carta semestral - reliance.com.br · que de outra forma seria indicada. enquanto isto na china a...
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: : CARTA RELIANCE
2012 / 2
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INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................... 3
1. ESTADOS UNIDOS ................................................................................................................................. 7
2. EUROPA .................................................................................................................................................... 10
3. DÍVIDA SOBERANA E REPRESSÃO FINANCEIRA ....................................................................... 13
4. BRASIL ....................................................................................................................................................... 17
5. OS JUROS NEUTROS E A EXAUSTÃO DO CRÉDITO .............................................................. 20
6. COMMODITIES e MOEDAS ................................................................................................................ 27
7. PROCESSO DE FORMAÇÃO DA TAXA DE JUROS NO BRASIL: 1997-2012 ...................... 32
8. SURPRESA NEGATIVA NA ATIVIDADE: COMO INTERPRETAR? .......................................... 36
9. O FUNCIONAMENTO DO TARGET2 – O SISTEMA DE AJUSTE ENTRE OS BANCOS
CENTRAIS EUROPEUS ................................................................................................................................ 42
10. AÇÕES ....................................................................................................................................................... 49
11. CRÉDITO .................................................................................................................................................. 52
12. Box: Bancos, Capital ............................................................................................................................... 55
13. AÇÕES - BRASIL ..................................................................................................................................... 57
14. CRÉDITO - BRASIL ................................................................................................................................ 67
15. JUROS - BRASIL....................................................................................................................................... 70
16. FUNDOS - BRASIL ................................................................................................................................. 78
: : FUNDOS MACRO ................................................................................................................................................. 78
: : FUNDOS LONG AND SHORT ......................................................................................................................... 81
: : FUNDOS DE AÇÕES ............................................................................................................................................ 83
: : CONCLUSÃO ........................................................................................................................................................ 84
17. ANÁLISE TÉCNICA ............................................................................................................................... 86
: : BOLSA AMERICANA: S&P500 ............................................................................................................................ 86
: : MOEDAS: EURO .................................................................................................................................................... 90
I. ANÁLISE TÉCNICA: Contexto, Críticas e Terminologia. ............................................................. 95
II. CURRICULUM VITAE: Samuel Pessoa ............................................................................................. 102
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INTRODUÇÃO
: : MARCELO STEUER
Antes de tratar dos temas de cenário para investimentos, vou tratar de um assunto sobre nossa estrutura
interna. Após 5 anos de grande contribuição para nossa atividade, Fabio Kanczuk optou por perseguir
outros desafios. Ele é substituído em sua função por Samuel Pessoa, que é conhecido por muitos de
vocês. O Samuel é uma adição à nossa equipe que muito nos orgulha e anexamos o seu CV no final da
nossa carta para aqueles que não o conhecem. Nesta carta temos o privilégio especial de termos a
contribuição de ambos.
Peculiarmente, nesta carta, os temas centrais são fundamentalmente os mesmos da anterior, hoje em
dinâmica mais avançada, mais explicitados que então.
O Banco Central do Brasil persistiu na política de usar a fraqueza da atividade econômica doméstica e
internacional para testar níveis de taxas de juros substancialmente mais baixos. A reação do mercado foi
deslocar para baixo a curva como todo, mas ainda manter uma diferença importante entre a taxa de
curto prazo para os juros e a taxa mais longa, ou seja, entre a determinada pelo momento atual no ciclo
de atividade e a variável mais estrutural. Este processo é descrito com riqueza por Julio Ferreira. Samuel
contribui ao debate ao explicitar o resíduo dos juros domésticos que não é explicável pelas variáveis
externas e discutir as variáveis de política econômica que podem determiná-lo, atribuindo particular
relevância no sentido de provocar juros mais altos à política de manter o real mais apreciado. O ponto da
carta anterior que eu gostaria de basicamente repetir é que em um ambiente global de repressão
financeira, ou até, gostaria de chamar o fenômeno de compressão financeira, ou seja, onde os bancos
centrais do mundo desenvolvido desejariam operar com juros reais bastante negativos para propiciar
desalavancagem via aumento do preço relativo de ativos em relação aos passivos financeiros, sustentar
políticas que tenham como efeito colateral taxas reais de juros mais altas será crescentemente mais
difícil e mais caro, o que implicará em um ajuste de política mais cedo ou mais tarde. Este fato não
reduzirá a volatilidade das taxas de juros e não eliminará a importância de uma discussão tática de onde
estamos no curto prazo, considerando o composto de política presente. No caso específico do câmbio,
seu destino estará relacionado à evolução de nossos termos de troca, ou seja, da performance dos
preços de commodities. Será difícil manter o câmbio mais desvalorizado que o nível atual na ausência de
pressões na balança comercial dadas pela queda importante dos preços dos produtos exportados, e por
outro lado em um ambiente menos turvo, onde as projeções de demanda sejam menos voláteis e mais
favoráveis, as pressões de valorização serão enormes. Implícito neste argumento (se vocês tiverem a
gentileza de retomar meu raciocínio da carta anterior de que teríamos uma equação relativamente
simples, que definiria o câmbio, determinada pela performance comercial e pela liquidez internacional
para o financiamento) está que eu não acredito em mudanças sustentada na última que pode ser
transitoriamente impactada por choques maiores ou menores de aversão ao risco, mas que estará
definida pelo processo de desalavancagem que discutimos anteriormente.
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Outra discussão importante é a sobre a relativa fragilidade da atividade econômica no Brasil apesar
destas taxas de juros baixas e do amplo cardápio de estímulos, fato que temos que dizer termos
antecipado. É importante colocar que este fenômeno tem elementos internacionais já que o estamos
vendo se manifestar simultaneamente em todo o globo, mas certamente tem componentes domésticos
que serão o nosso foco durante o semestre. Na carta anterior levantamos o tema de um certo
entupimento no canal de crédito que acabou por se evidenciar mais claramente com o aumento da
inadimplência das pessoas físicas para níveis bastante elevados, especialmente se considerada a
situação do emprego e dos salários. No momento em que escrevemos, bancos e o Banco Central
indicam que este processo de crescimento do crédito individual problemático parece ter alcançado um
topo e estaria começando a reverter. É necessária cautela entretanto no acompanhamento do tópico
porque não acredito que este ajuste deixe de também passar pelo setor corporativo e porque os indícios
de ajuste em setores mais impactados pelo aumento da alavancagem são ainda frágeis. Mais uma vez
Samuel ajuda a aprofundar sobre o tema ao analisar os componentes de demanda da economia e
mostrar que parte da fragilidade é explicada por um ciclo normal de redução de estoques e pela redução
do investimento sobre a qual vou tratar a seguir, mas que há uma aparente desconexão entre atividade
econômica e mercado de trabalho que resolvida implicará em volatilidade maior na atividade ou inflação.
Em nossa carta de Fabio Kanczuk colocou uma questão, então fora da discussão padrão, sobre como o
potencial de crescimento da economia brasileira seria restringido pela evolução bastante pobre da
produtividade da nossa economia cujas raízes principais, fragilidade educacional e dimensão do gasto
público não mostravam trajetória de mudança. Samuel mostra como a evolução negativa da
produtividade recente explica uma queda na taxa de investimento que impede uma recuperação mais
rápida do crescimento. A diferença quanto a este tema é que ele definitivamente migrou para o
consenso. O debate sobre ele é intenso e os agentes parecem ter ajustado o potencial de crescimento
para baixo. A discussão de onde está este nosso potencial neste ponto parece em aberto, e tenho que
dizer que mesmo entre nosso grupo interno, estou entre os menos otimistas e projetaria uma
manutenção desta performance pobre da produtividade por um período longo, o que implicaria em um
potencial de crescimento abaixo de 3% ao ano, que seria considerado medíocre pelo consenso. Um
assunto que também migrou para o centro de todas as discussões domésticas e internacionais foi a
crítica a um ativismo e micro gerenciamento governamental excessivo que acaba por aumentar
incertezas e reduzir apetite de investimento privado. Embora reconheça que as evidências estejam longe
de favorecer meu ponto de vista e respeitando o viés ideológico do nosso governo, acho que logo
poderemos ver um ajuste positivo nesta área provocado pelo evidente insucesso de políticas em várias
áreas que conduziriam a ajustes de foco, com políticas mais horizontais e menos táticas e setoriais e
com a liberação de espaços adicionais para o investimento privado como forma a obter resultados em
prazo curto. Vamos torcer para que esta sensibilidade ou esperança esteja correta.
No âmbito internacional na maioria dos casos temos as questões centrais são as mesmas que seis
meses atrás, apenas avançamos para pontos mais próximos de momentos que provocarão definições ou
explicitarão ajustes ou contradições de longo prazo. A discussão sobre a crise europeia continua a
povoar os jornais diariamente. As contradições da moeda única para um bloco tão heterogêneo continua
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a ser pontuada e os analistas continuam a apontar soluções de curto prazo que frequentemente não
respeitam valores básicos ou restrições políticas fundamentais destas sociedades. Continuamos
projetando que no período desta carta continuaremos avançando sob o signo da estratégia atual, ou
seja, a moeda única será suportada por um processo gradual de mutualização explícita de débitos (uma
vez que através das contas dos bancos centrais e dos mecanismos de estabilização o repasse em muito
já ocorreu) que requererá compatibilização de políticas fiscais e previdenciárias e renúncia de parcelas
importantes da soberania fiscal e onde a volatilidade e as pressões dos mercados de crédito são
alavancas críticas para a aceitação dos custos das mudanças necessárias. A incompatibilidade básica
entre o tempo político e o tempo de mercado continuarão trazendo risco e fazendo eventualmente com a
que crise acabe por contaminar espaços maiores de mercado. Muito preocupa hoje, por exemplo, a
perda de sintonia política recente entre Alemanha e França que pode impedir que a mutualização avance
importantemente antes que a crise pressione a última de forma mais intensa. O eventual processo de
união fiscal facilita o ajuste e lhe dá mais tempo, mas não elimina a demanda por um ajuste na
produtividade e nos custos relativos das diferentes economias que de toda forma implicará num longo
período de baixo crescimento ou redução de atividade, de rendas menores e desemprego de recursos.
As pressões políticas derivadas desta situação estarão por muito tempo conosco e representarão um
risco permanente de ruptura neste processo de ajuste pela fragilidade do tecido político, e esta, portanto,
será uma área a requerer observação e análise contínua. No caso dos Estados Unidos, o processo
coloca “o dia D” em um momento mais obvio. Continuamos vendo um processo de saneamento
financeiro mais avançado, mas um crescimento menor que o esperável nesta fase do ciclo dado o
impacto nos investimentos das incertezas fiscais e regulatórias da economia. A questão que está
colocada será a capacidade do processo eleitoral, a ser conduzido neste novembro, de nos sinalizar os
termos em que será conduzido o ajuste fiscal de longo prazo da economia americana. Particularmente
julgo que qualquer ajuste deverá implicar em aumento de receita fiscal, diminuição de despesas e
transferências e principalmente alcançar-se controle sobre a evolução do custo de saúde pública. O
problema que tem sido repetidamente analisado é que a diferença de estratégias propostas pelo partido
democrata e pelo republicano é total e de que nunca a agenda foi tão controlada pelos grupos mais
radicais e, portanto, nunca a capacidade de negociação de soluções de compromisso foi tão baixa.
Como as expectativas para as eleições não são de uma vitória clara de um grupo ou de outro, e nem os
setores mais moderados deverão prevalecer, o risco de impasse é maior do que em qualquer outro
momento. Outro assunto a considerar é que embora soluções ideais devessem implicar em uma
frouxidão fiscal de curto prazo possibilitada por sinais claros de ajustes no longo prazo, a situação
política e a falta de performance no sentido de fazer os ajustes nos momentos em que eles se tornam
agenda tenderá a implicar em demanda por uma política fiscal mais apertada no curto prazo do que a
que de outra forma seria indicada. Enquanto isto na China a discussão sobre o tipo de pouso que a
economia vem tomando e sua capacidade de ajustar no sentido de maior importância do consumo em
detrimento dos investimentos e do setor externo segue sincronicamente a uma transição geracional de
poder político. Continuamos a achar com relação a esta economia que as expectativas de mercado
continuam a superestimar o potencial de crescimento de longo prazo e a capacidade do governo central
de controlar a volatilidade resultante deste ajuste, mas não parece que estejamos frente a um momento
crítico neste processo.
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Em nossa carta vocês poderão ler as análises de Rodrigo Moraes e Eduardo Weber sobre preços de
ativos e verão que estamos mantendo a nossa estratégia financeira de procurar coletar premio de risco
enquanto ficamos atentos tentando acompanhar algum risco de ruptura que implicasse na mudança na
lógica de precificação dos ativos face a transformação nos resultados financeiros esperados. Manoel e
Rodrigo analisam eficiência de instrumentos e gestores para lidarem com este momento.
Mais uma vez obrigado a todos vocês pela confiança em nós depositada e pela divisão de
responsabilidade de lidar com momento tão complexo conosco.
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1. ESTADOS UNIDOS
: : FABIO KANCZUK
Durante o primeiro semestre de 2012 a economia dos EUA se comportou razoavelmente em linha com o
que esperávamos. A presença de alguns choques temporários ainda nos causa dificuldade em extrair
seu verdadeiro estado. Ainda assim, permanecemos mais pessimistas que o consenso que, aos poucos,
tem convergido para nossas projeções.
Anteriormente havíamos citado duas perturbações ocorridas em meados de 2011: (i) a alta no preço do
petróleo que, repassada para o preço da gasolina, tirou poder de compra do consumidor, e (ii) o
terremoto no Japão, que causou uma ruptura nas linhas de produção globalmente integradas. A esses
dois ruídos juntou-se o inverno extraordinariamente ameno, que permitiu menos interrupções ao trabalho
do que o usual. Como ilustração, a Figura 1 mostra como o número de trabalhadores impedidos de ir
trabalhar devido ao clima neste inverno ano foi bem inferior que nos anos passados.
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Number of People Snowed InNot at Work Due to Bad Weather (Dec. ‐ Jan. Avg.)
Figura 1: Efeito do Inverno Ameno. Fonte: Bureau of Labor Statistics, BofA Merrill Lynch Global Research
Dadas as imprecisões causadas por estes choques, nossa visão para os EUA continua inalterada. Assim
como todos os analistas, observamos que o ajuste fiscal programado para 2013 – o chamado “Fiscal
Cliff” – tem magnitude suficiente para colocar a economia em recessão. Também em linha com o
consenso, notamos que provavelmente haverá algum acordo político para postergar boa parte das
medidas, ainda que o Obama tenha que enfrentar um Senado e Câmara com maiorias republicanas.
Entretanto, em contraste com a maior parte dos analistas, entendemos que a incerteza com o futuro já
estaria contaminando o crescimento econômico hoje. Nossa principal evidência é o comportamento dos
“investimentos”, definidos como a soma do consumo de bens duráveis com os investimentos
propriamente ditos. Como sempre argumentamos, apesar de representar menos de 25% do PIB, este
componente da demanda é o responsável por praticamente todas as oscilações.
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Na figura 2 reportamos, em logaritmo, a evolução desses “investimentos” no tempo, assim como do resto
da demanda (os outros 75% do PIB). Note-se como os investimentos estão bem abaixo da tendência
(cerca de 16%), e que aí está o potencial para que a economia dos EUA cresça fortemente. Contudo,
embora as empresas atualmente tenham bastante caixa, elas têm decidido manter seu estoque de
capital bem abaixo do usual, preterindo seus investimentos. Nossa explicação é que isso está ocorrendo
devido à incerteza com o ajuste fiscal.
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"Investimento" Tendência Resto
Figura 2: Investimento nos EUA
Armado dessa intuição, nosso modelo DSGE funciona da seguinte forma. Conforme o problema fiscal é
postergado, e a dívida aumenta, maior será o ajuste fiscal necessário. As empresas tomam sua decisão
de investimento com base em suas expectativas para os lucros futuros, os quais são afetados
negativamente pelos impostos. Assim, ao observarem a elevação da dívida, as empresas antecipam que
o retorno do capital produtivo será menor, e optam por investir menos. Analogamente, as famílias
postergam a compra de bens duráveis, ao anteciparem mais impostos e menos renda.
A figura 3 contrasta as projeções do nosso modelo DSGE com as das nossas casas preferidas e com as
do CBO (Congressional Budget Office). Embora não se destaque pelo número de acertos, a projeção do
CBO é interessante por explicitar o que ocorre se os agentes econômicos não antecipam o futuro. De
acordo com modelo do CBO - um modelo keynesiano das antigas -, a economia cresceria solidamente
em 2012, entraria em recessão no momento do ajuste fiscal, no primeiro trimestre de 2013, e se
recuperaria instantaneamente a seguir. Em nosso modelo DSGE os agentes já antecipam o ajuste fiscal
e retraem os investimentos já em 2012. Após ocorrido o ajuste, com a diminuição da incerteza, a
economia começa a se recuperar. As casas egrégias parecem projetar algo no meio do caminho, ou uma
situação em que não há nenhum ajuste fiscal relevante. Seus cenários são consistentes com uma
situação em que os agentes econômicos não estão antecipando o abismo fiscal logo à frente, e que o
abismo de fato não ocorrerá.
Em termos de posicionamento para o mercado, nossos resultados sugerem cautela. Nossa projeção
para os EUA não é de recessão, mas de crescimento medíocre. Entretanto, ela é claramente mais
pessimista que as dos outros analistas.
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Figura 3: Crescimento da Economia dos EUA
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2. EUROPA
: : FABIO KANCZUK
A evolução da crise da Europa continua sendo a principal preocupação para os mercados. Em contraste
com a carta passada, quando o assunto era a sustentabilidade da dívida italiana, em vista dos juros
subitamente elevados, o foco mudou para a Espanha. Antes de avaliar a sustentabilidade desse
soberano, seguimos o roteiro de mostrar nossas projeções econômicas para o Euro como um todo.
Quando escrevíamos a Carta passada, os dados disponíveis sugeriam que o crescimento da Zona do
Euro no último trimestre de 2011 tinha sido negativo. A questão crucial era se isso representava o
começo de uma forte depressão ou se foi somente um pequeno mergulho, sem maiores importâncias.
Nosso modelo DSGE desafiava o consenso, indicando que seria uma recessão bem menos profunda do
que se acreditava. Isto ocorria apesar da contração do crédito imputada ao modelo, e mensurada através
da pesquisa de empréstimos bancários realizada pelo Banco Central Europeu.
Os dados divulgados durante o último semestre sugerem que nossa projeção estava correta. Ou, ao
menos, o consenso se aproximou dela. Na Figura 2 mostramos as projeções atualizadas, do nosso
modelo, das principais Casas, e do consenso (Bloomberg). Todos apontam para mediocridade, mas
ninguém para crescimentos da ordem de -4%, como o que ocorria há seis meses.
Figura 2 Projeções para o PIB da Europa
Este acerto nos permite contar vantagem, mas pouco ajuda em termos de posicionamento nos
investimentos. A Zona do Euro como um todo mostra resiliência, mas ela indica uma média bem
comportada de duas realidades extremamente desconfortáveis. A Grécia está tão fria e a Alemanha tão
quente como os proverbiais pés no congelador e cabeça no forno. Ao invés do PIB da Europa, é mais útil
discutir sustentabilidade da dívida soberana da Espanha.
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A graça de olhar Espanha é a de questionar o valor de sua dívida pública. Segundo o dado oficial,
calculado segundo o Procedimento de Déficit Excessivo, pela União Europeia, a dívida pública
espanhola estava em 68% do PIB no final de 2011. Mas um monte de outras dívidas (privadas) acabam
caindo no colo do Governo, e o endividamento público de repente se torna muito maior.
Para construir um cenário bastante severo, à dívida oficial somamos
a. 9% (do PIB) devido a pagamentos atrasados da união,
b. 6% de dívida das estatais,
c. 3% de títulos públicos em poder do fundo de seguridade social
d. 14% de dívidas contingentes, as quais são compostas por (a) títulos bancários em posse do
tesouro, (b) FROB (fundo para reestruturação dos bancos com garantias do tesouro), (c) PPP
(parcerias público privadas), (d) FADE (tarifa de eletricidade), e (e) ICO (banco de
desenvolvimento).
Para contrastar com os 40 bilhões de Euros anunciados pelo FMI (e os 70 bilhões calculados por
consultoria privada), nessa conta está implícita uma ajuda aos Bancos igual a 140 bilhões. Os números
são propositalmente elevados, e fariam com que a dívida ficasse em 100% no fim de 2011.
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Juros PIB Inflação Déficit
Figura 3: Hipóteses para dívida espanhola.
Para estudar a evolução dessa dívida, criamos um cenário econômico também bastante duro, reportado
na Figura 3. As seguintes hipóteses foram incorporadas:
a. PIB cresce 1,5% em regime, bem menos que os 4% usuais. Transitoriamente é bem pior
que isso: -2% esse ano e -1% ano que vem, o que é claramente inferior ao consenso.
b. Superávit primário volta a ser 2% do PIB. Mas no curto prazo, em vez dos 5,7% do PIB que
o Rajoy está prometendo, a hipótese é de que o déficit nominal em 2012 será de 7,5%.
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c. A inflação fica em 2% (historicamente foi maior)
d. Juros nominais em 5,2%, escolhidos para manter a dívida constante como proporção do PIB
em regime, conforme Figura 3.
Destas hipóteses, a única talvez controversa é a sobre os juros nominais, que foram calculados de forma
a forçar a sustentabilidade da dívida. A conclusão do exercício é exatamente que se os juros sobre a
dívida forem mantidos em patamares relativamente baixos não há um problema de sustentabilidade.
Sabemos que em 2011 eles foram inferiores a 4%, mas que tem subido recentemente, apesar dos juros
alemães estarem extremamente baixos.
Na seção seguinte discutimos em que sentido é razoável supor que esse é um cenário de juros baixos é
provável, fazendo uma revisão histórica dos fenômenos de repressão financeira.
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Dívida / PIB (%)
Hipótese
Figura 4: Evolução da dívida espanhola.
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3. DÍVIDA SOBERANA E REPRESSÃO FINANCEIRA
: : FABIO KANCZUK
Matematicamente, há três formas (não excludentes) para que o endividamento de um soberano, medido
como proporção do PIB, possa diminuir:
A primeira alternativa é ter o crescimento do PIB elevado, isto é, superior ao do PIB potencial. Essa
maneira de resolver o problema é sempre a preferida, pois ninguém sai perdendo. Infelizmente ninguém
tampouco sabe como implementá-la. Podemos argumentar que redução de ineficiências, liberalização do
mercado de trabalho e de produtos poderia ajudar, elevando a produtividade do país. Mas essas
reformas sempre ajudam, independente do momento ou do problema de endividamento. É ingênuo
acreditar que sejam a solução para um grave problema do endividamento.
A segunda alternativa é gerar superávit primário, i.e., arrecadação de impostos superiores aos gastos do
governo (sem contar os juros). Para tal, o procedimento normal e fazer um plano de austeridade, através
de redução de gastos e elevação de impostos. Uma forma mais indireta e malandra, é cortar gastos
através da redução de salários públicos reais, com aumento de inflação.
O crucial é notar que nessa alternativa sempre um grupo de interesses irá sair perdendo. Por exemplo,
uma redução de gastos através de corte de benefícios de aposentadoria cria enorme rejeição nos
aposentados, que usualmente são um grupo politicamente forte e com muito tempo disponível para
protestar. Elevação de impostos sobre o setor produtivo tende a piorar o crescimento econômico, mas
costuma encontrar menos rejeição politica. Venda de estatais pode ser uma boa alternativa, dependendo
do posicionamento politico do eleitorado.
A terceira alternativa para reduzir endividamento é cortar a remuneração da dívida, isto é, tornar os juros
(reais) inferiores ao PIB potencial. Usando um jargão que está na moda, nessa alternativa é necessária
alguma forma de “envolvimento do setor privado”. Em outras palavras, os credores do soberano, aqueles
que detêm os papéis de sua divida, irão arcar com o prejuízo.
Uma maneira explícita de cortar a remuneração da divida é dar um calote: sentar à mesa com os
credores e fazer uma “reestruturação da divida”. Em principio isso é relativamente fácil sob o ponto de
vista político, pois os credores significam alguns poucos votos. Mas é normal haver um grande custo
econômico associado a essa alternativa, cuja razão não é bem compreendida, mas talvez esteja
relacionada a amplificação financeira da ruptura nos fluxos. O fato é que após um calote explícito é
comum haver uma queda de 10% no PIB, a qual, por sua vez, implica em imensos custos políticos.
Outra forma de fazer os juros reais serem baixos é através de uma surpresa inflacionaria. Se os papeis
da divida não estiverem indexados a inflação, uma elevação da inflação implica em menos juros reais. O
problema é que o mercado costuma antecipar a inflação e cobrar juros nominais elevados. Na prática,
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raramente essa metodologia funciona, mesmo que a inflação seja permanentemente crescente. Inflações
elevadas e hiperinflações tendem a melhorar as contas públicas principalmente devido a seu efeito nos
salários públicos reais e, em menor medida, ao imposto inflacionário (seignoriagem) cobrado
implicitamente sobre os detentores de moeda.
Mas há ainda outra forma de reduzir os juros da dívida pública, que dá o título a essa seção: “repressão
financeira”. O nome é admitidamente ruim. Ele foi cunhado por McKinnon (1973)1 e refere-se às práticas
impostas pelos Governos para reduzirem a remuneração de dívida no passado. Mas a ideia central,
acreditamos, é muito boa. Provavelmente será essa a maneira de resolver o imenso endividamento
público que hoje caracteriza várias economias desenvolvidas. Afinal, ela combina a vantagem de
apresentar relativamente poucos custos econômicos e de ser politicamente discreta.
Conforme proposto por Reinhart e Sbrancia (2011)2, no passado as repressões financeiras se
caracterizavam por artimanhas bastante intervencionistas, tais como (i) limites superiores nos juros
nominais, (ii) compulsórios, (iii) controle de capitais, (iv) impostos sobre dividendos de ações. Agora, ela
está ocorrendo de forma bem mais discreta, e ocasionalmente aparece no contexto de “regulação
macroprudencial”.
Várias medidas regulatórias têm evitado que o capital escape, deixando-o preso em juros
inexplicavelmente baixos. De um lado, a política monetária adotada pelos Bancos Centrais dos países
desenvolvidos tem envolvido a compra maciça de títulos do governo. De outro, os países emergentes
colocam controles de capital para contrabalançar a política monetária expansionista dos países
desenvolvidos, que causa imenso influxo de divisas e excessiva apreciação de suas moedas.
Algumas outras medidas apontadas por estas pesquisadoras podem ser consideradas mais explícitas e
polêmicas: A regulação bancária Basileia III dá tratamento preferencial à dívida pública nos balanços dos
bancos, favorecendo títulos do governo como forma de requerimento de capital. No ápice da crise os
bancos do Reino Unido foram forçados a manter uma elevada fração de títulos públicos em seus
portfolios. A Espanha recentemente introduziu uma forma de teto para os juros sobre depósitos
bancários.
A nosso ver não é claro que uma repressão financeira esteja ocorrendo de forma deliberada. Mas ela
pode estar acontecendo como uma solução natural, como o caminho de menor esforço, como uma
válvula de escape que vai implicitamente se construindo. O crucial é notar seu potencial, e suas
implicações para o investidor.
1 McKinnon, Ronald I. (1973), Money and Capital in Economic Development, Washington, DC: Brookings Institute.
2 Reinhart, Carmen M. and M. Belen Sbrancia (2011), “The Liquidation of Government Debt”, NBER Working Paper 16893
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Para ganhar mais intuição sobre o fenômeno da repressão financeira, a seguir ilustramos o caso dos
EUA no pós-guerra. A Figura 5 reporta a evolução da dívida como percentagem do PIB desse período.
Note como ela se reduziu de 122% para 59% entre 1947 e 1957.
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1964
1965
Dívida Pública EUA (% PIB)
Figura 5: Dívida pública americana no pós-guerra.
A Figura 6 mostra o comportamento do crescimento do PIB, do superávit primário, dos juros nominais
(implícitos) sobre a dívida, e a inflação no período. Para resumir, o crescimento médio do PIB no período
foi 3,5%, a inflação média foi 2,6%, os juros nominais médios foram 1,8% e o superávit primário médio
foi 1,9%. Note, em particular, que a inflação não foi muito elevada, mas os juros reais foram negativos
em vários períodos.
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1957
Crescimento Juros sobre a dívida Inflação Déficit primário
Figura 6: Variáveis macroeconômicas no pós-guerra.
Para poder avaliar a magnitude das variáveis macroeconômicas da época, primeiramente obtemos o PIB
potencial da época. Uma filtragem de uma série histórica que se inicia em 1800 implica que o
crescimento potencial na época do pós-guerra estava em torno de 3,5%. Nada surpreendente, tendo em
vista que o crescimento demográfico era bem maior que hoje. A seguir, utilizando-se esse valor como
base, avaliamos os determinantes da evolução da dívida.
página 16 :: 102
A Figura 7 reporta os três fatores que determinam a redução da dívida/PIB: (i) superávit primário, (ii)
crescimento acima de 3,5%, e (iii) juros reais abaixo de 3,5%. Sua mensagem é que o crescimento não
ajudou nada (já que ele foi igual ao potencial). O superávit foi responsável por um terço da redução da
dívida/PIB. O que realmente fez a dívida desaparecer (os outros dois terços) foi o juro real negativo. Em
outras palavras, a solução foi realmente a repressão financeira.
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Variação na Dívida/PIB (%)
Juros Crescimento Superávit
Figura 7: Componentes de redução da dívida.
