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Carlos Sangreman (coord.) O CLUSTER COMO INSTRUMENTO TEÓRICO E PRÁTICO DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO PORTUGUESA O CASO DE MOÇAMBIQUE, TIMOR-LESTE, SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE E ANGOLA textos de Ana Bénard da Costa | Carlos M. Lopes | Carlos Sangreman Daniela Fialho | Fernando Carvalho | Gerhard Seibert | João Carvalho João Monteiro | Raquel Faria | Sandra Silva edição CEsA-ISEG/ULisboa e CEI-ISCTE/IUL

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Page 1: Carlos Sangreman (coord.) · 2018-04-30 · (ISCTE-IUL), 2008-2014. Atualmente é professor adjunto da Universida-de da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB),

Carlos Sangreman(coord.)

O Cluster cOmO InstrumentO teórIcO e PrátIcO da cOOPeraçãO InternacIOnal

Para O desenvOlvImentO POrtuguesa

O casO de mOçambIque, tImOr-leste,sãO tOmé e PríncIPe e angOla

textos deAna Bénard da Costa | Carlos M. Lopes | Carlos Sangreman

Daniela Fialho | Fernando Carvalho | Gerhard Seibert | João Carvalho João Monteiro | Raquel Faria | Sandra Silva

ediçãoCEsA-ISEG/ULisboa e CEI-ISCTE/IUL

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional

para o Desenvolvimento portuguesa

- o caso de Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola –

Um projecto

Financiamento Apoio

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Carlos Sangreman

(coord.)

O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional

para o Desenvolvimento portuguesa

- o caso de Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola –

textos de

Ana Bénard da Costa | Carlos M. Lopes | Carlos Sangreman Daniela Fialho | Fernando Carvalho | Gerhard Seibert |

João Carvalho | João Monteiro | Raquel Faria | Sandra Silva

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa - o caso de Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola / coord. Carlos Sangreman

ISBN: 978-989-96473

Título: O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa - o caso de Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola

Coordenador: Carlos Sangreman

Autores: Ana Bénard da Costa, Carlos M. Lopes, Carlos Sangreman, Daniela Fialho, Fernando Carvalho, Gerhard Seibert, João Carvalho, João Monteiro, Pedro Fraga, Raquel Faria, Sandra Silva

Fotografia da capa: Carlos Sangreman, Cidade de Macuti, Ilha de Moçam-bique, Moçambique, Junho de 2013

Edição: Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina, Institu-to Superior de Economia e Gestão, Universidade de Lisboa (ex-Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento) e Centro de Estudos Interna-cionais, Instituto Universitário de Lisboa (ex-Centro de Estudos Africanos, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa)

Organização e execução da edição: Ana Bénard da Costa e Centro de Es-tudos sobre África, Ásia e América Latina, Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade de Lisboa

Criação gráfica: Ana Filipa Oliveira

Depósito legal n.º

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Em memória dos amigos que entre este ano e o anterior nos deixaram:Elísio Rodrigues, de Cabo Verde

Manuel Barcelos (Manecas), da Guiné-Bissau a trabalhar em AngolaCarlos Schwartz (Pepito), da Guiné-Bissau

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AUTORES

Ana Bénard da Costa, natural de Lisboa; Licenciada em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; Doutorada em Estudos Africanos Interdisciplinares em Ciências Sociais, 2003 e investigadora no Instituto Universitário de Lisboa (ISC-TE-IUL), Centro de Estudos Internacionais. Actualmente desenvolve investigações sobre processos de mudança social e cultural em famílias moçambicanas; migrações qualificadas e formação avançada de recursos humanos, cooperação internacional, dinâmicas de desenvolvimento urba-no e economia informal. Paralelamente à investigação académica desen-volve desde 1995 actividades profissionais na área da Cooperação para o Desenvolvimento como consultora, formadora, técnica e avaliadora, concebendo, acompanhando e avaliando projectos em diversas áreas na Guiné-Bissau e em Moçambique. É autora do livro O Preço da Sombra: sobrevivência e reprodução social entre famílias de Maputo (Lisboa: Livros Ho-rizonte, 2007), co-organizadora dos livros Pobreza e Paz nos PALOP (Lis-boa: Sextante Editora 2009, com Cristina Rodrigues); Formação superior e desenvolvimento. Estudantes universitários africanos em Portugal, Lisboa: Al-medina, 2012, com Margarida Lima de Faria); e autora de vários artigos em revistas científicas e capítulos de livros em obras colectivas.

Carlos M. Lopes, natural do Huambo – Angola, Licenciado em Econo-mia, pelo Instituto Superior de Economia (atual ISEG),1982; Licencia-do em Relações Públicas e Publicidade, pelo Instituto Superior de No-vas Profissões,1994; Mestre em Desenvolvimento Económico e Social em África, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa (ISCTE),1998; Doutorado em Estudos Africanos Interdisciplinares, pelo ISCTE, 2008; Investigador membro do Centro de Estudos sobre Áfri-ca, Ásia e América Latina/ISEG/Universidade de Lisboa; atual professor

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

convidado no mestrado em Estudos Africanos do ISCTE e na Licenciatu-ra em Desenvolvimento Comunitário do Instituto Superior de Psicologia Aplicada; Bolseiro pós – doutoramento pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2013; Consultor internacional; Autor e coautor de artigos, livros e capítulos de livros como “A diáspora portuguesa em Angola, um perfil 2002-2012”, Fundação Portugal-África, 2014, com Carlos Sangreman e Maria Galito; “Candongueiros & Kupapatas: acumulação, risco e sobrevivên-cia na economia informal em Angola”, Princípia Editora, 2011; “A diáspora angolana em Portugal: caminhos de retorno”, Princípia Editora, 2008, com Eduardo Sousa Ferreira e Maria João Mortágua; “Roque Santeiro: entre a ficção e a realidade”, 2007, Ed. Principia; “Urbanização acelerada em Luanda e Maputo: impacto da guerra e das transformações socioeconómicas”, 2007, com Jochen Oppenheimer, Isabel Raposo e outros.

Carlos Sangreman, natural de Lisboa, licenciado em Economia pelo Ins-tituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (atual ISEG), 1979; Doutorado em Estudos Africanos pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa (ISCTE), 2003, e atual professor auxiliar na Universi-dade de Aveiro desde 2004; Consultor internacional, 1985-presente, PNUD, Banco Mundial, União Europeia, OIM, Observatório ACP para as Migra-ções Sul-Sul, governos de Portugal, Suécia, Guiné-Bissau e Cabo Verde e ONGD como a Liga dos Direitos Humanos e a Associação para o Desen-volvimento da Guiné – Bissau e a ACEP de Portugal; investigador e vice diretor do Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina; Investi-gador, autor e coautor de livros, working papers e artigos sobre cooperação internacional e migrações, como “A diáspora portuguesa em Angola, um perfil 2002-2012”, Fundação Portugal-África (FPA), 2014, com Carlos M. Lopes e Maria Galito; “Assessment of development potential of the guinea-bissau diás-pora in Portugal and France”, OIM Lisboa, coordenador e autor com João Estevão, Maria Carreiro, Alexandre Abreu e Fernando Sousa Jr.,2012; “Ar-quitectos de um espaço transnacional lusófono- a diáspora guineense em Portugal”, FPA, coordenador, sendo autora a Maria Carreiro, 2011; “A cooperação des-centralizada: os atores não estatais na dinâmica de mudança em países africanos – o caso da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, 2000-2004”, coordenador e autor com Eduardo Sarmento, Fátima Proença, Antonia Barreto, Tânia Santos, Her-mínia Ribeiro e Raquel Faria, 2009, CEsA e ACEP, Fundação para a Ciên-cia e Tecnologia; Responsável por projetos como “Memória de África e do Oriente” (FPA) e “Dicionário da cooperação”, CESA; Coordenador geral da cooperação para o desenvolvimento da Universidade de Aveiro 2004-2014.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Daniela Fialho, natural de Alcobaça, licenciada em Línguas e Relações Internacionais na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, mestre em Desenvolvimento e Cooperação no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa com uma dissertação sobre o cluster de Timor-Leste, colaboradora na Amnistia Internacional Portugal, investi-gadora auxiliar neste projeto.

Fernando Carvalho, natural de Trás-os-Montes, licenciado em Econo-mia, é actualmente Conselheiro Económico e Comercial na Embaixada de Portugal em Maputo e director do Centro de Negócios da AICEP em Maputo, foi Conselheiro para a Cooperação na mesma Embaixada, foi di-rector de Planeamento e Programação no IPAD, assessor no gabinete do Secretário de Estado João G. Cravinho, chefe do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Planeamento, técnico da Comissão de Coordenação da Região do Norte, foi o primeiro responsável pela dinami-zação do cluster da Ilha de Moçambique.

Gerhard Seibert, Licenciado em Antropologia Cultural pela Universida-de de Utrecht, Holanda, 1991. Doutorado em Ciências Sociais pela Uni-versidade de Leiden, Holanda (1999). Foi consecutivamente investigador do Instituto de Investigação Científica Tropical, em Lisboa (1999-2008) e do ex-Centro de Estudos Africanos do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), 2008-2014. Atualmente é professor adjunto da Universida-de da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Brasil. Tem desenvolvido projetos de investigação em Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe e sobre as relações Brasil-África. É autor do livro Camaradas, Clientes e Compadres. Colonialismo, Socialismo e Democrati-zação em São Tomé e Príncipe (Lisboa: Vega, 2001).

João Carvalho, natural de Lisboa; Licenciatura em Psicologia pela Uni-versidade de Coimbra, Master em Responsabilidade Social Corporativa e Contabilidade e Auditoria Social pela Universidade de Barcelona e Mes-trado Executivo em Gestão de Empresas do INDEG-ISCTE. Entre Julho de 2008 e Dezembro de 2013 desempenhou a função de Coordenador geral Executivo do Programa Mós Bele – Cluster da Cooperação Portuguesa em Timor-Leste, tendo com responsabilidades a concepção, implementação,

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

desenvolvimento e gestão integrada do Programa Mós Bele. Consultor neste projeto de investigação.

Sandra Silva, licenciada em administração pública e mestre em ciência política pela Universidade de Aveiro e doutoranda em Estudos em Desen-volvimento com o tema de tese sobre o Impacto das Políticas de Coopera-ção na Guiné-Bissau. Bolseira de investigação no Projeto de Investigação “Patronagem Política em Portugal” financiado pela FCT na Secção Autó-noma das Ciências Sociais, Jurídicas e Políticas Universidade de Aveiro, bolseira e investigadora neste projeto, Portugal. Atualmente gestora de avaliação e impacto na FEC na Guiné-Bissau.

João Paulo Monteiro nasceu em Oeiras em 1976. Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada, iniciou em 2001 a dedicação à Ajuda Humanitária e à Cooperação para o Desenvolvimento. Acumulou experiência no terreno, com passagem em Angola, Moçambique e Guiné--Bissau, tendo sido particularmente marcantes os quatro anos na Indoné-sia, concretamente em Banda Aceh, como coordenador da ONGD Oikos, em resposta ao tsunami de 26 de Dezembro de 2004. Desde 2010, é coor-denador de projectos na ONGD Portuguesa Instituto Marquês de Valle Flôr, acompanhando os projectos implementados pela sua organização em Angola e na Guiné-Bissau, nomeadamente nas seguintes áreas: sobera-nia alimentar e desenvolvimento rural, turismo socialmente responsável, fortalecimento institucional dos actores locais e boa governação, geração de rendimentos, gestão de recursos naturais e biodiversidade, água e sa-neamento, entre outros. Tem igualmente apoiado a elaboração de diversas publicações, nomeadamente, estudos de caso e manuais nas temáticas em que habitualmente trabalha.

Pedro Fraga, natural de Aveiro, licenciado em Serviço Social no Institu-to Superior de Serviço Social de Coimbra e frequência do Mestrado em Sociologia na Universidade de Coimbra foi diretor do Centro Nacional de Emprego e Formação Profissional em Timor-Leste e foi até Dezembro de 2014, coordenador do Cluster da Cooperação Portuguesa na Ilha de Moçam-bique e consultor neste projeto de investigação, deu um precioso apoio ao trabalho de terreno feito na Ilha de Moçambique e ao debate consequente.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Raquel Faria, natural de São João da Madeira, licenciada em Adminis-tração Pública (menor em Ciência Política) pela Universidade de Aveiro; mestre em Ciência Política; Doutorada em Altos Estudos em História – Época Contemporânea pela Universidade de Coimbra, 2014; Investiga-dora auxiliar no Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina (CEsA), nomeadamente nos seguintes projetos: Memórias de África e do Oriente (desde 2009), O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento Portuguesa: o caso de Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola (2012-2014), Alfabeto do Desenvolvimento (2011-2012) e Fórum da Coope-ração para o Desenvolvimento (2008-2011).Tem artigos publicados e comunicações apresentadas na área da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, em geral, e da Cooperação Portuguesa, particular-mente no domínio da educação, da Cooperação intermunicipal, multi-lateral e descentralizada, dos valores dos atores da Cooperação e dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio.

Participaram também em momentos diferentes:

Ahmed Zaky, licenciado em Medicina e mestre em Medicina Tropical e Saúde Pública pela Universidade Ain Shams no Cairo, médico no hos-pital Fernando Fonseca em Lisboa e diretor da ONGD Fundação Insti-tuto Marquês Valle Flôr (IMVF), participou em debates na conceção do projeto e apoiou a organização do trabalho de terreno em Angola e São Tomé e Príncipe.

Artur Lamy, licenciado em Organização e Gestão de Empresas pela Uni-versidade Católica Portuguesa, membro da direção do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento e atual diretor geral no Ministério da Eco-nomia, participou em debates na conceção do projeto e apoiou a investiga-ção em Moçambique.

Deolinda Martins, licenciada em Administração Pública e mestre em Administração e Gestão Pública pela Universidade de Aveiro, atualmen-te técnica superior na empresa Mota-Engil África em Luanda, elaborou as compilações da Cooperação Internacional nos diferentes países.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Gonçalo Marques, licenciado em Relações Internacionais pela Universi-dade Lusíada de Lisboa; gestor de projetos para Angola e Moçambique no IMVF, atual vice presidente do Camões-ICL, foi consultor no projeto até ser nomeado assessor no Gabinete do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, tendo sempre apoiado esta investigação.

Jessica Santos, licenciada em Relações internacionais pela Universidade de Coimbra e mestre em Desenvolvimento e Cooperação pelo ISEG/Uni-versidade de Lisboa, atualmente técnica permanente no CESA; fez tra-balho importantíssimo de gestão financeira e de relação com a Fundação para a Ciência e Tecnologia durante todo o projeto.

Teresa Coelho, licenciada em Economia e mestre em Desenvolvimento e Cooperação, doutoranda com um tema sobre a segurança social em Ti-mor-Leste, no ISEG, assessora do Ministro da Educação e atualmente do Ministro da Solidariedade e Segurança Social em Timor-Leste, integrou a equipa inicial do projeto como investigadora.

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ÍNDICE

Agradecimentos .................................................................................................. 17

Siglas e acrónimos .............................................................................................. 18

Resumo .................................................................................................................. 23

INTRODUçãO ................................................................................................. 25por Ana Bénard e Carlos Sangreman

PARTE I – A TEORIA DOS clustersDA COOPERAçãO PORTUGUESA

Os clusters da Cooperação e a reforma da Administração Pública ........... 29por Carlos Sangreman e Fernando Carvalho

Uma leitura síntese da Cooperação Portuguesa ........................................... 65por Carlos Sangreman e Raquel Faria

Inovação na Cooperação Portuguesa:os cluster como um novo instrumento ........................................................... 141por Sandra Silva

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

PARTE I I – A PRáTICA DE clusterNA COOPERAçãO PORTUGUESA

Coerências e contradições nas teorias, nos instrumentos, nas práticas e nos actores da Cooperação para o Desenvolvimento: o caso da Ilha de Mo-çambique ........................................................................................................... 163 por Ana Bénard da Costa e Pedro Fraga

O modelo de Cooperação do Instituto Marquês Valle Flôr no município da Ecunha, Província do Huambo: cluster ou programa integrado de coopera-ção? ...................................................................................................................... 195por Carlos M. Lopes com a colaboração de João Monteiro

O Cluster da Cooperação Portuguesa em Maubara, Timor-Leste ........... 221por Carlos Sangreman e João Carvalho com a colaboração de Daniela Subtil

A Cooperação Portuguesa num pequeno país dependente das ajudas inter-nacionais: o caso de São Tomé e Príncipe ................................................... 255por Gehard Seibert

CONCLUSõES ................................................................................................ 279por toda a equipa

ANEXOS

Anexo I - Listagem dos Secretários de Estado que tutelaram a Cooperação e dos dirigentes dos organismos coordenadores, 1974-2014 ................. 288

Anexo II - Listagem dos quadros de D.R. com subsídios concedidos pelo or-ganismo central de coordenação da cooperação portuguesa, 1997-2013 .... 291

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AGRADECIMENTOS

A equipa de investigação tem antes de mais uma palavra de agradecimento a todos aqueles que se disponibilizaram a dar parte do seu tempo para conversarem connosco em Moçambique, Angola, Timor-Leste e São Tomé e Príncipe. Quere-mos manifestar o nosso reconhecimento ao apoio prestado pelo Camões, Instituo da Cooperação e da Língua, desde as pessoas das suas duas direções em funções no período do projeto, até aos vários técnicos, uns ainda em funções outros a trabalhar noutros organismos ou já tendo passado à reforma. Todos debateram abertamente connosco o tema numa atitude de colaboração ativa que muito nos apraz registar. Por último, queremos lembrar que a ideia inicial do projeto foi apresentada ao CEsA pelo Dr. Kaloyan N. Kenov, que efectuou também a maior parte da tradução do texto de candidatura.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Siglas e acrónimos

ABC – Agência Brasileira de Cooperação

ACD – Agenda da Cooperação para o Desenvolvimento

ACEP – Associação para a Cooperação entre Povos

ADRA – Associação Adventista para o Desenvolvimento, Recuros e As-sistência

AMI – Assistência Médica Internacional

ANMP – Associação Nacional de Municipios Portugueses

APAD – Associação Portuguesa de Apoio ao Desenvolvimento

APL – Arranjo Produtivo Local

ATA- Associação Tropical Agrária

BAD – Banco Africano de Desenvolvimento

BIT/OIT – Bureau International du Travail / Organização Internacional do Trabalho

BSC - Balance Scorecard

CAD/OCDE – Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE

CAMÕES, ICL – Camões, Instituto da Cooperação e da Língua

CEI-IUL – Centro de Estudos Internacionais-Instituto Universitário de Lisboa

CEsA – Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina

CIC – Comissão Interministerial de Cooperação

CID – Cooperação Internacional para o Desenvolvimento

CIDAC – Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral

CIM – Conselho da Ilha de Moçambique

CP – Cooperação Portuguesa

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

CPLP – Comunidade dos países de língua portuguesa

DFID – Department for International Development

DR- Diário da República

ED – Educação para o Desenvolvimento

ENRP – Estratégia Nacional de Redução de Pobreza

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations

FCD – Forúm da Cooperação para o Desenvolvimento

FCE – Fundo para a Cooperação Económica

FCG – Fundação Calouste Gulbenkian

FCT . Fundação para a Ciência e a Tecnologia

FEC – Fundação Fé e Cooperação

FEDP – Fundação EDP

FLAD – Fundação Luso Americana de Desenvolvimento

FONG- Federação das Organizações Não-Governamentais de São Tomé e Príncipe

FPA – Fundação Portugal África

GACIM – Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique

GAERI – Gabinete dos Assuntos Europeus e Relações Internacionais

GC – Gabinete de Cooperação do MTSS

HIPC – Heavily Indebt Poor Countries

IDF – Instituto Diocesano de Formação João Paulo II

IMVF – Instituto Marquês Valle Flôr

INA – Instituto Nacional de Administração

INDE – Intercooperação e Desenvolvimento

IPAD – Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão

JDZ- Zona de Desenvolvimento Conjunta

MD – Ministério da Defesa Nacional

MF – Ministério das Finanças

MJ – Ministério da Justiça

MNE – Ministério dos Negócios Estrangeiros

MTSS- Ministério do Trabalho e Solidariedade Social

NEPAD Nova Parceria para o Desenvolvimento de África

ODM – Objectivos do Milénio

OIKOS – OIKOS Cooperação e Desenvolvimento

ONGD – Organização não governamental de desenvolvimento

PADRTL – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural em Timor-Leste

PASEG – Programa de Apoio ao Sistema de Ensino da Guiné Bissau

PDIM – Programa de Desenvolvimento da Ilha de Moçambique

PDRN – Programa de Desenvolvimento dos Recursos Naturais

PDSA- Projeto de Decentralizado de Segurança Alimentar

PGDL- Promoção da Governação Democrática Local

PGSRN - Projecto de Gestão Sustentável dos Recursos Naturais Florestais

PIC – Programa Integrado de Cooperação

PNSL – Programa Nacional de Luta contra o SIDA

POCI – Programa Orçamental de Contabilidade

PRSCC – Projecto de Reforço do Sector da Comercialização da Coopecunha

QUAR – Quadro de Avaliação e Responsabilização

RESCSAN - Rede da Sociedade Civil para a Segurança Alimentar e Nu-tricional

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

RSPC - Relançamento Sustentável da Produção e Comercialização

SENEC – Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação

SGC – Sistema Geral de Cooperação Portuguesa

SOFID – Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento

SSM – Soft System Methodology

TESE – Associação para o Desenvolvimento

UCCLA – União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa

UNIDO – United Nations Industrial Development Organization

USAID – United States Agency for International Development

VIDA – Voluntariado Internacional para o Desenvolvimento Africano

ZEE – Zona Económica Exclusiva

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RESUMO

Partindo de um objetivo central que procurou confirmar ou infirmar se o conceito e a prática de cluster da cooperação para o desenvolvimento constituíam uma resposta eficaz às questões colocadas pelo debate sobre eficácia da ajuda, um conjunto de investigadores apoiados por consultores, realizaram pesquisas em diferentes contextos onde o cluster foi implemen-tado ou que apresentavam, à partida, condições para a sua futura imple-mentação.

Assim, Carlos Sangreman com o apoio de João Carvalho (coordena-dor do Cluster de Maubara) realizou pesquisas na região de Maubara, em Timor-Leste; Carlos M. Lopes com o apoio de João Monteiro do Instituto Marquês Valle Flôr (IMVF), estudou a Cooperação portuguesa desen-volvida na Província do Huambo em Angola; Carlos Sangreman e Ana Bénard da Costa, com o apoio do coordenador do Cluster da Ilha de Mo-çambique, Pedro Fraga, realizaram uma pesquisa centrada nessa região de Moçambique; e Gerhard Seibert foi o investigador principal de uma equipa que incluiu a Sandra Silva e a Ana Bénard da Costa e o apoio de vários técnicos do IMVF que se debruçou sobre esta temática em São Tomé e Principie.

O enquadramento teórico desta investigação foi feito procurando uma metodologia de leitura de síntese da Cooperação portuguesa – a Soft Sys-tem Methodology criada por Peter Checkland -; tal pesquisa apoiou a tese de doutoramento de Raquel Faria na Universidade de Coimbra, concluí-da em finais de Setembro, está a apoiar a tese de doutoramento em fase inicial de Fernando Sousa Jr no Instituto Superior de Ciências Sociais e

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Políticas, e incluiu a promoção dum estudo inédito sobre os valores dos atores da Cooperação Portuguesa.

Os resultados destas investigações agora apresentados, constituem uma reflexão profunda sobre as dinâmicas de Cooperação em contextos que, embora sejam muito diversificados entre si, partilham alguns elemen-tos comuns, nomeadamente a interação com a evolução de todos os outros espaços sociais, a multidisciplinaridade, a complexidade, e a intervenção de múltiplos e variados atores com diferentes modos de teorizar e prati-car a sua ação. Igualmente todos estes atores, independentemente do seu contexto de atuação, enfrentam o mesmo tipo de desafio: a necessidade de encontrar parceiros e metodologias de ação que assegurem uma eficácia real para fazer chegar aos destinatários os recursos suficientes para um processo de desenvolvimento sustentável.

Especificamente os resultados apontam para a potencialidade do cluster ser um instrumento decisivo da eficácia da ajuda ao desenvolvimento com efeitos nos países onde se desenvolve, mas igualmente na estrutura insti-tucional da cooperação dos países que o promovem, e nas metodologias de ação da Cooperação de uma forma mais geral.

Palavras-chave: clusters, Cooperação Portuguesa, soft system methodo-logy, Huambo-Angola, Ilha de Moçambique, Maubara-Timor-Leste, São Tomé e Príncipe.

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INTRODUçãO

O presente livro constitui um dos resultados do projeto de investi-gação intitulado: “O cluster como instrumento teórico e prático da Coo-peração Internacional para o Desenvolvimento portuguesa: o caso de Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola (PTDC/AFR/11168/2009)”, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecno-logia, na área de Estudos Africanos1.

O livro presta contas da investigação realizada no âmbito do referido projeto e que, em termos de estudos de caso, incidiu sobre a Ilha de Mo-çambique, Maubara em Timor-Leste, Ecunha no Huambo, Angola, e São Tomé e Príncipe.

Ao conjunto de reflexões que incidem sobre projetos/programas de cooperação que se relacionam com o instrumento Cluster em que o projeto de investigação se centrou, este livro inclui ainda uma análise realizada em 20062, debatida em conferências3 e no âmbito de investigações acadé-micas4, que constituiu a primeira tentativa de criar conhecimento mais aprofundado sobre esse instrumento da Cooperação Portuguesa que é o

1 Que foi entretanto extinta pela mesma entidade numa clara manifestação de alheamento da identidade histórica portuguesa na investigação em ciências sociais

2 “O instrumento de transformação da cooperação portuguesa: os clusters, o que são e como se podem operacionalizar de acordo com a política de reforma administrativa”, Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento do ISEG, Nº 73, Lisboa, 2007

3 Comunicação na Conferência do Instituto Nacional de Administração “Conhecimento e Cooperação” com o tema “A construção de conhecimento na Cooperação – os clusters como instrumento de Reforma” em coautoria com Fernando Carvalho, Dezembro, 2006,

4 Sousa, F S C P (2011), Cluster da Cooperação Portuguesa em Timor-Leste: eficácia do conceito e da prática, Tese de mestrado, ISEG/UTL.

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cluster da cooperação5. Esta análise contextualiza teoricamente as reflexões que são apresentadas nos restantes capítulos do livro e que se orientaram por duas linhas de investigação distintas.

A primeira linha inicia-se com a análise desenvolvida no segundo capí-tulo do presente livro e que reflete uma tentativa de aplicação de uma me-todologia teórica na leitura de síntese da Cooperação portuguesa e na aná-lise de situações problemáticas, a partir dos trabalhos de Peter Checkland sobre aquilo que se designa por Soft System Methodology considerando que sem essa leitura a Cooperação Portuguesa apenas elabora análises des-critivas e não analíticas daquilo que realiza. Tal ocorreu nas duas obras centrais emanadas do órgão de coordenação da Cooperação em 1995 e 20106. Esta incapacidade analítica expressa-se na dificuldade de definir as políticas públicas de Cooperação. Lembramos que o primeiro documento estratégico de orientação das políticas de Cooperação Portuguesa surge apenas em 1999 e que esse mesmo documento foi atualizado em 2005 e em 2014 com alguns aspetos inovadores e outros de continuação. A mes-ma incapacidade analítica surge refletida na decisão de fundir o Instituto Camões e o IPAD, no Camões ICL, em 2011, com justificações meramente economicistas de poupar na despesa pública.

Ainda nessa parte teórica, o terceiro capítulo dá conta dos resultados de entrevistas onde se abordaram aspetos relacionados com a inovação que este novo instrumento pode trazer à Cooperação Portuguesa. As en-trevistas foram realizadas a atores portugueses, angolanos e moçambica-nos intervenientes na área da cooperação.

Uma segunda linha de investigação desenvolvida neste projecto foi a análise concreta dos programas e projectos que a Cooperação Portuguesa designa por cluster da cooperação em Moçambique e em Timor-Leste e daque-les que o seu promotor principal, o Instituto Marquês Valle Flôr (IMVF), defende serem clusters embora o IPAD e Camões não os reconheçam como tal. Estes projetos decorrem em Angola e em São Tomé e Príncipe.

Assim, no Capítulo IV, baseado em pesquisas realizadas na Ilha de Mo-çambique, reflecte-se sobre as coerências e as contradições que se geram em torno das teorias, dos instrumentos, das práticas e dos actores que se cruzam nos processos de cooperação para o desenvolvimento na Ilha de

5 Este conceito foi apresentado em 2005 pelo Secretário de Estado à época, João Gomes Cravinho e aprovado em Conselho de Ministros.

6 Em 2005 o Secretário de Estado da Cooperação era o Dr. Briosa e Gala e em 2010 o Professor João Gomes Cravinho.

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Moçambique, Património Mundial da Humanidade. Após um breve en-quadramento da história da Ilha e da sua evolução demográfica, anali-sam-se os processos de implementação do Cluster da Ilha de Moçambique questionando aplicabilidade deste instrumento ao campo da cooperação para o desenvolvimento que aí decorre

No Capítulo V, e a partir de pesquisas que decorreram sobre a inter-venção do Instituto Marquês Valle Flôr (IMVF), uma ONGD portugue-sa, no município da Ecunha, Província do Huambo, Angola, procurou-se equacionar a aderência do modelo referencial dos clusters à análise de acti-vidades e processos diferenciados e complexos, como aqueles que caracte-rizam os contextos de Cooperação.

No Capítulo VI, o enfoque principal é a inovação na organização e gestão do Cluster da Cooperação Portuguesa em Maubara, distrito de Liquiça, Ti-mor-Leste. Este Cluster introduziu uma lógica de criação de valor partilha-do sustentável, através da integração dos diferentes programas/projetos de desenvolvimento, executados pelos distintos atores, num espaço geográfico definido e em que os objetivos e resultados são sistematizados, partilhados e correlacionados. Procurou-se expressamente perceber se a sua evolução tem sido coerente com os critérios de harmonização, alinhamento e coerên-cia incluídos nas boas práticas da cooperação internacional.

No Capítulo VII sobre São Tomé e Príncipe a investigação procurou verificar se a recusa da Cooperação Portuguesa em aplicar o conceito do Cluster como instrumento de cooperação nos projetos e programas que decorrem nesse país na área da saúde, teve ou não alguma consequência na eficácia dos mesmos, analisando como as ações e projetos de Portugal são orientados e conduzidos sem nenhum instrumento de coordenação estabelecida.

Temos assim um livro estruturado em capítulos com uma parte teórica e uma parte mais prática com a análise de cada programa por país. As con-clusões procuram elaborar uma análise de relacionamento de todos os capí-tulos reportando-se aos objetivos iniciais da investigação onde se procurava:

“Confirmar ou infirmar que o conceito e a prática de clusters da coo-peração para o desenvolvimento, (Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola), é uma resposta eficaz à questão, hoje consensual na comunidade internacional, de como tornar melhores a coerência, a harmo-nização e o alinhamento colocada em conferências internacionais como a de Paris sobre a eficácia da ajuda ao desenvolvimento”

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OS clusters DA COOPERAçãO E A REFORMA DA ADMINISTRAçãO PúBLICA

Carlos Sangreman Fernando Carvalho

Nota Prévia

Este texto foi escrito em 2007 – por isso surge frequentemente o ter-mo IPAD (Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento)1 – e foi um dos primeiros passos na investigação de aprofundamento do conceito de clusters da Cooperação Portuguesa surgido na estratégia de 2005 (IPAD, 2005), deu origem a uma comunicação na Conferência “Conhecimento e Cooperação”, INA, 2006, serviu de base a um artigo publicado na revis-ta do IPAD, a uma tese de mestrado no Instituto Superior de Economia (ISEG); teve o contributo de muitas pessoas da “comunidade da Coopera-ção” que comentaram, criticaram e sugeriram alterações, demonstrando a actualidade do tema e a necessidade de debate sobre este assunto. Consi-derando que contribui para uma perspectiva temporal da investigação no tema do presente livro, decidimos inclui-lo nesta obra sobre os clusters da Cooperação Portuguesa.

A análise da Cooperação Portuguesa anexa a este primeiro capítulo é da responsabilidade exclusiva do primeiro autor. A sua existência é tam-bém tributária da investigação desenvolvida no âmbito do projecto “A coo-peração descentralizada: os actores não estatais na dinâmica de mudança

1 O IPAD fundiu-se com o Instituto Camões, formando atualmente o Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I. P. (Nota de Julho 2014).

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em países africanos – o caso da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, 2000-2004” com financiamento do programa POCI 2010 da União Europeia e da Fun-dação para a Ciência e a Tecnologia.

Resumo2

O objectivo deste capítulo é ser uma contribuição para o conhecimento na teoria e na operacionalização prática do novo instrumento da Coopera-ção Portuguesa para o Desenvolvimento – os clusters da Cooperação – no que respeita aos países beneficiários da ajuda internacional e também no efeito que a sua criação e implementação pode ter na reforma das ins-tituições públicas e privadas da cooperação em Portugal, sobretudo no Instituto de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) naquilo que chamamos o “efeito boomerang”.

Quanto à dimensão teórica, defendemos que só a ligação desse conceito ao de benchmarking, tal como é entendido no processo de reforma da Ad-ministração Pública em curso, permitirá torná-lo uma medida de política real – por oposição a medidas virtuais anunciadas e nunca operacionaliza-das – e com um contributo inovador na reforma das instituições públicas e dos actores não estatais que constituem os intervenientes no campo da Cooperação Portuguesa (CP), enquadrada no actual consenso internacio-nal sobre a área e na política de reforma da Administração Pública.

Quanto à operacionalização prática defendemos uma implementação, perfeitamente exequível e não utópica, que passa por um modelo flexível de operacionalização com o qual se possam desenvolver os programas de cooperação adequados às prioridades existentes em cada país, utilizando a metodologia de parceria e avaliação de resultados que sejam da maior qualidade e o mais participativas possível em todas as fases de identifi-cação, concepção, implementação e avaliação, tendo sempre em conta as opções políticas portuguesa e dos países parceiros, bem como a coerência, consistência e capacidade institucional de ambos.

Procuraram-se experiências de outros países financiadores da Coope-ração, bem como referir o cluster cuja concepção está mais avançada neste

2 Este capítulo foi escrito antes da entrada em vigor do último Acordo Ortográfico e, como tal, este não é aplicado.

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momento em Portugal – a Ilha de Moçambique –, e apresentar propostas para a operacionalização dos clusters que possam constituir padrão daquilo que Portugal pode propor aos países com os quais tem cooperação. Es-sas propostas estendem-se igualmente àquilo que pensamos poder ser a transformação nas instituições portuguesas do “campo” à luz das ideias aqui expressas.

O CONCEITO DE clusters DA COOPERAçãO3

Os clusters surgem na Cooperação Portuguesa pela Resolução do Con-selho de Ministros de Dezembro de 2005 (Governo de Portugal, 2005), onde são definidos como:

um conjunto de projectos, executados por diferentes instituições (indi-vidualmente ou associadas a instituições do país parceiro), numa mesma área geográfica e com um enquadramento comum (...) Em princípio, um “cluster de cooperação” deverá ter como elemento central uma interven-ção estratégica e substancial financiada através do IPAD, que funcionará também como instituição mobilizadora e coordenadora do “cluster”. Em torno deste projecto estratégico desenvolvem-se outros projectos, menores em escala e mais focalizados, que complementam o projecto central e for-necem uma abordagem integrada (IPAD, 2005, p. 51).

As definições existentes do conceito têm sido elaboradas sobretudo para a economia, embora o mesmo tenha vindo a ser utilizado com adap-tações noutras áreas. Segundo diferentes obras de Michael Porter, trata-se de concentrações geográficas de empresas interligadas, fornecedores es-pecializados, provedores de serviços, unidades empresariais de actividades afins e as instituições que lhes estão associadas – universidades, agências públicas de certificação e standards, associações empresariais – em áreas específicas que competem e cooperam entre si. Para a OCDE a definição é de uma rede de produção de empresas fortemente interdependentes – incluindo fornecedores especializados – ligadas entre si numa cadeia de

3 Os acrónimos aqui utilizados estão de acordo com o documento “Acrónimos utilizados na Cooperação para o Desenvolvimento”, on-line no site www.camões.mne.pt, excepto Coo-peração Internacional para o Desenvolvimento (CID), que não consta daquele documento.

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valor acrescentado que pode integrar alianças entre empresas e univer-sidades, institutos de investigação, serviços intensivos em conhecimento, agentes de interface – como os brokers e os consultores – e os clientes.

Note-se que a utilização deste conceito na Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) não pode esquecer que esta não é uma ac-tividade empresarial e, como tal, a procura do lucro económico não existe como critério de decisão. E também não é ajuda humanitária e, como tal, a existência de situações de catástrofe provocadas por fenómenos naturais ou conflitos armados não se coadunam com a prática corrente de uma cooperação de qualidade, devendo ter regras e estruturas próprias de res-posta institucional. E, finalmente, não deve ser uma actividade similar à assistência social, onde o detentor das verbas define sempre as regras de jogo, não permitindo que o receptor cresça de acordo com as suas próprias opções. Não de trata hoje de escolher entre dar o peixe ou a cana mas sim entre essas opções e a de aprender a fazer canas em conjunto.

Por outro lado, é uma actividade interdisciplinar desenvolvida em con-textos de mudança social e, portanto, tem de ter um nível alto de tole-rância com as contradições no comportamento dos intervenientes envol-vidos. Mas, a nosso ver, essa tolerância não significa cumplicidade com a incompetência e/ou a corrupção desses intervenientes, seja dos países fornecedores da cooperação, seja dos receptores. Devia ser também uma actividade com fins anunciados; ou seja, Portugal devia definir objectivos e metas temporais para a transformação da Cooperação em relações entre povos e Estados, sem que fosse um dos parceiros a financiar e o outro a receber mas sim que acordassem projectos de interesse comum com parti-lha de custos e de benefícios, atendendo ao desenvolvimento de cada país. Por exemplo com Timor o prazo de 25 anos (uma geração e um tempo suficiente para uma aplicação prática dos rendimentos do petróleo) devia ser definido como objectivo para uma transformação deste tipo, com Cabo Verde4 o prazo deve ser mais curto dada a evolução do país, etc.

O paradigma actual e os seus desafios

O normativo (ideias e normas) que constitui o actual consenso inter-nacional em que a Cooperação Portuguesa se inscreve, tem por base a

4 Coisas simples como o apoio financeiro de entidades cabo-verdianas em conjunto com portuguesas a um livro editado este ano pela ONG ACEP com fotografias daquele país sob o tema dos ODM, são raras mas já vão sendo possíveis.

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Declaração Universal dos Direitos do Homem5 aprovada pela ONU em Dezembro de 1948, como um conjunto de princípios que se foram tor-nando normas. Apesar da idade, os seus “considerandos” iniciais e os 30 artigos que a compõem apenas deixam de fora directamente as questões de debate internacional de hoje que poderiam constituir normas na área do ambiente.

Esse normativo tem como concretização mais actual (e perspectivado de acordo com o vocabulário e o modo como hoje se colocam as ques-tões – por exemplo a Declaração refere nos considerandos “o terror” no contexto pós-guerra 39-45, enquanto a mesma palavra da Declaração de Monterrey tem por contexto expresso os ataques terroristas de 11 de Setembro) a parte de afirmação de normas da resolução da Conferência Internacional sobre o Financiamento da Cooperação de Monterrey, Mé-xico, 2002 (Heads of States and Government, 2002).

As normas enunciadas como base são a justiça, equidade, democracia, participação, transparência, responsabilidade e abertura, liberdade, paz e segurança, estabilidade no interior dos Estados, respeito pelos direitos humanos, incluindo o direito ao desenvolvimento, um Estado de direito, a igualdade entre sexos, políticas concebidas a partir da economia de merca-do e a vontade geral de criar sociedades justas e democráticas.

Essa conferência corresponde a um esforço empenhado de um número sem precedentes de intervenientes na Cooperação Internacional.

É essa estratégia – que alguns autores passaram a designar como “Mon-terrey Consensus” – que se expressa em Documentos Nacionais de Redução da Pobreza (PRSP), elaborados na segunda metade da década de 90 e início do século XXI, bem como na definição, aprovada em Assembleia Geral da ONU, de metas globais designadas por Objectivos do Milénio (ODM), para as áreas da pobreza extrema e absoluta, educação primária, igualdade de género, mortalidade infantil antes dos cinco anos, saúde materna, doenças generalizadas (SIDA, malária e tuberculose), recursos ambientais, água po-tável e condições de vida suburbana. O último ODM não diz respeito a uma área mas sim à opção por uma metodologia de execução da Cooperação através de uma parceria global para o desenvolvimento.

A estes documentos juntam-se algumas iniciativas inovadoras nas res-pectivas regiões, como é o caso para a África Subsariana da New Partner-

5 Online em muitos sites incluindo o http//: www.camoes.mne.pt

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ship for Africa’s Development (NEPAD) com a ingerência de pares nas crises nacionais de governação.

Estes documentos foram completados com a “Declaração de Paris so-bre a Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento, Apropriação, Harmonização, Alinhamento, Resultados e Responsabilidade Mútua”6 como síntese de Declarações anteriores adoptadas em Roma (2003) e Marrakech (2004), formando assim um conjunto de decisões de compromisso numa coope-ração de desenvolvimento baseada nos princípios de apoio coordenado a favor de uma acção de desenvolvimento, cujo controlo é assegurado a nível local, tal como uma estratégia nacional de desenvolvimento, um programa sectorial, um programa temático ou um programa de uma organização específica.

