carta gurupi v final

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São Luís, 19 de Setembro de 2013 Comissão de meio ambiente da câmara De: Pesquisadores e estudantes do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) Assunto: Salvar a Rebio do Gurupi Prezados Senhores, A presente carta está motivada pela grande preocupação dos integrantes do Programa de Pesquisa em Biodiversidade da Amazônia oriental (PPBio)/MCTI sobre o futuro da Reserva Biológica (REBIO) do Gurupi em decorrência da proposta que está tramitando na comissão de meio ambiente da câmara dos Deputados para anular o Decreto de Criação da Reserva Biológica do Gurupi (Decreto Federal 95.614/1988) através do PDC 914/2013 proposto pelo Deputado Federal Weverton Rocha do Maranhão. No nosso entendimento, a preservação da REBIO do Gurupi é de importância local nacional e mundial pelas razões a seguir. 1) A REBIO é a única UC de proteção integral do Centro de Endemismo Belém, a eco-região mais desmatada da Amazônia. Trata-se de uma região singular em termos de biodiversidade. Portanto é do ponto de vista biológico uma joia a ser preservada como o único refúgio onde ainda se pode encontrar espécies ameaçadas de extinção no Pará e Maranhão e os processos ecológicos necessários para garantir e restaurar as funções biológicas essenciais para a sustentabilidade dessa região. 2) O último remanescente de Floresta Amazônica que existe no Maranhão está protegido pela REBIO Gurupi e terras indígenas vizinhas, o que representa menos de 20% da área original de floresta no Estado. Os outros 80% da floresta amazônica que existiam já foram convertidas em madeiras serradas e hoje são áreas principalmente destinadas a atividades agropecuárias. 3) A REBIO abriga povos indígenas da etnia Awá, cujo território vizinho está invadido por madeireiros e pecuaristas, colocando a própria etnia em risco de extinção. Uma ameaça tão grave quanto à eliminação ou redução da REBIO constitui um sério abalo à credibilidade do Brasil como democracia madura e consolidada, tanto entre a própria cidadania brasileira quanto perante a comunidade internacional. O aparato legal e constitucional brasileiro visa garantir os direitos humanos e em particular os direitos dos povos indígenas a conservar seus territórios e sua cultura, portanto acreditamos que o país tem todos os elementos para garantir os direitos constitucionais tanto no que se refere a manutenção da reserva quanto a garantia da integridade do povo Awá. 4) No direito moderno, a garantia dos Direitos Humanos passa também pelo direito a um ambiente saudável . As matas do Gurupi, como todas as florestas, provém serviços que vão bem além dos interesses particulares imediatistas que motivam a sua destruição: água, regulação do clima, conservação do solo, biodiversidade para controlar pragas na agricultura, desenvolver remédios, preservar a cultura, restaurar o que foi perdido e prover um ambiente viável para as gerações futuras. Este benefício não é apenas local mais se repercute ao longo dos biomas brasileiros, principalmente o cerrado onde se concentra a maior produtividade de grãos do país. 5) Os interesses particulares que promovem a destruição da Rebio do Gurupi não consideram o patrimônio público que ela representa. O gado produzido, a madeira explorada, ou qualquer outro

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Page 1: Carta gurupi v final

