carta aos calouros ou bem-vindos à pátria educadora por rodrigo medina zagni

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CARTA AOS CALOUROS OU BEM-VINDOS À PÁTRIA EDUCADORA este início de período letivo, os 228 mil estudantes que chegam às universidades federais por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), integram a massa de cerca de 7,8 milhões de estudantes matriculados em instituições de ensino superior (estimativa concebida a partir dos números de 2015), marcando um crescimento de 6,8%, na oferta de vagas, em relação a 2013. Desses estudantes, 82,3% são alunos de instituições privadas, o que significa que dentre 4 estudantes, 3 frequentam universidades particulares. Outro importante dado é o aumento significativo na oferta de cursos de graduação que, disponíveis no ano de 2003 em 282 municípios, chegaram em 2014 a 792, impressionante crescimento de 180%. Em 2014, 78,5% das vagas ofertadas no ensino superior eram novas e, antes de seguirmos nos impressionando, saibamos que do total de 8 milhões, 90,2% referiamse às universidades particulares. Também houve crescimento da rede pública, em especial das universidades federais, mas com expressão muitas vezes menor e condições muitíssimo precárias em relação à rede privada. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), vigente de 2003 a 2012, foi responsável por um salto de 114 para 237 municípios atendidos por Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). A expansão incluiu a criação de 14 novas universidades federais (que se somaram às 45 originadas entre 1919 e 2002), de 100 novos campi e, com isso, um aumento de 111% das vagas presenciais, inclusos os 2.428 cursos de graduação que passaram a ser oferecidos. As matrículas em cursos N

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Page 1: Carta aos calouros ou bem-vindos à Pátria Educadora por Rodrigo Medina Zagni

CARTA AOS CALOUROS OUBEM-VINDOS À PÁTRIA

EDUCADORARodrigo Medina ZagniDocente da Universidade Federal de São Paulo

este início de período letivo, os228 mil estudantes que chegam às

universidades federais por meio doSistema de Seleção Unificada (Sisu),integram a massa de cerca de 7,8 milhõesde estudantes matriculados em instituiçõesde ensino superior (estimativa concebida apartir dos números de 2015), marcandoum crescimento de 6,8%,na oferta de vagas, emrelação a 2013. Dessesestudantes, 82,3% sãoalunos de instituiçõesprivadas, o que significaque dentre 4 estudantes, 3frequentam universidadesparticulares.

Outro importante dado é oaumento significativo naoferta de cursos degraduação que,disponíveis no ano de2003 em 282 municípios,chegaram em 2014 a 792, impressionantecrescimento de 180%. Em 2014, 78,5%das vagas ofertadas no ensino superioreram novas e, antes de seguirmos nosimpressionando, saibamos que do total de8 milhões, 90,2% referiam­se àsuniversidades particulares.

Também houve crescimento da redepública, em especial das universidades

federais, mas com expressão muitas vezesmenor e condições muitíssimo precáriasem relação à rede privada.

O Programa de Apoio a Planos deReestruturação e Expansão dasUniversidades Federais (Reuni), vigentede 2003 a 2012, foi responsável por um

salto de 114 para 237 municípiosatendidos por Instituições Federais deEnsino Superior (IFES). A expansãoincluiu a criação de 14 novasuniversidades federais (que se somaram às45 originadas entre 1919 e 2002), de 100novos campi e, com isso, um aumento de111% das vagas presenciais, inclusos os2.428 cursos de graduação que passaram aser oferecidos. As matrículas em cursos

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presenciais de graduação aumentaram emtorno de 60% e, na pós­graduação strictosensu em torno de 90%, enquanto asmatrículas em cursos de graduação àdistância cresceram 520%, sobretudo coma criação, em 2006, da UniversidadeAberta do Brasil (UAB).

Ainda assim, o programa fora concluídocom resultados muito aquém daquelesprevistos; as universidades não receberamsequer a metade dos investimentosacordados com o governo federal: emtorno de 7 bilhões previstos. É precisoainda explicitar que o crescimento não foiacompanhado adequadamente peloquantitativo de docentes nas universidadesfederais, acrescido 44% no mesmo período(de 49,8 mil professores em 2003, para71,2 mil em 2012, consistindo em 21.786novas vagas para docentes, muitos dosquais acabaram ocupando o lugar até entãopreenchido por professores temporários,cujo número caiu 64%).

O descompasso vem resultando em turmassuperlotadas, em número elevado deorientandos por orientador (em graduaçõesque demandam trabalho de conclusão decurso, orientação laboratorial etc.) e emcondições, portanto inadequadas para otrabalho docente e também de técnicos­administrativos.

De acordo com o Sindicato Nacional dosDocentes das Instituições de EnsinoSuperior (ANDES­SN) a expansão não foiacompanhada da melhoria das condiçõesde trabalho dos professores e nem dainfraestrutura necessária das instituiçõesde ensino; faltam professores,funcionários, laboratórios, insumos,recursos e instalações adequadas para aconsecução da tríade: ensino, pesquisa eextensão.

Pouco mais de 3 anos após sua conclusão,verifica­se que a expansão foi, de fato,abortada. De acordo com o MEC, já em2013, do total de 3.885 obras contratadaspara o Reuni, apenas 62% (2.417) estariamconcluídas e, portanto, 26% (1.022) aindaem execução. Com as medidas de ajustefiscal anunciadas no raiar do sol da PátriaEducadora, em 2015, a paisagem que sevê é a de salas de aula lotadas e cercadaspor prédios em construção, muitas dessasobras paradas e já tomadas pela vegetação;alunos alocados de maneira precária emescolas públicas e tendo aula até mesmoem containers de metal, dependendo dabenemerência dos poderes locais(prefeituras, essencialmente);equipamentos e livros amontoados emcorredores, sob risco de deterioração e àespera da conclusão de obras que deacordo com os ministérios da Educação edo Planejamento, não se sabe quandoserão concluídas (conforme as denúnciasfeitas pelo ANDES­SN no dossiê “Nadefesa da educação pública e dequalidade”; Dossiê Nacional 3, nov. 2013).

Os dados revelam não apenas o avanço darede privada e como se deu o crescimentoprecário da rede pública, mas asprioridades do governo federal para aeducação superior. Senão, vejamos: pormeio do Fundo de FinanciamentoEstudantil (Fies) e do ProgramaUniversidade para Todos (Prouni),acentuam­se as vultosas transferências derecursos públicos da educação para o setorprivado. A destinação de verbas públicaspara instituições particulares, por meio doFies e do Prouni, em meio à crise e aoscontingenciamentos que afetaramdiretamente o MEC no último ano, apesarde terem levado à alteração das regras doFies, que em 2015 reduziu a quantidade dealunos habilitados a obter financiamento

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do governo federal para se matricularemem instituições privadas, curiosamentelevou ao aumento do orçamento previstodestinado à iniciativa, que saltou de R$12,3 bilhões, no ano anterior, para R$ 12,4bilhões, aumento especificamente de R$117 milhões. Em 2013, o MEC, queexecuta o Fies, desembolsou R$ 5,8bilhões para o programa e, em 2014, R$12,3 bilhões.

Vamos tentar acompanhar este raciocínio,por mais esdrúxulo quepareça: no ano de 2015,enquanto cortes de orçamentotolheram R$12 bilhões doMEC, o governo federalliberou R$ 17,7 bilhões para oFies e renunciou arrecadaçãode R$ 970 milhões para oProuni. Apenas em 2014,foram 1,9 milha o de alunosassistidos pelo Fies, o queequivale a cerca de 1/3 dosalunos matriculados emuniversidades privadas,recursos que poderiam serusados para a garantia de maisvagas na rede pública.

Para que se possa ilustrar o cenário daprivatização da educação superior noBrasil, de acordo com o Censo daEducação Superior 2010 – ResumoTécnico, entre 2001 e 2010 o setor públicodiminuiu de 13,2% para 11,7%, enquantoo privado aumentou de 86,8% para 88,3%,no mesmo período em que foi elevado ototal de Instituições de Educação Superior(IES) de 1.391 para 2.378.

Sejam bem­vindos, portanto ao ensinosuperior público, num país de 200 milhõesde habitantes e onde apenas 15% dosjovens em idade universitária ­ entre 18 e

24 anos ­ tem a chance de cursar umagraduação e com pequenas chances defazê­lo em uma universidade pública.Bem­vindos à comunidade acadêmicacomo parte de uma de suas categoriasconstitutivas, ao lado de funcionários eprofessores. Sejam bem­vindos à luta poruma universidade democrática, gratuita(repito, gratuita), de qualidade esocialmente referenciada.