Com a crise de 2009, as dívidas públicas de vários países desenvolvidos elevaram-se para patamares
próximos a 100% do PIB. É natural esperar que elas retornem a níveis mais normais e sustentáveis,
voltem a ter magnitudes em torno da metade disso. Será que daqui a uma década, veremos que juros
excepcionalmente baixos, como os atualmente observados, foram subrepticiamente perpetuados, e
constituíram-se o mecanismo de ajuste?
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4. BRASIL
: : FABIO KANCZUK
Os dados econômicos divulgados na primeira metade desse ano têm contrariado ao consenso dos
economistas e a nós mesmos. De um lado, a atividade econômica tem sido bem mais fraca do que se
esperava. De outro lado, a inflação também tem surpreendido para baixo. E isso tem ocorrido embora o
Banco Central tenha praticado juros mais baixos do que se esperava.
Uma possível explicação para o que tem ocorrido está relacionada a uma eventual “exaustão do crédito”,
a ideia de que a extraordinária expansão do crédito observada durante a última década chegou ao fim,
mudando a realidade da nossa economia. Discutimos essa alternativa em detalhe na seção a seguir,
mas consideramos que essa não é a resposta mais provável.
Outra possível interpretação para o observado primeiro semestre desse ano é que as surpresas foram
devidas a choques provisórios, ajustes de estoques, erros de medidas, e outras coisas que não
entendemos bem. Essa é resposta é igual a do médico que coloca a culpa no estresse da vida moderna,
do advogado que reclama da imprevisibilidade do juiz. Frustrante, mas, ainda assim, é a que
consideramos mais provável.
Ao observar no detalhe, notamos que os dados de atividade não foram ruins de forma generalizada. Ao
contrário, o crescimento foi baixo devido a alguns itens muito específicos. Contradizendo a história de
que as famílias estão muito endividadas, o consumo privado foi forte. O que atrapalhou o PIB foi o
investimento das empresas. E mesmo quando se observam os investimentos, nota-se que sua fraqueza
esteve concentrada no setor automobilístico, o que pode ser explicado pela mudança tecnológica nos
motores dos caminhões.
No caso da inflação, também é possível botar a culpa em fatores idiossincráticos e de natureza
temporária. A demora na entrada do inverno fez a inflação de vestuário surpreender para baixo. A
política de redução de IPI causou uma queda nos preços de automóveis. Mas será uma questão de
tempo para vermos estes efeitos sendo revertidos.
Com base nessa leitura, nosso cenário para o segundo semestre de 2012 e para 2013 continua muito
próximo daquele proposto na Carta passada. Acreditamos que a prática de juros baixos irá levar a uma
recuperação da atividade e, num segundo momento, a uma elevação da inflação. Assim como em
episódios anteriores, seria um clássico voo de galinha, como são todos os crescimentos causados por
estímulo monetário.
Na Tabela 1 explicitamos nosso cenário básico. Para sua construção assume-se que:
a. Câmbio e commodities ficam aproximadamente constantes.
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b. Não há impactos fiscais, i.e., grosso modo o Governo cumpre sua meta de superávit
primário.
c. Os juros (Selic) serão continuamente reduzidos, a um passo de 50 bps por reunião, até o
momento que a inflação acumulada em 12 meses claramente se elevar. A partir desse ponto,
os juros seguem livremente o processo de reação do Banco Central (Regra de Taylor
estimada)
Tabela 1: Cenário para Brasil.
CRB Dolar PIB (qoq)
PIB (yoy)
IPCA (qoq)
IPCA (yoy)
Selic
2010Q1 425 1.82 8.5 2.5 8.5 5.2 8.75
2010Q2 430 1.78 5.0 5.3 4.1 4.8 9.75
2010Q3 460 1.74 3.7 7.6 2.0 4.7 10.75
2010Q4 498 1.69 4.2 7.6 9.2 5.9 10.75
2011Q1 565 1.65 3.5 6.3 10.1 6.3 11.42
2011Q2 561 1.57 1.9 4.9 5.7 6.7 12.08
2011Q3 534 1.67 -0.6 3.7 4.3 7.3 12.17
2011Q4 494 1.79 0.6 2.7 6.0 6.5 11.17
2012Q1 500 1.76 0.8 1.9 5.0 5.2 10.25
2012Q2 482 1.93 2.6 1.3 5.3 5.2 9.08
2012Q3 483 2.00 4.9 1.3 4.5 5.2 7.97
2012Q4 485 2.02 5.5 1.8 7.5 5.5 7.08
2013Q1 486 2.04 5.1 2.8 7.7 6.3 7.00
2013Q2 486 2.05 4.4 3.8 5.8 6.4 7.38
2013Q3 486 2.06 3.6 4.4 4.0 6.2 8.02
2013Q4 485 2.07 3.1 4.5 7.0 6.1 8.51
Notem-se alguns resultados interessantes. Primeiro, o PIB anual (yoy) em 2012 fica abaixo de 2%,
abaixo do consenso e muito abaixo das expectativas do Governo. Isso ocorre devido ao efeito estatístico
causado pelo baixo crescimento observado no final de 2011 e no primeiro semestre de 2012. No
segundo semestre de 2012 o crescimento é superior a 5%.
Segundo, como a inflação acumulada em 12 meses somente dispara no primeiro trimestre de 2013, há
tempo para que os juros sejam reduzidos até 7%. Só daí o Banco Central se arrepende, e inverte a
política monetária, terminando o ano com a Selic em 8,50%. Digno de nota, esse resultado é
consequente da hipótese de que o Banco Central intencionalmente testa juros baixos até perceber seu
limite.
Terceiro, a inflação de 2013 fica acima de 6%. Este número é bastante superior ao consenso e aos
preços de mercado e, em nossa opinião, sugere posicionamento de portfolio.
Assim como observado na Carta anterior, a razão de nosso modelo DSGE projetar inflações bem acima
do consenso dos economistas deriva de aspectos eminentemente técnicos. A melhor forma de entender
o porquê da nossa divergência é comparar as medidas de “hiato do produto”. No caso do DSGE,
excessos de demanda são medidos através do Custo Marginal, que é a medida econômica rigorosa de
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hiato. Em contraste, a maioria dos analistas do mercado calcula o hiato através de filtragem puramente
estatística, que não separa choque de oferta e de demanda. Tipicamente utiliza-se uma função de
produção, ou um filtro HP (Hodrick-Prescott). Ao incluir choques de oferta no hiato do produto, essas
metodologias podem tanto superestimar como subestimar a ociosidade econômica3.
A Figura 8 compara essas duas medidas de hiato do produto. A curva denominada PIB-filtro HP visa
reproduzir a metodologia de um analista imaginário que tem projeção para o PIB idêntica a do cenário
traçado na Tabela 1. Isto faz com que a diferença entre as duas curvas seja exclusivamente
metodológica.
Note-se a distinção entre as duas curvas. O analista imaginário acredita que a economia dispõe de
grande ociosidade, já que o crescimento do PIB nos últimos trimestres foi bastante baixo. Por isso,
considera que não há pressão inflacionária relevante. Em contraste nosso modelo acredita que a
performance ruim da economia não se deveu a um choque de demanda, mas de oferta. Por essa razão,
não há praticamente nenhuma ociosidade, e a inflação logo volta a ser um problema.
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Medidas de "Hiato" (%)
DSGE (custo marginal) Analista Imaginário (PIB - Filtro HP)
Figura 8: Medidas de Hiato.
3 Se a economia for fechada e não tiver capital, e a tecnologia for Cobb-Douglas, o custo marginal é igual ao hiato do produto,
definido como a diferença entre o PIB observado e o PIB que ocorreria se os preços fossem totalmente flexíveis (i.e., sujeito
somente a choques de oferta). Mas somente com essas hipóteses heroicas, de que não existem exportações, importações e
investimentos, o conceito estatístico de hiato do produto se torna uma medida correta da ociosidade.
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5. OS JUROS NEUTROS E A EXAUSTÃO DO CRÉDITO
: : FABIO KANCZUK
Na Carta passada discutimos várias hipóteses para tentar explicar a razão de nossos juros reais serem
tão elevados quando comparados aos patamares internacionais. O foco principal de nosso estudo foi a
presença do BNDES, o subsidio aos juros em algumas modalidades de crédito, e seus efeitos sobre a
demanda e inflação. Ao construir e calibrar um modelo, obtivemos que esses efeitos não são
quantitativamente relevantes, apesar da dimensão do crédito direcionado. Como consequência,
concluímos que a memória do nosso passado de calotes públicos, elevada inflação e indexação era
nossa hipótese favorita (ou a menos desfavorita) para explicar nossa aberração monetária.
Ainda no mesmo texto, sugerimos que o fim da atrofia do mercado de crédito poderia ser uma hipótese
alternativa. Segundo essa teoria, a imensa expansão do crédito observada na última década, em
particular aquele concedido às famílias, poderia ser a razão para nossos juros serem tão elevados.
Afinal, o poder de compra dos consumidores pode ter aumentado imensamente e, com isso, houve uma
pressão inflacionária que impediu a convergência dos nossos juros aos internacionais.
Durante o primeiro semestre desse ano essa história ganhou bastante destaque nas discussões de
economia e nos mercados. Apesar de o Banco Central ter praticado juros bem mais baixos do que no
passado, a atividade econômica continuou deprimida, e não houve qualquer pressão inflacionária. Isto
poderia teria sido consequência do endividamento das famílias, que se tornou excessivo, marcando o fim
da expansão do crédito.
De fato, há mérito quantitativo para essa teoria. A Tabela 2 reporta como o crédito como proporção do
PIB transformou-se na última década. Note-se, em particular, como o crédito a Pessoa Física agigantou-
se.
Tabela 2: Evolução do Crédito no Brasil (% PIB).
jan/01 jun/12 Variação
Crédito Total 27,4% 50,6% 23,2%
Direcionados 11,5% 18,2% 6,7%
Livres 15,9% 32,4% 16,5%
Pessoas Jurídicas 10,1% 16,3% 6,2%
Capital de Giro 1,3% 7,9% 6,6%
Outros 8,8% 8,5% (0,3%)
Pessoas Físicas 5,8% 16,1% 10,3%
Veículos 2,0% 4,7% 2,8%
Consignado - 4,1% 4,1%
Pessoal 1,4% 6,3% 4,8%
Outros 2,4% 1,0% (1,4%) Fonte: Banco Central. Elaboração: Reliance.
Outra forma de ver o mesmo fenômeno é através do endividamento das famílias, mostrado na Figura 9.
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15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
jan/
05
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12
Endividamento das famílias / Renda
Figura 9: Endividamento das Famílias segundo dados reais. Fonte: Banco Central.
Em vista da dimensão expressa por estes números, colocam-se as perguntas: Quais os impactos
econômicos que seriam esperados em uma economia que sofreu esse tipo de transformação? Em
particular, é verdade que essas mudanças levariam a pressão inflacionária e a pratica de juros
elevados? Sendo assim, se esse processo realmente se exauriu, faz sentido esperar que os juros
neutros serão mais baixos do que no passado? A seguir buscamos responder essas questões.
Utilizando um modelo DSGE no qual há famílias com restrição de crédito, criamos um experimento
imaginário. Primeiro calibramos o modelo de tal sorte que haja algum empecilho no mercado financeiro,
que faça com que as famílias não tenham acesso a crédito (por exemplo, a ausência de alienação
fiduciária). A seguir, retiramos esse empecilho, permitindo que as famílias se endividem. Este choque é
calibrado para que a elevação no endividamento das famílias no modelo fosse quantitativamente
compatível com o observado no Brasil durante a última década. Compare-se a Figura 9 e a Figura 10.
(Digno de nota, em ambas as figuras o endividamento é dividido pela renda total da economia, incluindo
as famílias que não estão endividadas, i.e., estamos corrigindo para esse problema dos dados).
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Trimestres
Dívida das Famílias(% Renda total, modelo DSGE)
Figura 10: Endividamento das famílias em experimento imaginário (modelo DSGE).
A seguir, ainda utilizando o mesmo experimento, perguntamos ao modelo o que deve ocorrer com as
outras variáveis macroeconômicas. A Figura 11 mostra os efeitos que seriam esperados da expansão do
crédito sobre os juros e inflação. A intuição é que o endividamento das famílias criou um imenso choque
de demanda, puxando inflação para cima. Como consequência, o Banco Central reage, até conseguir
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controlar a inflação e trazê-la de volta a meta, segundo a regra de Taylor estimada. Note-se que,
segundo a história, estaríamos no fim do período de expansão de crédito. Com a exaustão da expansão
do crédito, o endividamento das famílias chegando em seu limite, os juros (neutros) passam a ser mais
baixos. A partir de agora, o Banco Central iria poder trabalhar com juros menores sem pressão
inflacionária.
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Inflação (ano) Juros
Figura 11: Impacto monetário no experimento imaginário.
Outro importante efeito do endividamento está reportado na Figura 12, que mostra a relação entre duas
componentes da demanda: Consumo e Investimento. A intuição é novamente óbvia. Um choque de
demanda faz com que o consumo cresça muito mais do que qualquer outro componente de demanda.
Propositalmente escolhemos investimento para o denominador, pois sabemos que este componente está
relacionado à oferta, e ao produto marginal do capital. Choques de demanda causam pouco efeito sobre
o Investimento. Outra alternativa seria utilizar as exportações líquidas, mas estas tendem a ser
fortemente influenciadas pelos termos de troca, que também variaram muito no período estudado. E
limitações similares fazem com que os Gastos do Governo ou o PIB cheio sejam medidas com ruídos
desnecessários.
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Consumo / Investimento (%)
Figura 12: Impacto sobre componentes do PIB em experimento imaginário.
Para avaliar se o previsto para o modelo foi de fato observado, construímos a Figura 13 e a Figura 14. A
primeira simplesmente mostra o Consumo e Investimento como proporção do PIB. A segunda, que é
diretamente comparável à Figura 12, mostra a relação Consumo por Investimento juntamente com a
expansão do crédito a Pessoas Físicas (em escalas distintas). O retângulo vermelho indica o período em
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que o crédito disparou. Note como a razão consumo/investimento caiu nesse período, contrariamente ao
que o experimento prediz.
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Consumo / Investimento (%, esq.) Crédito PF / PIB (%, dir.)
Figura 13: Evolução dos componentes da demanda.
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Consumo / PIB (esq.) Investimento / PIB (dir.)
Figura 14: Evolução do Consumo e Investimento.
Como indicador adicional, a Figura 15 corresponde a outra forma de olhar a evolução do
consumo/investimento, através da razão (bens duráveis) / (bens de capital) da demanda aparente
(produção menos exportações líquidas). O resultado é novamente contrário ao que seria esperado caso
houvesse um choque de demanda (causado pela expansão do crédito). Interessante na figura observar o
boom ocorrido logo após o plano Real, quando o fim da inflação permitiu alongamento do crédito, o qual
levou a imensa elevação no consumo de bens duráveis. Vide como não há comportamento comparável
nos últimos anos.
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Consumo / Investimento (%, esq.) Crédito PF / PIB (%, dir.)
Figura 15: Componentes da demanda sobre ótica da produção.
Por que a relação consumo/investimento caiu no período em que as famílias se endividaram? Há
algumas hipóteses que podem explicar porque isso aconteceu. Uma possibilidade é que sempre houve
crédito e endividamento no Brasil, mas ele acontecia de forma informal, através dos famosos cheques
pré-datados. Levando essa teoria no limite, tudo o que ocorreu no Brasil foi a bancarização do crédito.
Uma outra hipótese, que nos faz mais sentido, é que em conjunto com o choque de demanda
proporcionado pelo endividamento das famílias também ocorreu um choque de oferta. Uma possibilidade
digna de consideração é que o boom no preço das commodities, que acaba aparecendo nos dados
como um ganho de produtividade, cancelou os efeitos do choque de demanda.
Para investigar essa possiblidade, alimentamos nosso mesmo modelo DSGE com um choque de
produtividade. Na Figura 16 mostramos o que acontece com a relação consumo/investimento caso a
economia seja atingida exclusivamente por esse tipo de choque. Na Figura 17 o que ocorre com juros e
inflação, ainda nesse caso. Note como a relação consumo/investimento fica mais próxima a realmente
observada no Brasil. Contudo, nesse caso, o esperado seria ter uma pressão anti-inflacionária.
Consequentemente, os juros neutros seriam mais baixos e, contrariamente a história inicial, agora que o
choque acabou, os juros necessários para evitar descontrole inflacionário seriam mais elevados.
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Consumo / Investimento (%)
Figura 16: Componentes da demanda em choque de oferta.
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Inflação (ano) Juros
Figura 17: Impacto monetário de choque de oferta.
Como experimento final, confrontamos quantitativamente os efeitos sobre os juros de choques de
demanda (endividamento das famílias) e choque de oferta (produtividade). Denominamos de “neutro” o
caso em que ao experimento inicial de endividamento das famílias, adicionamos choques de oferta de tal
sorte que a relação consumo/investimento fique constante (Figura 18). Neste caso, podemos observar
qual dos choques ganha, quanto aos seus impactos nos juros (Figura 19). A conclusão do experimento é
que os choques de oferta são mais poderosos que os choques de demanda. Aplicado ao caso brasileiro,
isto significa que mesmo que a relação consumo/investimento tivesse ficado constante, os juros teriam
sido mais baixos.
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Consumo / Investimento (%)
Figura 18: Componentes da demanda em experimento neutro.
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Inflação (ano) Juros
Figura 19: Impacto monetário em experimento neutro.
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Como conclusão de nosso estudo obtemos que, apesar de bastante intuitiva, a ideia de que no
Brasil os juros tiveram de ser mais elevados por causa da expansão do crédito não parece encontrar
subsídio nos dados. Provavelmente, junto com o choque de demanda causado por essa expansão houve
também um choque de oferta, que cancelou seu efeito. Na prática, tudo se comportou como se o choque
de demanda não tivesse ocorrido, e os juros praticados foram até mais baixos do que teriam sido na
ausência de ambos os choques. Não faz sentido esperar que os juros neutros agora serão bem mais
baixos, mesmo que o choque de demanda tenha desaparecido.
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6. COMMODITIES e MOEDAS
Um dos grandes acertos da Carta anterior foi acusar que havia uma bolha de commodities. Como
continuidade a esse trabalho, reportamos a atualização dos resultados dos nossos dois modelos, o de
longo e o de curto prazo.
Relembrando, para o modelo de longo prazo utilizamos mais restrições econômicas. O preço é
exclusivamente uma função do PIB mundial, da inflação, e do advento da OPEC, uma dummy que
captura mudança nas condições de competitividade do mercado. O modelo é estimado somente até
2004, e a projeção para os valores atuais é feita “fora da amostra”. Isto faz com que caso estejamos
diante de uma bolha ela não afete os parâmetros do modelo.
Em contraste, o modelo de médio prazo permite que qualquer variável tenha papel na determinação do
preço de commodities. Além do PIB mundial, inflação e OPEC, aparecem como relevantes o PIB da
China, as expectativas de inflação nos EUA para os próximos dez anos, os juros de dez anos dos títulos
do governo americano, e o preço do dólar com relação às principais moedas (DXY). Além disso, o
modelo de médio prazo é estimado com toda amostra. Com isso ele tende a não identificar bolhas, pois
a bolha faz parte dos dados que, por hipótese, são considerados pontos de equilíbrio. Estas escolhas
fazem com que o modelo de médio prazo seja uma alternativa bem mais conservadora, no sentido de
raramente acusar preços observados de excessivos.
Os modelos foram construídos para dois índices de commodities populares. Um deles é denominado de
CRY, e é montado com base nos futuros curtos das várias commodities, o outro se chama CRB, e
consiste numa cesta com base nos preços spot das commodities. A diferença importante entre os dois
índices é que o CRY inclui o preço de energia, com peso de aproximadamente 40%, mas o CRB não.
Isto faz com que o CRY seja bastante influenciado pelo preço do petróleo, e reflita o preço das
commodities ponderado por sua importância mundial. Já o CRB, por não conter petróleo, está mais
vinculado a commodities agrícolas e metálicas e, por isso, é um melhor indicador para os produtos
brasileiros.
A Figura 20 mostra resultados para o CRY (com petróleo). Note como esse índice atingiu seu máximo
em meados de 2008, quando o petróleo valia mais que 150 dólares o barril, momento em que
argumentávamos que ele estava bolhoso. Após a queda, com a crise, ele voltou a subir, mas nunca
chegou próximo de seu ponto de máximo. Atualmente, ele praticamente coincide com a previsão do
nosso modelo.
Na Figura 21 reportamos os resultados para o CRB (sem petróleo). Este sim estava “bolhoso”, como
havíamos acusado. Nos últimos meses, esse preço caiu e agora também está próximo ao previsto por
nosso modelo. De fato, consideramos que a diferença entre o preço e o modelo é pequena o suficiente
para que possamos indicar que ainda há uma bolha nesse mercado.
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CRY (em US$)
(commodities com petróleo)
Observado Longo (GDP, CPI, OPEC) Medio (China, Exp Infl, Bond 10, Dollar) Figura 20: Modelos para CRY (commodities com petróleo).
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CRB (em US$)
(commodities sem petróleo)
Observado Longo (GDP, CPI, OPEC) Medio (China, Exp Infl, Bond 10, Dollar)
Figura 21: Modelos de CRB (commodities sem petróleo).
Para analisar as moedas, montamos a usual tabela com as seguintes informações:
A cotação atual da moeda (spot); o valor projetado pelos modelos de valuation utilizados, de
longo prazo - baseados no diferencial de produtividade - e médio prazo - baseados em passivo
externo líquido, diferencial de juros, e termos de troca.
Assim como na Carta passada, adicionamos uma coluna com nossa opinião final sobre o
valuation das moedas. Este valor consiste numa média ponderada dos resultados dos dois
modelos, em que o peso reflete nossa intuição sobre a performance relativa dos modelos.
A fração da apreciação (ou depreciação) necessária para que o câmbio spot atinja o valor
de equilíbrio resultante da projeção valuation – grandeza a qual denominamos “correção”.
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Como o equilíbrio obtido pelos modelos é um resultado de longo/médio prazo e a convergência
a estes valores é tipicamente um processo que leva mais de um ano, a correção é uma fração
da distância entre o spot e o equilíbrio. Para facilitar a comparação entre as moedas,
convenciona-se que a correção é sempre para uma posição comprada na moeda em questão
(vendida em dólar);
O carry, ou diferencial entre os juros da moeda em questão e o do dólar;
Volatilidade (anualizada) da moeda.
Como resultado da análise da tabela, chegamos a algumas conclusões:
Apesar da forte depreciação recente, o Real mantém-se excessivamente apreciado quando
se considera um horizonte de longo prazo. Nosso modelo de longo prazo, baseado em
diferencial de produtividades, agora aponta para câmbio em R$/US$ 2,30. Mas no médio
prazo, considerando-se o diferencial de juros e nas contas externas, o câmbio de equilíbrio é
R$/US$ 1,78. Abaixo continuamos a análise dessa moeda, através de nosso modelo de curto
prazo.
Como diversificação para o Euro, notamos que Coroa Sueca continua barata e tem carry
positivo.
Outra possiblidade de diversificação, não apresentada na tabela, é a Coroa Dinamarquesa.
Essa moeda atualmente está completamente fixa (“pegged”) ao Euro. No passado, a
Dinamarca fixava sua moeda ao Marco Alemão, dada a semelhança dos dois países, e até à
proximidade geográfica. Suponha-se que que a Alemanha venha a abandonar o Euro,
perturbada pela monetização da dívida dos periféricos e temendo inflação. Nesse caso
(improvável) é natural supor que a Coroa Dinamarquesa venha a se atrelar ao Novo Marco, o
qual deveria ficar bem apreciado com relação ao Euro. Dessa forma, a Coroa Dinamarquesa
funciona como um Marco Alemão “latente”. Caso o evento da saída da Alemanha não ocorra
não se perde nada, e o carregamento é idêntico ao do Euro.
Apesar da inflação o Renmimbi continua muito depreciado. Contudo, devido à dificuldade de
se explorar essa moeda, busca-se uma alternativa asiática. Uma possiblidade que a tabela
sugere é o Dólar de Hong Kong. Esta moeda está atrelada ao dólar americano, seguindo um
regime de Currency Board. Contudo, cada vez mais há uma liberalização desse mercado, com
ênfase dada para os Dim Sum Bonds, títulos emitidos em Hong Kong vinculados ao CNH (o
Renmimbi “off-shore”). Para empulsionar esse mercado, a Autoridade Monetária de Hong Kong
tem feito road-shows argumentando que eles estão cada vez mais conectados com o “main
land”. Uma etapa natural desse alinhamento seria o dólar de Hong Kong alinhar-se ao
Renminbi. Essa possibilidade é radicalmente negada pelas autoridades, mas vem ganhando
força nos mercados.
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Tabela 3: Análise sistemática das moedas.
Projeção Projeção Projeção Correção (%)
Euro EUR/$ 1.25 1.31 1.40 1.35 3.83 -0.49 12.5
Japão $/JPY 80.3 83.0 82.0 83.0 -1.67 -0.64 10.7
Reino Unido £/$ 1.56 1.45 1.51 1.50 -1.90 0.09 10.3
Suíça $/CHF 0.96 0.76 1.07 1.05 -4.60 -1.09 12.9
Suécia $/SEK 7.03 5.40 5.30 5.40 13.12 0.98 14.4
Noruega $/NOK 5.97 5.70 5.30 5.50 4.14 1.31 14.1
Canadá $/C$ 1.03 1.19 1.02 1.05 -0.98 0.71 9.9
Austrália A$/$ 1.00 1.06 1.04 1.05 2.32 2.86 13.5
Nova Zelândia NZ$/$ 0.79 0.71 0.67 0.69 -6.13 2.41 14.1
Turquia $/TRY 1.81 2.01 1.40 1.60 6.08 7.27 13.0
África do Sul $/ZAR 8.39 8.10 10.00 8.50 -0.68 4.90 19.2
México $/MXN 13.92 10.80 12.10 12.00 7.42 3.10 14.9
Brazil $/BRL 2.06 2.30 1.78 1.90 4.09 5.06 15.0
Chile $/CLP 502 640 570 560 -5.44 3.83 13.0
Colômbia $/COP 1777 2150 1250 1400 11.88 4.27 13.4
Peru $/PEN 2.65 2.85 3.02 2.90 -4.43 1.47 7.7
China $/CNY 6.36 4.70 - 4.70 15.05 0.76 2.7
Hong Kong $/HKD 7.76 8.30 8.20 8.20 -2.75 -0.10 1.0
Índia $/INR 56.31 47.30 51.50 50.00 5.93 7.03 12.5
Indonésia $/IDR 9482 11400 13200 12500 -13.73 6.43 14.7
Coréia $/KRW 1152 1100 990 1050 4.61 2.16 12.5
Malasia $/MYR 3.18 3.60 3.45 3.45 -4.10 2.03 9.8
Filipinas $/PHP 42.38 51.60 47.40 49.00 -7.25 1.74 7.8
Cingapura $/SGD 1.28 1.59 1.61 1.60 -11.17 -0.33 8.2
Tailândia $/THB 31.80 41.00 28.00 32.00 -0.31 1.82 7.2
Taiwan $/TWD 29.87 34.00 32.00 33.00 -4.98 -1.20 6.1
MOEDALongo Prazo Médio Prazo Valuation
SPOTVol (%)
PAÍSCarry (%)
Assim como na Carta passada, também reportamos um modelo de curto prazo para o Real, conectando-
o com outros preços de mercado. Diferente dos modelos de médio e longo prazo apresentados acima,
esse modelo de curto prazo usa dados diários e foi estimado somente para o período recente. Seu
propósito é menos o de tentar fazer uma previsão do câmbio, mas de compreender quais os seus
principais determinantes na alta frequência.
Atualmente, nosso melhor modelo estipula que o Real é função das seguintes variáveis:
a. CRB (uma cesta de commodities, sem petróleo), que funciona como um indicador dos
termos de troca brasileiros,
b. CDS5 (o credit default swap de cinco anos, que mede o risco sobre títulos brasileiros em
dólar com este prazo). Embora seja uma medida de risco Brasileiro, essa variável também
captura a aversão ao risco mundial. Em particular, nossos testes sugerem que ela é superior a
outras variáveis que indicam risco, como o VIX.
c. Diferencial entre os juros nominais (Non-Deliverable-Forward menos juros sobre títulos
americanos de 2 anos), um indicador de carry
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d. Expectativa de inflação brasileira (pesquisa Focus), uma nova adição a nosso modelo, com
vista a capturar uma situação em que o Banco Central está perdendo credibilidade sobre a
meta inflacionária
Na Figura 22 reportamos o câmbio observado e o resultado desse modelo desde 2004. Neste horizonte,
o modelo explica mais do que 90% dos movimentos do câmbio, o que parece ser um ótimo desempenho.
Contudo, esta performance é na realidade uma construção, já que escolhemos o período em que o
modelo funciona (ou vice-versa). Não há garantia alguma que esse modelo continuará sendo um bom
guia no futuro.
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Real (R$/US$)
Observado Modelo (CRB, CDS5, US2, NDF1, Focus)
Figura 22: Modelo de Real no curto prazo.
Com esse caveat em mente, o câmbio atualmente está excessivamente depreciado. De acordo com o
modelo, faz mais sentido valores em torno de R$/US$ 1,90. Uma possível interpretação da discrepância
entre modelo e observado é que ela ocorre devido à intervenção do Banco Central no mercado de
câmbio. Ampla evidência internacional sugere que intervenções esterilizadas no câmbio (i.e., aquelas
realizadas por um Banco Central que segue um regime de metas inflacionárias) são ineficazes no médio
prazo. Assim, de acordo com essa interpretação, o câmbio deveria voltar a seu valor fundamental dentro
de algumas semanas. Evidentemente, também é possível assumir que o Banco Central abandonou seu
regime de metas, e que intervenções cambiais são efetivas mesmo no longo prazo.