Este conjunto de documentos e o debate que têm gerado colocam-nos desafios como:

(a) como se incentiva e promove a liderança pelo país anfitrião em Es-tados frágeis ou simplesmente em Estados que não dispõem de pessoal técnico e político com competência para gerir todas as exigências de uma participação intensa e pela qual irão responder (num processo que é aliás muito similar ao condicionamento do paradigma do “ajustamento estrutu-ral” promovido pelos doadores nos anos 80);

(b) como se consegue ter um quadro orçamental e programático úni-co e detalhado para todos os programas e projectos com o funcionamen-to descentralizado da CP, com a ausência de normas e padrões de finan-ciamento (onde o sector mais consistente é espantosamente a parte das ONGD dos chamados non-state actors) e com o deficiente funcionamento dos ministérios das Finanças parceiros;

(c) como se consegue construir um processo formalizado para a coor-denação entre doadores e a harmonização dos procedimentos dos doa-dores em matéria de notificação, de orçamento, de gestão financeira e de aprovisionamento quando as relações internacionais dos Estados7 doado-

6 Online no site do IPAD/Camões. Note-se que este tipo de temática tem sido objecto de debate, de Declarações e publicações há muitos anos, sendo os documentos do CAD de referência, mais próximos do actual modo de colocar as questões da Eficácia, a “Análise de 25 anos de cooperação para o desenvolvimento” de 1985 e o “Manual de Ajuda ao Desen-volvimento, Princípios do CAD para uma Ajuda Eficaz” de 1992.

7 Bem expresso aliás na dependência da CID da área dos Negócios Estrangeiros na maio-ria dos países financiadores (veja-se a síntese dos modelos de organização da Cooperação

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res e receptores ainda determinam em boa parte quais os parceiros com que estabelecem relações de cooperação;

(d) como se consegue desenvolver esforços para incrementar o uso dos sistemas locais na concepção e implementação dos programas, na gestão financeira, assim como na supervisão e avaliação, quando a nossa própria cooperação não tem sistemas de informação de apoio à decisão, tem uma base de dados de projectos e programas com uma prioridade muito baixa para sucessivas direcções do IPAD sempre sujeita a um dia desaparecer sem que ninguém saiba como, está a construir uma cultura de avaliação sem nenhum plano expresso com metas e indicadores objectivamente ve-rificáveis e ensaia instrumentos de gestão mais eficazes de acordo com a inspiração dos técnicos ou de algumas chefias.

O PLANO TECNOLóGICO E O “BENChMARkING” NA COOPE-RAçãO

Em Portugal o Plano Tecnológico aprovado pelo actual governo8 apre-senta um gráfico de critérios para o sucesso dos clusters (Figura 3.3) que deve estar presente quando pretendemos implementar um conceito deste tipo numa área diferente daquela em que tem sido desenvolvido, seja como elementos que ajudam a definir em pormenor em que consistem os “clus-ters da Cooperação”, seja como critérios de partida para a concepção de uma avaliação de resultados.

Factores críticos de sucesso dos clusters

do CAD/OCDE em The DAC Guidelines for Poverty Reduction, 2001).

8 Lembramos que este texto foi escrito em 2007.

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Pensamos que o conceito de cluster ligado a uma área geográfica ou ligado a um sector de actividade deve ser articulado com o de benchma-rking tal como é entendido no processo de reforma da Administração Pú-blica em curso.

O conceito de benchmarking, nascido no Japão do pós-1939/45, é um instrumento que pretende conseguir maior produtividade, maior econo-mia de meios, melhor rendibilização dos que existem, mais eficácia e uma avaliação padronizada da eficiência. A essência desse instrumento é que cada sector, organização ou simples interveniente constitua um padrão de referência das melhores práticas existentes na sua área e que o procure aplicar criativamente aos resultados que pretende atingir, não aceitando que se faz “o melhor que podemos” mas sim exigindo que se faça “o melhor que existe”.

Este conceito aplicado à reforma da Administração Pública tem uma dimensão externa que é a relação com o cidadão na prestação de serviços públicos da melhor qualidade que exista, e uma dimensão interna que pas-sa por uma procura dos melhores métodos de gestão a nível dos responsá-veis máximos nos diversos níveis hierárquicos (presidência, vogais, direc-ção de serviço, chefia de divisão), de reafectação de recursos, esvaziando ou eliminando secções, divisões ou serviços e deslocando os funcionários para onde a sua actividade permita uma melhor qualidade de serviço, e de uma relação entre os organismos ou ministérios directamente implicados no sector, clara, transparente e previsível. Tem ainda incluída a noção de que sem uma avaliação de desempenho organizacional e pessoal, com consequências conhecidas dos intervenientes, não se consegue manter um alto nível de funcionamento.

A OPERACIONALIZAçãO EM PORTUGAL E NOS PAÍSES PARCEIROS

O aproveitamento das potencialidades deste novo instrumento da Coo-peração Portuguesa requer uma operacionalização cuidada, tanto ao nível dos países parceiros como ao nível das instituições centrais da Cooperação Portuguesa, sobretudo do IPAD.

O que aqui está em causa, é evitar que este instrumento se vulgarize e seja absorvido e digerido na rotina de funcionamento e práticas do apa-relho de administração da CID, perdendo assim a sua potencialidade de

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inovação dos modos de funcionamento e de abordagens da CP.

Se queremos uma reforma da CP – a exemplo daquilo que a França tem vindo a fazer a partir de 1998, o Reino Unido em 1997, o Canadá em 2000-2001, etc. – não se pode permitir que as estruturas mais buro-cratizadas banalizem este tipo de instrumentos como se fossem qualquer coisa à qual não se deve dar muita importância por quererem que tudo tenda a ficar na mesma; nem que procurem condicionar as decisões a to-mar na sua operacionalização às dificuldades de definição de indicadores, de processos de monitorização, de falta de verbas para cobrir custos de curto prazo ou de impossibilidade de influenciar os processos de finan-ciamento, etc., que existem e devem ser ultrapassadas e não serem uma barreira intransponível.

Note-se que não queremos aqui extravasar as reformas que podem ser de alguma forma consequência de um processo desenvolvido a partir dos clusters. Por exemplo pensamos que devia ser da iniciativa da Assembleia da República elaborar e aprovar uma Lei de Bases para a Cooperação dada a diversidade de enquadramento jurídico dos intervenientes: direito pri-vado, direito público, direito canónico, direito cooperativo. Mas não pen-samos que tal possa ter a ver com este instrumento dos clusters e portanto não desenvolveremos a ideia.

Para a sua implementação num país parceiro da CP este instrumento requer:

• A identificação de uma área geográfica onde a cooperação com Portugal tenha vindo – ou possa vir – a assumir uma particular relevância, quer pela sua concentração (em termos de volumes financeiros e/ou de inter-venientes envolvidos) quer pelo impacto da intervenção (em termos de redução da pobreza das populações abrangidas ou da criação de condições de sustentabilidade de desenvolvimento) quer, ainda, pela visibilidade que possa criar para a intervenção da CP;

• A criação de uma parceria que envolva as autoridades locais, os inter-venientes no campo da Cooperação e outras instituições internacionais eventualmente presentes ou mobilizáveis para o cluster.

• O estabelecimento dos termos de referência para a intervenção (master plan), que identifiquem a missão do cluster, os eixos de intervenção e respectivos objectivos, o contributo de cada parceiro (técnico e/ou financeiro), o prazo de execução, os mecanismos de acompanhamento e de avaliação.

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• A definição de uma estrutura de coordenação, global e operacional local, da qual deverá fazer parte integrante a representação do IPAD enquan-to entidade mobilizadora e estimuladora do cluster, designadamente junto das diversas entidades portuguesas.

• A identificação cuidadosa e pensada de forma alargada a diferentes in-tervenientes em Portugal e nos países de destino daquilo que o diploma governamental de Dezembro de 2005 apelida de “elemento central uma intervenção estratégica e substancial financiada através do IPAD, que funcionará também como instituição mobilizadora e coordenadora do ‘cluster’”.

Para que o seu desenvolvimento como instrumento tenha consequên-cias também a nível das organizações centrais da CP – o que aqui apelida-mos de efeito boomerang –, sem o qual a implementação nos países parcei-ros não terá desenvolvimento para além daquilo que já se faz actualmente, teremos de conceber esta figura de gestores de cluster e escolher com cui-dado as pessoas que assumirem essa responsabilidade pois aqui está uma das pedras de toque da potencialidade de inovação que este mecanismo pode representar.

Estes gestores de cluster (GC) deverão assumir-se como figuras com intervenção transversal a toda a instituição do IPAD, já que o resulta-do – sucesso ou insucesso – do cluster será tributário dos contributos e do correcto funcionamento dos diversos departamentos da estrutura do IPAD, pelo que deverão ter a liberdade de solicitar junto de cada um deles as respostas e as práticas necessárias à resolução e ao andamento eficaz das acções integradas no cluster, tendo um funcionamento de circulação horizontal de toda a informação e vertical da decisão. O ideal seria mesmo que estes GC tivessem liberdade para dialogar directamente por correio electrónico e telefone com as entidades portuguesas envolvidas em cada cluster, fossem privadas ou públicas.

A fim de assegurar este papel, não nos parece que estes gestores de cluster não possam estar senão na dependência directa da direcção da or-ganização, sem, portanto, nenhuma dependência hierárquica que não esta. E deverão, ao assumir a função, conhecer e comprometer-se com um con-junto de termos de referência que lhes defina a missão, os deveres e os direitos, as metodologias e, acima de tudo, os objectivos a atingir e pelos quais deverão ser avaliados e julgados no cumprimento das suas tarefas.

Não estamos a inovar. Limitamo-nos a acolher para esta figura o que

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é habitualmente conhecido nas organizações, particularmente do sector privado, como “gestor de clientes”. Iguais práticas foram já adoptadas noutras organizações do sector público administrativo com resultados, na maioria dos casos, positivos tanto ao nível da satisfação dos “cidadãos/clientes” como ao nível de uma melhoria do funcionamento interno das instituições.

O “choque exógeno” de boomerang que estes gestores de cluster poderão introduzir no aparelho central da cooperação (IPAD) e, por extensão, nas restantes organizações e instituições periféricas públicas e privadas deverá ser no sentido de não deixar “nada como dantes”.

A construção da prática dos clusters (com a definição de clusters+benchmarking apresentada) tem também de considerar o estado actual do campo da Cooperação Portuguesa quanto à qualidade da gestão central e local, aos recursos humanos dos diferentes níveis das instituições privadas e públicas, aos fundos disponíveis e as relações entre as institui-ções portuguesas e locais desde os ministérios, municípios, sucos (para Ti-mor), fundações, universidades e politécnicos, associações e outras ONG como intervenientes.

O esquema seguinte consta do Plano Tecnológico português e pode ser utilizado como orientador da operacionalização prática que se preten-de tratar neste ponto.

Plano geral de acção para os clusters

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O modelo que nos parece responder melhor seja à definição apresen-tada, seja às condições que se podem encontrar nos países receptores dos recursos da Cooperação passa, quanto a nós, pela constituição, a jusante da estrutura de coordenação referida, de Núcleos de Recursos (NURE) da Cooperação de acordo com as prioridades de longo prazo acordadas na Fase 1 entre os países e instituições parceiras. Podíamos, por exemplo, ter numa mesma área geográfica um NURE para a Formação Profissional e Ensino, outro para Apoio Institucional Estatal e Não Estatal, outro para a Actividade Agrícola, conforme as prioridades definidas a partir de uma escolha fundamentada e restrita nos próximos seis/nove anos no máximo e com um número prudente para os próximos dez anos de dois ou três NURE em cada país que permitisse uma construção e progressão da ges-tão eficaz e da qualidade das actividades.

A Fase 2 – definição do master plan – decorreria entre os intervenientes (ou actores) locais e as instituições portuguesas financiadoras seguindo o exemplo das práticas de orçamento participativo que em Portugal são seguidas por alguns municípios a partir de um envelope financeiro e de um estimativa de custos que, depois de aprovadas pelos parceiros as linhas de concretização, poderiam ser pormenorizadas à distância por equipas técnicas constituídas por pessoas de instituições locais e internacionais. Se não existir ligação à internet, a embaixada portuguesa terá de ter uma participação mais intensa nestas fases, funcionando como participante e/ou mediador (ou “agente de interface”) do processo.

Para a Fase 3 seria constituído um Núcleo de Gestão Local e um Con-selho de Parceiros. Este núcleo de gestão teria por função a dinamização e o acompanhamento dos diferentes projectos que constituiriam o seu pro-grama, a participação directa na gestão de projectos que decorressem in-teiramente nas instalações do NURE, a recolha programada e normaliza-da de informações sobre o desenvolvimento e o impacto de cada projecto e a realização de relatórios de avaliação interna de resultados.

O cluster de Moçambique é relativamente coerente com aquilo que es-crevemos. Com efeito, nos documentos de trabalho internos do IPAD a que tivemos acesso não se encontra referência à pesquisa de “melhores práticas” mas anuncia-se que o critério da concentração e gestão por par-cerias está contemplado, estando a desenvolver-se as diversas fases, a par-tir de um trabalho de recolha de dados da região – a Ilha de Moçambique – escolhida por acordo com o Governo Central do país, e logo das prio-ridades estabelecidas coerentemente com os ODM e a política moçambi-

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cana, existindo mesmo um “Estatuto da Ilha de Moçambique” aprovado em Junho de 2006 pelo Governo. Uma vez que podiam ser várias as áreas geográficas escolhidas com esses critérios, acrescentou-se um temático – a recuperação do património da Ilha – procurando-se “Combinar o comba-te à pobreza extrema com a recuperação e revitalização do Património, através da aplicação do novo conceito de cluster”, correspondendo a parte nacional com a aprovação de um Gabinete de Conservação da Ilha de Mo-çambique (GACIM).

Os objectivos definidos que procuram um rigor de qualidade como de-fendemos neste artigo pretendem ser bem identificados e inconfundíveis, mensuráveis, realistas e acordados entre todos os intervenientes quanto ao conteúdo e calendário.

A definição de calendário global é de nove anos, parecendo mais coe-rente com a realidade conhecida do que os projectos a três anos que até agora constam dos PIC e com uma avaliação que se afirma querer “rigoro-sa, com o objectivo de melhorar a eficácia das acções futuras e a correcção dos erros eventualmente cometidos”.

A gestão do cluster contempla um Conselho de Doadores (onde o Go-verno moçambicano tem direito de veto), um Comité de Gestão, para a gestão permanente e ainda um Coordenador Local que viva na Ilha. Pa-rece-me uma estrutura de gestão demasiado pesada e penso ser preferível uma estrutura com um Núcleo de Gestão com duas pessoas no local, uma pessoa de apoio no IPAD/Camões com funções claramente definidas e um Conselho de Parceiros, com todos os intervenientes beneficiários e os doa-dores, por ser mais leve e flexível nas decisões, permitindo uma mais clara definição de poder sobre financiamento, pela reunião no mesmo órgão de quem tem as verbas e de quem as recebe. O documento que conhecemos ainda tem muito da lógica dos Planos Integrados de Desenvolvimento dos anos 70, envolvendo na prática todas as áreas sectoriais de desenvol-vimento, mas a evolução da sua definição poderá levar a uma alteração que fará este cluster aproximar-se daquilo que preconizamos ou tirar conclu-sões que corrijam o que apresentamos.

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CONCLUSãO

Com estes componentes e estes elementos, 18 Secretários de Estado, 16 directores ou presidentes9, sem autonomia financeira, o principal organis-mo de execução da Cooperação Portuguesa – anterior Direcção-Geral da Cooperação, depois Instituto para a Cooperação Portuguesa, actual Ins-tituto de Apoio ao Desenvolvimento, IPAD10 – é uma instituição instável e com dificuldade estrutural de exercer as suas funções. Os clusters podem ser uma forma de contribuir para a sua transformação de forma positiva, para as pessoas que aí trabalham e que gostariam de ver mais resultados do seu esforço, para a instituição e para a cooperação em geral. O que se pretende é criar uma organização mais eficaz da cooperação existente.

As conclusões finais quanto ao papel dos clusters na reforma da CP po-dem sintetizar-se em cinco pontos:

• A organização em rede com partilha de informação, objectivos, me-tas verificáveis e com processos de construção de conhecimento prá-tico em aprendizagem comum permanente;

• A procura das melhores práticas em cooperações desenvolvidas por outros países ou por Portugal no passado, num processo de bench-marking que inclua os modelos de avaliação com indicadores para analisar a eficácia de cada intervenção;

• O aumento de eficiência do aparelho organizativo da CP em Portu-gal pela alteração de métodos de funcionamento da estrutura ligada aos clusters e da ligação com os restantes sectores do organismo, num efeito boomerang de retorno das boas práticas resultantes da imple-mentação nos países parceiros;

• A sustentabilidade como critério de aferição da eficácia de uma coo-peração credível junto dos intervenientes e da opinião pública por-tuguesa e dos países parceiros.

9 Veja-se o Anexo 1 do livro: Os Secretários de Estado que tutelaram a Cooperação e os dirigentes dos organismos centrais da área. Como se pode ver nesse anexo, tal situação de instabilidade só se agravou desde a data em que este texto foi escrito, tendo havido a fusão entre o Camões (vocacionado para a difusão da língua portuguesa) e o IPAD num novo instituto Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, e no atual governo três Secretários de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, e um deles em funções durante quatro meses (nota de Julho de 2014).

10 Veja-se o que julgo ser, até ao momento, a melhor compilação de dados sobre a evolução da estrutura da Cooperação em António Rebelo de Sousa (2004), capítulo VI.

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• A organização da reflexão e debate sobre o conhecimento científico na CID, com divulgação de experiências e modelos de sucesso e de insucesso.

Se os intervenientes, e em especial a tutela, quiserem que realmente haja um efeito de transformação qualitativa na intervenção no terreno e um “efeito boomerang” de transformação do funcionamento das institui-ções públicas e privadas intervenientes na Cooperação, têm de criar uma fileira de gestão específica com um nível de exigência muito superior ao actual e que, pouco a pouco, poderá estender-se a todo o organismo de acordo com a experiência adquirida.

Os clusters para cumprirem a sua função têm de ser os núcleos de ex-celência das instituições intervenientes na Cooperação, mas conseguirem pouco a pouco que essa qualidade se estenda às restantes.

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ANEXO 1:

Nota sobre a Cooperação Portuguesa analisada através do conceito de cluster11

A matriz pública da CID na Administração Central12 que nos interessa para a análise do papel que o novo instrumento da Cooperação – os clusters – pode assumir na necessária reforma das instituições da Administração Pública responsável por este “campo” da governação, tem os seguintes três componentes13:

Primeiro, a cultura organizacional da instituição central da CID. De Co-missariado para Direcção-Geral, desta a Instituto Público (ICE e ICP), depois ICP e APAD14, voltou à lógica da Direcção-Geral com o IPAD. Ou seja, a cultura da organização tem sido definida ao longo da sua existência pela lógica de um organismo da administração central da função pública. O que isto significa é a permanência de uma duplicidade de valores ligados

11 Em toda a investigação que o autor tem desenvolvido ao longo do tempo sobre a Coope-ração para o Desenvolvimento tornou-se necessário ter sempre uma análise da Cooperação Portuguesa de suporte. Como se verá no Capítulo II, a presente fase originou a definição de uma metodologia assente na Soft System Methodology, que implicou uma análise específica; mas na altura em que este capítulo foi escrito ainda não se tinha concebido a aplicação me-todológica que esse capítulo mostra. Mesmo assim optou-se por incluir a análise feita em 2010 como ilustrativa da evolução efetuada (nota de Julho de 2014).

12 Utilizamos a tipologia da União Europeia ao classificar os actores/intervenientes da CID em state actors (ministérios e organismos da Administração Central, Presidência e Parlamento) e non-state actors (municípios, institutos autónomos, universidades, ONG, go-vernos regionais, empresas, instituições religiosas, etc.).

13 Consideramos “componentes” aquelas características da CID que poderão ser influen-ciadas pela operacionalização dos clusters mas não alteradas significativamente. Adiante veremos os “elementos” como aquelas características que poderão ser alteradas se a opera-cionalização dos clusters for aquela que preconizamos ou outra com a mesma consistência teórica e prática.

14 Este período da existência simultânea ICP/APAD foi o único momento em que o MNE procurou alterar a lógica organizacional prevalecente socorrendo-se para a APAD de uma gestão, contratação e financiamento inspirados na banca. A ausência de definição precisa de responsabilidades sobre as diferentes fileiras operacionais da Cooperação, e a incapa-cidade de ambas as direcções se entenderem para o fazerem, teve como consequência o fracasso do modelo.

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ao trabalho daqueles que dirigem ou simplesmente aí trabalham, onde a par das pessoas que consideram aquilo que fazem em “espírito de missão” ou “espírito de equipa”, existem outras que não têm a mínima motivação para desenvolver actividade para além daquilo que percebem como sendo o mínimo que a instituição aceita.

A motivação “do melhor que sabemos” é tendencialmente superior à “do melhor que existe” com base numa especificidade do que faz a institui-ção sem razão na esmagadora maioria dos casos.

Não há nenhuma teoria da causalidade que relacione uma gestão espe-cial na Cooperação com melhores resultados do que uma gestão de outro organismo. É evidente que quem encara a Cooperação como um emprego vulgar, para o qual não é necessário ter qualquer vocação, terá sempre um funcionamento derivado dessa incompetência e não do sector em si; quem julga que Cooperação é assistência caritativa terá o mesmo comportamen-to se trabalhar na segurança social que hoje também não é caridade; quem acha que a Cooperação é um negócio como outro qualquer, procurará o lucro tal como se estivesse a vender serviços ou bens de consumo.

Implica também uma ausência de avaliação com consequências, ainda que simplesmente de acordo com o critério da execução orçamental; um ano com taxa de execução de 48% tem as mesmas consequências para as chefias que um ano com taxas de 85%. Implica ainda que a justificação para as críticas feitas se remeta em grande peso para a orgânica, lentidão e defeitos de funcionamento de toda a Administração, diluindo as responsa-bilidades da gestão burocratizada e da renovação inexistentes de métodos de trabalho nos organismos em causa. Os clusters como instrumento de in-trodução de novas metodologias e tecnologias – muitas vezes confundidas ingenuamente com a existência ou não de um computador por funcionário – irão ajudar mas nunca serão decisivos para a mudança de reforma que se clama e que vários outros países já encetaram nos anos 90, como referido mais acima.

Segundo, o facto de a política de cooperação ter, desde o início, concentrado os seus esforços na ajuda aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, e depois Timor-Leste, o que naturalmente se explica pelo enorme peso da História e das afinidades linguísticas e culturais que Portugal mantém com esses países, realidade que foi, aliás, muito reforçada com a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em 1996. Os com-ponentes da identidade social comum resultante, como a língua oficial,

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o modo de vida familiar, os padrões de consumo, uma matriz legislativa idêntica e um sistema político-administrativo muito similar na teoria e na prática, fazem com que os serviços públicos e as organizações privadas em Portugal resistam a que a cooperação seja alargada a países como o Mali, o Zimbabwe, o ex-Zaire, etc., presentes na CP desde há mais de vinte anos, mas sempre com um peso insignificante.

Porém, este componente foi-se esbatendo, devido essencialmente a dois tipos de factores externos:

• Por um lado, a integração na União Europeia obrigou Portugal a assumir determinados compromissos na sequência da sua posição de membro da comunidade doadora internacional, o que implicou novos condicionamentos à sua ajuda pública ao desenvolvimento.

• Por outro lado, a sua readmissão, em 1991, como membro doador do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD), da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), impôs à polí-tica de Cooperação, que até aí tinha um pendor predominantemente bilateral, um esforço no sentido de colocar a sua ajuda pública ao desenvolvimento ao “serviço” dos instrumentos multilaterais, no-meadamente no que respeita às agências especializadas das Nações Unidas. Tal perspectiva apenas foi claramente assumida na defi-nição da estratégia contida no documento “Uma visão estratégica para o século XXI”, de 2005, aprovada pelo actual Governo.

Os clusters não terão, na nossa opinião, nenhum impacto neste compo-nente, excepto por aprofundarem a prática de trabalho comum com orga-nizações de outros países nos países onde se avançar com esse instrumento.

O terceiro componente comum a todos os modelos institucionais da política de cooperação portuguesa prende-se com o designado “sistema de cooperação descentralizada”, que se caracteriza pela sua natureza trans-versal, não só ao nível das áreas de intervenção (que vão desde a saúde à educação, passando pela justiça, o desporto, etc.), como dos próprios inter-venientes nas actividades da CID. De acordo com este sistema intervêm, de modo próprio (ou seja com orçamentos próprios e acções, projectos e programas específicos), os diversos agentes empenhados na política de cooperação, nomeadamente os vários ministérios, segundo as respecti-vas áreas de competência, os órgãos da Administração Local em geral ao

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abrigo da figura das geminações, as entidades públicas autónomas (por exemplo as universidades), as organizações com origem nas Igrejas, as associações representativas do sector empresarial, as organizações não governamentais para o desenvolvimento com origem laica, as cooperati-vas, etc.

A grande vantagem que se reconhece a este sistema reside na capaci-dade de promover um maior aproveitamento das sinergias resultantes da conjugação de acções desenvolvidas pelos vários agentes. A grande des-vantagem, decorrente da sua própria natureza, assenta numa assinalável tendência para resultados menos coerentes e eficazes (embora tal afirma-ção necessite de um trabalho de investigação que não está feito, apesar de existirem algumas teses de mestrado sobretudo sobre as ONGD e os municípios) (Ribeiro, 1995; Costa, 2005). A operacionalização dos clusters pode dar uma ajuda se for encarada como uma área da CID que pela sua natureza procura a “excelência” na qualidade, empenhamento e coerência e onde só entrarão as organizações que sejam capazes de cumprir essas exigências.

Acrescente-se a estes componentes o consenso partidário alargado existente, embora não escrito, que se pode verificar comparando os pon-tos sobre CID nos programas dos vários partidos que se apresentam a eleições em Portugal em todo o período pós-25 de Abril. Esse consenso tácito tem o aspecto positivo de as variações de políticas de cooperação serem pouco dependentes do poder em exercício e logo tendencialmente mais estáveis, mas tem também o aspecto negativo da ausência do debate, que só nasce quando há ideias discordantes. A consequência mais evidente é a dependência do funcionamento da CID das pessoas que exercem o car-go de MNE e de SENEC em primeira linha e de corpo directivo do ICP/IPAD em segunda linha. Para os clusters tal consenso representa graus de liberdade para concepção e ensaio de diferentes opções.

Os elementos da CID – ou seja aquelas características alteráveis pelos clusters - que são significativos para a análise que pretendemos fazer são:

Primeiro: o processo de construção de conhecimento neste campo; o IPAD tem propiciado a base para o desenvolvimento de um processo deste tipo com facilidades de horário para os funcionários que estudam em universidades ou no INA e com edição de teses de mestrado, como se pode verificar no site daquela organização. Mas ainda não foi dado o passo seguinte de aju-da pública direccionada para a produção de pensamento sobre a CID por

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parte da academia e dos técnicos do organismo que tiverem capacidade para tal. Para mais quando a Fundação para a Ciência e Tecnologia criou em 2004 a área de Estudos Africanos15, dotada de verba para financiar investigação sobre o desenvolvimento. Predomina aquele tipo de pensa-mento que Gaston Bachelard designou como “a ciência experimental das instituições ministeriais: pesem, meçam, contem; desconfiem do abstracto, da regra; liguem os espíritos jovens ao concreto, ao facto. Ver para com-preender…” (Bachelard, [1931] 2006).

A definição da estratégia da Cooperação em 1999 e da sua actualização em 2005 não foi seguida da construção daquilo que hoje se apelida de think tanks, e que se expressa na produção académica de dissertações de mestra-do e sobretudo de doutoramento, mas também na preocupação sistemática de produção e divulgação de pensamento que articule, fundamentando cri-ticamente, a prática seguida na CP, com os paradigmas teóricos existentes ou em formação. A ausência de um quadro institucional onde este proces-so possa desenvolver-se origina a repetição de erros por não registo das más práticas e o esquecimento de boas práticas nos 30 anos de Cooperação em Portugal e nos 40 anos na Europa. Os clusters têm de assumir que são uma área dinamizadora da produção de conhecimento na CID, alterando profundamente este elemento, pesquisando o que se fez no passado o que nós e os outros fazemos no presente e aproveitando criativamente num processo de benchmarking o que se faz de melhor.

Segundo: a qualificação em CID (teórica, prática e de gestão) e a produti-vidade dos recursos humanos das instituições da Cooperação. Como se sabe, uma das limitações apontadas à produtividade em Portugal é a baixa ren-tabilidade dos recursos humanos, incluindo a gestão a todos os níveis.

Se pensarmos no conhecimento de “senso comum”, teremos sem dúvi-da a ideia de que os funcionários produzem pouco e que a gestão é pouco competente. Mas como se forma esse “senso comum” em relação ao IPAD? Julgamos que se deve a factores como a dificuldade da maioria dos inter-venientes na CID de terem acesso aos técnicos ou dirigentes com quem pretenderiam falar, devido à organização de férias, faltas e ausências sem preocupação do relacionamento com o exterior, a dificuldade comum de que o telefone seja atendido, a cultura de pedir informações e esclareci-mentos sobre processos dos quais depende a libertação de verbas através de ofícios e não utilizando o correio electrónico ou o telefone, os atrasos no pagamento de compromissos, etc. Ou seja, aquele tipo de funcionamen-

15 E que eliminou em 2012 considerando a área como fazendo parte da sociologia.

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to que a maioria dos organismos da função pública tem ou tem fama de ter. Isto apesar de o site do IPAD ter muita informação, de ter existido um serviço de resposta imediata a questões colocadas por correio electró-nico pelos intervenientes que funcionou algum tempo, de uma newsletter limitada enviada por correio electrónico a quem o solicite e da revista do IPAD16. É também uma questão de imagem pública, e sem uma política expressamente virada para a visibilidade positiva não há alteração.

Se procurarmos uma visão mais objectiva, teremos de pensar que a au-sência de metodologias de cálculo de produtividade nos coloca limitações a como lidar com este elemento. Em 1999, no parco debate que existiu sobre a então nova estratégia da Cooperação, o número adiantado (sempre sem fundamentos muito sólidos) de pessoas de que o ICP/IPAD precisaria era de 70-80, quando na altura tinha 134.

Uma pergunta (inspirada nos critérios do Banco Mundial) a fazer tan-to a instituições públicas como privadas seria: “Quantos funcionários são precisos para gastar 1 milhão de euros de acordo com as regras e legisla-ção dentro da instituição?” e esse indicador, que variação tem de país para país de destino?

Outra pergunta seria: “Quanto tempo leva o IPAD desde a identifi-cação de um projecto até ao desbloqueamento de verbas?” Ou até à sua aprovação pelo Conselho Directivo? Ou seja, qual o tempo do ciclo de projecto?

Dois financiadores, um público e outro privado, convidaram durante o ano de 2004/2005 a Universidade de Aveiro para conceber mestrados no mesmo país, com as mesmas instituições nacionais. Um deles entrou em funcionamento quatro meses depois do convite, o outro espera-se que comece no início do próximo ano. Esta diferença pode atribuir-se a ele-mentos externos como o processo administrativo de despender verbas da função pública, mas numa parte que não nos parece desprezível é também atribuível ao funcionamento das instituições, a sua capacidade técnica e seus métodos de decisão.

No entanto, só com a introdução de métodos de medida se pode ter uma noção mais concreta da produtividade dos funcionários, que serão aliás prejudicados na qualificação de serviço se estes métodos não existi-

16 Que entrou em 2006 numa nova série depois da ideia dos dois últimos Governos espan-tosamente incompetente de que um suplemento mensal no Jornal de Notícias cumpria as mesmas funções.

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rem, caindo-se mais uma vez na aleatoriedade do poder discricionário das chefias. É o que se pode concretizar com a operacionalização dos clusters, para aqueles que terão responsabilidades a todos os níveis naquilo que se venha a organizar e executar.

Terceiro: o capital disponível para a CP e a produtividade do mesmo face às expectativas dos países parceiros e da comunidade de intervenientes no campo.

O primeiro critério de avaliação, se há pouco ou muito capital na Coo-peração, tem a ver com a capacidade da estrutura interveniente de execu-tar as verbas orçamentadas ou outras a que tenha acesso. Na Administra-ção o indicador utilizado é a taxa de execução, que para o IPAD foi nos últimos três anos abaixo de 50%, tendo apenas em 2006 subido a níveis aceitáveis sobre o disponível e não sobre o orçamento ex-ante.

A conclusão é que com a actual estrutura há fundos a mais na Coopera-ção. A resposta não é cortar os fundos mas sim melhorar a estrutura, sen-do os clusters um dos meios de contribuir para essa melhoria. O segundo critério é o dos compromissos assumidos; para o Estado português asse-gurar o compromisso mais mediático de destinar 0,33 % do RNB à Ajuda Pública ao Desenvolvimento precisaria de um crescimento sustentado que as actuais restrições orçamentais não permitem.

E como se mede ou se avalia a produtividade dos fundos no “campo” da CID? Julgamos que tem de ser medido pela procura de qualidade com eficácia, seja pela organização de um sistema de avaliação de projectos na identificação, no acompanhamento e nos resultados finais, seja por compa-ração crítica com a cooperação de outros países, seja ainda pela definição e publicitação de objectivos e metas quantificadas a atingir num calendário e dos seus resultados. Se verificarmos no site do IPAD podemos constatar a existência de dez avaliações entre 1998 e 2006 (sendo a mais recente do programa de cooperação com Moçambique). Se existe a tentativa de esta-belecer um padrão de metodologia, as que foram realizadas não permitem detectar a sua aplicação.

E sobretudo não há produção de dados e informações que permitam pensar sobre:

• as medidas na responsabilidade da cooperação com a Guiné-Bissau depois do compromisso no âmbito dos Estados frágeis17;

17 A partir deste ano de 2006 a embaixada em Bissau tem uma capacidade técnica para

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• a contribuição da CID para a evolução dos ODM em cada país nos-so parceiro, indicadores tais como a percentagem de impostos dos portugueses que é utilizada na Cooperação, as vacinas ou o trata-mento contra a SIDA que a Cooperação proporcionou, a evolução da escolaridade onde há programas de cooperação e professores na educação.

A constituição de um processo de avaliação em parceria e a sua divul-gação devia ser uma das mais-valias dos clusters. Construindo e publicitan-do indicadores e tirando as consequências tanto em Portugal como nos países parceiros: se um serviço leva o dobro do tempo a preparar/analisar um dossier de projecto do que outro, a direcção deve investigar e corrigir. Se os beneficiários de um projecto só recebem 40% dos fundos mas outro similar noutro país chega aos 70%, o responsável local tem de responder pelo que acontece à diferença. Se vemos – num processo de benchmarking procurando a melhor qualidade – o DFID anunciar em 2005 como inova-ção de sucesso o apoio a escolas que leccionam a primeira classe do básico em língua materna e só a partir daí em língua oficial (Zâmbia), e sabe-mos que Portugal recusou apoiar o mesmo processo há uns 15-20 anos na Guiné-Bissau sendo Ministro o Dr. Manuel R. Barcelos e atendendo a que hoje a taxa de abandono do primário no país anda pelos 45% (dados do PASEG, 2006), não será de voltar a pensar se a subida de rentabilidade dos fundos gastos na cooperação na educação passa ou não por analisar questões como essa de novo?

Os clusters, para terem uma alta produtividade das verbas atribuídas, têm de se regular pela memória das boas e más práticas e por aquilo que outras cooperações fizeram ou fazem. E para tal têm de ter instrumentos que construam esse conhecimento, não só da forma mais primária de des-crição da realidade, mas também de uma forma mais explícita e científica de reflexão, procura de regras, normas e padrões de acção com resultados de mais qualidade.

Quarto: a estrutura organizativa interna e nos países parceiros. Com pouca presença no terreno, sempre dependente das embaixadas e do seu funcionamento – que como se sabe é uma função directa das capacida-des, da personalidade e do modo de ver a cooperação do embaixador em

a cooperação como nunca teve, dois técnicos com experiência de trabalho no IPAD e no terreno, um cônsul, um coordenador para as quase quatro dezenas de professores coo-perantes, mas não conhecemos ainda qual vai ser o cluster da Guiné-Bissau e como se vai potenciar todo este aumento de recursos portugueses no país.

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exercício –, com as ambiguidades da dupla tutela MNE e MF, ministé-rios com lógicas e prioridades diferentes mesmo dentro do respeito pelas decisões do colectivo governamental, com uma cultura de trabalho em equipa muito fraca onde se escondem os dados ao departamento vizinho, se denigre a sua imagem perante as chefias e se tem horror à gestão que defende a necessidade de um sistema informatizado de apoio à decisão, da circulação horizontal em rede da informação em articulação com a tomada de decisões segundo a hierarquia de autoridade definida na lei orgânica. Os clusters têm de ter um lugar na estrutura com uma linha hierárquica dependente da presidência, articulada com uma capacidade técnica com poder para recolher dados e organizar a informação, fundos para visibili-dade e para avaliação de todos os projectos e do cluster como um conjunto, uma cultura de contribuição para a melhoria de toda a cooperação e não só dos programas dos próprios clusters, que ajude os intervenientes públicos e privados a evoluírem, ou serão absorvidos pelos intervenientes actuais, mudando um pouco para que o fundamental fique na mesma, e acabando por desaparecer numa alteração orgânica futura sem terem tido a utilida-de que a tutela lhes deu no diploma que os criou.

A Administração tentou em duas ocasiões desenvolver estruturas que podemos tomar como referência para se afirmar que é possível operacio-nalizar os clusters: o anterior Departamento de Cooperação do Ministério do Trabalho e da Solidariedade (sendo ministro Ferro Rodrigues), actual Gabinete para a Cooperação (GC) do Ministério do Trabalho e da Solida-riedade Social, e a Unidade de Missão da Cooperação Intermunicipal do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Quanto ao GC e apenas para o período de 1997 a 2001 (MTS, 200218) quanto ao primeiro componente, a cultura organizacional da instituição central da CID, o GC conseguiu não só articular as suas actividades com o então ICP (actual IPAD), ajustando os seus programas aos PIC de cada país, mas também desenvolver o hábito de uma conversa informal entre dirigentes pelo menos uma vez por mês que ajudou a articular a lógica existente. Sendo a taxa de execução orçamental do GC sempre superior a 90%, essas conversas também serviram para que se comparassem as metodologias clássicas de despesas públicas com as que o GC praticava – sempre sem se desviar da legislação vigente – pelo simples facto de ter uma autonomia de decisão sobre um orçamento conhecido no início do

18 Esse documento analisa a criação e afirmação do Departamento, apresentando dados desde o ano de planeamento, 1997, a 2001. Embora se tenha iniciado a elaboração de outro para 2002-2003, não foi terminado até hoje.

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ano, com origem nas verbas do orçamento da Segurança Social e disponí-vel sempre que os projectos o justificassem, sem obedecer a outras lógicas que não fossem as decorrentes do programa de cooperação aprovado com os parceiros e homologado pelos ministros da tutela.

Quanto à segunda componente – a política de cooperação ter, desde o iní-cio, concentrado os seus esforços na ajuda aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, e depois Timor-Leste – o GC defendeu nesse período que ainda era cedo para desenvolver cooperação com outros países que não fossem os PALOP e Timor-Leste, por ser uma estrutura criada em 1998 com pessoas que em geral tinham pouca experiência no campo da cooperação e por se considerar que os recursos físicos/humanos e financeiros dispo-níveis deveriam ser concentrados para a ajuda àqueles países com um im-pacto e uma eficácia, à partida, superior àqueles que poderiam resultar se se dispersassem recursos por diferentes países receptores. A cooperação multilateral foi desenvolvida com o BIT/OIT por ser a estrutura interna-cional conceptualmente mais próxima do Ministério e em simultâneo por pessoalmente haver alguma experiência de contactos e trabalho anterior. As tentativas para fazer o mesmo com o PNUD em Moçambique e com o Banco Mundial em Cabo Verde nunca tiveram sucesso sobretudo porque a confiança dessas instituições na Cooperação Portuguesa sempre pareceu muito fraca. Com a União Europeia efectuou-se uma missão a Bruxelas em 1998 mas na altura os técnicos portugueses da missão permanente em Bruxelas defenderam que a União não concordava em desenvolver uma cooperação baseada na luta contra a pobreza.

Quanto ao terceiro componente – o sistema de cooperação descentralizada – o Gabinete nada alterou. Contudo, embora dispondo de fundos suficien-tes para ser completamente independente financeiramente, o Gabinete sempre solicitou ao ICP os necessários pareceres aos programas de coope-ração, elaborados em articulação com os países parceiros. As conversas in-formais já referidas originaram tentativas de ter projectos comuns com o ICP e com a APAD e até com a Unidade de Missão Intermunicipal no caso da Ilha do Príncipe. Mas a verdade é que a diferença entre a produtividade dos recursos humanos e a flexibilidade de dispor de verbas sempre fez com que fossem instituições que pareciam funcionar em diferentes países, com grande contraste entre o espírito de missão ou de equipa e a motivação da função pública mais clássica19. A articulação com outros ministérios de-

19 É aliás sintomático que vários convites a pessoas do ICP para trabalharem no Gabinete tenham sido sempre recusados com a justificação de que as pessoas não aguentariam tra-balhar ao mesmo ritmo.

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senvolvida lentamente nas reuniões da CIC avançou alguma coisa na área do microcrédito com o Ministério das Finanças, sem se chegar a projectos concretos, tendo-se feito também algumas tentativas infrutíferas com o GAERI do Ministério da Educação.

O Gabinete é também em boa parte um exemplo do consenso partidá-rio alargado referido em relação à cooperação, tendo a sua chefia hierár-quica sido nomeada pelo governo de António Guterres, e mantida por Du-rão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates. Há portanto uma estabilidade do organismo que, quer se concorde quer não com as opções tomadas na evolução dos Programas de Cooperação, permitiu uma consistência muito sólida de funcionamento em todo o período.

Ainda em relação ao sistema descentralizado, o Gabinete praticou uma política de afastamento da maioria dos intervenientes portugueses não es-tatais, nunca apoiando significativamente projectos em parceria com insti-tuições nacionais, a partir da tese de que podia fazer exactamente o mesmo papel dessas organizações, e com um controlo de qualidade muito maior, excepto algumas acções pontuais que referiremos a seguir. Nos países os programas sempre incluíram ONG laicas e religiosas, com a anuência dos governos parceiros que assinavam um programa de cooperação global e acordos de parceiros por projecto.