Em primeiro lugar, se alguém lhes disserque são privilegiados porterem ingressado àuniversidade pública e quefazem parte de algumaespécie de elite estudantil,isso simplesmente não éverdade! Conforme reza oartigo 205 da ConstituiçãoFederal de 1988, aeducação é direito de todose dever do Estado; tanto éque as instituições privadasde ensino superior (comquase nula contribuiçãopara o conhecimentocientífico e para o

desenvolvimento tecnológico nacional) sóoperam por concessão pública, reguladaspelo Estado a quem cabe a elaboração dasdiretrizes para a educação e em nome deum projeto de nação, trabalhando em proldo bem comum e não de interessesparticularistas. Só se formos muitoingênuos para não perceber a intensaatuação do lobby das universidadesprivadas sobre nossa venal classeparlamentar e em nome de que interessessão elaboradas as políticas públicas nessasparagens.

Lembro­me das palavras do professorOctávio Ianni, quando eu era ainda alunode graduação, na aula magna que proferiu

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"Sejam bem­vindos

à luta por uma

universidade

democrática,

gratuita (repito,

gratuita), de

qualidade e

socialmente

referenciada."

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para os calouros da Faculdade deFilosofia, Letras e Ciências Humanas daUniversidade de São Paulo: “­ Vocês nãosão privilegiados por estarem aqui!”, diziaele, ainda que na divisão social dotrabalho, nos cortes de classe, raça egênero, tenhamos nas universidadesbrasileiras a reprodução das brutaisdesigualdades e violências diversas queconstituem a realidade social, como o ódiode classe, o racismo, a homofobia e amisoginia machista.

Na Universidade Federal de São Paulo(Unifesp), 50% das vagas no vestibular de2016 foram destinadas para o Sistema deReserva de Vagas (as cotas), podendo secandidatar a elas estudantes que tenhamcursado integralmente o ensino médio emescolas públicas e, obedecendo a Lei nº12.711/2012, deste total, 50% das vagasforam reservadas a candidatos oriundos defamílias com renda igual ou inferior a umsalário mínimo e meio per capita, além denegros e indígenas. Mas, ainda assim,proponho que olhem ao redor, nas salas deaula, ambientes laboratoriais e áreascomuns de suas universidades e vejamquantos alunos negros, pobres,trabalhadores e trabalhadoras, moradoresdas periferias, homossexuais e transexuaistêm a oportunidade de frequentar auniversidade pública. Vejam quantosprofessores negros, egressos do ensinopúblico ou transexuais nós temos.

E por que então não são vocêsprivilegiados? Porque privilégios negamdireitos, opondo interesses particularistasao interesse público. É em função dessaantiga antinomia, já presente, no séc. IVa.C. na obra “A República”, de Platão,como deformação das estruturas político­sociais na produção de formasdegeneradas de governo, que interesses

privados distinguem­se dos interessescomuns. Não se trata da demonização dosetor privado; mas do reconhecimento deque seus objetivos concorrem maiormentepara a consecução do lucro de seusacionistas – a classe proprietária ­;enquanto o universo da política deve estarvoltado ao bem­estar de toda a sociedade –onde se incluem não apenas as classesdominantes, mas a massa de trabalhadorespobres. Logo, quando as instituições epráticas políticas mostram­se servis aosgrupos que se alimentam das perenesdesigualdades do capital, à revelia dasdemandas sociais, sobrepõem­se aosinteresses coletivos aqueles que dizemrespeito apenas aos extratos privilegiadosde uma sociedade onde a cidadania jamaisexistiu.

E não podemos compactuar com isso,internalizar esta lógica, essencializando asdesigualdades e irreflexivamentereproduzindo­as no ambiente acadêmico.A universidade deve ser o locus dopensamento crítico e em seus ambientes deemancipação das classes subalternas, dereversão da vigente cultura de ódio e desuperação de todas as formas de violênciaque têm em seus princípios causadores aviolência primal da expropriação de classe(incluso o machismo, a homofobia, atransfobia, a xenofobia etc.). Ou seja, auniversidade pública não pode compactuarcom os privilégios que fundaram asociedade brasileira nas formas doclientelismo, do favoritismo e dosparticularismos presentes ainda hoje emnossa tessitura social.

E para dar cabo desta parte primeira, a dassaudações, dou­lhes boas­vindas à história.Isso porque vocês habitam agora um corpoque historicamente esteve na vanguarda demuitas das transformações que refundaram

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a contemporaneidade. A Universidade deParis I, Pantheon Sorbonne, guarda nosalão principal do prédio que abriga seucurso de Direito um painel que inscreve osnomes dos estudantes e professores mortospelo Antigo Regime durante a RevoluçãoFrancesa. As revoluções de 1848,desencadeadas nas principaisuniversidades europeias, fincaram omoderno ideal de democracia e não apartir de uma cosmovisão burguesa, comoa Revolução Francesa de 1789, mascompondo forças com trabalhadorespobres. Também os levantes de Córdoba,em 1918, que mudaram a feição dasuniversidades latino­americanasconquistando voz, na política universitária,para os estudantes e cátedras livres para osdocentes. Em 1968, estudantes tambémtomaram as ruas de Paris, de Atenas epagaram com a vida a desocupação, pelastropas do Exército, da Praça de Tlatelolco,na Cidade do México. Em 2011,estudantes e trabalhadores (a aliança maistemida pelas classes dominantes) lavraramcom sangue a irrupção de uma NovaRevolução Egípcia; ainda que tivesse sidogolpeada, em 2013, pelo Exército, osjovens que ocuparam a Praça Tahrir e ruasdas principais cidades egípcias puseramfim a três décadas de autoritarismo.

Sintam­se em débito ainda com todosaqueles jovens latino­americanos que,como vocês, tinham o sonho de se formare de construir suas carreiras; mas porquesonhavam também com uma realidademais justa puseram­se em choque contra asditaduras militares de segurança nacionalno Brasil, na Argentina, na Bolívia, noChile, na Guatemala, no Peru, naNicarágua, na República Dominicana, noUruguai e no Paraguai. E pelas escolhasque fizeram, tiveram seus sonhostragicamente interrompidos. Que habitem

seus sonhos também os sonhos deAlexandre Vannucchi Leme (estudante deGeologia da Universidade de São Paulo),Abílio Clemente Filho (aluno de CiênciasSociais da UNESP de Rio Claro), Cilon daCunha Brum (aluno do curso de Economiada PUC de São Paulo), Stuart Angel Jones(estudante de Economia da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro), Iara Iavelberg(egressa do curso de Psicologia daUniversidade de São Paulo) e tantosoutros – todos presentes em nossospensamentos! ­ que tombaram, mastomando de empréstimo o lema deEmiliano Zapata: tombaram em pé e nãode joelhos!

Pois bem, agora no ensino superiorpúblico, dou­lhes boas­vindas à PátriaEducadora proclamada no dia 1º dejaneiro de 2015 pela presidenta DilmaRousseff, na aurora de seu segundomandato presidencial. É preciso, antes demais nada, apresentar­lhes os caracteresdessa pátria e, concluído o primeiro ano desua existência, engendrar aqui uma espéciede balanço de suas realizações, emespecial, para as universidades públicas, oque significa dimensionar o abismo emque elas estão mergulhadas.

Para isso, a tarefa é complexa. É precisoconcatenar ao menos três elementos queexplicam os processos em curso e queafetam diretamente o cotidiano dacomunidade acadêmica: a crise docapitalismo mundial, a crise definanciamento das universidades públicase o avanço dos projetos privatistas quealmejam a conversão da educação, de umdireito, em mercadoria, ou seja, emprivilégio para pagantes e para o benefíciodo setor privado.

A começar, crises não são desvios ou

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condições anormais no desenvolvimentodo capitalismo histórico, constituem umavariável lógica de sua processualidadedialética. Cíclicas ou estruturais, desde oadvento do que Perry Anderson identificoucomo o ponto zero dos ciclos deacumulação capitalista ­ na Itáliasetentrional do Renascimento Italiano, noséc. XV ­, até a consolidação de umsistema­mundo capitalista e aplanetarização do espaço político­econômico mundial (com o advento daindustrialização e, a partir dela, da divisãointernacional do trabalho e os processos demundialização do capital), a expansãocomercial, viabilizando a expansãofinanceira, produziria no auge dodesenvolvimento capitalista aquilo queFernand Braudel chamou de sinal deoutono, ou seja, o início do perigeu deum ciclo de acumulação que é capazde levar à destruição do sistema comoum todo, reedificado em termosdialéticos a partir de novos parâmetrosde relações, caso emblemático da crisede 1929 e que fez ruir o padrão ourocomo unidade de conversão monetáriapara transações internacionais, issoporque a crise foi responsável pelopróprio desaparecimento da economiainternacional como um todo, tendosido reconstruída apenas em 1944,ainda no decurso da Segunda GuerraMundial, com os acordos de BrettonWoods e o advento do padrão dólar. Em1973, nova crise do capitalismo mundial: acrise internacional do petróleo fez ruirtambém muitos dos alicerces queestruturavam a economia internacional,demandando sua reconstrução sobre novasbases.