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7. PROCESSO DE FORMAÇÃO DA TAXA DE JUROS NO BRASIL:
1997-2012
: : SAMUEL PESSÔA4
O objetivo desta nota é descrever de forma sucinta a evolução do juro real no Brasil. Trabalharemos com
a taxa de juros anual do interbancário. A cada mês consideraremos a taxa de juros nominal doze meses
à frente deflacionada pela expectativa de inflação doze meses à frente dada pelo FOCUS. Como a
informação do FOCUS inicia-se em janeiro de 2001 para os meses anteriores consideramos o melhor
ajuste do que seria o FOCUS em função da inflação observada no período. Portanto, a nota estuda a
formação do juro real anual ex ante do interbancário em que a expectativa de inflação é dada pela
pesquisa FOCUS doze meses à frente.
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Diferencial de juros livre de risco soberano
Risco (EMBI)
Libor real ex ante
Taxa pré 360 real ex ante (Focus)
Figura 23: Decomposição da taxa pré 360 real ex ante. Expectativa de inflação dada pela pesquisa FOCUS.
Procederemos à decomposição da taxa de juros real ex ante anual do interbancário brasileiro em três
componentes. Primeiro, o juro real americano dado pela taxa libor anual em dólares deflacionada pela
expectativa de inflação doze meses à frente. Segundo componente, o prêmio de risco dado pelo EMBI
para os títulos soberanos brasileiros. Terceiro, o resíduo da taxa de juros real ex ante anual do
interbancário brasileiro com a soma dos dois primeiros componentes. A esta terceira parcela
chamaremos de diferencial de juros real ex ante livre de risco soberano. Portanto, por construção as três
parcelas somam o juro real do interbancário brasileiro. A Figura 23 apresenta a decomposição.
4 Agradeço ao comentário de Alexandre Bassoli. Evidentemente erros remanescentes são de responsabilidade
minha.
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Figura 24: Diferença percentual entre a expectativa para o câmbio da FOCUS trinta dias à frente (data do gráfico no vencimento) e o câmbio no mercado à vista. Médias mensais de dados diários. Linha vermelha – média para anos 2003 a 2005 e para o período subsequente.
O período do estudo entre janeiro de 1997 a junho de 2012 foi dividido em cinco períodos: primeiro, de
janeiro de 1997 até dezembro de 1998; segundo, de janeiro de 1999 até outubro de 2001; terceiro, de
novembro de 2001 até dezembro de 2002; quarto, de janeiro de 2003 até outubro de 2005; e quinto, de
novembro de 2005 até junho de 2012. Passemos agora a entender cada um dos componentes.
O primeiro período o câmbio nominal era fixo. Rigorosamente havia uma banda cambial e o teto da
banda deslocava-se à taxa de 7,5% ao ano. O enorme diferencial de juros real livre de risco soberano
em excesso a 7,5% ao ano resultava da dúvida que o mercado tinha com relação à manutenção do
regime cambial. Havia o entendimento que o câmbio estava muito valorizado o que gerava déficits de
transações correntes na casa dos 4% ao ano e, que, portanto, em algum momento à frente haveria uma
máxi desvalorização do real. O excesso de juros além do juro americano e do prêmio de risco soberano
compensava os investidores pela depreciação esperada da moeda brasileira. Seis meses em seguida ao
início do segundo período, início este que é dado pela alteração do padrão cambial, o diferencial livre de
risco passa a ser muito próximo de zero. Em um regime de câmbio flutuante em que o capital é
perfeitamente móvel e o Banco Central não atua no mercado a expectativa de desvalorização do câmbio
é nula. Isto é, o câmbio comporta-se segundo um passeio aleatório. Ou seja, no segundo período em
seguida à normalização da política econômica após a desvalorização, o juro real doméstico foi
determinado pela soma do juro internacional ao prêmio de risco soberano. Isto é, neste período os juros
reais ex ante eram elevados pois o risco país era muito alto.
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Figura 25: Compras do Banco Central no mercado de câmbio. Inclui compras a termo e linhas de recompra.
No curto período de 13 meses entre novembro de 2001 e dezembro de 2002, o terceiro período, parece
que o mercado precificava algum risco além do risco soberano. Este foi o período do apagão de energia
e a transição política do governo FHC para o governo Lula além de forte aceleração da inflação. A
elevação da inflação quase sempre é acompanhada de elevação da volatilidade da inflação. É provável
que o mercado tenha precificado uma elevação do risco inflacionário. O quarto período inicia-se com o
governo Lula em janeiro de 2003. O risco país caiu rapidamente mas os juros internos não o fizeram na
mesma intensidade. Como explicar em um regime de câmbio flutuante sem intervenções apreciáveis do
Banco Central no mercado de câmbio um diferencial de juros em excesso ao risco país? A resposta
parece estar na Figura 24. A figura representa a diferença percentual entre a expectativa para o câmbio
da FOCUS trinta dias à frente e o câmbio no mercado à vista no ‘vencimento’ da FOCUS, data marcada
no gráfico. Médias mensais de dados diários. Nota-se que entre 2003 e 2005 o mercado (representado
pela previsão do FOCUS) esperava sistematicamente câmbio nominal 30 dias à frente aproximadamente
2% mais desvalorizado do que o câmbio observado. Assim, aparentemente o elevado diferencial de juros
livre de risco soberano justificava-se por esta expectativa do mercado.
O quinto e último período de padrão distinto para a formação da taxa de juros inicia-se em novembro de
2005. Este é exatamente o momento em que segundo a Figura 24 o câmbio esperado trinta dias à frente
deixa de ser sistematicamente mais desvalorizado do que o câmbio observado no mercado à vista.
Como explicar o elevado valor para o diferencial de juros livre de risco soberano? A Figura 25 sugere o
motivo. A partir de outubro de 2005 (barra assinalada em vermelho) o Banco Central passa a adquirir
sistematicamente quantidades expressivas de divisas no mercado. As intervenções são eficazes em
impedir que o juro interno líquido do prêmio de risco convirja ao juro internacional e, portanto, a política
monetária adquire certa autonomia. Isto é, manteve-se um diferencial de juros apesar do mercado não
prever desvalorização do câmbio. Ao longo dos anos o regime cambial foi se alterando até que hoje
estamos em um regime fortemente administrado no qual além das intervenções do BC no mercado de
divisas há fortes controles à entrada de capitais.
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Figura 26: Evolução do diferencial de juros líquido do risco soberano.
O último resultado deste exercício simples de decomposição que oferecemos nesta nota é avaliar o
comportamento ao longo do tempo do diferencial de juros ex ante livre de risco soberano. Lembremos
que esta parcela da decomposição do juro real foi o resíduo da decomposição. O gráfico sugere que o
diferencial de juros real ex ante líquido do risco soberano apresenta grande variabilidade mas oscila em
torno de um patamar de 5% ao ano. Desta forma não é possível afirmar que a queda recente da taxa de
juros seja permanente. No entanto há uma diferença entre a queda mais recente do diferencial de juro
livre de risco e a queda ao longo de 2009 em seguida a crise de 2008. Como fica claro na Figura 23,
naquela oportunidade a contrapartida da queda do diferencial de juros livre de risco soberano foi a
elevação do risco país além de uma leve queda do juros real ex ante. Diferentemente, no episódio
recente a contrapartida da queda do diferencial de juros livre de risco soberano foi prioritariamente a
queda da taxa de juros real ex ante.
Há, indicações, portanto, que a queda recente da taxa de juros real ex ante no Brasil não é
necessariamente permanente. Aparentemente a queda da demanda internacional em seguida à piora do
cenário europeu no segundo semestre do ano passado reduziu a demanda na economia brasileira e,
portanto, trata-se de um fenômeno cíclico, como ocorreu em seguida à crise de setembro de 2008. No
entanto a análise nesta nota sugere que se a política econômica eliminasse as restrições à mobilidade
de capital e simultaneamente o Banco Central saísse do mercado de divisas de forma a retornarmos a
um padrão de regime com flutuação mais próxima da pura, como ocorreu entre 1999 até 2005, haveria a
convergência do juro doméstico ao juro internacional líquido do risco soberano. Não há nada que impeça
que a economia possa retornar a um regime de política econômica próximo ao que vigorou no segundo
período que analisamos, quando desde meados de 1999 até o final de 2001 o diferencial de juros real ex
ante livre de risco soberano oscilou em torno de zero. Evidentemente para tal seria necessário que a
política econômica aceitasse valores maiores para o déficit de transações correntes e, portanto, câmbio
mais valorizado. No entanto os impactos perversos deste padrão de política econômica sobre a indústria
de transformação têm impedido que caminhemos nesta direção.
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8. SURPRESA NEGATIVA NA ATIVIDADE: COMO INTERPRETAR?
: : SAMUEL PESSOA
Contra todos os prognósticos dos analistas, inclusive o prognóstico que fazíamos há três trimestres
passados – projetávamos crescimento de 2,4% para o PIB do primeiro trimestre de 2012 contra o
primeiro trimestre de 2011 ante o resultado efetivo de 0,8% – o desempenho da atividade econômica tem
sido demasiadamente fraco. Este comportamento não se deve a um episódio isolado que tenha ocorrido
no primeiro trimestre de 2012. As taxas de crescimento do trimestre contra o trimestre anterior –
dessazonalizadas e anualizadas – foram 1,9%, -0,6%, 0,7% e 0,8%, respectivamente nos segundo,
terceiro, quarto trimestres de 2011 e primeiro trimestre de 2012. São quatro trimestres de atividade muito
fraca. Adicionalmente, diversos sinais que temos na margem sugerem atividade também fraca no
segundo trimestre de 2012. Por exemplo, a indústria, de janeiro a maio recuou 3,9% em comparação ao
mesmo período do ano anterior. Nossa previsão atual para a leitura do PIB no segundo trimestre contra
o primeiro trimestre encontra-se em 0,5%. Serão, portanto, cinco trimestres em que a atividade evolui a
um ritmo aquém da taxa de crescimento do produto potencial. Este, segundo nossa última estimativa
encontra-se na casa de 3,5% ao ano.
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Acumulação de estoques
Consumo da APU
Consumo das Famílias
Demanda externa
Formação Bruta de Capital Fixo
PIB
Figura 27: Evolução do produto trimestral pela ótica da demanda agregada5.
Há claros elementos que sugerem que a retração na demanda explica parte da desaceleração
observada. Considerando como base o primeiro trimestre de 2011, o investimento apresentou queda de
5 Taxa de crescimento do produto trimestral a preços constantes (quatro trimestres contra os quatro trimestres anteriores). As
barras representam a contribuição de cada componente da demanda para o crescimento. Fonte: Contas Nacionais Trimestrais,
IBGE. A acumulação de estoques a preços constantes foi calculada por resíduo.
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2% e o consumo das famílias elevou-se 2,5%, a menor elevação desde 2005 (sempre considerando o
primeiro trimestre contra o primeiro trimestre do ano anterior). A demanda externa (exportação líquida
das importações) a preços constantes de 1995 reduziu-se em 5,3%. Parece que a desaceleração iniciou-
se no setor externo com forte impacto sobre a indústria e sobre o investimento. De fato, segundo a
pesquisa industrial mensal do IBGE, no primeiro semestre de 2012 a produção industrial caiu 4,0%
contra o mesmo período do ano anterior. A mesma informação segue da evolução da indústria de
transformação das contas nacionais que recuou 2,4% contra o primeiro trimestre de 2011, resultado que
somente não foi pior do que o de 2003 (sempre considerando primeiro tri contra o primeiro tri do ano
anterior).
Adicionalmente, parece que na retomada em seguida à crise de 2008 houve acumulação excessiva de
estoques que foram digeridos no primeiro semestre de 2012. Teremos que esperar a divulgação das
contas nacionais trimestrais referentes ao segundo trimestre de 2012 – que ocorrerá no dia 31 de agosto
– para sabermos em que medida o processo de desacumulação de estoques continuou ao longo do
segundo trimestre. Para termos uma idéia mais clara dos componentes de demanda que ‘explicam’ a
desaceleração da taxa de crescimento é útil comparar o terceiro trimestre de 2010, auge do crescimento
em seguida à recuperação quando a economia apresentou crescimento de 7,53% (quatro trimestres
contra os quatro trimestres anteriores), com o crescimento de 1,89% no primeiro trimestre de 2012
(também quatro trimestres contra os quatro trimestres anteriores). No primeiro trimestre de 2012 o
crescimento reduziu-se em 5,67 pontos percentuais (p.p.) (7,53-1,89) em comparação ao terceiro
trimestre de 2010. A redução na taxa de crescimento da formação de capital fixo corresponde a 59%
desta queda e a desacumulação de estoques a 25% enquanto que a redução do consumo privado a
42%. Como a Figura 27 sugere o peso da demanda externa tem caído. De fato no período em tela,
primeiro trimestre de 2012 contra terceiro trimestre de 2011, contribuiu para manter a atividade mais
aquecida pois a taxa negativa de crescimento da demanda externa foi menor (em módulo) do que no
período anterior. Assim, o gráfico sugere que a estória de um choque externo negativo que se espraia
pela demanda interna em função do impacto sobre o investimento e a acumulação de estoques é
plausível.
O choque negativo que houve sobre o investimento deve estar associado, além de outros fatores – como
a elevação da incerteza no cenário doméstico e principalmente internacional – à redução da taxa de
crescimento da produtividade total dos fatores (PTF). O nível da produtividade total dos fatores encontra-
se hoje abaixo do pico do terceiro trimestre de 2008 e apresenta taxas de crescimento negativas há
quatro trimestres, devendo fechar este ano no vermelho com recuo na casa de 1% para a média de 2012
contra a média de 2011. É possível mostrar que reduções na produtividade total dos fatores antecedem
quedas no investimento e que o fator é quantitativamente forte: redução de 1 p.p. na taxa de crescimento
da PTF anual produz com alguma defasagem uma redução de 4 p.p. do PIB na taxa de investimento
anual. Ou seja, apesar de a queda na produtividade total dos fatores ao longo do tempo reduzir a oferta
agregada, em um primeiro momento reduz a demanda agregada.
página 38 :: 102
Assim, parece que houve um choque negativo sobre a demanda externa e sobre o investimento. O
choque sobre a demanda espraiou-se sobre o setor de serviços, provavelmente sobre os seguimentos
deste setor que servem aos setores exportadores e produtor de bens de capital.
Duas são as consequências de uma maior desaceleração do setor de serviços. Primeira, a inflação tem
se mantido muito elevada principalmente pelo componente da inflação do setor de serviços. Assim, é
possível que a desaceleração deste componente da inflação tenha impactos sobre o cenário inflacionário
deste ano. Segunda, se a desaceleração do setor de serviços se aprofundar, o mercado de trabalho será
afetado com elevação do desemprego e redução da taxa de crescimento da renda real. Portanto, nosso
objetivo nesta nota é arrolar os fatores que sugerem uma desaceleração no setor de serviços daqueles
fatores que sugerem o contrário. Deste inventário de indicadores será possível saber em que ponto do
contínuo preto-branco nos encontramos.
A grande dificuldade da análise do segundo semestre é que apesar dos fortíssimos sinais de
desaceleração da atividade o mercado de trabalho continua firme e forte. Ou seja, há uma forte
dissintonia entre a atividade econômica e o comportamento do mercado de trabalho. Pode-se afirmar
que vivemos um período fortemente cinza do ponto de vista da análise da atividade econômica.
-2
-1
0
1
2
3
4
5
6
7
1997
.IV
1998
.II
1998
.IV
1999
.II
1999
.IV
2000
.II
2000
.IV
2001
.II
2001
.IV
2002
.II
2002
.IV
2003
.II
2003
.IV
2004
.II
2004
.IV
2005
.II
2005
.IV
2006
.II
2006
.IV
2007
.II
2007
.IV
2008
.II
2008
.IV
2009
.II
2009
.IV
2010
.II
2010
.IV
2011
.II
2011
.IV
Agropecuária
Demais indústrias
Transformação
Serviços
Valor adicionado
Figura 28: Evolução do produto trimestral pela ótica da oferta setorial
6.
: : ATIVIDADE E INFLAÇÃO DO SETOR DE SERVIÇOS
A taxa de crescimento do setor de serviços trimestre contra o trimestre anterior apresenta tendência de
desaceleração desde o terceiro trimestre de 2009. No terceiro trimestre de 2011 o crescimento foi
negativo em 1,1% anualizado. Nos dois trimestres seguintes houve alguma recuperação. Crescimento
6 Taxa de crescimento do valor adicionado total a preços constantes (quatro trimestres contra os quatro trimestres anteriores).
Valor adicionado total é o PIB líquido dos impostos indiretos. Fonte: Contas Nacionais Trimestrais, IBGE.
página 39 :: 102
anualizado de 1,6% e 2,5% respectivamente no quarto trimestre de 2011 e primeiro de 2012. A figura 2
apresenta a taxa de crescimento do valor adicionado total (o PIB líquido dos impostos indiretos) para os
quatro trimestres contra os quatro trimestres anteriores. As barras representam a contribuição de cada
setor para o crescimento. A desaceleração da atividade no setor de serviços explica 48% da redução da
taxa de crescimento do valor adicionado total (quatro trimestres contra os quatro trimestres anteriores)
entre o terceiro trimestre de 2010 e o primeiro de 2012.
Considerando o produto potencial do setor de serviços o resultado da filtragem da série dos serviços do
PIB trimestral pelo filtro HP resulta que nos três últimos trimestres (terceiro e quarto de 2011 e primeiro
de 2012) há excesso de capacidade ociosa no setor. No primeiro trimestre de 2012 a ociosidade do setor
alcançava 1,25%. Esta ociosidade no setor pode ter impactos benignos sobre a inflação nos próximos
trimestres. De fato há correlação significante entre a taxa de inflação da componente de serviços do
índice de preços ao consumidor do IBGE (IPCA) e o hiato com quatro trimestres de defasagem. Ou seja,
leva um ano para que a elevação do hiato no setor de serviços produza redução da inflação no setor.
Todas estas informações sugerem que do ponto de vista inflacionário o segundo semestre não
apresentará inflação de serviços crescente. De fato, o componente de serviços do IPCA que em
novembro de 2011 atingiu 9,1% acumulado em doze meses em junho de 2012 esteve na casa de 7,5%.
É fato que metade desta queda da inflação de serviços de 1,6 pontos percentuais (9,1-7,5) foi resultado
da alteração dos pesos dos itens no subíndice de serviços do IPCA. No entanto, resta queda não
desprezível no índice acumulado em doze meses de aproximadamente 0,7 p.p. que deve ser atribuída
ao enfraquecimento da demanda por serviços. Na direção contrária, os últimos dados do IPCA-15 para
julho apontam em leve aceleração da inflação de serviços em julho subindo o indicador acumulado em
doze meses dos 7,5% observado em junho para 7,7%.
Finalmente o índice de confiança da Fundação Getúlio Vargas para serviços aponta queda em abril,
maio e junho. Em particular o indicador de confiança do setor de serviços aponta o menor valor desde
setembro de 2009. O indicador PMI do setor de serviços preparado pelo HSBC apresenta um
comportamento menos claro. Subiu em junho em seguida a três quedas. Há indicações, portanto, que
este segundo trimestre pode ser fraco para o setor, com o risco de a fraqueza perdurar ainda mais a
frente, se os efeitos do estímulo monetário se mostrarem menores que o estimado.
: : MERCADO DE TRABALHO
O grande setor da economia que conta uma estória diferente é o mercado de trabalho. Isto é, apesar da
fortíssima surpresa negativa da atividade como relatado no primeiro parágrafo do texto, e de certa
acomodação da inflação maior que o previsto – nestes primeiros seis meses do ano tivemos uma
surpresa inflacionária positiva de cerca de 0,2 p.p em relação à nossa projeção feita em meados de 2011
- a taxa de desemprego encontra-se no nível mais baixo da série história, a população ocupada no
acumulado de janeiro a maio cresceu contra o mesmo período do ano anterior 2,0%, ainda superior ao
crescimento da população em idade ativa (o que indica que a taxa de participação da mão de obra
cresce). Nesta linha, a média do rendimento real efetivo para os cinco primeiros meses do ano cresceu,
página 40 :: 102
contra o mesmo período do ano passado, à taxa de 4,8%. Não há dúvida que a desaceleração da
economia ainda não atingiu o mercado de trabalho. Nem mesmo a menor velocidade de novas
contratações no mercado formal como um todo medida pelo CAGED – que se encontra no mesmo nível
de 2006 – pode ser interpretada como sinal de piora. Ocorre que o número de pessoas desempregadas
hoje é 35% menor do que o número de desempregados no primeiro quadrimestre de 2006. No entanto
há sinais na margem que pode estar de fato ocorrendo um enfraquecimento da criação de postos de
trabalho com carteira assinada. A Figura 29 apresenta para alguns períodos a evolução mensal do saldo
de novas contratações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) para as regiões
metropolitanas que participam da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) como proporção do total de
desempregados da PME no mês anterior.
-5,0
-4,0
-3,0
-2,0
-1,0
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
2003 - 2005 2006 - 2008 2009 2010 - 2011 2012
Figura 29: Evolução mensal do saldo de novos empregos com carteira assinada do CAGED para as regiões metropolitanas da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) como proporção do total de desempregados nestas mesmas Regiões Metropolitanas no mês anterior. Dados em %
7.
Os seis primeiros anos do governo Lula foram divididos em dois subperiodos: 2003-2005 e 2006-2008.
No primeiro subperíodo eram criados no primeiro semestre novos empregos com carteira assinada que
correspondiam a aproximadamente 1% do total de desempregados e no segundo semestres a 2%. No
segundo subperíodo, 2006-2008, a taxa de criação de empregos em relação ao total de desempregados
dobra. Em 2009 ocorre a recuperação do mercado de trabalho com elevação ao longo do ano da razão
de criação de postos com o número de desempregados e para a média de 2010-2011 a razão atinge
valores ainda superiores aos observados em 2006-2008. O ano de 2012 inicia-se com taxa de criação de
empregos formal nas Regiões Metropolitanas da PME como proporção dos desempregados no mês
anterior no mesmo nível do período 2006-2008. No entanto em maio e junho há um forte
enfraquecimento da criação de novos empregos com carteira. Há, portanto, sinais de enfraquecimento
da criação de empregos com carteira assinada.
7 Fonte: PME do IBGE e Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho.
página 41 :: 102
Apesar das estatísticas agregadas do mercado de trabalho estarem muito positivas e indicarem que o
mercado encontra-se virtualmente a pleno emprego sem sinais de desaquecimento, há uma dinâmica
ocorrendo entre as ocupações e os setores. Como notamos no parágrafo anterior há sinais de
enfraquecimento na criação de postos de trabalho com carteira assinada. O padrão setorial da criação
de emprego corrobora a hipótese de haver um desaquecimento da indústria que lentamente se espalha
pelo comércio e nos demais sub-setores de serviços. Quando olhamos a evolução das ocupações
obtemos que a criação de empregos com carteira assinada nas regiões metropolitanas da PME com
ajuste sazonal não cresce desde dezembro de 2011 enquanto que há uma recuperação da criação de
empregos de trabalhadores que trabalham por conta própria, sendo também que a contínua queda que
havia na criação de empregos sem carteira deixa de ocorrer desde o quarto trimestre de 2011. A criação
de emprego migra para serviços e para a informalidade. A dinâmica das ocupações reverte o movimento
feito de 2005 até 2008.
O que temos de seguro até o momento é que a economia sofreu um choque negativo de demanda
principalmente na demanda externa e no investimento. Este choque apesar de não ter atingido o
emprego e a renda gerou dinâmica perceptível no mercado de trabalho: os novos empregos são criados
principalmente no setor de serviços e no setor informal. Finalmente há sinais que merecem cuidadoso
acompanhamento de que a inflação de serviços e a atividade do setor podem surpreender para baixo, o
que poderia no limite levar a um quadro de crescimento ainda abaixo da previsão atual de 1,6% e
inflação próxima da meta. Evidentemente, o processo de queda de juros iniciado em agosto de 2011 faz
com que o juro real esteja no seu valor mais baixo. É possível esperarmos alguma reação do crédito e
do consumo. A reação do investimento dependerá de uma melhora nas expectativas. O cenário está
cinza e no momento nossas previsões para atividade e inflação são de crescimento do produto de 1,6%
e de inflação fechando o ano em 5,1% neste ano. No entanto não é possível descartar um cenário mais
benigno para inflação se houver piora na atividade principalmente com um espraiamento mais forte da
desaceleração para o setor de serviços. Da mesma forma que não é possível descartar o cenário de
aceleração do crescimento em função do forte afrouxamento monetário com aceleração da inflação de
serviços e dos salários e, provavelmente o início de um ciclo de elevação da taxa Selic em algum
momento no primeiro trimestre de 2013.
página 42 :: 102
9. O FUNCIONAMENTO DO TARGET2 – O SISTEMA DE AJUSTE
ENTRE OS BANCOS CENTRAIS EUROPEUS
: : SAMUEL PESSOA
No último ano tem havido entre os economistas um debate sobre a natureza do funcionamento do
sistema de ajuste entre os bancos centrais das economias que participam da União Monetária do Euro
(UME) e suas implicações para o endividamento dos países da periferia do Euro. O objetivo desta nota é
apresentar o debate e nos posicionarmos com relação à questão mais polêmica. Os desequilíbrios
acumulados desde o estouro da crise do subprime em setembro de 2008 devem-se a erros no desenho
do sistema de compensações entre os bancos centrais, como alegam Hans-Werner Sinn e Timo
Wollmershäuser,8 ou aqueles desequilíbrios somente expressam, isto é, revelam, problemas mais
profundos de arquitetura da UME? Nosso entendimento é que a forma de funcionamento do sistema de
compensações entre os bancos centrais que participam da UME (conhecido pela sigla Target2) é
perfeitamente compatível com o regular funcionamento de uma União Monetária (UM) que atenda ao
requisito de ser uma área monetária ótima e que não apresente erros básicos de arquitetura, ambas as
condições não atendidas pelo Euro. Assim, os vultosos valores de créditos e débitos contra o Target2
que têm se acumulado, respectivamente, no ativo dos bancos centrais do norte da Europa e no passivo
dos bancos centrais do sul da Europa, revelam somente os problemas de arquitetura do Euro. O sistema
de compensação entre os bancos centrais europeus não deve ser responsabilizados diretamente por
eles.
De acordo com o glossário disponível no site do Banco Central Europeu (BCE) Target2 é uma sigla que
significa “Trans-European Automated Real-time Gross settlement Express Transfer system” ou seja o
sistema de ajuste em tempo real da UME. Trata-se de uma base eletrônica centralizada no Banco
Central Europeu (BCE), sediado em Frankfurt, que processa as ordens de pagamento entre os Bancos
Centrais Nacionais que participam do Eurosystem. Eurosystem é o conjunto formado pelos Bancos
Centrais Nacionais que participam da UME e pelo BCE. O BCE sedia as reuniões do Conselho, que
entre outras funções, decide a política monetária, incluindo, taxa básica de juros e demais condições de
operação do mercado aberto: montante de reservas a serem leiloadas, desenho do leilão, prazo das
operações e natureza do colateral que será aceito. Os Bancos Centrais Nacionais da UME criam e
destroem liquidez, nas operações de mercado aberto com os bancos comercias que operam sob sua
jurisdição, observando os critérios e valores decididos pelo Conselho do BCE. Normalmente no debate
público as pessoas quando se referem ao BCE estão, de fato, referindo-se ao Eurosystem.
8 Hans-Werner Sinn e Timo Wollmershäuser, “Target Loans, Current Account and Capital Flows: The ECB’s Rescue
Facility” a ser publicado no International Tax and Public Finance, julho de 2012.
página 43 :: 102
Para entender a operação da compensação entre bancos centrais na zona monetária do Euro suponha
que um agricultor grego compre um trator de um produtor alemão. Para que a análise não fique ainda
mais complicada restringir-me-ei a operações sempre envolvendo somente residentes da UME. O trator
será adquirido com crédito que um banco comercial grego fornecerá ao agricultor. Suponha,
adicionalmente, que os depósitos do banco comercial grego no Banco Central Grego (BCG) atendam
somente o limite dado pelo depósito compulsório, situação que deve ser a normal em momentos difíceis,
como é o caso nos últimos quatro anos. Para adquirir o trator o agricultor grego toma um empréstimo no
banco comercial (BC). Aparece uma elevação do ativo do BC, linha empréstimos, e o BC cria um
depósito para o agricultor, linha do passivo. O agricultor avisa seu gerente que no dia seguinte pretende
enviar uma ordem de pagamento transferindo os recursos recentemente emprestados (a ele pelo BC)
para a conta corrente (em um banco alemão) do produtor alemão do trator. O BC não tem recursos
sobrando no Banco Central Grego (BCG) pois os depósitos do BC no BCG cobrem exatamente os
depósitos compulsórios. Por este motivo faz uma operação de mercado aberto com o BCG e capta os
recursos necessários. No ativo do BCG haverá elevação dos empréstimos ao BC e no passivo elevação
dos depósitos do BC no BCG. Com relação ao BC os movimentos foram inversos: elevação do depósito
do BC no BCG, linha do ativo do BC, e elevação do empréstimo do BC junto ao BCG, linha do passivo
do BC.