Quanto ao primeiro elemento da CID – a ausência de um processo de construção de conhecimento neste campo – o GC teve nesse período aquilo que na Teoria da Administração se chama uma competência de staff a par de uma competência hierárquica. Sem quaisquer dúvidas sobre a pertença da última decisão, o GC foi organizado com uma assessoria permanente e algumas temporárias de valências especializadas que permitiam evoluir na reflexão e na justificação do modelo seguido. Basta que se diga que em 1998, no primeiro ano de existência, a questão central da Luta contra a Pobreza ser a missão do então Departamento de Cooperação foi objecto de vários debates pois nesse tempo tal objectivo não fazia parte da Lei Orgâ-nica, mas desenhava-se já nos organismos internacionais como meta-ob-jectivo. Foi assim possível antecipar às próprias decisões governamentais o que já estava a ser assumido pela comunidade internacional no seu todo.

O GC procurou enquadrar o conjunto de projectos apoiados na teoria do ciclo de vida, defendendo que o desenvolvimento nas áreas do Minis-tério do Trabalho e da Solidariedade devia ser apoiado pensando desde as crianças mais pequenas até aos idosos, resistindo a ter projectos em áreas

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fora da sua competência como a saúde ou a educação, embora apoiando ini-ciativas naquelas áreas, como meras componentes de projectos integrados de Luta contra a Pobreza. Assumia-se, assim, o carácter multidimensional da pobreza. E se nunca chegou a ter um Gabinete de Estudos formal, ele esteve proposto cada vez que se considerou a possibilidade de alterações orgânicas. Para tal foi também uma das poucas áreas onde o GC apoiou estudos feitos por organizações não governamentais portuguesas, após concurso por convite aos centros de investigação sobre África das uni-versidades portuguesas e ONG, editando mesmo alguns, que estão ainda hoje on-line20.

Quanto ao segundo elemento – a qualificação e a produtividade dos re-cursos humanos – o então DC tinha cerca de 20 funcionários no total, com um orçamento de 22,9 milhões de euros no total dos primeiros quatro anos, e a sua produtividade sempre foi muito alta se relacionarmos os dois números. Para tal, as pessoas que não queriam trabalhar ao ritmo que essa produtividade implicava, mudavam de serviço. E tal passou-se com pelo menos dois motoristas, dois auxiliares, dois juristas e dois técnicos entre 1998 e 2001. A qualificação técnica para a área da maioria dos fun-cionários do então DC não era significativa, mas foi praticada a política de deslocar aos países todas as pessoas que tinham responsabilidades na avaliação e acompanhamento técnico ou financeiro dos projectos, para que conhecessem a realidade sobre que tinham de se pronunciar. Mesmo os funcionários cujas funções eram da área financeira aprenderam a perce-ber os contextos que influenciavam os atrasos, os tipos de documentos de justificação apresentados, o ritmo de trabalho de pessoas locais com orde-nados em atraso ou ganhando uma ninharia. E não foram postos entraves aos dois técnicos que fizeram mestrado nesse período, com a condição de cumprirem na mesma as funções pelas quais eram responsáveis.

O ciclo de projecto sempre foi um conceito pouco aplicado. Com efei-to, o poder de decisão pertencia na prática ao próprio Gabinete e como tal se nas missões de identificação ou de acompanhamento um projecto era inquestionável de acordo com as funções do Gabinete era aprovado imediatamente, podendo começar em 30 dias. Sem prejuízo disso, impor-ta dizer que todos os projectos incluídos em programas de cooperação estabelecidos com cada um dos países parceiros eram, teoricamente e na prática, discutidos e aprovados em parceria com aqueles países, o que se

20 Tal actividade continuou aliás com a OIT depois do período que referimos. (Veja-se o site do STEP/OIT.)

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traduzia numa responsabilização partilhada e numa efectiva articulação com as prioridades defendidas pelos governos daqueles países (nos respec-tivos “Planos de Desenvolvimento Nacional”).

A elaboração de um documento de projecto e orçamento era feito pelos próprios técnicos do GC em contacto informal com as instituições identi-ficadas dos países destinatários dos projectos. Os defeitos desse processo como alguma arbitrariedade na decisão eram compensados com a pronti-dão da execução da disponibilidade de verbas e com o acompanhamento muito próximo e sistemático (mesmo que à distância) dos técnicos do GC aos projectos.

O GC nunca primou pela difusão da informação, os seus responsáveis nunca deram uma entrevista a um jornal de grande tiragem, foi o último serviço do Ministério a ter um site e a informação permanente não exis-tia21. A actividade mais inovadora foi a montagem de uma rede de infor-mação sobre a investigação internacional na área da luta contra a pobreza com um boletim digital do qual saíram oito números distribuído a investi-gadores e interessados em Portugal e nos PALOP, a partir da participação, juntamente com um técnico do IPAD, nos debates na OCDE que deram origem a The DAC Guidelines on Poverty Reduction de 2001.

Quanto ao terceiro elemento – o capital disponível para a CID e a produ-tividade do mesmo – nunca o ministro da tutela diminuiu as verbas dispo-níveis fosse qual fosse o Governo, permitindo um planeamento plurianual com grande segurança de todas as partes envolvidas para os compromis-sos assumidos. Com taxas de execução sempre superiores a 90%, o GC nunca ultrapassou um receio – que teve muito de obsessão da sua direc-tora –, das avaliações externas ou internas. Os documentos de avaliação interna do programa de São Tomé e Príncipe, utilizando os critérios con-sagrados pela União Europeia, nunca foram editados nem repetidos para outros países. No que respeita à avaliação com consequências, o GC não trouxe nada de novo.

Quanto ao quarto elemento – a estrutura organizativa interna e nos paí-ses parceiros – o GC organizou-se na base de núcleos geográficos e um núcleo financeiro sempre com grande comunicação entre si. A regra de “trabalhar de porta aberta” tinha um significado simbólico interno que era importante no sentido em que a informação circulava horizontalmente e a decisão verticalmente sem problemas. Como já se disse, o preço desse

21 Hoje esta falta de informação on-line está corrigida.

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funcionamento era a decisão personalizada com poder para decidir contra todas as opiniões técnicas. Mas não se confunda as pessoas com a organi-zação e a estrutura. O GC funcionou como um cluster em vários aspectos não só por causa das pessoas que lá trabalhavam mas porque foi concebido de raiz para obviar aos defeitos da Cooperação pública tal como eram per-cebidos pela equipa que preparou em 1997/8 o seu nascimento.

Nos países parceiros a organização foi feita à base de um programa com identificação dos projectos por país efectivamente discutidos com o ministro homólogo, de um protocolo e um conselho de parceiros por pro-jecto. Procurou-se ter pessoas portuguesas “representantes”22 do GC nos países. A estrutura organizativa dos programas era acompanhada sempre pelas mesmas pessoas que em geral iam pelo menos uma vez por ano ao país ver as actividades dos projectos, reunir com beneficiários e com os parceiros e articular com os ministérios locais homólogos as relações de cooperação. As verbas eram disponibilizadas directamente para as contas bancárias das entidades executoras/coordenadoras dos projectos (exigin-do-se, nestes casos, a prestação de contas por parte destas entidades), ou através da abertura de uma conta específica na embaixada de Portugal – o ensaio foi feito com Moçambique – e de assistência técnica a essas mesmas embaixadas para organização dos documentos que os projectos implica-vam. O mecanismo de elaboração e aprovação de relatórios de actividades e financeiros não tinha grande inovação, pois o constante acompanhamen-to sempre permitiu saber em qualquer momento como iam os projectos.

Quanto à segunda experiência23, foi constituído, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/99, de 17 de Maio, “um grupo de missão, no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com o objectivo de preparar e coordenar o lançamento, a implementação e a gestão de um programa específico de cooperação intermunicipal afecto ao Programa In-tegrado de Cooperação Portuguesa”. A esse grupo de missão, que estava sedeado no ICP mas dependia directamente do SENEC, competiu:

coordenar e gerir globalmente o programa de cooperação intermunicipal; definir as linhas de orientação estratégica e concertar com as entidades, públicas e privadas, envolvidas as acções a desenvolver; delinear, preparar

22 Legalmente tal não era possível. Mesmo assim houve pessoas em São Tomé que na prática tinham esse estatuto. Depois do período referido também houve em Cabo Verde e na Guiné, sendo esta última uma técnica nacional guineense.

23 Veja-se a tese de mestrado de Costa (2005) e a bibliografia respectiva sobre cooperação intermunicipal.

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e implementar um subprograma de cooperação intermunicipal dirigido à recuperação e valorização do património histórico-cultural dos países de língua oficial portuguesa; promover a participação e acompanhamento do Programa pelas entidades públicas, nacionais ou estrangeiras, com atri-buições nas áreas dos mesmos; elaborar e apresentar relatórios anuais de execução do Programa e avaliação dos seus resultados.

Conforme o n.º 7, “o prazo para a execução da missão, incluindo o pe-ríodo necessário à apresentação do relatório final, estima-se em três anos, sem prejuízo de prorrogação pelo tempo considerado necessário por des-pacho do membro do Governo competente”. Após este período o grupo de missão foi extinto.

As acções e projectos de cooperação a implementar no âmbito do Programa de Cooperação Intermunicipal inseriram-se nos domínios da educação e formação de quadros; cultura e património histórico; infra--estruturas, saneamento básico, urbanismo e ambiente; e apoio em ma-teriais e equipamentos. As candidaturas dos municípios portugueses ao apoio financeiro do programa eram enviadas à Associação Nacional de Municípios Portugueses, nos prazos divulgados para o efeito.

Posteriormente, e em sede de grupo de missão, eram objecto de análise e selecção com ponderação dos seguintes factores: importância da propos-ta no contexto local, face aos níveis de satisfação dos objectivos a atingir; análise do carácter complementar da acção ou projecto, em articulação com outros já existentes ou a construir; análise do impacto da acção ou projecto ao nível local, em termos económicos, sociais, culturais e ambientais24.

Não conseguimos encontrar os relatórios desse grupo de missão no IPAD, apesar da ajuda prestada por técnicos do organismo. As informa-ções recolhidas apontam para um funcionamento difícil com as câmaras e com a ANMP, mas só uma investigação mais demorada e aprofundada per-mitirá perceber o que se passou. Na realidade, após a sua extinção ficámos com a ideia de que voltou tudo ao estado anterior, perdendo-se a memória e não aproveitando a estrutura explicitamente a experiência, sendo um bom exemplo de como não se deve funcionar.

24 Barata, M. (2001), O Programa de Cooperação Intermunicipal, citado por Costa (2005).

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Os intervenientes não estatais25

A análise dos intervenientes não estatais da CID portuguesa é uma investigação a ser feita já que os autores que se debruçaram sobre parte destes actores não procuraram uma visão conjunta de todo o subsector. Vamos apenas apontar algumas notas sobre as características que nos pa-recem significativas para a reforma pretendida com este novo instrumen-to, mas tendo consciência das limitações desta parte do texto, com todo um trabalho de estabelecer tipologias que não está feito.

As entidades existentes que podem ser influenciadas pelo novo instru-mento da Cooperação – os clusters – têm os seguintes componentes para além dos já referidos anteriormente para os intervenientes públicos:

Primeiro, a heterogeneidade dos intervenientes, alguns com lógica estatal – municípios, universidades públicas – outros com motivações de origem no proselitismo religioso – FEC, Leigos para o Desenvolvimento, VIDA –, outros com história de muitos anos de acção caritativa e assistencial – Cruz Vermelha, Exército de Salvação –, outros ainda com funcionamento de empresas privadas utilizando a cooperação como forma de equilibrar a sua vida financeira – universidades privadas, TESE – com uma mis-são definida por um conjunto de fundadores e fundos próprios – Instituto Marquês de Valle Flôr, Fundação Calouste Gulbenkian –, outros ainda fundados por militantes de esquerda animados por razões de realização de códigos éticos mais ou menos politizados – ACEP, ISU.

Uns recém chegados ao campo – Associações de Desenvolvimento Lo-cal –, outros com existência de vinte ou trinta anos – o CIDAC, a OIKOS, a AMI –, outros ainda com uma inserção internacional estruturada em redes – INDE, Médicos do Mundo –, a par de outros que pouco mais são do que um grupo de amigos mais ou menos alargado. Os clusters devem ter processos de análise de candidaturas a projectos que por um lado atendam às vantagens desta diversidade e, por outro, à necessidade de uniformizar o acompanhamento, a prestação de contas e a avaliação, mas sem perder as vantagens de acção que estes intervenientes possuem (Proença, 2005).

Segundo, uma dependência enorme dos financiamentos públicos, seja pela dificuldade de recolher fundos junto da população, seja pela falta de uma lei de mecenato que inclua a cooperação como uma actividade isenta par-cial ou totalmente de impostos. Mesmo a disposição da lei fiscal que per-

25 Que incluem desde “gigantes” como a Gulbenkian até – como dizia o actual presidente da Plataforma das ONG, Pedro Krupenski –, as ING (Individual Não Governamental).

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mite que os particulares façam donativos a ONG dos impostos que têm de pagar em sede de IRS levou vários anos a ser regulamentada. A tal compo-nente junta-se a complexidade das candidaturas aos fundos comunitários que afasta as organizações que não podem ter acesso a recursos huma-nos que saibam movimentar-se nesses procedimentos. Tal dependência arrasta sempre consigo uma subserviência que se exprime na aceitação do mau funcionamento das instituições financiadoras, na orientação das suas estratégias por aquilo que os financiadores pretendem e na fragilidade es-trutural decorrente da possibilidade de recusa de financiamento num ano colocar em causa a existência da organização.

Terceiro, e apesar da união das ONGD numa Plataforma que, em al-turas de grande incompetência por parte do SENEC e/ou por parte da direcção do IPAD já demonstrou – como nos anos de governo de Louren-ço dos Santos ou de Manuela Franco – ser capaz de defender o conjunto das associadas, os intervenientes não estatais têm por característica estrutural a competição entre si pelos fundos disponíveis, praticando permanentemente a lógica de aproveitamento mais ou menos sigiloso de facilidades de acesso a governantes, a técnicos de análise dos projectos ou a decisores sobre fundos para a cooperação, em Portugal ou na União Europeia.

Sem o apoio do Estado, os intervenientes que teriam mais probabili-dades de sobrevivência seriam, parece-nos, as ONG de origem religiosa católica, as ordens religiosas missionárias, aquelas organizações que pro-curam acesso a verbas da ajuda humanitária, ou, ainda, as que têm origem e se mantêm próximas das formações partidárias.

Com uma estratégia de clusters alargada a estes intervenientes haveria de ter muito claro da parte do Estado os objectivos e os procedimentos a seguir para conseguir que o campo participasse, contribuindo com o que tem de positivo e minimizando o que tem de negativo.

Com estas características e sem uma ideia política clara da parte do SENEC e do Governo em geral, será muito difícil a estes intervenientes participarem na reestruturação da CID a partir de um nível de exigência como se pretende para os clusters, tendendo a tornarem-se prestadores de serviços à la carte e desaparecendo a maior parte.

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REFERêNCIAS

Bachelard, G. ([1931] 2006). A epistemologia. Lisboa: Edições 70.

Costa, M. R. C. da. (2003). Redes intermunicipais: Uma nova dimensão económica no quadro da CPLP? Lisboa: Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG/UTL).

MTS. (2002). Pequenos passos na luta contra a pobreza. Relatório de Ac-tividades e Contas - 1998/2001. Lisboa: Ministério do Trabalho e da Soli-dariedade.

Proença, F. (2005). A cooperação descentralizada, um novo modelo. In Roque, F., et al., O desenvolvimento do continente africano na era da mundiali-zação. Coimbra: Almedina.

Ribeiro, M. L. L. (1995). O potencial das organizações não-governamentais portuguesas de desenvolvimento (ONGD). Lisboa: Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral (CIDAC).

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UMA LEITURA DE SÍNTESE DA COOPERAçãO PORTUGUESA

Carlos Sangreman Raquel Faria

Resumo

O principal objetivo deste Capítulo é propor uma análise da Coopera-ção Portuguesa como um sistema complexo e pouco estruturado, para cuja compreensão se parte da metodologia Soft System Methodology (SSM), esquematizada inicialmente por Peter Checkland (1981), de forma a exis-tir um quadro metodológico de análise das questões da Cooperação como a fusão entre o Instituto Camões (ICA) e o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) ou os clusters da Cooperação.

Palavras chave: Clusters, Cooperação, Desenvolvimento, Soft System Me-thodology

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INTRODUçãO – O PROJETO “clusters DA COOPERAçãO”

Este texto faz parte da produção teórica do projeto sobre o novo ins-trumento da Cooperação Portuguesa que são os “clusters da Cooperação”, no contexto das atuais transformações estratégicas e financeiras do setor em Portugal.

O objetivo central é a confirmação ou não da hipótese do conceito e da prática dos clusters da Cooperação para o Desenvolvimento em Angola--ECunha-Huambo, Ilha de Moçambique, Maubara-Ermera-Timor-Leste e São Tomé e Príncipe, serem uma resposta positiva à questão de como ter uma melhor coerência, harmonização e alinhamento, de acordo com o consenso internacional atual. E como essa resposta pode ter um efeito “boomerang” na Cooperação Portuguesa, influenciando a sua prática e os processos de funcionamento.

O projeto propõe utilizar uma metodologia que envolva pessoas da so-ciedade civil e de organizações públicas dos países onde se encontram os clusters em análise, através de entrevistas estruturadas, de forma a serem comparáveis entre países e atores.

Uma das inovações deste projeto consiste na proposta de uma meto-dologia, como a SSM, que permita ter uma leitura global da Cooperação para o Desenvolvimento, onde não só se possam inserir análises de situa-ções problemáticas novas, mas também a padronização dos valores que a “comunidade da Cooperação” pensa que devem ser adotados para a Coo-peração Portuguesa, obtidos através de um inquérito original em Portugal inspirado nos trabalhos de Shalon H. Schwartz, num processo inovador a partir das pessoas que compõem os atores de base.

É precisamente essa proposta de metodologia que será apresentada e desenvolvida neste capítulo.

1. A TEORIA DOS SISTEMAS E A SSM

1.1. As ideias iniciais de sistemas

A Teoria dos Sistemas está ligada aos trabalhos de Bertalanffy e de Boulding (este último sobretudo pela apresentação de uma tipologia de

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sistemas), embora estes autores indiquem nas suas primeiras obras outros autores anteriores que consideram de referência (Bertalanffy, edição de 1993, pp. 9-16; Boulding, 1956, pp. 202-205). A partir da ideia base1 de que “o todo é maior que as partes”, ou seja que o conjunto de componentes de uma situação tem propriedades que as partes não possuem, desenvolveu--se, pós década de 50, a ideia de que era necessário ter uma metodologia de análise holística abrangendo diversos aspetos de uma situação fosse ela qual fosse, que permitisse clarificar a existência de problemas e da procura da sua solução [ver história da Teoria dos Sistemas em Kasper (2000) ou Checkland & Scholes (1999), ed. 2000]. Ou como foi expresso por Senge (2000, p. 76), “um conjunto de conhecimentos e instrumentos … que tem por objetivo tornar mais claro o conjunto e nos mostrar as transformações a serem feitas para melhorá-lo”.

A outra ideia inicial da Teoria dos Sistemas foi a interação, seja entre os seus componentes, seja entre sistemas fechados e sistemas abertos, sendo que estes últimos possuem como “propriedade fundamental a capacida-de de manter a sua organização realizando trocas com o ambiente exter-no” “com capacidade de compensar alterações temporárias no seu meio através de flutuações reversíveis internas” (Bertalanffy, 1993, p. 45). Com Ackoff (1974) foi acrescentada a ideia que as mudanças verificadas nas sociedades industriais, a partir de meados do século XX, levaram a que as organizações se tornassem cada vez mais interdependentes, tornando-se indispensável uma visão sistémica para analisar e resolver os problemas que vão surgindo para o prosseguimento dos seus objetivos. Este autor conclui que a Teoria dos Sistemas é aplicável a qualquer atividade humana já que “um sistema é um conjunto de dois ou mais elementos de qualquer tipo; por exemplo conceitos (como no sistema de números), ideias (como em sistemas filosóficos), objetos (como num sistema telefónico ou num organismo) ou pessoas (como numa sociedade)“ .

A estas ideias centrais, a equipa de Peter Checkland acrescentou a dis-tinção de sistemas hard e soft a partir do trabalho de Vickers (1965) e mais tarde de Ulrich (1998) sobre sistemas apreciativos com níveis diferentes de coesão dos fenómenos sociais e das diferentes capacidades de julga-

1 Bertalanffy (1993, p. 92) tem no capítulo 3 do seu livro “Teoria Geral dos Sistemas” estas ideias base como axiomas numa construção matemática da teoria. Mas ele próprio afirma não ser satisfatória a formulação através de equações diferenciais a que chega, chamando a atenção, como conclusão final do capítulo, de que é necessário conhecer os problemas e só depois procurar a formulação matemática, sob pena de atrasar o estudo dos verdadeiros problemas.

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mento/apreciação humana de fatos e de valores. Assim, para a equipa de Checkland e autores posteriores, os sistemas soft têm três noções centrais: primeiro, as situações sociais em sistemas de atividade humana são passí-veis de diferentes interpretações por vários intervenientes, conforme a sua visão do mundo, sem que se possa afirmar que uma prevalece sempre so-bre as restantes; segundo, os modelos de síntese das situações servem para tomar decisões face a problemas existentes e não para fazer previsões; e terceiro, as metodologias adotadas são um processo de aprendizagem que pode alterar a situação e a visão dos intervenientes num processo de procura de solução para uma situação problemática que esteja em análise.

1.2. A metodologia SSM2

A SSM é um processo (organizado, flexível e baseado no pensamento sistémico) de reflexão sobre ações a serem tomadas para a concretiza-ção de mudanças organizacionais que sejam percebidas como favoráveis à melhoria de situações consideradas problemáticas (Checkland, 1981; Checkland & Scholes, 1999). Trata-se, portanto, de uma estruturação, a partir das ideias base de sistemas, da maneira de pensar sobre o que seria apropriado fazer diante de situações sociais complexas, consideravelmen-te comuns no quotidiano das organizações, em que há uma perceção de que mudanças precisam ser feitas para aliviar as tensões envolvidas (Che-ckland & Poulter, 2006).

A SSM, da maneira como é proposta, é vista não apenas como um processo para resolução de problemas organizacionais, mas também, e principalmente, como uma forma de fomentar a aprendizagem dos ato-res envolvidos, aumentando o espectro de aspetos organizacionais por eles apreciados, a partir da explicitação e do debate acerca de diversas e diferenciadas perspetivas relacionadas com a mesma problemática (Che-ckland, 1981; Checkland & Poulter, 2006).

Assim, enquanto o pensamento hard vê o mundo como contendo sis-temas cujos desempenhos podem ser otimizados pela aplicação de pro-cedimentos sistemáticos, a corrente teórica do Soft Systems Thinking vê o mundo como real, mas extremamente complexo e problemático, sendo

2 Vamos utilizar as abreviaturas que derivam da língua inglesa já que a maior parte da bibliografia utilizada está redigida nesse idioma.

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necessário, para conhecê-lo e melhorá-lo, trabalhar num mundo sistémico de análises lógicas com ênfase na aprendizagem dos diferentes atores en-volvidos (Checkland & Scholes, 1999; Checkland & Poulter, 2006).

A SSM foi desenvolvida por Checkland (1981), a partir da constatação de que as metodologias hard – como a Pesquisa Operacional, a Engenha-ria de Sistemas e a Análise de Sistemas – eram limitadas para a resolução de determinados problemas. Procura enriquecer a compreensão de uma determinada situação, sem se preocupar diretamente com a resolução al-gorítmica de um suposto problema. É aplicada, principalmente, em am-bientes onde a questão não é tanto “como fazer algo”, mas sim “o que se deve fazer” (Pidd, 1998).

É uma metodologia sistémica que visa a identificação e a estruturação de situações problemáticas, caraterizadas por diferentes perspetivas de de-finição. Neste sentido, a SSM pode ser, basicamente, definida como uma metodologia de “estruturação de problemas” ao invés de “resolução de problemas”, já que predominantemente lida com situações problemáticas desestruturadas, caraterizadas por desacordos e incertezas quanto à natu-reza do contexto do problema (Clarke et al., 1999).

Uma das caraterísticas da SSM é a sua persistente procura de expres-são visual através de gráficos e de imagens de processos ou de situações (as chamadas rich images ou rich pictures). Estes desenhos gráficos, extre-mamente úteis por conseguirem proporcionar uma visão de conjunto do sistema que se estuda, têm tendência para serem demasiado personaliza-dos, tornando-se de difícil compreensão para outras pessoas que não os autores.

Vamos fazer aqui uma interpretação nossa das fases da metodologia preconizada por Peter Checkland e outros autores referidos, tendo como referência a descrição das fases tal como esses autores as foram fazendo ao longo do tempo [pode-se ler uma síntese em Checkland (1999), uma revisão de 30 anos de evolução da metodologia].

Essa metodologia procura ter uma leitura da situação de base, num momento t, de um sistema construído a partir de um conjunto de análises com diferentes focos, e de um modelo de funcionamento, que permita a consideração de uma “situação problemática” ou “problema,”3 com uma

3 A utilização da primeira expressão quer indicar que não há uma definição muito precisa do problema em causa, mas sim uma situação onde os intervenientes têm a perceção que existem problemas, mas não conseguem defini-los de forma precisa.

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avaliação de como executar uma transformação, das ações para solucionar essa situação e da perceção de como essa solução vai afetar a leitura da situação de base num momento t+1. Para a leitura de base e a definição da situação problemática, a metodologia propõe um conjunto de três análises com foco no ambiente social e cultural externo (A2) e no ambiente social interno, ou seja, a relação entre si de poder dos intervenientes mais diretos no sistema em análise (A3).

Esquema 1 - Representação da nossa interpretação das fases da SSM, tendo por base a leitura de base t inicial4

Leitura de base t

Situação problemática

Leitura de base t+1

Avaliação de soluções

Transformação

Ações

efeitos em

A1, A2, A3 e modelo t

Para que estas análises sejam coerentes, é necessário precisar um con-junto de conceitos e variáveis, necessários a essa coerência, sintetizados na mnemónica CATWOE5, que são os (C) Clientes, beneficiários, parceiros; (A) Atores, intervenientes; (T) Transformação, evolução; (W) Visão socio-política do sistema, incluindo valores éticos; (O) Atores centrais com ca-pacidade de configurar a situação base6; (E) Ambiente externo, incluindo tecnologia se for relevante; e de questões também sintetizadas nas letras

4 Os autores que utilizam a SSM têm tendência para utilizar formas curvas nas represen-tações gráficas para expressar a ideia da flexibilidade da metodologia. Não consideramos importante fazê-lo sistematicamente.

5 C - Clients; A - Ators; T - Transformation; W - Weltanschanung; O - Owner ; E - Environ-mental constraints.

6 Checkland usa este elemento para definir aquele ator que tem o poder de parar ou modi-ficar o processo de transformação/sistema. Julgamos que num sistema de atividades huma-nas é preciso diferenciar o poder de modificar do poder de parar, que consideramos existir apenas pontualmente.

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PQR (O que faz o sistema? Como faz? e Porque faz? Ou “Fazer P através de Q para obter R”). O conjunto CATWOE + PQR designa-se por root definition.

A análise da situação existente, a partir dos conceitos da root defini-tion (A1) completam os elementos necessários à leitura de base. O nosso entendimento sobre esta A1, é que constitui a análise mais factual do sis-tema em estudo, com caraterísticas mais descritivas do que avaliativas, re-correndo a dados estatísticos elaborados por diversas fontes. Pode incluir elementos pouco definidos expressamente pelos atores, em geral, como os valores vigentes no momento t ou a capacidade flexível de configuração de todo o sistema por parte dos atores centrais.

Esquema 2 – Esquema representativo do processo CATWOE/PQR,Análises 1, 2 e 3 e modelo

CATWOE

PQR

Modelo

Leiturade base

A1

A2

A3

Com essas análises elabora-se um modelo7 de funcionamento da situa-ção, para o qual é necessário definir quais as funções que os intervenientes executam; utiliza-se para perceber quais os efeitos que a solução encon-trada para a situação problemática tem na leitura de base num momento temporal diferente. Checkland considera que esses modelos devem ser ex-pressos em comportamentos sintetizados em verbos, como por exemplo, “Faz Y financiando Z para chegar a X”.

Dito de outro modo, procuramos uma função de comportamento dos

7 Note-se que os modelos podem variar conforme a visão que os diferentes observadores têm da situação real, sendo sobretudo partes de um debate sobre sistemas de atividades humanas. O mesmo para algumas das variáveis da mnemónica CATWOE, nomeadamente a visão e o peso relativo dos valores para cada tipo de ator.

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diferentes atores e do conjunto dos atores. Ou seja, procuramos uma fun-ção síntese do comportamento do sistema que terá nos subsistemas as fun-ções dos atores que o compõem. Pelo menos em parte, poderá constituir o conteúdo das respostas às perguntas colocadas na referida sigla PQR.

Parece-nos que o modelo tipo da Cooperação poderá ter a seguinte expressão visual:

Esquema 3 - Expressão visual da Cooperação

Tal modelo responde ao critério PQR aplicado à Cooperação, pois te-mos de “Financiar e influenciar (P) de acordo com o conhecimento e a visão existente (Q) para executar (R).”

Avaliaçãode

soluções

Os critérios para avaliação de soluções têm de ser escolhidos conforme a situação em concreto e de entre os clássicos apropriação, eficácia, efi-ciência, sustentabilidade, coerência, impacto, ética/valores, …, ou outros adequados ao sistema em análise. Por exemplo para o sistema de Coopera-ção Internacional para o Desenvolvimento (CID) o critério da apropriação ou o critério da sustentabilidade, depois do fim do financiamento externo.

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Como escreve Oliveira (2014) :

Em termos gerais, os processos de monitorização e avaliação servem essencialmente três propósitos distintos: analisar a qualidade da interven-ção, disponibilizando dados sobre o seu progresso e eficácia e melhorando a gestão e o processo de decisão do programa; permitir a prestação de contas entre os diversos stakeholders envolvidos na intervenção (financiadores, parceiros, beneficiários) e ainda a aprendizagem, criando oportunidades para aprender e actualizar conhecimento a partir daquela experiência e facultando lições para futuras intervenções.

O primeiro documento oficial inteiramente dedicado ao processo de avaliação surge em 1991 e resulta de uma encomenda do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da Organização para a Cooperação e Desen-volvimento Económico (OCDE) a think tanks finlandeses que identifica-ram 4 (quatro) critérios essenciais na avaliação: a relevância da ação, no que diz respeito às prioridades e necessidades do país; a eficácia, identifi-cando se os objetivos inicialmente traçados foram atingidos; a eficiência, enquanto medida de uma relação custo/benefício; a sustentabilidade, atra-vés de a avaliação dos benefícios e da viabilidade da ação após o termo do projeto. A estes 4 (quatro) critérios, foi adicionada mais tarde a questão do impacto, que procurará identificar as mudanças diretas e/ou indiretas, positivas e/ou negativas, produzidas pela ação (OCDE, 1991, Proença, 2009). Este critério – que procura analisar aquilo que perdurou para além da intervenção de Desenvolvimento – tem sido tema de discussão entre aqueles que analisam processos de avaliação (nomeadamente ao nível das organizações internacionais, agências de desenvolvimento, ONG e acade-mia), na medida em que pressupõe uma análise a longo prazo das mudan-ças ocorridas num determinado contexto, incluindo os efeitos perversos ou imprevistos da intervenção, que não estão previstos no atual consenso de avaliação sintetizado no quadro lógico (Oliveira, 2014).

Proença (2009, p. 142) menciona ainda que

A utilização do quadro lógico como guião da avaliação é um dos aspectos alvo de crítica ao modelo, já que acaba por modelar a avaliação no sentido de uma abordagem que se poderá classificar como “estática e formatada”, sem espaço para analisar o que se passa para além de, ou em vez de - justamente em processos de mudança que se supõem ser dinâmicos e com um elevado grau de imprevisibilidade.

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A leitura de base da Cooperação Portuguesa que aqui pretendemos definir parte precisamente de um conceito de sistema geral da Coopera-ção como soft system, como anteriormente mencionado, e os critérios do quadro lógico só em parte podem servir para a avaliação. Já as normas editadas pelo CAD/OCDE em 2006, utilizam um conceito de avaliação mais abrangente incluindo critérios de justificação, finalidade e objetivos da avaliação, definição dos parâmetros, do contexto, métodos e fontes de informação, independência, o normativo ou deontologia, a qualidade, e a pertinência dos resultados. Mas tal abrangência também implica uma di-minuição da operacionalidade na avaliação da ação em concreto.

No seguimento da Conferência de Paris de 2005, a Cooperação Por-tuguesa elaborou um plano nacional (Plano de Ação de Portugal para a Eficácia da Ajuda, IPAD, 2006) com medidas e metas e até uma calendari-zação, mas as questões colocadas por Proença (2009, p. 147) continuam a ter poucas respostas do conjunto do sistema geral da Cooperação:

É adequada a utilização, com o mesmo peso, de critérios que têm como objectivo uma avaliação estrita de resultados no termo da ação, i.e. o cri-tério da eficácia, relativamente a critérios que têm como objectivo avaliar o que mudou e que vai perdurar, i.e. os critérios do impacto ou da sustenta-bilidade? É possível avaliar o impacto futuro dentro de um ciclo de projeto determinado pelo quadro lógico, que por sua vez classifica a avaliação como se fosse mais uma atividade, a última a realizar, e que vai relacionar estritamente objectivos pré-definidos com resultados alcançados no final do ciclo? Quais daqueles critérios permitirão submeter a tese de partida a uma análise empírica que possa validar ou renovar conhecimentos? Que espaço fica para valorizar adequadamente a inovação? Quais daqueles critérios permitem considerar o processo como uma marca distintiva e que valorizem questões como o papel dos atores externos, o conteúdo das parcerias e as relações de poder, a transparência e prestação de contas, a participação, a apropriação e o empowerment por parte das populações? Como operacionalizar o critério da sustentabilidade, como transversal ao processo de avaliação na [Cooperação descentralizada] e numa aborda-gem qualitativa, que não o reduza a indicadores do tipo n.º de horas de formação (como indicador recorrente de justificação de sustentabilidade)? Que definição de sustentabilidade para algumas acções de curta dura-ção? Podem os critérios sustentabilidade e impacto serem autonomizáveis? Como adequar a avaliação dos custos a critérios qualitativos (como os relacionados com o processo) e não meramente aos resultados quantitati-vos? Como aplicar o conceito de eficiência nos projetos de desenvolvimento social ou marcadamente de inovação?.

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Peter Checkland apresenta como critérios, a adotar genericamente nos processos da SSM, a Eficácia (“Essas atividades vão dar origem ao output declarado no processo?”), Eficiência (“Está a ser utilizado o mínimo de re-cursos?”) e Efetividade (“Está a fazer-se o que é correto? Os nossos objeti-vos vão ser alcançados no longo prazo?”). Posteriormente identificou mais 2 (dois) critérios, que ao contrário dos primeiros, são opcionais: Ética (“É moralmente correto o que se está a fazer?”) e Elegância (“É um processo esteticamente agradável?”) (Checkland, Forbes & Martin in Mirijamdot-ter & Bergvall-Käreborn, 2006, p. 83).

A nossa proposta consiste em ter quatro critérios “chapéu” que podem e devem ser desdobrados em maior pormenor conforme o sistema, subsis-tema, programa, projeto ou ação de Cooperação em análise: a Coerência, a Eficiência, a Sustentabilidade/ Apropriação e a Eficácia (CESE).

Relacionam-se com a harmonização, o alinhamento e a orientação para resultados (Declaração de Paris, 2005) não só de beneficiários mas também de financiadores. Mas também com os processos, a estabilidade institucional e a governação do conjunto de parceiros, tendo em conta ob-viamente a relatividade das situações. Ou seja, analisar a instabilidade do sistema geral da Cooperação Portuguesa, decorrente da média de tempo de exercício das direções dos organismos coordenadores ou dos Secretá-rios de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (SENEC) (ver Anexo 1 no final do livro), é diferente da análise que se possa fazer ao nível da instabilidade das instituições de um Estado em situação de fragilidade como a Guiné Bissau, apesar do critério teórico ser o mesmo. A coerência tem a ver com os valores adotados pelos atores expressos em códigos de conduta, políticas públicas, estatutos de intervenientes. No sentido mais micro, tem a ver com o conjunto de ações apoiadas por um financiador relacionadas com as suas prioridades, bastando consultar a listagem de apoios do IPAD nos últimos anos publicados em Diário da República (DR) para perceber a importância deste critério, dada a dificuldade em entender a razão de ser de muitos apoios.

A figura seguinte ilustra toda a aplicação da metodologia ao sistema de Cooperação.

Contudo, é importante reter que a rich image poderia ser diferente. Por exemplo, para analisar a situação problemática que constitui a fusão do IPAD com o ICA dando origem ao atual Camões-Instituto da Coopera-ção e da Língua (Camões-ICL), a tese de doutoramento de Raquel Faria

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(2014) na Universidade de Coimbra, utiliza outra variante de rich image continuando a respeitar a metodologia da SSM, mas indo verificar as al-terações desejáveis ao nível do que chamamos aqui a própria leitura base.

No que pretendemos construir neste texto, partimos de uma leitura base e propomos alterações mas sem pôr em causa as análises que supor-tam a definição dessa leitura base.

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C A T W O E P Q R

Mod

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Lei

tura

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A1

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A3

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Situ

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2. A COOPERAçãO PORTUGUESA – ANáLISE COM A SSM

Neste ponto vamos aplicar a SSM, tal como definimos no anterior, ao sistema geral da Cooperação Portuguesa de forma a ficarmos com uma leitura de base.

A Cooperação Portuguesa cumpre o requisito fundamental para aplica-ção desta metodologia que é a de ser um sistema pouco estruturado, com conceitos de base, visão, princípios e valores explicitados variáveis com o tempo e com os atores/intervenientes envolvidos; estrutura, processos e instrumentos não estabilizados, desde que começou a formar-se pós 1974; e atividades e atores mais estabilizados, embora com variações ao longo do tempo.

O cluster da Cooperação Portuguesa em Timor-Leste tem procurado pôr em prática uma metodologia de análise (donde decorre um correspon-dente modelo de gestão) que privilegia a apropriação pelos poderes locais da região onde está inserido, utilizando como instrumento de gestão as técnicas agrupadas na designação Balanced Scorecard8. Adotamos a posição de que a análise do sistema geral de Cooperação não pode ser feita segun-do esse instrumento pela sua estruturação soft, mas projetos concretos como os que integram os clusters e outros podem ter esse modelo de gestão na sua implementação, melhorando a eficácia da sua execução, embora sem pretensões a utilizá-lo a um nível mais geral.

Teremos assim uma metodologia de análise e outra de gestão na área da Cooperação para o Desenvolvimento: a SSM para o sistema geral de Cooperação Portuguesa9 (SGC) e a Balance Scorecard (BSC) para os proje-tos em concreto. Temos consciência que níveis intermédios de organiza-ção como os Programas Integrados de Cooperação ou como os clusters da Cooperação, sendo formados por um conjunto bilateral e multilateral com algum tipo de gestão em comum, poderão ser ou não abrangidos por uma das metodologias referidas.

8 Value Balanced Scorecard é uma metodologia para as empresas explicitarem, consolidarem e focalizarem as suas políticas e ações na prossecução e desenvolvimento da sua missão, dos seus objetivos, estratégias e metodologias assentes em quatro pilares de análise fundamen-tais: clientes, financeiro, proces-sos internos e aprendizagem-crescimento, complementa-dos pelas vertentes de análise de risco e avaliação de desempenho (os autores de referencia são Robert Kaplan e David Norton).

9 Note-se que nos referimos ao sistema português e não ao internacional. Ambos são redes de organizações e pessoas que promovem a CID mas com características diferentes.

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2.1. Definição de root definition, conceitos e análise base

• (C) Clientes, beneficiários, parceiros

Os beneficiários ou parceiros recetores da Ajuda, designados segui-damente por recetores10, são em primeiro lugar os países definidos clara-mente (ou pela prática, durante anos da Cooperação Portuguesa11) como prioridade pela estratégia da Cooperação em vigor: os PALOP e Timor--Leste. Em segundo lugar, todos os países considerados pelo CAD/OCDE como recetores da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), incluindo os territórios como a Palestina, o Sahara Ocidental que podem ser ou não, em determinado tempo histórico, reconhecidos como Estados pela Orga-nização das Nações Unidas (ONU).

Note-se que o sistema de Cooperação português inclui atividades de Educação para o Desenvolvimento (ED), que não sendo Cooperação reali-zada com outros países, contribui decisivamente para o apoio da população à Cooperação e são na maioria financiadas por verbas da instituição públi-ca que coordena a CID. Assim o SGC também inclui como beneficiários/recetores a própria população portuguesa em geral, através da ED. Mas o nosso critério de escolha dos atores foi a realização presente ou passada de atividades que possam ser classificadas de Cooperação, quer tenham ou não solicitado financiamento ao coordenador estatal da CID.

10 O termo que David Ellerman utiliza (os “doers” – procurando evidenciar o facto que quem executa as ações que têm como objetivo melhorar o desenvolvimento dos países são as populações locais, em contraste com os “helpers” que ajudam os anteriores a realiza-rem essas acções) também poderia ser utilizado. Porém, a tradução destes termos não tem correspondência no vocabulário utilizado pela Cooperação Portuguesa que é o foco desta investigação.

11 Apesar do CAD afirmar nas avaliações que fez, que Portugal apenas tinha Cooperação com as ex-colónias e devia alargar o âmbito das suas ações, nunca nenhum secretário de Estado conseguiu convencer os atores públicos ou privados a investir na Cooperação nou-tros países que não os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Timor--Leste. Julgamos que é uma questão que tem a ver com a identidade nacional portuguesa ainda muito influenciada pela história recente de Portugal como um império mundial, pela guerra colonial, por migrações por períodos longos e pela descolonização e retorno de muitas pessoas dos novos países que se espalharam pelos seus locais de origem em Portu-gal, encetando estratégias de adaptação social e económica que, em muitos casos, deram uma vida nova a muitas regiões. Também é esta identidade que está a configurar as rela-ções económicas e de emigração de portugueses, originadas pela crise desde 2008 até ao presente, sobretudo com países como Angola e Moçambique.

