes tomada como sinônimo de carisma —

diferentemente da honra estaria ligada ao advento da comunicação de massa e à

particularização do indivíduo que, a partir de uma concepção específica de modernidade

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(Simmel, 1967), remeteria à exaltação da singularidade do ídolo por oposição ao anonimato

(ainda que relativo) do eleitor. Esta definição expõe o caráter dinâmico do conceito, visto

que é construído na relação entre os discursos sobre si e sobre o outro em um jogo que nos

permite perceber a fabricação de personagens públicos visando reconhecimento, renome.

Com manchetes como a publicada no Jornal do Brasil, de 19 de setembro de 2004, “A

Baixada se rende ao forasteiro: deputado do PT vira ídolo de crianças, adolescentes e

mulheres de Nova Iguaçu, e passa à frente nas pesquisas para prefeito” ou as que figuraram

no jornal O Dia (de 4 e 29 de outubro do mesmo ano, respectivamente): “O ídolo pop da

Baixada: candidato petista à prefeitura de Nova Iguaçu, Lindberg Farias sofreu com o

assédio feminino” e “Petista joga para torcida: mulheres lotam campo para assistir à pelada

do prefeitável de Nova Iguaçu com astros do futebol” percebemos a dimensão de sua

aceitação por uma parcela específica do eleitorado iguaçuano. A política da festa (Chaves,

op.cit.) conduzida pelos showmícios, os programas eleitorais televisionados e a ênfase no

corpo a corpo auxiliaram na transformação do candidato em ídolo. Explorando a imagem

de ex-líder estudantil para assegurar sua proximidade dos jovens de Nova Iguaçu, bem

como o carisma pessoal e a beleza, Lindberg obteve uma combinação de fatores que lhe

rendeu amplo acesso ao eleitorado feminino (de diversas idades). Além de camisas com o

nome do candidato, as eleitoras mais jovens usavam adereços como bandanas, faixas de

cabelo e pinturas feitas nos rostos — geralmente a estrela do PT.

Moreno, 1,85m e 86 quilos, o paraibano arrancou suspiros das mulheres – muitas delas o tratavam como “Lindinho”. Algumas mais assanhadas, não se continham, chamando o candidato de gostoso (O Dia, 04/10/2004). A doméstica desempregada, Claudete Santos Lima, de 40 anos, cai no choro depois de beijar o ídolo. “Vejo todos os programas”, dizia ela, antes de romper a barreira de

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seguranças. Leide Melo, 20 anos, estudante de enfermagem, comemora eufórica: “Ele bebeu água mineral da minha garrafa!” Ele quem? Reinaldo Giannechini? Não. Lindberg Farias, deputado federal e candidato à prefeitura de Nova Iguaçu (Extra, 24/10/2004). São cinco e meia da tarde de terça-feira e Lindberg, de 34 anos, paraibano que ficou famoso ao liderar o movimento dos estudantes cara-pintadas pelo impeachment de Collor em 1992, mal consegue andar pelo calçadão comercial do centro [de nova Iguaçu] [...] Antes da chegada do candidato, Tatiana de Souza, 17 anos, Vanessa Peixoto, 18, e Talita Carriello, 16, vestidas com saia de pregas, camisa branca e gravatinha azul do curso normal superior do Instituto de Educação Rangel Pestana, davam explicações políticas para a preferência pelo petista. “Ele luta pela universidade pública”, lembra uma. “Prometeu dar um jeito na saúde”, cita outra. “Ele até pode ser lindinho, mas sem competência não dá”, avisa a terceira. “Aaaaiiii! Lá vem ele!”, gritam elas ao avistar o candidato. E lá se vai a consciência política (idem). Representantes de fã-clube e moradores disputaram o alambrado em volta do campo. As estudantes Samantha Navarro, 18 anos e Tatiane Alves, 20, disseram que não importavam a mínima para a partida. “Vim aqui pra ver o Lindberg de terno, de short, o que quer que seja. Ele está com esse bermudão, espero que ele bote um shortinho mais curto”, dizia Tatiane250 (O Dia, 29/10/2004).

250 Durante o mês de setembro de 2004, fiz algumas pesquisas sobre os fã-clubes do candidato petista. Na Internet encontrei um site, no qual havia depoimentos de algumas mulheres — todas jovens entre 15 e 24 anos — além de uma pequena biografia de Lindberg. Mandei vários e-mails para as responsáveis pelo fã-clube, mas nunca obtive resposta. Num certo dia, conversando com uma pessoa que trabalhava na campanha, ela deixou “escapar” que o fã-clube teria sido uma invenção de marketing, para “criar notícia”. Não posso confirmar ou negar tal fato. Ressalto, no entanto que, não conseguindo falar com nenhuma das jovens cujos e-mails constavam do site, procurei o responsável pela página (o webdesigner). Telefonei para ele perguntando como poderia entrar em contato com as duas meninas do fã-clube. Ele me respondeu que teria sido contratado por uma pessoa da assessoria de comunicação de Lindberg e que não teria tido contato algum com nenhuma das fãs-eleitoras. Conversei com um dos principais assessores de Lindberg que confirmou a existência do fã-clube. Quando indagado sobre como localizar uma das fãs, afirmou não ter qualquer contato com elas. Diante disso, e apesar das inúmeras manifestações que pude presenciar durante a campanha — e mesmo depois dela — não consegui confirmar a existência de um único fã-clube do candidato.

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A fama mudou o dia a dia do político. Não era mais possível sair às ruas sem seguranças.

Se anteriormente, um ou dois bastavam para protegê-lo de qualquer eventualidade (leia-se,

assalto ou atentado político), a partir do final de agosto, eles estariam encarregados de

manter sob controle as fãs-eleitoras. Lindberg tentou desvincular-se de uma associação

direta com o “voto feminino”, afirmando ter “mais votos entre os homens”251. A proporção

tomada por sua transformação em ídolo não era esperada nem mesmo por membros de sua

equipe, surpreendidos durante o processo eleitoral, e dela tirando o máximo proveito

possível252.

“Era uma loucura. A gente nem podia sair na rua com ele. É verdade. Você viu, não viu? A mulherada gritava mais pra ele do que pro Zezé di Carmago, pro KLB, é mole? [risos] Era um tal de pegar, abraçar e beijar que só ele pra ter tanta paciência mesmo, porque é uma loucura; gente te puxando de todos os lados. A gente ficava perdido; às vezes, sem saber o que fazer, até. O quê que eu podia fazer? Não dá pra empurrar, pô; são eleitoras né?! Tem que deixar. Ele ficava esgotado no final. Mas ele tem um pique! Parece que nem dorme... Eu nunca vi coisa igual” (um assessor de Lindberg durante a campanha eleitoral, 28/11/2004).

O dia 3 de outubro de 2004 parecia anunciar a vitória. Amanheceu um dia chuvoso, tenso.

Urnas eletrônicas tiveram que ser substituídas; a cidade estava tomada por grande agitação.

Cabos eleitorais por todos os lados tentavam buscar nos indecisos a chance da virada.

Alguns confrontos entre adversários acabaram em ataques físicos, troca de socos entre

cabos eleitorais. A fiscalização estava atuante: materiais considerados ilegais foram

apreendidos e acabaram presos cabos eleitorais que estavam além dos limites previstos por 251 Fala extraída do Jornal do Brasil, de 24/10/2004. 252 Daniella Sholl, em entrevista realizada em julho de 2005, contou-me que a idéia do apelido “Lindoberg” foi sua. Segunda ela, em uma conversa com uma amiga — jornalistade O Globo — comentou sobre a popularidade de Lindberg junto ao eleitorado feminino da cidade e que as mulheres gritavam seu nome quando ele passava ou chamavam-no de lindinho. Diante disso, ainda segunda Daniella, tal jornalista resolveu ir à Nova Iguaçu, confirmando o assédio ao candidato e corroborando o apelido “Lindoberg”.

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lei para a “boca de urna”. A solicitação para que a polícia federal garantisse a idoneidade

das eleições não foi atendida e mais choques e ameaças davam demonstrações do que

ocorreria até o fim do dia253.

Lindberg e sua esposa votaram pela manhã, na Igreja de São Jorge, enquanto Mário

Marques, também acompanhado pela esposa, votou no Instituto de Educação Rangel

Pestana.

– Faltou ética para meus adversários. O Mário Marques teve 15 dias de campanha suja. Estou lutando, não contra o meu oponente, mas contra o boato de que não sou mais candidato. Cheguei a ficar apavorado, mas acho que, quando as pessoas descobriram que era uma armação, se voltaram contra o meu adversário. Espero que isso não influencie o resultado da eleição – afirmou o ex-deputado, para quem pelo menos não houve manipulação das urnas (Jornal do Brasil, 04/10/2004).

O primeiro turno terminou com Lindberg em primeiro lugar, com 181.185 votos (48,19%

dos votos válidos), seguido de Mário Marques, com 147.137; Fernando Gonçalves, com

44.800; Carlão, com 2.353 e Zé Renato, com 947. Logo em seguida ao resultado da

apuração, o segundo colocado deu início a novas articulações para tentar angariar o apoio

dos candidatos vencidos.

Lindberg não deixou escapar a oportunidade e, conforme anunciado na reportagem da

Folha de São Paulo de 06/10/2004, tirou o máximo proveito de ter o Presidente da

República como aliado declarado, transformando-o em “garoto-propaganda” de sua

candidatura no segundo turno.

O candidato do PT à Prefeitura de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, teve um encontro hoje com o presidente Luiz

253 Lindberg Farias pediu às autoridades competentes o envio da policia federal para Nova Iguaçu no dia da eleição, no entanto, o pedido foi recusado por ter sido considerado desnecessário pelo presidente do TRE-RJ juiz Marcus Faver.

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Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. O tema da conversa foi a possível criação de parcerias entre a prefeitura de Nova Iguaçu com o governo federal e organizações internacionais como o Banco Mundial, em particular na área de saneamento. Após ser informado que o ex-governador Anthony Garotinho (PMDB) havia feito ameaças de corte nos convênios entre o Estado do Rio e Nova Iguaçu caso Lindberg vencesse, o presidente afirmou em sua última visita ao Rio que o governo federal ajudaria as prefeituras que sofressem discriminação dos governos estaduais. Antes do encontro em separado com o presidente, Lindberg participou de um café da manhã com José Dirceu (Casa Civil) e Lula. A conversa com o Presidente será usada na campanha para o segundo turno. Segundo Lindberg, Lula prometeu dar “um banho de saneamento e asfalto” no município e disse também que espera que “a administração em Nova Iguaçu seja um cartão postal do PT na Baixada Fluminense”.

Mesmo antes do resultado final de 3 de outubro, Fernando Gonçalves já era sondado por

ambos os lados. O patriarca da família Raunheitti também foi procurado. Segundo ele

próprio me informou — em entrevista realizada em agosto de 2005, poucos meses antes de

seu falecimento — estava ciente, desde o início, das chances remotas de seu sobrinho,

preferindo ficar “de fora dessa disputa”. Sendo assim, não apoiou lado algum. Nessa

mesma entrevista, no entanto, deixou claras suas críticas a Lindberg e ao PT, apoiando-se

sobre o “episódio do mensalão”.

“Esse rapaz veio pra cá com uma carinha bonita, boa pinta e deixou o Mário no chinelo. Eu não ia desembolsar nada. Já gastei muito com eleição. Se algum filho meu quiser se candidatar, tudo bem; senão, eu deixei a política pra lá. Fiquei desgostoso depois do que aconteceu comigo [referindo-se ao caso dos Anões do Orçamento]. Mas o PT nunca me enganou. Eu sempre soube que era o mais sujo de todos. Agora a máscara caiu. E eu quero ver como esse menino vai ficar agora. A administração dele não anda. A prefeitura está parada. O Fernando fez o que

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tinha que fazer. Se juntou ao mais forte. O Mário já não tinha mais chance. O Bornier não ia soltar mais dinheiro, e eu acho que, por ele, o Mário nem seria o escolhido. Ele não tinha pique pra agüentar o ritmo daquele menino. É muita diferença. Campanha é uma dureza. Eu já estou velho e doente pra essas coisas” (Fábio Raunheitti, 14/08/2005).

Fernando Gonçalves acabou apoiando Lindberg, sendo alvo de ataques do candidato

adversário. Outdoors do primeiro turno estampados com sua foto foram pichados com a

palavra traidor, em mais um surto de agressões e acusações mútuas. Para Lindberg, além do

apoio de um “nativo” com significativa expressão política (e eleitoral), a ligação com

Fernando Gonçalves implicava também a aproximação de uma importante parcela do

eleitorado: a evangélica — religião do candidato do PTB derrotado nas urnas no primeiro

turno.

Durante a campanha para o segundo turno das eleições, os ataques não foram diferentes. A

relação de “fã” foi alvejada pelo adversário, alegando que as eleitoras estariam cometendo

um erro por votarem nele devido somente à sua beleza, por “ficar fazendo papel de bom

moço” — comentário de Mário Marques a um jornalista do Jornal do Brasil (idem). Mas já

que a juventude e a beleza pareciam contar a favor de Lindberg, seus adversários

resolveram mudar de estratégia, partindo agora para um ataques morais. Aproveitando-se

da antiga fama de “mulherengo”, espalharam a notícia de que o candidato do PT teria uma

“filha bastarda”. Segundo os jornais, a garçonete Márcia Cristina Lima, de 35 anos,

afirmava ter conhecido o candidato em 1996 e que ele seria o pai biológico de sua filha de 7

anos254. Lindberg negou a afirmação, declarando não conhecer a garçonete e contestando

254 Na ocasião, o boato em questão foi noticiado em diversos jornais: Estado de São Paulo, 21/10/2004; O Globo, 21/10/2004; Jornal do Brasil, 21/10/2004; O Dia, 22/10/ 2004.

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informações por ela fornecidas aos jornalistas: “com todo respeito a Coelho da Rocha,

nunca estive lá, na minha vida”.

A suposta paternidade foi um duro golpe, segundo me informou uma pessoa próxima a

Lindberg. Ainda segundo esta mesma pessoa, o impacto teria sido mais pessoal e menos

político, uma vez que sua equipe de comunicação revertera imediatamente a situação,

divulgando declarações do candidato e, principalmente, de sua esposa. Imagens feitas em

seu apartamento, mostrando-o em família (com a esposa e o filho, que até então residia com

a avó materna, em Belo Horizonte) foram divulgadas pela mídia. O Presidente Luiz Inácio

Lula da Silva e outros colegas do PT vieram em seu auxílio, manifestando repúdio às

acusações.

Em encontro fechado com os candidatos do PT às Prefeituras de Nova Iguaçu (Lindberg Farias) e de Niterói (Godofredo Pinto), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a acusação de que Lindberg Farias poderia ser pai de uma garota de sete anos. O candidato do PT em Nova Iguaçu creditou o pedido de paternidade da garçonete Márcia Cristina Leonardo Lima a uma estratégia do ex-governador Anthony Garotinho (PMDB) para prejudicá-lo. Segundo a assessoria de Lindberg, Lula afirmou que a acusação não deverá prejudicar o candidato. “Não se preocupe porque esse tipo de coisa só tira voto do adversário”, disse (Folha de São Paulo, 22/10/2004).

Nesse mesmo período, o IBOPE apontava para um empate técnico entre os dois candidatos

ao segundo turno. Entretanto, apesar do desgaste da acusação de ser pai de uma filha

bastarda, o corpo a corpo e os showmícios continuaram ditando o ritmo da campanha.

Quanto mais próximo do dia da votação, mais tenso ficava o clima político na cidade.

No dia 31 de outubro, data marcada para o segundo turno das eleições, a movimentação não

foi diferente. Lindberg, vestido com uma camisa de cor laranja, votou às 10 horas da

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manhã, acompanhado de Benedita da Silva e de Rodrigo Maia (PFL). “É a cor dos laranjais

de Nova Iguaçu”, disse, justificando a cor da camisa que marcou os últimos dias de sua

campanha. O adversário, Mário Marques, votou como no primeiro turno, em companhia da

família.

A campanha ainda não havia terminado e, durante todo o dia, os candidatos percorreram as

ruas atrás dos indecisos.

Lindberg Farias (PT) resolveu madrugar ontem. Às 6h30, o candidato já estava dentro do seu jipe para buscar os votos dos indecisos. Ele saiu do prédio onde mora, na rua Humberto Gentil Barone, e passou por seguranças e cabos eleitorais do adversário, Mário Marques, que ficaram surpresos com a disposição de Lindberg. “Olha lá, é ele”, diziam (O Dia, 01/11/2004).

Tanto Lindberg quanto Mário optaram por acompanhar de perto as eleições, visitando

bairros, falando com militantes e ambos foram repreendidos pelas autoridades. O primeiro

teria sido “quase detido, por duas vezes” por promover uma pequena carreata (idem) e o

segundo, advertido pela juíza da 158ª. Zona Eleitoral devido aos militantes que o

acompanhavam, gritando o seu nome (idibem). A despeito dos boatos de que a candidatura

do petista havia sido impugnada, a votação durante o segundo turno transcorreu sem

maiores problemas.

A comemoração da vitória começou já no início da noite, após a apuração do resultado de

algumas sessões eleitorais. Nas ruas cheias, praticamente tomadas — em sua maioria por

jovens com rostos pintados com a estrela vermelha, fazendo referência ao símbolo do

Partido dos Trabalhadores — carros de som tocavam funk, principalmente, além do jingle

da campanha. Lindberg foi carregado nos ombros por militantes e ovacionado pela

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população. As comemorações invadiram a noite e, como verdadeiros foliões, os iguaçuanos

fizeram um carnaval fora de época.

Depois das comemorações, a vez das negociações. Os conflitos não cessaram com a vitória.

Uma crise com o vice-prefeito, o deputado federal Itamar Serpa, foi desencadeada a partir

da escolha dos nomes que comporiam o governo. Itamar acusou Lindberg de querê-lo

somente como “figura decorativa”, alegando ter aberto mão de uma candidatura própria e,

com seu apoio, beneficiado o PT com seis minutos diários no horário gratuito de

propaganda eleitoral (HGPE). As queixas não paravam por aí. O vice também reclamou da

“importação” de pessoal do PT de São Paulo — como secretários e assessores —

ameaçando não tomar posse.

No dia 1o de janeiro de 2006, na casa de shows Rio-Sampa, localizada na Rodovia

Presidente Dutra, Lindberg foi empossado assim como seu vice, apesar da dúvida ter

persistido até o último momento. Nomes importantes do PT que participaram da campanha

não estiveram presentes na cerimônia de posse, com exceção de Marcelo Sereno (Secretário

Nacional de Comunicação do PT) e Vicente Trevas (Subchefe da Casa Civil para Assuntos

Federativos). “Emocionado, o prefeito empolgou o público ao lembrar Che Guevara e

prometeu governar para o povo” (O Dia, 02/01/2005). A tietagem persistiu até mesmo

durante a cerimônia de posse. Gritos, fotos com o prefeito e a primeira-dama, choros e

vaias a Fábio Raunheitti foram alguns dos ingredientes da festa.

A expectativa dos iguaçuanos era tão grande que meninas preferiram usar a roupa de réveillon na tarde de ontem. A dona de casa Marise Gamelheira de Souza, 51 anos, caprichou. “Fui comprar roupa com as mulheres da família juntas. Para ninguém repetir cor”, contou, brilhando em strass. A reclamação foi a falta de bufê. Só tinha refrigerante. Vendido a R$ 2. (O Dia, 02/01/2005).

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Depois da cerimônia Lindberg dirigiu-se — juntamente com a esposa, Maria Antônia — à

prefeitura, onde havia um grande número de pessoas o aguardando para que Mário Marques

lhe passasse o cargo. Outra festa começou, animada, agora, pela bateria da Escola de

Samba Leões de Nova Iguaçu. Nem o “apagão” ocorrido aquela noite foi capaz de

desanimar os presentes.

Sobre o futuro, Lindberg costuma dar respostas vagas. Ainda em dezembro de 2005, foi

escolhido presidente da Associação de Prefeitos da Baixada e já articulava reuniões e

encontros dos políticos locais com o Presidente Lula e sua equipe. Constituía-se, assim,

como um porta-voz legítimo de sua região. Suas primeiras tentativas não foram, no

entanto, bem sucedidas — devido “à falta de espaço na agenda” do Presidente. A

Secretaria de Imprensa do Palácio garantiu, entretanto, que Lula receberia os prefeitos

eleitos da Baixada. Tentava, assim, demonstrar a seus pares dispor de acessos privilegiados.

Na ocasião, o prefeito de Nova Iguaçu também teve que lidar com a disputa de poder entre

a Associação por ele presidida, de um lado e, de outro, a Associação de Prefeitos do estado

do Rio de Janeiro (Apremerj), presidida pelo prefeito de Rio das Flores, Vicente Guedes

(PSC), aliado de Garotinho e do PMDB.

Com relação ao futuro político, Lindberg afirmou não estar entre seus projetos, o governo

do estado do Rio de Janeiro, em 2006, uma opção possível, no entanto, para 2010.

“Não existe uma meta. Sei que meu futuro vai depender muito dessa prefeitura. Se, a médio prazo, eu fizer uma boa administração, posso virar uma referência no estado do Rio. Essa fase de lua-de-mel passa daqui a pouco, tenho que apresentar resultados. Tenho um filho de nove anos, não quero me envolver com corrupção. Se alguém fizer bandalha, boto a polícia em cima. Juro que não penso em ser Presidente da República. Se eu arrebentar

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no meu governo, posso um dia ser governador” (14/11/2004).

A atuação de Lindberg durante a eleição de Nova Iguaçu demonstrou seu sucesso em

traduzir códigos culturais e, ao mesmo tempo, costurar alianças políticas decisivas para a

conquista do executivo municipal iguaçuano. Sua capacidade de atuar nos mais variados

contextos e falar a “língua” de seus interlocutores — fossem eles jovens estudantes,

mulheres, homens, membros de camadas médias ou classes populares — lhe garantiu um

lugar privilegiado na dinâmica política local, transformando-se no que Friedrich (1968)

denominou political middleman. A multiplicidade acionada por sua persona tornava

possível a associação entre elementos por vezes contraditórios. Os atributos acionados

durante toda a campanha e, particularmente, o slogam da mudança apresentaram-se como

uma exortação, como se Lindberg fosse “o herói do progresso marchando contra a força do

atraso” (Carvalho, op. cit.), libertando Nova Iguaçu e a Baixada por intermédio do discurso

do ator político sobre a cidade e a região, ora investido.

A eficácia de uma construção simbólica apoiada na veiculação de uma identidade política

ideológica em oposição a uma postura assistencialista (Kuschnir, 1993 e 2000) implica

pensarmos a sua vitória como um acontecimento ainda mais improvável no contexto da

política praticada localmente. Pela primeira vez na história política de Nova Iguaçu era

eleito um candidato do PT. Na eleição de 2000, André Ceciliano havia sido eleito o único

prefeito do partido em toda a Baixada Fluminense e um dos dois eleitos no estado do Rio

de Janeiro. Em nível nacional, segundo David Fleischer

“Em 2000, o PT elegeu 187 prefeitos, mas no ‘Brasil urbano’ (100 cidades maiores) elegeu 27 prefeitos em cidades que somaram 12,9 milhões de eleitores (38% do eleitorado nestas cidades). Nas 62 cidades maiores, o PT

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elegeu 17 prefeitos. Em nível nacional, o PT obteve 7,9 milhões de votos em 1996 e 11,9 milhões em 2000 — um aumento de 51,3%, bem acima do crescimento do eleitorado nacional (14,2%). Em 2000, dos 187 prefeitos eleitos pelo PT, 51 (27,3%) foram reeleitos, aquém da média nacional de 37,2%. Dos 60.387 vereadores eleitos em 2000, 7.000 (11,6%) eram mulheres. O PT elegeu 350 vereadoras entre 2.485 (14.1%), a maior porcentagem de todos os partidos. Em 2000, 31 cidades realizaram eleições em segundo turno. O PT disputou 16 destas eleições (mais da metade) e elegeu 13 prefeitos” (publicado no portal Universia Brasil, www.universia.com.br/html/materia/materia_edfi.html consultado em 16/07/2004).

Já em 2004, foram 412 prefeituras conquistadas pelo PT em todo o território nacional, um

aumento de cerca de 120% em relação à ultima eleição. No estado do Rio de Janeiro, apesar

de numericamente pouco expressivas (8,7% dos prefeitos eleitos no estado255), as vitórias

angariadas pelo partido tiveram um sabor especial frente à disputa de poder com a rede

política do adversário, Anthony Garotinho — especialmente a conquista da prefeitura de

Nova Iguaçu, por Lindberg Farias. Franqueava-se ali uma das principais portas de entrada

para o partido e para seus projetos políticos relativos a 2006.

255 IBAM, Série Estudos Especiais no. 85, janeiro de 2005. Ver tabela 5 do anexo. As prefeituras conseguidas pelo PT foram: na Baixada - Nova Iguaçu e Mesquita (Arthur Messias); no restante do estado, Niterói (Godofredo Pinto), Itaboraí (Cosme Salles), Bom Jesus de Itabapoana (Carlos Garcia), Cantagalo (Guga de Paula), Iguaba Grande (Hugo Canellas) e Quatis (Aldredo) (TRE).

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CAPÍTULO 5: SOBRE O TEMPO DA POLÍTICA NA BAIXADA: ENTRE FESTAS

E GUERRAS

A Festa

Além das propagandas e peças publicitárias, as campanhas contaram com inúmeras outras

situações nas quais a relação entre candidato e eleitor foi testada. A rua, em suas múltiplas

possibilidades, é o lugar por excelência deste “teste” e o comício, o evento ideal para sua

verificação. Nesse sentido, outro momento de destaque na segunda fase das campanhas na

Baixada, especialmente aquela do PT em Nova Iguaçu, diz respeito à relação eleitor-

político a partir dos eventos centralizados nos palanques.

Os comícios são objeto de diversos trabalhos acadêmicos, revelando-se eventos capitais não

somente para a apreensão da relação político/ eleitor, de formas de sociabilidade política,

mas também por configurarem “ao mesmo tempo, os motores e os relógios (marcadores de

tempo) desse tempo da política” (Palmeira e Heredia, 1995)256. Constituem espetáculos à

parte, compondo uma espécie de aura — juntamente com os artistas e convidados ilustres

— para a atuação e apresentação do candidato (Goffman, 1975a).

Naquele pleito de 2004, todas as campanhas utilizaram-se dos comícios como estratégia de

marketing. A de Lindberg Farias, por sua vez, ao privilegiar a realização de showmícios,

evidenciou algo mais: o direcionamento do conjunto de suas ações para a festa política

(Barreto, 1992 e Chaves, 1996).