Em 2008, a crise dos subprimes, comosabemos, precipitou uma crise financeirainternacional responsável pela retração de

toda a atividade econômica mundial. Hoje,a bancarrota capitalista já varreu asprincipais economias europeias, flagelandotrabalhadores gregos, espanhóis eportugueses enquanto fez intensificar aprodução da indústria bélico­armamentistaprimordialmente nos EUA (estratégiaresponsável pela superação da crisemundial de 1929 mas, também, pelaSegunda Guerra Mundial e seus 80milhões de mortos, segundo as estimativasde Ernest Mandel, na obra “Ossignificados históricos da Segunda GuerraMundial”), fazendo adensar também osdeslocamentos populacionais produzidospela fome, pelo desemprego e pela guerracivil e, como contra resposta, os surtos de

ultranacionalismo que agravamos quadros deintolerância eviolênciaxenofóbicamundo aforamas, sobretudo,no centro docapitalismomundial, com anotávelorganização deuma novadireita que

vocifera ódio de classe e preconceitosdiversos por todos os poros.

Após o término da Guerra Fria e aproclamação do Consenso de Washington,que impôs os termos dos vencedores pararealidades terceiro­mundistas, as crisesganharam um novo componente: o corpodoutrinário neoliberal que definiu ocompasso do processo de desmonte doEstado de bem­estar social na periferia dosistema mundial (doutrina política eeconômica que, na verdade, é muito

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"É preciso concatenar aomenos três elementos queexplicam os processos em

curso e que afetamdiretamente o cotidiano

da comunidadeacadêmica: a crise do

capitalismo mundial, acrise de financiamento

das universidadespúblicas e o avanço dosprojetos privatistas quealmejam a conversão daeducação, de um direito,

em mercadoria"

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condições anormais no desenvolvimentodo capitalismo histórico, constituem umavariável lógica de sua processualidadedialética. Cíclicas ou estruturais, desde oadvento do que Perry Anderson identificoucomo o ponto zero dos ciclos deacumulação capitalista ­ na Itáliasetentrional do Renascimento Italiano, noséc. XV ­, até a consolidação de umsistema­mundo capitalista e aplanetarização do espaço político­econômico mundial (com o advento daindustrialização e, a partir dela, da divisãointernacional do trabalho e os processos demundialização do capital), a expansãocomercial, viabilizando a expansãofinanceira, produziria no auge dodesenvolvimento capitalista aquilo queFernand Braudel chamou de sinal deoutono, ou seja, o início do perigeu deum ciclo de acumulação que é capazde levar à destruição do sistema comoum todo, reedificado em termosdialéticos a partir de novos parâmetrosde relações, caso emblemático da crisede 1929 e que fez ruir o padrão ourocomo unidade de conversão monetáriapara transações internacionais, issoporque a crise foi responsável pelopróprio desaparecimento da economiainternacional como um todo, tendosido reconstruída apenas em 1944,ainda no decurso da Segunda GuerraMundial, com os acordos de BrettonWoods e o advento do padrão dólar. Em1973, nova crise do capitalismo mundial: acrise internacional do petróleo fez ruirtambém muitos dos alicerces queestruturavam a economia internacional,demandando sua reconstrução sobre novasbases.

Em 2008, a crise dos subprimes, comosabemos, precipitou uma crise financeirainternacional responsável pela retração de

anterior; criada em 1944 por FriedrichHayek nas linhas de “O caminho daservidão” e aperfeiçoado pelos autores daSociedade de Mont Pèlerin – quase queuma ordem iniciática, formada por ele em1947 ­, mas que só viu condições de serimplementada após a crise internacionaldo petróleo e, em 1979, com o advento deuma Segunda Guerra Fria).

Do triunfalismo que dera luz às teses dofim da História aos profetas que diziam dofim próximo do Estado­nação, o que se viufoi o agigantamento de novos núcleosdifusos de poder político e econômico (emascensão já desde os anos 1970)concentrados nas megacorporaçõestransnacionais, ao passo que os Estados,no centro do sistema­mundo capitalista,em termos de gastos militares e deestratégias protecionistas jamaisabnegaram de sua comum condição depoder; o que fizeram foi ceder ainda maiso espaço da política, da arena interna até aelaboração das linhas mestras de suapolítica externa, para a consecução dosinteresses desses grupos econômicos,responsáveis pelo mais atuante lobby nascasas parlamentares desses países, àrevelia muitas vezes dos interesses de seueleitorado mediano.

E enquanto isso, na periferia do sistemamundial, a barbárie capitalista levou àgeneralização das privatizações, a entregade setores estratégicos dessas economiasao capital estrangeiro (alocado, sobretudo,nas potências centrais do sistema­mundial), à perda de direitos históricos daclasse trabalhadora, a precarização dosserviços fundamentais e a agudização dosquadros de miséria e desemprego –sublinhe­se, como informou Paul Singerna obra “Globalização e desemprego”, queo desemprego, para autores, políticos e

economistas neoliberais, não é umproblema, mas uma necessidade para amanutenção de exércitos de reserva demão­de­obra que, como produtos numaprateleira, seriam responsáveis por mantersalários no nível das expectativas de lucrodas classes proprietárias; com isso,esclarece Perry Anderson no seu “Balançodo neoliberalismo”, o Estado neoliberalprecisa manter aparelhos de repressãopermanentemente voltados contra astentativas de organização da classetrabalhadora, na luta por melhores saláriose condições de trabalho. Corpo policialportanto servil não aos interesses doEstado, mas das classes empresariais quepassam a vocalizar seus interesses pormeio de governantes que governam nãopara a totalidade dos súditos, mas parasuas oligarquias – forma degenerada degoverno já desde os socráticos!

E às respostas da classe trabalhadoraorganizada e na luta por direitos, adoutrina neoliberal, implementada porgovernos latino­americanos alinhados aosinteresses do imperialismo, se valeu daspermanências dos antigos aparelhos derepressão oriundos do período ditatorial­militar, de detenções arbitrárias, daspráticas de tortura e da conivência deautoridades judiciais para recrudescer aviolência policial, sob o manto daimpunidade, podendo­se dizer de umEstado de selvageria policial movidopermanentemente contra as classessubalternas. Isso explica, entre outrosfenômenos, a crescente criminalização dosmovimentos sociais, o projeto de leiAntitterrorismo (PL 2016/2015) e ogenocídio da juventude pobre, negra eperiférica nas principais cidadesbrasileiras.

Na América Latina, como um todo, já

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anterior; criada em 1944 por FriedrichHayek nas linhas de “O caminho daservidão” e aperfeiçoado pelos autores daSociedade de Mont Pèlerin – quase queuma ordem iniciática, formada por ele em1947 ­, mas que só viu condições de serimplementada após a crise internacionaldo petróleo e, em 1979, com o advento deuma Segunda Guerra Fria).

Do triunfalismo que dera luz às teses dofim da História aos profetas que diziam dofim próximo do Estado­nação, o que se viufoi o agigantamento de novos núcleosdifusos de poder político e econômico (emascensão já desde os anos 1970)concentrados nas megacorporaçõestransnacionais, ao passo que os Estados,no centro do sistema­mundo capitalista,em termos de gastos militares e deestratégias protecionistas jamaisabnegaram de sua comum condição depoder; o que fizeram foi ceder ainda maiso espaço da política, da arena interna até aelaboração das linhas mestras de suapolítica externa, para a consecução dosinteresses desses grupos econômicos,responsáveis pelo mais atuante lobby nascasas parlamentares desses países, àrevelia muitas vezes dos interesses de seueleitorado mediano.

E enquanto isso, na periferia do sistemamundial, a barbárie capitalista levou àgeneralização das privatizações, a entregade setores estratégicos dessas economiasao capital estrangeiro (alocado, sobretudo,nas potências centrais do sistema­mundial), à perda de direitos históricos daclasse trabalhadora, a precarização dosserviços fundamentais e a agudização dosquadros de miséria e desemprego –sublinhe­se, como informou Paul Singerna obra “Globalização e desemprego”, queo desemprego, para autores, políticos e

economistas neoliberais, não é umproblema, mas uma necessidade para amanutenção de exércitos de reserva demão­de­obra que, como produtos numaprateleira, seriam responsáveis por mantersalários no nível das expectativas de lucrodas classes proprietárias; com isso,esclarece Perry Anderson no seu “Balançodo neoliberalismo”, o Estado neoliberalprecisa manter aparelhos de repressãopermanentemente voltados contra astentativas de organização da classetrabalhadora, na luta por melhores saláriose condições de trabalho. Corpo policialportanto servil não aos interesses doEstado, mas das classes empresariais quepassam a vocalizar seus interesses pormeio de governantes que governam nãopara a totalidade dos súditos, mas parasuas oligarquias – forma degenerada degoverno já desde os socráticos!