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• (A) Atores, intervenientes estatais e não estatais12

A análise aprofundada dos intervenientes da administração central, local, regional e não estatais do SGC português é uma investigação a ser feita já que os autores que se debruçaram sobre parte destes atores (so-bretudo em teses de mestrado e poucas de doutoramento) não procuraram uma visão conjunta de todos os intervenientes13.

Atualizando a análise feita em 2007 (ver capítulo anterior), podemos identificar os atores ou intervenientes14 no “campo” da Cooperação Portu-guesa que efetuam ações que a OCDE considera como possíveis de serem classificadas como CID. A maioria das classificações opta por utilizar uma tipologia assente nas formas que assume a Cooperação bilateral, multila-teral, descentralizada ou empresarial. Numa caraterização mais fina, pode-mos ter uma tipologia em 4 (quatro) grupos conforme as suas funções de comportamento esperado, dois grandes grupos de quem tem como ativi-dade principal a CID e quem tem como atividade secundária ou ocasional; e outros dois com quem depende e quem não depende dos financiamentos públicos para se manter com atividade no “campo”15.

As suas funções de comportamento são influenciadas, em primeiro lu-gar, pela heterogeneidade dos intervenientes, alguns com lógica estatal (municípios, universidades públicas); outros com motivações de origem no proselitismo religioso [fundações e Organizações Não Governamen-tais para o Desenvolvimento (ONGD) como a Fundação Fé e Coopera-ção (FEC) e os Leigos para o Desenvolvimento]; outros com história de muitos anos de ação caritativa e assistencial (Cruz Vermelha, Exército de Salvação, Cáritas); outros com funcionamento de empresas privadas utilizando a Cooperação como forma de equilibrar a sua vida financeira (universidades privadas) com uma missão definida por um conjunto de

12 Como já se referiu no capítulo anterior estes atores incluem desde “gigantes” como a Gulbenkian, até - como dizia o atual presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD, Pedro Krupenski, - os Individuais Não Governamentais (ING).

13 Com algumas exceções, das quais salientamos Sousa (2004) Cap. VI, Palma (2006) so-bretudo o quadro no Anexo 7 e a tese de doutoramento de Faria (2014).

14 O termo “agentes da Cooperação”, que podemos encontrar nalguns textos, tem um âmbito e definição específicos, com correspondência legal, não sendo equivalente a atores ou intervenientes.

15 Todos estes atores / intervenientes podem ter atividades de ED mesmo não tendo nenhuma de Cooperação. É o caso de escolas que fazem exposições e trabalhos com alunos sobre temáticas da Cooperação mas não têm nenhum projeto com um país não português. Mas como foi referido antes não se analisa aqui a ED.

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fundadores e fundos próprios [Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF), Fundação Calouste Gulbenkian (FCG)]; outros ainda fundados por mi-litantes de esquerda animados por razões de realização de códigos éticos mais ou menos politizados [Associação para a Cooperação Entre os Po-vos (ACEP), Instituto de Solidariedade e Cooperação Universitária (ISU), Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral (CIDAC), Fundação Portugal-África], ou por militantes mais próximos da direita animados por um dever de “fazer bem” mesmo sem uma dominante reli-giosa como o Voluntariado Internacional para o Desenvolvimento Africa-no (VIDA).

Uns recém-chegados ao campo [associações de desenvolvimento local (ADL), Fundação Energias de Portugal (EDP)], outros com existência de vinte ou trinta anos [CIDAC, Oikos-Cooperação e Desenvolvimento (Oikos), Assistência Médica Internacional (AMI), ACEP], outros com uma inserção internacional estruturada em redes [INDE-Investigação e Desenvolvimento (INDE), Médicos do Mundo (MDM)], a par de outros que pouco mais são que um grupo de amigos mais ou menos alargado16.

Em segundo lugar, por uma dependência enorme dos financiamentos públicos, seja pela dificuldade de recolher fundos junto da população, seja pela falta de uma lei de mecenato que inclua a Cooperação como uma ati-vidade isenta parcial ou totalmente de impostos. Mesmo a disposição da lei fiscal que permite que os particulares façam donativos a organizações não governamentais (ONG) dos impostos que têm de pagar em sede de IRS levou vários anos a ser regulamentada. A tal componente, junta-se a complexidade das candidaturas aos fundos comunitários que afasta as organizações que não podem ter acesso a recursos humanos que saibam movimentar-se nesses procedimentos. Tal dependência arrasta sempre consigo uma subserviência que se exprime na aceitação do mau funcio-namento das instituições financiadoras, na orientação das suas estratégias por aquilo que os financiadores pretendem, seja individualmente seja de acordo com os temas da “moda”, e na fragilidade estrutural decorrente da possibilidade de recusa de financiamento num ano colocar em causa a existência da organização.

Em terceiro lugar, e apesar da união das ONGD numa Plataforma que,

16 Veja-se Proença, F. ( 2005). A Cooperação descentralizada: um novo modelo de Coo-peração adaptado a novos contextos políticos e a novas estratégias de desenvolvimento. In Roque, F. (Coord.), O desenvolvimento do continente africano na era da mundialização (pp. 217-240). Coimbra: Almedina.

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em alturas de grande incompetência por parte do SENEC e/ou por par-te da direção do IPAD já demonstrou – como nos anos de governo de Lourenço dos Santos, de Manuela Franco e de Brites Pereira - ser capaz de defender o conjunto das associadas, os intervenientes não estatais têm por caraterística estrutural a competição entre si pelos fundos disponíveis, praticando permanentemente a lógica de aproveitamento mais ou menos sigiloso de facilidades de acesso a governantes, a técnicos de análise dos projetos ou a decisores sobre fundos para a Cooperação, em Portugal, na União Europeia (UE) ou noutras entidades internacionais.

Temos portanto, os seguintes atores no sistema geral de Cooperação Portuguesa:

a) Entidades públicas da Administração Central e órgãos de soberania:

• SENEC/Camões-ICL como ator principal, configurador do SGC com uma função de comportamento esperado de direção política e de coor-denação da CID e que tem como função aplicar a política governamental;

• Governo como um todo, expresso a nível do Programa de Governo e das Grandes Opções do Plano;

• Governos Regionais;

• Assembleia da República (AR), enquanto órgão soberano e promotor da Cooperação parlamentar (Assembleia da República, 2002);

• A Cooperação executada diretamente pelas entidades que integram o poder judiciário;

• Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE);

• O Ministério da Educação e Ciência (MEC), pela influência que têm em todos os programas de Cooperação na educação e bolsas;

• Ministério da Justiça (MJ), por ter uma orgânica específica para a Cooperação e um programa próprio;

• Ministério das Finanças (MF), que tem um programa próprio [Pro-grama Integrado de Cooperação e Assistência Técnica em Finanças Pú-blicas (PICATFin)] e gere as contribuições portuguesas para as organi-zações internacionais;

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• Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social (MSESS), por ter um programa próprio com orçamento que não depende em parte do Orçamento de Estado (OE), mas sim do Orçamento da Segurança So-cial;

• Ministérios com responsabilidade na Cooperação técnico-militar;

• Ministérios em geral exceto os considerados noutro local17;

b) Outras entidades públicas:

• Câmaras e empresas e associações municipais, organizadas em redes, associações de municípios ou isoladamente18;

• Estabelecimentos públicos de ensino de outros graus que não o superior19;

• Juntas de freguesia;

• Bombeiros;

• Unidades de investigação ou laboratórios com entidades públicas de acolhimento20;

• Universidades, institutos e escolas de ensino superior público21;

• Institutos públicos com alguma especialização22;

17 A melhor compilação da Cooperação dos ministérios ainda são os dois livros MNE (1995) e IPAD (2011) que cobrem as atividades entre 1985-1995 e 1996-2010, respetiva-mente. O único ministério que publicou uma obra detalhada sobre os projetos que apoia foi o, na altura, Ministério do Trabalho e Segurança Social (MTSS) (2002) para o período 1998-2001.

18 Quando têm atividade de Cooperação

19 Ver nota 18.

20 Que apresentem a entidades públicas e privadas propostas de projetos de Cooperação ou de investigação nesta área, nomeadamente aquelas entidades que se apresentavam a concurso na área de Estudos Africanos extinta pela direção da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) em 2012 e não se apresentem ao concurso de ONG promovido pelo Camões-ICL.

21 Ver nota 18.

22 Como são exemplo o Instituto de Higiene e Medicina Tropical e o Instituto de Inves-tigação Cientifica e Tropical.

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• Banco de Portugal23

c) Entidades privadas não lucrativas ou lucrativas:

• Associações de migrantes, que podem assumir formas organizacio-nais mais ou menos formais, incluindo grupos de originais de uma mesma terra ou região;

• Centrais sindicais24;

• Cooperativas, quando não tenham estatuto de ONGD;

• Empresas na vertente responsabilidade social25;

• Estabelecimentos privados de ensino de outros graus que não o superior26;

• Fundações que incluam a Cooperação nos seus objetivos estatutá-rios e que não se apresentem às candidaturas de ONGD promovido pelo Camões-ICL27;

• Grupos desportivos e recreativos e clubes desportivos;

• Grupos de amigos28;

• ONGD, quer tenham o estatuto oficial de fundação, cooperativa ou associação, que procuram financiamento nos concursos das ONG devem ser classificadas aqui;

• Organizações confessionais, sejam de que religião forem e quer se apresentem ou não aos concursos para ONG29;

23 Que editou em Setembro de 2013 um boletim com muitos elementos sobre aquilo que faz na Cooperação

24 Que saibamos os sindicatos individualmente não têm atividades de CID, mas as centrais União Geral de Trabalhadores (UGT) e INTERSINDICAL têm.

25 Ver nota 18.

26 Ver nota 18.

27 As entidades como fundações, cooperativas, centros de estudo universitário e até mes-mo universidades privadas podem pedir o estatuto de ONGD e concorrerem a fundos juntamente com outras ONGD. Julgamos que se deve distinguir aquelas que têm este comportamento e as que não o têm.

28 Ver nota 18.

29 As primeiras ONGD surgiram no continente europeu como movimentos religiosos ou

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• Unidades de investigação ou laboratórios com entidades privadas de acolhimento30;

• Universidades, institutos e escolas de ensino superior privado31;

• As ADL, que adquiriram o estatuto de ONGD;

d) Organizações Internacionais e outros financiadores não portugueses:

• Entidades públicas de países financiadores;

• ONG de países financiadores;

• Organizações internacionais [Banco Mundial (BM), ONU e respe-tivas agências como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNI-CEF), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Ali-mentação (FAO), Organização Mundial de Saúde (OMS), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), ..., Bancos Regionais, fundos públicos direcionados para a Cooperação];

• UE, seja como ator político seja como financiador;

• Fundações ou fundos privados com sede noutro país que não Portugal.

e) Recetores da ajuda ou parceiros na Cooperação triangular:

• Governos centrais e regionais, ministérios e municípios de países re-cetores ou parceiros;

humanistas seculares, assumindo, com o passar do tempo, o objetivo comum de defesa de um modelo alternativo de Cooperação direcionado para a sociedade civil, diferente daquele fomentado pela Cooperação estatal dos seus países. Aquelas que têm como origem reli-giões mantêm uma vertente de proselitismo na sua função de comportamento e por isso consideramo-las como uma categoria específica de ator. Existe mesmo uma plataforma portuguesa de coordenação deste tipo de ONG mas com pouca expressão fora do meio religioso.

30 Que apresentem a entidades públicas e privadas propostas de projetos de Cooperação ou de investigação nesta área, nomeadamente aquelas entidades que se apresentavam a concurso na área de Estudos Africanos extinta pela direção da FCT em 2012 e não se apresentem ao concurso de ONG promovido pelo Camões-ICL.

31 Ver nota 18.

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• ONG e outras organizações privadas de países receptores incluindo igrejas seculares, ordens religiosas, sindicatos e cooperativas;

• Organizações públicas de países receptores, como institutos públicos, universidades, centros de investigação, museus, bibliotecas públicas. Na prática há um conjunto de organizações que formalmente são de direito público mas não recebem verbas do Estado ou só recebem muito pontual-mente.

O quadro 1 resume os atores procurando indicar também a sua função de comportamento como principal ou não em relação à CID e se a cessação de financiamento público é condição necessária para a manutenção da ati-vidade, naquilo que Sangreman (2010) chama de critério da sobrevivência.

Quadro 1 - Atores por função de comportamento, importância de atividade na CID e dependência financeira estatal.

FUNçõES DE COMPORTAMENTOAtividade principal

CID

Dependên-cia do fi-

nanciamen-to público português para CID

1.Entidades Públicas Administração Central e AR

- SENEC/Camões-ICL Sim Sim

- Governo como um todo;- Governos Regionais;- Assembleia da República;- MNE;- MEC;- MJ;- MF;- MSESS;- Outros ministérios

Não Não

2.Outras entidades públicas:

- Banco de Portugal- Câmaras e empresas municipais;- Estabelecimentos públicos de ensino de outros graus que não o superior;- Juntas de freguesia, Bombeiros;- Unidades de investigação ou laboratórios com entidades públicas de acolhimento; - Universidades, institutos e escolas de ensi-no superior público;- Institutos públicos

NãoNão

Não

Não

Não

Não

SimSim

Em parte

Em parte

Não

Sim

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3.Entidades privadas não lucrativas ou lucrativas

- Associações de migrantes -Empresas incluindo os bancos na vertente responsabilidade social;-Estabelecimentos privados de ensino de outros graus que não o superior;-Fundações que incluam a Cooperação nos seus objetivos estatutários e que não se apre-sentem às candidaturas de ONGD promovi-do pelo Camões-ICL;- Grupos desportivos, recreativos;- Grupos de amigos;- ONGD;- Organizações confessionais;- Centrais sindicais;- Cooperativas;- Unidades de investigação ou laboratórios com entidades privadas de acolhimento; - Universidades, institutos e escolas de ensi-no superior privado;

Sim

Não

Não

Não

NãoSimSimNãoNãoNão

Não

Não

Não

Não

Não

Não

NãoNãoSimNãoNãoNão

Não

Não

4. Organizações internacionais e outros financiadores não portugueses

- Ministérios de países simultaneamente recetores e financiadores;- ONG de outros países financiadores;- Organizações internacionais;- UE;- Fundações ou fundos Privados;

NãoSim

Em parteNão

Em parte

Não se aplicaNão se aplicaNão se aplicaNão se aplicaNão se aplica

5. Recetores da Ajuda ou parceiros na Cooperação triangular

- Governos centrais e regionais, ministérios de países recetores ou parceiros;- ONG e outras organizações privadas simi-lares de países recetores;- Organizações públicas de países recetores.

Não

SimNão

Não

NãoNão

Os parceiros ou beneficiários prioritários da Cooperação Portuguesa não se alteraram ao longo do tempo, apesar da inclusão, nos últimos anos, de países como Marrocos e Tunísia com peso no tipo de Cooperação que se designa por Cooperação Empresarial concretizada por linhas de crédito. A política de Cooperação concentrou os seus esforços na ajuda aos PALOP, e depois Timor-Leste, o que naturalmente se explica pelo enorme peso da história e das afinidades linguísticas e culturais que Portugal mantém com esses países, realidade que foi, aliás, muito reforçada com a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em 1996.

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Como já se referiu na nota 11, as componentes da identidade social comum resultante (como a língua oficial, o modo de vida familiar, os pa-drões de consumo, uma matriz legislativa idêntica e um sistema político--administrativo muito similar na teoria e na prática), faz com que os ser-viços públicos e as organizações privadas em Portugal resistam a que a Cooperação seja alargada a países como o Mali, o Zimbabwe, a República Democrática do Congo (ex-Zaire), etc., presentes na Cooperação portu-guesa desde há mais de vinte anos, mas sempre com um peso insignifican-te (MNE, 1995).

Alguma transformação ocorrida nesta exclusividade de parceiros foi--se dando devido essencialmente a dois tipos de fatores externos:

• Por um lado, a integração na UE obrigou Portugal a assumir deter-minados compromissos na sequência da sua posição de membro da comu-nidade doadora internacional, o que implicou novos condicionamentos à sua APD;

• Por outro lado, a readmissão, em 1991, como membro doador do CAD/OCDE, impôs à política de Cooperação, que até aí tinha um pendor predominantemente bilateral, um esforço no sentido de colocar a sua APD ao “serviço” dos instrumentos multilaterais, nomeadamente no que res-peita às agências especializadas das Nações Unidas. Tal perspetiva apenas foi claramente assumida na definição da estratégia contida no documento Uma visão estratégia para o século XXI, de 2005.32

A imagem que se apresenta pretende agrupar os atores referidos em 5 grupos e utilizar o ditado popular de que “sem ovos não se fazem omeletes” para dar visualmente a ideia que sem os vários atores não há Cooperação. Pode haver relações externas, mas Cooperação para o Desenvolvimento como é entendida hoje por consenso internacional não há.

32 Embora a única concretização de inserção de um país com pouca história comum seja a aprovação da Guiné Equatorial como membro da CPLP.

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Figura 1 - Atores da Cooperação Portuguesa - analogia.

• (T) Transformação, evolução

Na metodologia SSM, e conforme refere Checkland, esta componente consiste na definição da evolução ou transformações ao nível das estrutu-ras, procedimentos e atitudes (citado em Almeida & Martinelli, 2008) que o sistema teve num período a definir. A estas podemos acrescentar a evolu-ção das disponibilidades financeiras e dos recursos humanos, tendo cons-ciência que o cálculo do financiamento da APD se faz com regularidade, mas a estimativa de quais os fluxos que existem no sistema contabilizando todos os atores não está feito com uma metodologia fiável. As transforma-ções que o SGC portuguesa foi tendo desde 1974 podem ser analisadas a partir da evolução dos organismos coordenadores e da ação dos diferentes governos, considerando-se que o ator central determina a evolução dos restantes. Com efeito, mesmo as alterações verificadas na Cooperação da UE ou nas orientações e definições para a APD feitas pelo CAD/OCDE só têm efeito em Portugal depois de assumidas formal ou informalmente pelo configurador do sistema.

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A EvOLUçãO ORGANIZACIONAL DO ATOR PRINCIPAL DA COOPERAçãO PORTUGUESA

O primeiro organismo oficial dedicado à Cooperação para o Desenvol-vimento foi criado através do Decreto-Lei n.º 791/74, de 31 de dezembro, com a designação de Gabinete Coordenador para a Cooperação, constituí-do na dependência direta da Presidência da República por representantes dos vários ministérios setoriais. Era uma estrutura dotada de autonomia administrativa que tinha competências para elaborar estudos, pareceres e relatórios de síntese e de propostas e sugestões relativamente à Cooperação.

Um ano depois, em 1975, por Despacho da Presidência do Conselho de Ministros, de 24 de junho, foi constituída a Comissão de Coordenação das Negociações no domínio económico e financeiro com os novos Estados. Foi neste período que, pela primeira e única vez, existiu um Ministério da Coo-peração (MC), através do Decreto-Lei n.º 532-A/75, de 25 de setembro, com duas Secretarias de Estado: a Secretaria de Estado da Descolonização e a Secretaria de Estado da Cooperação. Foi extinto em agosto de 1976.

Em 1979 foram criados dois novos organismos de Cooperação. E, foi assim que, pelo Decreto-Lei n.º 487/79, de 18 de dezembro, foi constituí-do o Instituto para a Cooperação Económica (ICE), organismo de apoio técnico-administrativo, a que competia assegurar a Cooperação económi-ca e financeira com os países em desenvolvimento. O ICE, enquanto orga-nismo público dotado de autonomia administrativa e financeira, encontra-va-se sujeito a uma tutela conjunta do MNE e das Finanças, mas estava organicamente inserido na estrutura do primeiro ministério.

Em paralelo foi constituída a Direção Geral da Cooperação (DGC), por força do Decreto-Lei n.º 486/79, de 18 de dezembro. A DGC detinha competências nas áreas sócio-cultural, científica e tecnológica, com atri-buições, em especial:

a) Analisar, propor e assegurar a execução de acções, programas e projetos de Cooperação de carácter bilateral ou multilateral; b) Estudar, em estreita ligação com outros organismos públicos, em conformidade com as competências destes, as matérias que hajam de constituir objecto de acordos de Cooperação; c) Preparar e coor-denar a negociação de acordos de Cooperação em ligação com os departamentos oficiais dotados de competência específica nas maté-rias objecto dos referidos acordos.

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Realce-se que o ICE e a DGC não funcionavam como organismos coor-denadores e avaliadores da política de Cooperação, mas sim como organis-mos técnicos, sendo aquelas funções feitas pelo Governo.

Em 31 de dezembro de 1985, pelo Decreto-Lei n.º 529/85, foi aprovada a Lei Orgânica do MNE que veio substituir a de 1966. Nesse mesmo ano, procedeu-se à criação de uma Comissão Interministerial para a Coopera-ção (CIC), composta pelos representantes de diversos departamentos que em cada ministério detinham responsabilidades na área da Cooperação, com as presenças inerentes do Diretor-Geral da Cooperação, do Presiden-te do ICE e do Diretor-Geral das Relações Culturais Externas do MNE, que só se reuniu pela primeira vez em fevereiro de 1988 (Palma, 2006).

De igual modo, foi criada a Comissão Consultiva para a Cooperação (CCC) através do Decreto-Lei n.º 266/85, de 16 de julho, na qual estavam representados alguns agentes económicos como um órgão de consulta, presidida pelo MNE e que reuniu pela primeira vez em março de 1988 (Palma, 2006), mais de dois anos depois, tendo sido extinta em 1994 (De-creto-Lei n.º 48/94, de 24 de fevereiro).

Em 1991, Portugal volta a integrar o CAD/OCDE e, através do Decreto-Lei n.º 162/91, de 4 de maio, criou o Fundo para a Cooperação Económica (FCE), organismo com a natureza de fundo público, dotado de autonomia administrativa, dependente dos Ministros das Finanças e dos Negócios Estrangeiros e que funcionava junto do ICE. Tinha como principal missão promover o espírito empresarial enquanto motor de de-senvolvimento da política de Cooperação Portuguesa, funcionando como seu instrumento financeiro privilegiado com instrumentos como as boni-ficações de taxas de juro, ou mesmo financiamento direto de projetos.

Em 1992, é criado um outro instituto, o ICA, aprovado pelo Decreto--Lei n.º 135/92, de 15 de julho, sucedendo ao Instituto de Cultura e Lín-gua Portuguesa (ICALP) de 1976. Este organismo foi constituído sob a égide do Ministério da Educação, como o principal instrumento de pro-moção e defesa da cultura e língua portuguesa no estrangeiro, passando em 1995 para a tutela exclusiva do MNE.

No ano de 1994 foi aprovado pela Assembleia da República, com a Lei n.º 19/94, de 24 de maio (revista pela Lei n.º 66/98, de 14 de outubro), o Estatuto das ONGD, a partir de uma proposta da Plataforma elaborada em 1989 e discutida com a Comissão Permanente de Negócios Estrangei-ros e Cooperação (Plataforma, 2010).

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No ano de 1994, entra em vigor a nova Lei Orgânica do MNE, apro-vada pelo Decreto-Lei n.º 48/94, de 24 de fevereiro e que visou reforçar a eficácia da execução da política de Cooperação.

Ainda em 1994, com a fusão da DGC e do ICE foi criado o Instituto da Cooperação Portuguesa (ICP), ao abrigo do Decreto-Lei n.º 60/94, de 24 de fevereiro, com a função de único interlocutor institucional do Estado Português no âmbito do planeamento, coordenação, acompanhamento e avaliação da política de Cooperação, como vertente integrada da políti-ca externa do Estado Português. A sua Lei Orgânica foi reformulada em 2001 com Decreto-Lei n.º 192/2001, de 26 de junho, mantendo as suas funções e a sua orgânica de uma forma geral.

Pelo Decreto-Lei n.º 58/94, de 24 de fevereiro, foi recriada a CIC, ten-do como funções apoiar o Governo na definição da política de Cooperação com os países em desenvolvimento; promover a coordenação da execução dos programas e projetos de Cooperação de iniciativa pública e promover o planeamento articulado dos programas e projetos de APD.

Em 1998, foi criado o Conselho Consultivo para a Cooperação Econó-mica Empresarial, com o Decreto-Lei n.º16/98, de 29 de janeiro, e o Con-selho de Ministros para os Assuntos da Cooperação, com o Decreto-Lei n.º 267/98, de 28 de agosto.

Numa tentativa de coordenar a Cooperação intermunicipal33, o Gover-no criou, em 17 de maio de 1999, com a Resolução do Conselho de Mi-nistros (RCM) n.º42/99, “um grupo de missão, no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com o objectivo de preparar e coordenar o lançamento, a implementação e a gestão de um programa específico de Cooperação intermunicipal afecto ao Programa Integrado de Cooperação Portuguesa”. A esse grupo de missão que estava sedeado no ICP mas de-pendia diretamente do SENEC, competiu:

Coordenar e gerir globalmente o programa de Cooperação intermu-nicipal; definir as linhas de orientação estratégica e concertar com as en-tidades, públicas e privadas, envolvidas as acções a desenvolver; delinear, preparar e implementar um subprograma de Cooperação intermunicipal dirigido à recuperação e valorização do património histórico-cultural dos países de língua oficial portuguesa; promover a participação e acompa-nhamento do Programa pelas entidades públicas, nacionais ou estrangei-

33 Veja-se a tese de mestrado de Costa, M. (2005) e a bibliografia respetiva sobre Coope-ração intermunicipal.

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ras, com atribuições nas áreas dos mesmos; elaborar e apresentar relatórios anuais de execução do Programa e avaliação dos seus resultados.

Conforme o ponto n.º 7 “o prazo para a execução da missão, incluindo o período necessário à apresentação do relatório final, [seria de] três anos, sem prejuízo prorrogação pelo tempo considerado necessário por despa-cho do membro do Governo competente”. Após este período, o Grupo de Missão foi extinto.

O parco relatório desse Grupo de Missão no IPAD, difícil de localizar apesar da ajuda prestada por técnicos do organismo, aponta para um fun-cionamento difícil com as Câmaras e com a Associação Nacional de Mu-nicípios Portugueses (ANMP), mas só uma investigação mais demorada e aprofundada permitirá perceber o que se passou. Na realidade ficámos com a ideia que após a sua extinção voltou tudo ao estado anterior, per-dendo-se a memória e não aproveitando a estrutura central a experiência realizada, sendo um bom exemplo de como não se deve funcionar.

A RCM n.º 43/99 de 18 de maio, conhecida por O papel da Cooperação para o Desenvolvimento no limiar do século XXI, procurou definir um maior rigor e coerência estratégica, um comando político mais eficaz, uma orga-nização mais racional e um sistema de financiamento adequado.

Em 1999, e poucos dias depois de publicado o diploma legislativo re-lativo à criação da Agência Portuguesa de Apoio ao Desenvolvimento (APAD), surgiram “oficialmente” os Programas Indicativos de Coope-ração e os Programas Integrados de Cooperação com o Decreto-Lei n.º 327/99, de 18 de agosto onde

são incluídas as atividades a desenvolver, quer pela Administração Central quer por outros agentes, públicos e privados, que promovam pro-jetos de Ajuda ao Desenvolvimento, assim como as correspondentes fontes de financiamento. A sua programação é coincidente com o período de exe-cução do Orçamento do Estado (Sangreman, 2005, p. 15)

O Decreto-Lei n.º 5/2003, de 13 de janeiro, cria o IPAD extinguindo o ICP e a APAD, passando as funções que a APAD exercia de apoio a em-presas para o ICEP.

Em 2005, com a RCM n.º 196/2005, de 22 de dezembro surgiu

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um outro documento estratégico (Uma Visão Estratégica para a Coopera-ção Portuguesa), sendo uma clara continuação e adaptação do primeiro, no sentido em que manteve o essencial da RCM de 1999 e criou novos ins-trumentos como, por exemplo, os clusters e o Fórum da Cooperação para o Desenvolvimento (FCD).

No ano 2007, foi criada a Sociedade Financeira para o Desenvolvi-mento, mais comumente conhecida pela sigla SOFID. Veio, precisamente, responder ao “objectivo do Estado Português em promover a iniciativa privada nos países parceiros”, particularmente através do envolvimento do “tecido” empresarial nacional (Santos, 2011, p. 12 ).

Posteriormente, em 2008, o Governo cria o Fundo da Língua Portu-guesa, com uma dotação de 3 (três) milhões de euros que aumentava ex-ponencialmente o orçamento da Cooperação. A este nível é importante salientar que as linhas de crédito com juros positivos, eram pouco utiliza-das até 1996, mas entre 2006 e 2010 cresceram, estando direcionadas para os países prioritários mas também para outros como Marrocos, Tunísia e China.

Ainda em 2008, o SENEC reúne pela primeira vez o plenário do FCD juntando fundações, a Plataforma das ONGD, universidades, municípios, centrais sindicais, representantes de alguns programas financiados ou não pela Cooperação Portuguesa34 e organizações internacionais com repre-sentação em Portugal. Este FCD reuniu cinco vezes, em plenário entre 2008 e 2010, e organizou-se em grupos temáticos com um dinamizador geral indicado pelo SENEC e um especialista para cada grupo, propondo várias estratégias setoriais da Cooperação e permitindo um contacto entre atores da CID como nunca antes tinha sido possível. Originou também a primeira iniciativa conjunta de quatro fundações (FCG, EDP, Luso Ame-ricana e Portugal-África) e a participação minoritária do IPAD, de apoio a candidaturas de ONGD a linhas de financiamento internacional, num processo executado por um centro de estudos universitário - o anterior Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento, atual Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina (CEsA)/Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)/Universidade de Lisboa (UL).

Em 2007/2008, desenvolveram-se os primeiros estudos sobre a pos-sível implantação dos clusters de Cabo Verde e de Angola, elaborados pela

34 Como o denominado “pobreza zero” ou programas de divulgação e acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM).

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

ONG TESE-Associação para o Desenvolvimento a pedido do IPAD. Os da Ilha de Moçambique e de Timor-Leste começam a ser implementados.

Em 2010, a RCM n.º 82/2010, de 4 de novembro aprova a Lei da Coe-rência que reconhece a coerência das políticas para o desenvolvimento como um instrumento essencial para a melhoria da eficácia da política externa portuguesa, bem como estabelece mecanismos formais de coor-denação e reforço do diálogo interministerial nesta área. Tanto quanto sabemos, as medidas concretas de implementação previstas com o objetivo de criar uma maior coesão entre ministérios nunca foram concretizadas.

No ano de 2011, nada aconteceu sendo um ano perdido para a Coope-ração Portuguesa. Tal deveu-se essencialmente a dois fatores: um de natu-reza política, com a entrada em funções do XIX Governo Constitucional a 21 de Junho de 2011, com um SENEC sem afinidades nem conhecimento da Cooperação e uma nomeação tardia da equipa dirigente do IPAD/ICA, e outro de natureza económica, que se caraterizou por uma conjuntura de fortes restrições orçamentais (Relatório de Atividades do IPAD, 2012).

Por esse mesmo relatório se percebe que o IPAD, nesse ano, se virou para as alterações de procedimentos internos [evidenciados pelo balanço social e pelo Quadro de Avaliação e Responsabilização (QUAR)] e de fun-cionamento resultante da perspetiva de fusão, que se iria verificar no início de 2012, em detrimento de manter o nível de atividade de anos anteriores.

Em 2012, com o Decreto-Lei n.º 21/2012, de 30 de janeiro, é criado o Camões-ICL com o intuito de “potenciar a capacidade de intervenção no desenvolvimento da política de Cooperação Internacional e de promo-ção externa da língua e da cultura portuguesas”, com uma orgânica em silos para a língua e para a Cooperação, em que pela primeira vez, depois da APAD, o organismo de coordenação da Cooperação tem autonomia financeira.

Em julho de 2012, o atual Governo reúne pela primeira vez o plenário do FCD desde que tomou posse, acrescentando as empresas e associações empresariais bem como ONGD individualmente aos convocados em ple-nários anteriores, num total de participantes que torna a reunião muito pouco operacional.

Mais recentemente, em março de 2013, reúne-se novamente o plená-rio do FCD sem que nada tivesse sido feito desde julho de 2012, exceto as contribuições de 12 (doze) entidades sobre a alteração da estratégia.

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Apesar de o SENEC ter afirmado nesse plenário (e colocado no site do Camões-ICL) que os grupos temáticos iriam ser retomados, tal não acon-teceu. Deixou de haver dinamizador específico, passando essa função para o Camões-ICL, e apesar do processo de elaboração de uma estratégia atua-lizada que teve a contribuição escrita de 12 (doze) atores da sociedade civil (universidades, plataforma, ONGD, fundações,…), nenhuma atividade foi desenvolvida por parte do SENEC ou Camões-ICL, mantendo-se em vi-gor a estratégia de 2005.

Em abril, o SENEC é demitido e substituído por um dos vogais do Camões que anuncia estar a rever a estratégia com o gabinete do MNE e consultando outros ministérios. Quatro meses depois e um tanto inespe-radamente o SENEC é novamente substituído,

Temos, portanto, uma evolução da estrutura estatal da CID com uma transformação/variação de modelo em três tipos de instituições: um orientado para a Cooperação económica, empresarial, outro para a Coope-ração para o Desenvolvimento em sentido restrito e outro para a difusão da língua portuguesa.

Esta estrutura tem dois espaços de concertação e coordenação pen-sados para aumentar a coesão entre atores35: a CIC36, onde estão todos os ministérios, e, a partir de 2006 o FCD onde estão os restantes atores. Note-se que entre 2008 e 2010, quando este último FCD esteve realmente ativo, os ministérios sempre mostraram o maior interesse por saberem o que lá se passava, participando nos grupos de trabalho quando a temática lhes dizia respeito (Desenvolvimento rural, Igualdade de género, Saúde, entre outras). Em 2012, a reconfiguração fundiu o ator ICA com o IPAD centralizando as 2 (duas) funções - divulgação da língua portuguesa e Cooperação para o Desenvolvimento.

A estratégia evolui muito pouco desde 1999, introduzindo algumas inovações (clusters e FCD) em 2005 mas mantendo a essência das priori-dades, instrumentos e processos. A partir de 2011, com a introdução da diplomacia económica e a divulgação da língua portuguesa apresentadas nos discursos dos governantes como sendo parte integrante dos objetivos e das atividades da CID, era suposto haver uma atualização da estratégia seguida, tal como começou a ser feito ainda em 2010 pelo anterior Go-verno, mas apenas em 2014 o Conselho de Ministros aprovou o Conceito

35 A partir da ideia da CCC (1988-1994).

36 Com uma reformulação em 7 de maio de 2013 (Portaria nº 173/2013).

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estratégico da Cooperação Portuguesa 2014-2020 (RCM n.º 17/2014, de 7 de março), onde, à semelhança dos anteriores, é clara a orientação estratégica para os PALOP e para Timor-Leste. A estratégia alicerça-se em 2 (dois) eixos prioritários (Governação, Estado de Direito e Direitos Humanos; Desenvolvimento Humano e Bens Globais) e mais uma vez não define nenhuma prioridade ao referir um largo número de áreas de intervenção, como por exemplo a capacitação institucional, a educação e ciência, e a saúde, e a igualdade de género e os direitos das crianças como áreas trans-versais. Isto a par de referir como inovação, o acesso à energia, ambiente, crescimento verde, setor privado, desenvolvimento rural e mar.

Mesmo as intenções de consolidação orçamental que se expressaram na criação, em 2004, de um Programa Orçamental da Cooperação para o De-senvolvimento (que de 2004 a 2009 se designou por PO05 e em 2011 por PO21) como um instrumento orçamental de programação, que pretendia corporizar a afetação necessária das verbas com vista ao cumprimento dos compromissos assumidos por Portugal em matéria de Cooperação para o Desenvolvimento, transversal e executado por diferentes ministérios/organismos e coordenado pelo MNE, não teve uma vida longa. E na estra-tégia de 2014 é expresso apenas em termos de intenções de coordenação e da aprovação do visto prévio do Camões para a aprovação de ações de Cooperação dos ministérios setoriais.

Esquema 5 - Esquema síntese dos organismos por áreas.

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No ano de 2010, o MF adotou para o OE, uma estrutura de programas orçamentais setoriais, os quais apenas permitiam a inscrição de verbas pelos respetivos ministérios tutelares, implicando que o PO05 deixasse de existir. De modo a permitir a contabilização orçamental das verbas destinadas à Cooperação para o Desenvolvimento, houve necessidade de criar uma figura de exceção designada por Agenda da Cooperação para o Desenvolvimento (ACD), com caráter transversal a todos os ministérios. Esta agenda permitiu uma contabilização das verbas gastas pelos vários ministérios como nunca houve, graças a não ser necessário alterar as do-tações dos próprios organismos para inscrever as verbas da Cooperação, mostrando valores de potencial APD maiores que nunca (Gráfico 1). Para 2011 voltou a haver um PO21 da Cooperação cujo resultado prático se traduziu no desaparecimento dos registos surgidos em 2010, voltando-se à metodologia anterior, de registo apenas nos próprios orçamentos minis-teriais. Para o OE de 2012 não existiu um programa orçamental da Coo-peração para o Desenvolvimento e as verbas acabaram por ser estimadas a partir da comunicação dos ministérios para a APD (site do Camões-ICL, abril 2013).

Gráfico 1 - Evolução da dotação inicial do PO21 por ministério, no período 2008-2011.

Como já afirmámos no ponto anterior, estes componentes e elementos,

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20 (vinte) Secretários de Estado, 20 (vinte) diretores ou presidentes37, com autonomia financeira apenas em 2012, o principal organismo de execu-ção da Cooperação Portuguesa (anterior DGC, depois ICP, depois IPAD e, atualmente, Camões-ICL) é uma instituição instável e com dificuldade estrutural de exercer as suas funções de coordenação e dinamização da Cooperação para o Desenvolvimento Portuguesa.

Esquema 6 - Estrutura atual central da Cooperação Portuguesa.

Podemos pois tomar como assente que esta é a evolução organizacional estrutural da nossa leitura de base para análise de diferentes situações problemáticas, como a existência dos clusters da Cooperação, a eficácia do programa InovMundus, etc.

37 Veja-se o Anexo 1 no final do livro: Os Secretários de Estado que tutelaram a Coopera-ção e os dirigentes dos organismos centrais da área.

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Quadro 2 - Síntese da evolução estrutural da Cooperação Portuguesa.

Datas Estrutura Orgânica

1974 até 1979

• Gabinete Coordenador para a Cooperação (Decreto-Lei n.º 791/74, de 31/12)

• Secretaria de Estado da Cooperação Externa (Decreto-Lei n.º 158-A/75, de 26/3)

• Comissão de Coordenação dos Negociações no Domínio Económico e Financeiro com os Novos Estados (Despacho da Presidência do Conselho de Ministros, de 24/06, de 1975)

• MC (Decreto-Lei n.º 532-A/75, de 25/09, durou até julho 1976)• ICALP [1976 sucede ao Instituto de Alta Cultura (IAC) criado

em 1952]• ICE (Decreto-Lei n.º 97-A/76, de 31/1 e 487/79, 18/12, auto-

nomia financeira, dupla tutela do MNE e do MF) • DGC (Decreto-Lei n.º 468/79 de 18/12)

1980 até 1994

• Secretaria de Estado da Cooperação (Decreto-Lei n.º 290/81 de 25/2)

• Lei orgânica do MNE de 1985 (Decreto-Lei n.º 529/85, de 31 de dezembro)

• CIC (Decreto-Lei n.º 175/85, de 22/05)• CCC (Decreto-Lei n.º 266/85, de 16/06)• Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e Coopera-

ção (Decreto-Lei n.º 497/85, de 17/2)• FCE (Decreto-Lei n.º 162/91, de 4/05, dupla tutela do MNE e

do MF)• ICA (Decreto-Lei n.º 135/92, 15/07) sucede ao ICALP• Nova Lei Orgânica do MNE (Decreto-Lei n.º 48/94, de 24/02)• Estatuto das ONGD (Lei n.º 19/94, de 24 de maio aprovada pela

Assembleia da República, com revisão pela Lei n.º 66/98 de 14/10)

1995 até 1998

• Linha de crédito a STP (março 1995)• Nova Lei Orgânica do ICA (Decreto-Lei n.º 52/95, de 20/03, e

Decreto-Lei n.º 170/97, de 5/07)• Instituto da Cooperação Portuguesa – ICP fusão da DGC e

do ICE (Decreto-Lei n.º 60/94, de 24/02, alterado em 1997)• CIC (Decreto-Lei n.º 58/94, de 24/02, define funcionamento)• Protocolo ICP / Plataforma das ONGD (1997)• Secretariado Permanente da CIC (Decreto-Lei n.º 301/98, de

7/10)• Conselho de Ministros para os Assuntos da Cooperação

(DecretoLei n.º 267/98, de 28/08)• Conselho Consultivo para a Cooperação Económica e Em-

presarial (Decreto-Lei n.º 16/98, de 29/1)• Orçamento Integrado da Cooperação (RCM nº 102/98, de 12/8)• Programa Indicativo de Cooperação Portugal/Moçambique

1995-1998• Programa Quadro com Angola para o biénio 1998/2001• Programa Integrado de Cooperação 2/7/1998

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

1999 até 2002

• Grupo de Missão para a implementação do programa de Cooperação intermunicipal (RCM n.º 423/99, de 17 de maio)

• RCM n.º 43/99, de 18 de maio aprova a primeira estratégia para a Cooperação

• Delegações Locais do ICP (Decreto-Lei n.º 296/99, de 4/08)• APAD (Decreto-Lei n.º 327/99, de 18/08, dupla tutela do MNE

e do MF)• Protocolo MNE/Plataforma Portuguesa das ONGD (2001)• Criados no ICP os procedimentos padrão para candidaturas

ONGD (2001) • Nova Lei Orgânica do ICP (Decreto-Lei n.º 192/2001, de

26/06)• Linha de crédito a Marrocos (maio 2001)• Primeiro acordo de Cooperação de ajuda ao orçamento,

Timor-Leste, 2002

2003 até 2011

• Criação do IPAD com extinção do ICP e da APAD (Decreto--Lei n.º 5/2003, de 13/01)

• PO05 (2004 que em 2010 se designou por PO21 e em 2012 desapareceu)

• Plano de Ação de Cooperação Portugal Angola 2004• RCM n.º 196/2005, de 22/12 aprova nova estratégia • Parcerias Público Privadas entre IPAD e fundações (2007)• SOFID (2007) • Em 2007/2008/2009, os “clusters” começam a ser implementa-

dos em Moçambique, Timor-Leste e Cabo Verde.• Fundo da Língua Portuguesa (julho 2008).• Em novembro de 2008, o SENEC reúne pela primeira vez o

plenário do FCD.• Contrato programa SENEC/Plataforma Portuguesa das

ONGD para 2009-2013.• Cooperação delegada (2009)• Criado o Fundo Empresarial da Cooperação Portuguesa

(FECOP) para o norte de Moçambique (2009)• O IPAD aprova as Linhas de orientação para a Cooperação

Portuguesa em matéria de Desenvolvimento de capacidades (março 2010).