Quando chega o dia seguinte o agricultor envia a ordem de pagamento para a conta corrente do BC da
empresa fabricante do trator na Alemanha e o BCG transfere reservas para o Banco Central Alemão
(DB). No balanço do BC grego reduziu-se o depósito deste no BCG, linha do ativo, e reduziu o depósito
do agricultor no BC, linha do passivo. Com relação ao BCG reduziu-se os depósitos do BC no BCG, linha
do passivo, e elevou-se o passivo do BCG contra o Target2, também linha do passivo do BCG. O DB
receberá um crédito contra o Target2 em seu ativo e elevar-se-á o depósito do BC alemão (no qual o
fabricante de trator mantém sua conta corrente) no seu passivo. No BC alemão aumenta o depósito
deste no DB, linha do ativo do BC, e aumenta o depósito do fabricante de tratores, linha do passivo. No
final do dia houve a acumulação de um crédito do DB contra o Target2 e a acumulação de débito do
BCG contra o Target2.
Note que a operação somente pode ocorrer pois o banco comercial (BC) grego tinha papeis em seu ativo
que foram aceitos pelo BCG como colateral o que permitiu a criação de liquidez (por meio de operações
de mercado aberto) pelo BCG, no caso a elevação do depósito do BC no BCG. Como boa parcela dos
papeis que o BC grego tem no seu ativo são títulos soberanos do Tesouro grego, a operação pode ser
feita pois as regras da UME permitem que os bancos centrais nacionais aceitem títulos dos respectivos
Tesouros como colateral para operações de mercado aberto. Permissão equivalente a esta no caso
americano seria os Feds regionais aceitarem para operações de mercado aberto títulos de divida
emitidos pelos Estados que formam a respectiva unidade do Fed.
O que é importante a reter é que a acumulação de débitos do BCG contra o Target2 somente ocorreu
devido à enorme liberalidade (com relação a volume, prazos e característica do colateral aceito) das
regras decididas pelo Conselho do BCE para as operações de mercado aberto. Continuando a estória,
sob a hipótese de a Grécia apresentar o saldo da conta de transações correntes do Balanço de
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pagamentos equilibrados haverá a exportação de algum produto que compensará a importação do trator.
A exportação acarretará movimento contrário na posição do BCG no Target2. No fim do dia o BCG não
acumula débitos contra o Target2. Se a Grécia estiver com transações correntes desequilibradas mas
estiver com o Balanço de Pagamentos equilibrados haverá um movimento privado de entrada de capital
que aparecerá como um crédito na conta financeira do Balanço de Pagamentos que compensará o
débito nas transações correntes provocado pela importação do trator. O crédito na conta financeira
significa que algum residente na Europa mas não na Grécia comprou algum ativo financeiro emitido por
algum residente grego. Esta compra de ativos também produzirá um movimento de reservas de algum
BC que pertence ao Eurosystem para o BCG produzindo um crédito do BCG contra o Target2. Este
crédito cancelará o débito que havia sido criado do BCG contra o Target2 por ocasião do pagamento do
trator.
Segue de toda esta tediosa apresentação de movimentos contábeis que o BCG somente apresentará
uma elevação líquida de seus débitos junto ao Target2 se a Grécia apresentar déficit no balanço de
pagamentos. Em um regime de câmbio fixo o déficit no balanço de pagamento é ajustado por meio de
transferência de algum ativo que seja aceito com reserva internacional do Banco Central deficitário para
o Banco Central superavitário. Em uma UM ocorre transferência de reservas bancárias.
-600
-400
-200
0
200
400
600
800
Ger
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Italy
Dezembro 2011
Dezembro 2011
Junho 2012
Junho 2012
Figura 30: Saldos acumulados em milhões de Euros no Target2
9.
: : EVOLUÇÃO
A Figura 30 apresenta os saldos acumulados em bilhões de Euros no Target2 no final de 2011 e em
maio de 2012 para diversos países. Nota-se o elevadíssimo crédito que a Alemanha tem contra o
Target2, em maio de 2012 na casa de 700 bilhões de Euros ou 27% do PIB alemão. Outro aspecto que
9 Fonte: Institute of Empirical Economic Research, http://www.iew.uni-osnabrueck.de/en/8959.htm
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salta aos olhos é a fortíssima elevação do saldo alemão entre dezembro de 2011 e maio de 2012.
Nestes cincos meses de 2012 o DB acumulou créditos contra o Target2 no montante de 235 bilhões de
Euros! A contrapartida deste processo foi a (provável) corrida bancária que ocorreu (ou está em
andamento) na Espanha e Itália que elevou os déficits acumulados destes países em relação ao Target2
respectivamente em 152 e 83 bilhões de Euros, totalizando, não coincidentemente, 235 bilhões.
É útil repassarmos os lançamentos contábeis de uma operação de remessa de recursos entre dois
países que participam da UME. Um residente da Espanha abre uma conta em um banco comercial (BC)
na Alemanha e envia uma ordem de pagamento do banco espanhol para o banco alemão. O banco
espanhol não tem reservas voluntárias no Banco Central de Espanha (BCS) e, portanto, faz uma
operação de mercado aberto junto ao BCS para captar recursos. Esta operação eleva o passivo do BCS
na rubrica depósito do BC no BCS, e eleva o ativo na rubrica empréstimos ao BC. Houve, portanto, até o
momento, expansão da base monetária na Espanha. O envio de reservas bancárias pelo BCS ao DB
contrai a base monetária que volta ao valor anterior à operação. Como vimos, esta contração da base
monetária é compensada no balanço do BCS por uma elevação da linha devedora do BCS contra o
Target2. Na Alemanha o BC dificilmente manterá os recursos que foram transferidos do BC espanhol
para a conta corrente do residente espanhol no BC alemão depositados no DB. Se mantivesse a base
monetária na Alemanha ter-se-ia expandido. Como o Eurystem remunera os depósitos dos bancos
comerciais (BCs) no respectivo Banco Central a uma taxa menor do que o custo da operação de
mercado aberto é razoável imaginar que o BC utilizará os recursos para reduzir seus débitos junto ao
DB. Ao não renovar com o DB parte das operações com compromisso de recompra que havia feito no
passado os empréstimos do DB para os BCs alemães reduzem e com ele a base monetária na
Alemanha. No final do dia a base monetária na Europa não se alterou, elevou-se os empréstimos do
BCS ao BC da Espanha e reduziu-se o empréstimo do DB aos BC alemão.
Evidentemente o processo de contração da base monetária na Alemanha continua enquanto houver
empréstimos do DB aos BCs alemães. Quando estes empréstimos se esgotarem o DB terá que tomar
emprestado à taxa básica a liquidez em excesso nos BCs. Esta situação pode parecer esdrúxula aos
europeus mas é exatamente o que o Banco Central do Brasil faz há décadas ao rolar as operações
compromissadas. Não há nada de muito estranho em um Banco Central enxugar liquidez ao invés de
fornecê-la.
Analogia útil é imaginarmos como ocorreria o processo de corrida bancária em uma união de Estados na
qual há um único Banco Central, como ocorre no caso brasileiro, e não um sistema de bancos centrais
como ocorre no caso americano e europeu. No caso brasileiro o banco comercial que sofre o processo
de corrida bancária toma emprestado diretamente ao BC único. Há o processo de criação de base
monetária quando o BC credita este empréstimo no depósito do banco comercial que sofre a corrida
bancária no BC. No segundo momento a base que foi criada é transferida para o banco comercial de
destino dos recursos e, este, por sua vez utiliza este liquidez para reduzir seus empréstimos junto ao BC,
encolhendo a base monetária. No fim do processo a base monetária total não se alterou. Houve somente
aumento dos empréstimos junto ao BC do BC que sofreu a corrida bancária e redução dos empréstimos
junto ao BC do BC destino da corrida bancária. Evidentemente a composição da carteira de colaterais
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que o BC carrega como contrapartida das operações com compromisso de recompra se alterou. Elevou-
se a participação de ativos e carteiras de crédito do banco comercial que sofreu a corrida bancária e
reduziu-se a participação de ativos e carteira de crédito do banco comercial destino da corrida bancária.
: : IMPACTO SOBRE PASSIVO EXTERNO E DÍVIDA PÚBLICA
Uma das questões polêmicas é se uma elevação dos créditos da Alemanha contra o Target2 deve ser
considerada como elevação da posição internacional de investimento da Alemanha (nome moderno
dado ao ativo externo líquido). Da discussão que fizemos nas páginas anteriores fica claro que se a
elevação da posição credora do DB com relação ao Target2 for a contrapartida do pagamento de alguma
operação relativa à transação corrente haverá elevação da posição internacional de investimento alemã.
Se for a contrapartida de um movimento da conta financeira – por exemplo, a compra de um residente
grego de um título de dívida emitido por um alemão – não haverá elevação da posição líquida
internacional de investimento: o crédito do DB contra o Target2 será compensado pelo débito do emissor
do título de dívida. O mesmo ocorre com a operação de fuga de capital se o capital fugir para uma conta
corrente (no exterior) de um residente do país de origem da fuga. Por exemplo, se um espanhol transferir
recursos de sua conta corrente em um banco espanhol para a sua conta corrente em um banco alemão
na Alemanha a contrapartida da elevação do saldo credor do DB no target2 será a elevação da
obrigação do BC alemão contra o residente na Espanha. Evidentemente, portanto, no computo da
posição internacional de investimento os saldos no Target2 devem ser computados.
Dado que o DB pertence ao governo alemão ao considerar a dívida pública líquida do governo alemão
consolidado deve-se incluir os créditos do DB ao Target2, da mesma forma que são incluídos os
empréstimos do DB aos BCs e excluídos os títulos do Tesouro Alemão na carteira do DB. Mas há
diversos complicadores. Os créditos do DB ao Target2 são remunerados à taxa básica bem como os
débitos. Uma vez por ano estes valores são apropriados no principal. No entanto o risco de crédito não é
alemão. Se um país sair do Euro e deixar sua posição devedora em aberto esta perda será
compartilhada por todos os demais países que compõem a UME na proporção do capital integralizado
que cada país tem na composição da estrutura de capital do Eurosystem. Ou seja, apesar de ser um
crédito de um agente do governo alemão, o DB, o risco de capital não é, a menos que haja total
dissolução da União Monetária.
: : IMPLICAÇÕES PARA A CRISE ATUAL E COMPARAÇÃO DO TARGET2 COM O FEDERAL
RESERVE SYSTEM AMERICANO.
Sinn e Wollmershäuser argumentam que o fato de países poderem acumular de forma ilimitada débitos
contra o Targe2 explica a profundidade da crise. Argumentam que se não houvesse esta possibilidade
os países seriam forçados a se ajustarem mais rapidamente. Evidentemente esta afirmação parte do
pressuposto de que há possibilidade de um ajustamento deflacionário à perda de competitividade a que
foi submetida a periferia Européia em função da rápida e acentuada queda de custo de capital observada
em seguida à criação da UME. A queda do custo de capital estimulou um processo de acumulação de
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passivos na periferia que somente pode ocorrer concomitantemente a um processo de valorização do
câmbio real e, portanto, perda de competitividade. Assim, minha opinião é que se não houvesse na
periferia européia a possibilidade de acumulação sem limite de débitos contra o Targe2 a UM teria
entrado em colapso há muito tempo.
Outro ponto polêmico defendido por Sinn e Wollmershäuser é que se vigorasse na UME o mesmo
sistema que vigora nos EUA os desequilíbrios não se acumulariam na intensidade observada. O
equivalente na economia americana ao Target2 é chamado de Interdistrict Settlement Account (ISA) do
Federal Reserve System. Tanto Sinn e Wollmershäuser quanto Garber (2010)10 argumentam que no
sistema americano além de não haver uma instituição que centraliza débitos e créditos como o Target2 –
o ISA consolida posições bilaterais entre cada Fed regional e os demais – o ajuste de contas que
acontece uma vez ao ano em abril ocorre por meio de transferências de certificados lastreados em ouro
que os Fed regionais têm. Ou seja, haveria um limite para o desequilíbrio determinado pelo estoque total
destes certificados que cada Fed possui. Este é um tema por demais complexo e com muito pouca
literatura disponível. Recentemente um excelente post11 na internet descreveu em detalhe a evolução
histórica do ISA e sua operação corrente. Hoje o ajuste anual é feito por meio de transferências de ativos
que cada banco central regional tem. No entanto quando há problemas e há a possibilidade real de os
bancos centrais regionais não terem ativos para ajustar suas contas no ISA o Board do Fed pode alterar
as regras. De fato, como documentado no post, houve grandes acúmulos de débitos no banco central de
Richmond nos últimos anos. O motivo para o Board alterar as regras, segundo Koning, é que o Fed tem
que legalmente aceitar ao par toda liquidez criada por qualquer Fed regional. Portanto, sempre que um
banco comercial atender às condições determinadas pelo Bord para a captação de liquidez – no que se
refere à razão de capital, qualidade do colateral, etc. de sorte a poder acessar linha de mercado aberto –
o Fed regional tem que prover a liquidez. Caso contrário a moeda criada em uma parte da UM não seria
igual à moeda criada na outra parte. A UM deixaria de existir.
A raiz do problema ao compararmos o Target2 com o ISA é entenderemos os motivos que fazem com
que a UM americana tenda a acumular muito menos desequilíbrios do que a UME. Dois são os motivos:
a. A UM americana constitui uma área monetária ótima enquanto que a UME não é;
b. A UM americana não apresenta os problemas de arquitetura que estão presentes na UME.
É muito difícil fazermos o contrafactual mas é provável que mesmo não sendo uma área monetária ótima
se a UME não tivesse os erros de desenho não haveria acúmulos tão expressivos de créditos e débitos
no Target2. Além do processo de construção da UME não ter sido precedido por um processo de
unificação da regulação bancária com a criação de uma instituição européia com poder de regulação
10 Ver Peter Garber, “The Mechanics of Intra Euro Capital Flight,” Deutsche Bank Economics Special Report, 2010.
11 Ver o post “The Idiot's Guide to the Federal Reserve Interdistrict Settlement Account” escrito por J. P. Koning no endereço
http://jpkoning.blogspot.com.br/2012/02/idiots-guide-to-federal-reserve.html.
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prudencial e de resolução de episódios de falência bancária dotada de um fundo garantidor de crédito,
de não ter havido a criação de uma instituição – Tesouro Europeu – com algum poder de tributação e de
redistribuição entre os Estados Nacionais e com capacidade de emissão de um título de europeu, há
outros erros como, por exemplo:
Cada Estado Nacional ter o seu BC que, mesmo formalmente independente, acaba por
sofrer pressões do governo nacional, enquanto que nos EUA os Feds locais englobam vários
Estados e respondem ao Tesouro americano;
No EUA a regulação bancária prudencial não é leniente com os títulos emitidos pelos
Estados enquanto que na Europa os títulos soberanos dos Estados Nacionais não oneram
capital nos balanços dos bancos comerciais;
Finalmente existe na UM americana o equivalente ao Eurobond, o Treasuer Bill, que
funciona como balizador do risco e da remuneração do mercado de renda fixa.
Assim, parece-nos que os enormes desequilíbrios acumulados no Target2 como ilustrados pela figura
somente revelam os erros de desenho da UME e não são causados por erros de desenho do Target2.
Se a UME fosse desenhada corretamente os desequilíbrios não teriam se acumulado. Por outro lado é
difícil imaginar uma UM na qual o mecanismo de compensação entre bancos centrais não ocorra por
transferência de reservas bancárias. Se houver a exigência que ocorra o ajuste por meio do pagamento
com algum ativo – seja títulos públicos ou ouro, por exemplo – qualquer desequilíbrio maior de balanço
de pagamento entre as regiões que compõem a UM a destruiria.
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10. AÇÕES
: : RODRIGO MORAES
A Tabela 4 mostra os retornos dos diversos mercados de ações no primeiro semestre de 2012 e também
a relação Preço / Lucro com base nos lucros dos últimos 12 meses, nos lucros estimados para 2012 e
para o próximos 12 meses.
Tabela 4: Retornos de ações globais e Relação Preço / Lucro.
2008 2009 2010 20111ºSem 2012
c/ Lucro 12M
c/ Lucro 2012
c/ Lucro 12M projetados
Global USD (23%) 35% 13% (7%) 6,0% 13,7 12,0 10,6
Global (moeda local) (19%) 30% 11% (6%) 6,6%
Global USD (sem dividendos) (23%) 32% 10% (9%) 4,2%
EUA (1000) (24%) 25% 14% (0,5%) 8,3% 14,2 13,5 11,9
Europa (27%) 33% 1,6% (14%) 0,1% 13,3 10,1 9,1
Japão (14%) 5,6% (1,0%) 0% (14,4%) 20,0 13,0 11,6
Asia/Pac s/Japão (16%) 68% 15% (18%) 3,6% 11,9 11,3 9,9
Emergentes (14%) 74% 16% (20%) 2,3% 11,1 10,1 9,0
Energia (19%) 23% 10% (1,9%) (5,4%) 9,8 10,2 9,2
Materiais (18%) 58% 19% (21%) (2,8%) 12,3 11,3 9,4
Indústria (29%) 24% 21% (10%) 3,2% 14,0 12,2 10,9
Consumo - Discrecionário (19%) 37% 23% (6%) 9,5% 17,7 13,7 11,9
Consumo - Staples (19%) 19% 10% 6,0% 5,7% 16,9 15,8 14,5
Saúde/Medicamentos (20%) 16% 0,4% 7,2% 7,3% 14,4 12,5 11,7
Inst. Financeiras (41%) 28% 2,3% (21%) 7,7% 13,5 10,6 9,3
Tecnologia (13%) 51% 10% (3,4%) 9,7% 15,1 13,0 11,3
Telecomunicações (19%) 8,6% 5,3% (4,1%) 2,2% 16,7 12,9 12,0
Utilidades (24%) 2,0% (4,5%) (6,8%) (0,3%) 25,6 17,5 15,6
EUA 1000 maiores (24%) 25% 14% (0,5%) 8,3% 14,2 13,5 11,9
EUA 2000 menores (30%) 25% 25% (5,5%) 7,8% 31,5 19,5 14,8
PREÇO / LUCRORETORNO
Fonte: Bloomberg. Elaboração: Reliance.
Os mercados de ações geram resultados positivos nos EUA e numa menor escala nos países
emergentes. Os destaques negativos foram os setores e empresas vinculados às commodities (energia
e materiais) que tiveram retornos negativos. Os mercados parecem passar as seguintes mensagens: 1)
ainda há muita incerteza sobre qual será o desenho da atividade econômica nos anos à frente. 2) há
muita incerteza com relação aos ajustes que são necessários na Europa e também nos EUA. Entretanto,
os riscos de processos desordenados são percebidos como de menor probabilidade; 3) a mediocridade
da atividade econômica também apareceu no países em desenvolvimento (China, Brasil, etc). 4) as
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empresas continuam muito saudáveis. De uma forma geral o endividamento é baixo e continuam a
apresentar margens de lucro muito superior a média histórica.
Mais uma vez fazemos uma avaliação das ações tomando como base o mercado americano e as 500
maiores empresas. Estas empresas estão com um valor de mercado aproximado de USD12 trilhões,
apresentam mais de 30% do faturamento em atividades no exterior e há diversificação setorial. Nas
tabelas abaixo, detalhamos um pouco mais a evolução dos lucros e valor de mercado destes mercados.
Em 2010 as empresas recuperaram os lucros para o nível do período anterior à crise de 2008.
Continuaram a rodar muito bem em 2011 e no primeiro semestre de 2012. As projeções para os
períodos a frente são positivas e os lucros devem crescer 6% em 2012 se comparados a 2011. Nossa
avaliação sobre os dados correntes contínua a ser de que não há exuberância nos preços das ações,
muito pelo contrário, em cenários de consenso para economia parece haver valor na classe de ativo.
Olhando de outra forma, os preços indicam que os mercados cobram um prêmio de risco sobre o futuro
como se discutissem, entre outros, a sustentabilidade da lucratividade atual. Os céticos irão olhar para
as projeções de crescimento dos lucros (6% para 2012) e dirão que não são sustentáveis. Ainda mais
que a relação entre lucro e PIB está em níveis recordes. Entretanto, como mostramos na tabela 3, 1/3 do
crescimento dos lucros é projetado para o setor financeiro e no final desta seção fazemos uma
atualização sobre os bancos e mostramos que a lucratividade do setor ainda está bem abaixo daquilo
que podemos definir como um mundo normal.
Tabela 5: S&P 500 - História de lucros e projeções (agregado).
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Lucros S&P 500 628 728 744 593 553 776 905 963
LucrosS&P 500 (pts indice) 74 86 86 68 63 85 98 104
Valor Patrimonial 3.798 4.255 4.572 4.509 4.730 5.180 5.707 6.381
Valor em Bolsa 10.577 11.816 12.775 7.889 9.772 11.539 11.649 12.652
Indice (pts) 1.249 1.401 1.480 903 1.115 1.258 1.258 1.362
Retorno Patrim. 19% 17% 13% 12% 16% 16% 17%
Tabela 6: S&P 500 - História de lucros e projeções (por setor).
Lucros (US$ Bn) 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011Ultimos
12 meses2012
Cresc. 2011
Cresc. 2012
Cont. Pontos 2012
% T%
Indice
Consumo - Discricionário 59 59 58 44 49 72 82 81 88 15% 7% 0,7 11% 11%
Consumo - Staples 59 62 66 75 75 80 93 90 95 16% 2% 0,2 4% 12%
Energia 95 116 119 141 60 96 132 133 123 38% -7% (1,0) -17% 12%
Inst. Financeiras 137 182 151 (16) 57 125 136 152 154 9% 13% 1,9 31% 13%
Saúde/Medicamentos 71 77 86 92 93 109 113 112 117 3% 4% 0,5 8% 12%
Indústria 69 77 86 82 56 74 87 93 98 18% 13% 1,2 19% 10%
Tecnologia 79 87 99 103 103 150 181 176 207 20% 14% 2,8 45% 20%
Materiais 19 23 27 25 13 21 33 31 31 58% -5% (0,2) -3% 3%
Telecomunicações 16 22 23 19 19 19 19 18 19 -1% 3% 0,0 1% 3%
Utilidades 23 25 28 29 29 30 30 31 30 0% 1% 0,0 1% 4%
S&P 500 628 728 744 593 553 776 905 919 963 17% 6%
S&P 500 (pts) 74 86 86 68 63 85 98 99 104 16% 6% 6,2 100%
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Nossa opinião é que a relação Preço/Lucro entre 13 e 15x é adequada para o cenário atual. Nestes
níveis o índice S&P 500 teria um valor adequado entre 1400 e 1600 e seria um ativo com capacidade de
gerar retornos entre 7,5 e 9% ao ano. Na Tabela 7 ilustramos as variáveis chaves na definição da
relação Preço/Lucro, são basicamente a taxa de desconto (juros real, inflação e prêmio de risco) que se
aplica a um fluxo de dividendos e qual a taxa de crescimento para os lucros.
Tabela 7: S&P 500 - Valoração: quatro cenários.
i ii iii iv
P/L (Preço/Lucro) 12,97 12,14 18,77 14,30
Juros Real 1,50% 2,00% 2,00% 2,00%
Inflação 2,00% 2,00% 2,00% 2,00%
Tx Crescimento Nominal Lucros 5,25% 5,60% 7,00% 7,00%
Tx Crescimento Real 3,19% 3,53% 4,90% 4,90%
Prêmio de Risco 4,00% 4,00% 4,50% 5,00%
Lucro 105 105 105 105
Indice Alvo (hoje) 1.361 1.275 1.971 1.501
Taxa de Desconto 7,50% 8,00% 8,50% 9,00% Fonte: IBES / Bloomberg. Elaboração: Reliance.
Um setor discutido nas cartas anteriores a agora atualizado são as ações dos bancos americanos. A
valorização das ações do Bank of America, Citibank e JPMorgam foram de 47%, 4% e 7% nos 6 meses
até 30 de Junho. Nós entendemos que o risco do setor é real considerando: 1) há um novo ambiente
regulatório. Isto implica em receitas menores, principalmente nas linhas de negócios que envolvam
consumidores e derivativos. 2) há discussão legal e demandas por reparação nas práticas que existiam
até 2008. 3) os bancos, principalmente os maiores, vão ter que trabalhar com mais capital. A relação
entre ativos de risco e o capital deverá ser de 10x. Esta relação era no limite de 50x. O contraponto a
estes riscos é que não surgiram do dia para noite e muito já estava precificado desde o primeiro trimestre
de 2009. Portanto, continuamos a ver valor nas ações dos bancos. Na tabela 5 mostramos os preços das
ações do Bank of America, Citbank e JPMorgan em 30 de junho e a relação Preço/Lucro tanto para um
cenário básico de mercado (lucros normalizados aonde bancos apresentam retorno sobre ativos de 1%
ao ano) como para um cenário aonde os bancos diluem os acionistas atuais (nova injeção de capital) e o
retorno sobre ativos com renda cai para 0,75% ao ano. A conclusão, como pode ser medida nas colunas
de Preço/Lucro ou Retorno/Patrimônio Tangível é que as instituições continuam muito baratas (vejam
coluna Preço/Patrimônio Tangível) mesmo considerando que os acionistas atuais ainda serão diluídos e
lucratividade continua baixa.
Tabela 8: Exercício sobre bancos (BofA, Citibank, JP Morgan).
Preço (30.06)
Retorno 2012
Ativo Total
Ativo Tangível
Patrimônio Tangível
Lucro Normaliz.
*
Preço / Lucro
Normaliz.
Lucro Diluido **
Preço / Lucro Diluido
Retorno / Patrimônio Tangível **
Patrimônio / Ativo de Risco
Preço / Patrimônio Tangível
Bank of America 8,18 47% 200 194 13,22 1,94 4,23 1,09 7,51 8,2% 6,8% 61,9%
Citibank 27,41 4% 671 659 48,75 6,71 4,09 3,71 7,39 7,6% 7,4% 56,2%
JPMorgan 35,73 7% 603 588 33,69 6,03 5,92 3,31 10,80 9,8% 5,7% 106,1% * Rs/A 0.75% e diluição de 25%. ** Pós diluição.
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11. CRÉDITO
: : RODRIGO MORAES
Os títulos de crédito apresentaram retornos positivos na primeira parte de 2012. Na Tabela 9 são
apresentados os retornos nos segmentos de crédito com Grau de Investimento, com Grau Especulativo
(Junk Bonds) e nos títulos de emissão de governos e empresas nos países emergentes. Também
quebramos os retornos entre os componentes do carregamento, da exposição para os mercados de
renda fixa (efeito juros) e para o risco de crédito Os resultados positivos vieram de todos os
componentes do ativo, ou seja, a exposição para os mercados de renda fixa (juros menores), o ganho do
risco de crédito, propriamente dito, pela redução do prêmio e pelo carregamento.
Isto tudo bem em linha com o nosso pensamento. Como dissemos antes, nos últimos três anos temos
feito o caso que a exposição para o mercado de crédito faz sentido. Nossas principais justificativas
estavam nos resultados esperados pelo carregamento e na expectativa de ganho de capital. Nossa
análise apontava que os prêmios eram “gordos” para o nível de inadimplência projetável e no suporte
dos fundamentais das empresas. Isto tudo ainda é válido e é um tema central da oportunidade de
investimento atual. Principalmente para um cenário volátil e errático, mas que no final do dia vai se
mostrar apenas como de muita mediocridade. Um cenário bom para as operações com vencimentos
definidos e bons retornos pelo carregamento.
Tabela 9: Desempenho de mercados de crédito.
2008 2009 2010 20111ºSem 2012
Carrega- mento
Efeito Juros
Efeito Crédito
Grau de Investimento (3,1%) 16% 8,5% 8,4% 4,5% 1,8% 0,6% 2,2%
Grau Especulativo (26%) 58% 15% 5,0% 7,3% 4,2% 1,6% 1,5%
Mercados Emergentes (Soberano) (9,7%) 26% 12% 9,2% 6,9% 2,9% 3,0% 1,0%
Mercados Emergentes (Corporativo) (26%) 58% 15% 3,5% 7,6% 3,1% 3,2% 1,3%
Na Tabela 10 é apresentado o perfil que encontramos atualmente em alguns segmentos do mercado de
crédito. Para efeitos de comparação mostramos também o perfil em 31 de Dezembro e 30 de Junho de
2011. Os dados apresentados são: a duração, o prazo, a taxa de retorno (yield to maturity) e o prêmio de
risco (spread). Na Tabela 11 mostramos o “yield”, prêmio de risco e o retorno gerado pelo títulos de
emissores brasileiros (bancos e empresas) na primeira parte de 2012.
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Tabela 10: Perfil de risco em crédito.
30/jun/12
Grau de Investimento (Corporativo
EUA)
Grau Especulativo (Corporativo
EUA)
Mercados Emergentes
(Soberanos)
Brasil (Soberano)
Mercados Emergentes
(Corporativo)
Duração (anos) 6,81 3,99 7,59 8,81 6,01
Prazo (anos) 10,47 6,69 13,20 15,00 9,00
Taxa (yield ) 3,07% 7,35% 5,41% 4,09% 5,57%
Prêmio de risco (Spread , bps) 1,82% 6,58% 3,62% 2,08% 4,17%
31/dez/11
Grau de Investimento (Corporativo
EUA)
Grau Especulativo (Corporativo
EUA)
Mercados Emergentes
(Soberanos)
Brasil (Soberano)
Mercados Emergentes
(Corporativo)
Duração (anos) 6,72 4,19 7,80 9,06 6,18
Prazo (anos) 10,41 6,67 13,22 15,00 9,28
Taxa (yield ) 3,53% 8,36% 5,72% 4,41% 6,16%
Prêmio de risco (Spread , bps) 2,17% 6,99% 3,76% 2,23% 4,40%
30/jun/11
Grau de Investimento (Corporativo
EUA)
Grau Especulativo (Corporativo
EUA)
Mercados Emergentes
(Soberanos)
Brasil (Soberano)
Mercados Emergentes
(Corporativo)
Duração (anos) 6,43 4,33 7,15 8,07 5,95
Prazo (anos) 10,01 6,89 13,00 14,90 9,10
Taxa (yield ) 3,65% 7,32% 5,88% 5,01% 5,80%
Prêmio de risco (Spread , bps) 1,40% 5,70% 2,62% 1,48% 3,07%
Tabela 11: Títulos - Bancos e Empresas brasileiras (data base: 30.Jun.12).