E às respostas da classe trabalhadoraorganizada e na luta por direitos, adoutrina neoliberal, implementada porgovernos latino­americanos alinhados aosinteresses do imperialismo, se valeu daspermanências dos antigos aparelhos derepressão oriundos do período ditatorial­militar, de detenções arbitrárias, daspráticas de tortura e da conivência deautoridades judiciais para recrudescer aviolência policial, sob o manto daimpunidade, podendo­se dizer de umEstado de selvageria policial movidopermanentemente contra as classessubalternas. Isso explica, entre outrosfenômenos, a crescente criminalização dosmovimentos sociais, o projeto de leiAntitterrorismo (PL 2016/2015) e ogenocídio da juventude pobre, negra eperiférica nas principais cidadesbrasileiras.

Na América Latina, como um todo, já

teriam sido três ondas de choqueneoliberal: a primeira, nos anos 1990,levou consigo parte da indústria nacionalem várias dessas realidades, deixando paratrás vagalhões de desempregados e umapaisagem de destruição social inconteste; asegunda, no despertar do novo milênio,resultou na quebra de sistemas financeiroscomo o argentino e em convulsões sociaisem países como Peru, Bolívia e Brasil,clarificando o desastre acachapante dasmedidas neoliberais e possibilitando novofolego às esquerdas latino­americanas; e, aterceira, estamos atravessando neste exatomomento em que o pêndulo muda de umaestranha esquerda (afeta ao próprioneoliberalismo, mas que dificilmente oassume em termos discursivos) em direçãoà direita declaradamente neoliberal (casoda destituição de Fernando Lugo noParaguai, da vitória de Maurício Macri naArgentina, da maioria parlamentar eleitapara o Congresso na Venezuela e doascenso neogolpista e de umaesquizofrênica e histérica direita noBrasil).

Para não cairmos em nenhuma espécie demaniqueísmo, é necessário dizer que, noBrasil, o programa neoliberal não foiinterrompido com a chegada de umPartido dos Trabalhadores ao poder. Já naCarta aos brasileiros ficava clara suacapacidade de acomodação à ordemvigente e, desta forma, o PT – um partidoconstruído pela classe trabalhadora e queencampou lutas históricas ­ converteu­seem braço esquerdo do Partido da Ordem,ordem por sua vez neoliberal. Tomandoemprestadas as reflexões do professorFabio Luis Barbosa, em conferênciaproferida na Unifesp, o Partido da Ordem– a ordem neoliberal – teria dois braços,um braço direito, liderado pelo PSDB edividido com as bancadas da bala, da

Bíblia e do boi; e o esquerdo, o PT; aindaque autofágicos, mostraram­se, no poder,dedicados realizadores do programaneoliberal. E durante essas três ondas dechoque, o espectro da crise serviu deargumento para maior avanço das forçasdo mercado sobre os fundos públicos, maisprivatizações, maior precarização dascondições de trabalho da classetrabalhadora, mais desmonte do setorpúblico e da oferta de serviços essenciais,como a educação superior pública, o quemais nos interessa nessas reflexões. Nessestermos, a retração da economia mundial,no Brasil, vem dando subsídios para que,na histórica disputa pelos fundos públicos,sigam sendo privilegiados os gruposligados ao setor privado, ao mercadofinanceiro e à especulação capitalista.

E como, majoritariamente, vem ocorrendoesse tipo de apropriação? O ovo daserpente é o pagamento da rolagem dosjuros da dívida pública para a produção dosuperávit primário esperado porinvestidores, que o tempo todo ameaçam ogoverno com a possibilidade de fuga decapitais.

E qual a origem da dívida pública? Suaorigem são empréstimos; e é públicaporque foram contraídos pelo Estado. Norol de credores tem­se, por sua vez, umagama bem diversa de atores: instituiçõesfinanceiras (públicas e privadas), omercado financeiro (interno e externo) eempresas (nacionais e internacionais),entre outros.

E por que a dívida pública brasileira é,incontestavelmente, impagável? Oargumento neoliberal aponta como causa ofinanciamento de gastos públicos, comodespesas com o funcionalismo público(nós, professores e técnicos, por exemplo),

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Bíblia e do boi; e o esquerdo, o PT; aindaque autofágicos, mostraram­se, no poder,dedicados realizadores do programaneoliberal. E durante essas três ondas dechoque, o espectro da crise serviu deargumento para maior avanço das forçasdo mercado sobre os fundos públicos, maisprivatizações, maior precarização dascondições de trabalho da classetrabalhadora, mais desmonte do setorpúblico e da oferta de serviços essenciais,como a educação superior pública, o quemais nos interessa nessas reflexões. Nessestermos, a retração da economia mundial,no Brasil, vem dando subsídios para que,na histórica disputa pelos fundos públicos,sigam sendo privilegiados os gruposligados ao setor privado, ao mercadofinanceiro e à especulação capitalista.

E como, majoritariamente, vem ocorrendoesse tipo de apropriação? O ovo daserpente é o pagamento da rolagem dosjuros da dívida pública para a produção dosuperávit primário esperado porinvestidores, que o tempo todo ameaçam ogoverno com a possibilidade de fuga decapitais.

E qual a origem da dívida pública? Suaorigem são empréstimos; e é públicaporque foram contraídos pelo Estado. Norol de credores tem­se, por sua vez, umagama bem diversa de atores: instituiçõesfinanceiras (públicas e privadas), omercado financeiro (interno e externo) eempresas (nacionais e internacionais),entre outros.

E por que a dívida pública brasileira é,incontestavelmente, impagável? Oargumento neoliberal aponta como causa ofinanciamento de gastos públicos, comodespesas com o funcionalismo público(nós, professores e técnicos, por exemplo),

previdência social, educação (como asuniversidades públicas – por isso o desejoenorme de privatizá­las ou privatizarem­sesuas práticas), saúde e segurança.

E adivinhem quais as propostas neoliberaispara a saída da crise de financiamento queafeta o setor público? Cortes em gastospúblicos e mais transferência ainda para osetor privado! Tenho certeza de que todosos dias vocês ouvem esse mantra nosnoticiários econômicos.

A resposta é, noentanto, maiscomplexa: a origem é arolagem da dívida, ouseja, os gastos comjuros sobre as dívidascontraídasanteriormente, aliada àpolítica monetária ecambial responsáveispelas altíssimas taxasde juros praticadas parao seu cálculo. E por queas taxas de juros são tãoelevadas, no Brasil(14,15% aos 3 de março de 2016)? Essafoi uma das inovações do Plano Realdesde sua implementação, produzindo­secom isso a valorização artificial da moedabrasileira em relação ao dólar com afinalidade de atrair, em curto prazo,investimentos externos. O resultado é aprodução artificial do superávit primárioque foi responsável, desde aimplementação do plano, pela sensaçãocompartilhada de estabilidade financeiraao passo em que fez com que a dívidapública ganhasse gigantescas proporções,ao ponto de o Estado ter que obter novosempréstimos para pagar antigosempréstimos, ou seja, a rolar a dívidapública. A bola de neve inclui a lógica de

que a baixa capacidade de pagamentoafugenta investidores e, para atraí­los,deve­se aumentar a taxa de juros. De 2009a 2013, da dívida que totalizava R$ 1,1trilhão, dos quais R$ 574 bilhões foramoriginados de novos endividamentos,apenas R$ 491 bilhões foram pagos e pormeio da arrecadação de impostos.

E enquanto escolas e universidadespúblicas padecem da falta de insumosbásicos para o seu funcionamento,

enquanto hospitais e outrosserviços básicos não têmmínimas condições de atenderas populações que necessitamdesses aparelhos públicos, opagamento dos juros vemconsumindo dos cofres dogoverno em torno de 900milhões por dia.

A situação ora chega a umimpasse e ao início de umacurva em declive: não há comoaumentar mais a taxa de juros,sob o risco de estourarem ascontas públicas; bem como não

há mais condições para a produção dosuperávit em razão do rombo nas contasdo governo, que superaram a marca de R$110 bilhões em 2015, culminando em suaquase nula capacidade de pagamento. Oresultado produzido já não é maissuperavitário, senão deficitário.

O que mudou, com isso, do primeiro parao segundo mandato presidencial de DilmaRousseff e por que isso nos interessa?

No primeiro mandato viu­se um conjuntode pressões do mercado para que sepraticassem as taxas mais altas possíveisuma vez que quão maiores os juros, maioro montante a ser pago pelo governo aos

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"E enquanto escolas euniversidades públicas

padecem da falta deinsumos básicos para o

seu funcionamento,enquanto hospitais e

outros serviços básicosnão têm mínimas

condições de atender aspopulações que

necessitam dessesaparelhos públicos, o

pagamento dos juros vemconsumindo dos cofres dogoverno em torno de 900

milhões por dia."

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previdência social, educação (como asuniversidades públicas – por isso o desejoenorme de privatizá­las ou privatizarem­sesuas práticas), saúde e segurança.