256 Consultar, entre outros, os trabalhos de Palmeira (1996), Scotto, (1996), Kuschnir (2000), Borges (2003) e Chaves (1996).

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Na primeira fase da corrida eleitoral, as atenções dirigiram-se para o conhecimento das

demandas locais e a construção do discurso midiático, propagado por intermédio do horário

eleitoral, além do mapeamento da cidade visando definir em que lugares seria mais

importante atuar e de que forma257. Na segunda fase, após a introdução do horário gratuito

de propaganda eleitoral (HGPE), foi alterada a dinâmica interna de cada campanha e

redefinido o campo político a partir da interferência da mídia eletrônica.

A confecção de um mapa das cidades258 — orientando, em um primeiro momento, a que

bairros dirigir-se, com que freqüência, de que forma e com quem — foi alterada, agora sob

o ângulo da “preparação da festa”. Com esta expressão, refiro-me às ações e meios

disponíveis para “recortar” as cidades a partir dos pontos/ lugares considerados ideais para

a festa política. Não somente a extensão da área estava em questão, mas também a sua

centralidade e poder de atração, ou seja, a possibilidade de concentrar com maior facilidade

os eleitores, com transporte acessível para se chegar e sair do local, além de infra-estrutura

para a montagem de palcos, camarins e para as filmagens de cenas que pudessem ser

utilizadas nos programas televisionados. Assim sendo, a região central de Nova Iguaçu era

geralmente escolhida por disponibilizar todos esses recursos — além de simbolizar a

própria “vida da cidade” — sendo, portanto, o alvo principal das disputas e canalizando

também os conflitos e as trocas de acusações durante o tempo das festas.

No contexto específico dessas eleições municipais, seria até mesmo inadequado utilizarmos

a expressão comícios para definir os eventos realizados. Showmício, de fato, parece ser um

257 Sobre formas de apresentação das candidaturas, construção de campanhas televisionadas e de rua ver, por exemplo, os trabalhos de Castilho (1994) e Scotto (1996). 258 Para uma problematização das definições geográficas oficiais como uma dimensão estática e delimitadora dos espaços — como os bairros — ver, por exemplo, o artigo de Graça Índias Cordeiro e António Firmino da Costa (1999).

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termo mais adequado. Sua organização poderia ser descrita como a de uma festa política,

preparada em cada mínimo detalhe: desde a seleção dos cantores até as exigências do tipo

de público. Há os de tipo gospel, os evangélicos, os católicos, os de pagode, os sertanejos e

os que congregam tipos variados de música. Sua divulgação é feita com muitos dias de

antecedência e costumam contar com a presença de “estrelas” do mundo da política.

Geralmente, o showmício tem início com uma atração musical, mas não a banda ou grupo

considerado “atração principal”, esta é reservada ao momento posterior ao discurso dos

candidatos (a prefeito e a vereador) e das personalidades políticas convidadas, garantindo

assim que o público permaneça no local até o final da festa.

A classificação nativa já opera com esta nova referência. No universo estudado, os políticos

e eleitores praticamente já não usam o termo comício. O showmício tornou-se um lugar-

comum no vocabulário político, fundamentalmente no tempo da política. Se, anteriormente,

as grandes produções destinavam-se quase que exclusivamente às eleições majoritárias

estaduais e nacionais, no momento atual os grandes shows tornaram-se critério de distinção

e prestígio, sendo disputados pelos candidatos e partidos e reinventando a lógica da

organização das festas políticas.

Na Baixada, a campanha de Lindberg contou com um verdadeiro arsenal de shows,

financiado pelo PT nacional e compartilhado pelos demais candidatos do partido às

principais prefeituras de todo o país. A escolha das cidades a serem beneficiadas com essas

mega-produções era feita a partir do estabelecimento de prioridades, ou seja, privilegiavam-

se localidades com potencial de desenvolvimento e campanhas em fase de consolidação.

Dessa forma, o grupo de trabalho eleitoral (GTE) “se articula com os dirigentes nos Estados

e (...) desde o momento em que definimos para onde determinado showmício vai, já há uma

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decisão política” (Francisco Campos, secretário de mobilização nacional do Partido dos

Trabalhadores)259.

No caso específico do PT, artistas como de Zezé di Camargo e Luciano (que chegaram a

cobrar até 100 mil reais por show), Leonardo, Rio Negro e Solimões, KLB além de bandas

de forró e cantores evangélicos estiveram (alguns, pela primeira vez) se apresentando a céu

aberto, na cidade de Nova Iguaçu, para um público que chegou a mais de 100 mil

espectadores.

De acordo com Francisco Campos, em sua análise sobre o “fazer política” e sua relação

com a condução das campanhas:

“Hoje, nas campanhas, temos de ser criativos. Não basta o PT fazer uma campanha só ideológica. Temos de levar a proposta do partido para as grandes massas. Portanto, não podemos reduzir o comício apenas às propostas petistas. O povo precisa participar das campanhas e não é atraído somente pelo conteúdo ideológico. Os 80 showmícios que foram realizados desde o dia 22 de agosto trouxeram o elemento político em combinação com o cultural […]

O objetivo {…] é alcançar os eleitores no sentido de massificar as campanhas petistas e dos aliados. A idéia central é fazer com que esses shows mobilizem camadas do eleitorado que nós não conseguimos mobilizar apenas com o comício político: as camadas populares que têm uma identificação com o PT[…] Um ato do PT que consegue mobilizar 70 mil pessoas numa cidade deixa os adversários sem dormir”260.

259 Depoimento colhido em 10/09/2004, na página oficial do Partido dos Trabalhadores, www.pt.org.br . 260 Idem, 15/09/2004

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Ainda segundo este mesmo secretário, desejava-se arregimentar um número cada vez maior

de pessoas para estes eventos com o intuito de que, no ambiente “familiar” da festa,

descaracterizados de seu aspecto e discurso ideológicos o candidato e sua equipe pudessem

criar outras vinculações, pertencimentos e/ ou formas de aproximação com a população

(heterogênea) presente.

“Não há um cálculo preciso, […] mas um número aproximado aponta que o partido conseguiu mobilizar aproximadamente 1,8 milhão de pessoas em todo o país desde o início dos eventos. A primeira apresentação ocorreu em Maceió para a coligação do PT com o PSB. O show foi com a dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano. Esse showmício já deu o tom de como seria a participação do eleitorado da faixa mais popular nesses grandes eventos[…] Esses eventos, sem medo de errar, podemos afirmar que têm ajudado muito o partido a levantar as campanhas do PT em locais em que estávamos fragilizados. Depois da passagem de Zezé di Camargo e Luciano em Nova Iguaçu (RJ), o Lindberg (Farias, candidato petista a prefeito da cidade) subiu nas pesquisas; o showmício ajudou, também, a consolidar uma liderança em Araçatuba (cuja candidatura petista é de Edna Flor)”261.

Em Nova Iguaçu, a festa política teve início com a montagem de um enorme palco com

estrutura de ferro no final do canteiro central da Via Light262. O conjunto e a disposição das

luzes, holofotes e caixas de som, assim como o fundo negro do cenário conformaram o

ambiente do grande espetáculo que seria realizado àquela noite. Carros de som anunciando

261 Ibidem. 262 A Via Light é uma via expressa — construída durante o governo do então prefeito Nelson Borneir (na época, PSDB), com o apoio do governador Marcello Alencar — que faz a ligação entre a cidade e outras áreas da Baixada Fluminense, mas também com a Zona Norte e o Centro do Rio de Janeiro, além de outros bairros do subúrbio carioca. Esta via foi motivo de conflitos entre os candidatos do PT e do PMDB, por situar-se na área central, de maior visibilidade e melhor acesso — além de facilitar a realização das produções maiores, como os principais showmícios das campanhas devido a suas amplas proporções.

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o showmício percorreram a cidade, divulgando o evento com bastante antecedência e, no

dia da festa, não paravam de circular. Apesar da realização de outros shows em bairros

mais afastados do centro, nenhum deles tinha a magnitude deste último. Na periferia, o

estilo da apresentação seguia uma lógica mais “tradicional” da política e dos comícios,

incluindo atrações locais ou bandas de menor sucesso como, por exemplo, alguns conjuntos

de pagode já relativamente no ostracismo.

Os grandes shows eram antecedidos por um trabalho exaustivo de organização nos comitês,

responsáveis também pela coordenação da distribuição de bandeiras, camisas e faixas, feita

pelos cabos eleitorais. Esses eventos eram geralmente gravados para serem posteriormente

utilizados como material para a propaganda televisionada. A presença da imprensa era

outro fator que gerava grande expectativa, uma vez que uma cobertura favorável poderia

garantir ao candidato a visibilidade (mais do que) necessária em época de campanha

política.

Ainda segundo Francisco Campos, o PT demonstrou uma preocupação especial com os

showmícios, “diferente em relação a partidos tradicionais”, por conceber o espetáculo

“como fator de mobilização das campanhas”. Nesse sentido, o secretário enfatizou a

laboriosa preparação dos eventos, muitas vezes, coordenados e definidos em conjunto pelo

Grupo de Trabalho Eleitoral (GTE), com o envolvimento dos comitês e da militância,

antecedendo a sua mobilização pública. “São, portanto, atos políticos animados por shows,

não apenas shows que figuram num ato político. É a cultura junto com a política para

ajudar a mobilizar as campanhas petistas”. Tal afirmação presente no discurso oficial do

partido (disponível e tornada pública em seu sítio eletrônico) reflete a percepção de que a

festa viria a reboque da política — e que estaria demonstrada, em certa medida, por meio

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do próprio engajamento dos atores/ cantores nos eventos263. Pretendo mostrar adiante que o

showmício irá reinventar a apresentação política no ritual da festa e na transfiguração do

político em “estrela”, o que não pressupõe necessariamente a hierarquização entre as

esferas (no caso política e artística; política e emotiva), mas uma relação de composição e

simbiose. Sendo assim, optei por fazer uma pequena etnografia de um showmício em

particular: aquele considerado fundamental para a reviravolta do candidato petista nas

pesquisas de intenção de voto. Nesse sentido, os eventos realizados pelos demais

candidatos serão mencionados apenas en passant, já que seguem o padrão mais tradicional

da política (Palmeira e Heredia, op. cit.), não operando a transformação obtida pelo

primeiro. Da mesma forma, maior ênfase será dada à campanha em Nova Iguaçu, onde

pude acompanhar mais de perto o desenrolar da movimentação eleitoral. Em Duque de

Caxias, Magé e outras cidades da Baixada, participei de alguns eventos, mas a observação

deu-se fundamentalmente à distância, por intermédio dos meios de comunicação.

O showmício que irei descrever – com a presença da dupla sertaneja Zezé di Camargo e

Luciano – ocorreu numa segunda-feira, 30 de agosto, sendo considerado uma das pedras de

toque na transformação da campanha de Lindberg e do novo rumo que ela tomaria, dali por

diante. O local escolhido pela equipe do candidato foi a Via Light, principal via de

circulação da cidade. Para a realização de um evento desta magnitude, as principais ruas

em torno da pista central deveriam, por lei, estar fechadas a partir das 17 horas. O que se

263 A declaração de Francisco Campos no site oficial do partido ilustra exemplarmente esta questão: “o artista também participa politicamente. Os artistas têm elogiado o governo Lula e pedem voto para o candidato da cidade. Com os showmícios, estamos retomando uma cultura que a esquerda tem no Brasil e que o PT já tinha antes: combinar a cultura em diálogo com a política para mobilizar corações e mentes com os candidatos de esquerda e centro-esquerda, que é o nosso projeto nacional. Portanto, é um show politizado”.

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verificou, no entanto, foi a permanência da circulação de veículos até muito depois desta

hora, tornando o trânsito na região extremamente complicado – situação agravada pelo fato

desta via expressa dividir a cidade ao meio, sendo necessário atravessá-la para se chegar

aos bairros localizados do outro lado da linha férrea. Com a reorganização do tráfego,

ocorrida somente após as 20 horas – e fundamentalmente porque as pessoas já haviam

tomado as ruas – já era possível vislumbrar a dimensão que aquele evento assumiria. Para

chegar até lá, optei pela estratégia adotada também pela maioria dos ali presentes: resolvi

locomover-me de ônibus ou de van, imaginando que seria inviável tentar estacionar – além

do risco de sofrer um assalto.

Alguns candidatos à Câmara Municipal chegaram a providenciar transporte gratuito para

moradores de suas “áreas de influência”, de suas bases eleitorais – essencialmente para os

residentes em bairros mais periféricos. As pessoas não paravam de chegar. Os ambulantes

estavam por todas as partes, vendendo bebidas e comidas diversas (churrasquinho,

cachorro-quente, pipoca etc). A dimensão da sociabilidade, presente mais explicitamente na

comensalidade, se fazia notar na relação necessária com a comida, com a bebida e com as

conversas que antecediam o show. Em torno dos vendedores formavam-se verdadeiros

nichos de interação, congregando pessoas que já relacionavam-se anteriormente ao evento,

mas também aquelas que acabavam de se conhecer. É importante destacar que o “público”

ali presente era composto por faixas etárias, gêneros e classes sociais diversificados. Apesar

de perceber uma maior presença feminina na região mais próxima ao palanque, tanto

crianças, quanto homens e senhoras eram vistos por todos os lados.

Havia, de forma geral, muitas pessoas vestidas com camisas da campanha, portando fitas

de cabelo com o nome de Lindberg etc., mas as munidas de faixas e bandeiras pareciam-me

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militantes e/ ou cabo eleitorais – sobretudo por situarem-se bem próximas ao palanque –

constituído por um grande palco no qual as “personalidades” da noite podiam ser vistas

mesmo à longa distância – chamando as outras para ali juntarem-se, denotando uma

combinação previamente estabelecida.

Nesta situação em particular, a dimensão hierárquica – dissimulada nas outras formas de

interação características das campanhas (caminhadas, passeatas e carreatas) – é muito bem

marcada e reflete-se em um mapa social que engloba o palco e a área destinada ao público/

eleitor.

O palanque é o local por excelência deste “englobamento” candidato / eleitor. Aqui, não

mais aquele palco cuja estrutura quadrangular remete ao velho estilo dos comícios locais:

ele havia sido montado como o dos grandes shows em capitais e metrópoles, com o formato

de uma abóboda, remetendo-nos ao desenho mais livre e ao mesmo tempo envolvente da

concha acústica. Planejado especificamente para atender às demandas do candidato, o

palanque demarca as possibilidades para a condução da interação com o público-eleitor,

delimitando o lugar de cada um. Nesta situação, a hierarquia pode ser percebida pela

distância (real e simbólica) que separa o candidato, seus convidados e os artistas que se

apresentam do público, não somente devido à grande altura dos “palcos”, mas também

porque há freqüentemente uma barreira física (e humana, formada por seguranças) a

demarcar fronteiras no interior dos showmícios.

Ao espaço destinado ao público (eleitores) não correspondia uma marcação física fortuita,

mas um conjunto de referenciais simbólicos que designava os “pontos”, ou seja, o lugar

ocupado por cada grupo – quando assim constituído – no interior de um sistema de

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posições relacionais, um tabuleiro no qual quem estivesse mais próximo ao palanque, teria

sua proximidade traduzida em termos de adesão – no caso, a uma facção específica. Quem

se colocava bem ao fundo, por sua vez, poderia estar assinalando sua separação ou

desvinculação política do candidato em questão, indo “apenas pra ver o show”, para

“conferir” o seu sucesso ou fracasso, ou ainda para passar informações à facção oposta.

Sendo assim, o público presente a estes eventos deve ser enquadrado no processo mais

amplo da campanha – e concebido como tão “formado” quanto o das carreatas e passeatas

empreendidas (cf. Palmeira e Heredia, op. cit.).

A composição dos showmícios remete-nos a um conjunto heterogêneo de pessoas

mobilizadas à participação, mas com variados graus de envolvimento, percebidos não do

ponto de vista das motivações individuais – o que seria inviável dado o número expressivo

de pessoas presentes nos eventos, como os realizados em Nova Iguaçu – mas a partir da

possibilidade de remeter-lhes às escolhas por shows específicos, por exemplo, feitas por

cada tipo de “público”.

Todo o trabalho dos cabos eleitorais e militantes durante a campanha somava esforços em

direção ao clímax representado pelo comício/ showmício que, sendo positivo, alcançaria a

meta de mobilizar o maior número possível de pessoas que constituiriam, a partir de então,

eleitores em potencial.

De onde estava, o público presente de forma alguma limitava-se a observar os fatos,

participando ativamente do evento por meio de gritos, aplausos, ou cantando o jingle da

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campanha – além das corriqueiras declarações apaixonadas das eleitoras-fãs de Lindberg264.

Em cima do palanque, percebia-se a contínua concentração e dispersão dos mais diversos

grupos ou “alas” de políticos. Havia um grande número de pessoas no palco: o candidato à

prefeitura e seu vice Itamar Serpa (PSDB), assessores, músicos, técnicos, candidatos a

vereador e demais políticos que compunham a aliança representada pela coligação Hora da

Mudança (PT, PFL, PSDB, PSB e PC do B), além de nomes da política local integrantes

de partidos aliados.

O showmício pode ser pensado como uma das circunstâncias de maior visibilidade da

relação entre político/ eleitor. O evento narrado acima possibilitou-me a observação de um

marco temporal diferenciado – um momento – dentro do horizonte mais amplo do tempo da

política (Palmeira e Heredia, op. cit.). É o tempo da emoção, mais especificamente, do

êxtase/ arrebatamento/ encanto, e da festa propriamente dita, implicando uma experiência

de aproximação e/ ou contato e — diferentemente da apresentação de si nos programas

gravados para a televisão ou mesmo nas caminhadas (nos quais a relação mantém algum

distanciamento devido à própria organização desses eventos) — remetendo a um tempo

sincrônico, imediatamente vivido e compartilhado265. O acontecimento partilhado refere-se

ao tempo estritamente vivenciado, experimentado e efêmero, que não está presente em todo

o processo eleitoral e pode ser caracterizado pela efervescência (como na experiência

264 Em matéria veiculada no Primeiro Caderno de O Globo, de 25/10/2004 , foi ressaltada a dimensão que a campanha tomara e o assédio das eleitoras / fãs a Lindberg: “Os seguranças que acompanham o candidato do PT a prefeito em Nova Iguaçu, Lindberg Farias, na campanha, ganharam uma nova preocupação nesse fim de semana: o ombro direito do candidato. Eles têm orientação do próprio Lindberg para proteger o seu ombro do assédio entusiasmado dos eleitores. Nos últimos dias, ali se instalou um abscesso (...)”. 265 Durante o showmício em questão, Lindberg Farias desceu do palanque para cumprimentar o(s) público /eleitor(es), beijando, tocando, dando a mão a várias pessoas, mas também acenando e fazendo sinais de carinho (mão no peito, tocando o coração, depois beijando a mão e fazendo um movimento como se lançasse algo de si ao público) denotando uma partilha de si, atualizada em gestos, assim como na expressão de emoções.

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religiosa, em Durkheim) que realça a realidade por meio das sensações experimentadas via

a associação dos discursos à música, ao aplauso etc. Tais experiências transformam a cena

política em um episódio mais do que teatral, revogando do eleitor / ouvinte sua condição de

mero espectador e transformando-o em parte constitutiva (e ativa) da performance ali

executada. É o momento quase mágico (o partilhado) em que o candidato transfigura-se em

ídolo.

Não digo com isso que o showmício tenha, em si, propriedades específicas geradoras dessa

aura mágica. Nem todo showmício marca um acontecimento partilhado. Refiro-me, antes,

às condições ali reunidas que, somadas a outras concernentes aos próprios indivíduos

(nesse caso, o carisma pessoal de Lindberg Farias), tornam possível a exacerbação da

emoção. Foi justamente esse estado de inquietação, ansiedade e euforia que chamou minha

atenção, levando-me a considerar cuidadosamente tal nível de interação. Parece-me que

esse estado algo alterado que se observa em alguns showmícios guarda semelhanças com

outros episódios da política nacional, como as manifestações de comoção pelo suicídio de

Getúlio Vargas em 1954; as passeatas pela Diretas Já, em 1984; a movimentação popular

pelo impeachment do Presidente Fernando Collor, em 1992 ou, mais recentemente, a

emoção desencadeada pela eleição de Lula, durante o processo eleitoral de 2002.

Barreira (2004), em artigo em que analisa a expressão de sentimentos na esfera política

associada à imagem de candidatos à Presidência da República em 2002, expõe como as

reações “emocionais” acabaram por integrar-se à retórica das campanhas a partir de tal

pleito, devendo-se, sobretudo, à influência exercida pela campanha presidencial de Lula266.

266A referência principal da autora, no artigo em questão, é o trabalho de Marcel Mauss, “A expressão obrigatória dos sentimentos”, 2001 [1921].

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Se a política é normalmente tomada como o lugar da racionalidade, da estratégia e da

objetividade, a incorporação da expressão das emoções e de sentimentos parece, em um

primeiro momento, algo fora de ordem. Observa-se, no entanto, que na eleição municipal

aqui analisada, o modelo das “alusões emotivas” e da apresentação biográfica (Bourdieu,

1997) ganhou a cena, integrando-se à própria composição do personagem político. Sendo

assim, a “percepção das emoções e sentimentos como parte das regras sociais e jogos

políticos evita pensá-los como matérias substantivas da natureza humana, atentando para os

seus significados e formas de expressão, construídos e /ou incorporados à disputa eleitoral”

(Barreira, op. cit., p. 68).

A expressão “política se faz com festa” (Chaves, 1996) poderia, sem dúvida, estender-se

para além de seu contexto etnográfico de origem — Buritis (MG) — e ser utilizada para

compreendermos as configurações que a política assume sob o clima de campanha

(Barreira, idem). A festa política, neste caso, o showmício, constitui o tempo da

dramatização das relações sociais por meio da exploração das imagens e valores pertinentes

a uma determinada concepção de mundo e de política — sendo, no caso específico de Nova

Iguaçu, esperada, comparada e até mesmo cobrada por significativa parcela da população

local267.

Nessa perspectiva, o comício sobre o qual nos falam Palmeira e Heredia (1995) não seria

idêntico ao ritual que ora denominamos showmício, porquanto este último acaba por

subverter a ordem de precedências. Se, para os autores em questão, a festa é pensada como

267 Cabe, aqui, uma referência ao entendimento da política como ação simbólica e à importância da teatralização para a compreensão da instituição estudada por Geertz (1991): o Negara. Este último, assim como o objeto desta tese, também remete a um intrincado de formas simbólicas que praticamente impossibilita a distinção entre os planos simbólico e real.

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parte constitutiva do comício — é o que denota a frase: o “lado festivo do comício, ou para

sermos mais precisos, da festa que existe dentro de todo comício (...)” (p.77) —, no caso

por mim analisado esta relação parece inverter-se268. Tomando os showmícios como um

novo modelo de ritual político e de comunicação, não descarto que alguns possam

conservar o seu caráter faccional e, em grande parte, a forma típica de organização desses

eventos que, ainda segundo os mesmos autores, “propiciam a oportunidade de, fazendo a

festa mais bonita e mais bem organizada, demonstrarem, por antecipação, sua capacidade

para realizar uma administração futura.” (idem). Destaco ainda que a estrutura geral do

evento também é preservada, principalmente no tocante à relação palanque/ candidato/

público e ao lugar por este ocupado nas campanhas eleitorais, de forma mais ampla.

“O comício não se confunde com um ajuntamento qualquer de pessoas em torno de um candidato. Tanto em Pernambuco, quanto no Rio Grande do Sul, a população distingue cuidadosamente o comício da reunião. A reunião é dialogada; o comício, não. No comício, só fala quem está no palanque. Não há lugar para consulta. Os de fora do palanque devem limitar-se a ouvir. Na reunião, a expectativa é inversa. É o candidato quem ouve e, naturalmente, responde. As tentativas de tornar o comício dialogado, a não ser em circunstâncias muito especiais ou no caso de candidatos com muito carisma, são complicadas e podem comprometer o próprio comício. O caráter solene do comício é essencial” (Palmeira e Heredia, ibidem: p.36).

Entretanto, o que designei por showmício, nos moldes presenciados nos palanques do PT,

durante as eleições de 2004, em Nova Iguaçu, utiliza-se preponderantemente de um dos

268 Corroborando a análise de Palmeira e Heredia (idem), adoto o conceito de ritual tal como proposto por Roberto DaMatta em Carnavais, malandros e heróis (1979), ressaltando o seu caráter extraordinário e extra-cotidiano.

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modelos abordados por Palmeira e Heredia (idem): o que “prioriza o início do comício”

(p.57), colocando o candidato como a “estrela entre as estrelas”, “a maior estrela” (frases

proferidas por Zezé di Carmargo, cantor sertanejo, durante o evento mencionado

anteriormente)269, enfatizando seu carisma pessoal e sua capacidade de interação com o

público. Como podemos exemplificar a partir da nota da colunista Joyce Pascowitch, surge

com Lindberg uma nova figura política, a do candidato-ídolo.

“Lindberg Farias, o candidato do PT à prefeitura de Nova Iguaçu, que não decolava, nunca se sentiu tão em alta — e não apenas nas pesquisas de opinião. Ele vive dias de celebridade no maior município da Baixada Fluminense. Nos shows de duplas sertanejas por conta da campanha, quem agora dá autógrafos é ele. Coisas de Nizan Guanaes” (grifos meus) (Revista Época, setembro de 2004).

A combinação de juventude, beleza e carisma do candidato, além de sua associação com o

novo270, fez de Lindberg a maior estrela (em dupla acepção: símbolo do partido e ídolo) do

PT na Baixada, nos dias de hoje271. Atualizando a ação política pautada, em regra, pela

secularização, Lindberg demonstrava capacidade de atração (garantindo sua visibilidade) e

de condução das massas (no sentido abordado por Weber), diferenciando-se do todo (e,

assim, expressando sua singularidade ou mesmo o caráter “divino” do líder — que

269 Ainda sobre a organização das “apresentações”, apesar de haver uma alternância entre os modelos que privilegiam o início ou o fim dos comícios como momentos clímax, os autores chamam a atenção para o fato de que se podem tratar de “variações de um mesmo modelo”. 270 O novo aqui está remetido a um projeto político e a uma outra imagem de Baixada e de Nova Iguaçu. 271 Com relação ao carisma, conferir o trabalho sobre tipos de dominação — especificamente a carismática — em Weber (1984), além da seleção de textos editados por Eisenstadt (1968) e do livro de Lindholm, inteiramente dedicado ao fenômeno (1993).