• RCM n.º 82/2010, de 4/11 aprova a Lei da Coerência.

2011 até ao presente

• Em janeiro de 2011, quatro fundações [FCG, EDP, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e Portugal--África com apoio minoritário do IPAD] lançam o Mecanismo de Apoio a candidaturas internacionais de ONGD (um modelo de parceria público-privada).

• Em 2011, o funcionamento dos organismos diminui de ritmo, fruto das indefinições governamentais e da liderança do SENEC (Brites Pereira) ser consideravelmente mais fraca que no Gover-no anterior, o IPAD/ICA centra-se nele próprio, sendo um ano perdido para a evolução da Cooperação Portuguesa.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

2011 atéao presente

• Em 2012, com o Decreto-Lei n.º 21/2012, de 30/01, é criado o Camões-Instituto da Cooperação e da Língua-Camões-ICL com autonomia financeira, fundindo o ICA e o IPAD, iniciando--se o retorno de muitos quadros em regime de requisição no IPAD aos ministérios de origem, enfraquecendo a capacidade do organismo na área da Cooperação.

• Em julho de 2012, o Governo reúne o plenário do FCD.• O SENEC reduz substancialmente o contrato programa com

a Plataforma e orienta os financiamentos Camões-ICL às ONGD para o cofinanciamento de projetos aprovados pela UE.

• Só em setembro de 2012 toma posse o vice-presidente do Camões-ICL, completando a direção do organismo criado nove meses antes.

• Em março de 2013, reúne-se novamente o plenário do FCD e recomeçam as atividades de um grupo temático (Debate pós 2015), tendo o SENEC anunciado que a revisão da estratégia geral estava quase terminada.

• Em abril desse mesmo ano, o SENEC é substituído por um dos vogais do Camões-ICL (Almeida Leite) que vai para a equipa dirigente da SOFID.

• Em maio de 2013, a CIC tem uma reformulação (Portaria n.º 173/2013, de 7/05) e o novo SENEC anuncia a retoma do apoio à Plataforma Portuguesa das ONGD.

• Em julho de 2013, o SENEC é demitido e substituído por Cam-pos Ferreira.

• Em março de 2014, o Conselho de Ministros aprova o Conceito estratégico da Cooperação Portuguesa 2014-2020 (RCM n.º 17/2014, de 7/03).

• Em abril, esta estratégia é apresentada a um plenário do FCD com 32 (trinta e duas) organizações presentes escolhidas a partir daquelas que tinham contribuído nalgum momento para a sua redação. As intervenções vão todas no sentido da necessidade de operacionalização das medidas preconizadas.

• Em julho, o vice-presidente do Camões-ICL, responsável pela Cooperação, é substituído por Gonçalo Marques vindo do gabi-nete do SENEC.

• Em Outubro o Camões assina com a Plataforma um novo contrato programa para o período 2014-2018

• Em Outubro é assinado a operacionalização do Fundo Empre-sarial da Cooperação entre Portugal e Moçambique

• Em Novembro 2014 o Camões aprova propostas de lançamento de cursos online de Cooperação apresentadas pelo ISEG/Uni-versidade de Lisboa e pela Universidade de Aveiro

Fontes: IPAD (2011), Palma (2006), site Camões-ICL consultado em 2013 e 2014, MNE (1995), Sousa (2004), Sangreman et al (2009), súmula do plenário do FCD

de março de 2013 e fontes orais.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

A EvOLUçãO DOS RESTANTES ATORES

Em relação aos restantes atores vamos abordar as ONGD, as funda-ções e os municípios, por serem, dentro do conjunto de todos os atores, aqueles de que se dispõe de dados com alguma sistematização.

As primeiras ONGD38 são consideradas como tendo nascido no século XIX em Genebra (Cruz Vermelha), na Alemanha (Cáritas) e em Londres (Exército de Salvação), a que o Guia das ONGD de 1997 acrescenta o Conselho Ecuménico das Igrejas com sede em Amsterdão já no século XX, a seguir à Guerra de 1939-45 e, o Guia das ONGD de 2005 os Mé-dicos sem Fronteiras (MSF), nascidos no contexto da Guerra do Biafra na segunda metade do mesmo século. No contexto desta mesma guerra, nascem em Londres várias organizações com cariz humanitário, centradas na Europa que o PNUD afirma, em 1993, terem passado de 1600 (mil e seiscentas) em 1980 para 2500 (duas mil e quinhentas) nesse ano.

Em Portugal, a Plataforma das ONGD foi formada em março de 1985, já no processo de adesão do país à UE, por treze organizações39, muito di-ferentes entre si. Havia organizações que eram orientadas para a ação so-cial ou caridade (Cáritas, União das Misericórdias, IAC), outras herdeiras da militância política contra o regime, antes do 25 de Abril de 1974 (CI-DAC, Comissão Justiça e Paz), outras cuja vocação era mais de estudos e investigação (IED, IEEI) e outras que eram organizações muito próximas de partidos políticos (Instituto Amaro da Costa, IPSD, Fundação Oliveira Martins). Na reunião constitutiva estiveram presentes, como refere Ana-coreta Correia, “o Secretário de Estado da Cooperação, Eduardo Âmbar, o Director do “Bureau” da Comissão das Comunidades Europeias no nosso país, Theo Hustinx, e o responsável da Comissão das Comunidades Eu-ropeias para a colaboração com as ONG, Anton Reithinger” (Plataforma Portuguesa das ONGD, 2010, p. 59). Foi legalizada como entidade jurídica em 2000.

38 Todos os dados resultam de apuramentos feito pelos Autores utilizando como fonte os Guias das ONGD Portuguesas elaborados pela Plataforma em 1997, 2003, 2005 e 2012 e as listas de ONGD inscritas no site do Camões.

39 CIDAC, União das Misericórdias, Cruz Vermelha, Instituto de Estudos do Desenvolvi-mento (IED), Cáritas, Instituto Amaro da Costa, Comité Português da UNICEF, Instituto de Apoio à Criança (IAC), Instituto Progresso Social e Democracia Francisco Sá Carneiro (IPSD), Associação para as Relações Internacionais (APRI), Comissão Nacional Justiça e Paz, Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais (IEEI) e Fundação Oliveira Mar-tins.

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A Plataforma Portuguesa das ONGD tem 29 (vinte e nove) anos de existência, já tendo tido inscritas nesses anos 94 (noventa e quatro) ONGD em diferentes momentos da sua existência; as datas da fundação desses atores, como se pode ver no Quadro 340, registam alguma evolução no número das entidades que solicitaram o estatuto de ONGD, que se tornaram um dos tipos de atores principais na Cooperação Portuguesa.

Quadro 3 - ONG portuguesas por data de fundação.41

Escalões (*)Plataforma

Anterior a 1974 8

Entre 1974 e 1980 12

Entre 1981 e 1995 42

Entre 1996 e 2010 30

Total 92

Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD (1997, 2003, 2005 e 2012).(*) ONGD que estão ou estiveram inscritas na plataforma

O número foi evoluindo com a saída de algumas e entrada de outras, mas no número total de inscritas só a partir de 2005 se encontra uma subida significativa, possivelmente ligada à consolidação da linha de fi-nanciamento específico para ONGD aprovada em 2001 e a uma liderança do SENEC na altura que procurou ter um bom relacionamento com as organizações da sociedade civil. Os Guias da Plataforma reportam os nú-meros do Quadro 4 com fichas preenchidas com alguma informação, em-bora os textos incluídos nesses Guias refiram números diferentes ou listas que incluem organizações que não têm nem ficha nem referência em mais

40 Quando o total não é 94 significa que houve ONGD que não responderam à questão em causa para os inquéritos que serviram de base aos Guias. O número das ONGD no site do Camões-ICL (de 2013) é superior pois tem aquelas que só pedem o estatuto ao Camões--ICL e não se inscrevem na Plataforma Portuguesa das ONGD, que desistiram de estar na plataforma mas se mantém no Camões ou que desapareceram do sistema de Cooperação quer ainda existam ou não possivelmente por perderem o interesse de se candidatar a esse tipo de fundos (como calculamos ser o caso da SEDES-Associação para o Desenvolvimen-to Económico e Social). Como o sistema de controlo do estatuto é diferente e desfasado temporalmente no Camões-ICL e na Plataforma Portuguesa das ONGD, acontece que há algumas ONG que estão na Plataforma, mas não no site do Camões-ICL (como é exemplo o Chapitô).

41 Os escalões correspondem à revolução de 1974, à data de início de ações de Cooperação com o envio de professores para a Guiné Bissau, e a datas que permitem a utilização de dados das obras MNE (1995) e IPAD (2010).

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nenhum local42. E se procurarmos em obras mais recentes (Plataforma Portuguesa das ONGD, 2012) refere-se a existência de 67 (sessenta e sete) ONGD registadas no MNE e Proença (2013) refere 69 (sessenta e nove), embora afirme que só 44 (quarenta e quatro) tem atividade permanente.

Num país com alto grau de concentração de instituições públicas, a localização geográfica das sedes das ONGD reproduz essa concentração sendo muito desequilibrada a sua distribuição pelo país:

Quadro 4 - ONGD inscritas na Plataforma Portuguesa das ONGD, por região de sede43

Regiões 1997 2003 2005 2012 Todas

Grande Lisboa 38 36 41 46 69

Norte 0 0 2 2 2

Sul 2 2 2 3 5

Centro 3 4 4 9 10

Grande Porto 4 1 0 4 8

Total 47 43 49 64 94

Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD (1997, 2003, 2005 e 2012) e cálculos nossos

Como se pode ver no Quadro 5, este tipo de ator incluí organizações com funções de comportamento diferentes. Se lermos os estatutos de cada uma, verificamos que a diversidade é ainda maior do que o quadro infor-ma, já que a categoria de associação inclui organizações tão diferentes como por exemplo centros de investigação universitários, entidades cuja atividade principal é a consultoria ou associações que se dedicam a pro-mover o apadrinhamento de crianças residentes em países africanos por pessoas portuguesas.

42 Guia 2003, página 5 do Guia dos Recursos Humanos incluído, refere 45 (quarenta e cin-co) quando há 43 (quarenta e três) em fichas. Guia 2012, na lista página 41, surge a ONGD We Are Changing Together (WACT), que não é mais referida em toda a publicação.

43 Grande Lisboa (Lisboa, Carnaxide, Algés; Carcavelos; Estoril, Cascais, Almada, Lou-res, Caxias, Ramada); Norte (Braga, Barcelinhos; Sul: Arraiolos, Mértola, Lagos, Alcáço-vas, Alcochete); Centro (Aveiro, Coimbra, Oliveira de Azeméis, Trancoso, Santa Maria da Feira); Grande Porto (Porto, Grijó).

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Quadro 5 - ONG portuguesas por estatuto legal.

Escalões N.º

Associação/ONGD 62

Pessoa colectiva de Utilidade Pública 3

Fundação 6

Fundação/Associação Canónica 13

Cooperativa 2

Total 86

Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD (1997, 2003, 2005 e 2012).

Em Proença, F. (2013, p. 37), que apresenta o resultado de um inqué-rito feito pela Plataforma sobre a atividade das associadas, refere-se que

Algumas das respostas denotam a existência de um número considerá-vel de ONGD que se vêem mais como organizações de tipo humanitário ou como agências executantes de projetos e menos como [Organizações da Sociedade Civil (OSC)]…. Um sintoma desta visão será o esmagador alinhamento pelos ODM…

As áreas a que se dedicam as ONGD foram classificadas como “princi-pais e outras” para os anos de 1997, 2003 e 2005 mas para 2012 não o fo-ram, tornando muito difícil qualquer comparação, uma vez que as ONGD tenderam a indicar numa única rubrica todos os tipos de atividades que fazem, misturando Cooperação com ação social sem estabeleceram qual-quer grau de importância. É pena, pois tais dados dir-nos-iam se a crise e a diminuição de verbas está realmente a orientar as organizações para uma atitude de “apanhar tudo o que vem à rede”, deixando as suas voca-ções originais, como as pessoas da área têm vindo a afirmar publicamente (por exemplo nos plenários do FCD ou na revista online da Plataforma Portuguesa das ONGD).

Assim, podemos constatar que não se pode afirmar haver uma evolução significativa nas áreas de trabalho, nem nas prioritárias nem nas específi-cas (Quadro 6 e 7). O crescimento da área de ED tem relação com a aber-tura de concurso específico pelo IPAD.

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Quadro 6 - ONGD portuguesas por área de atividade.

área de atividade 1997 2003 2005 2012

Cooperação em Geral 34,9 37,4 35,2 33,3

Educação para o desenvolvimento 29,4 29,3 28,0 28,2

Cuidados de Saúde 1,8 1,0 1,6 5,1

Ensino e formação profissional 15,6 11,1 16,8 20,3

Lobby e Advocacy 1,8 1,0 0,8 2,3

Ajuda de Emergência 16,5 20,2 17,6 10,7

Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD (1997, 2003, 2005 e 2012).

Num apuramento feito a partir de uma classificação nossa, de acordo com as áreas indicadas mas também com o texto das fichas de cada orga-nização constantes dos Guias da Plataforma, obtemos o Quadro 7 onde se pode realmente encontrar um aumento da percentagem de organizações genéricas que concorreram a um leque muito variado de áreas. A dimi-nuição das que se dedicam a Ajuda humanitária, tem a ver com a saída da AMI da Plataforma Portuguesa das ONGD e com ausência de catástrofes para as quais o Governo Português tenha disponibilizado fundos.

Quadro 7 – ONGD portuguesas por área de atividade específica.

área de atividade específicas

1997 2003 2005 2012

Genérica 44,7 44,2 51,0 53,1

Cuidados de saúde 4,3 2,3 2,0 6,3

Ensino e formação profissional

17,0 14,0 14,3 17,2

Lobby e Advocacy 17,0 16,3 12,2 10,9

Agricultura e veterinária

2,1 4,7 4,1 4,7

Artes e cultura 6,4 4,7 4,1 3,1

Ajuda humanitária e de Emergência

8,5 14,0 12,2 3,1

Engenharia 0,0 0,0 0,0 1,6

A Plataforma Portuguesa das ONGD é, ela própria, um dos mais im-portantes atores da Cooperação Portuguesa. Tem um papel central em negociar com o configurador central (SENEC e ICP/IPD/Camões) as

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condições em que se processa a relação entre Estado e atores da Coopera-ção descentralizada, mesmo não sendo ONGD e tendo vindo a diminuir a sua representatividade se usarmos a relação entre as inscritas no órgão central de coordenação e as inscritas na Plataforma (Quadro 8). A impor-tância desse papel aumentou a partir da abertura da linha de cofinancia-mento para ONGD em 2001, transformando essas organizações num ator incontornável do SGC português.

O Guia das ONGD de 2005 (p. 10), da Plataforma Portuguesa das ONGD, resume em três pontos as suas atividades: “Formar, informar e fazer lobby”. A incompreensão desse papel por parte do SENEC Manuela Franco custou-lhe o lugar. Mas depende da capacidade da sua direção de gerir as dificuldades políticas e práticas de um conjunto de atores que na competição por fundos são adversários e as suas transformações ao longo do tempo são apenas função dessa capacidade e do modo como o SENEC e o presidente do ICP/IPAD/Camões-ICL se relacionam com a Platafor-ma. É por isso que em todas as situações em que a configuração do SGC português pode ter alterações, a Plataforma Portuguesa das ONGD tem um papel, mas não se tem registado nenhuma alteração do padrão de com-portamento esperado. Quanto muito podemos considerar que o aumento da informação produzida pela Plataforma, seja no seu site seja em livros com base em inquéritos às associadas, corresponde a uma transformação ao longo dos anos.

Se tomarmos os dados do site do Camões-ICL e da Plataforma sobre ONG teremos o Quadro 8:

Quadro 8 - Número de ONG inscritas (ou não) na Plataforma Portuguesa das ONGD.

Ano ICP/IPAD/Camões-ICL Plataforma % inscritos

2003 88 43 49 %

2005 94 49 52 %

2012 160 64 40 %

2014 189 65 34 %

As Fundações, na Cooperação em Portugal, podem ser divididas em dois grupos: aquelas que solicitaram o reconhecimento como ONGD ao atual Camões-ICL e se apresentam aos concursos da linha de financia-

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mento criada em 2001, e aquelas que não pediram esse reconhecimento e não se apresentam a esse concurso. Estas últimas têm um comportamen-to esperado de definição e financiamento dos seus próprios programas, enquanto as restantes têm na prática o mesmo comportamento que as ONGD com estatuto de associação, de direito canónico ou outro conforme os seus objetivos. A única transformação que conseguimos detetar neste tipo de atores na Cooperação passa pelo estabelecimento de parcerias para financiamento de projetos com o IPAD estabelecidos com algumas funda-ções (IPAD, 2011) que permitem utilizar em conjunto volumes de verbas mais altos. Outra transformação mais subtil pode ser apontada à FCG que, a partir de 1999, passou a ter uma articulação mais evidente com o ator central, subindo a sua capacidade de influenciar o sistema como um todo. Apesar do retraimento desta colaboração depois do inquérito executado pelo MF em 2011 às fundações44, que denegria perante a opinião pública a relação entre todas essas instituições e o Estado metendo no mesmo “saco” entidades que viviam exclusivamente de transferências de verbas públicas, com outras que executavam ações em prestação de serviços para o Estado ou que executavam projetos financiados em conjunto por fundos próprios e fundos públicos, as maiores fundações não se retiraram da área da Cooperação, mantendo-se como um tipo de atores fundamental.

Os municípios são atores cuja função de comportamento se pauta pela ideia e missão das geminações constituídas depois da Guerra de 1939-45 para atividades de conhecimento mútuo. Num inquérito feito em 2001, em Portugal, a 71 (setenta e uma) autarquias sobre Cooperação, apenas 40 (quarenta) responderam que já tinham participado alguma vez em proje-tos de Cooperação descentralizada (ACEP, 2001). Como afirmam Hermí-nia Ribeiro e Raquel Faria em Sangreman (Coord.) (2009), tais atividades foram-se orientando para países menos desenvolvidos, praticadas entre municípios e muito dependentes da vontade das respetivas presidências, já que a Cooperação não constitui a sua função principal. A transformação que se pode detetar nesse artigo e na bibliografia que inclui é de dois tipos:

1. As atividades desenvolvidas foram-se transformando em projetos de Cooperação iguais aos que são desenvolvidos por outros atores mantendo apenas a caraterística de terem como parceiros principais municípios;

44 As fundações são um tipo de ator que mantém uma opacidade muito grande das suas ações, sendo os resultados deste inquérito a única sistematização de informações existente das que atuam em Portugal. E mesmo assim sem as fundações de direito canónico que não foram inquiridas por uma opção claramente política. Vide Santos (2014).

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2. As atividades desenvolvidas foram incluindo também ONGD ou ou-tros atores, em geral, num regime de contrato de execução.

Foi a consciência de que o modelo inicialmente criado de geminação e protocolo de colaboração/Cooperação, muitas vezes não era suficiente face à realidade com que grande parte dos municípios se debruçava, que conduziu a alterações na génese daquele.

Percebeu-se contudo, que o modelo habitual de geminação, baseado em contactos e atividades esporádicas e pouco integradas, comporta fragili-dades em termos de envolvimento consistente dos parceiros e de sustenta-bilidade da intervenção. Deste modo, considerou-se necessário proceder a alterações no modo de perspetivar a Cooperação (ACEP, 2009, p. 34).

Note-se que ainda se encontram municípios onde a Cooperação não está dependente de nenhum organismo da estrutura, mas sim do Presi-dente, com o consequente predomínio da decisão política e não técnica sobre os projetos e onde é a própria câmara a afirmar que não existe ne-nhuma estratégia de Cooperação. A inclusão ou procura de novos apoios junto das ONG também é um exemplo dessa mesma alteração, que decor-re dos diversos fundos existentes para a solidariedade e Cooperação para o Desenvolvimento, e que reuniam câmaras municipais e outras entidades públicas e/ou privadas com objetivos específicos, especialmente direcio-nados para a ajuda aos países mais pobres, como referem Ribeiro e Faria (citado em Sangreman (Coord.), 2009) .

Inspirado nos fundos constituídos por regiões espanholas45 e por ini-ciativa de uma fundação reconhecida como ONGD – o IMVF – tem-se vindo a desenvolver uma rede entre 14 (catorze) municípios portugue-ses que, a par de outras associações de municípios como a Associação de Municípios do Algarve (AMAL), a Associação de Municípios de Setúbal (AMDS) parece ter um dinamismo e organização capaz de transformar a Cooperação executada por este tipo de atores.

A ANMP, reconhecida como instituição com assento nos órgãos de

45 As autoras já referidas inventariam em 2009 a existência de 9 (nove) fundos de Coo-peração: Fundo Catalão de Cooperação para o Desenvolvimento, Fundo Valência para a Solidariedade, Fundo Maiorquino de Solidariedade e Cooperação, Fundo Menorquino de Cooperação, Fundo-Associação de Entidades Locais Bascas Cooperantes, Fundo Galego de Cooperação e Solidariedade, Fundo de Andaluzia de Municípios para a Solidariedade Internacional e o Fundo de Estremadura Local para o Desenvolvimento.

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coordenação da Cooperação incluindo a CIC, nunca conseguiu ser um ator com capacidade para configurar o seu próprio “campo”, desenvolvendo pouca ou nenhuma ação de coordenação a não ser quando focada em pro-jetos concretos.

A EvOLUçãO DOS RECURSOS hUMANOS

A evolução dos recursos humanos na Cooperação defronta uma impos-sibilidade de obter dados para o conjunto de atores. Até porque em atores como os municípios ou as universidades os quadros acumulam funções, não sendo fácil solicitar dados estimados sobre a percentagem de trabalho de cada um dedicado à Cooperação. Julgamos que é possível ter uma ideia da evolução dos recursos humanos das instituições estatais centrais da Cooperação e das ONGD inscritas na Plataforma acrescentando alguma informação de outros atores.

O Guia das ONGD portuguesas de 2003 utiliza uma tipologia baseada na existência de um salário e de um vínculo laboral com ONGD, estando em Portugal ou noutro país e não incluindo os estagiários. A estes juntam--se os voluntários de acordo com a definição das Nações Unidas. Nessa publicação faz-se referência a rum inquérito respondido por 40 (quarenta) ONGD, onde o número de pessoas a trabalharem é de um total de 161546 (mil seiscentos e quinze), com 56,6% mulheres e 43,4% homens, com mais incidência no grupo etário dos 31–45 anos (40,4%), “mas também com peso considerável dos 25 aos 30 anos (22,5%) e, menos, dos 46–65 (21,7%) e residual de maiores de 65 anos (6,2%)” (Plataforma Portuguesa das ONGD, 2003, p. 11). Apesar de incluir o boletim de inquérito, os quadros de apuramentos numéricos apresentados são em número muito restrito e não permitem uma análise mais aprofundada das variáveis não referidas em texto, como por exemplo as habilitações académicas dos recursos hu-manos em que apenas é referido que “possuem em geral um grau acadé-mico elevado, licenciatura a maioria” (Plataforma Portuguesa das ONGD, 2003, p. 21). Estes números são coerentes, em repartição de género e de

46 Embora o texto incluído nesse mesmo volume de Luís de França (2003, p. 15) refira 1782 (mil e setecentos e oitenta e dois) trabalhadores, dos quais 994 (novecentos e noventa e quatro) voluntários, 255 (duzentos e cinquenta e cinco) expatriados remunerados e 563 (quinhentos e sessenta e três) a trabalharem em Portugal remunerados. Note-se que este número daria uma média de pessoas por ONG de mais de quatro dezenas.

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idades, com as respostas obtidas de 23 (vinte e três) técnicos de 20 (vin-te) ONGD que concentram a maioria dos financiamentos do então IPAD (ACEP, 2009).

Não nos parece que tenha havido alguma transformação nos recursos humanos das ONGD. Se houve uma melhoria das capacidades técnicas, como surge referido em intervenções públicas dos responsáveis da direção da Plataforma, não conhecemos dados para sustentar se tal transformação se processou ou não.

Dos recursos humanos que trabalham na Cooperação, como funcioná-rios públicos, apenas se consegue saber o número daqueles cuja função é exercida no organismo central de coordenação (pois os restantes acumu-lam funções), cujo número nos últimos dez anos foi sempre no intervalo 100 (cem) – 170 (cento e setenta) pessoas com uma componente de pes-soas com formação académica alta a nível de licenciatura e mestrados47. Nos restantes ministérios, a única exceção é o departamento do MTSS que tinha um conjunto de 19 (dezanove) pessoas destacadas, entre 1998 e 2005, em exclusivo para essas funções. Mas a informação que temos das alterações das orgânicas dos ministérios apontam para a tendência de acumulação de funções se acentuar, dificultando a obtenção de um quadro completo dos recursos humanos estatais da Cooperação para o Desenvol-vimento.

No conjunto de todos os atores, o número de pessoas, incluindo as que fazem da Cooperação uma segunda ocupação, será entre 2000 (duas mil) e 2500 (duas mil e quinhentas) pessoas, tomando como base de estimativa (sem nenhuma metodologia científica), o número de endereços do FCD de 2012, o número de funcionários do Camões-ICL e uma média de 3 (três) – 5 (cinco) pessoas para as 160 (cento e sessenta) ONG registadas no ICP/IPAD/Camões-ICL. Se fizermos uma média a partir dos dados do Guia de 2003 teríamos um número de pessoas a trabalhar nessas ONGD que nos parece extremamente exagerado.

47 Mesmo com a fusão IPAD + ICA, não nos parece que este quadro tenha sido alterado, embora tenhamos a ideia (com alguma confirmação em entrevistas realizadas em Portugal) de que quem saiu neste processo foram mais quadros com funções de Cooperação do que de divulgação da língua, desequilibrando o quadro de pessoal se tomarmos como critério o binómio divulgação da língua Vs Cooperação.

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A EvOLUçãO DO FINANCIAMENTO

Não é fácil calcular o valor do financiamento português da Cooperação para o Desenvolvimento. Isto porque os recursos de entidades públicas e privadas não são publicados como tendo tal destino, mas sim ventila-dos por um conjunto de rubricas variadas desde pessoal a consumíveis, misturados com outras despesas e tornando muito difícil estimar. Mesmo para a APD, na componente das despesas dos ministérios, o exemplo já referido em pontos anteriores da ACD48, que substituiu em 2010 os pro-gramas orçamentais, mas sem a obrigatoriedade de isolar nos orçamentos dos ministérios as verbas para a Cooperação, originou valores muito supe-riores aos de outros anos, tendo em 2011 voltado ao nível anterior quan-do esse instrumento desapareceu, sendo especialmente significativo (ver quadros abaixo) o Ministério da Defesa (MD) (cooperação técnico militar) que passa de 86 (oitenta e seis) milhões de euros para 0 (zero) milhões e o Ministério da Saúde (MS) que retoma em 2011 exatamente o mesmo número que indicou em 2009, depois de para 2010 ter referido uma verba 16 (dezasseis) vezes superior. Ignora-se se tais verbas correspondem a re-dução de atividades, mas julgamos que se devem mais a formas diferentes de contabilizar.

As verbas mais significativas utilizadas na Cooperação Portuguesa continuam a vir do orçamento geral do Estado, sendo os mapas dos pro-gramas operacionais as melhores fontes:

Quadro 9 - Evolução da dotação inicial do PO05, por ministério (2004-2011).

Fonte: site do Camões-ICL.

48 Em maio de 2013, o SENEC divulgou num encontro público que encarava a ideia de construir um “orçamento virtual” que permitisse obter números mais corretos de despesas dos ministérios. Mas que saibamos nada foi feito.

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Do inquérito às ONGD, em 2012, obtém-se que as origens dos fun-dos dessas organizações são 65% de recursos privados incluindo próprios, 57,5 % governamentais, 37,5 % UE e 15,0 % organizações internacionais.

Tanto quanto se consegue perceber, o IPAD tem vindo a melhorar a metodologia de cálculo e publicou em 2011 um conjunto de dados (IPAD, 2011).

Quadro 10 - volume da APD portuguesa e percentagem de afetação RNB.

Ano APD APD/RNB

1995 192.593 0.24

1996 167.631 0.20

1997 219.034 0.24

1998 232.320 0.23

1999 259.033 0.25

2000 293.647 0.26

2001 299.747 0.25

2002 342.295 0.27

2003 282.873 0.22

2004 829.891 0.63

2005 303.426 0.21

2006 315.774 0.21

2007 343.726 0.22

2008 429.955 0.27

2009 368.157 0.23

2010 489.968 0.29

2011 509.059 0.31

2012 451.838 0.28

2013(*) 364.468 0.23

Fonte: site do IPAD do Camões, ICL e da OCDE.(*) Dados preliminares calculados a partir dos dados da OCDE à taxa de câmbio

anual de referência para 2013 Euro/USD de 1,3281

A evolução do financiamento não parece, até 2011, ter sofrido restrições decorrentes do programa de “austeridade” em curso, atingindo mesmo em 2011 o maior valor desde 2005, mas em 2012 e em 2013 a tendência de descida foi clara acompanhando a redução da despesa pública que as atuais

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medidas de política social e económica tem promovido seja da Adminis-tração Central seja das diferentes entidades que contribuem para a APD. Como escreve a OCDE em relação aos valores de 2013 “Portugal (-20.4%): due to financial constraints leading to budget cuts”. A CP anda em contra ciclo pois “após dois anos de cortes orçamentais nos montantes de APD a nível europeu, os dados revelam que a situação começou a reverter-se em 2013 em 17 países europeus, membros do CAD/OCDE. O Reino Unido registou os maiores aumentos, em termos reais, seguido da Itália e da Po-lónia. ”(site da Plataforma das ONGD). Mas Portugal diminuiu as verbas.

• (W) visão socio-política do sistema, incluindo valores éticos

A Weltanschanung (W) pretende considerar a visão e os valores que servem de base à representação do mundo para o conjunto dos atores presentes na Cooperação, dando um sentido político e ético ao contexto em que toda a análise se desenvolve (Checkland & Scholes, 1999). Na me-todologia SSM, os autores consideram esta variável como aquela que pro-cura perceber qual é a relação de poder entre os atores e quais os valores éticos incorporados nas suas funções de comportamento. Como já vimos, a maioria dos atores não tem a Cooperação como função principal do seu comportamento, pelo que o ator MNE/SENEC/Camões-ICL e as ONGD são aqueles que têm maior preocupação em definir os valores de atuação específicos para esta atividade.

Mas a relação política de poder entre os vários atores exprime a in-fluência ou dominância do ator ou grupo de atores no sistema, carateri-zando a relação entre os vários intervenientes que tenham ou não a CID por função central.

A dominância vai ser determinada pelos dois critérios centrais de existência das organizações: a) o reconhecimento inter pares e dos países beneficiários; b) o acesso a fundos. A competição existente entre os inter-venientes assume os contornos de competição e não de co-evolução49 em função do acesso a fundos limitados.

49 Competição é um conceito com origem fundamentalmente na economia e que pressupõe uma luta pelo domínio do “campo social”, sem rejeição da hipótese de desaparecimento dos concorrentes; co-evolução é um conceito com origem na biologia e que pressupõe que todos os intervenientes têm como objetivo evoluir, mantendo-se todos os intervenientes no “campo” numa dialéctica de dominantes e dominados.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

A tipologia obedece aos seguintes critérios: são dominantes aqueles intervenientes com fundos próprios (no caso das entidades publicas com funções de Cooperação incluídas na sua lei orgânica ou estatutos), com capacidade para:

• Definirem de forma alargada as suas opções de interpretação da polí-tica de Cooperação governamental;

• Definirem políticas próprias de forma alargada;

• Terem o reconhecimento unânime desse papel pelos restantes inter-venientes.

São dominados de primeiro nível aqueles intervenientes com recursos/fundos próprios insuficientes para os programas/projetos que querem de-senvolver, e que:

• Têm capacidade para definirem de forma condicionada as suas opções de interpretação da política de Cooperação governamental;

• Têm autonomia e capacidade limitadas para definirem políticas pró-prias por diversificarem os fundos a que tem acesso;

• Têm reconhecimento não unânime desse papel pelos restantes inter-venientes.

São dominados de segundo nível aqueles intervenientes que:

• Não têm capacidade financeira de executar projetos com fundos próprios;

• Têm pouca capacidade de definir as suas políticas de Cooperação dada a dependência de um número restrito de financiadores;

• Têm reconhecimento com graus muito diferentes pelos restantes in-tervenientes.

Os dominantes fazem a definição nacional do paradigma da Coopera-ção, seja formalmente (MNE/SENEC/Camões-ICL), seja pela sua práti-

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

ca. Como dominam uma parte significativa dos fundos, determinam tam-bém especificamente as ações a desenvolver que constituem a aplicação em Portugal do paradigma internacional existente.50

Os municípios podem estar nos dois níveis de dominados: Oeiras, Pal-mela, Loures e Seixal são exemplos que podem oscilar entre esses dois níveis, conforme as prioridades do executivo no poder.

Julgamos que todos os ministérios (com exceção do MTSS e do MF e o MJ), os municípios, a esmagadora maioria das ONGD, muitas das ações da Igreja Católica e de diversas fundações procuram alargar a dimensão dos projetos que desenvolvem com os fundos do Camões-ICL. Criam as-sim uma dependência que pode ser diminuída ou aumentada conforme os fundos disponíveis. Mesmo os financiamentos da UE são, em boa parte, dependentes das organizações candidatas conseguirem no país de origem uma percentagem dos fundos para cofinanciamento e são cada vez mais concentrados em poucos atores.

Ou seja, todo o sistema depende, em grande parte, do bom ou mau fun-cionamento do organismo central, da transparência das suas decisões, da informação sobre as verbas disponíveis, de processos com regras e prazos anunciados e cumpridos atempadamente.

Podemos expressar visualmente esta análise da relação de poder entre atores na seguinte imagem, sabendo-se que este tipo de rich image tem sempre uma boa parte de subjetividade na colocação de entidades diferen-tes mais perto ou mais longe do centro de poder:

50 Note-se que os vários secretários de Estado sempre evitaram determinar de forma rí-gida as áreas que incluíam nas candidaturas abertas de projetos de Cooperação, praticando antes uma orientação soft através de aprovação de temáticas “grosso modo” incluídas nas áreas prioritárias.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

O poder na Cooperação Portuguesa

OIKOS

PlataformaTESE

Tribunais

CâmarasSENEC

Camões

MF

MTS/MAI/MJ/MD

FEC

Parlamento

ACEPFCG IMVF

Outras fundações e Univer-sidades

LeigosISU

Legenda

Executa

Financia

Avalia

Coordena

Proselitismo

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Durante a investigação podemos constatar que, de uma forma geral, a literatura que se refere à Cooperação Portuguesa e ao seu sistema iden-tifica, em articulação com aqueles que são defendidos nos documentos fundamentais do Estado, os valores gerais da Cooperação, nomeadamente nos documentos de estratégia de 1999, de 2005 e de 2014, bem como no Código de Conduta da UE assumido por Portugal em 2007 (IPAD, 2011).

Pode sintetizar-se essa posição na afirmação do IPAD (2011, p. 10):

A política de Cooperação para o Desenvolvimento, como vertente po-lítica externa, obedece aos princípios gerais que enformam a intervenção externa do Estado Português, centrando-se em valores como a procura da paz, a solidariedade, a promoção da democracia e do Estado de Direito, a defesa dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais, a defesa e afirmação da língua portuguesa, a conservação do ambiente e a igualdade de oportunidades para todos.

Ou de forma mais esquematizada:

A Cooperação para o Desenvolvimento é uma prioridade da política externa portuguesa, onde pontuam os valores da solidariedade, do respeito pelos Direitos Humanos e da boa governação democrática. … Adopta princípios básicos de igualdade, imparcialidade, isenção, transparência, integridade e criteriosa afectação de escassos recursos públicos…. São va-lores fundamentais do IPAD, I.P.: a excelência, assente no rigor, na quali-dade, na eficiência e na eficácia; a verdade, integridade e transparência; a equidade, imparcialidade, isenção e justiça; a qualidade e a produtividade do trabalho, a igualdade de tratamento de pessoas e de oportunidades e a não discriminação (IPAD, 2010, p. 4).

As ONGD portuguesas subscrevem a Carta das ONGD Europeias (n.d.) , onde os valores indicados como sendo aqueles que essas organiza-ções defendem são:

• Justiça social, equidade e respeito pelos Direitos Humanos;

• Participação das populações para as quais trabalham.

• O envolvimento da sociedade civil na Cooperação para o Desenvol-vimento;

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

• Serviço aos parceiros do Sul – as ONGD não procuram servir os seus próprios interesses, mas sim os dos seus parceiros.

Em 2009, um inquérito a 23 (vinte e três) ONGD sobre Cooperação descentralizada, conduzido pela Plataforma, apresentou 22 (vinte e dois) itens para escolha até 8 princípios em cujas respostas se destacam: em-powerment das organizações locais, alinhamento, participação, processos desenvolvidos a partir do local e transparência. Nesse mesmo inquérito, e como referido por Garcia (2009), procuraram-se indicações para a elabo-ração de um Código de Ética e de Conduta e obtiveram se “5 enunciados (escolhidos por 61% a 74% dos respondentes): recusa de várias formas de tráfico de influências e de favores; respeito pelos princípios de igualdade de oportunidades; responsabilidade social e ambiental; garantia de infor-mação a todos os parceiros e informação pública sobre as atividades das organizações” (citado em ACEP, 2009, p. 81).

Para a presente investigação, verificámos a ausência de literatura que identifique os valores que as pessoas que estão como assalariados ou vo-luntários nos atores da Cooperação consideram como princípios orienta-dores da ação individual e coletiva nesse domínio.

O questionário consequente foi desenvolvido tendo como base a Teoria dos Valores Humanos de Schwartz, o modelo de questionário desenvolvi-do pelo próprio em parceria com Tamayo (1993), o método de questioná-rio elaborado por Ronald Inglehart51 aplicado a Portugal (disponível em World Values Survey)52, e, ainda, o Código de Ética do IPAD e o Código de Conduta da Confederação Europeia das ONG de Emergência e Desen-volvimento (CONCORD). Tomou-se como nossa a hipótese de Schwartz de que os valores têm uma escala qualitativa contínua. Dos 61 (sessenta e um) valores identificados na Teoria de Schwartz, a equipa de investigação selecionou 23 (vinte e três) que, a nosso ver, permitem aos atores terem algum posicionamento no âmbito da Cooperação Portuguesa.

Não havendo um universo determinado, a não ser concetualmente, o questionário foi enviado a todos os contactos que constam nos ficheiros

51 É o coordenador de uma das pesquisas mundiais mais importantes neste domínio: World Values Research (WVR). Esta é uma rede mundial que é constituída por inves-tigadores, cientistas sociais que estudam a mudança que se observa nos valores e no seu impacto na vida social e na vida política (Inglehart in World Values Research, s.d., p. 2).

52 Disponível em: http://www.wvsevsdb.com/wvs/WVSDocumentation.jsp?Idioma=I.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

do FCD, do então CEsA/ISEG/UTL, do então Centro de Estudos Afri-canos (CEA/ISCTE)53 e, ainda, divulgado via on-line pelos centros e pela Plataforma Portuguesa das ONGD, num total estimado de 2500 (dois mil e quinhentos) envios. Note-se que tal significa não ter controlo sobre a divulgação que os destinatários resolvam eles próprios fazer.

Responderam 423 (quatrocentos e vinte e três) pessoas, maioritaria-mente do sexo feminino, de nacionalidade portuguesa e com habilitações literárias ao nível do ensino superior.

Tabela 1 - Respostas por escolaridade e nacionalidade.

Escolaridade PortuguesaPortuguesa e outra

Outra Total

Básico 2 1 0 3

Secundário 17 0 2 19

Superior 376 4 14 394

Total 395 5 16 416

Tabela 2 - Respostas por escolaridade e sexo.

Escolaridade Masculino Feminino Total

Básico 0 3 3

Secundário 9 10 19

Superior 182 217 399

Total 191 230 421

Tabela 3 – Escalões etários por sexo.

Escalões etários

Masculino Feminino Total

Até 25 14 46 60

Entre 26 e 35 38 63 101

Entre 36 e 50 52 75 127

Entre 51 e 65 53 32 85

53 Estes 2 (dois) últimos foram ficheiros complementares, sendo que o principal foi o do FCD, já que contempla todos os contatos dos atores públicos e privados.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Mais de 65 35 14 49

Total 192 230 422

Os dados destas tabelas permitem-nos ter várias leituras de entre as quais escolhemos salientar as seguintes a partir de apuramentos dos da-dos absolutos das respostas, considerando os 10 (dez) valores mais indica-dos54 como de importância excecional:

a) Se considerarmos todos os respondentes (tabela 4), temos o pa-drão composto por ser honesto, ser responsável, ser aberto, ter integrida-de, ser capaz, ter respeito, procurar a justiça social, ser solidário, procurar a excelência e ser transparente;

b) Se considerarmos apenas os respondentes homens, temos um pa-drão composto por ser honesto, ser aberto, ser responsável, ser capaz, pro-curar a excelência, ter integridade, procurar a justiça social, ser solidário, ter respeito e ser transparente;

c) Se considerarmos apenas os respondentes mulheres, temos um padrão composto por ter integridade, ser honesto, ser responsável, ter respeito, ser aberto, procurar a justiça social, ser capaz, ser solidário, pro-curar igualdade e ser transparente;

d) Considerando os respondentes que tinham 20 anos ou mais em 1974, temos um padrão composto pelos valores procurar um mundo em paz, ser honesto, ser responsável, ter integridade, ser aberto, ser capaz, procurar a excelência, ser solidário, procurar justiça social e ter respeito;

e) Para aqueles que tinham menos de 20 anos em 1974 (incluindo os ainda não nascidos nessa data), o padrão é composto por ser honesto, ser aberto, ser responsável, ter integridade, ter respeito, ser capaz, procurar a justiça social, ser solidário, procurar a excelência e procurar a igualdade.