E adivinhem quais as propostas neoliberaispara a saída da crise de financiamento queafeta o setor público? Cortes em gastospúblicos e mais transferência ainda para osetor privado! Tenho certeza de que todosos dias vocês ouvem esse mantra nosnoticiários econômicos.

A resposta é, noentanto, maiscomplexa: a origem é arolagem da dívida, ouseja, os gastos comjuros sobre as dívidascontraídasanteriormente, aliada àpolítica monetária ecambial responsáveispelas altíssimas taxasde juros praticadas parao seu cálculo. E por queas taxas de juros são tãoelevadas, no Brasil(14,15% aos 3 de março de 2016)? Essafoi uma das inovações do Plano Realdesde sua implementação, produzindo­secom isso a valorização artificial da moedabrasileira em relação ao dólar com afinalidade de atrair, em curto prazo,investimentos externos. O resultado é aprodução artificial do superávit primárioque foi responsável, desde aimplementação do plano, pela sensaçãocompartilhada de estabilidade financeiraao passo em que fez com que a dívidapública ganhasse gigantescas proporções,ao ponto de o Estado ter que obter novosempréstimos para pagar antigosempréstimos, ou seja, a rolar a dívidapública. A bola de neve inclui a lógica de

que a baixa capacidade de pagamentoafugenta investidores e, para atraí­los,deve­se aumentar a taxa de juros. De 2009a 2013, da dívida que totalizava R$ 1,1trilhão, dos quais R$ 574 bilhões foramoriginados de novos endividamentos,apenas R$ 491 bilhões foram pagos e pormeio da arrecadação de impostos.

E enquanto escolas e universidadespúblicas padecem da falta de insumosbásicos para o seu funcionamento,

enquanto hospitais e outrosserviços básicos não têmmínimas condições de atenderas populações que necessitamdesses aparelhos públicos, opagamento dos juros vemconsumindo dos cofres dogoverno em torno de 900milhões por dia.

A situação ora chega a umimpasse e ao início de umacurva em declive: não há comoaumentar mais a taxa de juros,sob o risco de estourarem ascontas públicas; bem como não

há mais condições para a produção dosuperávit em razão do rombo nas contasdo governo, que superaram a marca de R$110 bilhões em 2015, culminando em suaquase nula capacidade de pagamento. Oresultado produzido já não é maissuperavitário, senão deficitário.

O que mudou, com isso, do primeiro parao segundo mandato presidencial de DilmaRousseff e por que isso nos interessa?

No primeiro mandato viu­se um conjuntode pressões do mercado para que sepraticassem as taxas mais altas possíveisuma vez que quão maiores os juros, maioro montante a ser pago pelo governo aos

seus credores, tornando­seconsequentemente maior a dívida pública.No segundo mandato, que completa já umano de cerco político e ameaças histéricasde impeachment, as exigências do mercadoe de seus representantes diretos nocongresso, como pré­condições para ascomposições de força que permitiriam aogoverno Dilma completar seu mandato,são as medidas de ajuste fiscal, ou seja,contingenciamentos de gastos públicos(estamos falando de escolas,universidades, postos de saúde, hospitaisetc.) para que se garanta a transferência defundos públicos para o pagamento de partedos juros da dívida (que, diga­se depassagem, nunca foi auditada).

Seria cômico se não fosse trágico: oanúncio da Pátria Educadora foi seguido,uma semana depois, pela apresentação doPlano Levy, conjunto de medidas de ajustefiscal que levou ao contingenciamento deverbas para os serviços públicos e reduçãode benefícios trabalhistas tendo como metao contingenciamento de R$ 122 bilhões,dentre os quais R$ 66,3 bilhões quedeveriam ser obtidos, ainda em 2015, comcortes que atingiram, entre programassociais e serviços diversos, repasses deverbas para a educação federal. O corteanunciado foi de 22,7 bilhões para oorçamento de 2015 e a prioridade dasprioridades, o MEC, foi o que maissangrou: em 7 bilhões. O intuito seria o decompensar o déficit público de 30,5bilhões e a retração no PIB, garantindo opagamento dos juros e amortizações dadívida pública.

No 26º dia da nova era, o MEC anunciouo corte de 64,6% das bolsas do programaJovens Talentos para Ciência,equivalentes a 34,1 milhões dos 52,8orçados para o programa.

O início do primeiro ano da PátriaEducadora foi marcado também pelalimitação da verba destinada pelo governofederal às IFES. Em fevereiro, apenas 1/3da verba mensal acabou repassada e, nosmeses seguintes, 1/18 avos do orçamentomensal, levando por três meses a cortesmensais de R$ 586,83 milhões e, com isso,totalizando 1,76 bilhões.

E foi a assim que a aurora da PátriaEducadora fez fechar, por falta derecursos, o Museu Nacional daUniversidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), incapaz de arcar com despesas delimpeza e de vigilância, o adiamento doinício do ano letivo em diversas IFES ­inclusive por não haver condiçõesmínimas de higiene ­, e na deflagração degreves de funcionários terceirizados, atéentão pagos com verbas de custeio, quetiveram o pagamento de seus saláriosinterrompidos, casos da UFRJ, daUniversidade Federal Fluminense (UFF),da Universidade Federal do Goiás (UFG)e da Universidade Federal da Paraíba(UFPB).

De berço do pensamento humanista, deelaboração e defesa dos direitos naturais,as universidades públicas, na PátriaEducadora, tornaram­se alvos dedenúncias de assédio moral, de condiçõesindignas de trabalho e até mesmo detrabalho escravo, por parte daqueles que,no foro privado, experimentaram a fome emuitos outros tipos de humilhação.

No mesmo ano, no decorrer de uma grevenacional que durou 139 dias e chegou acontar com a paralisação de mais de 50instituições federais de ensino superior(IFES), de um total de 63, as universidadespúblicas acabaram novamente golpeadaspor um segundo conjunto de medidas.

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seus credores, tornando­seconsequentemente maior a dívida pública.No segundo mandato, que completa já umano de cerco político e ameaças histéricasde impeachment, as exigências do mercadoe de seus representantes diretos nocongresso, como pré­condições para ascomposições de força que permitiriam aogoverno Dilma completar seu mandato,são as medidas de ajuste fiscal, ou seja,contingenciamentos de gastos públicos(estamos falando de escolas,universidades, postos de saúde, hospitaisetc.) para que se garanta a transferência defundos públicos para o pagamento de partedos juros da dívida (que, diga­se depassagem, nunca foi auditada).

Seria cômico se não fosse trágico: oanúncio da Pátria Educadora foi seguido,uma semana depois, pela apresentação doPlano Levy, conjunto de medidas de ajustefiscal que levou ao contingenciamento deverbas para os serviços públicos e reduçãode benefícios trabalhistas tendo como metao contingenciamento de R$ 122 bilhões,dentre os quais R$ 66,3 bilhões quedeveriam ser obtidos, ainda em 2015, comcortes que atingiram, entre programassociais e serviços diversos, repasses deverbas para a educação federal. O corteanunciado foi de 22,7 bilhões para oorçamento de 2015 e a prioridade dasprioridades, o MEC, foi o que maissangrou: em 7 bilhões. O intuito seria o decompensar o déficit público de 30,5bilhões e a retração no PIB, garantindo opagamento dos juros e amortizações dadívida pública.

No 26º dia da nova era, o MEC anunciouo corte de 64,6% das bolsas do programaJovens Talentos para Ciência,equivalentes a 34,1 milhões dos 52,8orçados para o programa.

O início do primeiro ano da PátriaEducadora foi marcado também pelalimitação da verba destinada pelo governofederal às IFES. Em fevereiro, apenas 1/3da verba mensal acabou repassada e, nosmeses seguintes, 1/18 avos do orçamentomensal, levando por três meses a cortesmensais de R$ 586,83 milhões e, com isso,totalizando 1,76 bilhões.

E foi a assim que a aurora da PátriaEducadora fez fechar, por falta derecursos, o Museu Nacional daUniversidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), incapaz de arcar com despesas delimpeza e de vigilância, o adiamento doinício do ano letivo em diversas IFES ­inclusive por não haver condiçõesmínimas de higiene ­, e na deflagração degreves de funcionários terceirizados, atéentão pagos com verbas de custeio, quetiveram o pagamento de seus saláriosinterrompidos, casos da UFRJ, daUniversidade Federal Fluminense (UFF),da Universidade Federal do Goiás (UFG)e da Universidade Federal da Paraíba(UFPB).

De berço do pensamento humanista, deelaboração e defesa dos direitos naturais,as universidades públicas, na PátriaEducadora, tornaram­se alvos dedenúncias de assédio moral, de condiçõesindignas de trabalho e até mesmo detrabalho escravo, por parte daqueles que,no foro privado, experimentaram a fome emuitos outros tipos de humilhação.