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remeteria ao tipo ideal originado da autoridade religiosa) e ligando-se ao eleitorado por

intermédio de imagens, projetos e valores compartilhados272.

Corroborando tal construção simbólica, os artistas conferem especial conotação à festa

política porque além de configurarem seus personagens mais legítimos, digamos assim,

operam uma demonstração de força e prestígio do candidato — como já abordado

anteriormente, que poderia traduzir-se sob a ótica da doação. Esta obrigatoriedade de

colocar-se à disposição “do povo” através da doação constitui um tipo específico de troca

— já que não previamente acordado e não exigindo retribuição — trazendo à tona que:

“está em jogo uma concepção de poder onde aquele que gasta mais dando aos outros – aos eleitores, mas não apenas a eles, o que é indicativo de seu desinteresse – mostra-se portador da generosidade necessária ao exercício do poder, ao mesmo tempo que indica a possibilidade efetiva de continuar exercendo essa generosidade numa escala ampliada, uma vez no governo” (Palmeira e Heredia , op. cit.: p. 78).

Diferentemente dos universos estudados por autores como Palmeira e Heredia (1995) ou

Chaves (1996), por exemplo, Nova Iguaçu é uma cidade de quase um milhão de habitantes.

Sendo assim, a estrutura dessa nova modalidade de comício — o showmício — é

inteiramente distinta daquela pensada para uma localidade com primazia de relações face a

face (contextos de cidades pequenas e /ou de interior), mas na qual, de certa forma, ainda é

possível preservar relativo o anonimato. Isto é, apesar da cidade poder ser caracterizada

pelos próprios moradores como “pequena” ou “de interior”, não é possível conhecer todo

272 Ver o artigo de Velho (1994) sobre a vitória de Collor, no qual aborda algumas das questões implicadas na vitória desse candidato à Presidência da República, em 1989, e o conjunto de valores e atitudes a ela associados.

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mundo, chamar todos pelos nomes. Estaria em jogo, neste contexto, um mapa de relações

mais circunscritas aos grupos específicos, onde aí sim prevalecem as interações típicas de

pequenos aglomerados humanos. No entanto, apesar das diferenças de escala, o showmício

também configura um lugar de encontro, de relações pessoais, ao mesmo tempo em que

promove a convivência e o encontro do diferente, do novo e do desconhecido. É um evento

de congraçamento, mas também de conflitos em potencial.

O showmício de 30 de agosto foi apenas o primeiro de muitos que se seguiram. De

setembro em diante, Lindberg enfrentou uma verdadeira maratona. A partir de outubro, em

um único dia era capaz de comparecer a quatro showmícios, geralmente marcados todos

para às 20 horas — e sendo, pelo menos um deles, destinado ao público evangélico. Já

durante o dia, o candidato petista costumava percorrer as ruas em caminhadas ou carreatas,

em busca do voto dos indecisos ou da “conversão” dos eleitores de Mario Marques.

Do lado adversário, os showmícios também tiveram relativa importância. De modo distinto

ao que ocorria na campanha do PT, a grande “estrela” de tais eventos não era o candidato

peemedebista à prefeitura, e sim o então Secretário de Segurança do estado, Anthony

Garotinho — que, ainda assim, de forma alguma tornou-se um ídolo, ou mesmo

“concorreu” com os artistas. O cantor Daniel (sertanejo), a banda LS Jack (pop rock),

alguns grupos de pagode e bandas de forró, além de inúmeros cantores evangélicos,

principalmente o grupo Celebrai, foram alguns dos que passaram pelos palanques de Mário

Marques.

A campanha do PMDB em Nova Iguaçu pautou-se, de forma mais evidente, na temática da

continuidade. O nome de Nelson Bornier constituía o cartão de visita de Mario Marques

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que, a essa altura, ainda não conseguira forjar uma identidade política própria mesmo após

tantos anos de vida pública local. Seu prestígio limitava-se às camadas médias de Nova

Iguaçu e, essencialmente, à elite a qual pertencia. Em conversas com moradores de bairros

periféricos pude perceber um grande índice de rejeição ao candidato ligando-se,

principalmente, a acusações de abandono. Presença constante nos discursos dos moradores

quando se referiam ao prefeito — o adjetivo abandonados sendo inúmeras vezes utilizado

— a sensação de abandono seria marca da conexão necessária entre política e promessa.

“Os políticos abandonam a população”; “a população da periferia é abandonada” são

algumas das afirmações que ouvi, ou ainda, a de que: “os bairros pobres são sempre

esquecidos pelos políticos, só lembram da gente na eleição” e assim por diante. Para além

dessas críticas, Mario ainda tinha de enfrentar o relativo desconhecimento de seu nome e de

sua trajetória pública por parte da população. Sendo assim, o nome de Bornier chegava até

mesmo a figurar antes do dele nas propagandas políticas, durante os primeiros meses de

campanha.

A estratégia de sua equipe de marketing centrava-se em progressivamente diminuir o

destaque conferido ao deputado e, paralelamente, enaltecer os feitos do prefeito/ candidato.

Um número considerável de outdoors apresentava Mario Marques acompanhado de Bornier

e do casal Anthony Garotinho e Rosinha. Havia um número reduzido de propaganda na

qual constasse apenas sua foto ou nome, o que demonstrava a necessidade de vinculá-lo a

personalidades políticas de maior influência e prestígio local. Mario detinha o poder da

máquina governamental em suas mãos já que não se desvinculou do cargo de prefeito para

disputar as eleições, não dispondo, no entanto, de prestígio e carisma políticos.

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As festas organizadas pelo PMDB contaram, no início, com mais recursos materiais e

humanos. Havia vários carros de som à disposição da campanha, um grande número de

pessoas trabalhando na distribuição de material impresso, muitos outdoors espalhados pela

cidade. O candidato costumava visitar vários bairros por dia, em uma rotina extenuante.

Uma das caminhadas de que participei no bairro da Posse, em agosto de 2004, demonstrou

o tipo de organização do evento político utilizado pelo grupo em questão. Em um primeiro

momento, os assessores reuniam-se no comitê para instruírem os cabos eleitorais – muitos

eram funcionários da prefeitura273 — responsáveis por aglutinar as pessoas nos bairros e

despertar sua atenção, chamando-as de porta em porta. O carro de som — daqueles que

têm um pequeno palco em cima — tocava o jingle da campanha, enquanto um “puxador”

(como os de escolas de samba) convidava a população a acompanhar o candidato. Assim

que Mario chegava, os fogos de artifício espocavam no ar como uma forma de marcar o

início da festa política. O carro de som principal seguia na frente do cortejo e, logo atrás,

vinha o candidato, acompanhado por seus colaboradores — que arregimentavam os

moradores e os colocavam em posição para dialogar com o candidato — enquanto o

operador de câmera filmava toda a movimentação. Havia outros carros de som distribuídos

273 Pude perceber que muitos dos funcionários da Prefeitura também trabalhavam na campanha durante o expediente e que carros oficiais eram invariavelmente estacionados no pátio interno do prédio onde funcionava o comitê, aguardando a ordens para levar ou buscar alguém, pegar e distribuir material etc. Eu mesma utilizei, em algumas ocasiões, carros da Prefeitura para ir a comícios e caminhadas do candidato da coligação “Crescer sempre com Deus e o povo”. O uso da máquina e dos recursos da administração municipal era flagrante e, aparentemente, sem muita preocupação com os usos políticos que seus adversários poderiam fazer de tal fato. A “troca”, portanto, não se dava exclusivamente entre eleitores distantes (refiro-me àquele indivíduo que não mantinha qualquer relação com o candidato até o momento da eleição). A “ajuda” de funcionários durante a campanha não era por eles encarada (ao menos com os que tive a oportunidade de conversar) como “troca de turno”, ou seja, a troca do horário de expediente na Prefeitura pelo trabalho de divulgação da campanha. Empenhava-se ali em “vestir a camisa”, expor-se e automaticamente escolher um dos lados — o que para quem trabalha no serviço público municipal sem ser concursado, significa permanecer no “serviço” ou ser mandado embora, dependendo da vitória ou fracasso do candidato apoiado. A situação dessas pessoas é frágil e seu engajamento nas campanhas é quase compulsório, de acordo com os depoimentos coletados.

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pelo percurso do evento, principalmente de candidatos a vereador. Era uma enorme

confusão de sons, pois além dos jingles de campanha, eram reproduzidas também as

músicas dos candidatos à Câmara Municipal. A competição entre esses últimos era bastante

acirrada, o que revertia a favor de Mario, uma vez que todos colocavam junto a seus nomes,

o do prefeito — o que significava, por exemplo, um grande número de santinhos

distribuídos. O carro de som de maior porte percorria a rua principal do bairro, enquanto os

outros faziam o percurso pelas ruas perpendiculares. Sendo assim, quando o prefeito

chegava em determinado ponto do trajeto, alguém ali já havia estado, distribuído material

de campanha e falado sobre os “feitos” da administração vigente. Era uma maneira de

“preparar o terreno” (nos termos de Pedro César e de outros assessores) para que Mario não

fosse exposto a situações desagradáveis. Apesar desta preocupação, pude presenciar uma

cena na qual o candidato em questão pedia voto a uma moradora que vestia a camisa do PT,

pedindo a ela que retirasse a placa de Lindberg de sua casa. A moradora foi incisiva ao

declarar que não mudaria seu voto mesmo tendo o candidato ali, a sua frente, tentando

demovê-la da resolução. O argumento do prefeito girava em torno do conhecimento sobre a

cidade e seus problemas, mas a posição da moradora permanecia inalterada. Mario

resolveu, então, desistir e, com um sorriso nos lábios, disse que esperava que ela mudasse

de idéia até a data da eleição.

Durante o trajeto da caminhada, várias placas como àquela (de outros candidatos) que

estavam nos muros, postes e até em alguns quintais foram arrancadas e trocadas pelas de

Mario Marques, sem que necessariamente houvesse prévia permissão do(a) morador(a).

O evento culminava na reunião dos candidatos e dos moradores que tinham acompanhado

a caminhada em uma praça ou, se no bairro não dispusesse de praças, em um lugar central e

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de maior visibilidade, no qual Mario fazia seu discurso e despedia-se, avisando quando

estaria de volta e o local escolhido para a próxima caminhada ou comício /showmício274.

Uma característica nada irrelevante diz respeito à música escolhida, ao jingle de campanha

de Mario Marques. De forma geral, as candidaturas parecem dar preferência ao uso de

sambas em seus jingles. É interessante perceber que mesmo naquelas em que há algum

apelo às religiões protestantes, como no caso desta coligação, a escolha do estilo musical

acaba corroborando um ideário mais geral sobre identidade/ brasilidade, festa/ samba. O

imperativo de remeter à felicidade e à alegria reflete-se na escolha do samba como porta-

voz da emoção que se pretende passar ao eleitor. Não cataloguei os jingles de todas as

campanhas, mas percebi a preponderância deste ritmo musical não apenas nos municípios

da Baixada, como também em outras regiões do estado. No entanto, mesmo o jingle

principal sendo um samba, havia ainda outras músicas criadas para públicos específicos. O

jingle de Lindberg teve, por exemplo, uma versão gospel.

Se na primeira fase da campanha, a falta de recursos impedia o uso de “atrações” nos

eventos do PT275, o PMDB não sofria do mesmo mal. Nos dois meses iniciais, o formato

dos comícios era menor, maior destaque sendo conferido ao candidato à prefeitura e a

políticos com bases eleitorais em bairros ou áreas específicas da cidade. As produções

maiores aconteceram a partir do fim de agosto e, essencialmente, a partir de setembro.

Quanto mais próximo do dia 3 de outubro, maior o número de showmícios realizados e

274 Como abordado anteriormente no capítulo 2, Jorge Gama teve um papel limitado na campanha de Mário Marques. Em um segundo momento, no entanto, durante a “guerra política” deflagrada, teve atuação destacada. 275 Consultar o capítulo 4 desta tese.

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mais “atrações” oferecidas276. O acirramento da disputa no segundo turno das eleições fez

com que a governadora Rosinha Matheus e Anthony Garotinho se fizessem mais presentes

— fundamentalmente a primeira, dedicando-se às campanhas na Baixada enquanto seu

marido concentrou seu apoio aos candidatos de Campos. Os showmícios evangélicos se

multiplicaram, nesse período, sendo o tom do discurso da governadora essencialmente

religioso — além das ameaças dirigidas aos adversários desde o início do período eleitoral.

Em Magé, a campanha da mais nova (e polêmica) petista não seguiu o mesmo caminho

trilhado por Lindberg. Narriman não teve acesso à organização e à estrutura dos mega-

shows. Além de não contar com o apoio de Zito, que se manteve afastado de sua

campanha277, tampouco obteve o suporte de seu partido. Os showmícios não foram

realizados em Magé, as principais lideranças nacionais do partido lá não estiveram e, como

exposto nas críticas de Zito, os recursos financeiros tampouco chegaram à cidade. Narriman

contou apenas com shows de menor porte realizados com assiduidade a partir de setembro

(dos dias 16 a 30) daquele ano. Bandas de pagode (grupo Ki-Prazer), cantores como

Waguinho (cantor de pagode) ou a Banda Mel (axé music) — que não estão “na crista da

onda” já há algum tempo — além de vários artistas gospel: Marquinhos Menezes, grupo

Ella, Melissa, Claudino Maciel, banda Tempo, Jossana Glessa, Francisco Bezerra e Ozil

276 Na corrida para a prefeitura de Nova Iguaçu em 2004, o sobrinho de Fábio Raunheitti não teve o apoio da família, que se manteve oficialmente afastada da candidatura — e, ao que parece, também financeiramente. Em sua campanha não foram realizados comícios. No caso do candidato do PTB, Fernando Gonçalves, os recursos disponibilizados para as atividades eleitorais também foram escassos. . Fernando dispunha de carros de som precários e palanques pequenos, além de não ter contado com a participação de nomes conhecidos em seus comícios — preferencialmente voltados para a comunidade evangélica. Nestes eventos, as músicas religiosas e a presença de pastores assinalavam uma diferença em relação às demais campanhas, que produziam comícios específicos para cada “público”. Por conta disto, o candidato foi alvo de inúmeras piadas.Nos bastidores das campanhas de seus adversários, por diversas ocasiões escutei comentários do tipo: “Hoje, o Fernando é quem vai cantar, no máximo, a mulher dele. Eles vão perder a eleição, mas podem montar uma banda (risos)”. Seus eventos não tinham “atrações”. A campanha foi levada a cabo com pouco dinheiro e apoio político, recorrendo fundamentalmente ao corpo a corpo. Mesmo assim, conseguiu manter-se na liderança por quase dois meses após o início oficial da corrida eleitoral. 277 Ver capítulo 3 desta tese.

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Silva e ainda a comunidade evangélica de Nilópolis e a da Igreja Batista Nova Jerusalém

foram alguns dos grupos que se apresentaram nos eventos da candidata do PT. Narriman,

no entanto, não resistiu à estrutura da família Cozzolino que, associada a de Nelson do

Posto, ditou um outro ritmo à campanha.

Em Duque de Caxias, a situação não foi muito diferente. A primeira fase da campanha

parece ter se apoiado essencialmente no carisma de Zito e na possibilidade de associar suas

características às do candidato por ele apoiado, Laury Villar. Grosso modo, foram

privilegiados os pequenos eventos nos bairros e nas “comunidades”, realizados desde o

momento da escolha do candidato do PDT à sucessão de Zito. As caminhadas tiveram lugar

de destaque, momento nos quais o antigo prefeito demonstrava sua habilidade em lidar com

“seu povo”. Reuniões com grupos de moradores — nas quais eram apresentadas propostas

e se ouviam as queixas da população — eram organizadas por lideranças comunitárias e

vereadores que tentavam a reeleição, ou por aqueles que concorriam pela primeira vez à

Câmara Municipal,em escolas, centros comunitários, quadras de esportes etc. Alguns

secretários de governo de Zito também tomaram parte na organização de alguns desses

eventos. Tive a oportunidade de participar de deles, organizado pela sub-secretária de

educação do município278. Nesta reunião, os moradores de um condomínio de classe média

da cidade foram apresentados ao candidato e com ele conversaram sobre o bairro, questões

de segurança e urbanização. Zito não apareceu e Isabel foi incumbida de avisar aos

presentes, justificando a ausência do prefeito com o argumento de que este teria outros

278 Isabel Costa foi apresentada a Zito por Roberta Siqueira que já trabalhara em sua equipe e que, mais tarde, se tornaria sua secretária de educação. Isabel acabou participando da campanha de 1996, ajudando na elaboração do plano de governo — fundamentalmente na área da educação. Com a vitória de Zito, foi trabalhar na Prefeitura juntamente com Roberta, onde atuou como coordenadora e posteriormente como subsecretária de educação — por dois anos.

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compromissos na Prefeitura e que, portanto, ficara muito tarde para que pudesse ali chegar.

Isabel completou a justificativa ressaltando que Zito estava muito assoberbado com o

trabalho de administrar o município de Caxias.

Esse foi o modus operandi da campanha do PDT em um primeiro momento:

supervalorização da imagem de Zito, mas nem sempre a sua presença, embora não

costumasse faltar às reuniões organizadas pelos principais candidatos à Câmara Municipal.

Ainda que permanecesse por apenas alguns minutos, ele dizia algumas palavras sobre os

candidatos a vereador e prefeito, ressaltando sempre que a eleição deste último significaria

a continuidade de seu trabalho e dos projetos até então implementados na cidade. As

críticas ao adversário Washington Reis eram mais contidas do que aquelas dirigidas ao ex-

governador e à governadora do Rio. Queixava-se sobretudo da falta de parceria e da

dificuldade de repasse de verbas do estado ao município, afirmando que este havia sido

“abandonado por Rosinha”.

Em Duque de Caxias, as campanhas utilizaram-se da estrutura já conhecida dos comícios.

Neste caso em particular, a ênfase recaia sobre os políticos mais importantes que apoiavam

os candidatos e, em alguns casos mais do que em outros, sobre os próprios candidatos. A

festa ainda era o recurso catalisador da multidão, capaz de aproximar o candidato dos

eleitores. Sua produção, no entanto, seguia um padrão mais convencional, contando com

alguns grandes shows, mas direcionando o foco sobre as “estrelas” políticas. Desse modo,

nos eventos realizados por Washington Reis, Anthony Garotinho era sempre a grande

atração, juntamente com a governadora Rosinha — o repertório de shows tendo seguido o

padrão adotado pelo candidato peemedebista de Nova Iguaçu.

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Laury Villar, por sua vez, contava com o forte apoio de Zito e, durante o segundo turno,

também com o de César Maia e do PT — ainda que não tão ostensivo quanto se esperava.

Tal apoio foi expresso nas visitas que César empreendeu a Duque de Caxias, bem como na

gravação de programas eleitorais. Benedita da Silva (PT) também esteve na cidade, assim

como alguns ministros petistas que gravaram participações para exibição durante o horário

de propaganda eleitoral gratuito (HGPE).

A lógica do palanque e da disposição do público-eleitor seguiu a supracitada, alternando-se

entre ora privilegiar os “convidados”, ora os músicos, ora o candidato, tal como relatado

por Palmeira e Heredia (idem). Não se viu em Duque de Caxias ou em Magé a exaltação e

as demonstrações de carinho/ afeto/ deslumbramento que pude perceber em Nova Iguaçu,

em relação a Lindberg Farias.

O espaço simbolizado pelo palanque só é possível circunscrito a um tempo da política. Os

comícios são marcadores deste tempo singular, que é aquele das campanhas, operador de

uma transformação dos espaços — transformação simbólica e efêmera relativa a

modalidades de interação entre os atores sociais e áreas da cidade criadas especificamente

para fins eleitorais ou reconfiguradas pela própria disputa. A política – entendida aqui

como categoria nativa, ou seja, a percepção dos moradores daquela região sobre o que seria

o fazer político – também remeteria, na Baixada, a relações não-exclusivas às campanhas e

momentos de eleição, referindo-se ao político como ator social legítimo e a práticas

coletivas ligadas a tal mundo, como por exemplo, as já mencionadas redes de resolução de

problemas práticos (Linderval, op. cit.). Frente à sazonalidade da presença do político, seu

staff (assessores, secretários de governo etc.) é freqüentemente tomado pelos moradores

como canal legítimo de mediação, do “fazer político” (Kuschnir, 1993 e 2000), da mesma

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forma como acaba ocorrendo com relação às entidades civis (majoritariamente associações

de moradores/ escolas/ grupos culturais e ONG’s). Assim, apesar da classificação nativa na

Baixada parecer não se restringir às eleições ou a seus personagens oficiais, as articulações

em momento de campanha – que para os políticos profissionais não corresponde somente

ao período eleitoral – transformam as relações cotidianas e podem unir sujeitos sociais

(individuais ou coletivos) antes tidos como integrantes de campos opostos ou mesmo a-

políticos (Igreja e Estado; Associações de moradores e Prefeitura; morador e Secretaria —

de Saúde, Educação, Obras, Lazer etc.)279.

No interior deste tempo da política e a partir da lente do palanque, o caso de Lindberg foi

exemplar, no sentido de ter evidenciado as etapas de sua transformação de candidato em

candidato-ídolo. Este seria, a meu ver, um dos sinais distintivos entre comício e showmício:

a operação de uma mudança de status do político, que vira um astro. Evidentemente, sem

desconsiderar o carisma pessoal de Lindberg Farias, não podemos relegar a um plano

secundário a construção de um aparato específico que garantiu a exploração, em toda sua

amplitude, das emoções suscitadas pelo candidato num misto de espetáculo e regozijo. A

comoção não era a expressão individualizada, mas a manifestação coletiva dos sentimentos

em um espaço “da política” tradicionalmente pensado como apartado das interações

“emocionais” ou, quando muito, qualificado por rótulos populistas280.

A problemática dos sentimentos relacionada ao estudo da política e das eleições configura,

como ressaltou Barreira, um “percurso sinuoso” (op. cit., p. 68) no qual o que importaria

destacar seria a dimensão reveladora das emoções como formas de entendimento do real,

279 Já nos referimos, no capítulo sobre a(s) Baixada(s), ao papel dos movimentos sociais como atores políticos legítimos na história política da região. 280 Sobre populismo ver, por exemplo, Wefford (1968).

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das relações humanas, engendrando outras maneiras de olhar nossos objetos para além da

mecânica da “produção marqueteira” e do discurso do político-produto alimentado pela

comunicação de massa. Não se trata de desconsiderar seu apelo e suas força e eficácia

simbólicas, mas de compreender o que traz consigo. A “fórmula mágica” dos marqueteiros

não constitui um dado anterior, pré-configurado, sendo antes uma construção a partir do

termo final, ou seja, só se sabe do sucesso após a sua proclamação. É só nesse momento

que o discurso sobre si passa a incorporar novos tons, extraordinários, fantásticos. Sendo

assim, a fórmula de modo algum é mágica, nos termos daquela estudada por Mauss (1974),

cuja crença em sua eficácia é sempre dada a priori. Tal percepção relativa às estratégias de

marketing é fruto de um longo trabalho de criação de um campo, de profissionais

específicos, de “intelectuais próprios”, de produção técnica e bibliográfica e do

engajamento dos atores sociais em questão (Castilho, 2000)281.

Notícias De Uma Guerra: Estratégias, Ameaças e Orações

Se a festa, a princípio, revelaria uma dimensão mais harmoniosa ou alegre das campanhas

eleitorais, ela também abarca uma dimensão de conflito — nesse caso, entre os grupos

adversários pela promoção da melhor festa.

A idéia da universalidade da guerra figura entre nossas mais antigas teses sobre a natureza

humana como, por exemplo, na guerra de todos contra todos, que qualifica o estado de

natureza em Hobbes. A concepção da guerra e de uma gramática e estética próprias a ela,

não está apartada do mundo da política, muito pelo contrário. O universo político

281 Apesar de o autor utilizar a analogia entre marketing e magia em sua tese de doutoramento, prefiro optar, pelos motivos acima expostos, pela análise abordada quanto à construção do marketing como um campo profissional em busca de legitimidade.

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institucionalizado por partidos e homens públicos demonstra as formas variadas em que

esse “estado” ali se instaura legitimamente.

As eleições, pensadas como arenas, mas também como espetáculos, nos remetem

diretamente à esta questão. Se na bruxaria “l’acte, c’est lê verbe” (Favret-Saada, 1998), na

política não seria diferente. O bruxo, o mágico e o político têm em comum a palavra como

força-motriz de uma ação à distância282. A palavra engendra uma rede de ações, reações e

relações. Assim, na guerra da política a palavra é sua ferramenta por excelência. Mas não

somente a palavra, a ela soma-se o gesto, a imagem. A publicidade (aqui entendida como

englobando o marketing político) torna-se assim o instrumento por excelência desta guerra.

Em período de campanha, os candidatos estão na base do “matar ou morrer”, já que perder

uma eleição pode significar, de fato, a “morte” política. Estar apartado desse mundo, sem a

garantia dos acessos que ele possibilita (Kuschnir, op. cit.; Bezerra, op. cit.), pode ser o

prenúncio do fim e, com sua força simbólica, torná-lo real283.

Desse modo, as eleições no estado do Rio de Janeiro e, mais especificamente, na Baixada

Fluminense, transformaram-se em uma das principais arenas (senão a principal) nas quais

282 Consultar, por exemplo, Mauss (2003 [1904]), Evans-Pritchard (2005 [1976]), Favret-Saada (1998). 283 O “clima de guerra” que reinou durante o período eleitoral em Nova Iguaçu chegou, em alguns momentos, perto das vias de fato. Conforme noticiado pelo jornal O Globo de 01/11/2004: “O acirramento da campanha no segundo turno em Nova Iguaçu se refletiu ontem nas ruas. Militantes dos candidatos a prefeito da segunda maior cidade da Baixada Fluminense — Lindberg Farias (PT) e Mario Marques (PMDB) — só não trocaram socos e pontapés ontem porque foram impedidos por fiscais do TRE e policiais militares”. Outro fato que mereceu destaque na imprensa foi a intimidação sofrida pelo coordenador político da campanha, Antônio Neiva, conforme relatado pela Folha de São Paulo de 12/09/2004: “O primeiro alerta de que a campanha poderia ser perigosa veio no início da disputa. Em junho, o coordenador político da candidatura, Antônio Neiva, foi cercado ao descer do ônibus que o trouxe do Rio. Neiva contou que dois homens saltaram de um carro e o imprensaram contra um muro. ‘Mandaram um recado para o Lindberg, a quem se referiram como ‘o paraíba’ [o deputado é paraibano]. Deixaram claro que ele corria riscos caso insistisse na candidatura. Falaram que eu estava sendo seguido havia 36 horas. Acreditei, pois disseram coisas que fiz no período’, disse Neiva. O escritório em Nova Iguaçu já foi invadido duas vezes. Foram roubados documentos e computadores. Na semana passada, foram pichados os 70 outdoors de Lindberg na cidade. As pichações visaram, sobretudo, o rosto dele”.

