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1 Caros irmãos e irmãs, a Igreja nos fez ouvir hoje uma longa passagem do Evangelho de Lucas que contém o relato de três parábolas, tradicionalmente conhecidas como “parábolas da misericórdia”. São assim chamadas, porque, de fato, elas nos introduzem no mistério do amor e da misericórdia de Deus e no coração do Cristo, pastor. Justamente por isso, a parábola da ovelha perdida, junto com a parábola da moeda perdida e a parábola do filho pródigo constituem a pérola de toda a revelação. Hoje vamos aprofundar apenas a primeira destas três parábolas, a saber, a parábola da ovelha perdida, procurada, encontrada e levada para casa. “Qual de vós, tendo cem ovelhas e perder uma, não abandona as noventa e nove”? Aqui já está indicada a primeira característica do amor do Pai com relação a nós: é um amor pessoal. Ele não ama o gênero humano; ama cada singular pessoa humana. Para Ele, cada pessoa vale em si mesma e por si mesma, tem um valor infinito. É por isso que se em um rebanho de cem ovelhas, uma só se perde, o Pai não se consola pensando que uma em cem não significa nada. O Pai nunca nos vê como parte de um todo, como número de uma série, como indivíduo de uma espécie. Cada um de nós para Ele é um tudo (o conceito de parte é contrário ao conceito de pessoa, diz Santo Tomás de Aquino); cada um de nós para Deus é único: é uma pessoa. “Amou-me”, escreve São Paulo “e se imolou por mim”. Se cada um de nós tem valor infinito, o que acontece no coração de Deus se mesmo um só se perde?

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Page 1: Caros irmãos e irmãs, a Igreja nos fez ouvir hoje uma...isso que se em um rebanho de cem ovelhas, uma só se perde, o Pai não se consola pensando que uma em cem não significa nada

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Caros irmãos e irmãs, a Igreja nos fez ouvir hoje uma longa passagem do Evangelho de Lucas que contém o relato de três parábolas, tradicionalmente conhecidas como “parábolas da misericórdia”. São assim chamadas, porque, de fato, elas nos introduzem no mistério do amor e da misericórdia de Deus e no coração do Cristo, pastor. Justamente por isso, a parábola da ovelha perdida, junto com a parábola da moeda perdida e a parábola do filho pródigo constituem a pérola de toda a revelação. Hoje vamos aprofundar apenas a primeira destas três parábolas, a saber, a parábola da ovelha perdida, procurada, encontrada e levada para casa.

“Qual de vós, tendo cem ovelhas e perder uma, não abandona as noventa e nove”? Aqui já está indicada a primeira característica do amor do Pai com relação a nós: é um amor pessoal. Ele não ama o gênero humano; ama cada singular pessoa humana. Para Ele, cada pessoa vale em si mesma e por si mesma, tem um valor infinito. É por isso que se em um rebanho de cem ovelhas, uma só se perde, o Pai não se consola pensando que uma em cem não significa nada. O Pai nunca nos vê como parte de um todo, como número de uma série, como indivíduo de uma espécie. Cada um de nós para Ele é um tudo (o conceito de parte é contrário ao conceito de pessoa, diz Santo Tomás de Aquino); cada um de nós para Deus é único: é uma pessoa. “Amou-me”, escreve São Paulo “e se imolou por mim”. Se cada um de nós tem valor infinito, o que acontece no coração de Deus se mesmo um só se perde?

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“Deixa as noventa e nove no deserto e vai à procura daquela que se perdeu, até encontra-la”. O homem se perdeu, Deus o está procurando. Neste sentido, o cristianismo não é uma religião. Na religião, em toda religião é o homem que está à procura de Deus; é uma ascensão do homem a Deus. No cristianismo, ao contrário, é Deus que está à procura do homem; é uma descida de Deus até ao homem. Tão somente por graça e misericórdia. “Foi, com efeito, quando ainda éramos pecadores que Cristo, no tempo marcado, morreu pelos ímpios...”, diz São Paulo. Aquilo que Cristo, pastor, descreve de si mesmo em forma parabólica, o apóstolo o descreve e narra na realidade. O que significa concretamente “vai à procura daquela que se perdeu, até encontrá-la? ” Significa que o Filho de Deus veio procurar-nos lá onde estávamos: fez-se partícipe da nossa própria condição humana. Novamente, São Paulo diz: “Uma vez que os filhos têm em comum a carne e sangue, por isso também ele participou da mesma condição... Pois não veio ele se ocupar dos anjos, mas, sim, com a descendência de Abraão. Convinha, por isso, que em tudo se tornasse semelhante aos irmãos”. Dar-se ao trabalho, vir procurar, ir atrás da que se perdeu, percorrer o caminho de volta significa chegar até a morte, porque este é o lugar definitivo aonde chega o homem que deixou sua casa.

“E achando-a, alegre a coloca sobre os ombros e volta para casa”. É esta a revolução radical da condição da pessoa. O Filho compartilha a nossa morte para levar-nos para casa: para a vida eterna. Ele morre com cada um de

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nós; vem procurar-nos e encontrar-nos na nossa morte, para tornar-nos partícipes da Vida incorruptível da qual nos afastamos. Ele se inclina até nós para levantar-nos até Ele. Ele compartilha a nossa morte, para que cada um de nós possa compartilhar a sua vida. “Alegremo-nos”, escreve Santo Ambrósio “porque aquela pessoa, que em Adão foi perdida, em cristo é alçada nas alturas. Os ombros de Cristo são os braços da Cruz, lá onde depus os meus pecados, no alto daquele nobre patíbulo encontrei repouso”.

Lá depus os meus pecados, encontrei repouso: disse o grande bispo de Milão. E de fato o apóstolo nos ensina: “Se.… quando erámos pecadores...”

“Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida! ” Cada um de nós pertence ao Pai de uma maneira única: a minha ovelha. É esta pertença que não deixa indiferente o Pai a propósito do nosso destino. Nós lhe pertencemos não somente como uma criatura ao Criador, um servo ao seu patrão, mas como um filho ao Pai, o amigo ao amigo, a esposa ao esposo. Encontrou alguém com o qual tinha constituído uma relação de paternidade, de amizade, de amor. Eis, caros irmãos e irmãs, o coração do Cristo Pastor, o lugar onde o amor do pai pelo homem pulsa e se manifesta. AMÉM.