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CARTOGRAFIA GEOTÉCNICA APLICADA AO PLANEJAMENTO
URBANO – NOÇÕES BÁSICAS
Francielle C. Almeida
Gabriel S. Nogueira
Vítor M. Goulart
INTRODUÇÃO
O uso e ocupação do solo em áreas urbanas e rurais do Brasil tornou-se
importante objeto de estudo para a prevenção de riscos geológicos em áreas
ocupadas e a simulação de possíveis desastres naturais em regiões que se
planeja o uso em geral. A partir da década de 1930 com o início da
industrialização brasileira, concentrada principalmente no sudeste, pode-se
observar o desenvolvimento de habitações em áreas que apresentavam grandes
riscos geológicos.
O adensamento populacional em áreas de morros e encostas sem infraestrutura
básica e planejamento de habitação, induziram a ocorrência de inúmeros óbitos
e danos materiais diversos, forçando o poder público a tomar medidas
mitigadoras e emergenciais. A partir da década de 1970 o Brasil passou a
produzir estudos voltados para área geotécnica, mas apenas em 1980 esse tipo
de produção tomou notoriedade no planejamento de cidades1 auxiliando na
criação de medidas corretivas em áreas já ocupadas e no planejamento urbano.
Esses estudos buscam compreender os diferentes comportamentos dos vários
tipos solos frente a exposição a diversos tipos de agentes naturais ou mesmo
provocados pelo homem. Com adventos tecnológicos tais como, os Sistemas de
Informações Geográficas (SIGs), facilitando a produção desse tipo de
mapeamento, favorece os planejamentos urbanos preventivos e/ou corretivos, a
partir de simulações, utilizando-se de softwares e instrumentos geotécnicos, e
por conta de sua possibilidade de dinamização de dados e a disponibilização
1 SOBREIRA e SOUZA, 2012.
destes em meios acessíveis a comunicação entre os diversos segmentos
acentuam essa produção cartográfica.
Um exemplo prático desse tipo de produção para o planejamento urbano é o
Projeto Terra desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Vitória que se iniciou em
meados da década de 1990, a partir do crescimento de habitações em áreas de
encosta do maciço central de Vitória que estavam expostas a riscos geológicos.
Com o estudo iniciado na região de São Pedro e que se estendeu por todo
município foi possível planejar o acolhimento dessas habitações, criou-se leis
para a construções na cidade, que até então não contemplavam áreas de risco,
e norteou o poder público em suas áreas de atuação, tais como: contenção de
encostas, criação de redes de drenagem, entre outras.
Em 2001 com a criação do Estatuto das Cidade houve a obrigatoriedade dos
municípios de criarem Planos Diretores Municipais (PDMs) 2, assim, forçaram
estes a desenvolverem estudos relativos ao uso e ocupação dos solos, buscando
dessa maneira, a prevenção e a preservação de áreas de risco geológico.
CARTAS GEOTÉCNICAS E SEU USO
As cartas geotécnicas aplicadas ao planejamento urbano se dividem em três
tipos, de acordo com SOBREIRA e SOUZA (2012), sendo elas: Carta de
Suscetibilidade, Carta de Aptidão à Urbanização e Cartas de Risco Geológico.
Suscetibilidade pode ser entendido como “(...) a potencialidade de processos
geológicos (movimentos gravitacionais de massas,
inundações/enchente/alagamentos, corridas, erosões, assoreamento,
subsidências e colapsos, processos costeiros etc) causarem transformação no
meio físico, independentemente de suas consequências para as atividades
humanas.”3 Logo, a carta de suscetibilidade tem por objetivo uma análise
preliminar para a aprovação ou não do uso de uma determinada área, pois são
cartas que não necessitam de um detalhamento pontual de uma região, pois
possuem abordagens mais gerais do terreno.
2 idem. 3 idem.
O exemplo utilizado a seguir (Figura 1) refere-se a uma Carta de Suscetibilidade
de escorregamentos rasos no município de Vitória/ES. Estes produtos permitem
a previsão desses eventos, possibilitando ainda uma melhor preparação e/ou
medidas de contenção para minimizar os prejuízos à população e ao meio
ambiente.
Figura 1 – Carta Geotécnica de Suscetibilidade do município de Vitória/ES, elaborada a partir
de simulações na plataforma SIG. (SILVA; GOMES; GUIMARAES e CARVALHO JUNIOR, 2013)
Outro tipo de carta geotécnica é a Carta de Aptidão à Urbanização. Essas cartas
são consideradas hoje como um instrumento básico e inerente ao planejamento
urbano de novas localidades, contribuindo também para melhor entender as
possibilidades de reaproveitamento e conhecimento das áreas já habitadas.
As Cartas de Aptidão à Urbanização carregam uma série de informações
específicas das áreas estudadas, dando embasamento seguro para a definição
de regras de uso e ocupação do solo, transmitindo muito mais segurança nos
projetos de engenharia. Além disso, serve também como ferramenta de auxílio
à regularização da terra urbana no que se refere a tributação de imóveis, outorga
onerosa e outras formas de regulação estatal.