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tais confrontos se desenrolaram. Os comícios e showmícios marcaram o ritmo das

campanhas a partir do fim de agosto e os embates entre os principais candidatos foram

tornando-se cada vez mais acirrados. De um lado, o PT nacional e o governo federal —

através do presidente Lula e de seu staff —e, de outro, o governo estadual — por

intermédio do casal Garotinho (Anthony e Rosinha Matheus) — encetaram conflitos que

se tornariam os objetos preferenciais das mídias escrita e televisionada. A partir deste

momento, não se tratava apenas do projeto coletivo do PT que abarcou projetos individuais

como o de Lindberg ou mesmo o de Zito, em alguma medida. Havia também o projeto

político de Garotinho e de sua rede política para o Rio de Janeiro e para uma possível

candidatura à Presidência da República.

O arsenal deste último grupo já estava preparado: além de acusações do uso da máquina

administrativa com fins eleitorais que pairavam sobre a candidatura petista de Lindberg

Farias — mesmo antes da eleição — outros ataques vieram também na forma de cartazes

distribuídos pela cidade, outdoors e adesivos com mensagens como “Trate bem o turista,

mas não vote nele”.

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Jorge Gama, aparentemente apartado da campanha, seria, segundo uma pessoa próxima —

ligada ao comitê eleitoral de Marques — um dos principais articuladores destas investidas.

Apesar de seus desentendimentos com Bornier, e de ter se mantido afastado do dia a dia da

campanha, sua criatividade teria sido colocada à disposição do candidato peemedebista, que

dela se utilizou em diversas ocasiões. Não há como confirmar ou negar tal afirmação, mas

de fato o tom crítico e o humor ácido dos panfletos lembram, em alguma medida, o tom

debochado e desafiador do Geraldinho Boca de Trombone, por exemplo. Foram objeto da

campanha difamatória adotada contra Lindberg, desde suas trocas de partido, quanto sua

atuação como relator no caso da demarcação de terras da reserva indígena Raposa Serra do

Sol, até a posição por ele tomada na votação do salário mínimo (entre outras).

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A tais ataques somaram-se, ainda, as ameaças da governadora do estado, Rosinha Matheus,

e de seu marido aos eleitores que votassem em candidatos adversários. Àquela altura —

meados de setembro — o empate técnico entre Lindberg e Mário Marques em Nova

Iguaçu, assim como os índices de Laury Villar, em Duque de Caxias, eram preocupantes.

Diante disso, o casal Garotinho entrou com toda a força na campanha do PMDB,

direcionando todas as armas disponíveis contra os candidatos petista e pedetista,

respectivamente. O que de início começou com ofensivas nos palanques, logo ganhou o

espaço dos programas televisionados.

“Tem um candidato que sobe nos palanques para nos ofender, nos xingar e isso não é bom porque nós queremos continuar amando Nova Iguaçu, visitando essa cidade. Como é que nós vamos fazer isso caso esse candidato que nos ofende seja prefeito da cidade? A escolha é sua” (discurso de Garotinho, transmitido durante horário de propaganda eleitoral gratuita da coligação Crescer sempre com Deus e o povo).

Os interesses de reprodução/ ampliação das redes políticas e de influência na região, por

ambos os lados (no caso de Nova Iguaçu, PT e PMDB), ficou logo evidente e a resposta foi

imediata284. Alguns ministros foram convocados a entrar na briga e a imprensa tornou-se o

palco de embates veementes e indignados entre os dois pólos285. A pluralidade de partidos

284 É importante destacar que um terceiro termo esteve implicado na equação política em Nova Iguaçu e na Baixada Fluminense como um todo: César Maia e o PFL. A atuação (mais ou menos) discreta durante o primeiro momento da campanha não impediu que o prefeito do Rio de Janeiro declarasse seu apoio a Lindberg e que participasse ativamente do segundo turno — subindo nos palanques, inclusive. Para o mapa político da Baixada, a rede encabeçada por César Maia significava uma rearranjo das forças locais e regionais, delineando um poderoso triângulo entre PT, PMDB e PFL. A aproximação entre César Maia e Lindberg não era tão impensável quanto poderia parecer à primeira vista, diante de seu contato bastante próximo com o filho do prefeito e deputado federal, Rodrigo Maia, e com o vereador Rogério Lisboa. 285 Em menos de um ano, diversos Ministros de Estado estiveram em Nova Iguaçu: Gilberto Gil (da Cultura), Humberto Costa (da Saúde), Aldo Rebelo (da Coordenação Política), José Dirceu (da Casa Civil) e Tarso

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na disputa foi canalizada em dois discursos ao mesmo tempo inclusivos e excludentes,

simbolizados pela oposição entre as personas: Lula/ Lindberg X Garotinho/ Marques.

Segundo o jornal O Globo (13/09/2004, p.11) “em reação ao crescimento de Lindberg,

Anthony Garotinho, presidente regional do PMDB, disse que a governadora Rosinha

Matheus não repassaria recursos estaduais para a prefeitura se o petista fosse eleito”.

Representantes do governo federal responderam às ameaças de cortes em projetos sociais

de Nova Iguaçu com a promessa de cobrir qualquer ônus eventual aos moradores (e

eleitores) da cidade. Na ocasião, o então Ministro da Educação, Tarso Genro, deu a

seguinte declaração à imprensa (escrita286 e televisionada):

“O Presidente da República me autorizou a dizer que nós vamos não só estabelecer uma relação de qualificação e de igualdades com os prefeitos, como também o governo federal vai cobrir qualquer ausência de convênio que eventuais governos de estado se neguem a fazer por discriminação política” (Jornal Nacional, 25/09/2004).

A declaração de Garotinho desencadeou ainda uma manifestação pública de repúdio, no dia

27 de setembro, nas escadarias da ALERJ. Batizado de “Movimento por eleições limpas e

éticas na política do Rio”, o evento clamava por eleições transparentes, sem boicotes,

contando com a presença de diversos políticos e parlamentares de partidos aliados —

naquele momento — a Lindberg, tais como: Marcelo Allencar, Luis Paulo Corrêa da

Rocha, Chico Alencar, Carlos Minc, Rogério Lisboa, César Maia, Rodrigo Maia, Andréia

Zito, além de membros do PT de Nova Iguaçu e do seu diretório estadual. Tal iniciativa

Genro (da Educação), além de João Paulo Cunha (líder do governo na Câmara). Tal fato mereceu destaque no Jornal do Brasil, de 04/10/2004 e em O Globo, de 15 e 16/10/2004. 286 Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e O Globo de 25/09/2004.

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(que segundo a coordenadora da assessoria de comunicação política de Lindberg, Débora

Souto, teria partido dela) constituiu o acontecimento propício para angariar mais

visibilidade à candidatura petista e buscar maior apoio popular.

O Secretário de Segurança é um elemento desestabilizador na eleição. O que se tenta fazer é espalhar a política do medo. É a ante-sala do terrorismo. Vários candidatos têm sofrido também com a distribuição de panfletos anônimos. Esta política é hitlerista – afirmou Lindberg (O Globo, 28/09/2004).

Zito não participou do ato público e justificou-se, na entrevista que me concedeu, dizendo

que aquele não era seu “estilo”: “Eu sempre fui contrário a tudo isso aí. Sempre fui contra

essa política do Garotinho para o estado do Rio de Janeiro. Eu sofri com isso aqui, em

Caxias. Mas nunca fui um político de ir pra rua e mostrar uma indignação exagerada,

exacerbada, né?” Sua filha, a deputada estadual Andréia Zito, no entanto, marcou presença

fazendo coro com o grupo liderado por Marcello Alencar.

Em seguida, a denúncia de Lindberg quanto ao assistencialismo do governo estadual em

troca de votos, no caso da distribuição de cestas básicas pela Fundação Leão XIII, acabou

ocasionando sua suspensão e a revolta da população local287. No jogo das visibilidades, era

preciso culpabilizar os agentes do mal, — nesse caso, os “assistencialistas”, os “corruptos”.

Precisava-se, portanto, de um “bode expiatório”. Nesse sentido, a organização da

mobilização anteriormente mencionada — que tinha como bandeira eleições limpas e

287 A Folha de São Paulo do dia 29/10/2004, em matéria intitulada Panfletos acusam Lindberg de impedir distribuição de cesta básica, relata a responsabilidade atribuída a Lindberg Farias pela suspensão da distribuição das cestas básicas, ordenada pela Justiça Eleitoral de Nova Iguaçu, por intermédio de diversos panfletos distribuídos pela cidade. O panfleto que reproduzo abaixo, fora desta vez assinado pela coligação Crescer sempre com Deus e o povo.

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éticas — colocava o adversário no pólo oposto, do mal. É interessante perceber que, apesar

de tudo isto,, a menção à assistência não foi de todo descartada no discurso político de

Lindberg, , mas apenas atenuada , conforme percebemos em reportagem da Agência Carta

Maior, de 31/10/2004, sobre o caso da distribuição de cestas básicas:

“A governadora Rosinha Matheus determinou, em 19 de outubro, que a Fundação Leão XIII, ligada ao governo estadual, iniciasse em Nova Iguaçu a distribuição de cestas básicas para moradores dos bairros Aymoré e Campo Belo, duas das áreas mais carentes da cidade. Anunciada com antecedência pelo prefeito, a distribuição das cestas era feita, segundo apurado por fiscais da Justiça Eleitoral, mediante a apresentação pelos beneficiados da carteira de identidade e do título de eleitor. Os fiscais presenciaram a entrega de 780 cestas e, no dia 26 de outubro, o juiz José Lessa Giordani determinou a suspensão da distribuição. Rosinha acatou a decisão da Justiça, mas no mesmo dia ordenou o início da distribuição entre os iguaçuenses, de tíquetes que podem ser trocados por latas de leite em pó. O candidato do PT reagiu à distribuição de alimentos pelo governo estadual, prometendo aos eleitores de Nova Iguaçu que vai ampliar na cidade o Programa Bolsa Família, do governo federal. Para as ameaças da governadora, que afirma que “será obrigada a abandonar Nova Iguaçu se Lindberg for eleito”, o petista ressalta a todo momento sua ligação com o governo federal. Nesse contexto, até mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva gravou mensagens para a propaganda eleitoral na televisão dizendo para o povo “votar em Lindberg sem medo” porque “vai compensar Nova Iguaçu de outras formas” se a cidade for abandonada pelo governo estadual” (grifos meus).

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Em Caxias, Garotinho e a governadora Rosinha utilizavam-se de estratégia semelhante,

proferindo ameaças e acusações aos adversários locais durante os comícios realizados na

localidade. Presença constante nos palanques do município, o casal não poupava ninguém.

Os candidatos [Sandro Matos (PTB), em São João de Meriti, e Laury Villar (PDT), em Caxias] também reclamaram do uso da máquina do governo estadual na eleição. Segundo Zito, as ruas de Caxias estão forradas de cartazes de propaganda do estado, com promessas de realizações e obras. Sandro Mattos reclamou que em Meriti os políticos ligados ao governo estadual fazem circular boatos de que, se eleito, ele acabaria com o cheque-cidadão (Jornal do Brasil, 09/10/2004).

A temática religiosa que, até então, não havia tido grande destaque, tomou vulto; a briga

pelo “voto evangélico” atingindo seu ápice durante o segundo turno das eleições288. Diante

deste cenário, cada candidato procurou costurar suas alianças com nomes importantes no

meio evangélico da Baixada e do estado, de forma mais ampla289. As visitas às igrejas

repetiam-se com freqüência; o campo religioso local sendo polarizado por pastores de

distintas vertentes. Dentre eles, Manoel Ferreira, principal líder da Assembléia de Deus,

manifestou seu apoio a Lindberg — graças à adesão de Fernando Gonçalves à campanha

petista — acompanhando-o em caminhadas e também nos palanques. Já do outro lado, o

bispo da Universal, senador pelo PL e segundo lugar no pleito carioca, Marcelo Crivella,

288 Conforme anteriormente mencionado, as religiões protestantes foram tratadas, em um primeiro momento, como mais um segmento eleitoral, contando com shows específicos, visitas às igrejas, conversas com pastores e fiéis etc. Naquele momento, no entanto, não se havia apelado ao discurso religioso como arma político-eleitoral, vinculando a opção religiosa (e sua prática) ao voto em um candidato em particular. 289 De acordo com os dados do Censo do IGBE, a população evangélica brasileira passou de 13,3 milhões entre 1999 e 2000 para 26,1 milhões, em 2002. Isto significa um crescimento percentual de quase 100%, muito superior a qualquer outra denominação religiosa.

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deu seu apoio a Mário Marques, conclamando os pastores da IURD, como também seus

fiéis a votarem nele290.

“Candidato pelo PT à prefeitura de Nova Iguaçu, Lindberg Farias prometeu reunir pelo menos 300 pastores evangélicos na igreja da Assembléia de Deus, na cidade, amanhã. A estratégia visa a ‘arrebanhar’ parte dos fiéis que estão hoje sob a influência do ex-governador Anthony Garotinho (PMDB). O peemedebista apóia a campanha do prefeito Mario Marques (PDT), que busca a reeleição. A entrada dos evangélicos na campanha de Lindberg foi acertada, segundo o candidato, com o pastor Manoel Ferreira (PL), que foi candidato a vice na chapa de Luiz Paulo Conde e, até então, era aliado de Garotinho” (Jornal do Brasil, 09/10/2004).

- Não cheguei até aqui por acaso. Tenho certeza de que foi a vontade de Deus. Após conversar com o pastor, saí com espírito renovado, pronto para a maratona do segundo turno — afirmou (Jornal do Brasil, 11/10/2004).

Em Duque de Caxias, apesar dos conflitos entre o pastor Manoel Ferreira e seu “padrinho”,

Garotinho, e do primeiro ter manifesto publicamente sua adesão à campanha de Laury, o

candidato do PMDB contou com o apoio de alguns pastores de sua denominação religiosa,

a Assembléia de Deus. “Zito ajudou na minha candidatura ao Senado. Graças a ele, tive 290 Destaco que o pastor Manoel Ferreira e Garotinho pertencem à mesma denominação religiosa, colocando-se, no entanto, nessa eleição, em arenas políticas opostas, privilegiando seus interesses particulares e o vínculo partidário em detrimento do pertencimento religioso. O primeiro foi o terceiro colocado para a vaga do Senado Federal, em 2002, tendo sido também candidato a vice-prefeito na chapa de Luiz Paulo Conde, nas eleições municipais de 2004, no município do Rio de Janeiro. Com a aliança com o PTB em Nova Iguaçu, pôde apoiar publicamente o candidato do PT. Garotinho (), por sua vez, já tinha costurado anteriormente uma aliança com a IURD — em 2002, na época filiado ao PSB. ,. Apesar do PL ter tido um senador na chapa de Lula naquelas eleições para a Presidência da República, predominou, ao que parece, o vínculo evangélico. No segundo turno, Garotinho declarou seu apoio a Lula e teria atuado como mediador junto a outras igrejas para conseguir congregá-las ao candidato petista. Vale a pena lembrar que José Serra (PSDB), adversário de Lula, recebeu o apoio da Convenção Nacional das Assembléias de Deus, da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil e também da Igreja Quadrangular (Machado, 2002; Oro, 2003).

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mais de 15 mil votos. Estou firme nesta campanha para ajudar a eleger Laury — explicou o

pastor evangélico”, em entrevista ao Jornal do Brasil de 18 de outubro de 2004.

Entre as armas utilizadas pela rede de Garotinho em Nova Iguaçu, destaca-se uma tática

bastante “tradicional” na política: a distribuição de cartas, só que desta feita, de cunho

religioso — postadas pela Delta Construções291 (empresa ligada a Nelson Bornier), nas

quais Garotinho pedia votos para o candidato do PMDB292.

A temática do mal, vinculada acima à anti-ética, é retomada com toda força, agora, com

viés religioso293. É o que se evidencia também no trabalho de Leite, segundo o qual

algumas aproximações podem ser traçadas entre a condição estigmatizante dos moradores

da Baixada e aquela dos moradores das favelas cariocas, principalmente no que tange à

relação entre tal estigma e a conotação que o vínculo religioso adquire nestes segmentos.

Eis algumas de suas conclusões (2002:71):

“[…] o acirramento da violência na cidade [do Rio de Janeiro] correspondeu, na última década, a um adensamento dos estigmas sobre os moradores das favelas. Criminalizados por ali residirem, são

291 "Uma coisa de amizade" (O Globo, 29/10/2004). É assim que o deputado federal Nelson Bornier (PMDB) define a colaboração da empreiteira Delta Construções S.A. à campanha do prefeito peemedebista Mario Marques, candidato à reeleição em Nova Iguaçu, na disputa com Lindberg Farias. 292 Entre as estratégias políticas de vinculação de um determinado candidato a um nome político considerado “forte”, de prestígio, destaca-se a distribuição de cartas cujo teor pode variar de um simples pedido de voto a acusações explícitas ao adversário. Há também telefonemas, nos quais o político mais conhecido, e que apóia a candidatura em questão, grava uma mensagem telefônica — mencionando o nome do proprietário da linha e do morador — pedindo voto para o “seu candidato”. Nas duas estratégias, a personalização do contato, por meio do emprego do nome próprio do eleitor, pode ser pensada como uma forma de criar laços e promover uma “sensação de proximidade” no eleitor. No HPEG, o candidato fala “para todos”. Nas cartas e telefonemas, ele fala com a pessoa, singularizada na utilização de seu nome próprio. Algumas matérias de jornais expuseram tal questão. Dentre elas, a de Daniela Name, de O Globo de 23/10/2004. 293 Para a problemática da constituição do mal na cultura brasileira, ver a coletânea de artigos organizada por Patrícia Birman, Regina Novaes e Samira Crespo (1997). Para este trabalho, interessaram-me particularmente os artigos: “Males e malefícios no discurso pentecostal” (Birman), “As metamorfoses da Besta Fera: o mal, a religião e a política entre trabalhadores rurais” (Novaes), “Política Ambígua” (Palmeira) e “O mal à brasileira: Um pósfacio. O mal, a ética, a política e o Brasil” (Sanchis).

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aproximados de bandidos e marginais em uma lógica que considera a convivência forçada um sintoma de conivência. As favelas e seus moradores são, no Rio de Janeiro, aproximados do campo do “Mal” – associado à violência e ao terror das quadrilhas de narcotraficantes. Neste contexto, cresce a importância da adesão religiosa como meio de afastar-se do campo conflagrado da violência social, tanto pela crença no efeito transformador da palavra religiosa, capaz de converter o mais renitente dos pecadores que assim iniciaria uma nova vida distante dos “erros do passado”, quanto, e em decorrência, pelo efeito social positivo de discriminação dos adeptos das religiões evangélicas da marginalidade e do crime” (grifos meus).

As investidas de Garotinho e de seus aliados já associavam a candidatura petista à

encarnação do mal (primeira citação, abaixo) mesmo antes da declaração de apoio de

Fernando Gonçalves a Lindberg — e deste último ter adquirido o status de “convidado-

bem-vindo” no campo evangélico iguaçuano. No segundo turno, no entanto, entrou em

cena a poderosa “máquina” das igrejas envolvidas nas campanhas (segunda citação,

abaixo); uma nova interpretação para a guerra política sendo então apresentada.

“Diante de milhares de pessoas, a maioria composta por jovens evangélicos reunidos para o show Celebrai, Garotinho juntou no palco cantores conhecidos de música gospel e pediu que todos orassem ‘para pedir a Deus que impeça a eleição de Lindberg’. Como justificativa, o ex-governador alegou que o petista ‘ofendia a fé cristã da cidade’, ao assumir determinadas posições políticas: ‘Este rapaz defende a legalização da maconha e o casamento de pessoas do mesmo sexo, e isso não é coisa que um verdadeiro cristão apóie. Falem isso na igreja, contem para papai e mamãe. A eleição deste moço é muito ruim para Nova Iguaçu’, disse” (Agência Carta Maior, 27/09/2004).

“Para se defender, o PT buscou apoio no PTB. O candidato do partido, Fernando Gonçalves, que chegou em terceiro lugar com 12% dos votos,

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declarou apoio a Lindberg, tirando da campanha petista o estigma de ´ser de fora de Nova Iguaçu’, explorado pelos adversários. Iguaçuano e deputado federal mais votado na cidade, Gonçalves ainda por cima também é evangélico, o que ajudou muito Lindberg a jogar para o alto a pecha de ‘filho do demo’ que quer lhe colar Garotinho[…] No dia 10 de outubro, presente a um templo da Assembléia de Deus lotado, Lindberg foi alvo das benções e orações de lideranças políticas e/ou religiosas como o próprio Ferreira e a ex-governadora Benedita da Silva. O candidato petista – que já leu as cartilhas de Stalin no PC do B e depois as do seu inimigo, Trotsky, no PSTU, que já foi radical e agora é moderado do PT – é católico, mas não esconde mais sua simpatia pelos evangélicos pentecostais. Do lado de fora do templo, militantes de outras seitas distribuíam o jornal Folha Cristã, com acusações a Lindberg e uma matéria dizendo que a prefeitura petista de Belo Horizonte mandou construir ‘um templo para Satanás’. Essa guerra santa se explica pelo incrível contingente de eleitores evangélicos de Nova Iguaçu: segundo um levantamento feito pela PUC-RJ, 29% dos habitantes da cidade são evangélicos. A Assembléia de Deus é a maior seita, com 11,5% dos iguaçuanos, enquanto a Igreja Universal é seguida por 3,5% da população” (Agência Carta Maior, reportagem de Maurício Thuswohl, 13/10/2004) (grifos meus).

Com relação a Duque de Caxias, o discurso de Zito tentou passar ao largo da questão,

desvinculando a opção religiosa da prática e escolha políticas. Mesmo tendo esposa e filha

evangélicas, ele não declara pertencimento a qualquer denominação religiosa, e costuma

enfatizar a necessidade de autonomia dos fiéis no momento da eleição:

“O líder comunitário, o pastor, o padre pode ser alguém que o induziu [o eleitor] ao erro. A política que quer ser levada a sério […] porque, senão, nós estamos usando uma arma, que é o nosso voto, apontado para nós mesmos, contra nós. Assim, eu vejo que a predominância de algumas entidades — ou mesmo religião — é um

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momento, isso é passageiro. E eu espero que cada cidadão saiba separar uma coisa da outra e comece a entender da sua responsabilidade com o seu voto” (Zito, 26/04/2006).

As acusações não pararam por aí, a onda de boatos tampouco. Lindberg foi novamente

atacado. A notícia de que teria uma filha — até então ignorada — com uma garçonete

agitou o clima político local e provocou uma avalanche de matérias na imprensa294. Tal

boato teria sido espalhado (e fabricado) pela rede política de Mário Marques e Lindberg

acabou acusando o ex-governador de ser o responsável pelo fato295. O PT nacional também

marcou posição, enviando nota aos jornais em repúdio aos ataques efetuados a seu

candidato no segundo turno296.

Ao blame gossip juntaram-se as acusações de cunho religioso e a novidade dos panfletos

assinados. Durante o primeiro turno, diversos panfletos apócrifos já haviam sido espalhados

pela cidade com acusações de diversos tipos; no segundo turno, a divulgação de sua autoria

marcava uma inflexão na estratégia. Segundo o candidato do PMDB, o que sua coligação

fazia era esclarecer o eleitor a respeito de “quem era esse candidato”, “esse tal de

Lindberg”.

294 Como mencionado no capítulo anterior, algumas matérias deram destaque aos boatos que o candidato do PT enfrentou durante toda a campanha. Por exemplo: O Globo, de 23, 24 e 31/10/2004, referindo-se às diversas acusações ao candidato petista, inclusive a de paternidade. 295 Tal acusação foi notícia em jornais como O Globo e a Folha de São Paulo, de 21/10/2004, e O Globo, de 22/10/2004. 296 A matéria divulgada na Folha de São Paulo, de 21/10/2004, configura um dos exemplos: “O presidente nacional do PT, José Genoino, divulgou nesta sexta-feira nota oficial reclamando de ataques sofridos pelos candidatos petistas no segundo turno das eleições. Segundo a nota, o PT é vítima de ‘armações e violências’ por parte de seus adversários. Ao conclamar seus correligionários a ‘não caírem em provocação’, Genoino afirma esperar que os ‘nossos adversários não se utilizem desse clima de sectarismo e violência, que não condiz com um país democrático e civilizado’. Outras matérias foram veiculadas pelo jornal O Globo dos dias 26, 29 e 30/10/2004. Em uma delas, Merval Pereira referiu-se aos ataques como “os mais baixos recursos, até mesmo a religião”; Arthur Dapieve ressaltou os “argumentos pretensamente religiosos” do casal Garotinho e, por último, Teresa Cruvinel remetia ao “tom religioso”, mas também às ameaças de corte de verbas e projetos sociais do governo do Estado, feitas porGarotinho.

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A relação entre os campos político e religioso no Brasil não constitui propriamente uma

novidade, apesar de recente. A IURD talvez figure como a principal iniciativa dos

evangélicos no campo político. De acordo com Oro (2003), sua atuação neste universo teve

início nas eleições de 1986 para a Assembléia Nacional Constituinte, elegendo um

deputado federal (p.53). A partir daí, sua inserção foi aumentando significativamente ao

longo do tempo (1990: três deputados federais e seis estaduais; 1994: seis deputados

federais e oito estaduais, a Secretaria do Trabalho e Ação Social e 500 mil votos para o seu

candidato ao Senado; 1998: dezessete deputados federais e vinte e seis estaduais; 2002,

dezesseis deputados federais e dezenove estaduais [idem]).

No Rio de Janeiro, desde a eleição de Anthony Garotinho (PDT) para o governo do estado

— tendo como vice, Benedita da Silva (PT), também evangélica — em 1998, a

participação dos evangélicos e a associação entre o campo religioso e o capital político

dessa coligação possibilitaram a supremacia política do casal Garotinho na eleição seguinte,

assim como a ampliação das vagas ocupadas por políticos evangélicos na ALERJ297.