No mesmo ano, no decorrer de uma grevenacional que durou 139 dias e chegou acontar com a paralisação de mais de 50instituições federais de ensino superior(IFES), de um total de 63, as universidadespúblicas acabaram novamente golpeadaspor um segundo conjunto de medidas.

Em maio, o Ministro do Planejamento,Nelson Barbosa, anunciou o corte 69,9bilhões no orçamento da União para 2015,chegando ao MEC o bloqueio de 9,4bilhões no repasse de verbas para as IFES,19% a menos do orçamento previsto parao ano, o que levou à redução de 10% dasverbas de custeio e 47% de capital nessasinstituições. Mesmo mês em que ogoverno federal suspendeu a concessão debolsas do Programa de DoutoradoSanduíche no Exterior (PDSE) e que ocontingenciamento chegou ao ProgramaCiência sem Fronteiras, cujos recursosforam congelados em 2,1 bilhões; e noPrograma Nacional de Acesso ao EnsinoTécnico e Emprego (PRONATEC), queteve o número de vagas reduzido em 50%em razão do corte de 362,8 milhões noprograma.

Já em julho, os cortes chegaram à pós­graduação com o contingenciamento deem torno de 75% do orçamento doPrograma de Apoio à Pós­Graduação(PROAP), programa responsável pelocusteio de toda a pós­graduação no país.Com isso, o grau de excelência daspesquisas realizadas na pós­graduação, asdemandas assumidas por seus respectivosprogramas, publicações de divulgaçãocientífica e a própria mobilidade depesquisadores ficaram severamentecomprometidos.

No mesmo mês, a UFF, a UniversidadeFederal da Bahia (UFBA) e aUniversidade Federal de Santa Catarina(UFSC) vieram a público para dizer quesofreriam cortes no fornecimento deenergia elétrica em vários de seusdepartamentos, em razão do atraso nopagamento das concessionárias e do vultode suas dívidas.

A dificuldade de pagamento de contas demanutenção como energia, água emantimentos básicos é, no entanto,compartilhada por praticamente todas asIFES desde o início doscontingenciamentos, bem como opagamento de contratos com empresasterceirizadas e problemas de infraestrutura,como manutenção predial, por exemplo.

Um dos efeitos imediatos dos novoscontingenciamentos foi a interrupção degrande parte das obras que ainda nãohaviam sido concluídas desde o Reuni,deixando carcaças de prédios inacabadoscomo monumentos perenes daprecarização e das medidas de ajustefiscal, nos campi da Pátria Educadora. Edentre as atividades cotidianas dosreitores, por sua vez, na ordem do dia aprioridade passou a ser decidir o que nãopagar.

Os impactos chegaram, no dia 17 de julho,aos programas que previam a expansão decreches e quadras esportivas nas IFES,com o bloqueio de 3,4 bilhões,equivalentes a 1/3 do corte total para aeducação.

No dia 30, o governo federal anunciounovos cortes no orçamento público de2015. Dessa vez de 8,6 bilhões, atingindoo MEC em 1 bilhão e elevando os cortes,no repasse de verbas para as IFES, a 12bilhões. Curiosamente, o anúncio foiacompanhado da destinação, por meio daMedida Provisória (MP) 686/2015, demais R$ 5,1 bilhões para o Fies.

Em agosto, novos cortes deveriam elevar aarrecadação em 32 bilhões e sob ajustificativa de cobrir o déficit daprevidência. O Plano Levy­Calheiros, queinscreveu 16 medidas, sangrou no total 26

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Em maio, o Ministro do Planejamento,Nelson Barbosa, anunciou o corte 69,9bilhões no orçamento da União para 2015,chegando ao MEC o bloqueio de 9,4bilhões no repasse de verbas para as IFES,19% a menos do orçamento previsto parao ano, o que levou à redução de 10% dasverbas de custeio e 47% de capital nessasinstituições. Mesmo mês em que ogoverno federal suspendeu a concessão debolsas do Programa de DoutoradoSanduíche no Exterior (PDSE) e que ocontingenciamento chegou ao ProgramaCiência sem Fronteiras, cujos recursosforam congelados em 2,1 bilhões; e noPrograma Nacional de Acesso ao EnsinoTécnico e Emprego (PRONATEC), queteve o número de vagas reduzido em 50%em razão do corte de 362,8 milhões noprograma.

Já em julho, os cortes chegaram à pós­graduação com o contingenciamento deem torno de 75% do orçamento doPrograma de Apoio à Pós­Graduação(PROAP), programa responsável pelocusteio de toda a pós­graduação no país.Com isso, o grau de excelência daspesquisas realizadas na pós­graduação, asdemandas assumidas por seus respectivosprogramas, publicações de divulgaçãocientífica e a própria mobilidade depesquisadores ficaram severamentecomprometidos.

No mesmo mês, a UFF, a UniversidadeFederal da Bahia (UFBA) e aUniversidade Federal de Santa Catarina(UFSC) vieram a público para dizer quesofreriam cortes no fornecimento deenergia elétrica em vários de seusdepartamentos, em razão do atraso nopagamento das concessionárias e do vultode suas dívidas.

A dificuldade de pagamento de contas demanutenção como energia, água emantimentos básicos é, no entanto,compartilhada por praticamente todas asIFES desde o início doscontingenciamentos, bem como opagamento de contratos com empresasterceirizadas e problemas de infraestrutura,como manutenção predial, por exemplo.

Um dos efeitos imediatos dos novoscontingenciamentos foi a interrupção degrande parte das obras que ainda nãohaviam sido concluídas desde o Reuni,deixando carcaças de prédios inacabadoscomo monumentos perenes daprecarização e das medidas de ajustefiscal, nos campi da Pátria Educadora. Edentre as atividades cotidianas dosreitores, por sua vez, na ordem do dia aprioridade passou a ser decidir o que nãopagar.

Os impactos chegaram, no dia 17 de julho,aos programas que previam a expansão decreches e quadras esportivas nas IFES,com o bloqueio de 3,4 bilhões,equivalentes a 1/3 do corte total para aeducação.

No dia 30, o governo federal anunciounovos cortes no orçamento público de2015. Dessa vez de 8,6 bilhões, atingindoo MEC em 1 bilhão e elevando os cortes,no repasse de verbas para as IFES, a 12bilhões. Curiosamente, o anúncio foiacompanhado da destinação, por meio daMedida Provisória (MP) 686/2015, demais R$ 5,1 bilhões para o Fies.

Em agosto, novos cortes deveriam elevar aarrecadação em 32 bilhões e sob ajustificativa de cobrir o déficit daprevidência. O Plano Levy­Calheiros, queinscreveu 16 medidas, sangrou no total 26

bilhões em cortes dos gastos para 2016,com o intuito de sanar o déficit fiscal nascontas públicas e impactando diretamenteprogramas sociais e serviços que já haviamsido brutalmente atingidos no início doano.

Este segundo pacote decontingenciamentos foi ainda maisrigoroso que o primeiro, incluindo asuspensão de concursos públicos até o fimde 2016, fundamentais para a reposição dodéficit do quadro permanente dasuniversidades; bem como o fim do abono­permanência, medida que tende aaumentar o número de pedidos deaposentadoria e ampliando aindamais o déficit no quadro dedocentes e técnicos­administrativosnas universidades federais.

O terceiro pacote foi anunciado nodia 19 de fevereiro, próximopassado: mais cortes, desta vez deR$ 23,4 bilhões nos gastospúblicos do Orçamento Federalpara o ano de 2016. Mais uma vezo escopo é o de garantir o superávitprimário, a fim de pagar os juros eamortizações da dívida pública ao sistemafinanceiro, às expensas do serviço públicoe de programas sociais. O MEC, terceirapasta mais afetada pelos novoscontingenciamentos, teve corte de R$ 1,3bilhão, com a redução dos valoresempenhados de R$ 32,8 bilhões para R$31,5 bilhões. O objetivo anunciado, maisuma vez, é o de cumprir a meta desuperávit primário de 0,5% do PIB, o quepara o setor público equivale a 30,5bilhões.

A fórmula está muito claramente dada: asaída para a crise capitalista é apenalização da classe trabalhadora, com o

corte de direitos sociais, mantendo­seintacta a dívida pública que vemcomprometendo, com a rolagem dos juros,em torno de 45% de todo o orçamento.

Os cortes, nas IFES, atingiramprincipalmente verbas de custeio e decapital, culminando em ainda maisdemissões de trabalhadores terceirizados,cortes de bolsas de monitoria, iniciaçãocientífica e programas de assistênciaestudantil, para dizer pouco.

O resultado das novas medidas foiimediato para aeducação superiorpública: no dia 18 defevereiro, aCoordenação deAperfeiçoamento dePessoal de NívelSuperior (CAPES),que é a maioragência federal defomento à pesquisa eao desenvolvimentotecnológiconacional, anunciou aexclusão de mais de

45 mil bolsistas do Programa Institucionalde Bolsa de Iniciação à Docência(PIBID), o que significa o abandono doprograma universidade­escola, a maisimportante iniciativa de todos os tempospara a articulação entre universidades eescolas públicas, atingindo de imediato 3mil escolas públicas que serão desligadasdo programa que, sequer, pôde concluirseu primeiro ciclo.