Através da construção destes estudos a área abordada pode ser classificada de
três formas: em alta aptidão, média aptidão e baixa aptidão. Sendo
respectivamente: uma afirmativa para a total condição de recepção de projetos
urbanos, podendo ser ocupadas sem restrições; para dizer que as condições
para a consolidação da ocupação existe a partir de intervenções prévias,
corrigindo alguns aspectos geotécnicos do terreno; ou ainda, provar que nesta
área não há possibilidade de consolidação urbana do ponto de vista geológico-
geotécnico.4
O exemplo a seguir (Figura 2) é um produto de uma pesquisa realizada no
município de Ouro Preto/MG, caracterizou-se por ser um projeto pioneiro, que
teve como objetivo principal o levantamento de informações em melhor nível
sobre a localidade em questão. Trouxe classificações divididas em classes e
subclasses e foi elaborada na escala de 1:5000.
4 SOUZA e SOBREIRA (2014)
Figura 2 – Carta Geotécnica de Aptidão à Urbanização, Ouro Preto/MG. (SOUZA e
SOBREIRA, 2013)
A última classificação dada as cartas geotécnicas para o planejamento urbano
são as Cartas de Risco Geológico. Esta por sua vez precisam trabalhar em
escalas de 1:2000 ou maiores, tendo como objetivo a intervenção em áreas de
risco geológico em curto prazo, prevenindo assim que a população sofra com
eventos de origem geológica. Caracterizando-se como importante instrumento
na elaboração de planos de redução de risco, sendo muito utilizado por órgãos
de competência, como a defesa civil de um município.
Compreende-se como risco geológico “situação de perigo, perda ou dano, ao
homem e suas propriedades, em razão da possibilidade de ocorrência de
processos geológicos, induzido ou não.” (SOBREIRA e SOUZA, 2012).
O próximo exemplo apresentado (Figura 3) refere-se mais um vez ao município
de Vitória/ES, trazendo como conteúdo as áreas que estão sujeitas a um evento
geológico, movimento de massa. Diversas áreas apresentaram evidências
potenciais para sua classificação, considerando ainda que em algumas destas
áreas destacadas há um histórico de tragédias envolvendo várias perdas e uma
grande reestruturação do local após o ocorrido, a exemplo disso temos a tragédia
ocorrida em janeiro de 1985 no bairro Morro dos Macacos.
Figura 3 – Carta de Risco de Movimento de Massa, Vitória-ES. (GOOGLE IMAGENS)
Todas as cartas específicas apresentadas até aqui, Cartas de Suscetibilidades,
Aptidão à Urbanização e de Risco Geológico, possuem especificidade quanto a
sua forma, conteúdo, metodologia e objetivos finais, sendo assim, pode-se
sintetizar algumas características como escalas de trabalho e processos
geodinâmicos identificáveis conforme cada produto (Figura 4).
Figura 4: Níveis de cartas geotécnicas no planejamento urbano – escalas e processos
mapeáveis. (SOBREIRA e SOUZA, 2012)
PROBLEMAS E LIMITAÇÕES
Mesmo com a importância indiscutível deste tipo de estudo para um melhor e
mais seguro planejamento urbano, tem-se enfrentado ainda uma enorme gama
de limitações e dificuldades para a realização destes trabalhos, que exigem
também uma série de materiais bastante específicos que não são muito
numerosos no país. A Figura 5 mostra como ainda é escasso esse tipo de cartas
em âmbito nacional.
Figura 5: Mapa do Brasil apresentando as localidades aonde foram executadas cartas de
susuceptibilidade. Retirado de: www.brasil.gov.br/observatoriodaschuvas/mapeamento/mapa-
suscetibilidade.html.
Uma das principais barreiras enfrentadas para a execução deste tipo de
pesquisa é a falta de dados adequados ou mesmo a inexistência destes nas
localidades estudadas. Ressaltando que para a elaboração destes produtos faz-
se necessário a utilização de muitos outros materiais, como por exemplo, para a
produção de uma carta de risco geológico é preciso ter informações sobre
registros históricos de processos geodinâmicos da área em questão, enchentes
e suas periodicidades e impactos, erosões, etc.
Além deste, também existe outro entrave bastante difícil de ser superado até
hoje que é a falta de padronização no que diz respeito as metodologias e
normatizações sobre a pesquisa, logo, a variabilidade de linhas de produção
resultantes desse fato pode comprometer, de certa forma, a leitura e utilização
de tais produtos. Esse problema se deve principalmente a falta de informação.
Outro problema que tem ligação a escassez de dados prévios é o da escala, pois
a necessidade de se utilizar o que estiver ao alcance, sendo muitas vezes em
pouco número, faz com que o pesquisador precise correlacionar diferentes
cartas em diferentes escalas, provocando assim uma grande margem de
imprecisão. Ocorrem ainda muitos outros desafios dentro deste tipo de trabalho
como o de recursos financeiros para a realização de certo procedimentos,
padronização de conceitos básicos, limitações quanto à abrangência do estudo,
falta de mapeamentos mais específicos como os de representação da cobertura
de materiais inconsolidados etc.5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil a cartografia geotécnica deveria encontrar-se em um avançado estágio
de conhecimento e produção, planos municipais de desenvolvimento e de
habitação utilizam-se desse material para planejamentos e execuções de obras
e ocupações de diversos tipos de terrenos, assim incentivando a pesquisa em
novas tecnologias para construções em possíveis áreas de risco geológico e/ou
mesmo para proteção de ocupações já construídas nessas áreas.