Bispo Rodrigues, bispo João de Jesus, pastor Almir, bispo Vieira Reis, pastor Divino, bispo

Léo Vivas, pastor Ely Patrício, bispo Caetano, pastora Edna, bispo Jodenir, Arolde de

Oliveira, Eduardo Cunha, entre outros, são alguns nomes de lideranças evangélicas locais,

eleitas para mandato parlamentar no Rio de Janeiro, em 6 de outubro de 2002. Apesar da

“onda Lula” — que repercutiu em todo o Brasil nas eleições proporcionais, possibilitando

um crescimento considerável do número de parlamentares de esquerda, principalmente do

297 Nas eleições de 2002, um dos líderes da Igreja Universal, o bispo Marcelo Crivella (PL), foi eleito para o Senado com 3,2 milhões de votos. Manoel Ferreira (PTB), da Assembléia de Deus, foi o 3º colocado, com 1,7 milhão.

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PT — as comunidades evangélicas e outros grupos sociais tradicionalmente representados

(desde militares e policiais, até funkeiros e esportistas) tentaram garantir seus espaços nas

urnas, nem sempre obtendo o resultado esperado. Nessa eleição, Garotinho recebeu

15.175.729 votos (17,87%) na disputa para a Presidência da República, enquanto sua

esposa, Rosinha Matheus foi eleita governadora do estado do Rio de Janeiro, ainda no

primeiro turno, com 4.101.423 votos (51,30%)298. O tom das disputas e a condução da

guerra política (apelidada por alguns de “guerra santa”) no estado do Rio de Janeiro foram

criticados por membros do próprio partido de Garotinho. Líderes de expressão nacional do

PMDB colocaram-se contrários à ofensiva e ao uso do discurso religioso. Jorge Gama,

apesar de tentar atenuar algumas posições do ex-governador, também fez críticas ao “estilo

Garotinho” e à própria mudança que uma figura política como a dele implicaria ao PMDB.

O projeto político do casal Garotinho foi inteiramente embasado na linguagem religiosa

que conferiu intensidade dramática à operacionalização efetuada entre liderança espiritual e

assistencialismo social. Diversos autores ressaltam o papel da assistência e do trabalho

social nas experiências de aproximação entre política e religião implementadas em diversos

estados brasileiros (Peirucci, 1989; Coradini, 2001; Oro, 2001; Conrado, 2000; Machado,

2001). De acordo com Novaes (2002), a Igreja Universal teria inaugurado o estilo, pensado

como “corporativismo de viés religioso”. Tal iniciativa, no entanto, logo foi seguida por

inúmeras outras. A Assembléia de Deus, por exemplo, esteve envolvida em projetos como

o do cheque-cidadão, implementado no governo de Garotinho no Rio de Janeiro (Machado,

op. cit.). Mais recentemente, como já mencionado, encontramos, em todo o estado, a rede

assistencialista vinculada à Fundação Leão XIII e seu uso com fins eleitorais. 298 Segundo Machado (2002), a Assembléia de Deus teve 24 candidatos concorrendo para a ALERJ (tendo eleito 5 deputados), seguidos de 18 da Igreja Batista e 17 da IURD.

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Pautar a política na assistência e prestação de favores — podendo implicar em laços de

gratidão e dívida moral — não é exclusividade das lideranças religiosas e evangélicas. Na

política brasileira encontram-se vários exemplos desta prática (Leal, 1975; Lanna, 1995;

Kuschnir, op. cit.). Se para alguns autores — como nos aponta Coradini (op. cit.) — as

preocupações dos políticos evangélicos estariam preferencialmente a “serviço da religião” e

menos voltadas para politizar as questões religiosas e/ou mundanas, para outros — como

demonstrou Machado (2002), em seu trabalho sobre políticos evangélicos na Câmara

Municipal e na ALERJ — a filantropia e o engajamento em ações sociais não se restringiria

à ética religiosa, remetendo igualmente às ocupações profissionais e à tentativa de angariar

mais poder no espaço público. Assim, a partir de um depoimento que lhe foi dado (p.291),

ela considera a existência de “[…] um círculo vicioso em que o ator religioso utiliza o

engajamento em atividades sociais da Igreja como atributo político para conseguir votos e

mais uma vez eleito privilegia as questões religiosas e assistenciais”.

Entretanto, o campo religioso na Baixada e, mais particularmente, em Nova Iguaçu,

fragmentou-se diante dos diversos interesses em jogo — os atores sociais evidenciados

nesse processo disputando não somente prestígio político, mas também o poder sobre a fé.

Nessa guerra particular, a mediação política apresentou-se sob novos aspectos e o

clientelismo — tradicionalmente utilizado para pensar as relações políticas e as instituições

no Brasil — não pôde ser acionado como critério explicativo exclusivo. Venceu Lindberg e

o projeto coletivo do PT (ao menos o do Campo Majoritário). Aglutinando e combinando

pertencimentos e interesses os mais diversos, impôs sua vitória na quase totalidade das

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zonas eleitorais de Nova Iguaçu — imprimindo efeitos também sobre outros municípios da

Baixada através de sua atuação como “porta-voz do PT” na região299.

Levando-se em conta que, na Baixada Fluminense — e, talvez, no Brasil como um todo,

nos dias de hoje — o voto evangélico pode ser decisivo, focalizamos não apenas a sua

dimensão representativa e, portanto, quantificada, mas a necessidade de adequação a um

discurso e a uma prática não mais exclusiva ou predominante do campo político. Outros

discursos religiosos também estão em cena, com pesos distintos. Os católicos, apesar da

redução no número de fiéis, têm se feito presentes, com atuações variadas300. A Teologia da

Libertação e as CEB’s reduziram sua intervenção no cenário político nacional, diante do

processo histórico de democratização brasileira que, a partir de meados da década de 1980,

ampliou a possibilidade da participação das associações de moradores, sindicatos e partidos

políticos. A própria crise do paradigma marxista como elemento estruturante e a nova

postura da Igreja Católica — sob o comando de João Paulo II e seu conservadorismo —

além da expansão do movimento dos carismáticos, redefiniram as práticas e valores

internos a essa instituição, alterando sua configuração e a própria extensão de sua

autoridade. A trajetória de Jorge Gama é ilustrativa desta situação. Sua atuação junto aos

movimentos sociais que lutavam pela casa própria em Nova Iguaçu foi decisiva para a

constituição de sua persona pública, mas a entrada em cena de novos partidos e novos

discursos acabou implicando numa ruptura com esta forma mais tradicional do fazer

político. Outro elemento a se considerar é o surgimento do que Leite (idem) denominou

299 As zonas eleitorais em que obteve maior votação foram, respectivamente, Cabuçu, Vila de Cava e Centro. A única localidade na qual Lindberg não atingiu mais do que 50% dos votos foi Austin, ficando com 48,62% (13.831 votos) do total da votação. Para os detalhes sobre os números em cada zona eleitoral, ver Anexo. 300 De acordo com Leite (2002:69-70), o número de evangélicos no estado do Rio de Janeiro passou, nos últimos dez anos, de 12,86% para 21,13%, enquanto os católicos tiveram um decréscimo de 67,65% para 57,16%.

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“redes de solidariedade e filantropia”, fundadas na ação cívica e no sentimento religioso.

Desse modo, emerge o que a autora — citando Bellah — chamou de “dimensão religiosa

pública”, baseada na relação entre compromisso e cidadania, delineando uma espécie de

“religião civil” que, de certa forma, operaria uma alteração nas fronteiras entre religião e

política (Leite, 2002)301.

Se nos trabalhos de Weber (1999 e 2004) encontramos a preocupação central com o

processo de racionalização e de desencantamento do mundo, Geertz (1997:214) nos chama

a atenção para o que isto significaria: “um mundo totalmente desmistificado é um mundo

totalmente despolitizado”. Nesse sentido, refletindo sobre o conteúdo sagrado do poder302,

sobre seus centros, as figuras dominantes e o carisma — e não exclusivamente sob formas

“extravagantes” ou efêmeras — o autor ressalta um conjunto de formas simbólicas

expressas pelo poder e por suas dimensões ao mesmo tempo morais e estéticas:

“[…] Não importa o grau de democracia com que essas elites foram escolhidas (normalmente não muito alto) nem a extensão do conflito que existe entre seus membros (normalmente bem mais profundo do que imaginam aqueles que não são parte da elite); elas justificam a sua existência e administram as suas ações em termos de um conjunto de estórias, cerimônias, insígnias, formalidades e pertences que herdam, ou, em situações mais revolucionárias, inventam. São esses símbolos – coroas e coroações, limusines e conferências – que dão ao centro a marca de centro e ao que nele

301 Em nota de rodapé, Leite refere-se à atuação do projeto Viva Rio frente à problemática da violência e sua relação com uma concepção de “religião civil”, segundo a qual “não se constrói um Estado democrático sem uma religião civil capaz de valorizar as virtudes cívicas ou o comprometimento do cidadão com a coisa pública, com o espaço comum e, por conseqüência, com os destinos das instituições políticas” (Soares et al., 1996:51-52 apud Leite, 2002:67) 302 A este respeito, Geertz (idem, p.219) ressalta que “o que faz um líder político espiritual não é, afinal, sua posição fora da ordem social, em algum transe de auto-admiração, e sim um envolvimento íntimo e profundo – que confirme ou deteste, que seja defensivo ou destrutivo – com as ficções mais importantes que tornam possível a sobrevivência desta ordem”.

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acontece uma aura não só de importância, mas, algo assim como se, de alguma estranha maneira, ele estivesse relacionado com a própria forma em que o mundo foi construído” (idem, p.219).

Sendo assim, pensar a política na Baixada como ação simbólica (Geertz, 1991[1980])

significa apreender os diversos discursos em ação – o do marketing, o da religião, o da

política, o da festa, o do espetáculo, o do capital etc. – e a teia de significados da qual faz

parte como produto e produtora. Desse modo, os projetos políticos aqui analisados

revelaram os valores e símbolos implicados numa determinada maneira de conceber o

mundo e a política, especificamente. As múltiplas possibilidades em jogo foram

evidenciadas, ora por meio dos arranjos representativos, das variáveis numéricas, ora

revelando-se na potencialidade aglutinadora do carisma de algumas personas políticas,

como as aqui apresentadas.

A eficácia de elementos simbólicos do campo religioso repercute cada vez mais no fazer

político por meio de alianças, da própria representação partidária e de uma linguagem que

privilegia uma religiosidade difusa. Não que isto possa ou vá, de fato, suprimir a dimensão

dos interesses pessoais e dos grupos, mas evidencia — a partir de um olhar atento e

minucioso — a inserção de novos atores (oriundos do campo religioso), o que vem

alterando a própria dinâmica do mundo da política, re-significando discursos e originando

uma nova gramaticalidade na qual o bem e o mal, para além de uma dicotomia restritiva,

podem ser pensados na cultura (e por que não, na política) brasileira303.

303 Pierre Sanchis (1997) pensa a ambigüidade e ambivalência, fazendo uma análise da cultura brasileira a partir da polaridade entre a cordialidade e o conflito. O autor utiliza-se do “número três” (p.225), referindo-se à ambigüidade brasileira: “uma ambigüidade que não deixa o mundo ser de modo maniqueísta dividido em

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318

A triangulação Jorge Gama – Zito – Lindberg seria então uma forma de entender a

ambigüidade constitutiva da política local. Expus nos capítulos anteriores, a partir das

trajetórias dos três políticos, as mudanças dos discursos, das bandeiras políticas, da

apresentação de si e dos projetos. Assinalei que a construção acerca do que seria o fazer

político desses atores era dinâmica. A oscilação entre o sofrimento, a violência, os estigmas

e, na outra face (pois constitutiva do mesmo!) a pertença, a novidade, a mudança pode nos

indicar por que caminhos seguir. A própria assistência (o trabalho social) é ambígua. Pode

ser usada num contexto acusatório, mas pode igualmente demarcar uma relação de dádiva

com o morador-eleitor. O político benfeitor-violento é um outro exemplo. Ao mesmo

tempo em que transita entre os pólos do bom e mau (e em muitos casos, do bem e do mal),

incorpora-os304.

O mal foi aqui trazido enquanto experiência cotidiana e não exclusivamente pensado dentro

do mundo religioso. A remissão ao conjunto de símbolos que suscita ultrapassa

delimitações de campos específicos a partir das experiências e dos processos de re-

significação do mundo social. Assim como para Novaes (1997:102) “as pessoas não se

aproximam do cenário político abstratamente ou operando apenas com a razão e com a

idéia do ‘público’. Aproximam-se, sim, levando consigo a sua vida privada, sentimentos,

paixões, afinidades pessoais, crenças religiosas, concepções sobre o Bem e o Mal.”; tentei

demonstrar também como esta interpenetração pode ser “provocada”.

‘bons’ e ‘maus’, e que também significa ambivalência dos seres, dos comportamentos, dos valores[…] Mas a mistura entre homem e natureza, entre o mal e o bem, pode ter também o seu sentido negativo. Pois a própria ambigüidade é ambígua, virtualmente ambivalente[…] É então que esta junção (mistura) ambivalente produz, ao mesmo tempo, perigo e fascínio. Ambigüidade potencial e funcional que responde à sua ambigüidade estrutural”. Outros artigos que trabalham essa ambigüidade em diferentes contextos podem são encontrados no mesmo livro. 304 Por exemplo, os meus “nativos” referem-se à Baixada sempre no singular, como já abordado no capítulo 1.

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319

Desse modo, a “guerra santa” empreendida na Baixada e no estado do Rio de Janeiro

durante as eleições de 2004 explicitaram os usos dessas concepções (Bem e Mal), mas

também evidenciaram que, no jogo político, os pertencimentos e filiações estão sempre em

movimentos, desmanchando-se e recompondo-se. Em Duque de Caxias venceu o discurso

que conciliou religião, política e trabalho social; em Nova Iguaçu, o mesmo discurso

perdeu. No entanto, a explicação não é tão simples. Vimos, nos capítulos anteriores, como a

política traz consigo a ambigüidade e a incerteza, a partir da própria avaliação acerca dos

projetos políticos bem-sucedidos e fracassados dos atores em questão. Resta-nos agora

tecer algumas considerações a respeito da construção, des-construção e re-construção

desses projetos assim como das próprias imagens (e configurações) de Baixada.

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320

CONSIDERAÇÕES FINAIS: CONSTRUINDO (E DES/ RE-CONTRUINDO) REIS,

ÍDOLOS E BACHARÉIS

Nos capítulos precedentes tentei apresentar algumas visões acerca da Baixada Fluminense,

dialogando com trabalhos mais recentes que enfocavam o “lugar” de maneira mais o menos

sistemática para mapear algumas práticas e discursos sobre a política a partir da análise das

trajetórias de três políticos profissionais. Retomarei agora algumas questões tratadas ao

longo desta tese.

Sendo assim, a primeira questão em que esta tese se debruçou foi como pensar a Baixada

Fluminense frente às múltiplas possibilidades que comporta e aos distintos processos de

identificação a ela vinculados. Utilizar-se do plural — marcando sua heterogeneidade —

seria a melhor solução? Mas por que, então, as pessoas/ moradores permanecem referindo-

se à Baixada, no singular? Por que ainda faz sentido enunciar sua suposta condição (ou

possibilidade) de unidade?

“A Baixada não existe. É uma ilusão” (Freire, op.cit., p.95). A afirmação que foi feita pela

bibliotecária da Fundação CIDE à Freire (idem)305 — motivada pela escassez de dados

oficiais sobre a região — me fez pensar como algo poderia não ter “existência” e mesmo

assim marcar tantas experiências...

Inseridos neste debate e com a preocupação de não forjar uma ordem (no sentido de

ordenação criada pelo pesquisador) ao escolher um recorte frente à sua multiplicidade e não

305 Na página 96, Freire declara não ter dúvidas quanto à existência da Baixada, justificando o uso das aspas como remissão às falas nativas, transcrição de palavras alheias. Para a autora, a Baixada “é uma região, ela é também um recorte mental, um quadro cognitivo que se elabora através de um trabalho intenso de significação problemática, e que possibilita precisamente um movimento de um [eu] para um [nós], de uma ascensão de problemas singulares para problemas gerais e públicos, em determinadas situações”. Em outra passagem do texto (p.106), a autora insere a discussão sobre a problematização pública do que seria a Baixada, ressaltando a construção de um “nós”, um coletivo referenciado ao lugar. É neste ponto que a definição da autora caminhará na direção que esta tese pretende seguir.

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321

apenas ao que tem de comum, o desdobramento dessas primeiras indagações fez-nos

questionar sobre o que teria mais rendimento para o trabalho: a categoria que se relaciona

com o estigma? As imagens positivas? Os discursos dos moradores? Os discursos sobre os

moradores? A “fala” institucional (do estado, da prefeitura, das secretarias)? O que nos

dizem os movimentos sociais?

Nosso esforço deu-se no sentido de pensar a Baixada Fluminense a partir da “significação

afetiva” presente nos discursos diversos de seus atores sociais sobre o “lugar” e seus

moradores. Grosso modo, retomando a própria dimensão de comunicação e de

intersubjetividade do espaço, apontamos para a ambivalência dos sentimentos de pertença e

de imputação de um pertencimento (da identidade de “morador da Baixada” dita pelos “de

fora”, por exemplo) que simultaneamente funde e rejeita; que estabelece um delicado

equilíbrio entre os fluxos: o movimento e a (des/ re)territorialização do (seu) mundo306.

Esse aspecto duplo (e ambivalente) evidencia-se igualmente nas metáforas da ponte e da

porta utilizadas por Simmel para falar da cidade e do urbano, de forma mais ampla307. Uma

ordem simbólica que expressa, de formas variadas, a abertura e o fechamento, a ligação e a

ruptura. Não me parece factível falarmos numa “identidade baixadense” stricto sensu, e sim

em processos de identificação que remeterão à criação — assim como à dissolução e

recriação — de espaços de significação. Pensar apenas nos limites territoriais dos

municípios ou na configuração das próprias fronteiras da Baixada significaria reificar algo

estático, o não-movimento, negando a fluência como constitutiva dos processos de

identificação locais. A “frouxidão” desses limites, do trânsito constante desses moradores

306 Deleuze (1992). 307 Simmel (1983).

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reinventa este “espaço”. Sendo assim, a Baixada apresenta-se como coleção de lugares308,

conforme nos sugeriu Enne (op. cit., p.37), o que implica um sensível partilhado, uma

experiência comum que em maior ou menor escala marcou a ocupação, o crescimento e as

imagens da região (para dentro e para fora), corroborando por fim um ethos local, assim

como marca relações e representações nos contatos mistos sobre quem são esses

moradores, quais seriam suas características etc309.

Detendo-me mais especificamente na definição de Asa Briggs (1985) — e, desse modo,

corroborando grande parte das conclusões de Enne (op.cit.) — a Baixada constituiria um

lugar na medida em que permitiria uma vivência comum, compartilhada assim como suas

ambigüidades e ambivalências.

“Verbal as well as visual accounts are usually far more relevant than architect’s photographs or planners’ models, wich not only leave out but often misrepresent. [...] The sense of place, indeed, as expressed in words and pictures encompasses feelings that particular places are nasty as well as beautiful, hateful as well as lovable.” (idem, pp. 95).

Reforçando tal vivência com imenso potencial transformador — e não restrito aos

moradores da Baixada — enquanto uma experiência sobre o espaço e a partir deste, o

trânsito é apreendido como uma constante nas vidas dessas pessoas. Por outro lado, se o

“morador” é uma auto-denominação, também é uma classificação externa a partir de

referenciais outras que não exclusivamente as tomadas por quem é “de dentro”.

308 “I regard places, as Susanne Langer does in her Feeling and form, as ‘creative things’, ‘ethnic domains made visible, tangible, sensible’. In this connection, a ship, constantly changing its locations, is nonetheless a self-contained place, and a gipsy camp is far different from an Indian camp, although geographically it may be where Indian camp used to be. Given this approach, it is essential to reiterate that cities are collections of place as well as places in themselves. While there has been only one Paris, one Rome, one New York, one London – t go back to the great quartet identified by Pritchett – each of these cities in itself has been a collection of distinct places, each with its own ecology and history, sometimes with its own sub-culture.” (Briggs, 1985:90). 309 Utilizo ethos no sentido empregado por Geertz (1989).

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323

A idéia de trabalhar com as diversas imagens sobre Baixada não delimita uma dicotomina

fixa entre os “de dentro” e os “de fora” mas, ao colocá-los em cena, traz à tona como essas

relações se constituem e compõem as próprias representações sobre o “lugar” em um fluxo

de imagens e discursos que tem como enunciadores os mais diferentes atores sociais:

moradores da Baixada, moradores do Rio de Janeiro, políticos, lideranças de movimentos

sociais, jovens ligados ao hip hop, músicos, historiadores locais, evangélicos, católicos,

umbandistas, meios de comunicação, técnicos, projetos urbanísticos. Essa lista poderia se

alongar indefinidamente.

O caso de Paracambi seria paradigmático no que diz respeito à demarcação de suas

(possíveis) fronteiras. Numa delimitação mais ampla da Baixada (essencialmente ligada a

discursos e projetos políticos) a cidade é incluída, estando, no entanto, ausente de um

número significativo de referências sobre a região. Costuma-se afirmar — como nos

trabalhos de Monteiro (op. cit.) e de Enne (op. cit.), por exemplo — que as características

de Paracambi (assim como Magé e Guapimirim) estariam mais próximas daquelas

verificadas em cidades da zona rural ou do interior do estado do Rio de Janeiro. No entanto,

a despeito de peculiaridades no processo de ocupação local, o processo de urbanização da

cidade esteve vinculado à atividade industrial — fundamentalmente de duas indústrias: uma

têxtil e a outra siderúrgica — conformando, de alguma maneira, contornos de uma cidade

operária que ainda hoje guarda em sua memória marcas desse passado310.

310 Um dos lugares de memória da cidade é, por exemplo, o prédio no qual funcionava a indústria têxtil Brasil Industrial — que, anos após seu fechamento, foi transformado em universidade (durante o primeiro mandato do prefeito André Ceciliano - PT). Sobre a história da indústria têxtil em Paracambi ver Keller (1997).

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A condição de cidade-dormitório311, anteriormente mencionada, também é uma

característica comum a outros municípios da região, implicada no trânsito constante de seus

moradores para trabalhar, estudar, ou ainda divertir-se. No entanto, no tocante aos de

processos de identificação, os moradores de Paracambi preocupam-se, em parte, em

desvincular-se da pecha de “ser da Baixada” — identidade não substituída necessariamente

por outra local, como a de paracambiense, por exemplo. Sendo assim, na tentativa (ainda

que suavizada nos discursos atuais) de negar uma provável relação ou aproximação com a

Baixada, as falas nativas remetem, em geral, aos seguintes aspectos: “aqui, não tem

violência, diferente de...”, “aqui, a gente dorme de porta aberta”, “aqui, todo mundo se

conhece”. Apesar da pertinência de tais afirmações, não podemos desprezar a presença de

policiais-matadores na localidade, os trens que buscam meninos e meninas para levá-los

aos bailes funk ou aos cinemas em outras cidades da Baixada ou no Rio de Janeiro, ou ainda

que os filhos das camadas médias locais estudam em Nova Iguaçu, por exemplo, ou na

capital carioca ou, ainda, nas universidades particulares espalhadas pela região312 e, por

último, que a Posse, para alguns e o Fátima, para outros, são os hospitais geralmente

311 Tal característica (ser um “lugar” formado por cidades-dormitórios) foi apontada por alguns dos interlocutores de Freire (2005) como uma das causas, senão a principal, para a falta de conscientização política (de atuação política e de projeto compartilhado) e da cautela em se falar numa “identidade de Baixada”. “Aqui é por excelência um local dormitório. Acho que isso inclusive é o que dificulta a percepção mais consciente da identidade da Baixada Fluminense.” (idem, p. 112). Mais à frente, no mesmo trabalho, a autora retoma a questão e demonstra, por intermédio de dados do Instituto Pereira Passos e do IBGE, que os dados sobre as razões dos moradores da Baixada para seus deslocamentos não seriam precisos para tal análise visto que analisam a proporção de pessoas que estudam ou trabalham nos municípios em relação as que estudam ou trabalham no estado do Rio de Janeiro. Diante desse fato, Freire (p.131) monta sua própria tabela na qual também evidencia o intenso fluxo de pessoas, agora suavizado pelo incremento no funcionalismo público da região, devido às emancipações levadas a cabo a partir da década de 1990. O termo “cidade-dormitório” passaria então a ser utilizado, a partir de um certo momento, como categoria acusatória, já que na própria gramática política dos interlocutores da autora — e também dos meus — ele já estaria em desuso. 312 Dentre as principais universidades presentes na Baixada Fluminense, temos: UNIG (Nova Iguaçu e São João de Meriti), Estácio de Sá (Nova Iguaçu e Queimados), UniAbeu (Belford Roxo), UniGranrio e FEUDUC (Duque de Caxias).

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freqüentados pelos paracambienses etc313. Caso contrário, estaríamos subestimando o

sentido do trânsito na vida dessas pessoas. E ele está presente em suas próprias narrativas

— como lamúria e / ou como projeto (no primeiro caso, do trabalhador que lamenta a

rotina diária da “viagem” e do cansaço; no segundo, na “vontade de sair”, de “mudar”, de

“descer”314)315. Recorrentes são também essas imagens de “cidade de interior” ou do “lado

bom” dispersas por outras tantas falas de moradores de diferentes cidades da Baixada,

como ilustram alguns de meus interlocutores e demais moradores entrevistados :

“‘Aqui, as pessoas são mais próximas. Mais carinhosas’, são frases que podem ser ouvidas com freqüência” (Costa, op. cit., p.46). “Eu saio pra trabalhar em paz porque eu deixo as crianças com minha [filha] mais velha [13 anos] e sei que Dona Minda [a vizinha] sempre dá uma olhada pra ver se tá tudo bem com os menino[s][...] Volto só mais de noitinha porque tenho que pegar o trem das seis [da noite]” (M., 39, empregada doméstica, moradora de Austin).

O que pretendo ressaltar é que mesmo sendo a negação, a tônica de alguns discursos, a

sensação de pertencimento ao lugar é parte constitutiva da auto-imagem desses moradores

que, nos últimos anos — talvez até mesmo por conta da mudança do estatuto do lugar nas

mídias (impressa e televisiva) — vêm alterando e reinventando seus processos de

identificação com relação à Baixada.