O desmonte flagrante do ensino públicosuperior responde a que lógica no atualestágio do desenvolvimento capitalista?Cumpre o propósito de intensificar aagenda neoliberal promovendo a

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"A fórmula está muitoclaramente dada: a saídapara a crise capitalista é a

penalização da classetrabalhadora, com o corte

de direitos sociais,mantendo­se intacta adívida pública que vemcomprometendo, com arolagem dos juros, emtorno de 45% de todo o

orçamento."

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bilhões em cortes dos gastos para 2016,com o intuito de sanar o déficit fiscal nascontas públicas e impactando diretamenteprogramas sociais e serviços que já haviamsido brutalmente atingidos no início doano.

Este segundo pacote decontingenciamentos foi ainda maisrigoroso que o primeiro, incluindo asuspensão de concursos públicos até o fimde 2016, fundamentais para a reposição dodéficit do quadro permanente dasuniversidades; bem como o fim do abono­permanência, medida que tende aaumentar o número de pedidos deaposentadoria e ampliando aindamais o déficit no quadro dedocentes e técnicos­administrativosnas universidades federais.

O terceiro pacote foi anunciado nodia 19 de fevereiro, próximopassado: mais cortes, desta vez deR$ 23,4 bilhões nos gastospúblicos do Orçamento Federalpara o ano de 2016. Mais uma vezo escopo é o de garantir o superávitprimário, a fim de pagar os juros eamortizações da dívida pública ao sistemafinanceiro, às expensas do serviço públicoe de programas sociais. O MEC, terceirapasta mais afetada pelos novoscontingenciamentos, teve corte de R$ 1,3bilhão, com a redução dos valoresempenhados de R$ 32,8 bilhões para R$31,5 bilhões. O objetivo anunciado, maisuma vez, é o de cumprir a meta desuperávit primário de 0,5% do PIB, o quepara o setor público equivale a 30,5bilhões.

A fórmula está muito claramente dada: asaída para a crise capitalista é apenalização da classe trabalhadora, com o

corte de direitos sociais, mantendo­seintacta a dívida pública que vemcomprometendo, com a rolagem dos juros,em torno de 45% de todo o orçamento.

Os cortes, nas IFES, atingiramprincipalmente verbas de custeio e decapital, culminando em ainda maisdemissões de trabalhadores terceirizados,cortes de bolsas de monitoria, iniciaçãocientífica e programas de assistênciaestudantil, para dizer pouco.

O resultado das novas medidas foiimediato para aeducação superiorpública: no dia 18 defevereiro, aCoordenação deAperfeiçoamento dePessoal de NívelSuperior (CAPES),que é a maioragência federal defomento à pesquisa eao desenvolvimentotecnológiconacional, anunciou aexclusão de mais de

45 mil bolsistas do Programa Institucionalde Bolsa de Iniciação à Docência(PIBID), o que significa o abandono doprograma universidade­escola, a maisimportante iniciativa de todos os tempospara a articulação entre universidades eescolas públicas, atingindo de imediato 3mil escolas públicas que serão desligadasdo programa que, sequer, pôde concluirseu primeiro ciclo.

O desmonte flagrante do ensino públicosuperior responde a que lógica no atualestágio do desenvolvimento capitalista?Cumpre o propósito de intensificar aagenda neoliberal promovendo a

privatização do ensino público superior,projeto que vem sendo encampado a largospassos, com celeridade pouquíssimasvezes vista em trâmites legislativos e noanimus expresso pelo Executivo.

A primeira iniciativa, dentre muitas, e quevale destacar, é a decisão emanada peloSupremo Tribunal Federal (STF) nos autosda Ação Direta de Inconstitucionalidade(ADIN) n° 1.923, proposta pelo PT e peloPDT contra a Lei 9.637/98, dos idos dapresidência de Fernando HenriqueCardoso. A lei possibilitava a contratação,pela Administração Pública, deprestadores de serviços via OrganizaçõesSociais (OS’s) sem concurso público, semestabilidade funcional (ou seja, com quasenula capacidade de mobilização na luta pordireitos) e sem regime de dedicaçãoexclusiva ao ensino, pesquisa e extensão.O curioso é que a ADIN impetrada peloPT, contra lei do sumo­sacerdote doPSDB, negada pelo STF, cai no colo doPT agora como Partido da Ordem. Tantoé, que o modelo de gestão tem a bênçãodeclarada da CAPES (por meio dadeclaração de sua presidência) para queseja implementado em universidadespúblicas.

O laboratório de experimentos neoliberaispara a gestão do erário, na educação, vemsendo o Estado de Goiás, que já declarou ofim dos concursos públicos paraprofessores da rede estadual, optando pelageneralização do modelo de contrataçãovia OS’s. Nas universidades públicas, otipo de contratação não se restringiria afuncionários técnico­administrativos, mastambém a pesquisadores e professores quepassariam a ser contratados sem concursopúblico de provas e títulos e em regimeceletista. Nossa categoria, como aconhecemos hoje, entraria em processo de

extinção.

Outra medida atentatória ao carátergratuito e democrático das universidadespúblicas, ovacionada como alternativapara sua complementação orçamentária é aProposta de Emenda Constitucional (PEC)dos cursos pagos, a PEC 395/2014 (deautoria do deputado Alex Canziani, doPTB­PR) que altera a redação do inciso IVdo artigo 206 da Constituição Federal, quegarante a “gratuidade do ensino públicoem estabelecimentos oficiais”. A alteraçãopermite a cobrança, em universidadespúblicas, por cursos de extensão, pós­graduação lato sensu (as especializações) eaté mesmo o mestrado profissional,estabelecendo no ambiente de ensinopúblico o critério socioeconômico comofator determinante das possibilidades de osalunos ampliarem sua formação, divisordas possibilidades de acesso ao ensino dequalidade. Não se trata apenas dasubmissão da educação à lógica domercado, convertida em produto, mas deuma mudança brutal nos significados quepermitem suas conexões com o entornosocial com quem compartilha, auniversidade, sua existência. No campo daextensão universitária, que deve irradiarextramuros o conhecimento científico etecnológico produzido na seara dapesquisa e também nas ações de ensino, ossegmentos de sociedade historicamentealijados do ensino superior de qualidade,que custeiam essas atividades já por meiodos impostos que pagam, teriam que tipode contrapartida? A oferta de um produto,caso sejam capazes de consumi­lo!

E enquanto a comunidade acadêmica,estarrecida (que fique claro: estamostratando apenas da parte dela que se opõe àmercantilização do ensino público) aindatenta dimensionar os impactos da medida,

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privatização do ensino público superior,projeto que vem sendo encampado a largospassos, com celeridade pouquíssimasvezes vista em trâmites legislativos e noanimus expresso pelo Executivo.

A primeira iniciativa, dentre muitas, e quevale destacar, é a decisão emanada peloSupremo Tribunal Federal (STF) nos autosda Ação Direta de Inconstitucionalidade(ADIN) n° 1.923, proposta pelo PT e peloPDT contra a Lei 9.637/98, dos idos dapresidência de Fernando HenriqueCardoso. A lei possibilitava a contratação,pela Administração Pública, deprestadores de serviços via OrganizaçõesSociais (OS’s) sem concurso público, semestabilidade funcional (ou seja, com quasenula capacidade de mobilização na luta pordireitos) e sem regime de dedicaçãoexclusiva ao ensino, pesquisa e extensão.O curioso é que a ADIN impetrada peloPT, contra lei do sumo­sacerdote doPSDB, negada pelo STF, cai no colo doPT agora como Partido da Ordem. Tantoé, que o modelo de gestão tem a bênçãodeclarada da CAPES (por meio dadeclaração de sua presidência) para queseja implementado em universidadespúblicas.

O laboratório de experimentos neoliberaispara a gestão do erário, na educação, vemsendo o Estado de Goiás, que já declarou ofim dos concursos públicos paraprofessores da rede estadual, optando pelageneralização do modelo de contrataçãovia OS’s. Nas universidades públicas, otipo de contratação não se restringiria afuncionários técnico­administrativos, mastambém a pesquisadores e professores quepassariam a ser contratados sem concursopúblico de provas e títulos e em regimeceletista. Nossa categoria, como aconhecemos hoje, entraria em processo de

extinção.