São Luís, 19 de Setembro de 2013 Comissão de meio ambiente da câmara De: Pesquisadores e estudantes do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) Assunto: Salvar a Rebio do Gurupi Prezados Senhores, A presente carta está motivada pela grande preocupação dos integrantes do Programa de Pesquisa em Biodiversidade da Amazônia oriental (PPBio)/MCTI sobre o futuro da Reserva Biológica (REBIO) do Gurupi em decorrência da proposta que está tramitando na comissão de meio ambiente da câmara dos Deputados para anular o Decreto de Criação da Reserva Biológica do Gurupi (Decreto Federal 95.614/1988) através do PDC 914/2013 proposto pelo Deputado Federal Weverton Rocha do Maranhão. No nosso entendimento, a preservação da REBIO do Gurupi é de importância local nacional e mundial pelas razões a seguir. 1) A REBIO é a única UC de proteção integral do Centro de Endemismo Belém, a eco-região mais desmatada da Amazônia. Trata-se de uma região singular em termos de biodiversidade. Portanto é do ponto de vista biológico uma joia a ser preservada como o único refúgio onde ainda se pode encontrar espécies ameaçadas de extinção no Pará e Maranhão e os processos ecológicos necessários para garantir e restaurar as funções biológicas essenciais para a sustentabilidade dessa região. 2) O último remanescente de Floresta Amazônica que existe no Maranhão está protegido pela REBIO Gurupi e terras indígenas vizinhas, o que representa menos de 20% da área original de floresta no Estado. Os outros 80% da floresta amazônica que existiam já foram convertidas em madeiras serradas e hoje são áreas principalmente destinadas a atividades agropecuárias. 3) A REBIO abriga povos indígenas da etnia Awá, cujo território vizinho está invadido por madeireiros e pecuaristas, colocando a própria etnia em risco de extinção. Uma ameaça tão grave quanto à eliminação ou redução da REBIO constitui um sério abalo à credibilidade do Brasil como democracia madura e consolidada, tanto entre a própria cidadania brasileira quanto perante a comunidade internacional. O aparato legal e constitucional brasileiro visa garantir os direitos humanos e em particular os direitos dos povos indígenas a conservar seus territórios e sua cultura, portanto acreditamos que o país tem todos os elementos para garantir os direitos constitucionais tanto no que se refere a manutenção da reserva quanto a garantia da integridade do povo Awá. 4) No direito moderno, a garantia dos Direitos Humanos passa também pelo direito a um ambiente saudável . As matas do Gurupi, como todas as florestas, provém serviços que vão bem além dos interesses particulares imediatistas que motivam a sua destruição: água, regulação do clima, conservação do solo, biodiversidade para controlar pragas na agricultura, desenvolver remédios, preservar a cultura, restaurar o que foi perdido e prover um ambiente viável para as gerações futuras. Este benefício não é apenas local mais se repercute ao longo dos biomas brasileiros, principalmente o cerrado onde se concentra a maior produtividade de grãos do país. 5) Os interesses particulares que promovem a destruição da Rebio do Gurupi não consideram o patrimônio público que ela representa. O gado produzido, a madeira explorada, ou qualquer outro

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recurso que necessite a destruição desta floresta, são valores irrisórios frente às riquezas que a floresta oferta, em pé e preservada. Estas riquezas são de ordem pública e por isso não entram nos cálculos econômicos dos defensores da apropriação privada do Patrimônio Nacional. 6) Além de preservar a biodiversidade um dos objetivos de criação de uma Reserva Biológica (REBIO) é proporcionar o desenvolvimento de pesquisas cientificas para o conhecimento da biodiversidade. Inúmeras pesquisas têm sido realizadas na REBIO Gurupi por diversas instituições do Brasil, com destaque para as Universidades Federal e Estadual do Maranhão, Museu Paraense Emilio Goeldi e Universidade Federal do Pará, que integram o Programa de Pesquisa em Biodiversidade - PPBIO/MCTI. Os resultados dessas pesquisas na REBIO Gurupi registraram a ocorrência de mais de 20 espécies endêmicas e ameaçadas de extinção, e também novas espécies para a ciência, entre plantas, insetos e aves, o que demonstra que REBIO Gurupi vem cumprindo com seus objetivos de criação. 6) Todos estes fatores nos levam, como pesquisadores especialistas em Amazônia, a afirmar que a REBIO do Gurupi é um ícone da preservação da floresta amazônica, símbolo do protagonismo do Brasil na conservação da natureza. A expressão do patrimônio natural brasileiro e dos esforços de conservação empreendidos tem garantido o papel que hoje o país ocupa no cenário internacional. Eliminar a REBIO constituiria uma das mais graves agressões aos interesses nacionais perpetradas nas últimas gerações. Nosso modelo de civilização está enfrentando o que provavelmente é a sua pior crise. A predominância dos interesses particulares sobre o publico tem orquestrado a grave crise tanto econômica quanto ambiental demonstrando sua insustentabilidade. Prezados Senhores, como representantes do povo Brasileiro, sua responsabilidade principal é defender os interesses gerais, no caso do povo Maranhense e Brasileiro. Por isso acreditamos que saberão resistir às pressões e preservarão o patrimônio público representado pelas Unidades de Conservação e Terras indígenas em especial a REBIO Gurupi, hoje e amanhã. Acreditamos sincera e enfaticamente, que se vossas senhorias permitirem a supressão de unidades de conservação no Brasil cometerão um erro gravíssimo, provocando um retrocesso histórico, e contraproducente perante a cada vez mais indignada opinião pública e afetarão a credibilidade e os interesses geoestratégicos da Nação. Com todo o respeito pelas suas funções como legítimos representantes do povo brasileiro, e conscientes das pressões em contrário que recebem, mas nem por isso com menos ênfase e firmeza, contamos com o apoio desta comissão para rejeitar esse projeto catastrófico para o País e dar um recado claro para as forças do “atraso” econômico: A economia deve estar a serviço do bem-estar da humanidade e por consequência subordinada aos valores da democracia verdadeira.

Os pesquisadores do PPBio

www.ppbio.museu-goeldi.br

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