313 É importante destacar que, apesar de não dispor aqui de dados sobre violência na cidade, a sensação de insegurança tem sido uma constante nos discursos dos moradores que costumam alegar que “a cidade mudou”. Notícias ou boatos sobre mortes violentas (assassinatos, estupros etc.) e sobre tráfico de drogas têm preocupado os moradores e demarcado de forma mais explícita segregações socioespaciais antes mais ou menos matizadas nas falas locais (com relação aos bairros de Lajes e do Guarajuba, por exemplo, que durante as eleições de 2004 protagonizaram a exacerbação de antagonismos e preconceitos locais na polarização de candidatos ligados, de um lado, ao que se chama Paracambi (bairros centrais) e, de outro, a Lajes). 314 Os moradores de Paracambi costumam referir-se às idas ao Rio de Janeiro como “descer”. “Eu desço todo dia pra cidade. Pego o Normandy [nome da empresa de ônibus que opera a linha Vassouras-Rio] às 6 horas e só chego aqui lá pelas 9, às vezes, 10 da noite” (Relato de um morador da cidade que trabalha em um grande banco privado no Centro do Rio de Janeiro). 315 Para pensar a importância do conceito de projeto, consultar Velho (1994).

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“Paracambi [es]tá na Baixada, mas aqui é bem diferente. Aqui não tem a violência da Baixada. A gente sabe o que acontece com todo mundo; isso às vezes até irrita a gente, mas dá calma porque a gente sabe em quem pode confiar, né? Sabe que [es]tá todo mundo de olho, mesmo” (C., 34 anos, separada, técnica em enfermagem, moradora do bairro Fábrica, em Paracambi). “Eu gosto muito daqui. Aqui, é o fim da linha do trem. Antes, tinha direto pro Rio, mas foi coisa da política; durou só pra mostrar e ganhar votos [referindo-se ao deputado estadual Délio Leal] e depois parou. O trem é bom, mas às vezes é ruim porque qualquer um pode parar aqui; é fácil pra chegar. Agora tem que parar em Japeri. Ficou pior porque a gente tem que esperar o trem pra cá e demora. Se você perde, fica um tempão esperando o outro. Mas também, agora, tem ônibus da Normandy, né? Mas eu prefiro o trem. Eu levava os filho[s] de trem pra Nova Iguaçu pra ir no cinema. Domingo era calmo. Aqui não tinha [cinema], teve um tempo, depois voltou, agora acabou de novo” (P., 61 anos, funcionário aposentado da Brasil Industrial). “Hoje em dia, a Baixada é um lugar melhor. Paracambi, mesmo, agora tem faculdade, vai ter colégio técnico, tem escola de música pros meninos. Essas coisas, né? Mas a cidade tá falida desde que a fábrica fechou, faliu; ninguém tem dinheiro. Você não vê essa vergonha de férias coletivas e reduzir salário do pessoal da Maria Cândida [outra empresa local]” (J., professora primária aposentada, moradora do bairro Cascata).

As categorias contraditórias utilizadas nos processos de identificação na Baixada não são

exclusividade dos municípios de Paracambi, Seropédica, Itaguaí, Magé e Guapimirim316.

As imagens sobre o “lugar” nos remetem, por um lado, à violência, à pobreza, à

criminalidade, ao abandono e, por outro lado, ao “todo mundo se conhece”, “aqui as

pessoas são mais solidárias”, ou ainda, “celeiro cultural” (Costa, op. cit, p.42). A oscilação 316 Um exemplo bastante ilustrativo dessa ambigüidade refere-se ao fato de que os moradores de Paracambi sentiram-se lesados quando a emissão do canal da Rede Globo de Televisão foi alterado, pois a recepção passou a ser realizada pela região Sul Fluminense, alterando a programação de telejornais. Segundo laguns moradores, as notícias não abordavam “a realidade da gente”. Nessa época, há cerca de quatro anos atrás, as relcamações eram constantes e, alguns preferiram adquirir TVs por assinatura para assistirem a programação da Globo para o Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense.

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entre um pólo e outro expressa o lugar de onde se fala, ou seja, a territorialização operada

no momento da enunciação do vínculo de pertencimento. A característica, mais ou menos

fluida, escorregadia, da assunção deste vínculo é, nesse sentido, marca do próprio trânsito

dos indivíduos pelos diferentes grupos sociais e “mundos” aos quais pertencem. Ou seja, a

inserção no lugar é assumida, ao mesmo tempo em que se procura desvincular de

associações recorrentes na imprensa, nas falas de moradores de outras regiões — os

cariocas, por exemplo — entre outros.

Ao pensarmos a Baixada a partir da idéia do trânsito e da fluidez de classificações, lhe

conferimos um morar no sentido e explicitamos o repertório cultural e o campo de

possibilidades de que dispõem os atores sociais para nomeá-la como melhor lhes aprouver

(Velho, 1994).

Nesta tese especificamente, a categoria Baixada Fluminense foi tomada para compreender

em que medida os discursos e práticas que a informam e formam estão invariavelmente

ligados à política. Enfatizando o aspecto profissional da política a partir de atores eleitos

por sufrágio universal, recaímos na dimensão de poder imbricada nessas relações. O poder

pode ser entendido, segundo Weber (1999:175), “genericamente, [como] a probabilidade de

uma pessoa ou várias impor, numa ação social, a vontade própria, mesmo contra a oposição

de outros participantes desta.”. Desse modo, a noção de dominação está implicada na

definição de poder já que aquela é uma modalidade desta. Na tentativa de descrever as

formas de dominação e do exercício do poder no lugar Baixada, recorremos aos projetos,

individuais e coletivos, procurando apreender os sentidos das práticas políticas ao longo

dos anos, justificando em parte a escolha por trajetórias que demarcam “tempos” (que não

são estanques, mas que podem coexistir) para essas práticas, assim como as referências

simbólicas das formas de agir.

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Os projetos políticos apresentados demonstraram a tentativa de que a Baixada, enquanto

um “lugar de política”, também fosse ampliada para além das fronteiras da política

institucional e compreendida na medida em que dá sentido à ação social dos moradores (via

rede de resolução de problemas práticos, por exemplo). As alternativas criadas por eles

manifestaram uma leitura a partir da “política dos outros” (Caldeira, 1984) e a possibilidade

de reconhecer-se enquanto ser político. Mas na busca pela reinvenção de uma cidadania, os

mundos se encontram e, inevitavelmente, se interpenetram. De um lado o mundo do

morador da Baixada e, de outro, o mundo da política que em muitos momentos é visto

como parte constitutiva de “ser da Baixada” (novamente a rede de resolução de problemas

práticos assim como as arenas públicas construídas pelos movimentos sociais) e, em

outros, como a imposição de projetos de redes políticas que subordinam os interesses locais

a interesses de grupos específicos ou mesmo individuais.

Os políticos, como os moradores da Baixada de forma geral, também estão em trânsito.

Talvez sua própria condição resulte numa maior visibilidade deste deslocamento que, em

alguns casos, acaba por configurar uma acusação (“ele nem mora aqui, na Baixada”317) e,

em outros, um valor (“ele veio de fora, mas sabe do que a gente precisa. É um rapaz

viajado, experimentado, de conhecimento”318).

Os projetos políticos individuais (que em alguns momentos aglutinam interesses e

constituem projetos coletivos), ao demandarem uma busca constante por aliados e eleitores

— e apesar de tradicionalmente procurarem montar “bases eleitorais” com dimensões

territoriais mais definidas — são imprescindíveis para compreendermos o fluxo contínuo a

317 Acusação corriqueira de alguns moradores da Baixada a políticos locais. Tais acusações são corroboradas pelos adversários e por jornais que noticiam o fato de alguns candidatos terem casas /apartamentos fora da região. 318 Relato de um morador de Nova Iguaçu, justificando seu apoio ao candidato do PT, Lindberg Farias, nas eleições municipais de 2004.

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que estão submetidos. Desse modo, se tal fluxo remete a espaços (bairros, regiões mais

amplas como Zona Sul, por exemplo), o mesmo pode ser dito com relação aos bens

simbólicos, aos vínculos de reciprocidade, ao trânsito institucional, à mediação política e

cultural que alguns atores desempenham ao longo desse processo (Kuschnir, 1993 e 2000).

Neste caso em particular, a ausência reiterada do Estado e a transferência/ delegação de

algumas de suas funções a indivíduos e grupos possibilitaram que a personalização fosse a

tônica da política na Baixada. Sendo assim, para além dos partidos e siglas o que parece

predominar no “fazer político” da região são as alianças, mais ou menos duradouras, entre

interesses individuais e de grupos que culminam na formação de redes políticas,

ultrapassando os limites locais. Foi este o caso de Tenório Cavalcanti, de Fábio Raunheitti

e, mais recentemente, de Bornier — além de ser o projeto diversas vezes anunciado de Zito.

Nesta tese, os três porta-vozes autorizados e investidos foram escolhidos para que

pudéssemos refletir sobre as possibilidades da adesão (a) ou imposição de projetos

específicos. Cada qual em um momento singular na sua carreira política. Interessa-nos

agora voltar à constituição da “autoridade” desse atores. Com este propósito, lidamos a

todo tempo com as imagens, a publicidade e a opinião pública acerca dos atores políticos

tratados. No entanto, não se pretendeu em momento algum fazer uma análise da

propaganda stricto sensu. Tentamos minimizar a idéia da dominação pela persuasão e

manipulação, para compreender os usos e sentidos das imagens empregadas sobre e pelos

políticos durante suas trajetórias enquanto parte constitutiva de si. Desse modo, a

propaganda política319 pôde ser abordada, através do momento da eleição de 2004, tendo

319 É interessante perceber que, apesar de Burke (1994, p.16) apreender a propaganda moderna também como produto das técnicas de persuasão que remontam ao século XVIII, seu olhar é diferente do dos autores que buscam explicar o marketing político essencialmente por essa possibilidade e pela manipulação, voltando o olhar para a idéia da conversão (no sentido cristão).

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em vista sua dimensão de “venda da imagem”, mas também vinculada ao caráter de

reinvenção constante do político, como o seu “modo de ser político”. O político é um ser

público por excelência. Portanto, ao refletir sobre as imagens (individuais e públicas)

desses atores podemos decifrar em que medida é possível “a fabricação de um grande

homem” descobrindo o que as imagens dizem, para quem, por que meios e com que

intenções (cf. Burke, 1994).

A construção das personas de Jorge Gama, Zito e Lindberg Farias buscou torná-los, em

escala diferente, “homens excepcionais”, ou melhor, visaram os projetos para se tornarem

“grandes homens”. No processo de fabricação de suas imagens, retomaremos alguns

episódios e as idéias de cena e palco políticos.

A idéia da dramaticidade e teatralidade das relações sociais pode ser bastante útil para uma

análise sobre o mundo das práticas políticas e, fundamentalmente, da construção de

personas públicas.

Do estudante cara-pintada que tinha a caldeirada de frutos do mar como o seu prato favorito

e nenhuma intenção de entrar na política em 1992320; ao cabo-eleitoral do PT na Baixada,

pai de família que agora prefere arroz, feijão, bife e salada321. Quem é esse Lindberg que se

apresentou como a nova opção, como o herói que resgataria Nova Iguaçu das garras de uma

elite política descompromissada com “o povo”?

Como já foi demonstrado, Lindberg esteve próximo do mundo da política desde muito

jovem, quer pela influência de seu pai, quer pela sua inserção no movimento estudantil. Seu

carisma pessoal foi colocado à prova desde suas primeiras iniciativas políticas e

demonstrado com distinção durante a eleição municipal em Nova Iguaçu. Um jovem,

320 Jornal do Brasil, 13/09/1992. 321 O Dia, 10/10/2004.

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bonito e eloqüente que prometia trazer o novo, transformar a cidade. Lindberg era o

outsider que traz um pouco do mundo e que ao mesmo tempo seria capaz de colocar a

Baixada no mapa político nacional. Seria aquele que transformaria a Baixada no cenário

possível da saga de um herói que não precisa mais de uma identidade una, mas que opera

com a multiplicidade dos processos de identificação, com a fragmentação e complexidade

de um mundo cujas fronteiras estão em expansão.

Apoiado em um “discurso de esquerda” durante toda a sua trajetória, agregou às suas

características (já que o carisma é pessoal, lhe é próprio ao mesmo tempo em que é

atribuído e reconhecido) a explicitação de uma ideologia político-partidária que, no entanto,

foi se alterando (PCdoB, PSTU, PT), mas nunca se desligou de uma postura “de esquerda”

(por mais que em alguns momentos tal postura fosse questionada, como demonstrado no

capítulo 4). Criticou duramente a “oligarquia local” e a “política dos coronéis” procurando

mesclar a associação de seu nome a projetos “novos” como o tema da ecologia, da

qualidade de vida, aos problemas tocados comumente sobre educação, saúde etc. Com

afirmações como: “Temos um patrimônio histórico tremendo. Mas o maior problema em

Nova Iguaçu é o saneamento. 51% do município é um valão a céu aberto. Não existe

nenhuma estação de tratamento”322, Lindberg Farias garantia a legitimidade, já que

reconhecia os “problemas reais” enfrentados pelos moradores da cidade, assim como falava

de uma “outra” Baixada, ligada à cultura, à história, à música.

Criando um sistema de visibilidade através de atos constantemente noticiados pela

imprensa e de um investimento maciço em sua assessoria de comunicação, Lindberg

aproveitou todas as oportunidades e promoveu algumas. Explorou o apoio recebido da

322 Jornal do Brasil, 15/05/2005.

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332

executiva nacional do PT e as visitas de ministros, políticos de destaque e artistas323. As

polêmicas foram outra fonte de visibilidade. E se multiplicaram durante todo o período

eleitoral e mesmo no início de seu governo. A transição do governo Mario Marques para a

administração petista deu o que falar. Acusações recíprocas e sindicâncias. A “importação”

de pessoal técnico da equipe da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy só fez aumentar as

rivalidades. Durante os primeiros meses de seu mandato o fechamento da pedreira em Nova

Iguaçu foi acompanhado pela imprensa local e pelos jornais cariocas O Globo, JB, Extra e

O Dia. A ecologia, que já havia sido um dos motes da campanha, ganhava força com o

parque do Tinguá. O assassinato de um ambientalista novamente colocava a cidade e o

prefeito sob os holofotes. Lindberg acompanhou o enterro em um bairro do subúrbio

carioca e prometeu esclarecer o crime324.

A cidade e Lindberg figuravam freqüentemente em matérias de jornais durante o primeiro

mês de 2005. Nesse período as notícias tratavam da transição política e dos problemas

enfrentados pelos novos administradores dos municípios da Baixada, com ênfase para Nova

Iguaçu e Duque de Caxias. Passada essa etapa, houve uma diminuição do número de

323 Quando me refiro aos artistas, não menciono apenas os cantores que estiveram nos showmícios, mas ao apoio em alguns casos mais em outros menos explícitos e declarados. Ziraldo, escritor e cartunista, por exemplo, foi um dos “entrevistadores-comentadores” de uma entrevista do JB com Lindberg intitulada Levantando a auto-estima da Baixada. Nessa entrevista (com tom de bate-papo), a participação de Ziraldo, assim como os seus comentários, já garantiam um estatuto diferenciado à Baixada e ao prefeito de Nova Iguaçu. Em uma de suas intervenções, após uma fala do prefeito petista sobre a pedreira, Ziraldo diz: “Que vai virar agora um centro cultural, com orquestra sinfônica tocando, no centro da cidade, que nem Jaime Lerner fez em Curitiba! Vai ser o mais belo anfiteatro do mundo! Tem uma reverberação fantástica! (percebe seu excesso de elogios e pergunta) Você não quer me contratar como assessor de imprensa? (risos) É que eu me entusiasmos com essas coisas! Imagina se alguém me desse, eu com 34 anos, uma cidade pra eu governar? Eu ia enlouquecer!” (JB, 15/05/2005, pp. B6) 324 Palmeira e Heredia (1997) já chamavam a atenção aos lugares públicos privados. Os enterros seriam assim momentos importantes de demonstração de generosidade durante o período eleitoral. No caso de Lindberg, tal período já havia passado, no entanto, como os limites do tempo da política são difíceis de determinar, o prefeito petista, sendo um outsider, aproveitou tal situação para estreitar laços, assim como criar novos que pudessem ser traduzidos em apoio e visibilidade políticos. É interessante ressaltar que eu estava em Nova Iguaçu no dia desse enterro e conversava com uma pessoa próxima a Lindberg quando este telefonou indignado, pois não havia sido entrevistado ainda e solicitou a esta pessoa que tentasse “conseguir” uma matéria.

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matérias, mas o prefeito petista jamais saiu de cena. Ainda naquele primeiro semestre, em

31 de março, outro episódio levaria Nova Iguaçu e a Baixada para a mídia nacional: a

chacina de 29 pessoas em um só dia nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados. No

início da noite daquela quinta-feira, em um intervalo de duas horas, essas pessoas foram

assassinadas em frente às suas casas; algumas em bares e outras voltando do trabalho. Entre

elas, também havia crianças325.

Apartada da imprensa como matéria principal desde fins dos anos de 1990, a associação

entre Baixada e violência era então retomada a partir desse drama, somada à atuação de

policiais-matadores326. Conforme já demonstrado, os grupos de extermínio parecem ter uma

relação bastante estreita com o poder público, a política local e os comerciantes, permeando

também o aparelho judiciário, refletindo por muitos anos na estrutura de poder dos

municípios da Baixada Fluminense e não somente de Belford Roxo e Duque de Caxias

como privilegiamos em capítulos anteriores.

A temática dos extermínios voltava à cena, agora fora do ritmo cotidiano, alardeando a

situação de insegurança vivida pela população local e a indiferença às suas vítimas. Essa

tragédia, no entanto, foi ressignificada e a imagem do prefeito e de sua atuação nesse

“caso” foram exaltadas. Sua participação junto às organizações civis, seu diálogo com o

325 Parentes das vítimas e organizações civis mobilizaram-se e fundaram um fórum de discussões, o Reage Baixada, que exigiu dos governos estadual e municipal providências sobre a chacina. 326 De acordo com os dados da pesquisa coordenada por Silvia Ramos e Anabela Paiva pelo CESeC sobre violência e segurança pública constantes no relatório Impunidade na Baixada Fluminense (2005), das 2.514 matérias analisadas nos jornais O Dia, O Globo e Jornal do Brasil; Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e Agora São Paulo; O Estado de Minas,Diário da Tarde e Hoje em Dia, no período de maio a setembro de 2004, 48,2% referem-se ao estado do Rio de Janeiro e apenas 66 (5,6%) referem-se a Baixada, fundamentalmente relacionando-se a atos violentos e a sua repercussão, enquanto o . Dos jornais pesquisados, O Dia é o que confere maior destaque à Baixada (60%), seguido de O Globo (22,7%) e Jornal do Brasil (com duas matérias). Quanto aos temas, as ações policiais representam, segundo as autoras, 65,2% das notícias, onde 30,5% referem-se a crimes cometidos pelos policiais. Os dados dessa pesquisa ilustram as afirmações de Enne (op. cit.) sobre o decréscimo no número de matérias sobre violência na Baixada em relação ao Rio de Janeiro, mas, por outro lado, chamam a atenção para o fato de que tais problemas apesar de terem saído da mídia não deixaram de fazer parte do cotidiano dos moradores da Baixada, conforme pudemos notar com a tragédia dessa chacina assim como afirma Alves (2003 e 2005).

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fórum Reage Baixada, sua proximidade com o governo Lula e com o Ministro da Justiça

Márcio Thomás Bastos garantiram a Lindberg operar uma conversão entre a “matança” e a

“mudança”: “Há uma rejeição aos negócios de gangsterismo ligados à política e à polícia.

A chacina em Nova Iguaçu vai resultar numa série de mudanças. A Baixada inteira gritou:

‘Nós estamos aqui presentes’. É um momento de transição” (JB, 15/05/2005, B6).

Analisando as matérias utilizadas nesta tese, não nos preocupamos em definir de que lado a

imprensa (se é que podemos tratá-la no singular!) se colocou. Tentamos ponderar,

fundamentalmente a partir da imprensa escrita e da on line, como Lindberg Farias era

apresentado aos leitores desses jornais. Grosso modo, a despeito da pseudo imparcialidade

da notícia - cujas críticas Abreu (2002) levantou justamente sobre o caráter de bem

simbólico assim como econômico, frente à competitividade entre jornalistas e os vários

tipos de mídia – Lindberg conseguiu notável visibilidade durante 2004, em matérias que o

colocaram como “o novo”, “uma opção”, ressaltando qualidades pessoais (disposição,

beleza, carisma, determinação). Mas também recebeu algumas críticas, essencialmente

relacionadas a fatos de repercussão nacional como a demarcação das terras indígenas, a

votação do salário mínimo ou a reforma da Previdência.

Ainda na mesma linha de Abreu (op.cit.), os jornais diferiram pouco em relação ao

posicionamento sobre a candidatura petista, variando de uma apresentação do forasteiro à

saudação do novo e consagração do “ídolo”, corroborando a afirmação da autora de que “o

resultado é que a informação quotidiana divulgada pelos diferentes órgãos de imprensa está

se tornando cada vez mais igual.” (p. 36)327.

327 Segundo a autora (idem), a outra explicação baseia-se no fato de que, analisando as trajetórias de profissionais de imprensa, percebeu-se a formação de uma “cultura jornalística compartilhada”, onde os profissionais em cargos mais altos na hierarquia de jornais apresentam uma formação comum e são eles que

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Entre as brigas internas, as denúncias de irregularidades deferidas ao antecessor, Lindberg

também teve papel de destaque como Presidente da Associação de Prefeitos da Baixada

Fluminense. Logo após a sua eleição e a escolha de seu nome como Presidente da

Associação, tentou, sem sucesso, marcar duas reuniões entre os prefeitos eleitos da Baixada

e o Presidente Lula. Após as duas tentativas frustradas, e diante das críticas de alguns de

seus pares, os prefeitos foram recebidos em Brasília e expuseram os problemas que

enfrentavam à frente de seus executivos municipais. Já em 2006, além de tornar-se o porta-

voz dos prefeitos devido ao canal, aparentemente sempre aberto com o governo federal,

Lindberg trabalhou pela instalação do pólo petroquímico em Itaguaí, o que significaria

maior crescimento para a região e mais empregos. No entanto, a cidade de Itaboraí,

próxima à São Gonçalo, Niterói e à cidade do Rio de Janeiro, e que tem um prefeito do PT,

foi a escolhida. Perdeu o projeto de políticos da Baixada assim como o dos políticos ligados

a Garotinho que defendiam sua instalação em Campos. Entre suas iniciativas, Lindberg

promoveu também o Fórum Mundial de Educação em Nova Iguaçu, garantindo novamente

mais visibilidade nacional para si e para a Baixada e que lhe rendeu, como já mencionado,

matérias jornalísticas e um programa no Almanaque, na rede Globo News.

Quanto à promessa de “mudança” que permeou toda a sua campanha, não há como

apresentar conclusões acerca das possibilidades representadas pela escolha de seu nome nas

urnas em 2004. As alianças que construiu para a viabilidade de sua candidatura levantam

dúvidas. Até que ponto a sua eleição vai significar uma mudança na condução da política

na região ou mesmo imprimir um novo estilo de fazer política, a partir do discurso “de

esquerda”, é uma questão ainda sem resposta.

definem o que deve ou não ser noticiado. Há ainda a questão da concorrência e da influência do marketing na formação da opinião pública.

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Quanto a Zito, talvez a sua “transformação” seja ainda mais surpreendente. No início da

vida pública, era um homem considerado rude, intimidador, que não sabia se expressar

adequadamente em público (avesso à oratória política). Para algumas pessoas, um homem

“que dava medo!”. O tipo físico auxiliava na construção dessas imagens. Alto, forte, com

os cabelos sem corte e bigode. A entrada no mundo da política e os “encontros” propiciados

por sua inserção como vereador nesse mundo lhe renderam um controle (gradativamente

conseguido) sobre sua apresentação e o cuidado com sua imagem, que até então não parecia

figurar entre suas preocupações, afinal de contas seu ingresso na política foi justamente sob

a construção muito próxima do líder marginal.

Zito emagreceu, cortou o cabelo, tirou o bigode e a barba estava sempre feita. O vestuário

também se adequou. Os ternos e as camisas sociais substituíram as de malha. Entretanto, na

fabricação de sua imagem a preocupação com a manutenção do vínculo de pertencimento

com os moradores de Caxias ficava explicitada na opção por um estilo, senão mais

simplório, casual. No dia a dia, a calça jeans, a camisa de malha (que agora era “de marca”)

e o tênis tornaram-se o uniforme do prefeito Zito.

Considerado um “Zé ninguém” no início de sua carreira política, conseguiu aproximar-se

de Marcello Alencar a partir do mandato de deputado estadual (apesar de ter sido

apresentado a este quando ainda era vereador). Este, político experiente e muito bem

articulado, viu em Zito um poderoso aliado na Baixada, já que em Duque de Caxias Zito

gozava de grande prestígio e tinha um estilo que poderia lhe render frutos políticos. Unindo

o atendimento (exercido segundo Zito apenas durante o primeiro mandato como vereador,

mas desmentido por sua filha a deputada Andréia Zito), aos acessos, à intimidação (de fato

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ou imputada, mas que figura entre as imagens difundidas sobre sua persona328) e a sua

atuação como administrador, Zito conseguiu ampliar seu poder e prestígio políticos e ser

intitulado o “rei da Baixada”.

O troca-troca de siglas partidárias realizado por Zito também foi sua marca. Sua

“fabricação” não se apoiou em qualquer filiação e seu discurso político não estava

impregnado do discurso ideológico associado a partidos. A força da “personalização"329 na

política pode ser analisada a partir desta trajetória e reflete, de alguma maneira, a

pertinência de se atentar para a problemática dos partidos políticos no Brasil. A

personalização da política, diferentemente do que alguns autores chegaram a pensar, não foi

suprimida ou relevada à segunda ordem em relação aos partidos políticos. A volatilidade

eleitoral no Brasil é elevada (Nicolau, 1998; Braga, 2003), sendo um indicativo do que

alguns autores consideram como instabilidade de nosso sistema partidário. Segundo Kinzo

(2005),

Não há dúvida de que uma das causas tem a ver com as transformações no ambiente eleitoral, as quais ocorreram em todas as partes do mundo. Referimo-nos ao impacto da era televisiva sobre a campanha eleitoral, o que resultou numa competição centrada muito mais em personalidades do que em partidos (Wattemberg, 1998 e 2000; Dalton, 2000). No caso brasileiro, além do fato de o jogo partidário e a própria democracia serem instituições jovens, a estrutura de incentivos sob as quais os atores políticos competem por votos contribui, a nosso ver, para dissipar as distinções entre os partidos, tornando

328 Por exemplo, seu adversário na eleição de 2004, Washington Reis (PMDB) declarou ao jornal O Dia de 01/11/2004 que temia pela violência durante a campanha e também após: “Tomar muito tiro. Tiro de verdade: de metralhadora, nove milímetros. Ameaça por total conhecimento que, do lado de lá, o adversário é mal e joga muito sujo. Nunca na vida pensei que um dia fosse preciso dormir de olhos abertos. [...] Agora começa a pior missão: mexer na casa de marimbondos. [...] Graças a Deus não houve nenhuma vítima [durante a campanha]”. 329 Os exemplos sobre a “personalização da política” são inúmeros tanto no caso brasileiro, quanto em relação à política mundial. Só no século XX temos: Getúlio Vargas, João Goulart, Carlos Lacerda, ou ainda, J. Kennedy, De Gaulle, entre outros). O trabalho já citado nesta tese de Burke (op.cit.) traz como exemplo máximo o Rei de França, Luis XIV.