Outra medida atentatória ao carátergratuito e democrático das universidadespúblicas, ovacionada como alternativapara sua complementação orçamentária é aProposta de Emenda Constitucional (PEC)dos cursos pagos, a PEC 395/2014 (deautoria do deputado Alex Canziani, doPTB­PR) que altera a redação do inciso IVdo artigo 206 da Constituição Federal, quegarante a “gratuidade do ensino públicoem estabelecimentos oficiais”. A alteraçãopermite a cobrança, em universidadespúblicas, por cursos de extensão, pós­graduação lato sensu (as especializações) eaté mesmo o mestrado profissional,estabelecendo no ambiente de ensinopúblico o critério socioeconômico comofator determinante das possibilidades de osalunos ampliarem sua formação, divisordas possibilidades de acesso ao ensino dequalidade. Não se trata apenas dasubmissão da educação à lógica domercado, convertida em produto, mas deuma mudança brutal nos significados quepermitem suas conexões com o entornosocial com quem compartilha, auniversidade, sua existência. No campo daextensão universitária, que deve irradiarextramuros o conhecimento científico etecnológico produzido na seara dapesquisa e também nas ações de ensino, ossegmentos de sociedade historicamentealijados do ensino superior de qualidade,que custeiam essas atividades já por meiodos impostos que pagam, teriam que tipode contrapartida? A oferta de um produto,caso sejam capazes de consumi­lo!

E enquanto a comunidade acadêmica,estarrecida (que fique claro: estamostratando apenas da parte dela que se opõe àmercantilização do ensino público) aindatenta dimensionar os impactos da medida,

outro projeto passa a tramitar ameaçandoagora a gratuidade na própria graduação e,pasmem, em nome da democracia! Trata­se do Projeto de Lei (PL) 782/2015, deautoria do senador Marcelo Crivella (PRB­RJ), que propõe que alunos com rendafamiliar igual ou superior a 30 saláriosmínimos (26,4 mil) paguem anuidade, combase nos custos por aluno em cada curso,em universidades públicas. Trata­se daponta da lança; basta que suaregulamentação seja feita para que arevisão do teto previsto seja uma variávellógica do avanço das forças privatistas quedefendem a medida com bocas salivantes.

No ambiente acadêmico, ambas asiniciativas parlamentares criariam, emcurto espaço de tempo, qualidadesdistintas de alunos: aqueles que pagam e,por isso, considerariam ter mais direitos; eaqueles que não pagam porque, nessaperspectiva, estariam utilizando­se defundos públicos para custear seus estudos.Como se não bastassem as catastróficasexperiências norte­americana e chilena,que operam com modelo análogo e quecriaram gerações de egressos endividados.

E já que o pio senador defende suainiciativa dizendo­a democrática, éimperativo afirmar que ela impõe o fim dauniversidade pública que defendemos, ouseja, gratuita e democrática,estabelecendo­se um regime plutocráticode relações. Eu explico: enquanto emtermos teórico­conceituais a democracia éa forma de governo na qual se governapara a realização do bem comum; naplutocracia persegue­se a realização dosinteresses daqueles que podem pagar.

A última iniciativa de que trataremos aquié o PL 2177/2011, que cria o CódigoNacional de Ciência, Tecnologia e

Inovação, marco legal sancionado, nostermos da Lei 13.243/2016 pelaPresidência da República no dia 11 dejaneiro de 2016. De seu conteúdo, nosinteressam as contradições que alusivasaos rumos que seriam tomados pelapesquisa científica no Brasil, ditados nãomais por agências governamentais e emnome de um projeto nacional, mas compoder notável de vocalização para asempresas privadas. A guisa de exemplo,docentes de universidades públicascontratados em regime de dedicaçãoexclusiva (DE) ao ensino, pesquisa eextensão, não seriam mais, na prática, deDE, ficando franqueada a possibilidade deexercerem atividades remuneradas depesquisa em empresas, bem como autilização das instalações, laboratórios,equipamentos e insumos das universidadespúblicas para pesquisas de interesse dasempresas. O docente, em regime de DE,segundo o novo marco, fica autorizado aexercer até 8 horas de atividades semanaisfora da universidade (concessão quepassou de 120 para 416 horas anuais). E apropriedade intelectual da pesquisa feitapor docente de universidade pública, emregime de DE, na universidade pública,passa a pertencer a quem? Às empresas,que deterão a propriedade intelectual sobreos resultados das pesquisas. E queresultados as empresas esperam? Produtos!E como os produtos chegam à sociedadeque custeou, por meio de impostos, aexistência da universidade, o salário e emmuitos casos a formação do professor, bemcomo parte dos custos da própriapesquisa? Embalados e à venda!

É essa a resposta que devemos àsociedade, que espera da universidademeios para a transformação da própriarealidade social?

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Page 15: Carta aos calouros ou bem-vindos à Pátria Educadora por Rodrigo Medina Zagni

outro projeto passa a tramitar ameaçandoagora a gratuidade na própria graduação e,pasmem, em nome da democracia! Trata­se do Projeto de Lei (PL) 782/2015, deautoria do senador Marcelo Crivella (PRB­RJ), que propõe que alunos com rendafamiliar igual ou superior a 30 saláriosmínimos (26,4 mil) paguem anuidade, combase nos custos por aluno em cada curso,em universidades públicas. Trata­se daponta da lança; basta que suaregulamentação seja feita para que arevisão do teto previsto seja uma variávellógica do avanço das forças privatistas quedefendem a medida com bocas salivantes.

No ambiente acadêmico, ambas asiniciativas parlamentares criariam, emcurto espaço de tempo, qualidadesdistintas de alunos: aqueles que pagam e,por isso, considerariam ter mais direitos; eaqueles que não pagam porque, nessaperspectiva, estariam utilizando­se defundos públicos para custear seus estudos.Como se não bastassem as catastróficasexperiências norte­americana e chilena,que operam com modelo análogo e quecriaram gerações de egressos endividados.

E já que o pio senador defende suainiciativa dizendo­a democrática, éimperativo afirmar que ela impõe o fim dauniversidade pública que defendemos, ouseja, gratuita e democrática,estabelecendo­se um regime plutocráticode relações. Eu explico: enquanto emtermos teórico­conceituais a democracia éa forma de governo na qual se governapara a realização do bem comum; naplutocracia persegue­se a realização dosinteresses daqueles que podem pagar.

A última iniciativa de que trataremos aquié o PL 2177/2011, que cria o CódigoNacional de Ciência, Tecnologia e

Inovação, marco legal sancionado, nostermos da Lei 13.243/2016 pelaPresidência da República no dia 11 dejaneiro de 2016. De seu conteúdo, nosinteressam as contradições que alusivasaos rumos que seriam tomados pelapesquisa científica no Brasil, ditados nãomais por agências governamentais e emnome de um projeto nacional, mas compoder notável de vocalização para asempresas privadas. A guisa de exemplo,docentes de universidades públicascontratados em regime de dedicaçãoexclusiva (DE) ao ensino, pesquisa eextensão, não seriam mais, na prática, deDE, ficando franqueada a possibilidade deexercerem atividades remuneradas depesquisa em empresas, bem como autilização das instalações, laboratórios,equipamentos e insumos das universidadespúblicas para pesquisas de interesse dasempresas. O docente, em regime de DE,segundo o novo marco, fica autorizado aexercer até 8 horas de atividades semanaisfora da universidade (concessão quepassou de 120 para 416 horas anuais). E apropriedade intelectual da pesquisa feitapor docente de universidade pública, emregime de DE, na universidade pública,passa a pertencer a quem? Às empresas,que deterão a propriedade intelectual sobreos resultados das pesquisas. E queresultados as empresas esperam? Produtos!E como os produtos chegam à sociedadeque custeou, por meio de impostos, aexistência da universidade, o salário e emmuitos casos a formação do professor, bemcomo parte dos custos da própriapesquisa? Embalados e à venda!

É essa a resposta que devemos àsociedade, que espera da universidademeios para a transformação da própriarealidade social?

Convertidos direitos em privilégios, parapagantes, pretende­se que isso sejacidadania?

É o que a sociedade espera de nós?

Vamos mercantilizar todas as nossaspráticas e vender aos excluídos do ensinosuperior público o que aqui se produz?

No corpo doutrinário neoliberal, oresultado que se espera, parece­nos, é quenas universidades brasileiras não seproduza mais o pensamento crítico (tantasvezes acusado de ideológico): ele não éamoedável, não pode ser embalado e postoà venda em prateleiras de supermercados.Com isso, não formaremos maisintelectuais, capazes de pensarcriticamente os rumos das sociedadeshumanas que caminham garbosamente emdireção ao abismo do aprofundamento das

desigualdades sociais, da crise econômica,dos sujos cercos políticos, da degradaçãoambiental e, o pior, caminham sempensar!

Mas caminhamos vestidos com paletós egravatas, orgulhosos de nossas formaçõese currículos, do volume de bens deconsumo e quinquilharias queconseguimos acumular no tempo vão denossas existências, ensimesmados,egocentrados, materialistas econservadores; serviremos tão somente aoDeus ex machina!

Ou melhor, não serviremos de nada!

Bem­vindos à luta!

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