EmissorTaxa de Retorno
p/Vencimento ou callPrémio
(pb)Retorno 2012
180 dias
BANBRA 5 3/8 01/15/21 5,1% 367 3,5%
BANSAF 6 3/4 01/27/21 5,5% 439 3,3%
BANVOR 7 3/8 01/21/20 6,2% 501 2,2%
BRADES 5.9 01/16/21 5,2% 375 3,5%
ITAU 6.2 12/21/21 5,5% 391 3,1%
BRASKM 5 3/4 04/15/21 5,2% 381 6,1%
BRMLBZ 8 1/2 01/29/49 6,7% 663 4,8%
CSNABZ 6 1/2 07/21/20 5,1% 397 6,2%
ELEBRA 5 3/4 10/27/21 4,4% 303 7,9%
FIBRBZ 6 3/4 03/03/21 6,5% 538 12,7%
HYPER 6 1/2 04/20/21 6,8% 541 12,4%
ODBR 7 04/21/20 3,9% 348 5,7%
PETBRA 5 3/8 01/27/21 4,2% 273 4,7%
SUZANO 5 7/8 01/23/21 6,8% 554 3,9%
TLMP 5 1/2 10/23/20 5,1% 384 5,4%
USIM 7 1/4 01/18/18 5,8% 515 (0,7%)
VALEBZ 4 5/8 09/15/20 3,9% 260 3,2%
VOTORA 6 3/4 04/05/21 5,3% 381 5,7%
Fonte: Bloomberg. Elaboração: Reliance.
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Continuamos a ver oportunidade tanto a exposição para o mercado de títulos corporativos dos bancos e
empresas brasileiras quanto para as empresas alavancadas (grau especulativo, high yields ou junk
bonds). Tudo baseado nos fundamentais das empresas e na valoração atual dos títulos. Principalmente
quando se segue a boa política de construção de portfólio com diversificação. Com relação aos títulos e
estruturas de dívida mais subordinada das instituições financeiras (títulos preferreds, híbridos), trazemos
uma discussão mais detalhada logo à frente.
No segmento “high yield” repetimos na Tabela 16 um exercício para medir a oportunidade. Nosso
exercício mede o prêmio de risco necessário para remunerar dois cenários; o primeiro, Normal, com um
nível de inadimplência em linha com a média histórica (18,36% acumulada em períodos de 5 anos); o
segundo, Crises, com a inadimplência em linha com as crise de crédito de 2002/2003 (36,5% acumulada
em período de 5 anos). Comparamos este prêmio de risco com o mercado em 30 de junho e calculamos
o retorno total esperado no crédito se os prêmios convergirem para os cenários em 12 meses. A
expectativa de retorno é de 20,7% no primeiro cenário e de 10,1% no segundo.
Tabela 12: Exercício de Prêmio de Risco.
Normal Crises
Prêmio atual 658 658
Taxa de Inadimplência Implicita (com 25% de recuperação) (1) 35,1% 35,1%
História Inadimplência (1) 21,4% 36,5%
Prêmio para remunerar Inadimplência Histórica 348 593
Retorno Esperado (12 meses) 20,7% 10,1% (1) Períodos acumulados de 5 anos. Fonte: DB, Barclays, Bloomberg. Elaboração: Reliance.
Na Erro! Fonte de referência não encontrada. mostramos o perfil de taxas, prêmio de risco e a história
de retorno em 2012 para uma série de títulos subordinados de bancos americanos e europeus. Os
retornos do crédito foram muito fortes com a percepção que cenários de ruptura do sistema foram
mitigados pelos governos na Europa. Também, e como apontamos antes, estes títulos estão sofrendo
uma revisão regulatória e que por ser uma dívida muito cara haveria todo incentivo para o resgate
antecipado. A oportunidade ainda está presente, entretanto, o investimento nestes títulos exige uma
atenção redobrada aos detalhes, ao emissor, às características da emissão e um entendimento sobre o
novo ambiente regulatório. Neste sentido sugerimos a leitura do “box” abaixo.
Tabela 13: Títulos subordinados de bancos americanos e europeus.
Emissor DivTaxa de Retorno
Prémio (pb)
Grau CreditoRetorno 2012
180 dias
Bank of America (CT III) 7 3,42 340 Especulativo 26,0%
Barclays Bank 8,13 8,17 585 Investimento 14,1%
Citigroup (VII) 7,125 7,20 488 Especulativo 7,4%
Credit Suisse 7,9 4,07 175 Investimento 3,1%
Deutshe Bank (CT III) 7,6 7,26 494 Investimento 20,9%
HSBC 8,125 3,67 340 Investimento 3,4%
ING 7,375 7,86 554 Especulativo 30,2%
JPMorgan (CT XVI) 6,35 1,28 115 Investimento 1,7% Fonte: Bloomberg. Data base: 30.Jun.12.
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12. Box: Bancos, Capital
: : RODRIGO MORAES
Após a crise de 2008 os agentes de mercado (credores, reguladores, sociedade civil) passaram a rever
como avaliar o risco de crédito das instituições financeiras e no caso dos reguladores como definir novas
regras para tornar mais suave qualquer processo de ajuste, principalmente das instituições com
relevância para o sistema. O resumo é que já foram propostas e implementadas uma série de ações que
estarão totalmente em vigor, provavelmente em 2019/2020 e cujos principais pilares são:
O nível mínimo de capital total das instituições financeiras será 6% sobre os ativos
ponderados ao risco.
Do capital total, um mínimo de 4,5 pontos percentuais será na forma de ações ordinárias.
O saldo de 1.5 (p.p) pode ser em produtos estruturados desde que: sejam subordinados aos
depositantes ou demais dívidas, que não tenham vencimento ou incentivo para resgate, que as clausulas
de resgate antecipado tenham no mínimo 5 anos e dependam da aprovação do regulador. Que qualquer
resgate antecipado seja precedido de uma nova captação com um instrumento semelhante ou de melhor
qualidade (exemplo, ações ordinárias).
Deverão ser deduzidos do capital, os ativos intangíveis e aqueles que dependem de lucros futuros para
realização. O melhor exemplo são os créditos fiscais. Também será limitado o percentual do capital em
subsidiárias não consolidadas para apuração do enquadramento do capital.
Em adição às regras básicas vamos lidar com duas regras adicionais. A primeira instituiu a necessidade
de manter um capital contingente, equivalente a 2,5% dos ativos de risco. Este capital vai variar de
acordo com o ciclo econômico e vai garantir um colchão a mais para os períodos de recessão
econômica. A segunda regra é direcionada às grandes instituições financeiras, e percebidas como “muito
grande para falir” pelo impacto no sistema financeiro e nas respectivas sociedades/economias. Para
estas instituições será necessário ainda um capital adicional de 2% sobre os ativos de risco.
Portanto, no final, as maiores instituições financeiras deverão até 2019 construir uma base de capital da
ordem de 10.5% sobre os ativos de risco, sendo que entre 7% e 9.5% na forma de ações ordinárias.
Dois novos conceitos deverão ser introduzidos na revisão dos créditos das instituições financeiras. O
primeiro é o conceito de Resolução, ou seja, a capacidade de um regulador intervir na instituição
financeira, segregar ativos e tratar de forma diferente o depositante do credor. Nesta direção os
regulamentos e leis vão dar forma legal ao “Bail In”, ou a conversão mandatória de dívida em capital pelo
credor, ou mesmo normatizar como os instrumentos de créditos perdem valor do principal para absorver
prejuízo. Também serão mais claras as regras que definem o ponto aonde o regulador faz a intervenção.
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Este ponto será definido como PON, Point of Non-Viability, ou ainda, ponto da não viabilidade. Neste
ponto os ativos são avaliados como insuficientes para cobrir os passivos, o nível de capitalização é
inferior ao mínimo e a instituição de forma autônoma não consegue fazer uma recapitalização.
Finalmente as instituições terão que gerenciar a liquidez para atingir parâmetros que garantam a
existência de liquidez para cobrir os fluxos de vencimentos de curto prazo e a demonstração que há
estabilidade em parte substancial dos passivos.
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13. AÇÕES - BRASIL
: : EDUARDO WEBER
Escrever um texto a cada seis meses sobre a evolução do mercado acionário é sempre um exercício de
humildade. Quatro anos após a quebra da Lehman Brothers, muitos desequilíbrios ainda persistem pelo
globo. As oscilações no humor de mercado, em um contexto de maior imprevisibilidade causado pelo
esgotamento das politicas econômicas ortodoxas, esgarçamento dos tecidos sociais nos países mais
afetados pela crise entre outros fatores, seguem sendo grandes e erráticas. As perspectivas para o
crescimento econômico ano de 2012 são de um menor crescimento econômico do que no ano passado.
Um possível descarrilamento na Europa segue sendo a mãe de todos os riscos, mas nesta grande
família de riscos há diversos parentes com que se preocupar com destaque para o penhasco fiscal que
se aproxima nos EUA e um eventual desaquecimento mais abrupto da economia chinesa. Além de um
crescimento econômico menor ao redor do globo que no ano passado, analistas tem revisado para baixo
suas projeções para este ano, o que contribui para caracterizar um ambiente de incerteza aumentada.
Tabela 14: Estimativas de PIB.
17/fev 27/jul
Estados Unidos 1,8% 2,2% 2,3%
Euro 1,5% (0,4%) (0,5%)
Reino Unido 0,8% 0,6% (0,6%)
China 9,2% 8,4% 7,7%
India 6,5% 7,5% 6,0%
Brasil 2,7% 3,1% 1,7%
20122011
Crescimento PIB - Estimativas JP Morgan
Nosso foco está no Brasil e em relação a nossa economia há uma percepção qualitativamente distinta
daquela do inicio do ano. Até alguns meses atrás havia um maior otimismo que, em não ocorrendo a
materialização de cenários catastróficos no resto do mundo, estaríamos retomando um nível de
crescimento ao menos no nível do nosso potencial, o que não vem ocorrendo. A forte redução das taxas
de juros (Figura 31), entre outros estímulos implementados pelo governo, ajudavam a racionalizar esta
perspectiva de retomada de um nível mais acelerado de atividade econômica.
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12
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/12
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12
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2
BRL Swap Pré-DI 5 anos BRL Swap Pré-DI 1 ano
Figura 31: Swap de juros em reais.
Podemos atribuir parte das razoes do pífio desempenho da nossa economia a fatores externos, mas a
importância de fatores limitantes internos é cada vez maior. Um menor no ritmo expansão do credito e
um aumento nos custos das empresas, em especial mão-de-obra, são importantes fatores domésticos
que contribuem para explicar este comportamento do mercado acionário. Há muito nos debatemos se
estamos ou não experimentando uma bolha de expansão no crédito. O julgamento não é definitivo, mas
certamente houve exageros na concessão de empréstimos como no caso do financiamento de
automóveis virtualmente sem entrada e prazos longos12, de tal maneira, que apesar de estarmos em
pleno emprego, à inadimplência da pessoa física está em níveis muito altos e ainda não totalmente
estabilizada (Figura 32).
-
1%
2%
3%
4%
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2001
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2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Inadimplência PF - Veículos
Figura 32: Inadimplência acima de 90 dias de pessoas físicas em veículos. Fonte: Banco Central.
12 Essas práticas foram bastante reduzidas em dezembro de 2010 com a implantação de medidas macroprudenciais pelo Banco
Central, no intuito de segurar a inflação. Os créditos constituídos com essas características (sem entrada e prazos longos)
repercutem nos atuais níveis de inadimplência.
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Outra evidência da mudança de perspectiva pode ser encontrada na revisão de guidance dos bancos
para a expansão do credito em 2012 (Tabela 15). Para que fique claro que o menor apetite em conceder
credito não se restringe a pessoa física que é mais evidente no financiamento de veículos para pessoas
físicas no Itaú, destaco a significativa redução do Bradesco em relação a concessão de credito às
pequenas e medias empresas.
Tabela 15: Expectativas divulgadas pelos principais bancos privados.
Expectativas 2012 (4ºT11) Revisto
ex-Veículos: 13% a 15%
Carteira total: 8% a 10%
18 a 22% 14 a 18%
PF: 16 a 20% PF: 12 a 16%
Veículos: 4 a 8% Veículos: 2 a 6%
PJ: 18 a 22% PJ: 14 a 18%
Micro e PME: 23 a 27% Micro e PME: 16 a 20%
Entre Jun.11 e Jun.12, cresceu 17%
SANTANDER
Veículos PF: decrescendo para R$ 50 a 52 bilhões
Porém nesse ano apenas 4,2% (abaixo dos anos anteriores no mesmo período): está mantendo market share
em relação a bancos privados
2012-2013: 15 a 17% CAGR
BRADESCO
ITAÚ 14% a 17%
Além de um crescimento econômico menor, as empresas tem se deparado com custos crescentes, em
especial de mão-de-obra. O caso das grandes construtoras tem atraído à atenção há bastante tempo,
seja pelo aumento dos salários em ritmo bastante superior ao dos índices gerais de inflação (vide Figura
33 como também pela absorção de trabalhadores cada vez menos produtivos que requerem gastos cada
vez maiores com treinamento. Este não é um fenômeno isolado. Os reajustes salariais que vem sendo
obtidos pelas diversas categorias profissionais tem sido maiores que a inflação e de presumidos ganhos
de produtividade13.
13 Em matéria do Jornal Valor Econômico (Carlos Giffoni, página A3) de 23/07/2012, um levantamento feito pelo valor com 391
convenções assinadas por sindicatos em todo o país, aponta um aumento salarial real de 2,75%.
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0%
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6%
8%
10%
12%
2009 2010 2011 1ºS.2012
CUSTO MÉDIO MATERIAL MÃO-DE-OBRA INCC
Figura 33: Variação percentual dos custos da construção civil. Fonte: IBGE, FVG.
Este ambiente de incerteza favoreceu a desempenho das empresas mais defensivas, menos
dependentes de um crescimento econômico mais exuberante. De fato, de setembro de 2011 até o final
de abril de 2012, empresas como Ambev, Cielo, Pão de Açúcar, CPFL e Cemig acumularam retornos
espetaculares. Os preços de mercado naquele momento haviam subido tanto que, de acordo com
nossos modelos, excederam nossa avaliação do que seria o preço “justo”. De lá para cá ocorreu alguma
correção de preços que, no entanto, não nos deixa muito animados em fazer grandes posições. Há que
se levar em consideração que mesmo as empresas menos cíclicas são bastante afetadas por questões
especificas ou setoriais. Cito como exemplos o aumento de impostos sobre bebidas que afeta a Ambev e
problemas de relacionamento entre os acionistas no Pão de Açúcar. Depois de um difícil período que
culmina com o grupo francês Casino assumindo o controle, ainda persiste uma mal resolvida relação
entre os controladores atuais e a família Klein no negocio de eletrodomésticos. Para enfatizar a
importância destes fatores específicos, apresentamos abaixo de maneira breve a situação das empresas
do setor elétrico.
As ações das empresas de eletricidade, dada a maior previsibilidade da demanda por energia elétrica,
costumam ter melhor desempenho em ambientes de maior incerteza. Nos últimos meses, no entanto,
houve forte discrepância nas variações de preço das ações do setor. Em grande parte, esta discrepância
tem origem em aspectos regulatórios. O governo quer que a energia elétrica seja mais barata no Brasil.
Temos que fazer uma separação entre os setores de distribuição e de geração de energia para entender
o que está ocorrendo com os preços das ações das empresas do setor. No caso da distribuição são
feitas revisões de tarifa a cada cinco anos. Este é um processo bastante longo e complexo, mas em
resumo, há dois aspectos a considerar:
O retorno que a agencia reguladora do setor elétrico, ANEEL, permite que as empresas do
setor obtenham é revisado de 5 em 5 anos. No segundo ciclo de revisão tarifária a taxa de
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retorno permitida era 9,95%, para o terceiro ciclo de revisões que se iniciou em 2011, o retorno
autorizado é de 7,5%.
Avaliações específicas do desempenho de cada empresa, no que tange sua eficiência
operacional, investimentos realizados, etc.
A redução de retorno permitido já era conhecida desde 2011, o que nos levava há algum tempo
considerar que as ações das empresas de distribuição já estavam caras. O maior impacto, no entanto,
ocorreu quando o regulador desqualificou certos investimentos realizados pela Eletropaulo14, o que levou
a uma redução de tarifa de -9,33%. O mercado passou imediatamente a precificar o risco de que outras
empresas do setor também sofrerem reduções de tarifas.
No caso das empresas geradoras de energia, o assunto chave é a renovação das concessões que
começam expirar em 2015. Com o objetivo de baixar o custo da energia, em especial os grandes
consumidores, o governo vai usar esta oportunidade para forçar a redução no preço da energia vendida
pelas geradoras. Nem todas as empresas têm concessões vencendo ao mesmo tempo e isto ajuda a
explicar a diferença no comportamento. Em um caso extremo, Eletrobrás tem 35% de suas concessões
expirando em 2015, enquanto a Cemig tem apenas 4%. A partir de fevereiro, enquanto o preço da ação
da Cemig tem um comportamento consistente com o de uma ação defensiva15, os preços das ações da
Eletrobrás sofreram forte redução.
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12
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2
Cemig (CMIG4) Eletrobrás (ELET6)
Figura 34: Retorno total (utilizando dividendos brutos) de ações do setor elétrico.
14 O conceito de base de ativos regulatórios blindada foi colocado em cheque, no momento em que a Aneel apontou que R$720
milhões de investimentos em cabos não foram “encontrados”. Uma redução da base de ativos na qual incide a tarifa de
remuneração permitida reduz a capacidade de geração de caixa futuro da empresa.
15 De fato, nossa avaliação de Cemig sugere que a empresa está cara. Ainda assim, mantemos em nossos portfolios
discricionários uma exposição considerável a esta empresa porque a empresa possui a melhor história entre as elétricas. (Bela
carteira de geração, IPO de TAESA e CRC).
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Como colocado no inicio, as perspectivas de crescimento econômico global foram reduzidas durante
este ano o que causa forte impacto para as empresas de commodities, as quais têm significativa
presença no Bovespa (Tabela 16).
Tabela 16: Portfólio neutro baseado no Ibovespa.
Transporte & Concessões 3,5%
Bancos 14,5%
Varejo 7,9%
Construção Civil 9,6%
Siderurgia 8,0%
Aeronáutica 0,7%
Papel & Celulose 1,4%
Petróleo & Gás 14,8%
Mineração 14,9%
Consumo 7,7%
Alimentos 4,0%
Financeiro 5,2%
Energia Elétrica e Saneamento 4,0%
Telefonia 3,9%
Portfólio Neutro Ibovespa jun-12
CÍCLICO DOMÉSTICO
CÍCLICO GLOBAL
DEFENSIVO
35,5%
39,7%
24,8%
Vale é o mais puro exemplo da dependência do desempenho da economia chinesa, em especial do nível
de investimento imobiliário e em infraestrutura. A empresa é a maior exportadora mundial de minério de
ferro e suas vendas de minério de ferro e pelotas para China e Europa desde 2005 estão na Tabela 17
abaixo.
Tabela 17: Percentual das vendas de minério de ferro e pelotas da Vale para China e Europa.
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 1S12
China 21,5% 27,4% 31,9% 28,7% 53,6% 42,9% 44,1% 45,5%
Europa 17,4% 15,0% 14,5% 24,4% 18,3% 20,7% 18,0% 17,9%
No curto prazo, a oferta de minério de ferro oriunda das mineradoras com custo baixo de produção é
virtualmente fixa e insuficiente para atender completamente a demanda das siderúrgicas chinesas,
responsáveis por aproximadamente 46% da produção global. Na Figura 35 abaixo, de um estudo do
Macquarie, mostramos a curva de oferta de ferro onde se evidencia a necessidade de suprimento de
minério por parte de mineradores bem menos eficientes que tem custo marginal muito alto, acima de 120
USD / ton. Este custo marginal representaria um piso para os preços do minério ao menos até que nova
oferta de minério de baixo custo16 de produção faça com que os preços caiam de maneira mais
sustentada.
16 A Vale tem atualmente 10 projetos de expansão de minério de ferro e pelotas em sua carteira, entre eles o Carajás S11D que
adicionará 90 milhões de ton ao ano de capacidade à empresa. No total, até 2016, a empresa terá um acréscimo de
aproximadamente 180 milhões de toneladas ao ano, já descontando a depleção das reservas existentes.
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Figura 35: Curva de oferta de minério. Fonte: Macquarie, Bloomberg, Outubro de 2011.
Com o objetivo de evitar um aumento desenfreado da especulação imobiliária, o governo chinês impôs
restrições à atividade imobiliária com reflexos importantes para a perspectiva da demanda de aço. Um
menor crescimento chinês combinado com Europa estagnada tem deprimido o preço do aço e
comprimido a rentabilidade das empresas siderúrgicas. No nosso cenário base, o governo chinês
consegue manejar os diversos instrumentos de politica econômica ao seu alcance de maneira a evitar
que o crescimento atual mais lento deste primeiro semestre venha a degringolar para algo mais serio17.
Desta forma, não prevemos uma queda de produção de aço persistente que justifique preços de minério
de ferro abaixo de 120 dólares por tonelada18. Neste nível de preço do minério os mineradores marginais
chineses, que tem custo de produção substancialmente acima deste valor, deixam de produzir. O preço
atual da ação da Vale mais que desconta este cenário de relativa mediocridade. No entanto, uma vez
que o risco de materialização de cenários piores existe e não é trivial, o investidor precisa ser
adequadamente compensado por assumi-lo o que se dá através de um menor preço de mercado.
É importante ressaltar que nossos preços alvo foram bastante reduzidos em relação ao início do ano,
fruto deste cenário econômico menos benigno. No caso de mineração e siderurgia, basta compararmos
nossa hipótese atual com a de seis meses atrás em relação a trajetória dos preços de aço e minério de
ferro (Figura 36). Uma expectativa de queda mais rápida nos preços do minério de ferro obviamente
explicam a redução do preço-alvo de Vale.
17 O mercado projeta aproximadamente 7,5% de crescimento da economia chinesa, caso esse número seja revisto para menos
que, digamos, 7% teremos implicações sérias nos preços das commodities em geral.
18 Neste ano as siderúrgicas têm comprado menos insumos, consumindo estoques de matéria-prima acumulados anteriormente.
Uma vez que esses estoques estiverem suficientemente reduzidos, os preços desses insumos votariam a subir.
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Minério de Ferro Spot - 62% (Observado) (EE)
Minério de Ferro Spot - 62% (Projetado Dez/11) (EE)
Minério de Ferro Spot - 62% (Projetado Jul/12) (EE)
Figura 36: Preços de Aço e Ferro em Dez/2011 e Julho/2012. Assim como o spread entre eles.
Já no caso de siderurgia, apesar de haver uma redução no custo de seus insumos, esta redução é mais
do que compensada por preços de aço menores como ilustrado na Figura 37 pelos diferenciais de
preços de Aço Internacional e Ferro Internacional projetados ao longo do tempo. A projeção atual é bem
mais desfavorável do que no começo do ano, uma vez que o excesso de capacidade na indústria
siderúrgica, que vem desde o inicio da crise em 2008, se agravou.
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Diferencial Aço - Ferro (Observado) (EE)
Diferencial Aço - Ferro (Projetado Dez/11) (EE)
Diferencial Aço - Ferro (Projetado Jul/12) (EE)
Figura 37: Diferenciais entre preço do Aço e Ferro internacionais.
Além disso, internamente, as distribuidoras brasileiras “aprenderam” a importar aço. A quantidade de aço
importado diminuiu em relação, mas alterou definitivamente a configuração do cenário nacional,
colocando o prêmio do produto interno sobre o importado em um patamar máximo de 10%, como pode
ser visto na Figura 38, prejudicando não apenas volumes como preços do aço no mercado interno. O
efeito mais dramático pode ser visto na nossa avaliação de Usiminas. No inicio do ano nosso preço alvo
era de R$ 15,20 para Dez/12, agora está em R$ 8,10 para Jul/2013.
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(5%)
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Prêmio HRC Doméstico vs Importado (Dez/11) (EE)
Prêmio HRC Doméstico vs Importado (Jul/12) (EE)
Figura 38: Prêmio do Aço Doméstico sobre o Aço Importado teórico.
Antes de concluir gostaria de chamar a atenção para uma situação especifica que estamos explorando.
O banco Itaú fez uma proposta para o fechamento do capital da Redecard, empresa que presta serviço
de adquirência de cartões de credito (as maquininhas). Acreditamos que a proposta será aceita pela
maioria de acionistas necessária para que a operação seja levada a bom termo. Indiscutivelmente, há
muito valor para o Itaú em se tornar o único dono da Redecard, mas o banco foi exaustivamente explicito
que não irá aumentar a proposta de comprar as ações a um preço de 35 reais. Por outro lado, não
apenas o cenário econômico se deteriorou como o índice Bovespa se encontra 14% abaixo do momento
do anuncio da proposta. Em outras palavras, é uma aposta muito arriscada rejeitar-se a proposta
contando com uma melhor oferta do Itaú. Uma vez que o preço da ação está próximo de 33 reais e
considerando-se que este negócio deve ser fechado nos próximos dois meses e que atribuímos alta
probabilidade da adesão necessária, estamos posicionados em Redecard.
Em suma, atravessamos um período particularmente difícil. Empresas com maior previsibilidade estão
sendo transacionadas a preços muito altos. Nas empresas cíclicas, há algum premio para se investir,
mas apenas se não ocorrer a materialização de cenários piores tanto globalmente como no Brasil. Neste
ultimo, estamos particularmente atentos para uma maior deterioração na inadimplência e em um
esfriamento mais pronunciado do mercado de trabalho. Como consequência, estamos posicionados de
maneira defensiva. Nos portfolios em que nossos mandatos permitem mantemos uma posição de 10%
em liquidez19 e privilegiamos situações menos correlacionadas com os mercados, como é o caso da
Redecard discutido acima.
Na Tabela 18 estão nossas projeções para os papéis acompanhados internamente.
19 Em momentos mais negativos chegamos a ter 15%
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Tabela 18: Projeções de preço-alvo modelo e retorno total esperado20
no cenário Reliance.
Setor Empresa Ticker Preço Modelo Total Return Data
Aeronáutica Embraer EMBR3 13,10 14,52 14% ago-13
Alimentos BRF - Brasil Foods BRFS3 29,75 38,86 34% ago-13
Banco Bradesco BBDC4 33,35 34,49 7% ago-13
Itau Unibanco Holding ITUB4 33,39 36,87 14% ago-13
Banco Santander Brasil SANB11 15,90 17,49 19% ago-13
Cyrela Brazil Realty CYRE3 16,45 14,28 -10% ago-13
PDG Realty PDGR3 3,37 4,44 39% ago-13
AMBEV AMBV4 78,70 78,88 5% ago-13
Hypermarcas SA HYPE3 13,70 14,00 2% ago-13
CEMIG CMIG4 39,51 34,59 -2% ago-13
CPFL Energia CPFE3 24,25 25,71 13% ago-13
Light LIGT3 25,00 26,81 10% ago-13
BM&FBovespa BVMF3 11,79 14,09 25% ago-13
Cielo CIEL3 60,79 61,32 10% ago-13
Redecard RDCD3 33,10 36,39 20% ago-13
Mineração Vale VALE3 37,64 45,48 21% ago-13
Papel & Celulose Fibria Celulose FIBR3 16,07 15,35 -4% ago-13
Petróleo & Gás Petrobras PETR3 21,00 28,67 37% ago-13
CSN CSNA3 11,10 13,50 22% ago-13
Gerdau GGBR4 18,87 20,29 11% ago-13
Usiminas USIM3 8,73 7,67 -12% ago-13
Usiminas USIM5 7,80 6,67 -14% ago-13
Telefonia Oi SA OIBR4 9,25 9,80 12% ago-13
Transporte & Concessões
All America Latina Logistica ALLL3 9,96 13,89 40% ago-13
Lojas Renner SA LREN3 62,00 64,03 7% ago-13
Cia Brasileira de Distribuicao PCAR4 83,83 94,80 13% ago-13
Siderurgia
Varejo
Bancos
Construção Civil
Consumo
Energia Elétrica e Saneamento
Financeiro
20 Retorno total esperado considera o potencial de upside do papel, e o dividendo esperado até a data indicada. Preços de
fechamento do dia 07/08/2012.
página 67 :: 102
14. CRÉDITO - BRASIL
: : EDUARDO WEBER
Introduzimos nesta carta uma seção sobre credito doméstico, uma vez que a relevância desta classe nos
portfólios de nossos clientes tem crescido de maneira substancial. O ambiente atual no Brasil combina
crescimento econômico medíocre e juros baixos. Evidentemente juros mais baixos estimulam os
investidores a buscar instrumentos onde o retorno esperado seja mais alto. Como discutimos na seção
de ações brasileiras, o mercado acionário não tem sido uma opção rentável, nos últimos doze meses o
Ibovespa rendeu pouco mais de 2%. Já o mercado de crédito tem apresentado oportunidades para se
perseguir seletivamente retornos mais altos que os títulos públicos21.