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difícil a lealdade partidária. Mais especificamente, as estratégias utilizadas por candidatos e partidos para maximizar seus ganhos – em eleições para cargos executivos e legislativos, sob os sistemas majoritário e proporcional – criam uma situação que não apenas estimula a personalização da competição, mas também torna nebulosa a disputa propriamente partidária. Como os partidos têm menos visibilidade do que os candidatos, não conseguem fixar suas imagens junto ao eleitorado, o que dificulta a criação de identidades e conexões com os eleitores.

Se as escolhas dos eleitores são marcadas pela opção individualizante do candidato X ou Y

e pouca referência se faz aos seus partidos, as propagandas eleitorais são conduzidas na

afirmação e reificação desse tipo de referência.

Vale lembrar que nos anos em que ocorreram eleições nacionais – 1994, 1998 e 2002 –, quando se supõe que os partidos sejam referências importantes para o eleitor, as taxas de preferência decresceram ao invés de aumentar. Isto é uma clara indicação de que as campanhas eleitorais – tanto para os cargos executivos, como para os legislativos – não se centram nos partidos como atores distintos. Durante a campanha, os eleitores estão expostos a uma disputa muito mais entre candidaturas individuais (quando não entre as alianças partidárias), o que torna improvável o desenvolvimento de laços fortes entre partidos e eleitores.

A despeito das valiosas observações de Kinzo sobre o sistema partidário brasileiro e da

relação de identificação com o eleitorado, não podemos descartar que além de questões

estruturais como o baixo nível educacional da sociedade brasileira, a situação de trabalho e

a própria complexidade de nosso sistema partidário que disponibiliza poucas informações

(ou não prioriza sua circulação) sobre os partidos, em alguns contextos, a prática política só

é um valor destituída (mesmo que relativamente e não de forma absoluta) de sua ideologia

partidária. Ou seja, essa prática é concebida como uma relação entre indivíduos ou grupos a

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partir de problemas-resoluções, não implicando necessariamente na constituição de um

“pensar” democrático stricto sensu onde, nos termos da autora, “eleitores com um grau

maior de comprometimento com valores democráticos são mais predispostos a ter um

vínculo partidário”. Se na correlação traçada pela autora algumas hipóteses,

preferencialmente sobre o PT, são mais facilmente explicadas, não se tem a mesma situação

em relação ao PMDB ou ao PSDB, por exemplo, principalmente no tocante à variável

índice pró-democracia. Uma análise pautada exclusivamente sob a perspectiva partidária

não poderia dar conta dos casos apresentados nesta tese.

Em relação aos meios de comunicação, Zito passou de vereador com fama de matador e

estilo “trator” a Rei da Baixada e foi, depois das derrotas em 2004, destronado. Sua imagem

foi constantemente associada à violência, à corrupção e a desmandos políticos, exceção

feita às matérias coletadas no período de 1999 e 2000 que enfatizavam sua administração à

frente da prefeitura de Duque de Caxias e o prestígio e aprovação junto à população

caxiense. Sua vida pessoal também foi levada à cena, mesmo porque Zito chefiava um dos

principais clãs políticos da Baixada, colocando seus familiares em cargos importantes e

conseguindo assim capital político para negociar em qualquer matéria política. Os conflitos

familiares transformaram-se em desgaste político e o casal político mais famoso da Baixada

enfrentou um período delicado em 2002. Apesar da reconciliação, Zito e Narriman não

comungam mais dos mesmos ideais e cada um agora parece percorrer o seu próprio

caminho, ao menos no mundo da política. Diferentemente, Andréia está com sua vida

pública vinculada a de seu pai e passará nas eleições de 2006 pela prova de fogo assim

como Zito.

A desconstrução do Rei (da Baixada) abriu espaço para enfocar outras características de

Zito. O seu “lado frágil”, do homem que, “igual a qualquer pessoa. Às vezes, [teve] tive

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vontade de chorar e de ficar calado”, foi explorado por jornais como O Dia, por exemplo. A

tentativa de apontar tais aspectos desembocaria na decretação do declínio político do ex-Rei

e na situação de atual fragilidade política, apontada como conseqüência de um projeto

político auto-centrado que preteriu alianças e acordos. O deputado Alexandre Cardoso, com

uma relação antiga (de amor e ódio) com Zito, declarou ao jornal O Dia330 que “ele [Zito]

mostrou fôlego ao dar 200 mil votos a seu candidato, mas tem pouca articulação política” e,

complementando a reportagem, o deputado estadual Geraldo Moreira (PSB) afirmou que

“não dá para sobreviver tentando ser hegemônico sem proposta ideológica”. Diante da

derrota, aliados de Zito já anunciavam a possibilidade de debandar para o lado do prefeito

eleito, já que para o funcionamento da política de vereadores as alianças com o executivo

para a obtenção dos recursos e a manutenção dos cargos e acessos são decisivas. Com

declarações como as que se seguem, vemos descortinar diante de nós a transitoriedade dos

laços e acordos políticos. “Não tive a oportunidade de conversar com Zito. Mas votar pelos

lindos olhos do prefeito eleito, não vou. Tenho interesses na minha região”, afirmou o

pedetista, terceiro colocado em votos para a Câmara Municipal de Duque Caxias (com

7.511 votos), Chiquinho Grandão. Ou ainda Quinzé 100% Zito que, apesar da viculação

explicitada no próprio nome, disse não esperar a derrota de Zito e estar “tonto ainda com a

campanha, mas vou sentar com Zito para conversar”. Um dos aliados mais antigos também

voltou-se para a rede do novo prefeito. Dr Heleno, assim como Zito (conforme

demonstrado no capítulo 3), tenta suavizar a ruptura política com o ex-aliado e amigo

dizendo que:

“Moro em Caxias há 57 anos e estou em meu segundo mandato graças a Zito. Os anos de fidelidade foram

330 O Dia de 07/11/2004, matéria intitulada Rei em decadência. Eleição faz Zito perder domínio político da Baixada.

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maravilhosos e meu propósito era ajudá-lo a ser governador. Eu não queria ser candidato a prefeito na última eleição, mas muita gente me disse que, se eu tivesse na disputa, as coisas seriam mais difíceis para o Washington. Agora, seguindo um conselho do próprio Zito, resolvi andar com as minhas pernas.” (Jornal Extra, 27/01/2005)

Zito, no entanto, demonstrou não estar morto politicamente. O convite de César Maia para

integrar a sua equipe foi um indicativo de sua importância mesmo diante das derrotas

sofridas. No entanto, a possibilidade de entrar no PFL foi desmentida com o retorno ao

PSDB e ao ninho de seu principal aliado, Marcello Alencar.

A mídia não o esqueceu e seu nome esteve estampado nos jornais mesmo após a sua saída

da prefeitura de Caxias. As acusações de Washington Reis em relação a obras

superfaturadas, aos acordos políticos ilegais ou à polêmica em torno do valor da

aposentadoria de Zito garantiram espaço na imprensa. Como também o conseguiu em

termos de exposição de seus novos projetos políticos. A afirmação, logo após a eleição de

seu adversário, de que deixaria a política por algum tempo, não durou sequer um mês. 2005

foi o ano de re-construção e de busca por seu espaço. Na disputa, venceu o PSDB, partido

onde protagonizou episódios de amor e ódio, ameaças de chantagens etc. O rei pode ter

sido destronado, mas, ao que tudo indica, não foi morto.

Jorge Gama aparece como contraponto. Advogado, preocupado com suas roupas, palavras e

gestos, foi “treinado” por seu papel profissional ao condicionamento do corpo e a uma

apresentação se não compatível ao menos socialmente esperada a quem pleiteia um cargo

político. Segundo o próprio Weber (1971), discorrendo sobre as duas formas de exercer a

política (viver “para a política” e “da política”), o advogado aparece como o “tipo” mais

próximo do político, graças às suas “qualificações”, enquanto o capitalista seria o “mais

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disponível” e o homem de negócios assim como o médico e o operário estariam imersos em

suas atividades.

“Já motivados por pura técnica profissional, as dificuldades mostram-se menores no caso do advogado, o que explicita a circunstância de ele ter desempenhado, como homem político profissional, papel incomparavelmente maior e, freqüentemente, de realce.” (idem, p. 69, tradução livre)

Jorge Gama teve desde o início de sua trajetória a marca do “bacharel”. Nos trabalhos de

Gilberto Freire, principalmente sobre as transformações do patriarcado rural no Brasil do

século XVIII até meados do século XIX, o papel dos bacharéis ganhou grande destaque. “A

ascensão dos bacharéis brancos se fez rapidamente no meio político, em particular, como

no social, em geral.” (Freire, [1936] 2002, p.602). Os bacharéis representavam ai a

decadência do patriarcado rural e a ascensão de uma “aristocracia do sobrado”, do homem

formado para a vida política. O prestígio do bacharel marcava então o triunfo de um outro

tipo político: o homem da cidade331. Além do desencanto dos bacharéis formados em

Europa de volta à casa também houve espaço para outros bacharéis, os mulatos e

“morenos”. A despeito das idéias de “ajustamento social” de Freire (idem), a descrição do

surgimento de um tipo político específico é interessante para pensarmos o papel e o

prestígio dos “doutores” no imaginário social da política brasileira.

Assim, a ascensão social de Jorge Gama e a constituição de sua persona se deu

primeiramente pelo Direito, como “doutor” e, depois, pela política. Apesar de ter estudado

em bons colégios (tanto públicos quanto particulares) e de seu pai ter sido um pequeno

comerciante, Jorge nunca foi rico e durante as entrevistas só se auto-classificou em termos

de classe social (“classe média”) após a concretização de seu vínculo profissional. Ser

331 Para uma análise mais completa e detalhada sobre as questões acima levantadas, ver Parte 2, capítulo XI: Ascensão do Bacharel e do Mulato, do livro Sobrados e Mucambos.

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advogado marcou a sua vida e, talvez, tenha sido um dos fatores decisivos para a sua

entrada no mundo da política.

A construção de sua imagem pública sempre esteve permeada por esse vínculo. Desde sua

atuação no início da carreira política junto aos movimentos sociais que lutavam pela

moradia em Nova Iguaçu até os debates sobre o cerceamento de direitos durante a ditadura

militar, não apenas era identificado como sua apresentação enfatizava tais características.

Talvez por este motivo a mácula da acusação de “burlar a lei” através do envolvimento com

compra de votos e da ligação com o jogo do bicho não pôde ser convertida. Se no

concernente à imagem pública de Zito não havia uma incompatibilidade entre as acusações

de ligações com o “mundo do crime” e a sua atuação como ator político legítimo, no caso

de Jorge Gama, cuja imagem foi desde o início “fabricada” a partir da referência a outro

repertório sociocultural, tal disjunção era necessária.

Somado a tais fatores, Jorge Gama não dispõe hoje de um sistema de visibilidade apesar de

escrever regularmente no Correio da Lavoura, que no entanto é um jornal de expressão

apenas local. As novas configurações da política parecem apontar para a necessidade de um

sistema de visibilidade mais amplo e mais flexível, que permita ao político acompanhar as

nuances dos repertórios acionados por cada público, agora mais heterogêneo.

Conforme gosta de se auto-denominar, a Jorge Gama sempre coube mais o papel de

“articulador”. Como articulador entenda-se o “profissional”. Jorge não tentou qualquer

mandato executivo, sua prerrogativa sempre foi o legislativo. Homem de partido, e de um

só partido. Podemos dizer que, independentemente dos sucessos e fracassos eleitorais,

manteve-se no mundo da política como ator legítimo durante todos esses anos. Em alguns

momentos mais no ostracismo, e em outros impondo a sua presença. Porém, o mais

importante, sua trajetória descreve a possibilidade de coexistência de um outro tipo de

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político juntamente com o personalista, o político de bastidores, ou seja, aquele que

inserido no campo político conhece suas regras e saberes específicos, domina uma certa

linguagem, a sua burocracia, as “regras do jogo” (cf. Bourdieu, 1989).

O período áureo de Jorge Gama foi da segunda metade da década de 1970 (primeiro

mandato como deputado federal) até meados da de 1980 (à frente do PMDB durante o

Movimento Diretas Já), no entanto, parece não ter sido possível a formação de um sistema

de visibilidade próprio para um ator político da Baixada apartado das idéias dominantes que

associavam a Baixada Fluminense à violência/ criminalidade. Se no caso de Tenório

Cavalcanti, por exemplo, tal configuração foi possível, não se deve apenas ao fato de que

possuía um jornal de grande circulação local (Luta Democrática) – sem tirar-lhe o crédito –

ou às “benfeitorias”, mas também porque o repertório acionado por ele corroborava as

imagens veiculadas sobre a Baixada e “seu povo”, exibindo para além das fronteiras locais

um político exótico aos olhos da capital. Assim, a marginalidade da Baixada era reafirmada

através da trajetória do Homem da Capa Preta, ao contrário da Baixada que Jorge Gama

apresentava. Não desconsidero as ligações de Jorge Gama com políticos que se aproximam

dessas práticas, mas ressalto que sua imagem estaria remetida a uma Baixada “classe

média”, letrada, diferente da propagada pelos jornais através dos assassinatos, estupros e

linchamentos. Jorge enunciava uma Baixada “fora de seu tempo”, só “descoberta” (pelos

discursos autorizados) em meados da década de 1990.

As três trajetórias escolhidas permitiram-me descrever acontecimentos políticos, o dia a dia

de campanhas, e compartilhar os juízos de valor acionados sobre a política, a Baixada e

seus atores. Também nos deparamos com as “fabricações” e “desconstruções” operadas

pelos interlocutores desta pesquisa. Ponderamos sobre tais construções e percebemos que,

mesmo durante jantares descontraídos e em conversas informais onde algo poderia ser

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“revelado” a qualquer momento, ou nos momentos aparentemente mais espontâneos das

entrevistas, a apresentação de si (do “eu” para Goffman) marcava uma “fachada”332. Não

no sentido de uma “representação falsa”, mas como encenação legítima, mais ou menos

planejada. Essa teatralidade é comum às interações sociais de outra ordem que não apenas a

política. No entanto, o mundo da política traz a formulação da encenação enquanto técnica

e seus atores são, em muitos casos, classificados de “falsos”. Em relação à composição das

fachadas, a “falsidade” do político remete-nos à denúncia de sua “representação” enquanto

enunciação de uma performance não autorizada. Assim, em Plenário, falar alto, gesticular;

ou durante o tempo da política, responder vigorosamente a uma crítica ou “entrar numa

briga” (a partir de um combate físico ou moral) são atuações possíveis nesses cenários. Os

conflitos explícitos e que chegam as “vias de fato” fora do tempo da política, por exemplo,

seriam impensáveis ou, quando acontecem, censurados e desautorizados (Palmeira e

Heredia, 1997).

Também encontramos alegações como “mentiroso”, que são comumente utilizadas frente à

desconfiança que o mundo da política suscita. Refere-se, na maioria das vezes, à idéia

difundida no senso comum, que constitui uma espécie de imaginário social sobre o político

profissional, de que “promessa de político não vale nada”, ou de que “político é tudo

interesseiro” etc. De acordo com Palmeira e Heredia (1997), a política opera uma

linguagem de divisão, suspendendo o cotidiano e instaurado um outro tempo cujos limites

são redefinidos e os conflitos colocados em cena.

332 Goffman (1975) faz a distinção entre aparência e maneira para tratar da fachada pessoal. Aparência diria respeito “aqueles estímulos que funcionam no momento para nos revelar o status social do ator” e a maneira os que “funcionam no momento para nos informar sobre o papel de interação que o ator espera desempenhar na situação que se aproxima” (p.31). Aqui, no entanto, trabalharemos com a idéia mais geral, enquanto um “equipamento expressivo”, congregando as duas formas.

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“O medo da política e a rejeição dos políticos por parte dos excluídos ou daqueles nela inseridos segundo eixos outros que não o das disputas programáticas é patente. [...] Essa funcionalidade da política não elimina o seu lado ameaçador. A possibilidade de divisão, concentrada num determinado período de tempo, é, por assim dizer, potencializada. A política ameaça, em primeiro lugar, pelo fato mesmo de representar uma ruptura do cotidiano.” (idem, pp. 161)

As “chaves de leitura” (Goffman, 1974) constituem a dimensão do enquadramento dos

repertórios utilizados pelos atores sociais em sua leitura do mundo333. Nesse sentido, a

compreensão do mundo é dada pelas interpretações que as pessoas fazem desse mundo, as

idéias e julgamentos que formam, e aí os meios de comunicação têm papel de destaque,

mas não exclusivo, onde opinião pública - pensada, segundo Aldé (op. cit.), como

construída discursivamente na expressão, argumentação e defesa – seria mais um dos

quadros de referência para que os atores sociais construam suas explicações sobre seu

mundo334. Por outro lado, as mídias fornecem elementos para a “formar da opinião”

(Champagne, op. cit.) e as explicações sobre a política e os políticos podem ser

enquadradas a partir da construção de crenças, valores e explicações para o “mundo ser

como é”335.

No cotidiano da política, o clientelismo e coronelismo foram diversas vezes utilizados, ora

como fatores explicativos (no discurso acadêmico, assim como pelo senso comum) ora

como parte de um repertório de acusações ao adversário político. Se como categoria

analítica seu uso foi aqui limitado frente à capacidade de aglutinar juízos de valor fora de

333 Para Goffman (op.cit., p.10) seriam “definições da situação construídas de acordo com princípios de organização que governam os eventos – ao menos os eventos sociais – e nosso envolvimento subjetivo com eles”. 334 Sobre enquadramentos que predominam na grande imprensa, consultar Aldé (op. cit.) e Lattman-Weltman (2003). 335 Sobre as especificidades de cada meio de comunicação e a relação com sua “credibilidade” e legitimidade, consultar, Figueiredo (2000).

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seu contexto original, enquanto classificação e vocábulo da gramática política local não

pode ser preterido.

A valorização do Executivo em detrimento do Legislativo no Brasil deve-se, em parte, à

inovação trazida pelos direitos sociais implantados durante os períodos de ditaduras no país

que acabou por gerar o que Carvalho (2001) chamou de “fascinação” pelo Executivo e que

teria origens mais longínquas na tradição ibérica. Se a centralidade desse poder foi buscada

historicamente pelo autor, podemos pensar em seus desdobramentos para a

“personalização” da política, principalmente, a partir do incremento técnico dos meios de

comunicação de massa a favor das campanhas eleitorais. Na equação política

contemporânea, a mídia de massa ganha espaço central.

Os meios de comunicação não foram objeto desta tese, no entanto, tiveram grande espaço

como uma fonte de informação assim como quadro de referência privilegiado e como um

dos “fabricantes” das imagens aqui trabalhadas: da(s) Baixada(s), dos atores políticos, da

política em geral etc. A transformação que as mídias operam na política é marcada pela sua

“espetacularização”, ou seja, em despertar a atenção do público em um desencadear de

acontecimentos (Courtine, 2003; Piovezani Filho, 2003). Os monólogos longos foram aos

poucos substituídos pelas falas curtas, pela proliferação de imagens que compunham uma

narrativa, música, coreografias, instaurando-se um outro estilo de retórica336. A sensação de

intimidade, de proximidade forjada por essa nova forma de retórica, apoiada na tecnologia

e nas novas mídias, privilegia as conversas em detrimento do orador de tribuna (Abreu, op.

cit.). O político moderno é um ator social televisivo, multimídia, um comunicador. Das três

trajetórias analisadas, Lindberg é o que mais próximo está desse novo tipo, adaptando sua

336 Assim como o que Burke (op.cit., p.29) chamou de imagem viva, ou seja, o todo formado a partir de imagens, palavras, ações, música ou eventos multimídias.

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imagem aos contextos e repertórios culturais. Mesmo os outros dois não se apartaram de

tais transformações. Zito ainda utiliza bastante a “política de bairro”, as reuniões nas

“comunidades” além de pautar suas campanhas em sua atuação na administração

municipal, mas utilizou a Revista Magazine como propagadora de seus projetos. Assim

como Jorge Gama, que teve no jornal Correio da Lavoura um espaço privilegiado para

lançar suas idéias e críticas como também se fazer presente. No entanto, de fato, Lindberg

foi quem protagonizou as principais cenas nos embates políticos durante 2004 na Baixada

e, talvez, no Rio de Janeiro, deixando os demais como coadjuvantes.

Diversos autores trabalham o papel dos meios de comunicação e suas conseqüências

políticas nas ciências sociais em geral; desde estudos de recepção e audiência (Eco, op.cit.)

aos estudos que encaram os meios de comunicação de massa enquanto atores políticos

(Bourdieu, 1997) até os que redimensionam a democracia a partir da comunicação de massa

através do tipo ideal da democracia de público337 (Manin, 1995) cuja relação entre política

e comunicação é re-considerada e o status do político vem se alterando, aproximando-se

cada vez mais da figura do comunicador onde o político passa a ter uma relação diferente

com o eleitor e seu voto já que a política passaria da esfera da verificação para a da

credibilidade (Aldé, 2001).

337 Na democracia de público, “os candidatos se comunicam diretamente com seus eleitores através do rádio e da televisão, dispensando a mediação de uma rede de relações partidárias” (Manin, 1995, p. 26). Apesar de uma visão um tanto esquemática, o autor lança um modelo (tipo ideal) interessante para pensarmos a prática política.

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Nesse contexto, a televisão surge como um dos principais formadores da opinião pública e

da homogeneização da informação (Bourdieu, op. cit.; Abreu, op.cit.; Aldé, op. cit.;

Sargentini, 2003)338.

“O campo jornalístico age, enquanto campo, sobre os outros campos. Em outras palavras, ele próprio cada vez mais dominado pela lógica comercial, impõe cada vez mais suas limitações aos outros universos. Através da pressão do índice de audiência, o peso da economia se exerce sobre a televisão, e, através do peso da televisão sobre o jornalismo, ele se exerce sobre os outros jornais, mesmo sobre os mais ‘puros’, e sobre os jornalistas, que pouco a pouco deixam que problemas de televisão se imponham a eles. E, da mesma maneira, através do peso do conjunto do campo jornalístico, ele pesa sobre todos os campos da produção cultural.” (Bourdieu, op.cit., p. 81)

O enfrentamento entre pessoas (idem) privilegiado pelos meios de comunicação,

essencialmente a televisão, opera na política uma virada na ordem dos problemas, da esfera

pública para o terreno do público-privado, enfatizando a vida pessoal do político, mexericos

e transformando-o em um entertainer.

A despeito de visões como a da esterilização do debate político (Sennet, 1988), da

irracionalidade do voto ou ainda da mídia como, de alguma forma, um algoz do

pensamento político (Novaro, 1995) ou de uma nova esfera de poder – a vídeo-política

(Satori, 1989); os meios de comunicação (incluindo também o marketing político) e seus

atores não podem ser desconsiderados frente às novas modalidades da apresentação

política. Entretanto, reforço seu papel quanto à apresentação e não estritamente à prática

política, visto que os arranjos, alianças, coligações etc, levantam outras questões que serão

338 Sobre a relação entre política e televisão e sobre concessões a emissoras de rádio e TV depois de 1988, consultar Aldé (2000) e Godoi (2001).

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tão ou mais decisivas para o mundo da política e para pensarmos as relações de poder

dependendo de contextos específicos e configurações de força.

Assim, a mudança da legislação eleitoral para 2006, com a proibição dos showmícios e

limitações à gravação de programas eleitorais nos dão uma amostra do quão refém das

mídias (da vídeo-política, por exemplo) uma parcela considerável acredita que estejamos339.

A pressuposição de que o controle sobre o aparato tecnológico voltado para as propagandas

eleitorais e para os showmícios nos colocará no caminho reto da democracia pode nos

conduzir a conclusões precipitadas assim como a idéia que a gerou. A influência da mídia é

inegável, mas ela não se dá apenas na vídeo-política stricto sensu. A possibilidade de

manipulação das imagens e falas acabou reduzida a uma série de regras que supostamente

acabariam com a corrupção, com o caixa dois ou ainda com os benefícios aos partidos e

atores políticos melhor capitalizados (quer com dinheiro próprio, quer com dinheiro de

aliados) e com mais acessos. E os debates sobre cidadania restringem-se então a

procedimentos e dispositivos.

O papel dos políticos e da mídia, a formação da opinião pública, a lógica do atendimento,

os acessos, a fabricação de imagens, os projetos políticos individuais e coletivos foram

alguns dos aspectos abordados nesta tese.

A transversalidade da Baixada nos colocou diante de três trajetórias que problematizam os

questionamentos tradicionais sobre a política. As concepções que a definem como

propriedade perdem-na como paisagem e processo. A tentativa de localizar seu poder torna-

lhe fugaz. A multiplicidade de focos e engrenagens leva-nos a pensar nas relações,

339 A Mini-reforma Eleitoral com validade para 2006 proibiu a distribuição de brindes, como bonés, camisetas, chaveiros assim como a realização de showmícios. As doações terão que ser efetuadas em cheque cruzado e nominal ou transfência eletrônica, ficando proibida doação em dinheiro, assim como os gastos terão que ficar disponíveis na Internet. Consultar Resolução 22.158, instrução no. 107, classe 12ª., TSE.

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cotidianas e nas percepções e produções e não em uma (suposta) essência ou atributo. O

poder não tem essência, é operacionalizado na política (entre outros) e só nos afeta

enquanto relação. Assim, os políticos aqui apresentados eram vizinhos, amigos, matadores,

ídolos, reis, bacharéis, engajados, interesseiros, oportunistas, forasteiros, mas que diante de

suas singularidades eram sempre pensados em relação.