Se efetuarmos um apuramento relativo, ou seja, se tomarmos as respos-tas “muito importante” e “excecional importância” em conjunto, relacio-nando-as com o total de respondentes de cada critério de leitura teremos:

54 Quando há duas respostas que têm o mesmo número atribui-se-lhe o mesmo nível de ordenação. Estão marcadas com (*).

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

a) Se considerarmos todos os respondentes, temos o padrão com-posto por ser solidário, ser responsável, ser aberto, ser honesto, ser capaz, ter integridade, procurar a justiça social, procurar a excelência, procurar liberdade e ser transparente;

b) Se considerarmos apenas os respondentes homens, temos um pa-drão composto por ser solidário, ser responsável, ser honesto, ser aberto, ser capaz, ter integridade, procurar a excelência, procurar a justiça social, procurar liberdade e ser transparente;

c) Se considerarmos apenas os respondentes mulheres, temos um padrão composto por ser solidário, ser responsável, procurar a justiça so-cial(*), ter integridade(*), ser capaz, ser aberto, ser honesto, ter respeito, procurar liberdade, procurar igualdade e ser transparente;

d) Considerando os respondentes que tinham 20 anos ou mais em 1974, temos um padrão composto pelos valores ser solidário, ser honesto, ser responsável, ser aberto, ser capaz, ter integridade, ser criativo, procu-rar a justiça social, ser transparente e procurar liberdade;

e) Para aqueles que tinham menos de 20 anos em 1974, o padrão é composto por ser solidário, ser responsável, ser aberto, ser capaz, ser ho-nesto, ter integridade, procurar a justiça social, procurar um mundo em paz, procurar excelência e procurar liberdade.

Temos portanto um padrão que não varia muito entre homens e mu-lheres, nem entre gerações. No primeiro caso pode-se considerar que há alguma variação de importância, mas apenas os homens incluem o “pro-curar a excelência” e a “transparência” nos dez primeiros, e as mulheres substituem por “ter respeito” e “procurar igualdade”, aparecendo a “trans-parência” em décimo primeiro.

Entre gerações a diferença é um pouco maior, sendo que os mais velhos incluem os valores “ser criativo” e “transparência” e os mais novos subs-tituem-nos por “procurar a excelência” e “procurar um mundo em paz”.

Julgamos que estes dados também revelam uma posição relativamente fraca, na escala de valores dos respondentes, de critérios como a transpa-rência e a independência que são coerentes com uma situação de depen-dência de financiamentos estatais com processos que permitem procedi-mentos fora de concursos públicos.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Com efeito, só para as ONGD é que existem concursos nos processos de candidatura do Camões. Os restantes atores podem apresentar projetos para financiamento em qualquer momento.

Na prática as próprias ONGD o fazem apresentando-se a concurso e fora de concurso. Tal procedimento permite ao SENEC e à direção do organismo financiador manter o “poder discricionário” do qual beneficiam os atores com capacidade para gerirem a sua presença no sistema de forma visível social e politicamente. Para se verificarem os efeitos desta situa-ção, consulte-se os mapas de financiamento concedidos publicados no DR (Sangreman (Coord.) 2009 até a essa data) onde tem a entidade decisora. Tais procedimentos não favorecem nem a independência nem a transpa-rência dentro do sistema.

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Destes 423 (quatrocentos e vinte e três) apenas 54 (cinquenta e quatro) responderam à questão de qual a atividade profissional que exercem, pelo que não é significativo qualquer apuramento.

Como conclusão deste ponto, podemos relembrar a visão oficial da Cooperação Portuguesa expressa na definição da estratégia em 2005:

A MISSãO DA COOPERAçãO PORTUGUESA

A missão fundamental da Cooperação Portuguesa consiste em contribuir para a reali-zação de um mundo melhor e mais estável, muito em particular nos países lusófonos, caracterizado pelo desenvolvimento económico e social, e pela consolidação e o apro-fundamento da paz, da democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito.

Esta visão altruísta é completada com uma relação de poder entre ato-res intervenientes desequilibrada por via do modelo de funcionamento assente em financiamentos estatais dominantes em relação a fundos inter-nacionais e com poucos atores privados a intervirem como financiadores. O peso de quem financia torna-os decisivos na definição da atividade do sistema, tendo de se considerar como um dos elementos caraterizadores do mesmo a relação dominador/dominado entre os atores/intervenientes.

• (O) atores centrais com capacidade de configurar a situação base 55

Com o desejo de manter relações de Cooperação com os novos países de língua portuguesa expresso na Constituição da República de 197656, e referido com maior ou menor desenvolvimento por todos os governos desde então, parece-nos lógico que o ator central seja o Governo e o con-junto de entidades estatais da Administração Central. O que foi escrito no ponto anterior, na parte da relação de poder entre os atores, aponta para existirem 2 (dois) níveis de capacidade de configuração do “campo”,

55 Checkland usa este elemento para definir aquele ator que tem o poder de parar ou modificar o processo de transformação/sistema. Julgamos que num sistema de atividades humanas é preciso diferenciar o poder de modificar do poder de parar, que consideramos existir apenas pontualmente.

56 O facto de Portugal só ter voltado a ser “financiador” internacional em 1980 e só em 1991 voltando ao CAD/OCDE, não invalida o desejo de Cooperação com esses países que sempre dependeu mais da relação entre eles e Portugal do que do contexto internacional.

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sendo o primeiro através do controle de fundos, da estratégia e das regras de comportamento (Governo/ MNE/SENEC/Camões-ICL), e o segundo através do lobby direcionado para um tipo de projetos ou um comporta-mento que se torna referência de outros atores (Oeiras para os municípios, ACEP, IMVF e TESE para as ONGD).

Consideramos que existe um único configurador que mistura esses 2 (dois) critérios, tendo em simultâneo a capacidade de utilizar fundos pró-prios (ou gerir consórcios) e de ter uma comportamento que serve de refe-rência - a FCG. Julgamos ainda que ONGD como a FEC ou os Leigos para o Desenvolvimento, ligadas à Igreja Católica e com uma prática perma-nente de acolher voluntários, também devem ser consideradas como tendo capacidade de configurar um tipo de atores com uma função de comporta-mento que inclui a prática confessional e o proselitismo direto ou indireto.

Outros configuradores têm menor expressão e poder como alguns municípios, a Plataforma das ONGD ou mesmo ONG como a TESE57, a AMI58, o IMVF59, a ACEP60 e a FEC/Leigos para o Desenvolvimento61, com um âmbito mais restrito.

Destes, apenas as fundações ou os municípios e em parte as ONG de origem religiosa católica, as ordens religiosas missionárias, aquelas orga-nizações que procuram acesso a verbas da Ajuda humanitária, ou, ainda, as que têm origem e se mantêm próximas das formações partidárias62, têm fundos suficientes para se poderem “desconectar” do sistema de financia-

57 Como a ONGD que desenvolveu um modelo de estrutura e funcionamento, cuja perce-ção é de ser inspirado nos gabinetes de estudo ou consultoria técnica (aliás como, noutra década, foi o IED).

58 Pela capacidade de utilizar os meios de comunicação social como mais nenhuma ONG conseguiu até hoje.

59 Como uma fundação que adquiriu o estatuto de ONGD e conseguiu atingir um patamar de gestão de fundos da Cooperação Portuguesa, UE e próprios, superior a qualquer outra em Portugal, com uma gestão cuja perceção é ser inspirada no mercado concorrencial. Tem hoje menos poder sobre o centro de decisões depois dos cortes de financiamento estatal que sofreu por ser estatutariamente uma fundação.

60 Como a ONGD que desenvolveu de forma coerente e persistente um modelo de funcio-namento assente no fortalecimento das ONG dos países parceiros.

61 Como 2 (duas) ONGD de inspiração religiosa católica (o conselho de administração da FEC é mesmo a Conferência Episcopal Portuguesa) que conseguiram desenvolver mais atividade com um modelo de funcionamento assente num espírito de voluntariado.

62 Estas últimas têm, na maioria, um nível de atividade diferente, conforme o partido de que estão próximas estar ou não no Governo.

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mento público da Administração Central, e, mesmo assim, com redução da atividade63. A consequência desta dependência é uma fraca capacidade de definição de objetivos próprios para os diferentes atores e, por conseguin-te, uma fraca capacidade de influenciar a evolução de todo o sistema por parte de outros atores para além do principal.

• (E) ambiente externo incluindo tecnologia se for relevante

Esta variável pretende expressar aquilo que afeta de alguma forma o sistema, mas que este não pode influenciar.

Julgamos que a questão mais significativa é a definição da política ex-terna portuguesa e europeia. A primeira continua a considerar que a Coo-peração não deve ter autonomia, mas sim ser um dos seus pilares. Tem sido assim em todos os programas de governo e “grandes opções do Pla-no” ao longo dos anos. A outra questão mais significativa é a definição de objetivos e metas para os ODM em 2000, que se tornaram o conjunto de áreas de base nas quais assentam todas as outras ações de Cooperação eu-ropeia e em cujo debate sobre o pós-2015, Portugal tem participado muito pouco, assumindo, segundo nos parece, uma posição de aceitação das posi-ções da UE sem crítica nem análise aprofundada ou participativa. A com-ponente mais forte do ambiente externo é hoje o programa de austeridade e o senso comum da população que oscila entre “se temos tantas faltas cá, porquê dar recursos a outros países?” e “a Cooperação é um investimento e não uma despesa e é por isso que podemos ir trabalhar para esses países quando cá falta emprego”.

63 O Parlamento é um caso especial pois tem orçamento próprio e um programa de coo-peração com parlamentos de outros países, tendo uma função de comportamento com uma independência muito vincada de todo o restante sistema geral de Cooperação, a sua apro-ximação a outros atores tem dependido do interesse individual de deputados(das) mais do que das opções dos partidos no poder. Alguns municípios têm igualmente programas próprios financiados com os seus orçamentos e não estão dependentes da Administração Central.

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3. CONCLUSãO

Retomando as conclusões do Capítulo I, a matriz pública da CID na Administração Central64 que nos interessa como leitura base deste “cam-po” da governação, tem 2 (duas) componentes.

A primeiro é a cultura organizacional da instituição central da CID. De Comissariado para Direção-Geral, desta a Instituto Público (ICE e ICP), depois ICP e APAD65, voltou à lógica da Direção-Geral com o IPAD e mantém-se com o Camões-ICL. Ou seja, a cultura da organização tem sido definida ao longo da sua existência pela lógica de um organismo da Admi-nistração Central da função pública. O que isto significa é a permanência de uma duplicidade de valores ligados ao trabalho daqueles que dirigem ou simplesmente aí trabalham, onde a par das pessoas que consideram aquilo que fazem em “espírito de missão” ou “espírito de equipa”, existem outras que não têm a mínima motivação para desenvolver atividade para além daquilo que percebem como sendo o mínimo que a instituição aceita. A motivação “do melhor que sabemos” é tendencialmente superior à do “melhor que existe”.

A segunda componente comum a todos os modelos institucionais da política de Cooperação Portuguesa prende-se com o designado sistema de Cooperação descentralizada, que se carateriza pela sua natureza transver-sal, não só ao nível das áreas de intervenção, como dos próprios interve-nientes nas atividades da CID.

Ao nível do processo de construção de conhecimento neste campo, o IPAD tem propiciado a base para o desenvolvimento de um processo deste tipo, com facilidades de horário para os funcionários que estudam em uni-versidades ou no Instituto Nacional da Administração (INA) e com edição de teses de mestrado como se pode verificar no site daquela organização.

64 Como já se referiu no Capítulo I utilizamos a tipologia da UE ao classificar os atores/in-tervenientes da CID em State Actors (ministérios e organismos da Administração Central, Presidência e Parlamento) e Non State Actors (municípios, institutos autónomos, universi-dades, ONG, Governos Regionais, empresas, instituições religiosas, etc.).

65 Este período da existência simultânea ICP/APAD foi o único momento em que o MNE procurou alterar a lógica organizacional prevalecente, socorrendo-se para a APAD de um modelo de gestão, contratação e financiamento inspirado na banca, na continuação daquilo que foi o FCE. A ausência de definição precisa de responsabilidades sobre as diferentes fileiras operacionais da Cooperação, e a incapacidade de ambas as direções ICP/APAD se entenderem para o fazerem, teve como consequência o fracasso do modelo. A SOFID foi a tentativa seguinte, mas ainda tem um papel muito limitado (com poucas ações e pouco financiamento).

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Ignoramos se o atual Camões-ICL mantém essas medidas, pois tem sido o tipo de facilidades que, noutro organismos, é fácil serem cortadas. Mas ainda não foi dado o passo seguinte de Ajuda pública direcionada para produção de pensamento sobre a CID, por parte da academia e dos téc-nicos do organismo que tiverem capacidade para tal. Para mais, quando a FCT criou, em 2004, a área de Estudos Africanos, dotada de verba para financiar investigação sobre o desenvolvimento e acabou com a mesma em 2011, em nome de uma austeridade, revelando não ter qualquer capacida-de de pensamento estratégico.

A definição da estratégia da Cooperação em 1999 e da sua atualização em 2005 e em 2014 não foi seguida da construção daquilo que hoje se apelida de think thanks, e que se expressa na produção académica de disser-tações de mestrado e sobretudo de doutoramento, mas também na preocu-pação sistemática de produção e divulgação de pensamento que articule, fundamentando criticamente, a prática seguida na Cooperação portuguesa com os paradigmas teóricos existentes ou em formação. A ausência de um quadro institucional onde este processo possa desenvolver-se, origina a repetição de erros por não registo das más práticas e o esquecimento de boas práticas nos 30 (trinta) anos de Cooperação em Portugal e nos 40 (quarenta) anos na Europa.

A qualificação em CID (teórica, prática e de gestão) e a produtividade dos recursos humanos das instituições da Cooperação são uma das limi-tações apontadas à produtividade em Portugal, expressando-se na baixa rentabilidade dos recursos humanos, incluindo a gestão a todos os níveis.

No ano de 2011, o Camões-ICL reforçou a sua capacidade de avaliação de desempenho, seja de funcionários seja de organização [Sistema Inte-grado de Avaliação e Desempenho da Administração Pública (SIADAP) e QUAR] mas, como já dissemos, a questão da liderança, a coerência e a credibilidade são fundamentais num setor soft descentralizado como a Cooperação. É o que se pode concretizar com a operacionalização dos clus-ters, para aqueles que terão responsabilidades a todos os níveis naquilo que se venha a organizar e a executar.

A liderança necessária para ter a coragem de experimentar um instru-mento como os clusters e utilizá-lo para construir uma Cooperação Reno-vada mais eficaz, mais eficiente e com um impacto duradouro nos países de destino e em Portugal não tem sido conseguida.

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Intervenientes privados (ONGD, ADL, Fundações, Empresas, Instituições religiosas, Universidades

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A INOvAçãO NA COOPERAçãO PORTUGUESA: clusters COMO UM NOvO INSTRUMENTO

Sandra Silva

Resumo

Este trabalho foi escrito em 2012 e enquadra-se na investigação rea-lizada no âmbito do projeto de investigação intitulado “O Cluster como Instrumento Teórico e Prático da Cooperação Internacional para o De-senvolvimento Portuguesa: o Caso de Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola” e da tese de doutoramento em curso intitulada “A influência dos clusters na cooperação para o desenvolvimento ao nível da eficácia na ajuda. O caso da boa governação na Guiné-Bissau”, em que os principais objetivos são comprovar a eficácia da ajuda dos clusters da Cooperação e conceber uma estratégia para a sua implementação. Neste capítulo pretendemos refletir sobre a sua eficácia para a promoção do de-senvolvimento através das opiniões de antigos e atuais governantes, diri-gentes da administração autónoma do Estado e membros de organizações da sociedade civil envolvidos na adoção e implementação dos clusters da Cooperação em Portugal. Estes resultados preliminares apontam para a necessidade de se estabelecer uma estratégia de definição e implementação dos clusters da Cooperação para que possam ser alcançados os pressupos-tos da eficácia da Ajuda.

Palavras chave: clusters, Cooperação Portuguesa.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

INTRODUçãO

A importância que a inovação tem adquirido no contexto da eficácia da Ajuda coloca evidentes desafios aos governos que intervêm na Coope-ração para o Desenvolvimento (Morris & Pryke, 2011). O Governo Por-tuguês tem investido em novos instrumentos inovadores para aumentar a eficácia da Ajuda desde da assinatura da Declaração de Paris (2005) e consequente adoção da Visão estratégica (2005). Neste contexto, o cluster da Cooperação assumiu-se como uma das principais inovações ao nível da Cooperação para o Desenvolvimento em Portugal, sendo encarado como “um instrumento que é constituído por um conjunto de projectos, execu-tados por diferentes instituições numa mesma área geográfica e com um enquadramento comum que promove o desenvolvimento social e econó-mico de uma região alvo” (IPAD, 2005). Não obstante este instrumento ter sido concebido com base nas vantagens do modelo teórico de Michael Porter (Porter, 1990, 1998, 2000) e muitas outras áreas de conhecimen-to o terem adotado com sucesso, tais como New Mainstream Economics (Krugman, 1991), Regional Sciences (Scott, 1996), Innovation Studies (Braczyk et al., 1998), falta comprovar a eficácia do cluster da Cooperação na Ajuda ao Desenvolvimento.

Este trabalho procura abordar, de forma preliminar, as questões da efi-cácia dos clusters implementados pela Cooperação Portuguesa em Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Em específico, procura perceber os critérios subjacentes à sua adoção e estratégias de implemen-tação para de seguida avaliar a eficácia dos clusters da Cooperação na ótica do doador. Para o efeito, a metodologia inclui a condução dum conjunto de entrevistas a atuais e antigos governantes em Portugal, dirigentes da administração autónoma do Estado e membros de organizações da socie-dade civil envolvidas ou com conhecimento sobre a implementação dos clusters da Cooperação. Como se irá demonstrar, não existe uma estratégia de criação e implementação dos clusters da Cooperação, sendo a sua defi-nição considerada essencial para que os pressupostos da eficácia da Ajuda possam ser alcançados.

O cluster DA COOPERAçãO

Nesta parte do trabalho iremos, através da revisão da literatura e aná-lise das iniciativas de clusters em países em desenvolvimento, explorar a

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emergência do novo conceito de cluster da Cooperação. As primeiras re-ferências ao cluster da Cooperação surgem no documento estratégico in-titulado Uma visão estratégica para a Cooperação Portuguesa, adotado pela Cooperação Portuguesa em 2005. Aqui, o cluster da Cooperação é conside-rado “um instrumento claramente inovador”, assumindo-se como uma das soluções para “os problemas que resultam da proliferação de projectos à rédea solta” (IPAD, 2011, p. 51). A Cooperação Portuguesa procura, desta forma, mobilizar um conjunto de instituições em torno de uma problemá-tica comum. É neste contexto que surge, pela primeira vez, o conceito de cluster associado à Cooperação para o Desenvolvimento, tendo sido adap-tado da economia como refere o documento da Visão estratégica (IPAD, 2005).

O cluster da Cooperação deriva do modelo teórico de Michael Porter so-bre a vantagem competitiva das nações e a competitividade internacional, que prevê o aumento de produtividade através do processo de “clusteriza-ção” e das intensas interações entre indústrias (Porter, 1990, 1998). Este modelo é mais tarde reinventado pelo autor ao incorporar a localização como fator chave num mundo globalizado pela crescente influência das novas tecnologias da comunicação (Porter, 2000). Os clusters passam a ser encarados como “a new way of thinking about national, state, and local eco-nomies, and they necessitate new roles for companies, for various levels of gover-nment, and for other institutions in enhancing competitiveness” (Porter, 2000, p. 16). Diversos intervenientes passam a assumir um papel fundamental na competitividade das nações através da sua participação nos clusters. O reforço do papel do Estado no que respeita a competitividade das nações é um ponto central deste modelo teórico que é incorporado pelo cluster da Cooperação, onde instituições como as universidades, escolas, outras ins-tituições públicas, passam a desempenhar um papel igualmente relevante.

Mas se, por um lado, a adoção deste conceito pela Cooperação Portu-guesa parece assumir algumas das premissas do modelo teórico de Porter no que respeita à concentração geográfica dos vários intervenientes na competitividade das nações, apesar de ter sido reinventada no que respeita à concentração geográfica dos vários intervenientes com base em fatores que promovam a eficácia da Ajuda para o Desenvolvimento, por outro lado, são introduzidas algumas inovações no que respeita à concentração setorial das várias intervenções em torno de um objeto comum. Esta pre-cisão na definição do conceito de cluster da Cooperação é essencial, dado que entre outras críticas apontadas ao cluster se encontra a obscuridade do conceito devido à larga disseminação a diversas áreas de conhecimento

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sem que haja uma preocupação com a definição (Martin & Sunley, 2003; Motoyama, 2008), e é nesse sentido que se analisa de seguida as diversas perspetivas de clusters existentes na literatura sobre as iniciativas em paí-ses em desenvolvimento.

Na última década, uma crescente importância tem sido dada às inicia-tivas de clusters em países em desenvolvimento pelos países doadores e agências de desenvolvimento dado que podem “generate employment, income and opportunities for the local community and become drivers of broad-based local economic development” (Dijk & Sverrisson, 2003; UNIDO, 2010, p. VII). Este interesse, que foi desencadeado pelo sucesso da concentração de pequenas empresas em distritos industrializados italianos (Schmitz & Nadvi, 1999), reflete-se no aumento progressivo de literatura sobre as iniciativas de cluster em países em desenvolvimento que se focam espe-cialmente nos efeitos benéficos, bem como na eficiência coletiva que pro-movem (Altenburg & Meyer-Stamer, 1999; Caniëls & Romijn, 2003; Dijk & Sverrisson, 2003; Giuliani, Pietrobelli, & Rabellotti, 2005; Han, 2009; Knorringa, 1999; McCormick, 1999; Rogerson, 2001; Schmitz & Nadvi, 1999).

Nesta análise são focadas exclusivamente as iniciativas de clusters in-dustriais ou empresariais, e não os clusters da Cooperação, dado que não existem referências ao termo na literatura. O conceito de cluster industrial ou empresarial não é globalmente aceite devido ao seu uso indiscriminado, no entanto tem sido “commonly held to mean that enterprises are physically close to each other and that this proximity creates opportunities for collaboration, other externalities, etc” (Dijk & Sverrisson, 2003, p. 184). A experiência com clusters industriais ou empresariais tem comprovado que, em muitos casos, este funcionam como “the outcome of the survival activities of very poor peo-ple who lack capital, markets, and skills for starting and running factory-type establishments” (Dijk & Sverrisson, 2003, p. 199) dado que proporciona a “small enterprises to overcome growth constraints and compete in distant markets but there is also recognition that this is not an automatic outcome” (Schmitz & Nadvi, 1999, p. 1503).

Por outro lado, os investigadores concluem que os países em desen-volvimento precisam de adquirir mais capacidades tecnológicas que per-mitam melhorar continuamente os processos de produção e organização (Caniëls & Romijn, 2003); quebrar os ciclos viciosos de baixas habilitações e investimento através da criação de um ambiente que estimule e apoie a aprendizagem e o empreendedorismo; os policymakers devem assumir um

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papel catalisador no sentido de diminuir a diferença de competitividade entre pequenas e médias empresas (Altenburg & Meyer-Stamer, 1999); “clusterização”, numa fase inicial onde o risco para as pequenas empresas é maior (Schmitz & Nadvi, 1999); e de ação e eficiência coletivas dado pare-cerem essenciais para lidar com as novas pressões competitivas (Schmitz & Nadvi, 1999).

Estas conclusões partem da análise efetuada a alguns dos clusters que têm sido implementados como é o caso do cluster de software em Bangalore na Ín-dia, sendo o software considerado um dos setores com maior potencial para gerar crescimento económico, particularmente nos países em desenvolvi-mento (Caniëls & Romijn, 2003); o cluster das indústrias transformadoras da América Latina, que se apresenta como um caso bastante heterogéneo (Altenburg & Meyer-Stamer, 1999); o cluster dos sapatos em Guadalajara no México e em Agra na Índia, que tendo sido afetado fortemente pelas dinâmi-cas da liberalização do comércio da década de 90, teve de se reinventar para competir com um mundo globalizado (Knorringa, 1999; Rabellotti, 1999). Importa aqui realçar que, apesar das iniciativas com clusters industriais ou empresariais diferirem bastante das iniciativas com clusters da Cooperação, o objetivo de potenciar o desenvolvimento é um dos elementos comuns a ambas. Nesta revisão da literatura podemos, ainda, constatar que a ação coletiva é outro dos elementos comuns. O aumento da Cooperação entre os atores locais através do estabelecimento de laços verticais e horizontais, incluindo as relações bilaterais e multilaterais, parecem ser determinantes para o sucesso dos clusters nos países em desenvolvimento (Knorringa, 1999; Rabellotti, 1999; Schmitz & Nadvi, 1999).

O entendimento de que os clusters devem ser encarados como “an ex-pression of social connectivity rather than mere spatial agglomeration” (Dijk & Sverrisson, 2003, p. 183) é comum ao entendimento da Cooperação Por-tuguesa que considera que os clusters da Cooperação devem ser participa-dos por um grande número de atores, nomeadamente, Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), universidades, funda-ções, sindicatos, associações patronais, municípios ou empresas.

Outras semelhanças podem ser encontradas aquando da análise das di-versas experiências com clusters industriais que têm sido promovidas pela United Nations Industrial Development Organization (UNIDO), United States Agency for International Development (USAID) e Food and Agri-culture Organization fo the United Nations (FAO) em países em desen-volvimento.

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Mais concretamente, a UNIDO começa a promover iniciativas de clus-ters em meados da década de 90 com o objetivo de “provide cluster stakehol-ders with an enabling business environment that paves the ground for sustai-ned growth” (UNIDO, 2010, p. 4). A metodologia de implementação dos clusters da UNIDO baseia-se na assistência técnica, pelo que os principais intervenientes têm de estar bastante envolvidos e comprometidos com as iniciativas. Embora, a UNIDO enfatize o papel do setor privado na im-plementação dos clusters, o setor público surge com um papel de bastante relevo dado que a governança, juntamente com a confiança, são os fatores chave para o sucesso destas iniciativas.

No caso da UNIDO, as semelhanças com os clusters da Cooperação pas-sam pela existência de uma instituição mobilizadora e coordenadora do cluster no local onde a iniciativa se encontra a ser promovida. A UNIDO funciona como intermediário entre os diferentes intervenientes dos clus-ters, apesar de não os substituir, apoiando diariamente “from the formulation of a diagnostic study to planning and implementing private sector development activities” (UNIDO, 2010, p. 5). À semelhança dos clusters da Cooperação, “providing network members with training, operational support, incentives and motivation as well as encouraging knowledge diffusion and providing exposu-re to best practice” (UNIDO, 2010, p. 5), constituem fatores determinantes para o sucesso destas iniciativas nos países em desenvolvimento. Algumas das iniciativas de clusters de sucesso promovidas pela UNIDO são: o clus-ter das bananas de Rivas em Nicarágua; o cluster dos workshops do metal e madeira de Mekelle na Etiópia; o cluster do vestuário em Atuntaqui no Equador.

A USAID começou a promover iniciativas com clusters no final da déca-da de 90, através do caso da Líbia em 1998, atingindo um total de 26 países em 2003. As iniciativas de clusters nos países em desenvolvimento incluem o Afeganistão, Bangladesh, Bolívia, India, Mongólia, entre outros (Ketels, Lindqvist, & Sölvell, 2006). Para a USAID, os clusters representam um conjunto de princípios que tornam possível o aumento da competitivida-de. Este princípios incluem “the close interplay between firms, their suppliers, and the business environment; the importance of geographic proximity; building connections and relationships among firms and institutions within a cluster so that they can more effectively tackle the barriers to increased productivity; mobili-zing people to re-think the way they do business; the momentum for change must be local” (USAID, 2008, p. 10). E à semelhança dos clusters da Cooperação e das iniciativas promovidas pela UNIDO anteriormente focadas, é fun-damental a existência de “honest and trusted broker to bring disparate par-

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ties with varied interests together” e “donor projects can credibly provide global perspective and technical expertise, but the cluster development process should be driven by the local private sector” (USAID, 2008, p. 17).

Finalmente, a FAO apenas recentemente tem usado os clusters como instrumento para aumentar a produtividade numa época em que os desa-fios colocados à ‘new agriculture’ são imensos. Os agro-clusters são enca-rados pela FAO como “a concentration of producers, agribusinesses and ins-titutions that are engaged in the same agricultural or agro-industrial subsector, and interconnect and build value networks when addressing common challenges and pursuing common opportunities” (Gálvez-Nogales, 2010, p. X). Este novo instrumento é considerado “an efficient way to develop and stabilize agri-culture and agro-industry and to create an environment that improves the com-petitiveness of agribusiness, particularly small- and medium-scale companies” (Gálvez-Nogales, 2010, p. 1). Um dos exemplos de sucesso da FAO é o caso do cluster Bío Bío do Chile que aglomera cerca de 40% da produção de mirtilos de todo o país. Mais uma vez, as semelhanças com os clusters da Cooperação encontram-se relacionadas com a existência de uma insti-tuição mobilizadora do cluster que controla as fases de implementação e a necessidade de estabelecer sinergias e parcerias locais.

Importa, no entanto, realçar outras particularidades comuns às diver-sas iniciativas de cluster anteriormente analisadas que parecem diferir dos clusters da Cooperação, nomeadamente, a promoção da eficiência coletiva e a adoção do modelo de small-scale firms (Schmitz, 1995). Aqui, a eficiência coletiva é encarada como “the competitive advantage derived from local exter-nal economies and joint action” (Schmitz, 1995, p. 530). Realçamos, ainda, que a designação de cluster da cooperação nunca foi utilizada em nenhum momento nas iniciativas da UNIDO, USAID ou FAO, tornando o termo único.

Terminamos esta parte do trabalho com uma breve justificação para a existência destas diferenças. A autora Perez-Aleman (2005) foca no seu trabalho algumas destas diferenças, coincidindo nesta análise com a ausência de competitividade e dinâmica (Altenburg and Meyer-Stamer, 1999; McCormick, 1999; Schmitz, 1995; Nadvi, 1999) e de colaboração inter-empresas (McCormick, 1999; Nadvi,1999; Lara, 2002). O que nos parece justificar estas diferenças em relação ao cluster da Cooperação é a ausência da procura do lucro económico como critério de decisão (Sangre-man & Carvalho, 2007). A análise em profundidade das experiências da Cooperação Portuguesa, nomeadamente o cluster de Timor e Moçambi-

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que, devem permitir compreender o processo de criação e implementação de novos clusters.

A INOvAçãO NA COOPERAçãO PORTUGUESA

Nesta parte pretendemos analisar a inovação do instrumento adotado pela Cooperação Portuguesa: o cluster da Cooperação. Aqui serão anali-sados em maior profundidade os casos de Angola e Moçambique1, uma vez que as visitas ao terreno e as entrevistas aos principais atores locais já foram realizadas quando escrevemos, bem como as primeiras fases de recolha de informação. Os atores locais entrevistados são os adidos de Cooperação, o corpo diplomático das respetivas embaixadas, o pessoal afe-to aos projetos e os beneficiários diretos.

O caso de Angola centra-se nas atividades de agro-pecuária desen-volvidas na cooperativa COOPECUNHA que se localiza no município de Ecunha. O município carateriza-se por uma densa ocupação agrícola e comercial em fase de crescimento, com tendência para se alargar com a reocupação crescente do território pelas populações. As atividades agro--pecuárias envolvem grande parte da população, que evidencia um forte vínculo à terra. A agricultura é, em geral extensiva, com feição nitidamen-te comercial, principalmente nas zonas irrigadas para a cultura da batata e das hortícolas com particular significado na comuna do Chipeio.

Interessa aqui realçar que estas atividades agro-pecuárias se desen-volvem em torno de um conjunto de três projetos promovidos pelo Ins-tituto Marquês de Valle-Flôr (IMVF) com apoio de dois financiadores principais, a Comissão Europeia (CE) e o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento2 (IPAD). A USAID participa na área do apoio técnico especializado e da capacitação. E é promovida, ainda, a interação com os órgãos do poder político local com um grupo reduzido de organizações da sociedade civil (OSC), ao nível do reforço da governação democrática local nos Conselhos de Auscultação e Concertação Social do município da Ecunha e da comuna do Chipeio. Os projetos em questão são o Projeto de Relançamento Sustentável da Produção e Comercialização do Setor Pe-

1 Ver os capítulos de análise com toda a informação recolhida (Nota de Julho 2014).

2 Atual Camões-Instituto da Cooperação e da Língua (Camões-ICL), resultante da fusão do IPAD com o Instituto Camões (ICA).

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cuário Privado, Familiar e Empresarial no Município da Ecunha (PRSPC); o Projeto de Gestão Sustentável dos Recursos Naturais Florestais: Conso-lidação e Alargamento (PGSRN); e o Projeto de Promoção da Governação Democrática Local: Dinamização dos Conselhos de Auscultação e Concer-tação Social do Município da Ecunha e da Comuna do Chipeio (PGDL).

De acordo com a investigação conduzida no local, conclui-se que os projetos possuem alguma articulação entre si ao nível do desenvolvimento rural e da segurança alimentar, sendo promovidos no espaço territorial do município da Ecunha. O Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentado do Município da Ecunha (PDRS), que já se encontra finalizado, esteve na base desta intervenção do IMVF no município da Ecunha, e centrava-se no apoio ao relançamento e na promoção da atividade agrícola privada. Em específico, este projeto focou-se no apoio ao aumento da produção agrícola e no apoio e reforço às associações de base no município da Ecunha, tendo resultado como output mais significativo a criação da COOPECUNHA, uma cooperativa de agricultores que tem filiados nas duas comunas do município: Ecunha e Chipeio. É atualmente considerada um modelo de “boas práticas” em termos de eficácia, eficiência e sustentabilidade das suas ações, visando o desenvolvimento do setor agrícola na região. Foi o sucesso deste projeto que conduziu, por um lado, ao prolongamento da sua filosofia e estrutura através do PRSPC e PGSRN.

Atendendo às caraterísticas dos clusters da Cooperação referidas an-teriormente, e às conclusões preliminares da investigação conduzida no âmbito do projeto, apesar de existir alguma articulação e de se produzirem algumas sinergias entre os três projetos e atividades diferentes, num âm-bito territorial limitado, parece que a estrutura institucional que modela os projetos implementados pelo IMVF no município da Ecunha se aproxi-ma mais da lógica de um projeto integrado, do que de um cluster da Coope-ração. É, sobretudo, a ausência de vários financiadores e de uma interven-ção estratégica baseada num projeto central que aponta para a existência de um projeto integrado no município de Ecunha e não de um cluster da Cooperação. Existem, no entanto, diferentes perspetivas, nomeadamente do IMVF que considera que as iniciativas desenvolvidas em Angola se tra-tam de um cluster da Cooperação. A continuação da presente investigação permitirá explicar as diferentes perspetivas.

Ao contrário de Angola, o caso de Moçambique3 é reconhecido pela

3 Ver o capítulo sobre o cluster da Ilha de Moçambique com análise com toda a informação recolhida.

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Cooperação Portuguesa como um cluster da Cooperação, integrado no Programa Indicativo de Cooperação (PIC) 2011-2014 como uma inter-venção complementar. Esta intervenção complementar conta com 2% do orçamento global, cerca de 1.2 milhões de euros, e visa “contribuir para o desenvolvimento sustentável e harmonioso da Ilha de Moçambique e da região continental envolvente (humano e económico, patrimonial e am-biental)” (IPAD, 2012, p. 15). Este valor é indicativo uma vez que, apesar do último PIC 2007-2011 prever 10% do orçamento global, apenas foi realizado 3%. Mais concretamente, o objetivo central desta intervenção é o desenvolvimento sustentado desta região, através da valorização do património histórico e cultural, promoção de atividades geradoras de ren-dimento e melhoria das condições de vida dos habitantes.

Assim, a concentração de esforços foi pensada no sentido de implemen-tar um projeto integrado na ilha, financiado por vários atores bilaterais e multilaterais, e pela Cooperação Portuguesa, designado por Plano de Desenvolvimento da Ilha de Moçambique (PDIM) (Sangreman & Silva, 2012). As atividades encontram-se em consonância com as áreas priori-tárias definidas pelo Governo Moçambicano para a prossecução dos obje-tivos fundamentais do Plano de Ação para Redução da Pobreza Absoluta II (PARPAII), designadamente, a reabilitação do património da ilha que permitirá desenvolver a região e aumentar o rendimento da população (Sangreman & Silva, 2012). Esta intervenção encontra-se, ainda, em con-sonância com a intervenção da UNESCO que atribuiu o estatuto de Pa-trimónio Mundial à Ilha de Moçambique em 1991, bem como de outros financiadores internacionais como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Banco Africano de Desenvolvimento (BAfD) ou de países que têm ao longo do tempo ajudado o governo moçambicano a intervir na ilha (Sangreman & Silva, 2012). Desde o início do cluster da Cooperação, introduzido através do último PIC entre Portugal e Moçam-bique, assinado em 2007, que pouco tem sido feito. A adjudicação da ela-boração do PDIM, cujo objetivo central era identificar as áreas e projetos prioritários para o desenvolvimento da região, apenas foi formalizada em março de 2008. O PDIM, que aponta para três fases com uma duração de dez anos, gerou inúmeras resistências por parte do Governo Moçam-bicano, apesar dos diversos atores terem participado na sua elaboração. Analogamente, o relatório de avaliação do PIC 2007-2011 (p. 4 ) conclui que ainda não foi iniciada a implementação do cluster “nem existiram es-forços de mobilização ou coordenação dos projetos que estão a decorrer no terreno” (relatório de avaliação). É expectável que a aprovação do PIC

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2011-2014, onde é incluída esta intervenção complementar, possa acelerar a intervenção no âmbito do cluster da Cooperação em Moçambique.

Esta breve análise aos casos de Angola e Moçambique permite concluir que os clusters da Cooperação não estão a alcançar os resultados esperados. Falamos da tentativa de adotar um instrumento inovador com o objetivo de evitar a duplicação de esforços, maximizar o impacto dos projetos e ga-rantir a sua sustentabilidade, e acabar com as ações avulsas e dispersas que têm caraterizado a atuação portuguesa. Alguns constrangimentos, como a mudança de Governo com as eleições legislativas de 2011 e a nomeação do novo Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Coopera-ção (SENEC), a fusão entre IPAD e o ICA originando o Camões-ICL, a demora na nomeação da direção completa deste último organismo, podem estar a dificultar a evolução de ambas as iniciativas, impossibilitando uma análise conclusiva do seu potencial de inovação.

A POSIçãO DE ATORES DO GOvERNO, ESTADOE SOCIEDADE CIvIL

Nesta parte do trabalho iremos analisar as entrevistas realizadas a atuais e antigos governantes, dirigentes da administração autónoma do estado e membros das organizações da sociedade civil envolvidas ou com conhecimento sobre a implementação dos clusters da Cooperação no âm-bito do projeto O Cluster como Instrumento Teórico e Prático da Coo-peração Internacional para o Desenvolvimento Portuguesa: o Caso de Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola. O objetivo é recolher informação que possa ajudar a perceber algumas das problemáti-cas levantadas anteriormente.

Conforme pode ser analisado no Anexo I, deste capítulo, a estrutura deste guião integra questões que devem permitir recolher opiniões, in-formações, perceções face à eficácia dos clusters na Ajuda ao Desenvolvi-mento. Trata-se de perguntas-guias e não perguntas fechadas para que a entrevista possa seguir o rumo que o entrevistado entender ser mais per-tinente. O guião foi disponibilizado aos entrevistados antes da realização da entrevista.

Existem dois grupos distintos de entrevistados, o primeiro grupo é o dos formuladores dos clusters que inclui o anterior e atual SENEC, os ante-

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riores e atuais membros da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comu-nidades Portuguesas, o IMVF e a direção superior e intermédia do IPAD; o segundo grupo é o dos executores dos clusters que inclui os membros das ONGD.

O início de cada entrevista foi, ainda, precedido por uma breve explica-ção sobre os objetivos da mesma e o tema geral do estudo. Aproveitou-se, igualmente, este momento para solicitar aos entrevistados a necessária autorização para proceder à gravação da entrevista e garantir que a infor-mação recolhida apenas será utilizada para fins de investigação.

Como podemos observar na Tabela 1, foram realizadas até ao momen-to seis entrevistas, mais concretamente, três entrevistas no grupo dos formuladores dos clusters da Cooperação e três entrevistas no grupo dos executores dos clusters da Cooperação.

Realçamos o facto de estarmos a ter maior dificuldade em conseguir entrevistas no grupo dos formuladores do que no grupo dos executores dos clusters da Cooperação, com 74% das entrevistas a aguardar resposta.

Tabela 1 - Entrevistas a atores da Cooperação.

Entrevistas Formuladores Executores

Entrevistas solicitadas 19 15

Entrevistas realizadas 3 3

Entrevistas agendadas 2 5

Entrevistas recursas 0 2

Aguardando respostas 14 5

Relativamente ao primeiro grupo de entrevistados, os formuladores dos clusters da Cooperação, foram contactados todos os que participaram na formulação dos clusters da Cooperação desde o início, tais como o anterior SENEC, a ex-assessora do SENEC, os anteriores membros da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, IMVF e a direção superior e intermédia do IPAD. No entanto, apenas os dirigentes intermé-dios, nomeadamente dos Serviços de Cooperação Geográfica II e Gabinete de Avaliação e Auditoria, e o diretor de projetos do IMVF realizaram, até ao momento, as entrevistas. O que salientamos ao observar a Tabela 2, é que nenhum dos anteriores ou atuais governantes aceitou realizar a entrevista.