Quando nos referimos a mercado de crédito englobamos instrumentos de características distintas.
Destacamos as debêntures, os CRIs (Certificado de Recebíveis Imobiliários), os CRAs (Certificados de
Recebíveis do Agronegócio) e os FIDCs (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios).
Através da emissão de debêntures empresas obtêm recursos diretamente do mercado de capitais por
prazos variados, mas tipicamente superior a dois anos. Os CRIs são títulos de créditos com garantias
que têm como lastro créditos imobiliários. Na prática, podemos dizer que os CRIs representam um fluxo
de caixa futuro decorrente de um negócio imobiliário. Recentemente, analisamos um CRI da Vivo. Um
imóvel que hoje é a sede administrativa da Vivo no RJ foi construído conforme suas especificações e
depois de finalizada a obra, a Vivo passou a pagar um aluguel que serviu de lastro para a emissão do
CRI. Os CRAs são similares aos CRIs com a diferença dos lastros serem créditos agrários.
Já os FIDCs são fundos constituídos por títulos de créditos originários de operações realizadas nas
instituições financeiras, na indústria, prestadores de serviços, entre outros. As operações de crédito são
cedidas aos Fundos que assumem estes direitos creditórios. Comumente o originador do crédito detém
cotas subordinadas do fundo, de forma garantir um alinhamento de interesses com os investidores.
Como vemos na Tabela 19, houve uma forte expansão na emissão de instrumentos de crédito nos
últimos anos. A exceção neste ano tem sido os FIDCs em grande parte devido a questões regulatórias. A
CVM tem trabalhado para alterar a instrução que trata da regulação FIDCs a fim aumentar a segurança
dos investidores nestes produtos.
21 Instrumentos de crédito são alternativas também para investimentos em CDBs dos grandes bancos que tem remuneração
próxima e em muitas vezes inferior ao CDI.
página 68 :: 102
Tabela 19: Emissões primárias e secundárias dos principais valores mobiliários (R$ milhões).
Ano Ações DebênturesNotas
PromissóriasCRI FIDC
2002 6.151 14.636 3.876 142 200
2003 2.723 5.282 2.128 288 1.540
2004 9.153 9.614 2.241 403 5.135
2005 14.142 41.539 2.632 2.102 8.579
2006 31.307 69.464 5.279 1.071 14.262
2007 75.499 48.073 9.726 1.520 12.088
2008 34.882 24.049 25.438 4.809 12.878
2009 47.131 27.614 22.643 3.242 10.112
2010 150.285 52.293 18.737 7.592 13.720
2011 18.982 48.500 18.019 12.427 14.734
2012 (até junho) 8.630 32.135 10.425 3.345 2.034
Fonte: ANBIMA.
Um entrave para um maior desenvolvimento do mercado crédito se encontra na relativa baixa liquidez no
mercado secundário. Os investidores institucionais, fundos de pensão e seguradoras, são os maiores
investidores em títulos de crédito. Quase sempre, estes investidores mantêm seus títulos em carteira até
o vencimento. Esta relativa iliquidez, mesmo das emissões de tamanho grande22 por parte de emissores
mais conhecidos, distingue o mercado de crédito de mercados mais líquidos como o de títulos públicos
ou mesmo de ações. Dito isto, a liquidez deste mercado (vide Figura 39) vem aumentando o que é um
fator bastante importante para que este mercado amadureça.
0
50
100
150
200
250
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350
400
450
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012(até
31/07) Figura 39: Volume médio diário de negociação de debêntures (R$ milhões). Fonte: ANBIMA.
Títulos de credito são muito heterogêneos: os mais diversos tipos de emissores, estruturas mais ou
menos complexas, dispor ou não de garantias, entre muitos outros atributos. No que se segue,
22 As emissões variam muito em seu tamanho, algumas emissões são quase que sob medida e com valor de apenas alguns
milhões de reais. Chamamos de operações grandes aquelas emissões que excedam algumas centenas de milhões de reais.
página 69 :: 102
apresentamos duas situações distintas que exemplificam o que temos buscado para satisfazer as
necessidades de nossos clientes.
Apesar da recente queda de juros, investidores continuam a procurar títulos que proporcionem
rendimento real, acima da inflação, relativamente alto e por prazos longos. Parte desta demanda é
satisfeita por títulos públicos atrelados a inflação. No entanto, com a queda no rendimento destes,
investidores têm procurado títulos de emissores privados atrelados ao IPCA que paguem taxas mais
altas que os títulos públicos. Na Figura 40 fica evidenciado a crescente importância deste segmento do
mercado de crédito.
0
5
10
15
20
25
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 31/07/2012
R$ Bilh
ões
Figura 40: Estoque de debêntures com remuneração atrelada ao IPCA. Fonte: ANBIMA.
Já em relação a prazos mais curtos, investidores buscam uma remuneração superior ao CDI e
preferencialmente com isenção fiscal para pessoas físicas. Neste sentido recentemente analisamos e
aprovamos uma emissão de um CRA com remuneração de 109% do CDI. O prazo desta operação é de
2 anos e o rating é AAA(bra) pela Fitch Ratings. Mais especificamente, este CRA foi emitido por
distribuidores23 de uma empresa multinacional líder no setor de defensivos agrícolas. Estes distribuidores
necessitam de capital de giro para financiar a comercialização de defensivos e fertilizantes para
produtores de soja. O repagamento do financiamento ocorre após a colheita e consequente venda da
soja.
O objetivo desta seção foi introduzir um mercado que tem ganhado importância nas carteiras dos
investidores. Entendemos que em um ambiente de taxas de juros mais baixas, este mercado ainda tem
muito espaço para crescer, o que proporcionará diversas oportunidades mas que requererão um trabalho
cuidadoso de analise e seleção.
23 Mais precisamente, o CRA foi emitido pela securitizadora, com lastro em CDCAs (Certificados de Direitos Creditórios do
Agronegócio) emitidos pelos distribuidores.
página 70 :: 102
15. JUROS - BRASIL
: : JULIO FERREIRA
Estamos acostumados a pensar em juros como as taxas vigentes entre hoje e uma determinada data no
futuro. Essas são as chamadas taxas “spot”. Taxas Spot, na verdade, são a composição das taxas
vigentes em múltiplos períodos encadeados. Por exemplo, a taxa pré-fixada entre hoje e 2 anos é a
composição das taxas nos anos 1 e 2. Essas taxas para cada um dos anos são as taxas marginais
(taxas “forward”, ou apenas “forward”). Taxas marginais são as taxas vigentes entre um ponto inicial e
um ponto final, ambos no futuro. A vantagem de olharmos as curvas em termos de taxas marginais é que
temos mais intuição para a evolução das condições em momentos particulares do tempo, em contraste
com olhar para taxas médias (taxas spot), que são a composição de taxas em momentos onde as
situações podem ser muito distintas.
Na Tabela 20 são mostradas as curvas spot (de hoje até a data final) e forward (taxas marginais ano a
ano) para os mercados de juros pré-fixados futuros (curva Pré DI), Títulos do Tesouro Nacional Pré-
Fixados (NTN-Fs e LTNs), Títulos do Tesouro Nacional Indexados à Inflação (NTN-Bs) e Inflação
Implícita, esta aqui calculada de duas maneiras diferentes - Taxa de Inflação que iguala os retornos
esperados nas NTN-Fs e NTN-B (ultima coluna, chamada “Inflação Implicita NTN-Fs”) e a Taxa de
Inflação que iguala os retornos esperados nos DIs Futuros e NTN-Bs (penúltima coluna, chamada
“Inflação Implícita DIs”). Mostramos duas datas: o momento em que escrevemos essa edição da carta
(23/07) e aquele da edição anterior (07/02/2012):
Tabela 20: Taxas Spot e Forward Nominais e Reais, e Forwards das Inflações Implícitas em 23/07/2012 e 07/02/2012.
SPOT FORWARD SPOT FORWARD SPOT FORWARD x DIs x NTN-Fs
ANO 1 7,42% 7,42% 7,49% 7,49% 1,67% 1,67% 5,65% 5,72%
ANO 2 7,96% 8,51% 8,05% 8,62% 2,42% 3,17% 5,17% 5,28%
ANO 3 8,43% 9,37% 8,49% 9,37% 2,96% 4,06% 5,11% 5,11%
ANO 4 8,76% 9,75% 8,78% 9,67% 3,29% 4,29% 5,23% 5,16%
ANO 5 8,99% 9,93% 9,00% 9,86% 3,51% 4,40% 5,30% 5,23%
ANO 6 9,17% 10,04% 9,17% 10,04% 3,67% 4,48% 5,33% 5,32%
ANO 7 9,30% 10,11% 9,32% 10,21% 3,80% 4,54% 5,32% 5,42%
ANO 8 9,41% 10,15% 9,45% 10,38% 3,90% 4,60% 5,30% 5,52%
ANO 9 9,49% 10,18% 9,57% 10,53% 3,98% 4,65% 5,28% 5,61%
ANO 10 9,56% 10,19% 9,68% 10,66% 4,05% 4,70% 5,25% 5,69%
2 ANOS 5,41% 5,50%
2 y x 3 y 5,22% 5,17%
5 y x 5 y 5,30% 5,51%
10 y x 10 y 5,16% 5,92%
8,05%
REAL (NTN-Bs)
FORWARDS
PERÍODO
10,13%
9,69%
7,96%
4,60%
4,25%
2,42%
10,36%
9,63%
23/07/2012
NOMINAL (DIs) NOMINAL (NTN-Fs) INFLAÇÃO
10,21% 11,01% 4,81%
página 71 :: 102
Continuação da Tabela 20...
2 ANOS (21,6) (22,0)
2 y x 3 y (26,3) (60,5)
5 y x 5 y (26,2) (40,2)
10 y x 10 y (58,9) (4,5) (163,9) (107,0) (96,5)
(201,6) (202,2) (169,9)
(198,2) (234,4) (162,0)
NOMINAL (DIs) NOMINAL (NTN-Fs) REAL (NTN-Bs) INFLAÇÃO
(171,7) (186,9) (136,7)
SPOT FORWARD SPOT FORWARD SPOT FORWARD x DIs x NTN-Fs
ANO 1 9,46% 9,46% 9,59% 9,59% 3,77% 3,77% 5,49% 5,61%
ANO 2 9,98% 10,49% 10,07% 10,56% 4,12% 4,47% 5,77% 5,83%
ANO 3 10,46% 11,43% 10,59% 11,62% 4,61% 5,60% 5,53% 5,71%
ANO 4 10,78% 11,74% 10,96% 12,08% 4,95% 5,97% 5,45% 5,77%
ANO 5 10,99% 11,83% 11,21% 12,23% 5,16% 6,04% 5,46% 5,84%
ANO 6 11,13% 11,85% 11,39% 12,27% 5,31% 6,03% 5,49% 5,88%
ANO 7 11,23% 11,85% 11,51% 12,26% 5,41% 6,00% 5,52% 5,91%
ANO 8 11,31% 11,85% 11,60% 12,24% 5,48% 5,96% 5,56% 5,92%
ANO 9 11,37% 11,85% 11,67% 12,21% 5,53% 5,93% 5,59% 5,93%
ANO 10 11,42% 11,85% 11,72% 12,18% 5,56% 5,90% 5,62% 5,94%
2 ANOS 5,63% 5,72%
2 y x 3 y 5,48% 5,77%
5 y x 5 y 5,56% 5,92%
10 y x 10 y 5,74% 5,96%
11,85% 12,23% 5,96%
9,98% 10,07% 4,12%
INFLAÇÃOPERÍODO
11,67% 11,98% 5,87%
REAL (NTN-Bs)
FORWARDS
NOMINAL (DIs) NOMINAL (NTN-Fs)
07/02/2012
11,85% 12,08% 5,78%
Fonte: ANBIMA; Bloomberg; Reliance.
Na discussão que segue, analisaremos o comportamento ao longo do semestre das taxas de juros reais,
taxas de juros nominais e as inflações implícitas (inflações de “break-even”).
Consideraremos os valores para essas variáveis implícitas nos instrumentos de renda fixa, conforme
descrito acima. Nossa atenção estará voltada para essas variáveis em dois horizontes de tempo: os dois
anos iniciais (2Y) e o período de 5 anos compreendido entre 5 e 10 anos a partir da data corrente (5y5y)
O horizonte de 2 anos é um período onde temos alguma visibilidade sobre o estado (desvios em relação
a meta) da inflação, bem como a resposta mais provável de política monetária do Banco Central.
No outro horizonte (o período compreendido entre 5 e 10 anos, doravante indicado por 5y5y, indicativo
de “horizonte de 5anos, começando 5 anos no futuro”), estão as expectativas do mercado para os
valores “em regime” das variáveis (taxas de juros e inflação implícita) no longo prazo. São expectativas
“em regime” por vários motivos. Em 5 anos, não temos mais qualquer visibilidade sobre as ações do BC.
Em 5 anos, qualquer efeito de possíveis erros de politica nos próximos 2 anos já devem ter sido
corrigidos. Além disso, estamos analisando taxas “forward” (marginais), ou seja, não há efeitos de
composição das taxas de curto prazo (como ocorreria se estivéssemos analisando taxas spot, em cuja
composição, mesmo em prazos longos, entram as taxas dos próximos 2 anos). Deste modo, essas são
as taxas que o mercado hoje julga compatíveis com sua percepção sobre os “fundamentos” de longo
prazo, independentemente dos ciclos de curto prazo.
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A Tabela 21 mostra a evolução semanal do valor dessas variáveis desde a data base que usamos para
escrever a versão anterior dessa carta:
Tabela 21: Evolução semanal das Taxas Forwards
2 ANOS2 ANOS x 3 ANOS
5 ANOS x 5 ANOS
REAL 5a5a - REAL 2a
2 ANOS2 ANOS x 3 ANOS
5 ANOS x 5 ANOS
NOM 5a5a - NOM 2a
2 ANOS2 ANOS x 3 ANOS
5 ANOS x 5 ANOS
07/fev 4,12% 5,87% 5,96% 1,84% 10,07% 11,98% 12,23% 2,16% 5,72% 5,77% 5,92%
13/fev 4,00% 5,62% 5,64% 1,63% 9,86% 11,76% 12,08% 2,22% 5,63% 5,81% 6,10%
22/fev 3,90% 5,43% 5,36% 1,46% 9,79% 11,53% 11,68% 1,89% 5,67% 5,78% 6,00%
29/fev 3,84% 5,65% 5,52% 1,68% 9,92% 11,83% 12,06% 2,14% 5,86% 5,85% 6,20%
07/mar 3,58% 5,50% 5,53% 1,96% 9,78% 11,69% 12,42% 2,63% 5,99% 5,87% 6,52%
14/mar 3,29% 5,65% 5,50% 2,21% 9,62% 12,15% 12,59% 2,96% 6,13% 6,15% 6,72%
21/mar 3,71% 5,51% 5,37% 1,66% 9,90% 11,91% 12,42% 2,52% 5,97% 6,07% 6,69%
28/mar 3,69% 5,47% 5,13% 1,44% 9,78% 11,56% 12,08% 2,30% 5,87% 5,78% 6,61%
04/abr 3,67% 5,47% 5,13% 1,46% 9,70% 11,69% 11,97% 2,26% 5,82% 5,90% 6,51%
12/abr 3,63% 5,21% 4,84% 1,21% 9,42% 11,34% 11,50% 2,09% 5,58% 5,82% 6,35%
19/abr 3,46% 5,05% 4,68% 1,22% 9,21% 11,35% 11,54% 2,33% 5,55% 6,00% 6,55%
26/abr 3,32% 4,88% 4,74% 1,41% 9,11% 11,17% 11,49% 2,38% 5,60% 6,00% 6,45%
04/mai 2,89% 4,32% 4,38% 1,49% 8,56% 10,69% 11,24% 2,67% 5,51% 6,11% 6,57%
11/mai 2,90% 4,33% 4,45% 1,54% 8,82% 10,77% 11,34% 2,52% 5,75% 6,17% 6,60%
18/mai 2,78% 4,25% 4,34% 1,56% 8,42% 10,57% 10,98% 2,56% 5,48% 6,07% 6,36%
25/mai 3,43% 4,84% 4,51% 1,08% 8,86% 10,88% 11,17% 2,31% 5,25% 5,76% 6,37%
01/jun 3,38% 4,67% 4,78% 1,40% 8,61% 11,11% 11,25% 2,64% 5,05% 6,15% 6,17%
11/jun 3,45% 5,24% 4,84% 1,39% 8,52% 11,27% 11,34% 2,82% 4,90% 5,73% 6,19%
18/jun 3,47% 4,98% 5,10% 1,63% 8,45% 11,05% 11,01% 2,55% 4,82% 5,78% 5,62%
25/jun 3,26% 4,79% 4,85% 1,59% 8,33% 10,35% 10,81% 2,48% 4,91% 5,31% 5,68%
02/jul 3,01% 4,80% 4,83% 1,81% 8,21% 10,34% 11,02% 2,81% 5,04% 5,28% 5,91%
10/jul 2,85% 4,91% 4,91% 2,05% 8,15% 10,27% 10,93% 2,78% 5,15% 5,11% 5,74%
16/jul 2,72% 4,46% 4,77% 2,05% 8,05% 10,08% 10,56% 2,52% 5,19% 5,37% 5,53%
23/jul 2,42% 4,25% 4,60% 2,18% 8,05% 9,63% 10,36% 2,31% 5,50% 5,17% 5,51%
DATA
FORWARDS REAIS ANUALIZADOSFORWARDS NOMINAIS (NTN-Fs;LTNs)
ANUALIZADOSFORWARDS INFLAÇÕES
IMPLÍCITAS ANUALIZADAS
Nas últimas edições desta carta, discutimos com bastante ênfase o nível das taxas de juros reais.
Chamávamos a atenção para o fato de que o BC vinha procurando “testar agressivamente” níveis de
taxas de juros reais mais baixos. Esse experimento do BC vinha sendo possibilitado pela conjunção de
alguns fatores: taxas de juros reais excepcionalmente baixas em outros países, com a expectativa de
que fiquem assim por um longo período de tempo; desaceleração do crescimento global e aumento da
eficácia de politica monetária no Brasil (fruto do aumento da alavancagem do setor privado e de outros
fatores).
A Tabela 21 evidencia que desde a última edição desta carta, houve movimentos bastante fortes nas
curvas de juros (tanto nominais como reais). Os juros reais esperados para o curto prazo (2 anos) caem
de 4,12% para 2,42%. Os de longo prazo cedem de 5,96% para 4,60%. A despeito dessa forte redução
nos juros reais, a inflação implícita (diferença entre as taxas nominais e reais para um mesmo período)
de curto prazo (2 anos) cai de 5,72%aa para 5,50%aa e a de longo prazo de 5,92% aa para 5,51% aa.
página 73 :: 102
A queda da inflação implícita de longo prazo é particularmente digna de nota. A renitente perda de
dinamismo no crescimento econômico observada desde o segundo semestre do ano passado poderia
explicar a queda da inflação implícita de curto prazo (2 anos), mesmo na expectativa de taxas de juros
reais muito baixas (potencialmente muito abaixo do que acreditava-se ser o nível de juro real neutro
atual, segundo pesquisa do BC com economistas de mercado conduzida há alguns meses atrás) no
mesmo período.
Mas se fosse o mercado julgasse estarmos apenas frente a um efeito cíclico de politica monetária, o
natural seria que as curvas de juros no longo prazo (5 anos x 5 anos) mantivessem-se mais ou menos
nos mesmos níveis do início do semestre. Mesmo que as expectativas de juros reais muito baixos
tivessem induzido investidores a alongar prazos nas NTN-Bs por receio do “risco atuarial”(forçando as
taxas reais de longo prazo- 5 anos x 5anos- para baixo), se as taxas longas fossem percebidas como
tendo grande probabilidade de estar abaixo do nível neutro, o natural seria que as taxas nominais não
acompanhassem o movimento, o que resultaria em inflações implícitas longas mais altas. Não foi o que
ocorreu.
Sendo assim, podemos dizer que o mercado mudou significativamente suas expectativas de juros reais
neutros ao longo do semestre? Sim. Mas vamos qualificar essa resposta, introduzindo nuances que irão
enfraquecer o peso que atribuímos a essa “convicção” do mercado.
O Figura 41 abaixo mostra a evolução das taxas de juros reais de curto prazo (2 anos), médio prazo
(“forwards” de 3 anos começando em 2 anos = taxas entre o ano 2 e o ano 5 = “2 anos x 3 anos”) e
longo prazo (5 anos x 5 anos). Chamo atenção para 2 detalhes:
Essas taxas pareciam respeitar um “piso” entre 5,5% e 6,0% até 08/2011 (taxas 2 anos) e
03/2012 (taxas intermediarias e longas). A partir desse momento, cada uma dessas taxas
“rompe” esses “pisos” e passa a trabalhar em patamares muito mais baixos.
A amplitude das oscilações dessas taxas parece ter diminuído significativamente a partir do
2º. Semestre de 2009.
página 74 :: 102
-1,0%
1,0%
3,0%
5,0%
7,0%
9,0%
11,0%
13,0%
jan/
06
abr/
06
jul/0
6
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6
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07
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2
Juros Reais (NTN‐Bs) e Juros Reais US
2 anos 2 anos x 3 anos 5 anos x 5 anos US Inflation Adjusted Fwd Rate 5Y 5Y US 5y5y Breakeven Inf 5Y 5Y
Figura 41: Taxas Forwards Reais no Brasil e US e Inflação US.
Quanto ao 2º. ponto acima, arriscamos duas explicações possíveis: reconhecimento de mais efetividade
da política monetária ou maior atratividade dos títulos públicos brasileiros para investidores
internacionais (devido a taxas mais baixas no mercado internacional e melhora relativa da posição fiscal
do Brasil vis-á-vis outros países).
Contudo, o que realmente nos interessa explorar é o 1º. Ponto. Para analisar o que pode ter mudado
nesse primeiro semestre de 2012, precisamos olhar alguns dados a mais.
Na parte de baixo do mesmo gráfico (Figura 41), mostramos a taxa de juros real de longo prazo (5y x 5y)
para os EUA e a inflação implícita de longo prazo (US 5y5y Breakeven Inflation). Observem que:
A taxa real 5y x 5 y mantem-se na maior parte do tempo no intervalo entre 2,0% e 2,5% até
o 2º. Trimestre de 2010. A partir daquele momento, passa a oscilar num intervalo mais largo
(1,5% a 2,5%) até Jul-Ago/2011. Em Ago/2011 muda bruscamente para um patamar mais
baixo (0,5% a 1,0%), onde permanece até Fev-Mar/2012, quando parece novamente mudar
para um patamar ainda mais baixo (-0,5% a 0,0%).
A “5y5y Breakeven Inflation” (equivalente à nossa Inflação Implícita 5 anos x 5 anos), exceto
pelo período entre a quebra da Lehmann Brothers (Set/2008) e meados de 2009 onde caiu
para patamares muito baixos, permaneceu em torno de 2,5% aa
A “história” que os dados americanos nos contam parece ser a seguinte:
página 75 :: 102
Até o 2º. Trimestre de 2010 havia confiança de que no longo prazo (5 anos) os efeitos da
crise de 2007-2008 estariam superados. Isso era evidenciado pelos patamares de normalidade
das taxas de juros reais “forward” de longo prazo (5y x 5y) e “breakeven inflation”.
A desaceleração econômica que se observa no 2º trimestre de 2010 parece começar a
colocar isso em duvida. O mercado reconhece que será necessário um patamar mais baixo
que o normal de taxas de juros reais. Nos momentos em que a economia recupera dinamismo,
as taxas de juros reais “forward” voltam para os patamares usuais, mas os múltiplos episódios
de perda de dinamismo (“soft patches”) na economia americana e a eclosão da crise de crédito
europeia parecem indicar problemas mais profundos, de natureza estrutural, fazendo com que
as taxas passem a oscilar num intervalo mais amplo e mais baixo.
Em meados de 2011 (julho-agosto) as taxas migram para um patamar mais baixo.
Novamente, em fevereiro-março de 2012 vão para um patamar ainda mais para baixo, já em
terreno negativo. Isso esteve associado ao agravamento da crise europeia, desaceleração em
países emergentes e preocupações fiscais com os EUA. Todos esses fatores contribuem para
que aumentem as dúvidas sobre as expectativas de longo prazo para a economia global. O
FED passa a sinalizar explicitamente a manutenção de uma politica monetária muito frouxa por
um período bastante prolongado de tempo.
As taxas reais “forward” 5y x 5y em terreno negativo, associadas a taxas “breakeven
inflation” 5y x 5y num patamar de normalidade (em torno de 2,5% aa), indicam a expectativa de
que serão necessárias taxas de juros reais negativas (ou seja, abaixo da inflação) por um
período de tempo muito prolongado, para ajudar a economia americana a lidar com os efeitos
da crise de crédito global que eclodiu em 2007 e está tendo uma nova manifestação na crise
de crédito europeia. Contudo, as inflações “breakeven” 5y x 5y em patamares de normalidade,
mesmo com taxas de juros negativas, indicam um cenário de grande mediocridade econômica,
mas não de deflação-depressão.
O que nos parece digno de nota não é tanto a coincidência dos movimentos em Ago/2011 entre as taxas
reais brasileiras (2 anos) e americanas (5y x 5y). Aqui a interpretação é mais ou menos obvia: ao
bruscamente mudar de um ciclo de alta de juros para um de queda (o que induziu a queda observada
nas taxas reais de 2 anos), o BC Brasileiro estava respondendo à mesma conjunção de fatores
(agravamento da crise europeia, maior incerteza nos EUA) que estava influindo sobre as expectativas de
longo prazo americanas.
O que nos parece mais importante para a questão em estudo (o peso da convicção sobre a “queda” das
taxas de juros reais neutras no Brasil a partir de Fev/Mar-2012) é a coincidência entre o movimento das
taxas reais “forward” 5y x 5y americanas para terreno negativo e as taxas reais “forward” brasileiras 5y x
5y rompendo o “piso” de 5,5%,mais ou menos no mesmo momento (Fev-Mar/2012).
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Nossa leitura é que, sim, o mercado parece expressar uma percepção de taxas de juros reais neutras no
Brasil abaixo dos patamares de 5%-6% indicado na última pesquisa conduzida pelo BC a esse respeito.
Isso é evidenciado pelo fato, como já indicamos, do forte movimento para baixo das taxas reais
(especialmente as intermediárias e longas) não ter sido acompanhado de aumento da inflação implícita
de longo prazo, como seria de esperar se as taxas reais estivessem significativamente abaixo das
expectativas das taxas neutras ao longo de toda a curva.
Mas as convicções expressas nas curvas de juros não parecem ter suporte em evidências empíricas. A
qualificação que queríamos fazer é que essa “convicção” é expressa em um ambiente onde há um forte
movimento das expectativas de taxas reais americanas de longo prazo para terreno negativo. Como há
um forte grau de interligação entre os mercados financeiros globais, nossa hipótese é que o movimento
observado nas taxas brasileiras em parte é influenciado pelo que está acontecendo nas taxas
americanas (que por sua vez é reflexo de um ambiente global extremamente complicado). Sendo assim,
damos menos peso à suposta mudança na “convicção” dos mercados acerca do nível (e trajetória ao
longo do tempo) da taxa de juro real neutra no Brasil. Mudando as condições externas, podem mudar as
“convicções”...
Dito isso, quero colocar duas questões:
a. Se as expectativas expressas nas curvas de juros americanas estiverem corretas (uma
observação: esse analista acredita que estão corretas), quais as implicações para os
posicionamentos de longo prazo (atuariais) em juros reais no Brasil?
b. E se as expectativas estiverem incorretas, quais as implicações?
Comecemos por tentar responder a 2ª. questão. Se as expectativas expressas atualmente nas curvas de
juros americanas provarem-se incorretas, e daqui a 5 anos os efeitos da crise de crédito de iniciada em
2007 estiverem superados, qual seria um nível mínimo justificável para as taxas de juros reais no Brasil?
Nossa resposta é a seguinte: olhando para dados históricos, fora de condições de crise, as taxas de
juros em títulos do Tesouro americano indexados à inflação (CPI USA) oscilou no passado em níveis
entre 2,0% e 2,5% aa. Sobre isso deveríamos acrescentar um “prêmio de risco” soberano, que tem
oscilado em torno de 1,00% a 1,5%aa. Essa não é uma medida perfeita, pois refere-se ao “spread de
crédito” nos Credit Default Swaps de 5 anos sobre a dívida externa brasileira, e não sobre a dívida
interna em moeda local. Os analistas concordam que “defaults” externos são sempre mais prováveis que
internos (já que neste caso os governos podem monetizar ou inflacionar a divida), mas é a medida que
dispomos. Possivelmente superestima o “prêmio de risco” que seria adequado para a dívida doméstica.
Portanto, em condições de normalidade precisaríamos de taxas de juros reais de 2,5% a 4,00% aa em
títulos indexados a inflação no Brasil para serem consistentes com condições de normalidade nos EUA.
Neste sentido, ficaríamos cautelosos com taxas ”forward” reais 5y x 5y (no Brasil) abaixo de 4,00%.
Para a 1ª. questão - Vimos que as taxas “forward” 5y x 5y americanas, tendo ido para território negativo,
podem ter contribuído para as taxas equivalentes brasileiras romperem o “piso” de 5,5%aa, consistente
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com o que os analistas acreditavam ser taxa de juro real neutra no Brasil. Ainda assim é importante
observar que o BC brasileiro indicou na última ata do COPOM (referente à reunião de 11/07)
possivelmente estar próximo do final do ciclo de queda da taxa SELIC iniciado em agosto/2011.