O dinamismo do clima tropical e subtropical que o Brasil está submetido,
potencializou inúmeras catástrofes que sem uma pronta resposta ou mesmo
uma medida preventiva para esses fatos trouxeram muitas perdas e danos à
população em geral. A falta de estudos por falta de recursos ou mesmo a falta
padronização na metodologia de confecção desse tipo de carta dificulta o
entendimento por parte do leitor e efetiva produções singulares sem a devida
importância dessas informações para aplicação no planejamento urbano e na
prevenção de acidentes.
Neste sentido, o Ministerio do Planejamento incluiu no programa orçamentario
(PPA 2012- 2015) o programa Gestão de Riscos e Resposta a Desastres que
5 ibidem, p. 1.
define e distribui a elaboração desse tipo de estudo, além da produção de
material com facilidade de acesso para pesquisa e uso no planejamentos de
possíveis usos de diversos terrenos em todo território nacional.
Buscando o cumprimento desse programa diversos representantes de
interessados nessa produção se reúnem para a definição do desenvolvimento e
buscando uma padronização na metodologia de execução desse projeto, nota-
se tamanha importância de cartas com escalas que atendam a demanda para
que seja proposta. Conforme SOBREIRA & SOUZA (2012), sugere-se a
padronização das escalas, sendo: Cartas de Suscetibilidade, 1: 25.000 ou mais;
Cartas de Aptidão à Urbanização, 1: 10.000, 1 :5.000 ou maiores e Cartas de
Riscos Geológico, 1: 2.000 ou mais. Assim potencializaria a utilização de Cartas
Geotécnicas de Suscetibilidade para planos mais gerais como planos diretores
municipais, planos de ordenamentos territoriais, gestão de bacias hidrográficas
e outros; Cartas Geotécnicas de Aptidão à Urbanização priorizando o
reordenamento e ocupação urbana, dando diretrizes para planos de leis e planos
diretores, até mesmo para leigos na obtenção de informações sobre o meio físico
e seus processos em áreas urbanas e as Cartas de risco geológico como suporte
técnico para a gestão de riscos, sendo a base para sistemas de alertas e planos
de defesa civil, no planejamento das ocupações ou até mesmo no
reordenamento dessas ocupações.
A criação de um banco de dados nacional é um catálogo para consultas facilitaria
o acesso da população em geral, assim a defesa civil dos diversos municípios
do país estreitariam o contato diminuindo a burocracia para o compartilhamento
de dados entre as prefeituras, desta forma em um dado período se tornará
unificado o método de estudo, produção de cartas geotécnicas, a política de
prevenção de desastres, diminuindo consideravelmente o número de vítimas de
desastres nas habitações urbanas.
BIBLIOGRAFIA
SILVA, Eliane Lima e; GOMES, Roberto Arnaldo Trancoso; GUIMARAES,
Renato Fontes and CARVALHO JUNIOR, Osmar Abílio de. Emprego de
modelo de susceptibilidade a escorregamentos rasos para gestão de
riscos de desastres no município de Vitória-ES. Soc. nat. [online]. 2013,
vol.25, n.1, pp. 119-132. ISSN. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-
45132013000100010&lang=pt>. Visualizado: 21 set. 2015
SOBREIRA, Frederico Garcia; SOUZA, Leonardo de Andrade. Cartografia
geotécnica aplicada ao planejamento urbano. RevistaBrasileira de
Geologia de Engenharia e Ambiental, v. 2, p. 79-97, 2012. Disponível em:
<http://abge.org.br/uploads/revistas/r_pdf/RevistaABGE-art3.pdf>. Visualizado:
21 set. 2015.
Souza, L. A.; Sobreira, F. G. Guia para elaboração de cartas geotécnicas de
aptidão à urbanização frente aos desastres naturais. 2014 68 pag., il.
210x297mm. Disponível em:
http://www.abge.org.br/uploads/imgfck/file/GUIA_APTIDAO_A_URBANIZACAO
_SOUZA_E_SOBREIRA_2014.pdf Visualizado: 25 set. 2015.
Cerri L.E.S. & Amaral, C. P. 1998. Riscos geologicos. in: A. M. S. Oliveira &S.
N. A. Brito (eds). Geologia de engenharia, ABGE, p.301-310.
Projeto Cartas Municipais de suscetibilidade a Movimentos Gravitacionais
de Massa e Inundações. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/observatoriodaschuvas/mapeamento/mapa-
suscetibilidade.html>. Acesso: 26 set. 2015.
Carta de Risco de Movimento de Massa, Vitória-ES. Disponível em:
<https://images.google.com/>. Visualizado: 28 set. 2015