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Tabela 2 - Entrevistas ao grupo dos formuladores.

Instituição Realizadas Agendadas Recusadas Aguardadas

Anterior SENEC 2

SENEC 1

Anterior Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portu-guesas

3

Comissão de Negócios Estrangeiros e Comuni-dades Portuguesas

1 3

IPAD 2 1 4

Embaixada de Portugal em Moçambique

1

IMvF 1

Total 3 2 0 14

Nas entrevistas realizadas no grupo dos formuladores, aos dirigentes intermédios do IPAD, salientamos a existência de dois elementos comuns. Primeiro, o cluster da Cooperação é considerado por ambos um instrumen-to com potencialidade para promover o desenvolvimento dos países. Se-gundo, a ausência de um plano de ação em que a coordenação, apropriação e complementaridade estejam presentes tem contribuído para o fracasso deste instrumento. As potencialidades identificadas pelos dirigentes inter-médios do IPAD encontram-se subjacentes aos princípios dos clusters, no-meadamente, a concentração da Ajuda num contexto de grande dispersão de recursos e esforços como é o caso português. Um dos chefes de divisão do IPAD, considera que, no que respeita a eficácia da Ajuda da Coopera-ção Portuguesa, “o cluster da Cooperação constituiu uma boa resposta e os modelos que temos podem contribuir para canalizar a Ajuda de forma a obter-se maior coordenação e complementaridade das ações entre os ato-res”. Outro considera os clusters da Cooperação “um instrumento inovador que tem potencialidades à luz do que foi produzido em Busan”, nomeada-mente, “a apropriação, o foco nos resultados, as parcerias inclusivas para o desenvolvimento, a transparência e a responsabilização”.

No entanto, também foram identificadas desvantagens que se encon-tram relacionadas, especialmente, com as dificuldades no arranque dos

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clusters. Estas dificuldades são, de acordo com um dos chefes de divisão entrevistados, financeiras, uma vez que não foram identificados outros parceiros, de apropriação do conceito de clusters por parte dos parceiros locais, de ausência de liderança ativa por parte do IPAD e inexistência de uma estrutura que assegurasse a gestão do cluster. Esse quadro intermédio considera, ainda que, “não há evidência de uma estratégia de implementa-ção clara em matéria de cluster”, nem “um plano de ação, de coordenação e de apropriação, ou seja, estes chavões que estão subjacentes à ideia de clus-ter”. Para outro entrevistado, as ONGD acabam por ter uma intervenção marginal nos clusters da Cooperação, dado que se tem “ido buscar a uma linha de financiamento onde o direito de iniciativa impera e onde só são selecionados para os clusters mais por acaso”.

A entrevista realizada ao diretor de projetos do IMVF foca-se apenas no caso de São Tomé e Príncipe, sendo, no entanto, a perspetiva relativa-mente ao cluster favorável, dado que concentra esforços numa mesma área geográfica ou setorial.

Relativamente ao segundo grupo de entrevistados, os executores dos clusters da Cooperação, seguimos o critério da representatividade nos órgãos sociais da Plataforma Portuguesa das ONGD para a seleção das ONGD. O que verificamos no tabela 3, contrariamente ao primeiro grupo, é que 53% já concedeu ou agendou a entrevista. É de salientar o facto de duas ONGD terem recusado a entrevista por desconhecimento sobre os clusters da Cooperação. As duas ONGD mencionadas são a Ação e Integra-ção para o Desenvolvimento Global (AIDGLOBAL) e a Fundação Fé e Cooperação (FEC), ambas representadas nos órgãos sociais da Plataforma Portuguesa das ONGD no Conselho Fiscal e com mais de duas décadas de experiencia na área do desenvolvimento no caso da FEC. O membro da FEC contactado para conceder a entrevista alega que “dada a especificida-de do tema não poderei trazer mais-valias significativas para o estudo em causa” e o membro da AIDGLOBAL que “não tem conhecimento suficien-te sobre este assunto”.

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Tabela 3 - Entrevistas do grupo dos executores.

Instituição Realizadas Agendadas Recusadas Aguardadas

OIkOS - Cooperação e Desenvolvimento

1 1

MONTE - Desenvolvi-mento Alentejo Central

1

ADRA - Associação Ad-ventista para o Desen-volvimento, Recursos e Assistência

1

TESE - Associação para o Desenvolvimento

1

ACEP - Associação para a Cooperação Entre os Povos

1

ATA - Associação Tropi-cal Agrária

1

FGS - Fundação Gonçalo da Silveira

1

CIDAC - Centro de Inter-venção para o Desenvolvi-mento Amílcar Cabral

1

ADPM - Associação de Defesa do Património de Mértola

1

GRAAL - Associação de Carácter Social e Cultural

1

AIDGLOBAL - Ação e Integração para o Desen-volvimento Global

1

Saúde em Português 1

O que retemos como elemento central e comum às entrevistas rea-lizadas, designadamente a ADRA, ATA e TESE é o facto de todos os membros das ONGD referidas considerarem o cluster da Cooperação um instrumento importante para o desenvolvimento. Mais concretamente, o membro da ATA considera que “um cluster bem construído politica, técni-ca e economicamente é importante para ambas as partes mas é preciso que isto seja feito”; o membro da ADRA afirma que “a ideia de princípio a mim parece-me boa, ter uma área de ação ou geográfica que seja prioritária

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porque os fundos são limitados. Se nós conseguirmos concentrar em duas ou três coisas que sejam bem feitas é melhor do que haver uma dispersão enorme e isso também vai ao encontro daquilo que são os princípios de Monterrey”; o membro da TESE refere que “a ideia dos clusters eu acho que é positiva. Eu acho que para uma Cooperação com a nossa dimensão a ideia do cluster faz sentido porque tem a ver com coordenação, concentra-ção e impacto de profundidade. A dispersão não nos favorece muito, não quero dizer com isto que não possa haver uma bolsa de ad hocs”.

Simultaneamente, percebemos que cada uma das referidas ONGD aca-bou por indicar alguns critérios essenciais para a existência de um cluster da Cooperação. Do ponto de vista da ADRA, há necessidade de se es-tabelecer regras e uma maior transparência no processo de participação de todos os atores. Para a ATA, é necessário começar-se por um acordo político e garantir a estabilidade financeira. Por fim, a TESE refere que é necessário criar “uma célula de coordenação do cluster/uma estrutura e não precisa de ser uma estrutura com um diretor geral e um gabinete, alguém que de ambas as partes sejam responsáveis”.

Finalmente, algumas críticas foram dirigidas à atuação da Cooperação Portuguesa no que respeita aos clusters da Cooperação, nomeadamente o membro da ADRA ao referir que “o cluster é uma estratégia positiva e in-dicada desde que envolva os atores e que todos tenham acesso à mesma in-formação sobre aquilo que se está a passar e parece-me que não é isso que se tem sucedido”. Adianta, ainda, que “dá-me a ideia que o cluster acaba por ser para alguns que têm acesso privilegiado à informação e conseguem ir diretamente à fonte, por assim dizer, ou então a fonte vai diretamente a eles porque os escolhe. Não me parece que tem sido um processo aberto e transparente de candidatura para que as pessoas possam participar, as vá-rias organizações dos vários espectros e não apenas as Organizações Não Governamentais (ONG)”. Para a ATA “é um sinal de fragilidade quando um cluster envolve um afunilamento na estrutura de execução”. A TESE refere que “visibilidade não tem nenhuma, fala-se mas ninguém sabe mui-to bem o que é o cluster da Cooperação”, que “a operacionalização falhou sistematicamente mas não é se não o paradigma português” e que “é es-sencial definir os limites das intervenções”.

Concluímos que apesar do cluster da Cooperação ser considerado um instrumento com muito potencial no quadro da Cooperação Portugue-sa por formuladores e executores, os resultados esperados estão aquém do esperado por não encontrarem fundamento num plano de ação con-

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certado, pela inexistência de múltiplos financiadores, pela inexistência de estruturas de coordenação que envolvam os países recetores e falta de apropriação. As questões ligadas à gestão, coordenação, apropriação e fi-nanciamento precisam de ser revistas à luz da eficácia da ajuda para um sucesso efetivo dos clusters da Cooperação.

CONCLUSõES

A recente adoção dos cluster na área da Cooperação para o Desenvolvi-mento no sentido melhorar a eficácia da ajuda tem se mostrado uma ex-celente ideia. Os vários atores envolvidos na Cooperação, que vão desde a formulação do instrumento até à execução, consideram-no inovador; bem construído política, técnica e economicamente; e com impacto em profun-didade nos países.

No caso da Cooperação Portuguesa, este instrumento tem-se mostrado fortemente adaptado às necessidades da Cooperação que até então tem sido criticada por uma dispersão de recursos humanos e materiais, e au-sência de nexo entre os projetos ou inexistência de uma estratégia global visível.

No entanto, são os mesmos atores que apontam diversas falhas, no-meadamente na atuação da Cooperação Portuguesa, que tem prejudicado a eficácia dos clusters da Cooperação. As críticas são a ausência de plano de ação concertado, a inexistência de múltiplos financiadores, a inexistência de estruturas de coordenação que envolvam os países recetores e a falta de apropriação. Consideramos que, sendo os clusters da Cooperação um instrumento adaptado às necessidades da Cooperação Portuguesa, impor-ta definir uma estratégia de identificação e implementação dos clusters da Cooperação para que se possa melhorar a eficácia da Ajuda.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

ANEXO

GUIãO DE ENTREvISTA

1. Como surge a ideia de adotar o cluster como instrumento de coo-peração para o desenvolvimento? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

2. Considera que os mecanismos previstos para facilitar a implemen-tação dos clusters de cooperação nos países em desenvolvimento se revelaram suficientes? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3. Quais as duas maiores dificuldades aquando da implementação do cluster em Moçambique, Timor, Angola (huambo) ou São Tomé e Príncipe? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4. Como são encarados os clusters de cooperação pelos parceiros locais? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

5. Que vantagens e desvantagens estão associadas à implementação dos clusters de cooperação, nomeadamente em Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

6. Em que aspetos considera que os resultados alcançados com a im-plementação dos clusters nos países em desenvolvimento melhora-ram a eficácia da ajuda? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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COERêNCIAS E CONTRADIçõES NAS TEORIAS, NOS INSTRUMENTOS, NAS PRáTICAS

E NOS ACTORES DA COOPERAçãO PARA O DESEN-vOLvIMENTO: O CASO DA ILhA DE MOçAMBIQUE

Ana Bénard da Costa Pedro Fraga

Resumo

Baseado em pesquisas realizadas na Ilha de Moçambique, este texto reflecte sobre as coerências e as contradições que se geram em torno das teorias, dos instrumentos, das práticas e dos actores que se cruzam nos processos de Cooperação para o Desenvolvimento na Ilha de Moçambi-que, Património Mundial da Humanidade. Após um breve enquadramento da história da Ilha e da sua evolução demográfica, analisam-se os proces-sos de implementação do Cluster da Ilha de Moçambique questionando a aplicabilidade deste instrumento ao campo da Cooperação para o Desen-volvimento que aí decorre. O facto de nesta ilha existirem um conjun-to de intervenções específicas com vista à conservação e à recuperação de muitos dos edifícios construídos ao longo de quatro séculos (século XVI ao século XX), e o facto de ao Estatuto de Património Mundial da Humanidade se agregarem normativas que condicionam o tipo de De-senvolvimento que aí se perspectiva, colocam uma série de desafios que este capítulo problematiza. São ainda mencionados alguns dos planos de Desenvolvimento que foram concebidos para este território e as diferen-

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tes lógicas e racionalidades que presidem às iniciativas dos diferentes ac-tores aí presentes. Termina-se apresentando exemplos de resultados das intervenções de Cooperação e analisando, de forma resumida, alguns dos problemas com que a Ilha se debate em termos da conservação do seu património e do desejado processo de Desenvolvimento sustentado para o qual todos os planos e projectos pretendem contribuir.

Palavras-chave: Ilha de Moçambique, Cluster da Cooperação, Coope-ração portuguesa, projectos de Desenvolvimento, património, Desenvol-vimento sustentado

vista panorâmica da Ilha de Moçambique

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

INTRODUçãO

Apresentam-se neste texto os resultados de uma investigação realizada no âmbito do projecto “O Cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa: o caso de Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola”. A investigação centrou-se no caso da Ilha de Moçambique e teve como objectivo central o de confirmar ou infirmar se o conceito e a prática de Cluster da Cooperação para o Desenvolvimento constituíam uma resposta eficaz à questão da efi-cácia da ajuda ao Desenvolvimento, neste contexto específico.

Baseando-se num trabalho de campo com recurso a metodologias qua-litativas (entrevistas e observação) que decorreu em Janeiro de 2012 e em Maio de 2014 na Ilha de Moçambique e em Maputo, nos conhecimentos privilegiados que um dos autores deste texto (o coordenador do Cluster) detém necessariamente sobre a realidade da Ilha e de pesquisas e análises bibliográficas e documentais, este texto reflecte sobre as coerências e as contradições que se geram em torno das teorias, dos instrumentos, das práticas e dos actores que se cruzam nos processos de Cooperação para o Desenvolvimento desta pequena região insular de Moçambique.

A análise inicia-se com um breve enquadramento da história da Ilha e da sua evolução demográfica, após o qual se resumem os processos de im-plementação do Cluster da Ilha de Moçambique questionando a aplicabili-dade deste conceito ao campo da Cooperação para o Desenvolvimento que aí decorre. O facto de nesta ilha existirem um conjunto de intervenções específicas com vista à conservação e à recuperação de muitos dos edifícios construídos ao longo de quatro séculos (século XVI ao século XX), bem como o facto de a este estatuto se agregarem um conjunto de normativas que condicionam o tipo de Desenvolvimento que aí se perspectiva, colo-cam um conjunto de desafios que este texto problematiza.

BREvE ENQUADRAMENTO: hISTóRIA E EvOLUçãO DEMO-GRáFICA

A Ilha de Moçambique, a 2000 km a norte de Maputo, situa-se à entra-da da baía de Mossuril, numa região de população Mkhuwa. Tem 3,5 km de comprimento por 350 a 500 de largura, e a temperatura média anual

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é de 26º1.Uma ponte de cerca de três quilómetros assegura a sua ligação ao continente, nomeadamente ao Posto Administrativo do Lumbo, com o qual a Ilha forma o Distrito e, simultaneamente, o Município da Ilha de Moçambique. Do lado oposto à baía situa-se o Posto Administrativo do Mossuril, pertencente ao Distrito de Mossuril.

Fonte: http://novomoc.blogspot.pt/2012/01/ilha-de-mocambique.html

A importância da situação geográfica da Ilha de Moçambique era já reconhecida antes da chegada dos navegadores portugueses, sendo um rentável entreposto de trocas comerciais. A situação geográfica e a sua importância geoestratégica, abarcando os mercados africanos, árabes e indianos, permitiu-lhe obter uma importante parcela do comércio entre vários continentes, facto reconhecido por Vasco da Gama, que fez uma pa-ragem na Ilha de Moçambique aquando da sua viagem para a Índia, a 2 de Março de 1498. Com a instalação dos portugueses na costa moçambicana, a importância da Ilha aumentou, não só pela sua posição, mas também pelo apoio dado ao comércio de escravos2.

Em 1583 ficou concluída a fortaleza de S. Sebastião, estabelecendo-se

1 Esta citação foi retirada de um texto da autoria do Arq. Alexandre Braz Mimoso incluído no Guia Ilha de Moçambique, Omuhipiti (Governo de Moçambique, s.d.).

2 Para um resumo da história da Ilha de Moçambique consultar o texto do Arquitecto Ale-xandre Braz Mimoso incluído no já referido Guia Ilha de Moçambique, Omuhipiti (Governo de Moçambique, s.d.).

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na Ilha a capital da província de Moçambique. Fruto desta situação, a Ilha foi dotada de uma série de infra-estruturas e de património de grande im-portância, muito do qual chegou até aos nossos dias.

A partir da segunda metade do século XIX, a Ilha de Moçambique começou a perder importância. Quelimane, na zona da Zambézia, ultra-passa-a no tráfico de escravos. Com o fim do tráfico de escravos e com o Desenvolvimento das transacções comerciais com o Transval, Lourenço Marques assumiu definitivamente, em 1898, o estatuto de capital da Pro-víncia de Moçambique. A Ilha sofreria ainda um segundo revés, em 1935, com a transferência da capital provincial para a nova cidade de Nampula.

No período entre 1975 e 1991, ano em que a UNESCO atribuiu o es-tatuto de Património Mundial à Ilha de Moçambique, esta região sofreu, fruto dos acontecimentos políticos e económicos no país, uma profunda degradação agravada por um afluxo anormal de pessoas devido à guerra civil que atingia Moçambique.

Assim, se no final do período colonial viviam cerca de 8.300 habitantes na Ilha de Moçambique (Liesegang, 1999; Lobato, 1988), durante a guerra que opôs a RENAMO e a FRELIMO a população da Ilha aumentou expo-nencialmente devido ao êxodo das populações do continente que ali procu-raram refúgio. Se no censo de 1980 foram contabilizados 6.837 habitantes (Hattonet al., 1994), em 1997 a Ilha contava com cerca de 13.000 pessoas. Com o fim da guerra (1992) o crescimento populacional não abrandou e de acordo com o último censo realizado em 2007, o número de habitantes ascendia a 17.356 (Município da Ilha de Moçambique, 2011). Em 2009, no Plano de Desenvolvimento Integrado da Ilha de Moçambique, refere-se que a densidade populacional da Ilha era, nesse ano, de cerca de 17.300 habitantes/ km2 (CESO CI, 2009).

Este excesso populacional, para além de exercer uma enorme pressão sobre as infra-estruturas sociais, provoca um baixo nível de vida entre os residentes devido à existência de poucas actividades profissionais que lhes permitam melhorar a sua condição socioeconómica.

No entanto, importa assinalar que a população não se distribui de for-ma uniforme entre as duas zonas em que a Ilha se divide, designadas res-pectivamente por cidade de pedra e cale cidade de macuti3. Na cidade de pedra e cal, onde predominam os edifícios construídos ao longo do período colo-

3 Folhas de coqueiro ligadas, para cobertura das casas.

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nial, a densidade populacional é relativamente baixa. Na cidade de macuti as densidades são, pelo contrário, muito elevadas, e a população reside em habitações de pau pique cobertas com macuti, ou em habitações de pedra e cal, alvenaria ou blocos de cimento. Frequentemente todos estes mate-riais se misturam nas habitações testemunhando processos sucessivos de construção e reconstrução que se prolongam no tempo e que acompanham alterações no número, composição e tipo de relações existentes entre os residentes de uma mesma casa (membros de uma mesma família de dife-rentes gerações e com diferentes graus de parentesco entre si e, frequen-temente, inquilinos). Silje Sollien, uma arquitecta norueguesa que residiu na Ilha entre 2011-2013 enquanto fazia investigações para a sua tese de doutoramento, refere no seu blogue4 a propósito deste assunto:

Os bairros de macuti, onde vive a maioria da população, são provavel-mente os metros quadrados com a maior densidade populacional de Mo-çambique. Uma casa acomoda muitas famílias numa economia baseada no arrendamento e subarrendamento. Aqui não há, definitivamente, mais espaço para construir5.

Cidade de macuti

4 http://macuti.wordpress.com/ (acedido em 18/05/2013). Tradução nossa.

5 http://macuti.wordpress.com/2011/03/08/2-a-mudhut-in-a-warehouse-a-kiosk-on-a--staircase/ (acedido em 17/05/2013). Tradução nossa.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Em termos de materiais de construção a tendência é a de progressiva substituição do macuti por outro tipo de materiais mais acessíveis, durá-veis e “modernos”. A mesma autora refere ainda no seu blogue6 o seguinte a propósito deste assunto:

Nos sete bairros de macuti as casas sofrem transformações contínuas. Actualmente os principais objectivos das pessoas são substituir as paredes construídas com material orgânico por paredes em cimento. Muitas casas têm um núcleo feito de uma teia de troncos ligada a toros de madeira maiores e preenchida com diferentes camadas de pedra e uma mistura de argila com cal e resina é utilizada como acabamento na superfície ou, em sua substituição, é utilizado o cimento, variando o tipo de material utili-zado com o número de anos da casa, os recursos do primeiro proprietário e as transformações que sofreu desde então. Se os recursos permitirem, toda a casa pode ser demolida e reconstruída de uma vez só – e é outra casa tradicional que se perde na Ilha. Ou a casa pode ser deixada em degra-dação por muito tempo até que alguém assuma a responsabilidade para a reconstruir. Uma transformação gradual, em que as partes das paredes em pior estado são primeiramente reabilitadas é uma outra possibilida-de. Existe ainda uma estratégia de transformação, em que a estrutura de bambu e de mangal é mantida, enquanto se erguem novas paredes com blocos de cimento à volta da casa ao ritmo que a capacidade económica do proprietário lhe permite investir na produção de blocos. Quando as novas paredes exteriores estão completas, a estrutura interna pode ser demolida, e as janelas e portas são transferidos para as novas paredes7.

Cidade de macuti

6 http://macuti.wordpress.com/ (acedido em 18/05/2013).

7 http://macuti.wordpress.com/2011/03/25/5-slowly-changing-skin/

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Estas alterações, em termos dos tipos e materiais de construção na cidade de macuti colocam, pelo menos teoricamente, o mesmo tipo de pro-blemas em termos da preservação do património que a recuperação dos edifícios na cidade de pedra e cal levanta. Toda a Ilha foi declarada Patri-mónio da Humanidade e como tal a cidade de macuti, com os seus telhados tradicionais em macuti também o é. Porém estes vão sendo substituídos por telhados de zinco, que são mais baratos, duráveis e não combustíveis, e as autoridades da Ilha concentram os seus limitados recursos de fisca-lização na cidade de pedra e cal. Existe uma ideia generalizada que a po-pulação do macuti, na sua maioria considerada pobre e carenciada, terá de abandonar a Ilha –“de uma ou de outra maneira as pessoas vão mu-dar (para o continente)”,referiu numa entrevista o Administrador da Ilha (26/01/2012) – como adiante se desenvolve neste texto.

O cluster DA ILhA DE MOçAMBIQUE

Em 2007 no Programa Indicativo de Cooperação (PIC) de Portugal--Moçambique (2007-2010) (IPAD, 2007) o Cluster da Ilha de Moçambique surge como o III Eixo de Intervenção e o seu objectivo geral é “poten-ciar o Desenvolvimento sustentado, através de uma intervenção integra-da e descentralizada que crie sinergias entre vários agentes e áreas de intervenção”(IPAD, 2007, p. 84). A criação do Cluster visava: i) promover uma maior concentração nas acções a desenvolver e nos recursos a des-pender, com o objectivo de melhorar a eficácia de actuação da Coopera-ção Portuguesa; ii) mobilizar em torno de uma problemática comum um conjunto de instrumentos de forma coordenada, evitando acções isoladas, sem economias de escala, sem as vantagens de uma abordagem integrada e com pouca ou nenhuma visibilidade, impacto ou sustentabilidade a longo prazo; iii) apoiar a recuperação de um património histórico notável, cons-truído ao longo de quatro séculos (século XVI ao século XX); iv) poten-ciar, através desta recuperação, tanto o aumento da actividade económica, como a oferta turística na Ilha; e v) contribuir para o projecto do Corredor de Nacala (CEA-ISCTE-IUL & IPAD, 2010, p. 41).

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Edifícios na cidade de pedra e cal

De forma a materializar o Cluster da Ilha de Moçambique, o PIC 2007-2010 define como modos de actuação no terreno o Desenvolvimento de um Plano Director para a Ilha e o apoio ao programa Vilas do Milénio, que implicou a criação de uma Vila do Milénio8 na zona continental ad-jacente à Ilha, Lumbo. O Plano Director visava apoiar um conjunto de projectos com vista ao Desenvolvimento da Ilha de Moçambique e da zona costeira adjacente baseado na valorização do património histórico, no De-senvolvimento de actividades geradoras de rendimentos e na melhoria das condições de vida dos habitantes. Foi considerado que estes projectos deveriam ter um enquadramento comum e como tal foi elaborado, pela CESO, um Plano Integrado para a Ilha de Moçambique, financiado pela Cooperação Portuguesa através do seu Trust Fund no Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) (CEA-ISCTE-IUL & IPAD, 2010, p. 63). Previa--se que esse estudo fornecesse dados concretos para operacionalização de um plano de Desenvolvimento através do modelo de Cluster. O Plano de Desenvolvimento Integrado da Ilha de Moçambique (CESO CI, 2009) só ficou pronto em 2009 (ou seja um ano antes de terminar a vigência do PIC em que o Cluster aparece inscrito e orçamentado), mas nunca foi aprovado (nem recusado) pelo Governo moçambicano.

8 O projecto Vilas do Milénio baseou-se no modelo do Millennium Villages Project (http://www.millenniumvillages.org/) concebido pelo Earth Institute da Columbia University e foi executado pelo PNUD, tendo como objectivo promover o Desenvolvimento da comunida-de que vive na localidade do Lumbo (CEA-ISCTE-IUL & IPAD, 2010, p. 63).

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No âmbito do Cluster da Ilha de Moçambique e ainda no decurso da vi-gência do PIC de 2007-2010, a Cooperação Portuguesa esteve igualmente envolvida na recuperação da Fortaleza de São Sebastião juntamente com outros doadores e com a UNESCO; apoiou a edição de um desdobrável sobre a Ilha de Moçambique; a recuperação de património no projecto Museus da Ilha; e financiou uma Assistência Técnica ao Gabinete de Con-servação da Ilha de Moçambique (GACIM).

Porém em 2010, quando o PIC 2007-2010 foi avaliado, a situação do Cluster da Ilha de Moçambique foi considerada bloqueada. Refere-se neste relatório que o período de vigência do PIC (2007-2010) correspondeu à fase de planeamento para a constituição do próprio Cluster tendo sido ela-borado e apresentado o Plano de Desenvolvimento Integrado da Ilha de Moçambique (PDIM) e que embora tivessem sido apoiados outros projec-tos (acima referidos) estes, na sua concepção e implementação, eram inde-pendentes do conceito de Cluster. É ainda mencionado que a efectivação do Cluster carecia de uma clarificação junto das autoridades moçambicanas da relevância da implementação do PDIM (CEA-ISCTE-IUL & IPAD,2010, p.129) e recomendava-se que a Cooperação Portuguesa devia proceder a uma actualização da estratégia de Portugal em relação à Ilha de Moçam-bique.

Face a esta avaliação e recomendação, a resposta da Cooperação Por-tuguesa em Novembro de 2010 foi que a “intervenção (do CIM) já estava em vigor desde que o coordenador do Cluster foi enviado para o território e iniciou sua primeira missão”(IPAD, 2010).

De facto, alguns meses depois, o coordenador do CIM foi residir para a Ilha e foi concebido um documento intitulado “Projecto Cluster da Ilha de Moçambique”.

Nesta fase, o Cluster da Ilha de Moçambique embora tenha sido for-malmente desenhado como um projecto por exigências processuais e de formulários do próprio IPAD, é sobretudo pensado, pelo coordenador do Cluster da Ilha, em termos de um Programa de Assistência Técnica. Este projecto/programa tinha o objectivo geral de apoiar o Governo de Mo-çambique na promoção do Desenvolvimento integrado da Ilha de Mo-çambique, e as actividades iniciaram-se em Maio de 2011. O facto de o Governo de Moçambique nunca ter aprovado (ou reprovado) o PDIM não é mencionado nesse documento, mas refere-se que o Cluster está alinhado com as principais estratégias políticas moçambicanas, nomeadamente as

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expressas no Plano Quinquenal do Governo de Moçambique (2010-2014).

A importância estratégica que a Cooperação Portuguesa deu ao Cluster da Ilha de Moçambique na fase da sua implementação (2007) traduziu--se nos montantes financeiros orçamentados para o conjunto de acções programadas e que perfaziam 10 por cento do total da APD para Mo-çambique entre 2007-2010. O facto de apenas três por cento dessa verba (1.697.140€) ter sido despendida durante esse período é revelador dos im-passes então verificados e acima mencionados.

No programa de Cooperação entre Portugal e Moçambique (PIC) para os anos seguintes (2011-2014), assinado em Fevereiro de 2012, o Cluster da Ilha de Moçambique é considerado como uma Intervenção Complemen-tar aos dois Eixos Estratégicos que são então definidos e os montantes atribuídos a serem financiados directamente pela Cooperação Portuguesa diminuem significativamente (1.063.423,00€, 2% do total da APD para Moçambique) em relação ao orçamentado no PIC anterior, embora seja previsto um financiamento adicional de 1.411.408,00€ sendo 280.000,00 provenientes do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) do Ministério do Trabalho e a restante verba de doadores não especificados (Camões IP, 2012). Se tal demonstra uma mudança de prioridades estraté-gicas ao nível da Cooperação Portuguesa9, também evidencia que há inte-resse em dar continuidade ao trabalho iniciado no PIC anterior. A partir de então e até à presente data, o Cluster, sustentado por um documento programático específico (IPAD, 2011) é, pela primeira vez, coordenado por um representante da Cooperação Portuguesa a residir na Ilha, que é o único representante da Cooperação internacional e bilateral (da chamada comunidade de doadores de Moçambique) residente em permanência nes-ta região de Moçambique.

Prevê-se, no documento de projecto, que com o coordenador residente na Ilha o Cluster tenha um papel catalisador “de energias e esforços co-muns e de convergência de recursos”(IPAD, 2011, p. 9) na promoção de um conjunto de actividades em torno de quatro eixos centrais: (i) apoio à Escola Profissional da Ilha de Moçambique (EPIM); (ii) apoio a activi-dades desenvolvidas por associações locais de Desenvolvimento; (iii) as-

9 Embora se mantenha o mesmo número de eixos estratégicos (três) que no PIC anterior, são incluídas duas novas áreas de intervenção, “Capacitação Científica e Tecnológica” e “Empreendorismo e Desenvolvimento Empresarial” (Camões IP, 2012, p. 3). De notar que este novo PIC é assinado já durante o período de intervenção da Troika em Portugal, em plena crise económica, e por um governo de um quadrante político diferente daquele que tinha assinado o PIC anterior.

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sessoria a serviços públicos locais relacionados com serviços urbanos e conservação; (iv) apoio à reabilitação de edifícios públicos.

Há uma lógica de interligação no desenho das actividades de apoio a estes diferentes eixos que segue a lógica de desenvolvimento integrado que o Cluster pressupõe e que “visa fundamentalmente melhorar a eficácia da Cooperação Portuguesa pela concentração de actividades e projectos relacionados entre si”(ibidem). Concretamente, e reconhecendo que vários dos edifícios da Ilha classificados como parte integrante do Património da Humanidade estão em estado de degradação, que importa reabilitar e preservar, pretende-se, simultaneamente, promover essa reabilitação e fomentar actividades geradoras de rendimentos. Para esta fase do Cluster são igualmente prioritárias as acções de capacitação pessoal e organizacio-nal, a formação e o Desenvolvimento de competências.

Escola Profissional da Ilha de Moçambique

O apoio à Escola Profissional da Ilha de Moçambique é um dos eixos centrais deste plano de intervenção do Cluster e âncora de todo o trabalho de Cooperação que se pretende desenvolver. Através desse apoio, que in-clui uma componente importante em termos de suporte para adequação dos curricula da Escola ao contexto da Ilha (como aliás está previsto na legislação das escolas profissionais de Moçambique), pretende-se elevar de forma sustentada a empregabilidade local através de mão-de-obra capa-citada para a manutenção do património edificado da Ilha. Por outro lado,

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o apoio previsto em termos de assessoria aos serviços públicos e acima referido, garantiria que essa reabilitação (e outras que ocorrem na Ilha) se fizesse de acordo com as normas de conservação que o Património Mun-dial exige; e a reabilitação de edifícios públicos prevista, nomeadamente de um destinado a residência de professores e alunos da Escola Profissional e uma cisterna de água, garantiria o emprego dos alunos formados na EPIM. O objectivo central destas intervenções do Cluster é dar respostas de impacto a curto prazo junto das pessoas e das comunidades, no combate à pobreza extrema.

Prevê-se que toda esta intervenção seja feita através do envolvimento dos “actores locais, públicos e privados, individual ou colectivamente, en-tidades e instituições nacionais e internacionais, numa lógica de parceria, catalisadora de esforços e recursos para a solução de problemas e necessi-dades identificados” (ibid., p.14), nomeadamente: acesso a água potável; re-forço de capacidades das instituições e associações locais; desenvolvimen-to de acções de formação profissional e de acções de educação; criação de estruturas de apoio social, educacional e de integração profissional; apoio à criação de actividades geradoras de rendimentos; assessoria a entidades do Estado; e preservação e valorização dos patrimónios.

A centralidade que o apoio à Escola Profissional da Ilha de Moçambi-que ocupa no programa do Cluster da Ilha de Moçambique, e a garantia de que havia recursos para o promover, constitui um dos problemas centrais que através deste estudo foi possível detectar. De facto o que aconteceu foi que, por motivos que desconhecemos, esse apoio só foi disponibilizado recentemente (em Maio de 2014) gerando esta disponibilização tardia de fundos atrasos e impasses na concretização das acções planeadas. O fac-to de os fundos estarem agora disponíveis permite-nos pensar que esses atrasos podem vir a ser recuperados. Paralelamente, e como referido, o Cluster previa um grande envolvimento dos actores locais e esse processo, segundo fomos informados, também sofreu reveses pois, por diferentes motivos, os recursos humanos locais (quer da sociedade civil, quer do Es-tado) têm pouca formação, e a Ilha não tem sabido reter aqueles que têm mais capacidades. Muitos dos membros mais activos das associações, e que estão na origem da sua formação, já não residem (ou nunca residiram em permanência) na Ilha e as chefias das estruturas governamentais não são originárias da Ilha, tendo sido inclusive referido, que o facto de aí serem colocados representava uma despromoção na sua carreira. Em suma, nesta fase, o projecto estruturante em torno do qual o Cluster se deveria desen-volver não funcionou nos primeiros anos da estadia do coordenador na

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Ilha por falta de recursos, e como só se iniciou recentemente não é possível compreender o seu impacto; por outro lado o envolvimento com os actores locais não deu os resultados esperados pois a sua capacidade foi sobreava-liada nos planos elaborados e que serviram de suporte para a concepção do projecto do Cluster.

A constatação destes factos alerta para a pertinência que as acções de formação e capacitação local e que o apoio à Escola Profissional da Ilha de Moçambique podem ter neste contexto, sobretudo se desenvolvidos a par com outros apoios noutras áreas de formação (turismo) e nos diferentes níveis de ensino. Neste último aspecto há a destacar a proposta de desen-volver um curriculum local transversal, já iniciado com o projecto Esco-linhas no pré-escolar, com apoios aos primeiros anos do ensino primário e à Escola Profissional, e que se pretende continuar ao nível do ensino se-cundário e até universitário, em estreita colaboração com a Universidade do Lúrio (UNILÚRIO).

Para além dos impasses acima mencionados, no decorrer destes últi-mos anos houve aspectos positivos relacionados com o Cluster da Ilha que importa realçar. Entre estes destaca-se a presença do coordenador no ter-reno. Este facto foi fundamental para desbloquear um conjunto de outras acções essenciais. Nomeadamente, a sua presença na Ilha (e o facto de ser o único representante de um país ou organização internacional cooperante com Moçambique que aí vive), o contacto permanente com a população re-sidente, com as estruturas de poder local e com empresários e agentes de Desenvolvimento, promoveu sinergias e parcerias; as acções de apoio e de assessoria a serviços públicos reforçaram estes organismos com recursos humanos qualificados nacionais promovendo sustentabilidade às activida-des desenvolvidas (através do apoio da Cooperação Portuguesa o Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique/GACIM passou a contar, pela primeira vez, com a presença de um arquitecto moçambicano no seu qua-dro de pessoal) e possibilitando a transferência de conhecimentos para os recursos locais; e as actividades de apoio à Educação e à sociedade civil, através do projecto Escolinhas com ligações (embora nem sempre fáceis) à Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique, para além do reforço da sociedade civil, têm um efeito multiplicador para o desenvolvimento da comunidade através das crianças e do envolvimento das respectivas famílias.

Este conjunto de acções, apesar de apresentarem poucos resultados visíveis, constituem elementos centrais de enquadramento e sustentabi-

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lidade de acções de Cooperação que pretendem ter efeitos duradouros e efectivamente promover um desenvolvimento sustentável no seu contex-to de actuação. O desenvolvimento sustentável exige alguns elementos que, infelizmente, estão ausentes na maioria das intervenções locais da Cooperação para o Desenvolvimento. Nomeadamente, o estabelecimento de relações interpessoais e duradouras entre os actores locais (as comuni-dades, os responsáveis políticos, os empresários locais, etc.) e os represen-tantes das entidades estrangeiras financiadoras dos projectos. A presença de um representante da Cooperação Portuguesa na Ilha permitiu iniciar um processo que implica o estabelecimento de relações de confiança e o conhecimento e respeito mútuo, entre actores de diferentes origens, que não se regem pelas mesmas lógicas nem pelos mesmos interesses. Porém, os atrasos no financiamento a um dos projectos centrais e estruturantes das acções que o Cluster pretendia promover, e a falta de recursos humanos locais capacitados, gerou impasses no desenvolvimento de uma estratégia de Cooperação que se pretendia integrada. Se existe todo um trabalho desenvolvido em termos das acções promovidas com vista ao estabeleci-mento de parcerias entre os diferentes actores envolvidos na promoção do Desenvolvimento sustentável na Ilha, condição essencial para que o Cluster exista, são recentes os recursos materiais para promover o projecto catalisador dessas parcerias e por isso é cedo para analisar o seu resultado. São igualmente escassos os parceiros qualificados que garantam a sua sus-tentabilidade mas o apoio à contratação de um arquitecto para os quadros do GACIM e a proposta de apoiar a contratação de um quadro técnico para o Conselho Municipal (se concretizada) constituem passos significa-tivos para alterar esta situação.

Em suma, não é possível questionar os resultados da aplicabilidade do modelo referencial dos Clusters ao campo da Cooperação para o Desenvol-vimento portuguesa que se desenvolve na Ilha de Moçambique, pois efec-tivamente este não foi totalmente aplicado. Se o processo essencial de esta-belecimento de relações de parceria entre actores e agentes da Cooperação se iniciou e se foram apoiadas acções e promovidas diversas actividades, algumas destas – sobretudo as estruturantes de toda a lógica do Cluster – são demasiado recentes, não permitindo analisar os seus resultados.

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PLANOS E ACTORES DE DESENvOLvIMENTO

A entrada da Ilha de Moçambique para a lista do Património Mundial da UNESCO em 1991 teve como consequência nas décadas seguintes a elaboração de um conjunto de planos de Desenvolvimento para esta re-gião de Moçambique. Igualmente despertou a atenção para as potencia-lidades da Ilha por parte dos moçambicanos e estrangeiros. Alguns dos antigos proprietários recuperam as casas de pedra que possuíam e outros investidores nacionais e estrangeiros adquiriram e recuperaram patrimó-nio para desenvolverem actividades económicas10 sobretudo na área do turismo ou simplesmente para casas de férias.

Em termos de planos há a referir o plano elaborado pela UNESCO e o PNUD em 1998 (Ilha de Moçambique. WorldHeritage Site. A programme for Sustainable Human Developmentand Integral Conservation, global report)11, o “Plano de Gestão e Conservação 2010-2014” elaborado pelo Ministério da Cultura de Moçambique em 2009 e o “Plano de Desenvolvimento integra-do da Ilha de Moçambique” (PDIM) (CESO CI, 2009) com financiamento do BAD, da UNESCO e de Portugal e já aqui referido.

A elaboração do PIDM é contemporânea do desenho de outros pro-jectos, nomeadamente o Projecto de Infra-estruturas de Abastecimento de Água, Saneamento e Resíduos Sólidos no Lumbo e o Projecto da Vila do Milénio no Lumbo que também incluíam financiamento do IPAD, e o Projecto de Reabilitação do Forte de S. Sebastião, financiado em diferentes fases pela UNESCO, Japão, UCCLA, Holanda, Flandres e Portugal, e um Projecto de Apoio a 13 municípios com financiamento dinamarquês.

Ou seja a criação do Cluster da Ilha surge em simultâneo com a conti-nuidade de várias intervenções de actores internacionais nesta região de Moçambique obedecendo a uma lógica similar mas sem a preocupação de coordenação entre financiadores.

Quer o PDIM, quer o projecto do Cluster desenhado em 2011 (IPAD, 2011), identificaram um número significativo de actores intervenientes no processo de Desenvolvimento da Ilha. Destacam-se os actores rela-cionados com estruturas governamentais e políticas locais (Administra-

10 As actividades económicas existentes na baía de Mossuril recenseadas em diferentes estudos são para além da agricultura de subsistência e de algum caju na parte continental, as pedreiras, os fornos de cal, as salinas, a pesca artesanal e algum artesanato. Há ainda grandes quantidades de mangas e um activo significativo em cabeças de gado.

11 http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001207/120709eo.pdf

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ção da Ilha de Moçambique, Conselho Municipal da Ilha de Moçambique, Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique/GACIM); actores dos organismos relacionados com a cultura, a educação e o trabalho (Direcção Provincial de Educação e Cultura de Nampula, Escola Profissional da Ilha de Moçambique, Museu da Ilha de Moçambique, e institutos de educação e formação profissional/INEFP, de Nampula e Maputo); organizações da sociedade civil locais (Associação de Pequenos Empresários de Hotelaria e Turismo/APETUR e a Associação dos Amigos da Ilha de Moçambique) e internacionais (HELPO, Médicos do Mundo, OIKOS, MOVE Microcré-dito, Projecto Oceano) –entre estas, muitas são portuguesas; e empresas (Empresa Ferreira dos Santos, proprietária de imóveis na Ilha). Para além destes actores destacam-se as redes internacionais como a Organização das Cidades do Património Mundial (OCPM) e, sobretudo, as organi-zações e os financiadores multilaterais e bilaterais como a UNESCO, o PNUD, a UNIDO, o BAD, a Cooperação Holandesa e Japonesa, o Gover-no dos Estados Unidos, entre outros.