Observem no gráfico X (neste gráfico, os ciclos de queda da SELIC estão indicados por áreas
sombreadas em azul, os ciclos de alta por áreas sombreadas vermelhas e os períodos de neutralidade
em branco), que terminados os ciclos de queda da SELIC no passado, em geral as taxas “forward” mais
longas tendem a não cair mais ou subir. Neste sentido, parece-nos que mesmo que o cenário expresso
nas curvas americanas esteja correto, é possível que as taxas de juros reais longas no Brasil já estejam
numa situação onde os espaço para quedas seja limitado.
Tentando colocar em parâmetros objetivos, nossa recomendação para posicionamento em taxas de
juros reais longas com objetivos atuariais é o seguinte:
a. Recomendamos cautela com taxas reais “forward” 5y x 5y abaixo de 4,00%aa
b. A menos que mudem bastante as condições externas (para melhor), consideramos atrativas
taxas reais “forward” 5y x 5y acima de 5,00%aa.
c. Nos níveis atuais, dados os riscos decorrentes da proximidade do final do ciclo de queda da
taxa SELIC, não achamos atrativo o posicionamento especulativo. Achamos que as condições
e níveis atuais justificam apenas o posicionamento atuarial, respeitados os parâmetros
expressos acima.
Por fim, uma palavra quanto às taxas reais curtas. Como explicamos no início dessa discussão, quando
um investidor compra uma NTN-B longa, está comprando uma composição das taxas curtas,
intermediárias e longas. Já discutimos as taxas longas (e os mesmos parâmetros valem para as
intermediárias). Quanto às taxas curtas (2 anos), projetam atualmente 2,40% aa. O que podemos dizer é
que olhando para dados passados, em períodos de 24 meses, os níveis mais baixos de taxas de juros
reais realizadas (SELIC-IPCA anualizados) foi de 3,65% aa (período de 24 meses terminado em
04/2011). Naquele período o crédito privado cresceu num ritmo anualizado de 18% aa e o preço de
commodities em BRL estava crescendo num ritmo anualizado de 12,5% aa. A inflação no período, em
termos anualizados foi de 5,88% aa. O BC acredita que o baixo crescimento da economia em 2011-2012
cria uma capacidade ociosa que deve permitir trabalhar com taxas de juros baixas por algum tempo sem
pressionar a inflação. O crescimento do crédito originado por bancos privados vem sofrendo
desaceleração, embora essa desaceleração venha sendo compensada pela aceleração na originação
em bancos estatais. As commodities em BRL, por outro lado, parecem ter alguma tendência a crescerem
a taxas mais moderadas. Ainda assim, taxas de juros reais tão baixas para os próximos 2 anos, parecem
de fato depender de uma combinação de grande capacidade ociosa e manutenção do cenário externo
ruim para não gerarem uma aceleração da inflação. Assim, desse lado também recomendamos atenção.
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16. FUNDOS - BRASIL
: : MANOEL FERREIRA
Mais um semestre dominado pelos acontecimentos do cenário externo. Mesmo após os estímulos
domésticos iniciados em agosto do ano passado, vivemos nestes primeiros meses de 2012 a experiência
da frustração das expectativas sobre o impacto na economia das medidas tomadas no semestre anterior.
Após um começo promissor, com a LTRO na Europa aquecendo os ânimos globais, o segundo trimestre
colocou de volta as preocupações sobre o desenrolar da crise na Europa, além de novos temores com
relação à desaceleração chinesa.
A continuação dessas preocupações, junto com a percepção de atividade doméstica mais fraca,
trouxeram taxas de juros e a maior parte dos preços das ações para baixo, e o uso de risco entre esses
dois mercados definiu a performance da maior parte dos produtos.
Exceção feita a poucos setores domésticos, mais dependentes de renda, beneficiados pelo crescimento
da massa salarial, que continuaram a mostrar bons resultados, apesar de preços menos convidativos,
quando comparados ao seu potencial de geração de lucro.
70
80
90
100
110
120
130
30/d
ez
30/ja
n
29/fe
v
31/m
ar
30/a
br
31/m
ai Dólar Ibovespa Euro IMA-B5 IMA-B5+ IRF-M CDI
Figura 42: Desempenho dos mercados no 1º Semestre de 2012. Base 100 em 30/Dez/11.
: : FUNDOS MACRO
Analisando o uso do risco nos principais mercados durante o semestre, gestor a gestor, observamos
comportamentos distintos em relação ao posicionamento em mercados. A reversão do otimismo, a volta
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do ambiente de incerteza, e a chegada a novos patamares de taxas de juros, não impactaram de forma
uniforme o apetite a risco dos vários gestores.
Em termos de frequência e tamanho, dominaram a utilização de risco as posições que se beneficiaram
com a queda de juros reais e nominais. Vencimentos entre 2014 e 2017 foram os mais presentes.
Posições compradas em ações também estiveram presentes, mas na maior parte dos fundos
apareceram com menor frequência e intensidade, diminuindo no segundo trimestre. Em média, ações do
setor financeiro, energia elétrica, e transportes e concessões foram as mais presentes ao longo do
semestre.
Por último, muito menos frequentes e de muito menor intensidade, as posições em dólar x real,
compradas ou vendidas, foram mais simétricas.
: : USO DO RISCO
Diferentemente do último semestre do ano passado, quando vimos um terceiro trimestre com muito
menos alocação a risco, o uso neste semestre foi mais uniforme ao longo do tempo.
Verificamos aumento do uso de risco ao longo do semestre em relação ao anterior, sendo que em alguns
fundos pudemos observar posições alavancadas na aposta em queda de juros que não víamos há muito
tempo.
Tabela 22: Alocação média dos fundos Multimercados (% PL).
03/02/2012 02/03/2012 06/04/2012 04/05/2012 01/06/2012 06/07/2012
Bolsa 3,8% 5,1% 4,6% 3,7% 4,5% 4,6%
Juros (até 12m) 38% 180% 64% 161% 61% 56%
Juros (12 a 24m) 21% 17% 27% 30% 21% 7%
Inflação 23,1% 29,6% 32,2% 35,9% 33,5% 40,2%
US$ -2,0% -0,8% 2,2% 2,9% 3,6% 4,0%
Stress negativo -3,2% -3,9% -4,3% -3,5% -3,0% -2,9%
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Tabela 23: Retorno dos fundos Multimercado no 2º Semestre de 2011.
1ºS12 2ºS11
MAUA MACRO 410% -1,0% 8,2% 3,92 1 2
VENTOR HEDGE 370% -1,6% 5,7% 4,85 1 1
ADVIS ENDURO 304% -2,2% 4,4% 4,71 1 1
ADVIS DELTA 276% -1,2% 4,1% 4,34 1 1
BNY MELLON ARX EXTRA 255% 1,2% 1,5% 10,78 1 2
MODAL EAGLE 227% 0,0% 4,4% 2,88 1 4
BTG PACTUAL HEDGE PLUS 226% -0,3% 3,4% 3,67 1 1
BTG PACTUAL LOCAL 222% -0,7% 3,7% 3,29 1 1
HG VERDE 212% -1,6% 4,7% 2,37 1 3
GAP ABSOLUTO 195% -0,3% 2,8% 3,32 1 3
SPX NIMITZ 193% -0,8% 3,8% 2,41 1 2
IBIUNA HEDGE 175% -0,5% 3,4% 2,18 2 2
BNY MELLON ARX HEDGE PLUS 172% 0,2% 2,3% 3,13 2 2
FRAM CAPITAL AMUNDSEN 170% -1,6% 5,4% 1,29 2 1
OPUS HEDGE AGRESSIVO 167% -0,8% 1,8% 3,61 2 4
MAPFRE INVERSION AGRESSIVO 161% -0,6% 3,2% 1,87 2 1
FATOR HEDGE ABSOLUTO 153% -1,0% 2,1% 2,51 2 2
M. SAFRA MAX 152% -0,6% 1,7% 3,01 2 3
CLARITAS DELTA 144% 0,2% 1,6% 2,72 2 3
MAPFRE INVERSION ARROJADO 142% -0,4% 2,5% 1,64 2 1
ASHMORE BRASIL 141% -1,5% 3,5% 1,16 2 3
ITAU HEDGE 138% 0,2% 1,4% 2,67 3 4
KONDOR MAX 134% 0,5% 0,9% 3,87 3 2
OPUS HEDGE 133% -0,3% 1,1% 2,85 3 4
FIDES HEDGE PLUS CSHG 132% -0,4% 3,2% 0,99 3 4
CSHG PORTFOLIO DINAMICO LP 126% 0,0% 1,3% 1,98 3 2
SUL AMERICA ABSOLUTO 118% -0,1% 1,6% 1,07 3 1
PATRIA HEDGE 113% -0,1% 1,5% 0,85 3 2
QUEST MACRO 105% -0,2% 1,4% 0,33 3 3
SDA ABSOLUTO 102% -0,6% 1,7% 0,12 3 3
BBM GAUSS 99% 0,2% 0,8% - 3 3
GAVEA INVESTIMENTO NO EXTERIOR 98% -3,9% 7,0% - 4 3
SAFRA ABSOLUTO 95% -2,9% 7,0% - 4 3
NEST MILE HIGH 95% -2,3% 5,0% - 4 4
CSHG GLOBAL CURRENCIES HEDGE 92% -0,7% 2,4% - 4 4
NEO MULTI ESTRATÉGIA 91% -0,1% 1,5% - 4 1
KINEA MACRO 88% -1,4% 3,1% - 4 4
SAFRA CURRENCY HEDGE 82% -2,2% 4,3% - 4 2
GAVEA BRASIL 60% -1,9% 3,2% - 4 4
LACAN EQUILIBRIO 49% -2,3% 5,3% - 4 4
BROOKFIELD HEDGE PLUS II 46% -0,9% 2,2% - 4 4
3G BRASIL ONSHORE -18% -4,6% 6,5% - 4 1
FundoQuartil
Sharpe Vol.Pior 21dx CDI
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: : FUNDOS LONG AND SHORT
Na última carta mencionamos a fraca performance da categoria, independente da exposição direcional à
bolsa, e buscávamos entender os motivos que potencialmente teriam afetado os fundos long and short
como um todo, sem sucesso. Em uma conversa mais recente, um gestor apontou um potencial padrão
nas escolhas de casos de investimento que não havíamos contemplado ainda: o mercado estava
comprado em casos mais complicados, ou que passavam por desafios na gestão ou na entrega de
resultados, e vendidos em casos mais simples, mais caros se olhados por métricas convencionais, ou
com menos desafios para entrega de resultados. Por essa lógica, naquele momento, de maior aversão a
risco, o capital teria fugido desses casos mais complexos e buscado os mais simples, impactando as
carteiras.
Não podemos dizer que isso explica todos os casos de má performance, mas continuamos não
encontrando motivos para não investir em gestores long and short, principalmente num momento onde,
apesar da queda da bolsa, pudemos encontrar boa performance na categoria, mesmo nos fundos que
usualmente carregam alguma exposição direcional.
As principais exposições continuam sendo em setores como financeiro, energia elétrica e varejo, e os
resultados positivos mais frequentemente vieram de Cielo, Ambev, Hypermarcas e Banco do Brasil, além
de Petrobrás e Eletropaulo na ponta vendida. O grande destruidor de performance nesse período foi
OGX, presente em alguns fundos.
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Tabela 24: Retorno de fundos Long & Short e demais multimercados(1)
no 1ºS 2012.
Fundo x CDI Pior 21d Volat SharpeCorr. Ibov
VICTOIRE LS 298% 0,4% 3,6% 5,64 -11
EQUITAS ZENITH 271% -1,0% 5,1% 3,36 -14
BNY MELLON ARX LS 233% 0,6% 1,6% 8,13 -12
ASHMORE BRASIL LS 176% -0,7% 3,0% 2,53 -1
BRZ LS ADVANCED 171% 0,3% 1,7% 4,08 -1
SCHRODER BRASIL LS 171% -0,1% 2,1% 3,40 9
MODAL ARBITRAGEM PHOENIX 166% 0,6% 1,6% 4,16 15
BBM EQUITY HEDGE 143% 0,6% 1,0% 4,25 -21
NEO LS I 133% -1,0% 3,5% 0,92 -4
GAP LS 116% 0,4% 0,9% 1,70 -41
FATOR ARBITRAGEM 93% -0,6% 1,4% - 16
EXPLORA LS -102% -3,5% 4,4% - 14
LS Market Neutral 156% -0,3% 2,5% -4
CSHG EQUITY HEDGE LEVANTE 300% -1,8% 6,3% 3,21 -24
MAUA ORION EQUITY HEDGE 268% -0,8% 5,2% 3,27 29
POLLUX LS 178% -0,2% 3,1% 2,49 -14
ADVIS EQUITY HEDGE 177% -1,7% 5,1% 1,50 -3
PERFIN LS 15 158% 0,1% 1,7% 3,47 51
CLARITAS LS 149% -0,1% 2,4% 2,06 16
BTG PACTUAL EQUITY HEDGE 135% -0,1% 1,7% 1,99 62
FIDES LS PLUS 126% -0,4% 3,1% 0,82 -6
QUEST EQUITY HEDGE 122% -0,2% 2,0% 1,05 30
CONSTELLATION LS 104% -2,2% 4,8% 0,08 67
LEBLON EQUITIES HEDGE 91% -6,6% 14,6% - 52
ITAU EQUITY HEDGE ADVANCED 66% -0,7% 2,1% - 7
LS Market Timing 156% -1,2% 4,3% 22
CLARITAS ABSOLUTE 171% 0,4% 1,9% 3,71 0
NEST ARB 155% 0,8% 0,6% 9,75 -12
MAUA ARBITRAGEM 135% 0,5% 0,9% 3,95 7
Special Situations 154% 0,6% 1,1% -2
BEHAVIOR 196% -0,5% 3,3% 2,86 -24
KADIMA 110% -0,9% 2,7% 0,37 31
PRINCIPIA HEDGE PLUS 99% -4,5% 8,6% - 11
MAN AHL ALPHA 62% -2,7% 5,0% - 14
BROOKFIELD QUANTITATIVO 60% -1,3% 2,9% - -5
KADIMA EQUITY HEDGE 21% -2,9% 4,3% - 15
Quantitativos 91% -2,1% 4,5% 7
Média dos Fundos 144% -0,9% 3,4% 3,15 8
Portfólio dos Fundos 141% 0,5% 1,2% 2,71 31 (1)
Classificação segundo critérios estabelecidos pela Reliance.
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: : FUNDOS DE AÇÕES
O ponto mais importante em relação à alocação de risco dos fundos de ações ao longo do semestre foi o
aumento da utilização de caixa observado em alguns gestores. Pressionados pelo ambiente de incerteza
externo, seja pela aversão global a risco, ou pela desaceleração chinesa, os gestores têm optado, ao
longo dos últimos anos, a alocar cada vez mais recursos em ativos mais dependentes da economia
doméstica. Sem dúvida, o grau de conforto quando se pode inspecionar de perto os principais
participantes da cadeia do produto, evitando riscos normais de concorrentes ou consumidores
internacionais, ou a menor previsibilidade dos preços de commodities, é muito maior, o que naturalmente
compele os gestores a concentrar a carteira nos riscos domésticos.
O problema com o sucesso dessa estratégia nesse ambiente de baixo crescimento doméstico é que a
valorização desses papéis, se comparada ao potencial de lucros, pode não apontar prêmio razoável para
se carregar o risco de execução. O que observamos durante o semestre foi uma maiores posições em
caixa, entre 20 e 30%, em fundos com mandato mais livre. Bom sinal para quem avalia fundos, pois
mostra que alguns gestores são sensíveis a preço, e regulam a utilização de risco conforme as
oportunidades, não alocando automaticamente o capital em ativos caros.
Do ponto de vista de alocação setorial, não vimos mudanças importantes, sendo os setores financeiro,
energia elétrica, consumo e varejo as principais alocações dos gestores. Na outra ponta, os setores de
petróleo, mineração e siderurgia continuam sub alocados se comparados à composição do Ibovespa,
conforme tabela abaixo.
Tabela 25: Alocação dos fundos de ações e desempenho setorial.
Desempenhojun-12 dez-11 ∆ 1ºS12
Aeronáutica 1,9% 0,0% (1,8%) 13,6%Agropecuária 3,1% 1,6% (1,5%) 17,7%Alimentos 3,0% 2,6% (0,4%) 2,3%Bens de Capital 4,1% 4,6% 0,5% 7,6%Construção Civil 5,0% 6,9% 1,9% 0,6%Consumo 10,9% 8,9% (2,0%) 27,4%Energia Elétrica 5,6% 8,5% 3,0% 6,7%Financeiro 14,7% 14,6% (0,1%) (0,9%)Imobiliário 3,1% 3,4% 0,3% 11,2%Mineração 9,6% 8,8% (0,8%) 1,9%Papel & Celulose 1,1% 1,1% 0,0% (8,4%)Petróleo & Gás 4,2% 7,8% 3,6% (26,6%)Petroquímico 0,8% 3,1% 2,4% 3,8%Saneamento 0,5% 0,0% (0,4%) 48,9%Saúde 1,2% 2,2% 0,9% 10,1%Siderurgia 2,3% 3,4% 1,1% (13,9%)Tecnologia 0,2% 0,7% 0,5% (12,1%)Telefonia 3,1% 3,8% 0,7% 5,5%Têxtil 0,4% 1,9% 1,5% (20,5%)Transporte & Concessões 5,6% 4,9% (0,7%) 2,5%Varejo 4,3% 5,1% 0,9% 15,0%Caixa 15,6% 6,1% (9,5%)
Commodities 18,0% 24,2% 6,3% (11,1%)Non-Commodities 66,4% 69,7% 3,3% 8,7%
AlocaçãoSETOR
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Tabela 26: Desempenho dos fundos de ações no 1ºS 2012.
Fundo Rent. Pior 21d Vol.
PERFIN FORESIGHT 18,7% (6,7%) 15,2%
POLLUX AÇÕES 15,4% (5,4%) 14,1%
BBM SMID CAPS 14,9% (7,8%) 15,2%
ITAU SELEÇÃO 14,3% (10,3%) 18,4%
VICTOIRE SELECTION AÇÕES 13,8% (12,6%) 24,8%
CLARITAS VALOR 13,6% (8,8%) 16,4%
CSHG DIVIDENDOS 12,5% (3,8%) 9,3%
VICTOIRE YIELD AÇÕES 12,1% (7,7%) 17,1%
DYNAMO COUGAR 11,1% (5,4%) 12,6%
CONSTELLATION 10,5% (7,6%) 14,6%
BTG PACTUAL ABSOLUTO 10,4% (5,9%) 12,1%
BNY MELLON ARX 8,8% (9,7%) 18,3%
CSHG UNIQUE 7,8% (7,0%) 12,2%
BNY MELLON ARX INCOME 7,2% (10,2%) 17,4%
BRZ VALOR 7,1% (7,5%) 15,6%
RIO BRAVO FUNDAMENTAL 6,1% (11,6%) 20,8%
BBM VALUATION 6,1% (6,2%) 11,8%
LEBLON AÇÕES 5,6% (10,9%) 22,0%
SQUADRA LONG-BIASED 5,2% (1,3%) 4,2%
TEMPO CAPITAL ACOES 4,8% (10,8%) 15,3%
GAP AÇÕES 1,7% (10,4%) 18,6%
SCHRODER PERFORMANCE (0,5%) (13,0%) 22,4%
CSHG STRATEGY II (1,2%) (10,1%) 18,2%
QUEST AÇÕES (1,4%) (13,5%) 21,2%
EXPLORA LONG AÇÕES (3,6%) (11,9%) 19,3%
Ibovespa (4,2%) (14,3%) 25,1%
OPPORTUNITY LOGICA II (4,9%) (22,8%) 33,5%
ORBE VALUE (5,0%) (15,7%) 24,3%
: : CONCLUSÃO
Um semestre para relembrar nossas teses mais simples de alocação:
a. Bem acompanhado, até momentos difíceis como esse período, de problemas nos países
centrais e desaceleração econômica doméstica, podem ser aproveitados;
b. Diversificação em estratégias pode ajudar: quem tinha somente ações foi bem pior que
portfolios mistos com renda fixa;
c. Fundos de ações continuam com melhor desempenho que o Ibovespa;
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d. Fundos Multimercados, que podem escolher outros ativos de risco em um ambiente
complicado e de queda da bolsa, como as taxas de juros, podem agregar bastante ao seu
portfolio;
e. Performance passada, como a dos fundos long and short no semestre anterior, não é
indicativa de performance futura.
Claro que o desafio sempre é a performance do próximo período. Claro também que ela é imprevisível,
pela própria natureza do problema. Por outro lado, dadas as complexidades do ambiente, e o menor
potencial de ganhos nos ativos em geral, recomendamos cautela, diversificação, e utilização de risco
bem abaixo dos limites.
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17. ANÁLISE TÉCNICA
: : JULIO FERREIRA
Esta seção, introduzida na edição de Julho-09, analisa os mercados sob a perspectiva de análise
técnica, especificamente através de uma metodologia interpretativa conhecida como “Ondas de Elliott”
(Elliott Waves).
Como a imensa maioria dos leitores não deve estar familiarizada com os pressupostos e terminologias
desta técnica empírica, adicionamos um apêndice onde era feita essa exposição. Pelos mesmos
motivos, o anexo está também presente nesta edição.
Novamente, recomendamos fortemente sua leitura prévia, essencial para a compreensão do que segue.
Na sequência fazemos uma breve revisão das conclusões passadas, analisamos o que ocorreu e
fazemos nova análise prospectiva para a bolsa americana (índice S&P500) e para a taxa de câmbio
USD/EUR.
: : BOLSA AMERICANA: S&P500
Vamos começar a analise do S&P500, revendo os cenários que desenhamos na edição de Janeiro-
Fevreiro de 2012, válidos para os 6 meses seguintes.. Abaixo transcrevo a descrição dos cenários
traçados na edição anterior, e faço comentários (em vermelho) sobre o que efetivamente ocorreu:
“Resumindo:
a. Cenário principal (neste momento atribuo uma probabilidade de 60% a esse cenário.
A diminuição da convicção é resultado do movimento inesperado de janeiro-2012): o S&P
não pode passar de 1370 pontos. Idealmente não deveria ir muito além de onde está (1325
pontos), e deveria começar a cair logo (nas próximas semanas). Os pontos que seriam
relevantes para que eu volte a aumentar significativamente a probabilidade deste cenário
seriam em primeiro lugar 1284 (-3,0% abaixo do preço atual) pontos e de maneira mais
importante 1266 pontos (-4,5% abaixo do preço atual). Neste cenário, a ano de 2012 deve
ser um ano de performance bastante negativa para o S&P500. Apesar de naquela edição
eu atribuir uma maior probabilidade a esse cenário, o grau de convicção não era alto
(evidenciado pelas probabilidades relativas de 60%-40% para o cenário principal e
alternativo, respectivamente). Não foi o cenário principal que se materializou no 1º.
Semestre de 2012, já que o SP500 fez nova máxima relativamente aos 1370 pontos.
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b. Cenário alternativo (40% de probabilidade, menos provável, portanto ainda cenário
alternativo, mas aumentando de probabilidade relativamente à edição anterior): o
S&P500 deveria prosseguir ao longo dos próximos 6 meses até a região 1380-1420 (entre
4% e 7% de alta dos níveis atuais). Aí deveria ser feito o topo de uma onda 2 (corrigindo
o movimento 2007-2009) anormalmente profunda. Na sequência o mercado deveria cair
fortemente, terminando o anos de 2012 com uma performance zerada ou negativa e
continuando a cair em 2013. Esse foi o cenário que se materializou nos últimos 6 meses.
Embora retrospectivamente eu estivesse errado em considerá-lo cenário alternativo
(menor probabilidade que o Principal), a descrição do cenário foi bastante precisa em
descrever o que terminou acontecendo. O SP500 fez máxima em 02/abril/2012 a 1423
pontos, ligeiramente acima da região onde esperávamos (1380-1420). Em seguida, como
descrito acima, o SP500 caiu fortemente até 1266 pontos em 04/Junho/2012 (-11% de
queda em 2 meses).
Não se tratam de cenários otimistas. Nenhum dos dois, embora no cenário alternativo, menos
provável na minha opinião, haja um espaço limitado para alta ao longo dos próximos meses.
Embora eu não esteja otimista, a indicação técnica importante para os investidores que estão
investidos é que “acendam uma luz de alarme” se o S&P500 vier abaixo de 1266 pontos. Nessa
situação, recomendo que pelo menos se discutam os fundamentos do posicionamento (se
continuam válidos), os tamanhos de posições e eventuais estratégias de proteção.
Percebam, conforme descrito no comentário (em vermelho) do cenário alternativo (acima), que a
mínima feita no semestre foi exatamente 1266 pontos (em 04/junho/2012). Desse modo, apesar de
ter causado alarme, não chegou a configurar a situação em que recomedavamos que se
tomassem ações quanto ao ajuste de eventuais posicionamentos. Claro que situações desse tipo
sempre são ambíguas, tocou no ponto, mas não veio abaixo significativamente. O que fazer
nessas situações? A avaliação só pode ser feita em “tempo real“. O que podemos dizer é que
naquele momento, apesar de ter tocado no ponto, a estrutura do movimento indicava uma
estrutura impulsiva (5 ondas) já completa, associada a indicadores técnicos sugerindo um
“fundo” de curto prazo. Isso significava que uma correção da queda é provável, como de fato
aconteceu (mais dessa discussão em seguida). Desse modo, o evento sugeria a discussão da
posição, mas nenhuma ação imediata (a menos que viesse de maneira significativa abaixo de
1266), já que a correção esperada forneceria a oportunidade para ação (se necessária), em níveis
melhores.”
Feita a revisão do que ocorreu ao longo do tempo decorrido desde a edição anterior vis-a-vis o que
esperávamos, passemos agora para nossa expectativas para os próximos 6 meses.
Cenário Principal (80% de probabilidade)
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Numa situação como essa, onde temos que escrever cenários válidos para 6
meses, e atribuir probabilidades (elegendo um mais provável), atribuir 80% de
probabilidade é uma “temeridade”. Corremos o risco de sermos “desmoralizados”
em questão de poucos dias, dado o ponto onde o mercado está (1383 pontos em
03/08/2012) e o nível que invalidará o cenário (1423, última máxima, observada
em 02/abril/2012).
Nossa decisão de cometer essa “temeridade” é para indicar que, do ponto
de vista dos métodos de análise que usamos, há muitos elementos
sustentando esse cenário e outros que são neutros. Nenhum indicador
técnico (nem a estrutura das ondas) é consistente com o cenário alternativo
(descrito a seguir).
Neste cenário, o SP500 deve subir ainda por alguns dias, até a região 1400-1423.
Na sequência, deveria voltar cair fortemente pelo restante do semestre. Os níveis
de suportes estruturais mais próximos, que poderão originar movimentos de alta
corretivos (não levarão a novas máximas) são 1200-1160 e depois 1050-1000
pontos. Acreditamos que até a próxima edição desse carta veremos pelo menos a
primeira região de suporte ser atingida. Quanto à segunda, achamos menos
provável (pelo menos até a próxima edição), embora não impossível.
O que desconfirma esse cenário é qualquer movimento acima de 1424 pontos. Se
isso ocorrer, descrevemos nossa expectativa subsequente no cenário alternativo,
a seguir.
Quanto a movimentos de ajuste de portfolios, nossa recomendação
puramente técnica é que fossem feitos agora. Como sabemos que a opinião
técnica é apenas um “input” no processo de gestão de portfolios, e que as
visões fundamentais não sustentam uma queda tão forte como a que
descrevemos nesse cenário, recomendamos um nível mais “conservador”
para movimentos de ajuste: caso o SP500 venha abaixo de 1330-1325. A
vantagem desse nível mais conservador, é que “dá chance” para que o
mercado continue subindo (embora não seja essa nossa crença, por
elementos puramente técnicos).
Cenário Alternativo (20% de probabilidade)
Apesar de nenhum elemento técnico sustentar um cenário alternativo,
sabemos que o “futuro não está escrito” e que os Bancos Centrais têm
“armas poderosas” (uma das quais é o “jawboning”, cujo equivalente me
português é o famoso “gogó”...). O que a análise técnica tenta fazer é avaliar
a força/fraqueza de cada mercado “per se”, e magnitudes de movimentos
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prováveis. Mesmo que a interpretação do analista seja “atropelada” pelos
Bancos Centrais, uma consideração cuidadosa da força/fraqueza dos
mercados sem “anabolizantes” (“stimulus”, em “bloomberguês”...)
costumam ser um indicador confiável da magnitude de movimentos
possíveis, mesmo em cenários que o analista considera improváveis.
Chegando ali, em geral o mercado começa a mostrar “fraqueza”,
consistentemente com as indicações técnicas. Nos últimos anos temos visto
que isso em geral leva a uma nova rodada de “stimulus”.
Assim, julgamos necessário traçar um cenário alternativo, por improvável
que possa parecer do ponto de vista técnico.
NO cenário alternativo, que passa a valer caso o SP500 supere 1424 pontos,
o mercado dever prosseguir por mais alguns poucos meses ate a região
1450-1500. Nestes níveis nossa expectativa é que o SP500 volte a mostrar
fraqueza. O natural neste caso seria uma queda de volta para níveis me torno
de 1300-1250 pontos (ao longo de alguns meses). O que provelmenete
estimulará uma nova rodada (QE4?), “por conta da casa”...