As questões levantadas referiram-se aos universos estudados, mas podem apontar algumas

alternativas para comparação. A apreensão dos repertórios acionados e a busca por dar

conta da heterogeneidade e complexidade de mundos que se interpenetram não é

exclusividade do mundo político da Baixada e esses atores também não estão circunscritos

apenas a tal mundo. Na tentativa de entender a dinâmicas das relações e práticas políticas

locais, também nos deparamos com questões mais gerais como os sentidos da cidadania e

da democracia.

Estudar as práticas e as trajetórias políticas coloca o pesquisador em uma delicada situação.

Não nos predispomos a fazer previsões, mas acabamos por nos colocar frente a arranjos

dinâmicos de forças e posições e, o que apontamos agora pode ser alterado no espaço

efêmero do findar da frase. Colocar o ponto final parece então impossível. Assim, esta tese

se encerra como mais um olhar para as relações políticas na Baixada Fluminense, incitando

novos olhares e perspectivas.

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ANEXOS

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TABELA 1

DISTRIBUIÇÃO DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004, SEGUNDO O SEXO, PARA O BRASIL, PARA A REGIÃO SUDESTE E

PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO

SEXO BRASIL REGIÃO SUDESTE

ESTADO DO RIO DE

JANEIRO TOTAL 5.562 1.668 92 MASCULINO 5.143 1.577 86 FEMININO 418 90 6 SEM INFORMAÇÀO

1 1 -

FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004. TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais (IBAMCO).

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TABELA 2

DISTRIBUIÇÃO DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004, SEGUNDO A IDADE, PARA O BRASIL, PARA A REGIÃO SUDESTE

E PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO

IDADE BRASIL REGIÃO SUDESTE

ESTADO DO RIO DE

JANEIRO TOTAL 5.562 1.668 92 Até 29 anos 123 17 - De 30 a 39 anos 1.040 260 8 De 40 a 49 anos 2.189 607 36 De 50 a 59 anos 1.549 536 37 60 anos ou mais 622 233 11 SEM INFORMAÇÀO

39 15 -

FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004. TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais (IBAMCO).

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TABELA 3

DISTRIBUIÇÃO DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004, SEGUNDO O GRAU DE INSTRUÇÃO, PARA O BRASIL, PARA A

REGIÃO SUDESTE E PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO

GRAU DE INSTRUÇÃO

BRASIL REGIÃO SUDESTE

ESTADO DO RIO DE

JANEIRO TOTAL 5.562 1.668 92 SUPERIOR 2.662 842 52 MÉDIO 1.687 446 30 FUNDAMENTAL 1.063 328 9 LÊ E ESCREVE 93 30 157 SEM INFORMAÇÃO

57 22 -

FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004. TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais (IBAMCO).

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TABELA 4

DISTRIBUIÇÃO RELATIVA DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004, SEGUNDO AS PRINCIPAIS OCUPAÇÕES, PARA O BRASIL, PARA

A REGIÃO SUDESTE E PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO

OCUPAÇÃO

(%) BRASIL

(%) REGIÃO

SUDESTE (%)

ESTADO DO RIO DE

JANEIRO (%)

TOTAL 68,02 69,32 80,43 COMERCIANTE 11,27 11,69 15,22 AGRICULTOR 9,80 9,47 - MÉDICO 7,44 7,13 11,96 EMPRESÁRIO 6,85 7,61 8,70 PREFEITO 5,57 5,70 7,61 ADVOGADO 4,51 5,46 7,61 PROFESSOR 1º. E 2º. GRAUS

3,96 2,82 -

SERVIDOR PUB MUNICIPAL

3,94 4,92 3,26

PECUARISTA 3,72 3,30 - ENFGENHEIRO 3,33 3,84 7,61 SERVIDOR PUB ESTADUAL

3,15 2,22 3,26

PRODUTOR AGROPECUÁRIO

2,39 3,12 2,17

ADMINISTRADOR 2,09 - 2,17 APOSENTADO - 2,04 2,17 SENADOR/DEP/VEREADOR - - 6,52 FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004. TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais (IBAMCO).

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TABELA 5

DISTRIBUIÇÃO RELATIVA DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004, SEGUNDO OS PRINCIPAIS PARTIDOS POLÍTICOS, PARA O

BRASIL, PARA A REGIÃO SUDESTE E PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PARTIDO POLÍTICO

BRASIL (%)

REGIÃO SUDESTE

(%)

ESTADO DO RIO DE

JANEIRO (%) TOTAL 94,92 95,98 95,65 PMDB 19,06 17,27 45,65 PSDB 15,66 21,82 3,26 PFL 14,29 12,59 7,61 PP 9,91 6,59 9,78 PTB 7,62 9,17 2,17 PT 7,39 9,35 8,70 PL 6,89 7,73 4,35 PPS 5,50 4,98 - PDT 5,45 4,14 4,35 PSB 3,15 2,34 - PSC - - 5,43 PV - - 4,35 FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004. TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais (IBAMCO).

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TABELA 6

DISTRIBUIÇÃO DOS PREFEITOS ELEITOS EM 2004, SEGUNDO O ESTADO DE NASCIMENTO, PARA O BRASIL, PARA

A REGIÃO SUDESTE E PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ESTADO DE NACIMENTO

BRASIL

REGIÃO SUDESTE

ESTADO DO RIO DE

JANEIRO TOTAL 5.562 1.668 92 MESMO ESTADO

4.662 1.531 81

OUTRO ESTADO

8874 125 11

SEM INFORMAÇÀO

26 12 -

FONTES: Tribunal Superior Eleitoral – 2004. TABULAÇÕES ESPECIAIS: IBAM. Banco de Dados Municipais (IBAMCO).

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VOTAÇÃO POR ZONA ELEITORAL 1º. TURNO LINDBERG

Votação por Zona Eleitoral - 1° turno

UF (RIO DE JANEIRO) - Município (NOVA IGUACU) - Cargo (PREFEITO) - Candidato (LUIZ LINDBERGH FARIAS FILHO)

1~9 de 9 - Última atualização em: 07/03/2006 - Dados sujeitos a alteração

Partido: PT Situação: 2º turno

Zona Eleitorado (VV)

Votos Válidos

(V)Votos Nominais

% (V/VV)

84 82.583 63.489 35.741 56,295 157 74.760 59.805 29.278 48,956 159 67.235 52.366 22.860 43,654 156 50.415 40.006 20.919 52,290 67 43.640 33.894 15.558 45,902 82 38.733 30.875 15.079 48,839 27 45.651 35.625 15.034 42,201 158 40.704 32.388 14.940 46,128 250 36.673 27.974 11.776 42,096

MÁRIO MARQUES

Votação por Zona Eleitoral - 1° turno

UF (RIO DE JANEIRO) - Município (NOVA IGUACU) - Cargo (PREFEITO) - Candidato (MARIO PEREIRA MARQUES FILHO)

1~9 de 9 - Última atualização em: 07/03/2006 - Dados sujeitos a alteração

Partido: PMDB Situação: 2º turno

Zona Eleitorado (VV)

Votos Válidos

(V)Votos Nominais

% (V/VV)

82 38.733 30.875 10.640 34,462 158 40.704 32.388 13.510 41,713 27 45.651 35.625 13.881 38,964 250 36.673 27.974 13.903 49,700 156 50.415 40.006 14.144 35,355 67 43.640 33.894 14.554 42,940 84 82.583 63.489 20.284 31,949 157 74.760 59.805 22.841 38,192 159 67.235 52.366 23.380 44,64

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VOTAÇÃO POR ZONA ELEITORAL 2º. TURNO

MARIO MARQUES Votação por Zona Eleitoral - 2° turno

UF (RIO DE JANEIRO) - Município (NOVA IGUACU) - Cargo (PREFEITO) - Candidato (MARIO PEREIRA MARQUES FILHO)

1~9 de 9 - Última atualização em: 07/03/2006 - Dados sujeitos a alteração

Partido: PMDB Situação: Não eleito

Zona Eleitorado (VV)

Votos Válidos

(V)Votos Nominais

% (V/VV)

159 67.235 52.740 25.287 47,947 157 74.760 59.641 24.008 40,254 84 82.583 64.134 22.870 35,660 67 43.640 33.982 16.327 48,046 27 45.651 34.632 15.095 43,587 156 50.415 40.036 14.981 37,419 250 36.673 28.446 14.615 51,378 158 40.704 32.475 14.419 44,400 82 38.733 30.654 11.617 37,897

LINDBERG FARIAS

Votação por Zona Eleitoral - 2° turno

UF (RIO DE JANEIRO) - Município (NOVA IGUACU) - Cargo (PREFEITO) - Candidato (LUIZ LINDBERGH FARIAS FILHO)

1~9 de 9 - Última atualização em: 07/03/2006 - Dados sujeitos a alteração

Partido: PT Situação: Eleito

Zona Eleitorado (VV)

Votos Válidos

(V)Votos Nominais

% (V/VV)

250 36.673 28.446 13.831 48,622 67 43.640 33.982 17.655 51,954 158 40.704 32.475 18.056 55,600 82 38.733 30.654 19.037 62,103 27 45.651 34.632 19.537 56,413 156 50.415 40.036 25.055 62,581 159 67.235 52.740 27.453 52,053 157 74.760 59.641 35.633 59,746 84 82.583 64.134 41.264 64,340

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FONTE Tribunal Superior Eleitoral 2004 Consultado no site: www.tse.gov.br

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ORDEM DO DIA Requerimento 490/2001

Informações Básicas

Sessão: Ordinária Autor do Documento: Maria Lameira/ALERJ Data da Criação: 03/10/2001

__________________________________________________________________

Data da Sessão: 03/10/2001 Hora: 11:27 __________________________________________________________________ Texto da Ordem do Dia

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Anuncia-se a discussão única do REQUERIMENTO 490/2001, de autoria da Deputada Núbia Cozzolino, que cria Comissão Especial para acompanhar as investigações sobre o assassinato do jornalista Mário de Almeida Coelho Filho.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Em discussão a matéria. Não havendo quem queira discutir...

A SRA. ANDRÉIA ZITO – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Pela ordem, tem a palavra a Sra. Deputada Andréa Zito.

A SRA. ANDRÉIA ZITO (Pela ordem) – Sr. Presidente, como todos os Deputados já devem ter observado, sempre voto favoravelmente às CPIs, ou pelo menos na maioria das vezes.

Neste caso, sou favorável à CPI, mas o Artigo 34 do Regimento Interno determina o seguinte: “Fica impedido da participação como membro da Comissão Parlamentar de Inquérito o deputado que tenha envolvimento com o fato determinado a ser apurado”.

Sei que a questão é a CPI, porém, por analogia, quero dizer que tenho um documento em mãos, da 65ª DP, onde a pessoa assassinada havia feito uma queixa-crime com relação à Deputada Núbia Cozzolino.

Gostaria de solicitar que nem eu, Deputada Andréia Zito, nem o Deputado Júnior do Posto, sobrinho do ex-prefeito de Magé, nem a Deputada Núbia Cozzolino fizéssemos parte dessa Comissão. Pela lógica, acho que é uma questão razoável de averiguarmos. Sou totalmente favorável à CPI, mas acho que a Mesa deve avaliar essa questão.

O SR. SIVUCA – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.

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O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Pela ordem, tem a palavra o Sr. Deputado Sivuca.

O SR. SIVUCA (Pela ordem) – Sr. Presidente, observei a ponderação da Deputada Andréia Zito, e a exemplo do pedido do Deputado José Távora, solicito também o adiamento por duas Sessões para que possamos discutir com mais tranqüilidade.

O argumento lançado pela Deputada Andréia Zito é válido. Não podemos permitir que pessoas envolvidas num problema participem de determinada Comissão.

Por analogia, quando um membro do Judiciário está envolvido em determinado problema, tem o dever legal de argüir a própria suspeição e não presidir, em hipótese alguma. Sendo assim, para que possamos esclarecer em tempo hábil essa situação, peço a V.Exa. que a matéria seja suspensa por duas Sessões, para futuros esclarecimentos.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Peço a palavra para discutir, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Em votação o pedido de suspensão por duas Sessões. Os Senhores Deputados que aprovam a matéria permaneçam como estão. (Pausa.)

Aprovado.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Sr. Presidente, para discutir! Eu fui citada, eu fui acusada aqui!

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Já foi suspensa. Depois V.Exa. terá o direito de falar pela ordem.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Não senhor! Eu fui acusada e quero o direito de resposta!

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - V. Exa. não foi acusada. Foi colocado em votação.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Fui acusada de que o jornalista fez uma denúncia de ameaça de morte! Todo mundo aqui ouviu! E ela está faltando com a verdade! Eu não tenho interesse no processo ...

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Eu pediria que cortasse a palavra da Deputada Núbia Cozzolino.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Não tem eu cortar a palavra! Por que não vou falar?!

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Vai cortar a palavra porque V.Exa. está se excedendo. V. Exa. falará depois, pela ordem. Esse assunto já foi adiado por duas Sessões, a pedido, e aprovado pelo Plenário. A Presidência não vai dialogar com V.Exa. nesses termos, Deputada Núbia Cozzolino.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO – V.Exa. não me deixou falar!

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O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - V.Exa. tem o direito de falar pela ordem .

A Presidência concede a palavra, pela ordem, à Deputada Núbia Cozzolino.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO (Pela ordem) – Sr. Presidente, em primeiro lugar quero dizer à Deputada Andréia Zito que não solicitei CPI, solicitei Comissão Especial.

Em segundo lugar, dizer que um jornalista nunca me acusou de ameaça de morte. Eles faltam mais uma vez com a verdade.

Em terceiro lugar: não sou a pessoa interessada porque o acusado foi o segurança dela. Em momento algum fui acusada, até porque a família Cozzolino nunca teve nenhum envolvimento em homicídio.

O SR. JOSÉ TÁVORA – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Sr. Presidente, gostaria que V.Exa. garantisse a minha palavra, os três minutos a que tenho direito.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Está garantida.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO - A Família Cozzolino governou Magé por vários anos, e nunca foi acusada, nunca foi condenada, nunca teve um inquérito de homicídio. Enquanto a Família Cozzolino governou Magé, jornalista não foi assassinado, vereador não foi assassinado, portanto, não sou eu quem tem interesse. Quem tem interesse são eles, inclusive, quero lembrar ao Plenário desta Casa que o segurança do tio dela, se não me engano, quinta-feira passada, matou uma pessoa no Rei do Bacalhau, um outro segurança, e a pessoa que está presa foi a mesma pessoa que foi na Casa do meu funcionário, Ozan, me esperou o dia inteiro e eu tenho testemunha que é o Sargento Gilmar esperando o dia inteiro. Isso por quê? Porque eu levava o funcionário todos os dias em casa. Então, ele estava lá com certeza, tocaiando vendo a hora que eu chegava para fazer uma covardia comigo. Todo mundo no Rio de Janeiro sabe que o Zito mata. O Zito tem uma condenação e 28 processos, eu tinha dito 23 mas, revendo, vi que são 28 processos e eu não tenho nenhum processo de homicídio. Nunca fui acusada de nada, e ela faltou com a verdade aqui quando disse que o jornalista disse que eu tinha ameaçado ele de morte. É mentira. O jornalista falou isso há dois anos mas não disse que eu tinha acusado. Citou meu nome porque tinha rivalidade política. Agora, quem tem interesse é ela. Ela tem interesse. Agora, se o problema para aprovar a Comissão é eu estar na frente, tudo bem, aqui tem Deputados que são isentos como o Deputado Chico Alencar, a Deputada Cidinha Campos e outros Deputados que são isentos, que não tem nenhum interesse. O Deputado Sivuca tem interesse porque, evidentemente, lá tem um vereador que o aprova e ele tem interesse em entrar em Suruí. Todo mundo sabe que ele acompanhou o Prefeito Zito, quando esteve na Secretaria de Segurança. Todo mundo sabe que ele está aliado com ele. Todo mundo sabe que hoje ele está aliado com o Prefeito Zito. Eu respeito isso. Isso é uma posição do Deputado Sivuca. Agora, dizer que eu tenho interesse! Sr. Presidente, eu nunca fui acusada de homicídio, eu não tenho um inquérito e ele tem 28 e todos com relação a homicídio.

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O SR. PRESIDENTE ( José Cláudio) – A Presidência informa a V.Exa. que seu tempo está esgotado, por favor, conclua.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO (Pela ordem) – Só para terminar, Sr. Presidente. Eu trouxe a essa Casa o depoimento da Dra. Tânia e muito mais preocupada eu fiquei depois que li todos aqueles crimes dos quais a Dra. Tânia acusa o Prefeito Zito, um por cabeçada, outro esquartejado, e isso quem fala é um Promotora Pública. Eu estou indignada com o Ministério Público que depois daquele depoimento nada fez contra o Prefeito de Caxias que sempre sai imune e quem foge são as vítimas como fugiu a mulher do Carlão que veio a essa Casa, deu seu depoimento e depois teve que fugir do País e todo mundo sabe disso.

O SR. PRESIDENTE (José Távora) – Sra. Deputada, seu tempo está esgotado, conclua.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO (Pela ordem) – Os bandidos do morro estão expostos à polícia, no caso do Zito é diferente, quem foge são as vítimas, ele continua no mesmo lugar.

O SR. SIVUCA – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) – Pela ordem, tem a palavra o Sr. Deputado Sivuca, que foi citado.

O SR. SIVUCA (Pela Ordem) – Sr. Presidente, não apenas pela citação, mas para esclarecer a Sra. Deputada Núbia Cozzolino. Quero tranqüiliza-la. Ela não alcançou o que eu pretendia dizer. Ela não sabe que a chefe do meu gabinete sofreu um atentado antes de ontem. Ela não sabia disso. A razão que eu pedi o adiamento não foi com a finalidade de prejudica-la, em absoluto. Eu apenas entendo que a Sra. Deputada Núbia Cozzolino, por estar envolvida com o problema, assim como está envolvida a Deputada Andréa Zito.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO — (FALA FORA DO MICROFONE).

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) — Deputada Núbia, respeite o orador, como todos respeitaram V. Exa. A senhora está extrapolando. A senhora está exaltada. Deputada, procure o Departamento Médico.

Prossiga, Deputado Sivuca.

O SR. SIVUCA (Pela ordem) — Sr. Presidente, com o objetivo de por fim a essa discussão, que não leva a lugar algum, lembro que sou o Presidente da Comissão de Segurança Pública e Assuntos de Polícia, onde a Deputada Núbia Cozzolino poderia estar presente até para relatar o que vem ocorrendo.

A verdade é a seguinte: essas Comissões Especiais e as Comissões Parlamentares de Inquérito, em determinados casos, são supérfluas, porque já existem as Comissões Permanentes exatamente para tratar de matérias pertinentes, e esta é uma delas.

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Não quis, de forma alguma, alijar a Deputada Núbia Cozzolino, mesmo porque ela é do meu partido, do palco das discussões — consideraria uma traição —, mas entendo que a Deputada Andréa Zito não pode participar dessa Comissão e vou além, o Deputado Júnior não pode participar dessa discussão, como membro da Comissão, que eu quero dizer. Se não me quiserem aceitar, eu também abro mão — porque a minha chefe de gabinete foi vítima de uma atentado —, também entendo e cedo o espaço, pois sou uma pessoa acessível, só não quero é ser mal interpretado. Por essa razão, insisto, Sr. Presidente, adie, por duas sessões, para que possamos, num clima mais calmo, discutir este projeto.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) — A matéria é vencida, já foi adiada.

O SR. WASHINGTON REIS — Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) — Pela ordem, tem a palavra o Sr. Deputado Washington Reis.

O SR. WASHINGTON REIS (Pela ordem) — Sr. Presidente, pelo que estou vendo, a Assembléia Legislativa está navegando e daqui a pouco irá desembocar num mar de lamas, e porque não podemos deixar que a individualidade venha usar o plenário desta Casa para se autopromover, porque o que estamos ouvindo aqui são coisas seriíssimas.

O Deputado Sivuca colocou bem que a Deputada Núbia Cozzolino não tem condição de participar por vários aspectos que não-somente por estar envolvida, mas até por não ter equilíbrio.

Estamos tratando de um assunto que conheço — sou da Baixada Fluminense, de Duque de Caxias. Conheço, também, o Prefeito Zito e a politicagem da Baixada Fluminense. Infelizmente, a Deputada está usando isto para fazer politicagem, e está falando de forma injusta.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO — (FALA FORA DO MICROFONE)

O SR. WASHINGTON REIS (Pela ordem) — Ela é mal-educada, está despreparada para exercer a função de Deputada, infelizmente. Ela precisa se comportar direito, porque esta Casa não é dela, mas do povo. A Deputada tem tido um comportamento horroroso aqui.

Sempre admirei o trabalho da Deputada na área social, mas, agora, não posso compartilhar, ficar aqui calado vendo a Deputada falar inúmeras mentiras, que ela sabe que o são. Daqui a pouco ela vai falar que aquele avião que derrubou as torres gêmeas nos Estados Unidos foi enviado pelo Zito. Ela está colocando a culpa no Prefeito Zito por tudo o que está acontecendo. Sabe por que isso, Sr. Presidente? Porque a Deputada está com ódio no seu coração por ter perdido a eleição em Magé. Ela perdeu porque quis, porque quer fazer política dessa forma, gritando, fazendo escândalo. Ela que é competente, trabalhadora, que tem condição de fazer política com a força do trabalho e que é de uma família com tradição na política de Magé. Está na hora da senhora manter o equilíbrio.

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O Deputado André Luiz e o Presidente foram muito felizes quando sugeriram que a senhora procurasse um médico, um neurologista, se Deus quiser, para melhorar, porque a senhora trabalha. Tem que procurar um neurologista. É mal-educada.

Por que não usa esta Casa onde temos que trabalhar...

A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Ele tem que defender mesmo! Por causa da nacional...

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Sra. Deputada.

O SR. WASHINGTON REIS – Sr. Presidente, a Sra. Deputada não tem equilíbrio.

Peço a V. Exa. que inclua o meu nome nessa Comissão, porque vou pedir para ampliá-la e investigar o comportamento da Sra. Deputada nas CPI’s. A Deputada tem um passado triste, nesta Casa, em abrir CPI de...

A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Prova! Prova!

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Sra. Deputada Núbia Cozzolino respeite...

O SR. WASHINGTON REIS – Ela não tem credibilidade alguma...

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - ...respeite o orador Sra. Deputada.

O SR. WASHINGTON REIS - ...para falar na tribuna. Fez uma CPI para apurar...

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) – Só falta pedir para a Sra. se retirar.

O SR. WASHINGTON REIS - ...evasões fiscais e saiu extorquindo empresários, Sr. Presidente. Eu mesmo, rasguei muitas vezes...

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Sr. Deputado Washington Reis, peço que V. Exa conclua, por favor.

O SR. WASHINGTON REIS – A Sra.Deputada não tem sabe se comportar. Por isso, peço ao Sr. para que, enquanto eu estiver nesta Casa, essa Deputada terá que respeitar o Parlamento e os Deputados, porque ela não está no terreiro da casa dela.

A SRA. NÚBIA COZZOLINO – Nacional...

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Sra. Deputada Núbia Cozzolino, se V. Exa. continuar com esse comportamento vou ter que pedir para que se retire do Plenário.

Ontem, foi aprovado na Mesa Diretora a nova Comissão de Ética, que irá apurar a ética dos Srs. Deputados, aqui, no Plenário. A Presidência não vai aceitar mais o que a Sra. está fazendo. Respeite o Deputado que está ao microfone, da mesma forma como V. Exa. falou

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e foi respeitada. A Presidência lhe concedeu três, quase cinco minutos. Não vou aceitar mais isso. Porte-se como Deputada.

A SRA. ALICE TAMBORINDEGUY – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Pela ordem, tem a palavra a Sra. Deputada Alice Tamborindeguy.

A SRA. ALICE TAMBORINDEGUY (Pela ordem) – Sr. Presidente, estou muito chateada e lamento profundamente o que está acontecendo, hoje, no Plenário desta Casa.

Sempre relacionei-me muito bem com a Sra. Deputada Núbia Cozzolino. Sempre procurei ter uma política de boa vizinhança com ela, mas também com todos os meus colegas desta Casa. Porém vejo que a Sra. Deputada Núbia Cozzolino está se excedendo e se emociona profundamente quando fala no assunto.

Acho uma sugestão ponderada a do Sr. Deputado Sivuca, quando propõe que as pessoas envolvidas no caso não sejam membros dessa Comissão Especial. Temos que apurar a morte desse cidadão, assim como a de qualquer pessoa que morre da mesma maneira.

Devemos apurar. Mas temos que fazer isso de uma forma isenta. Porém, estou percebendo que isso está virando uma guerra política. A guerra política está tomando conta do cenário. Isso não é bom para a Assembléia e nem para que se apure o caso.

Gostaria de ler aqui o depoimento que esse cidadão fez antes de morrer. Esse depoimento, Sra. Deputada Núbia Cozzolino, foi, realmente, concedido.

Sr. Presidente, peço que o publique no Diário Oficial.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Está deferido o pedido de V. Exa.

A SRA. ALICE TAMBORINDEGUY – Vou lê-lo nesse momento, rapidamente.

(A Deputada faz uma leitura)

Está aqui, e gostaria que V. Exa. autorizasse a publicação.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - A Presidência já deferiu o pedido de V. Exa.

A SRA. ALICE TAMBORINDEGUY – Obrigada.

Então, diante dos fatos expostos neste Plenário, acho de bom tom nenhuma das pessoas envolvidas participarem da Comissão.

Muito obrigada.

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O SR. DOMINGOS BRAZÃO – Peço a palavra pela ordem, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - Pela ordem, tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Brazão.

O SR. DOMINGOS BRAZÃO (Pela ordem) - Sr. Presidente, gostaria de fazer um apelo à Presidência: que volte à pauta. Temos ainda um Projeto na Ordem do Dia, o qual, inclusive, interessa aos estudantes que estão hoje ocupando a galeria desta Casa.

(Palmas nas galerias.)

O SR. DOMINGOS BRAZÃO – A autoridade competente deve ter tranqüilidade para apurar os fatos com transparência, mas sem pressão de nenhum dos lados. Esse assunto já foi por várias vezes motivo de intervenção de pauta nesta Casa. Gostaria que a Presidência não mais permitisse que tal fato ocorresse e se ativesse à pauta.

O SR. PRESIDENTE (José Cláudio) - A Presidência acata o pedido de V. Exa. e vai prosseguir na pauta. Logo após, darei pela ordem a qualquer Sr. Deputado.