Tanto no cenário Principal como no Alternativo, continuamos discutindo dentro da interpretação que
trabalhamos desde a 1ª. edição desta carta: a alta iniciada em Março/2009 é um processo corretivo (da
queda de 1577 em Out/2007 até 666 em Mar/2009).
Já esperávamos que esse processo corretivo tivesse se encerrado há muito tempo, e em níveis bem
mais baixos, como os bravos leitores que acompanham essa seção da carta devem se recordar.
Repetidas vezes, o que ocorreu no semestre passado se repetiu: o mercado fez quedas fortes a partir
dos níveis esperados tecnicamente, começou o que inicialmente eram apenas correções nos níveis de
suporte técnicos, mas “rodadas seguidas” de “stimulus” patrocinadas pelos “barman BB” levaram aos
cenários alternativos (que de maneira geral estavam corretos, não pelas probabilidades, mas pelo menos
pelos niveis onde começaram as novas quedas, “and so on, and so forth”...).
Abaixo, indicamos esquematicamente os cenários Principal (Figura 43) e Alternativo (Figura 44)
descritos acima:
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Figura 43: S&P. Cenário Principal.
Figura 44: S&P. Cenário Alternativo.
: : MOEDAS: EURO
Iniciamos a cobertura da taxa de câmbio EUR/USD na edição de Janeiro-2010 desta carta. Ali
descrevíamos a interpretação que considerávamos mais provável para o padrão de longo prazo que este
mercado vinha seguindo. Resumidamente:
a. Entre Outubro-1999 e Março-2008, o EUR havia completado um movimento impulsivo (5
ondas).
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b. A partir de Março-2008, teve início uma correção desta onda de valorização do EUR (1999 a
2008). Este processo de correção deveria ser um A-B-C (movimento corretivo) que duraria
alguns anos.
Esta interpretação continua válida até hoje. Na Figura 45 abaixo, atualizamos o gráfico mostrado em
outras edições dessa carta, exibindo a historia de preços até agora bem como a estrutura geral e
trajetória prospectiva simplificada do mercado neste nosso cenário de longo prazo:
Figura 45: Euro. Padrão de Longo Prazo
Da mesma maneira que fizemos nas edições anteriores, na discussão que segue, vamos atualizar
nossas expectativas para os próximos passos desse processo corretivo de longo prazo.
Quando escrevemos a edição do 1º. Semestre de 2012 em 02/02/2012 o EUR estava a 1,31 USD/EUR.
Em ambos os cenários indicávamos que nossa expectativa era que o EUR ainda tivesse no curto prazo
(1 a 3 meses no cenário principal) uma valorização pequena contra o USD. Também em ambos os
cenários, indicávamos esperar que na sequência dessa alta limitada o EUR iniciasse um movimento forte
de desvalorização que o levaria eventualmente para a região 1,10-1,00 entre 2013 e 2014. Ou seja,
ambos os cenário coincidiam em apontar para uma grande desvalorização num horizonte mais longo de
tempo, discordando apenas quanto à magnitude da valorização esperada para os próximos poucos
meses. No cenário Principal esperávamos uma máxima entre 1,35-1,36 em 1-3 meses, seguida de uma
forte desvalorização. No cenário alternativo a máxima ficaria um pouco mais acima (1,36-1,42).
Após termos escrito a carta, o EUR fez uma máxima de 1,3487 (praticamente dentro do intervalo
esperado) contra o USD em 24/02/2012 (um pouco menos de 1 mês depois). Na sequência,
desvalorizou-se até o nível atual (1,2250 em 30/07/2012), tendo feito uma mínima no semestre em
1,2043 em 24/07. Esse movimento no semestre correspondeu em linhas gerais ao que esperávamos
(cenário Principal), embora tenhamos que reconhecer que a magnitude da desvalorização no semestre
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foi um pouco menor do que imaginávamos (nossa expectativa era de uma mínima no semestre na região
entre 1,18-1,19).
A seguir, descrevemos resumidamente nossa expectativa para os próximos meses nos cenários
Principal e Alternativo. O cenário Principal atual é o desenvolvimento do que era o cenário Principal da
edição anterior, ou seja, estamos no mesmo cenário da edição anterior, apenas 6 meses à frente. O
cenário alternativo atual guarda semelhanças em termos de estrutura com o da edição anterior, mas
partindo de níveis diferentes (os atuais).
: : CENÁRIO PRINCIPAL
O movimento desde 15/07/2008 (1,6034) até 27/10/08 (1,2334) é a onda A, a 1ª. de um processo
corretivo de longo prazo.
A partir de 27/10/08 (1.2334) entramos na onda B do processo corretivo. Essa onda B é um triângulo.
Triângulos são formações de consolidação comuns em ondas B ou ondas 4, de difícil previsão no curto
prazo. Isso porque sua única característica comum é tratarem-se de “trading ranges” que se contraem,
compostos de 5 ondas (A-B-C-D-E), das quais as ondas C,D e E são cada uma delas menores que as
que lhe antecedem. A dificuldade em fazer previsões nesses casos é que só temos os essas
características “morfológicas gerais” para nos orientarmos. Cada uma das ondas individuais são
processos corretivos, e aí as variações aumentam exponencialmente.
A notícia boa é que no cenário principal o triângulo teria acabado. A onda E do triângulo teria feito o topo
a 1.4247 em 27/10/2011, quando do anúncio de uma das muitas “soluções definitivas” para a crise de
crédito europeia. È bastante comum que ondas E de triângulo sejam feitas coincidindo com “notícias
bombásticas”.
No Figura 46 abaixo desenhamos a evolução idealizada para nosso cenário principal atual:
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Figura 46: Euro. Cenário Principal.
Neste cenário estamos já na onda C do processo corretivo. Nossa estimativa de tempo (fazendo-se
sempre a ressalva quanto à imprecisão inerente a estimativas de duração temporal, como já ficou
amplamente evidenciado aqui) é que o restante da onda C dure o 2º.semestre de 2012 e possivelmente
boa parte de 2013, no processo levando o EUR para nosso objetivo 1,12-1,00. Isso encerraria o
processo corretivo de longo prazo iniciado em 2008.
A onda C deve ter uma estrutura tradicional em 5 ondas (impulsiva). Aparentemente já fizemos a onda 1
de C (1:C) entre 29/08/2011 (1.4549) e 13/01/2012 (1.2624). A alta do EUR de 13/01/2012 até
24/02/2012 (1,3487) foi a onda 2 (2:C).
A partir daí, entramos na onda 3 (3:C). Essa onda por sua vez, numa escala diária, está apresentando
subdivisões em dois níveis inferiores. Na Figura 46 acima indicamos em preto os rótulos (1-2-3-4-5) das
ondas no primeiro nível de subdivisão da onda 3(3:C). A interpretação principal é que a mínima recente
(1,2043 em 24/07) marcou o final da onda 3 de 3 (de C, ou seja 3:3:C) e já estamos na onda 4 (4, de 3:C
ou 4:3:C). Nessa onda corretiva, o natural é que o mercado tenha uma ação corretiva, atingindo níveis
entre 1.2550-1.2760 ao longo dos próximos 30-60 dias.
Terminada a onda 4 (4:3:C), nova desvalorização do EUR, na onda 5 (5, de 3:C). Os objetivos naturais
para o final dessa onda (e da onda 3:C) situam-se entre 1.18-1.19 e depois um pouco mais abaixo em
1.15-1.12. Nossa estimativa (imprecisa) de tempo para o final da onda 3:C é ainda nesse semestre.
No cenário, seguem-se então a onda 4, que deve ser uma processo de consolidação lateral (em geral
um triângulo) coma duração de 3-6 meses e finalmente a onda 5:C, completando todo o processo
corretivo iniciado em 2008.
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: : ALTERNATIVO
No cenário alternativo, a onda B (triângulo) iniciada em 27/10/2008 (1.2334) ainda não acabou. Nesse
cenário, como indicado na Figura 47 abaixo, fizemos recentemente (1,2043 em 24/07/2012) o fundo da
onda D do triângulo (D:B). Outra possibilidade é que ainda falte uma pequena onda para baixo para
finalizar a onda D. Neste caso, essa onda não deveria em hipótese alguma fazer um fundo abaixo de
1.1877 (mínima da onda B do triângulo, em 07/06/2010).
SE de fato estivermos nesse cenário, a primeira indicação importante seria o EUR superar (e sustentar-
se) com relativa facilidade e num espeço de tempo relativamente curto (próximos 30 -45 dias) o objetivo
mais alto para a onda 4 (4:3:C) do cenário principal, que é 1.2760. Isso por si só não garante esse
cenário, mas seria uma primeira indicação a fazer-nos aumentar significativamente as probabilidade
atribuídas ao cenário alternativo.
No cenário alternativo, ao longo dos próximos meses (possivelmente algo da ordem de grandeza de 6-12
meses), a onda E deveria levar o EUR a valorizar-se até a região entre 1,35-1,40. Em seguida,
terminada a onda E (e o triângulo iniciado em 27/10/2008) deveríamos entrar na onda C que levaria a um
processo de desvalorização da ordem de 1-2 anos, trazendo o EUR para a região entre 1.12-1.00.
Figura 47: Euro. Cenário Alternativo.
O leitor atento perceberá que esse cenário alternativo é “estruturalmente” o mesmo da edição anterior,
embora partindo de níveis muito mais baixos. Infelizmente o “price action” desde a última edição não foi
suficiente para eliminarmos a hipótese do triângulo (onda B) não ter terminado. Essa hipótese só poderá
ser descartada quando o EUR vier abaixo de 1.1877 (mínima da onda B do triângulo). Contudo, é
importante ressaltar que as características do movimento ao longo do semestre são muito mais
consistentes com o cenário Principal.
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I. ANÁLISE TÉCNICA: Contexto, Críticas e Terminologia.
: : JÚLIO FERREIRA
Análise Técnica é um termo genérico aplicado a um conjunto muito heterogêneo de técnicas empíricas
que buscam algum poder preditivo sobre a evolução futura de preços de ativos, baseando-se apenas em
dados publicamente disponíveis.
Esses dados são principalmente relacionados a preços e volumes (volumes negociados, contratos em
aberto, fluxos, distribuição de volumes negociados por níveis de preços etc.), embora também
comumente possam incluir outros indicadores (expectativas de volatilidades, “bid-ask” spreads,
indicadores de atividade de negociação intra-day).
Por trás deste conjunto de técnicas empíricas está o pressuposto, bastante controverso, que esses
dados, devidamente “processados/interpretados”, dão “pistas” sobre a evolução futura mais provável dos
preços.
A controvérsia quanto a esse pressuposto implícito diz respeito ao fato que contradiz duas das formas da
“Hipótese de Mercados Eficientes”, postulada em teorias de finanças a partir dos anos 60. Há três
versões (formas) dessa hipótese. As formas variam em função do conjunto de informação cujo poder
preditivo sobre os retornos dos ativos se quer testar. Na sua “forma fraca” (weak form efficiency) o
conjunto de informação é apenas a história de preços/retornos dos ativos. Na sua “forma semi-forte”
(semi strong form efficiency) o conjunto de informação é toda a informação publicamente disponível a
todos os participantes do mercado.
A “Hipótese dos Mercados Eficientes” postula que num mercado “informacionalmente eficiente” os
preços dos ativos refletem instantaneamente todo o conjunto de informações relevante. Nesse sentido,
não há nenhum uso possível do conjunto de informação publicamente disponível que permita algum
poder preditivo sobre os retornos dos ativos.
Trata-se de uma hipótese elegante, mas de testabilidade também bastante controversa. Todos os testes
econométricos dessa hipótese têm que postular um modelo do que seriam retornos normais (usuais) de
um ativo. Se for possível prever retornos acima do normal, com base no conjunto de informação
publicamente disponível, então a hipótese é refutada. Na prática, esta refutação (se ocorrer), diz respeito
à hipótese conjunta de eficiência e do que são retornos normais. Não temos como saber se a refutação
ocorre por conta da falta de eficiência informacional ou pelo uso de um modelo inadequado de retornos
usuais (por exemplo, retornos médios constantes ao invés de variáveis no tempo). Uma abordagem
alternativa seria medir se gestores conseguem produzir retornos (ajustados a risco) superiores ao de
exposições passivas aos mercados. Ainda que haja inúmeras evidências de que existem gestores
capazes de gerar retornos (ajustados a risco) superiores (e portanto a eficiência informacional é refutada
em sua forma semiforte), um defensor da hipótese poderia argumentar que é possível que o gestor tenha
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acesso a informação que não é publicamente disponível, e portanto podemos estar vendo apenas a
remuneração do processo de coleta e processamento de informação (só que nesse caso isso deveria
desaparecer ao longo do tempo, retrucaria o opositor da hipótese).
É interessante observar que na sua “forma semiforte”, essa hipótese questiona toda a indústria de
gestão ativa, sejam “fundamentalistas” ou “analistas técnicos/grafistas”.
Dada as dificuldades envolvidas nos testes, e possivelmente as evidências empíricas a favor da
refutação de eficiência informacional em muitos casos, a teoria de finanças a partir da década de 90 tem
produzido uma série de abordagens (micro-estrutura de mercados, teorias de estados críticos, teorias de
finanças comportamentais etc) que buscam justificar a existência de retornos “anormais”. Desse modo,
escapamos do paradigma dicotômico “eficiente-não eficiente” dos anos 60 para um paradigma de
“eficiência relativa”: alguns mercados são mais ineficientes que outros, de maneira possivelmente
variável ao longo do tempo.
Se as ineficiências podem ou não ser exploradas através de algum modelo (análise técnica/ análise
fundamentalista / modelos quantitativos/ “experiência”), cabe aos gestores ativos “responder” através de
performance. Esta é a “prova do pudim”.
Na Reliance usamos Análise Técnica como um dos muitos vetores de análise dos mercados (análise
macroeconômica, “valuation” dos ativos, modelos quantitativos, fluxos etc). Cada uma dessas
abordagens tem suas próprias limitações (e suas vantagens comparativas). Ainda que não seja incomum
que as expectativas sobre os mercados derivadas dessas abordagens sejam divergentes, temos a firme
crença que o uso sistemático, criterioso e disciplinado dessas múltiplas perspectivas nos garante uma
percepção mais rica das relações risco-retorno das classes de ativos.
Dentro do amplo espectro de técnicas empíricas englobado genericamente pelo termo Análise Técnica/
Análise Gráfica, podemos fazer uma grande subdivisão.
Há um conjunto de técnicas com alguma “fundamentação teórica”. Por exemplo, médias móveis, em
suas múltiplas formas, são tentativas de aplicar “filtros” para isolar o que é “informação” do que é “ruído”
em um sinal, e assim identificar tendências. Tipicamente essas técnicas são automatizáveis. Contudo,
nossa experiência prática de muitos anos nos faz acreditar que, em seus usos mais ingênuos (naïves),
têm pouco valor prático, medido pela capacidade de fazer previsões (lucrativas) em tempo real. O que
está por trás desse resultado é o fato que os mercados não são sistemas físicos operando sob
parâmetros fixos, passíveis de identificação em uma amostra e imutáveis daí para frente.
Em contraposição, há todo um conjunto de técnicas eminentemente empíricas, isto é, baseadas em
regularidades observadas ao longo de muitos anos e em diferentes contextos, atividade esta
(identificação de padrões) para a qual o cérebro humano é um instrumento particularmente poderoso.
Essas técnicas tipicamente têm escassa fundamentação teórica. Em geral as tentativas de dar-lhes um
status mais “científico” tendem a operar com base em raciocínios por “analogia” ou similaridade. Por
exemplo, a metodologia conhecida por “Ondas de Elliott” postula a existência de padrões fractais (self-
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similar patterns) nas séries de preços. Como é um fato estabelecido que muitos fenômenos naturais
(turbulência em fluidos, ondas sísmicas precursoras de terremotos etc) apresentam esses padrões
fractais, por analogia tenta-se argumentar que isso mostra a “validade” do método. Acreditamos e
atribuímos muito valor pratico para esta técnica interpretativa, mas não por estes motivos.
O que chamamos de “experiência”, isto é, proficiência numa atividade baseada em um longo período de
prática, algo que todos concordam ser possível, nada mais é que um “mapeamento cognitivo” de
determinados aspectos da realidade pela identificação empírica de padrões e regularidades complexas
em contextos mutáveis. Nesse sentido alguns instrumentos de análise técnica se assemelham a uma
codificação da experiência de um “trader”. Importa menos “por que funciona” (talvez nunca consigamos
explicar em todos os detalhes), mas sim “se funciona”.
No campo da Analise Técnica, nossa escolha, feita sem preconceitos ao longo de muitos anos com base
no critério pragmático do que “funciona”, recai sobre as técnicas empíricas (“experiência depurada e tão
codificada quanto possível”).
“Funcionar”,neste contexto, tem um significado que deve ser encarado em todas as suas nuances. O
futuro não está escrito, os mercados são sistemas abertos, complexos e adaptativos. Todas as tentativas
de previsão da sua evolução futura têm que levar isso em conta, incorporando continuamente novas
informações e traçando cenários mais prováveis. Como o futuro não está escrito, temos sempre que ter
cenários alternativos presentes, atribuindo-lhes (mesmo que subjetivamente, com base em nossa
experiência) probabilidades. Nas situações, não tão comuns, onde um dos cenários parece claramente
mais provável que os outros, e onde temos um critério relativamente claro e objetivo para descartá-lo (ou
reduzir drasticamente sua probabilidade), temos o que precisamos: o cenário nos dá uma estimativa de
ganho se estivermos certos, de perda de estivermos errados e o critério (razoavelmente objetivo) para
reconhecer o erro. Se formos analistas habilidosos (na identificação dos cenários e atribuição correta de
probabilidades), ao longo do tempo vamos acertar (um pouco mais) que errar. Se tivermos disciplina no
processo, isso pode ser transformado em resultados positivos. Esse é o significado (operacional) de
“funcionar”, no contexto de investimentos.
Dentre as técnicas que preferimos duas se destacam: Ondas de Elliott e Market Profile. Ondas de Elliott,
em princípio, se aplicam a quaisquer horizontes de tempo (intraday, diário, semanal, mensal etc). Market
Profile é uma técnica com um foco de curto prazo. São técnicas eminentemente interpretativas (ainda
que haja tentativas, de escassos resultados práticos, no nosso humilde julgamento, de automatizá-las),
onde a diferença está no analista, na sua experiência e habilidade (ou falta de).
Antes de expormos os cenários de médio prazo que nos parecem mais prováveis para alguns ativos
selecionados, faz-se necessário uma breve explicação, ainda que extremamente simplificada, da
metodologia interpretativa conhecida como “Ondas de Elliott”, bem como de sua terminologia.
O postulado básico deste método é a possibilidade de identificar na série de preços de um ativo a
existência de padrões básicos, conhecidos como padrões impulsivos e padrões corretivos. Esses
padrões existiriam em todas as escalas de tempo (minutos, dias, semanas, meses), por isso são
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chamados de padrões “auto-similares” ou padrões fractais. As séries de preços seriam então formadas
pelo encadeamento desses padrões, desde a escala de minutos até a escala de meses, segundo uma
lógica que exporemos a seguir.
A lógica básica, bastante simplificada, é a seguinte:
a. Quando os mercados apresentam uma “tendência”, movem-se em padrões de preços
compostos de 5 segmentos, chamados: onda 1, onda 2, onda 3, onda 4 e onda 5. Esse
conjunto de 5 ondas recebe o nome de “impulso”.
b. Os movimentos “contra a tendência” são chamados “correções” e são compostos de
padrões em 3 segmentos chamados onda A, onda B e onda C ou padrões de consolidação em
forma de triângulos (onda A até onda E). Na prática, as correções tendem a ter padrões
bastante complexos, formados pelo encadeamento desses padrões básicos (A-B-C) e gerando
cerca de 15 padrões mais comuns.
c. As ondas 1, 3 e 5, por serem ondas na direção da tendência, por sua vez se dividem em 5
ondas (mas agora numa “ordem” ou “nível” inferior ao que estávamos). As ondas 2 e 4, contra
a tendência, são compostas dos padrões corretivos indicados no item 2 acima. Esse
desdobramento em ordens (escalas de tempo) cada vez menores, em princípio poderia seguir
até a escala de minutos, seguindo a mesma lógica.
d. A onda A pode ser subdividida em 3 ondas ou em 5 ondas, dependendo do tipo de correção
ser uma correção com características mais laterais (consolidação) ou uma correção mais
“profunda”, respectivamente. A onda B é sempre um padrão em 3 ondas ou triangular. A onda
C nos padrões básicos é um movimento em 5 ondas, embora nos padrões complexos
(formados pelo encadeamento dos padrões básicos) seja formada por 3 ondas (ABC de ordem
inferior).
e. A onda 4 nunca penetra na região coberta pela onda 1 (onda inicial do impulso).
f. A onda 2 pode comumente ser uma correção profunda. A onda 4 tende a ser uma correção
mais suave da onda 3, em geral apenas um movimento de consolidação lateral.
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A
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Direção da tendência
impulso
correção
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Cada Onda tem uma “personalidade” própria, identificada
através do uso de indicadores de:
• Volume
• Breadth
• Volatilidade
• Momentum
• Indicadores de “sentimento” altista/baixista (put/call ratio, TICKS, TRIN)
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Direção da tendência
impulso
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correção
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Cada Onda tem uma “personalidade” própria, identificada
através do uso de indicadores de:
• Volume
• Breadth
• Volatilidade
• Momentum
• Indicadores de “sentimento” altista/baixista (put/call ratio, TICKS, TRIN) Figura 48: Padrões básicos.
AA
B
C
A
B
C A
B
C
D
E
Zig-Zag Flat (flat irregular)
Triângulo
A
B
C
X
A
B
C
Double Zig-Zag
E mais inúmeras combinações (das formas básicas) mais comúns:
triple zig-zag, double three, triple three etc
AA
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B
C A
B
C
D
E
Zig-Zag Flat (flat irregular)
Triângulo
A
B
C
X
A
B
C
Double Zig-Zag
E mais inúmeras combinações (das formas básicas) mais comúns:
triple zig-zag, double three, triple three etc
Figura 49: Blocos corretivos básicos.
A Figura 48 indica o formato “idealizado” desses padrões básicos. Atentem que a mesma lógica que foi
aplicada na figura para um mercado em “tendência de alta”, poderia ser usada para um mercado em
“tendência de queda”, virando a figura “de cabeça para baixo”. Não foi indicado na figura, mas as ondas
1,3 e 5, numa “ordem inferior” dividem –se em 5 ondas,e assim por diante.
A Figura 49 exemplifica os 3 “blocos corretivos básicos”: zig-zag, flat e triângulo. Sobre a forma básica
“flat” há algumas variações não inicadas (Flat irregular ou Expanded, Running Flat, etc). Tipicamente as
correções que se desenvolvem em escalas acima de intra-day compõem-se de um encadeamento
desses blocos corretivos, unidos por “ondas de emenda” chamadas “ondas X”. Estas ondas X
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tipicamente são processos simples em termos de estrutura interna e curtos relativamente aos blocos
corretivos que intercalam.
Se fosse só isso, seria apenas um conjunto elaborado de regras flexíveis. Nesse caso a tentativa de
identificar esses padrões seria muito parecida com um exercício de “enxergar formas em nuvens”: cada
um vê o que quer.
O “insight” importante desta técnica está menos nas regras em si, e mais no fato de que cada onda tem
uma “personalidade própria”. Essa “personalidade” de cada onda está relacionada ao fato de que as
ondas ocorrem em momentos diferentes do movimento, refletindo assim diferentes “dinâmicas
psicológicas” (expressas nas dinâmicas de preços) das diversas fases da tendência. A identificação das
ondas, através de sua “personalidade”, apóia-se em uma série de indicadores objetivos:
Indicadores de atividade: volume total, amplitude (“breadth”), volume em ações subindo,
volume em ações caindo, indicadores de em quais “pontas” do spread (BID-ASK) estão saindo
os negócios etc;
Indicadores de “sentimento” altista-baixista: Put-Call ratio, pesquisas de “sentimento” etc;
Indicadores de “incerteza”: volatilidade implícita, volatilidade realizada, etc;
Indicadores de “saturação”: divergências em osciladores (RSI, Stochastics) etc.
Na prática, o trabalho do analista consiste na seguinte sequência de passos:
a. Identificação visual de algum padrão, ou parte de padrão, conhecido. Como os padrões
nunca são exatamente iguais as suas formas idealizadas (estão “corrompidos” por um nível de
“ruído”), a experiência e habilidade do analista são críticas nessa fase.
b. Tentativa de confirmar com base nos indicadores técnicos listados acima, se a
“personalidade” observada combina com o que se deveria esperar do padrão que se imagina
ter identificado.
c. Se houver algum grau de confirmação razoável na identificação, temos um “cenário”. Como
tratam-se de múltiplos indicadores, muitas vezes dando sinais divergentes, qualquer
confirmação/refutação deve ser encarada em termos probabilísticos. Obviamente há outros
cenários possíveis, baseados numa diferente interpretação visual do padrão. As probabilidades
subjetivas atribuídas a cada cenário são construídas com base nos indicadores técnicos (e
obviamente na experiência do analista).
d. Cada cenário implica em algum tipo de comportamento esperado, seja do ponto de vista de
preços, seja do ponto de vista de indicadores técnicos. Mais importante que isso é que cada
cenário traz embutido de maneira muito objetiva um comportamento que claramente não é o
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esperado. Se esse comportamento ocorre posteriormente, temos um critério objetivo para
descartar o cenário.
e. Desse modo, temos uma série de cenários “competindo entre si” por probabilidade.
Eventualmente ocorre a conjunção dos seguintes fatores: um dos cenários parece muito mais
provável que os outros e a sua implicação (se estiver correto) é de um movimento muito maior
do que seria o movimento que o “refutaria”. Nestas circunstâncias temos uma oportunidade de
“baixo risco” (alternativamente, de boa relação “retorno esperado x risco”). Um bom analista
deve ser capaz de ao longo do tempo identificar corretamente um número razoável dessas
oportunidades, de modo que nos casos em que está certo mais do que compensa os casos em
que está errado.
A lógica interna do encadeamento de padrões em múltiplas escalas de tempo, seguindo algumas regras
bem definidas, pode dar a sensação de que implicitamente esta metodologia requer um mundo onde o
“futuro está escrito”, sendo eventualmente apenas difícil interpretar os sinais que permitiriam sua
decifração.
Obviamente não acreditamos que o futuro está escrito. Como já dissemos, os mercados são sistemas
abertos (sujeitos a intervenção externa), complexos (com mecanismos de realimentação tanto positiva –
isto é- divergente, como também negativa – ou seja, estabilizadores) e adaptativos.
O que acreditamos é que esta metodologia (Ondas de Elliott) permite a identificação do caráter impulsivo
ou corretivo dos movimentos de preços. Este é o grande insight. Daí para frente, o leque de trajetórias
que os preços vão seguir é bastante amplo. Em função de intervenções externas (ações de bancos
centrais e autoridades monetárias, choques exógenos), prevalência momentânea de realimentação
positiva (pânico ou euforia) ou negativa (retorno à média) e comportamentos adaptativos, o que vai
mudar é a trajetória específica, mas possivelmente dentro do espectro do que seria mais provável se o
caráter corretivo ou impulsivo foi identificado corretamente.
O que a metodologia captura muito bem, a nosso ver, é a direção (ou ausência de direção) da
“correnteza”. Correnteza aqui é uma metáfora para fatores como “humor” do mercado (especialmente em
horizontes de tempo muito curtos), forças econômicas subjacentes aos preços e a interação complexa
entre “preços – fundamentos – percepção dos fundamentos” (a “reflexividade”, termo cunhado por
George Soros e também a “excess volatility” de Robert Shiller).
Em horizontes de tempo muito curtos, o “humor do mercado” parece ser a força predominante.
Eminentemente instável, conduz a um grau de incerteza maior quanto a padrões de curto prazo
(minutos, horas, dias). Em padrões que se desenvolvem em horizontes mais longos (semanas, meses,
anos), os outros dois fatores ganham relevância. Por isso esses padrões longos são mais estáveis e
“confiáveis” (desde que o analista os tenha identificado corretamente, o que está longe de ser fácil,
principalmente pela velocidade baixa com que as informações são “reveladas” através dos preços).
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II. CURRICULUM VITAE: Samuel Pessoa
Possui graduação em Física pela Universidade de São Paulo (1984), mestrado em Física pela
Universidade de São Paulo (1987) e doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo (1994).
Atualmente é pesquisador associado Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas e foi
sócio diretor na Tendências Consultoria Integrada. Tem experiência na área de Economia, com ênfase
em Crescimento e Desenvolvimento Econômico, atuando principalmente nos seguintes temas:
Macroeconomia, Tributação e Economia da Educação no Brasil. Autor de diversos artigos acadêmicos
sobre temas ligados ao desenvolvimento econômico, publicados em revistas nacionais e internacionais.
1988 - 1994
Doutorado em Economia (Conceito CAPES 7).
Universidade de São Paulo, USP, Brasil.
Título: Estratégia de Ajustamento ao Choque do Petróleo, Ano de obtenção: 1994.
Orientador: Affonso Celso Pastore.
1985 - 1987
Mestrado em Física (Conceito CAPES 7).
Universidade de São Paulo, USP, Brasil.
Título: Estudos sobre a Fração Grossa da Distribuição de Tamanho de Aerossóis
Atmosféricos,Ano de Obtenção: 1987.
Orientador: Celso Maria de Queiroz Orsini.
1981 - 1984
Graduação em Física.
Universidade de São Paulo, USP, Brasil.