Esta profusão de actores e intervenientes no processo de Desenvol-vimento de uma Ilha de dimensões muito reduzidas, dividida em zonas de características urbanísticas muito diferentes, levanta um conjunto de questões que se relacionam directamente com a eficácia da Cooperação para o Desenvolvimento que este estudo procurou analisar.

ACTORES, RACIONALIDADES E LóGICAS

As primeiras questões que se colocam são relativas ao enorme inte-resse que a Ilha de Moçambique desperta junto dos diferentes agentes da Cooperação internacional e bilateral, que através de diferentes projectos têm canalizado avultados recursos para o Desenvolvimento e a preserva-ção desta pequena região de Moçambique, e o facto de esse interesse não ter possibilitado, até ao momento, uma coordenação de acções, apesar das inúmeras tentativas que nesse sentido foram feitas. E destacam-se duas das mais importantes, a Conferência Internacional de Doadores de 1999 realizada por iniciativa da UNESCO e destinada a angariar fundos para um conjunto de 50 projectos (UNESCO & PNUD,1998), sem resultados (Teixeira, 2014), e o já aqui mencionado PDIM que nunca chegou a ser aprovado pelo Governo de Moçambique e, como tal, não foram realizadas, de forma concertada, nenhuma das actividades e projectos previstos.

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Há várias e múltiplas razões para explicar, simultaneamente, este in-teresse continuado na Ilha – e o facto de ser Património Mundial é, cer-tamente, uma ou mesmo a mais importante dessas razões – que se traduz num conjunto significativo de projectos de Desenvolvimento e de recu-peração do património que se têm realizado com apoio dos doadores, e a frustração de essas intervenções terem sido e serem, no geral, pontuais, de fraca ou nenhuma sustentabilidade e com resultados que oscilam entre nulos, discutíveis e, alguns, visíveis (mais os projectos de conservação e preservação do património e reabilitação de infra-estruturas do que aque-les que visam o desenvolvimento humano e sustentado). Podem-se agru-par essas razões ou motivos em torno de três grupos diferenciados de actores/interesses12 que actuam muitas vezes em parceria:

i) Os doadores; ii) Governo Central de Moçambique e instituições de âmbito nacional; iii) actores locais a diversos níveis (governamentais, so-ciedade civil, empresários nacionais e estrangeiros, comunidades locais).

A comunidade de doadores em Moçambique é extensa. O facto de Mo-çambique ter sido considerado um “caso de sucesso” em termos do pro-cesso de paz e recuperação e crescimento económico subsequente, explica a afluência de recursos e de actores internacionais do Desenvolvimento a este país. O facto de a Ilha ter sido considerada Património Mundial da Humanidade e os esforços da UNESCO na promoção da sua visibilidade in-ternacional – mais do que os recursos que conseguiu angariar para a reabi-litação do seu património – tornaram este território de Moçambique parti-cularmente interessante para o Desenvolvimento de acções de Cooperação. Estas pareciam relativamente pouco dispendiosas e simples de implemen-tar (o território é limitado e reduzido) e apresentando à partida promessas de resultados visíveis num curto espaço de tempo (a curta duração que os projectos de Desenvolvimento necessariamente têm). Estes projectos eram interessantes para os doadores, pois, também eles, à partida, gerariam vi-

12 Esta parte do texto, para além de ter por base os trabalhos de campo desenvolvidos no âmbito do projecto de pesquisa que enquadra esta investigação e na experiência de terreno dos autores, inspira-se num lúcido e bem fundamentado artigo da autoria de José Teixeira originalmente datado de 2007, actualizado em 2014 e publicado on-line no site https://www.academia.edu/6182775/Ilha_de_Mocambique._Questoes_Sobre_o_seu_Desen-volvimento_como_Sitio_Patrimonial. Agradecemos ao autor a disponibilização dos seus textos sobre a Ilha em acesso livre que permitem a todos os que se interessam sobre esta região de Moçambique beneficiar das suas pertinentes reflexões e do seu profundo conhe-cimento sobre este território, a sua história, as suas populações e as suas dinâmicas actuais.

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sibilidade para os seus promotores. Projectos emblemáticos, intervenções cirúrgicas são termos que se repetem em Moçambique entre os doadores, a propósito da Ilha e das intervenções que aí se realizam ou se planeia realizar. No entanto, dois factos ocorreram que goraram estas expectati-vas: intervenções da Cooperação bilateral e multilateral sem resultados – o projecto falhado da Cooperação Suíça de alojar as populações residentes na Ilha no “continente” através da construção de casas (Teixeira, 2014, p. 10), e o projecto da Vila do Milénio do Lumbo (IPAD, 2010) são dois dos muitos exemplos; e falta de vontade (capacidade/possibilidade) real de coordenar as diferentes iniciativas que se iam desenvolvendo neste terreno concreto. Terreno esse onde ao desejado Desenvolvimento humano e sustentado que todos querem promover se teriam de aliar, necessariamente, preocupações de preservação do património.

Para além das contradições que os termos “desenvolvimento” e “pre-servação” encerram entre si, a falta de coordenação das iniciativas da Coo-peração internacional relaciona-se, por um lado, como em muitos outros contextos receptores da ajuda internacional, comas próprias característi-cas do “sistema” da Cooperação para o Desenvolvimento, nomeadamente, e como refere José Teixeira no texto já aqui citado, com a “competição por visibilidade entre as ‘cooperações’ nacionais”, com as “dificuldades de coordenação entre elas, seja ao nível da opção sobre que projectos desen-volver, seja da sua calendarização e da sua execução” e com “os diferentes ritmos que impedem as realizações”, e por outro relaciona-se, e neste caso, com aspectos que advém da “realização prática dos pressupostos de salva-guarda do património histórico dito mundial” (2014, p. 10). Neste campo, e como afirma o autor citado:

Assiste-se ao confronto real entre uma concepção teórica que afirma uma universalidade da história (o tal património a preservar) e as pos-turas particularistas (de índole nacionalista; de índoles institucionais) na participação desse intuito dito universalista. E este é um “nó górdio” fun-damental, seja sob o ponto de vista prático, o da efectivação dos projectos patrimoniais, como do ponto de vista teórico, o da possibilidade de diver-sos contextos sociais, institucionais e intelectuais de formulação da noção de universalidade e seus conteúdos, se conseguirem articular, na produção de concepções e conteúdos comuns e de actividades conjuntas, com aqueles articulados (ibidem).

Em termos do Governo Central de Moçambique e das suas prioridades

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e estratégias políticas de âmbito nacional e da forma como estas têm ou não contribuído para o Desenvolvimento da Ilha, a primeira questão que se levanta relaciona-se com os níveis de Desenvolvimento de Moçambi-que, e o facto de a Ilha não ser um território à parte, partilhando com o resto do país e com os outros municípios carências em termos de recursos humanos e materiais. Ou seja, as prioridades nacionais em termos de afec-tação dos escassos recursos de Moçambique são várias, e a Ilha –a parte insular, com os seus três quilómetros e meio de extensão e a região conti-nental circundante –e a recuperação das suas infra-estruturas e patrimó-nio, bem como investimentos no Desenvolvimento humano dos residentes (em saúde, educação, por exemplo) e a criação de condições para que a permanência e cooptação de quadros nacionais se torne atractiva, não são, por razões óbvias, uma das prioridades principais, e por isso a participação nacional (do Governo Central13) no seu Desenvolvimento e na recupera-ção do património tem sido escassa (cf. Teixeira, 2014, p. 12).

No entanto tal não significa que não haja um interesse “especial” entre muitos dos membros das elites e dos governos deste país por esta ilha, Património Mundial da Humanidade. De facto algo tem sido feito pelos vários responsáveis políticos em termos de planos de Desenvolvimento e conservação e da afectação de recursos da comunidade internacional que tem permitido que esse estatuto de Património Mundial se tenha mantido (apesar dos rumores que frequentemente ocorrem de que estaria em risco de se perder) ao longo destes anos.

Contudo importa também constatar que há diferentes interesses em jogo e que nem sempre estes se jogam a favor da Ilha, da preservação do seu património, e do seu Desenvolvimento sustentado. Foram ao lon-go destes anos cometidos alguns atentados ao património – José Teixei-ra (2014, p. 13) lembra intervenções da MCEL14, caçadores de tesouros subaquáticos acolhidos como arqueólogos, a construção de um pavilhão gimnodesportivo na praça fronteira à fortaleza, a venda a quilo como ferro-velho de âncoras, balas, correntes, carris, grades, etc. – e algumas medidas tomadas (ou não tomadas) pelos governos centrais e locais foram (são) contraproducentes com os projectos de Desenvolvimento económico e sustentado e de preservação do património que a Ilha e o seu estatuto exigem.

13 A instituição do Governo Central que tem um papel mais activo na Ilha é o Ministério da Cultura e este ministério tem um peso diminuto dentro do Governo e face a outros ministérios.

14 Operadora de telemóveis moçambicana.

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Resumindo, o jogo entre as estratégias políticas nacionais de Desenvol-vimento do país (turísticas, inclusive), as estratégias de Desenvolvimento da região onde a Ilha de inscreve (Norte e província de Nampula),as es-tratégias políticas locais (e lembramos que o Município da Ilha foi gerido durante alguns anos pela RENAMO), os planos e projectos para a Ilha e entre os representantes dessas políticas (os actores) e os múltiplos inte-resses que podem representar (pessoais, empresariais), nem sempre (ou mesmo raramente) se traduziu na possibilidade de Desenvolvimento de políticas coerentes que se traduzissem em acções que permitissem que a Ilha e os seus habitantes usufruíssem de um Desenvolvimento sustentado.

PRESERvAçãO DO PATRIMóNIO E DESENvOLvIMENTO hU-MANO E SUSTENTADO

Porém tal não significa que nada tenha sido feito. Ao longo dos últimos anos a Ilha e algum do seu património e alguns dos seus habitantes benefi-ciaram de acções de Desenvolvimento e conservação promovidas pelo Go-verno Central e apoiadas por diferentes doadores. A criação do Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique/ GACIM em 2006constituiu uma das mais importantes iniciativas.

Ao GACIM incumbe planificar, coordenar e orientar actividades de pesquisa, protecção, conservação e restauro do património edificado, his-tórico e arquitectónico desta cidade património mundial. Apesar de todas as suas fragilidades este gabinete tem tentado coordenar a recuperação do património na Ilha. As fragilidades prendem-se com os recursos humanos – e que, como mencionado, a Cooperação Portuguesa através do Cluster da Ilha de Moçambique, tentou colmatar com a contratação de um coope-rante técnico expatriado, numa primeira fase, e com o apoio à contratação de um arquitecto nacional posteriormente – e com o facto de as decisões últimas relativas à reabilitação de edifícios e infra-estruturas competirem ao Conselho Municipal que eventualmente pode rejeitar os pareceres do GACIM15, mesmo sem ter nenhum técnico superior nos seus quadros com conhecimentos para tal, como seja engenheiros civis ou arquitectos. Os aspectos positivos a destacar relacionam-se com medidas tomadas pelo

15 Esta informação foi-nos fornecida pelo Director do GACIM em 2012, no entanto, e segundo fomos informados posteriormente, o facto de a Ilha ter o estatuto de Património Mundial da Humanidade abre a possibilidade de diferentes interpretações relativamente às competências dos diferentes órgãos governativos locais.

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Governo Central e departamentos dele dependentes que tiveram apoio de vários doadores, e relativas a obras de infra-estruturas, nomeadamente para melhorar o crónico problema de abastecimento de água à Ilha, em termos de vias de acesso (ponte, cais e cintura de estradas), de reparação de ruas, de passeios, de recuperação de jardins, coretos, estátuas, edifícios religiosos, escolas e edifícios do governo e do município (Edifício Girassol, por exemplo).

Por iniciativa privada foram igualmente recuperados edifícios16, quer destinados a habitação privada, quer tendo como fim o acolhimento de turistas, quer ainda para comércio e restauração. Por último há ainda que referir a existência de edifícios públicos como o Museu da Ilha com “algu-ma capacidade organizativa, e de realização” (Teixeira,2014, p. 14).

Se grande parte destas iniciativas do Governo Central–por via do Mi-nistério da Cultura, interlocutor perante a UNESCO –e apoiadas por dife-rentes doadores se destina, sobretudo, à cidade de pedra e cal, há iniciativas por parte dos actores locais (sociedade civil) que se destinam à cidade de macuti. Nomeadamente a recente medida que está a ser implementada pela Fundação da Ilha de Moçambique em coordenação com a ONG Tecno Serve através do projecto “Macuti Homestay”. Através deste projecto os moradores da cidade de macuti têm acesso a crédito para aquisição de ma-cuti a preço subsidiado e para reabilitação de residências. De acordo com uma notícia publicada no jornal Notícias (03.06.2014), o projecto já apoiou a recuperação de 20 casas nesta parte da Ilha de Moçambique.

Outra iniciativa de referir é a criação do Centro de Estudos e Docu-mentação para Ilha de Moçambique/CEDIM, que está ligado à Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da Universidade Lúrio, e que tem como objectivo o estudo do património cultural, tangível e intangível da Ilha de Moçambique e da sua influência, através da recolha, catalogação, conservação e divulgação de documentos, realização de cursos, seminá-rios, debates, investigações, estudos e projectos no âmbito da urbanização, habitação, arquitectura, prestação de serviços sociais básicos, planeamen-to físico e administração local.

Um outro e último exemplo a referir relaciona-se com a recente deci-são (Julho de 2014) do Governo Central (Ministério da Cultura) de criar

16 José Teixeira refere que “na primeira meia dúzia de anos do milénio ter-se-ão recupe-rado entre 70 a 100 casas, apesar da escassez de capital local e da ainda reduzida procura turística” (2014, p. 18).

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na Ilha a sede do Centro de Gestão do Património Cultural da Humanida-de nos Países Africanos da Língua Portuguesa (PALOP)17.

Se todas estas iniciativas do Governo Central, dos doadores, dos ac-tores locais (políticos locais e representantes do Governo Central, ONG, empresas e privados, Universidade) são em princípio de louvar, quando analisadas em detalhe as dúvidas surgem tanto em relação às suas capa-cidades de implementação das acções (financeiras, humanas, legislativas), como em relação à adequação destas ao Desenvolvimento sustentado (am-biental) da Ilha e das zonas circundantes.

O GACIM, apesar de ter aumentado o seu quadro de pessoal técni-co nos últimos anos, continua com carências, como já mencionado, em termos de recursos humanos, financeiros e legais (de fiscalização), que garantam que os seus pareceres e orientações sejam isentos e baseados em conhecimentos técnicos, que estes sejam aceites pelas autoridades da Ilha (Conselho Municipal) e que, a serem aceites, sejam cumpridos pelos promotores das obras de reabilitação. A propósito deste assunto o Direc-tor do GACIM referiu em Janeiro de 2012 e antes de ter sido contratado o arquitecto moçambicano com apoio do Camões:

Estamos a lutar para ter um especialista aqui para também traba-lhar no Conselho Municipal, um técnico único para evitar conflitos, que seja uma ponte para não fazermos pareceres que sejam rejeitados, para o Presidente [do Conselho Municipal] não poder decidir contra o Parecer (Director do GACIM, 25/01/2012).

A questão da reocupação dos edifícios com utilização dos materiais ori-ginais (cal e madeira, macuti) coloca problemas ecológicos e ambientais graves relacionados com a delapidação de recursos (por exemplo o coral para fabrico da cal, a madeira de pau-ferro para os barrotes das casas) nos seus locais de origem e a sua difícil, lenta ou mesmo impossível recupe-ração. Há iniciativas e planos para minimizar estes efeitos perversos que a preservação da autenticidade histórica (conceito mais do que discutível) exige, nomeadamente a utilização de cal de Matibane em alternativa à cal dos corais e a reflorestação, mas sem grande sucesso.

Relacionada com a recuperação do património há ainda a complexa

17 In http://noticias.sapo.mz/aim/artigo/10225308072014162155.html (Notícia publi-cada em 08/07/2014 e acedida em 12/08/2014).

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questão da propriedade dos imóveis da Ilha. Cabe ao GACIM desde 2006 o controlo e gestão do património edificado na Ilha de Moçambique, no entanto só em 2008 a Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE) entregou os contratos de arrendamento das casas que ainda per-manecem na posse do Estado a este Gabinete (Roders et al., 2012). Na altura do trabalho de campo (Janeiro de 2012) o Administrador da Ilha de Moçambique referiu que se estava a “trabalhar para ter uma lei que obri-gasse os proprietários a recuperar e manter as suas casas” (26/01/2012), mas mesmo que essa lei seja (ou já tenha sido) promulgada não há garan-tias que possa ser aplicada – sobretudo pelo maior proprietário da Ilha, o próprio Estado – por falta de recursos económicos dos proprietários para a recuperação das suas casas.

Sobre o projecto “Macuti Homestay” não dispomos de mais informa-ções do que as mencionadas acima, e estas fazem pensar que o seu alcance é muito limitado. Os moradores da cidade de macuti deixaram de cobrir os tectos das suas casas com este material por vários motivos: o preço do macuti tem vindo a aumentar devido à sua escassez provocada por uma doença que tem atacado as palmeiras na região; o macuti necessita de ser substituído com alguma regularidade; as chapas de zinco estão associadas à modernidade e (aparentemente) são mais duradouras e, por isso, também mais económicas. Por outro lado, durante os últimos anos do regime co-lonial foram implementadas medidas concretas que proibiam a população desta zona da Ilha de ter nas suas casas outro tipo de telhados que não fossem de material precário18 (macuti), etal levou a que ainda hoje os ha-bitantes associem o macuti à época colonial e que este tenha por isso uma conotação negativa (Sollien, 2013, p. 51).

Sobre a manutenção do macuti, a recuperação do património e de uma forma geral os apoios que a Cooperação internacional tem dado ao De-senvolvimento da Ilha, o Administrador da Ilha de Moçambique referiu o seguinte:

Há pessoas que vivem no macuti e vivem bem. As pessoas vieram por causa da guerra e não querem voltar para o campo pois aqui as pessoas vivem melhor(…) e fazem filhos e não vão para o continente. Mas há pessoas organizadas a mudar para o continente, de uma ou de outra ma-neira as pessoas vão mudar. Aqui fica museu, fica só com o património.(….) Aparecem várias organizações a aconselhar a manter as casas e

18 No tempo colonial a proibição de construção com material durável era extensiva ao resto do país em todas as periferias dos centros urbanos.

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também aconselham que o macuti esteja sempre assim, mas o que podemos fazer para as casas ficarem sempre no passado?(…)As ONG não voltam, outros têm ideias, outros dizem que vão mudar e passam os anos e nada, a população fica com expectativas e nada(Administrador da Ilha de Mo-çambique, 26/01/2012).

Estas frases espelham sentimentos semelhantes aos que nos foram vei-culados nas diversas conversas informais que tivemos sobre a Ilha com diferentes interlocutores aí residentes: agentes de Cooperação expatria-dos, estrangeiros (alguns destes arquitectos) envolvidos na reabilitação de edifícios, moçambicanos provenientes de outras regiões do país, operado-res turísticos, comerciantes, membros de organizações da sociedade civil e membros das comunidades locais. Nessas conversas foi veiculado que, por um lado, as diferenças económicas, sociais e culturais entre os habitantes da cidade de macuti e da cidade de pedra e cal não são tão significativas como se poderia pensar, havendo “ricos e pobres” em ambas as zonas da Ilha (embora os mais ricos residam na cidade de pedra e cal e os ricos que residem no macuti sejam assim considerados, por terem carro, por exemplo); e que, por outro lado, a situação urbanística do macuti, os níveis de vida dos seus habitantes e as suas condições de habitabilidade eram normais em Moçam-bique. Isto é, não diferiam das condições existentes em muitos bairros pe-riféricos dos outros centros urbanos deste país, onde a falta de saneamento básico e água e as elevadas densidades populacionais são regra.

Outra frase elucidativa e acima citada é relativa à necessidade de “man-ter as casas no passado”, ou seja de preservação do património. Essa neces-sidade não é sentida pela maioria dos habitantes da Ilha em relação ao seu espaço de habitação19 (e incluímos aqui as duas zonas da Ilha), e eventual-mente só a compreendem como necessária em relação aos grandes edifí-cios da cidade de pedra e cal, apenas porque tal atraio interesse dos “outros” (turistas, estrangeiros residentes na Ilha, pessoas de Maputo, membros do Governo Central) lucrando eles (população local) com a vinda desses visitantes, em função do lugar e do poder que ocupam na hierarquia social e económica da ilha que habitam.

19 A investigação de doutoramento que a arquitecta Silje Sollien realizou sobre a cidade de macuti e que será brevemente defendida, discute as questões do Património Mundial e da sua conservação nesta zona da Ilha e com as comunidades aí residentes. Esta investigação certamente fornecerá informações e pistas pertinentes para pensar projectos de Desenvol-vimento sustentados em conhecimentos sólidos das realidades locais e que envolvam as comunidades da Ilha.

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Por último, desde que a Ilha de Moçambique tem o estatuto de Patri-mónio Mundial da Humanidade que se criaram imensas expectativas de mudança em termos das condições de vida e do Desenvolvimento dos seus habitantes. Essas expectativas, como refere o Administrador da Ilha de Moçambique, geraram sentimentos de frustração em todos os seus habi-tantes e talvez estes sejam até mais visíveis naqueles que as tentaram im-plementar (cooperantes e expatriados residentes na Ilha e alguns respon-sáveis políticos). Perante esta frustração, os que podem – os mais jovens e com mais formação – saem da Ilha rumo às grandes cidades, procurando aí a mudança que não vêem acontecer na sua terra natal.

Relativamente ao problema, frequentemente referido, do excesso de população na cidade de macuti e da necessidade de diminuir a pressão de-mográfica realojando parte dessa população no continente, este continua sem solução. Houve planos e há tentativas, inclusive é referido num recen-te relatório do Ministério da Cultura (2014) que o Conselho Municipal da Ilha identificou 400 talhões para realojamento de famílias na região continental vizinha (Lumbo), mas, e até à presente data, a pressão demo-gráfica nessa zona não diminuiu. Segundo informações que obtivemos, o que frequentemente acontece é que muitas das famílias que têm casas na cidade de macuti as mantêm mesmo quando possuem uma casa na par-te continental. Os membros das famílias distribuem-se e dividem o seu tempo entre ambas as casas e a ainda alugam partes da casa que têm na Ilha. Este processo de aluguer de partes de casa, de subdivisão de casas e de construção de anexos em qualquer terreno livre (pátios) é comum e traduz-se nas elevadíssimas densidades demográficas desta zona da Ilha com todos os problemas daí decorrentes (sanitários, de saúde, etc.).

A Ilha “é cidade” e como qualquer cidade fornece às suas populações bens e serviços que nas regiões continentais de onde são originárias ou adjacentes à Ilha não existem. Por isso, a Ilha atraiu e atrai populações e, por isso também, todos os planos para o realojamento das populações nas zonas continentais de características rurais se revelaram infrutíferos (além de estas zonas rurais serem pouco férteis para o Desenvolvimento de práticas agrícolas economicamente viáveis).

Em relação ao CEDIM, as informações obtidas referem que a falta de fundos não permitiu até ao momento o Desenvolvimento de acções con-cretas; a iniciativa de criar na Ilha a sede do Centro de Gestão do Patrimó-nio Cultural da Humanidade nos Países Africanos da Língua Portuguesa (PALOP), é demasiado recente para ter produzido quaisquer resultados.

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Estes e outros problemas reflectem-se nos comentários que o Comité do Património Mundial da UNESCO fez ao último relatório sobre o estado de conservação da Ilha de Moçambique20 elaborado pelo Minis-tério da Cultura (2014). Embora este Comité elogie alguns dos esforços feitos, nomeadamente a contratação de quadros técnicos para o GACIM, destaca os desafios que persistem relacionados com a continuada degra-dação das propriedades do Estado, e o hospital e o tribunal são referidos como exemplo, com a falta de fundos para a gestão do património e com o abandono progressivo das técnicas tradicionais de construção usadas nas casas de macuti.

hospital

20 In http://whc.unesco.org/en/soc/2863(acedido em 12/08/2014).

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CONCLUSãO

A eficácia da Cooperação para o Desenvolvimento entre os países do Norte e do Sul tem sido uma questão muito discutida, a que se associam necessariamente polémicas sobre a melhor forma de garantir a sustenta-bilidade dos projectos e das acções. O instrumento cluster da Cooperação surgiu como mais uma tentativa de tornar mais eficazes e por isso sus-tentáveis as acções e os projectos. No entender dos responsáveis políticos portugueses este instrumento poderia ser aplicado com sucesso no terre-no relativamente circunscrito que a Ilha de Moçambique parecia ser. Con-tudo, depreende-se desta análise que em nenhum momento esse terreno foi (ou é) circunscrito, estando intimamente relacionado com o país onde se insere, Moçambique. Depreende-se também que o próprio cluster como instrumento esteve e está intrinsecamente ligado aos recursos e à vontade politica dos que o promoveram e implementaram. Dito de outra forma, nem o cluster é um instrumento independente das políticas de Cooperação de Portugal, nem a Ilha é um território autónomo que pode ser desenvol-vido à margem dos processos de Desenvolvimento de Moçambique. A par destes dois condicionalismos estruturantes de qualquer acção de Coopera-ção que se pretenda implementar, acresce ainda um outro condicionalismo específico deste caso em análise, o de a Ilha ser Património Mundial e de aí se colocarem desafios que não se colocam noutros “terrenos” da Coope-ração para o Desenvolvimento.

O facto de toda a Ilha ter o estatuto de Património Mundial da Huma-nidade e de se pretender que esta tenha, simultaneamente, um Desenvol-vimento sustentado, implica necessariamente que a sua população seja um dos actores centrais do processo. Depreende-se desta análise que há ainda muito que fazer para que as populações da Ilha se apropriem do seu patri-mónio, o valorizem e se consciencializem de que elas são parte integrante do mesmo – sobretudo quando a grande medida que as visa procura, antes de mais, afastá-las, e quando os escassos recursos para a recuperação do património se destinam aos monumentos e aos grandes edifícios de pedra e cal. Por isso não é de estranhar que os responsáveis políticos locais as-sociem ao Estatuto da Ilha, palavras e termos como “museu” e “voltar ao passado”.

A importância fundamental dos actores locais nos processos de De-senvolvimento e a impossibilidade de criar sustentabilidade nas acções e projectos sem a sua participação, são aceites indiscutivelmente por todos os responsáveis políticos, agentes e actores da Cooperação, e é neste ponto

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que o Cluster, através da permanência do coordenador no terreno, pode fa-zer (e fez) a diferença. A sua presença e o facto de ser o único representan-te de um país ou organização internacional cooperante com Moçambique que vive na Ilha; o contacto permanente com a população residente, com as estruturas de poder local e com empresários e agentes de Desenvol-vimento, permitiu iniciar um processo que implica o estabelecimento de relações de confiança e o conhecimento e respeito mútuo, entre actores de diferentes origens, que não se regem pelas mesmas lógicas nem pelos mesmos interesses e promoveu sinergias e parcerias que permitiram dar voz aos habitantes da Ilha. Através desta proximidade pessoal entre ac-tores de Desenvolvimento (o doador e os receptores) há inevitavelmente uma maior integração dos últimos em todo o processo que se implementa. Obviamente que isto por si só não é suficiente, e se os recursos inicialmen-te previstos tivessem sido disponibilizados no tempo previsto, sobretudo aqueles que visavam a acção estruturante de todo o projecto e relativos à formação profissional, muito mais poderia ter sido feito em termos de envolvimento da comunidade no processo de recuperação do património e de Desenvolvimento da Ilha. No entanto, embora mais tarde do que o pre-visto o processo iniciou-se. Se a sua continuidade for garantida é provável que haja um maior envolvimento das populações da Ilha no Desenvolvi-mento e preservação desta: são os seus filhos que estão a ser capacitados para no futuro ganharem dinheiro trabalhando na recuperação dos edifí-cios e este emprego poderá ser o princípio do Desenvolvimento de uma consciência da comunidade face ao valor do património mundial da Ilha. O projecto das Escolinhas é outra via através da qual o Cluster tenta o envol-vimento da comunidade; se replicado e continuado para outros níveis de ensino como previsto poderá certamente dar resultados muito positivos.

No entanto, nos cerca de quase sete anos que passaram desde que o Cluster da Ilha de Moçambique aparece inscrito e orçamentado como um projecto da Cooperação entre Portugal e Moçambique (PIC de 2007-2010 e PIC de 2011-2014) a falta de recursos materiais não permitiu consubs-tanciar esta relação de proximidade num número significativo de acções concretas que permitissem aplicar o modelo referencial dos clusters ao campo da Cooperação para o Desenvolvimento portuguesa que se desen-volve na Ilha de Moçambique. Se o processo essencial de estabelecimento de relações de parceria entre actores e agentes da Cooperação se iniciou e se foram efectivamente apoiadas acções e promovidas diversas actividades, nenhuma destas, por si só, garante a eficácia da Cooperação que o cluster, na teoria que presidiu à sua concepção, pretende promover. Porém, como

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referido, a acção estruturante de toda esta última fase do Cluster já se ini-ciou e como tal esta conclusão pode ser revertida nos próximos anos.

Em termos mais globais e ao nível de todo o processo de Desenvol-vimento da Ilha de Moçambique, foi possível constatar nesta análise que por diferentes motivos, os vários planos de desenvolvimento que pressu-punham uma intervenção concertada dos distintos doadores/acções/pro-jectos não se concretizaram. Constatou-se ainda que persistem diferentes “interesses em jogo” e que nem sempre estes se jogam a favor da Ilha, da preservação do seu património e do seu Desenvolvimento sustenta-do. Contudo também se pode concluir nesta análise que “alguma coisa” aconteceu em termos da preservação do património e do Desenvolvimen-to da Ilha e que essa “alguma coisa”, ajudada por toda a dinâmica de De-senvolvimento e crescimento económico que está a ocorrer nessa região Norte de Moçambique, e por projectos concretos que permitam envolver e capacitar os habitantes da Ilha na recuperação do seu património, nas actividades turísticas, na investigação, no ensino e na formação, faz-nos pensar que: é possível!

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O MODELO DE COOPERAçãO DO INSTITUTO MARQUêS vALLE FLôR NO MUNICÍPIO

DA ECUNhA, PROvÍNCIA DO hUAMBO: cluster OU PROGRAMA INTEGRADO DE COOPERAçãO?1

Carlos M. Lopes com a colaboração de João Monteiro

Resumo

O presente artigo foi elaborado no quadro da participação do autor no projecto “O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação In-ternacional para o Desenvolvimento portuguesa: o caso de Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola”, financiado pela FCT. O seu objectivo é equacionar a aderência do modelo referencial dos clusters à aná-lise de actividades e processos diferenciados e complexos, como é o caso da Cooperação. O teste foi efectuado a partir da análise da intervenção do Instituto Marquês Valle Flôr (IMVF), uma ONGD portuguesa, no mu-nicípio da Ecunha, Província do Huambo, Angola. Com base numa breve revisão da literatura sobre os pressupostos, as lógicas e os modos de fun-cionamento dos clusters e dos Arranjos Produtivos locais e no seu cruza-mento com a grelha conceptual do Desenvolvimento Local e da Coopera-ção Descentralizada, o autor descreve, sustentado na análise documental, na observação directa e em entrevistas aplicadas aos actores, a intervenção do IMVF no referido município concluindo ser mais apropriado falar-se em Programa Integrado do que em cluster de Cooperação. Subsidiaria-mente, evidenciam-se as características e as boas práticas decorrentes do modelo de abordagem implementado pelo IMVF.

Palavras chave: Arranjo produtivo local; Cooperação; Cooperação descentralizada; cluster; cluster de Cooperação; Desenvolvimento Local

1 Em memória do Manecas Barcelos

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

INTRODUçãO

Analisar o sector da cooperação na perspectiva do cluster constitui ob-jecto praticamente virgem na literatura. Esta abordagem constitui um desafio em si próprio, na medida em que a cooperação mobiliza uma gran-de variedade de atividades, com especificidades em termos de concepção, estrutura, contextos e dinâmicas, que colocam obstáculos a generalização conceptual.

O presente artigo pretende contribuir para essa análise, abordando a experiência da intervenção do IMVF no município da Ecunha, na provín-cia do Huambo, em Angola.

O objectivo é verificar se os elementos conceptuais que sustentam a noção de cluster podem ter aplicação no sector da cooperação. Subsidiaria-mente pretende-se caracterizar a intervenção do Instituto Marquês Valle Flôr (IMVF), no município da Ecunha, Província do Huambo, Angola, no período entre 2005 e 2012.

Um primeiro passo visa tentar encontrar aproximações entre o refe-rencial teórico da literatura sobre distritos industriais, transações econó-micas e economia de inovação, com a abordagem do Desenvolvimento Lo-cal e com a singularidade do sector da Cooperação.

Uma segunda fase contempla a contextualização da intervenção em matéria de cooperação do IMVF no município da Ecunha.

Uma terceira etapa consiste numa breve caracterização da intervenção do IMVF no referido município no período balizado entre 2005 e 2012.

Um quarto momento é dedicado à discussão da aplicabilidade do concei-to de cluster ao programa de cooperação do IMVF no município da Ecunha.

Finalmente, na última parte apresentam-se as considerações finais da reflexão e sublinham-se os traços relevantes e algumas das lições aprendi-das com programa de cooperação implementado pelo IMVF no município da Ecunha.

Para além da revisão da literatura e da análise documental, a reflexão suportou-se na observação directa realizada no terreno e em entrevistas realizadas com responsáveis do IMVF, com responsáveis da Administra-ção Municipal da Ecunha e da Administração Comunal do Chipeio e com diversos membros do Conselho Municipal de Auscultação Social, bem

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

como com responsáveis e associados da Coopecunha. Foram efectuadas quatro visitas à Ecunha em diferentes momentos: a primeira, com a du-ração de 5 dias, ocorreu no período entre 28 de Novembro de 2011 e 3 de Dezembro de 2011; a segunda, com a duração de 4 dias ocorreu no período entre 22 de Janeiro e 25 de Janeiro de 2012; a terceira, teve lugar dos dias 3 e 4 de Maio de 2012; a última visita realizou-se no dia 9 de Julho de 2013. Foram realizadas 13 entrevistas institucionais (2 com os Coodenadores locais do IMVF, 1 com a Administradora Municipal Ad-junta da Ecunha, 1 com o Administrador Comunal Adjunto do Chipeio, 1 com o responsável da Coopecunha, 1 com o responsável da Gadoecunha, 1 com o responsável da Estação de Desenvolvimento Agrário-EDA, 1 com o responsável local da União Nacional das Associações de Camponeses e Cooperativas Agro-Pecuárias de Angola-UNACA, 1 com o responsável da Repartição Municipal da Educação, 1 com o responsável da Repartição Municipal de Saúde, 1 com um responsável religioso da Igreja Evangélica Congregacional em Angola-IECA e 1 com o responsável do Sindicato dos Trabalhadores da Educação, Cultura e Comunicação Social). Uma última entrevista institucional foi efectuada com a representação da União Eu-ropeia, em Luanda. Foi ainda realizado um grupo focal com a presença da Associação das Autoridades Tradicionais do município (ASSAT), que contou com a participação de mais de uma dezena de sobas.

1 – FIXANDO A NOçãO DE cluster: BREvE DIGRESSãO PELA LITERATURA

A noção de cluster, quer no campo da política industrial quer na dimen-são académica, adquiriu notoriedade no contexto da crise do fordismo e da emergência do princípio da especialização flexível, entre o final da dé-cada de 80 e a década de 90 do século XX. Os trabalhos de Porter, sobre competitividade de firmas e regiões (1989, 1990), e de um leque alargado de pesquisadores, atentos às dinâmicas de crescimento que a flexibilida-de e a concentração geográfica de empresas proporcionavam a empresas de pequena e média dimensão operativas em sectores especializados nos distritos industriais da chamada Terceira Itália, da região industrial do Sul da Alemanha e da França, ou aos agrupamentos empresariais de alta tecnologia norte-americanos no Silicon Valley (Becattini, 1991; Maillat, 1996, entre outros) contribuiram substancialmente para a consolidação do conceito. A exploração do conceito ocorreu um pouco por todo o lado,

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por exemplo no Brasil, onde se desenvolveu uma florescente produção académica em torno dos designados arranjos produtivos locais, expres-são econtrada para identificar a concentração espacial dos aglomerados de empresas de pequena, média e grande dimensão, sectorialmente especiali-zadas (SEBRAE, 2009; Cassiolato e Lastres, 2003, entre outros).

No entanto, a sua génese remonta ao século XIX, com a análise de Al-fred Marshall, sobre o modo como a especialização sectorial e a divisão de trabalho intensificam a efeiciência e a competitividade das organizações, induzindo processos de concentração espacial.

No cerne da análise está a ideia da existência de externalidades positi-vas, resultantes de localizações espaciais industriais especializadas.

Foi o sucesso do crescimento dos distritos industriais da chamada Ter-ceira Itália e dos conglomerados tecnológicos de Silicon Valley que acres-centou aos efeitos positivos gerados pela proximidade decorrente da con-centração espacial, a consciência do valor da cooperação competitiva e da coordenação como factores de eficiência e de incremento de produtividade. Como evidencia Czakon, W. (2007), no mundo das empresas a coopetição é um dos quatro tipos de relacionamentos que poderão existir, consoante a sua posição relativa dentro de uma indústria e a necessidade de recursos externos da outra empresa (sendo os outros: coexistência, cooperação e competição). A expressão descreve a relação simultânea de cooperação e competição entre pessoas ou organizações, que ocorre normalmente para atingir um objetivo comum, tendo em vista a complementaridade de re-cursos e a possível redução de custos na fase de desenvolvimento de pro-dutos, sem desconsiderar a competição no momento de lançamento do produto desenvolvido no mercado.

Foi dessa perspectiva que emergiu o conceito de Arranjo Produtivo Local (APL), caracterizado por um aglomerado significativo de empreen-dimentos em determinado território e indivíduos que actuam em torno de uma actividade produtiva predominante, que compartilham formas perce-bidas de cooperação e algum mecanismo de governança, e que pode incluir pequenas, médias e grandes empresas (Oficina Regional de Orientação à Instalação de APLs - GTP APL, MDIC, 2006).

Na visão do SEBRAE (2009), Arranjos Produtivos Locais são aglo-merações de empresas, localizadas em um mesmo território, que apresen-tam especialização produtiva e mantém vínculos de articulação, interac-ção, cooperação e aprendizagem, entre si e com outros actores locais, tais

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como o governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa.

As principais caraterísticas de um APL são, na perspectiva de Cassio-lato, Lastres & Szafiro (2000):

(i) a dimensão territorial (os actores do APL estão localizados em certa área onde ocorrem interações);

(ii) a diversidade das actividades e dos actores (empresários, sindicatos, governo, instituições de ensino, instituições de pesquisa e desenvolvimen-to, ONGs, instituições financeiras e de apoio);

(iii) o conhecimento tácito (conhecimento adquirido e partilhado atra-vés da interacção, conhecimento não codificado);

(iv) as inovações e aprendizagens interactivas (inovações e aprendiza-gens que surgem a partir da interação dos actores); e

(v) a governação (liderança do APL, geralmente exercida por empresá-rios ou pelo seu conjunto representativo – sindicatos, associações).

Os APLs são geradores de vantagens competitivas, principalmente quando estas são construídas a partir do enraizamento de capacidades produtivas e de inovação e do incremento do capital social oriundo da integração dos actores locais, o que enfatiza o papel da dimensão do local face ao global.

Os mais inovadores de entre eles apresentam as características resumi-das pelo quadro seguinte:

Características cluster/APL de inovação

Liderança Elevada

Dimensão das empresasMicro, Pequenas, Médias e Grandes

Número de instituições envol-vidas

Elevado

Capacidade de inovação Contínua

Confiança interna Elevada

Nível tecnológico Médio

Conexões Expandidas/Diversificadas

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Cooperação Elevada

Competição Elevada

Novos Produtos Contínuamente

Capacidade de Exportação Elevada

Fonte: adaptado de Mytelka e Farinelli, 2000.

Em síntese, as vantagens dos Clusters/APLs resultam do efeito com-binado de diferentes determinantes: identidade geográfica; protagonismo local; mobilização de recursos; concentração espacial; multiplicidade e di-versidade de actores; cooperação; competição; especialização produtiva; exploração de sinergias e de economias de escala; liderança e capacidade de governação; cultura de partilha de aprendizagem e de inovação; fluidez dos canais de comunicação.

A abordagem de Cluster/APL, valoriza a cooperação, a aprendizagem partilhada, o conhecimento tácito e a capacidade de inovação das empre-sas e instituições locais como questões centrais e como funções interde-pendentes para o aumento da competitividade sustentável, fortalecendo os mecanismos de governação. E é orientada para promover a cultura da cooperação e da aprendizagem cooperativa e coletiva, para promover pro-cessos de geração, aquisição e difusão do conhecimento, para estimular a construção e o fortalecimento de capacidade de governação local, para es-timular a construção e fortalecimento da identidade local e para construir parcerias em âmbito nacional, regional e local.

A filosofia, a lógica e a metodologia proposta pela abordagem de Clus-ters/APL apresentam uma grelha referencial com amplos traços de afi-nidade com a abordagem proposta para o modelo defendido por muitos autores no se que convencionou apelidar de Desenvolvimento Local e tal sucede também, em grande medida, nos processos desencadeados no sec-tor da Cooperação, em particular com a formulação específica que consti-tui a designada Cooperação Descentralizada.

Swinburn, Goga e Murphy (2006) apresentam, no Manual para o De-senvolvimento Económico Local, elaborado para Unidade de Desenvolvi-mento Urbano do Banco Mundial, os argumentos para adopção de polí-ticas de desenvolvimento local ao considerarem que “o desenvolvimento local é um processo de crescimento e mudança estrutural da economia de uma cidade, comarca ou região, em que se pode identificar pelo menos três dimensões: uma económica, caracterizada por um sistema de produ-

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ção que permite aos empresários locais usar eficientemente os factores produtivos, gerar economias de escala e aumentar a produtividade a níveis que permitam melhorar a competitividade nos mercados; outra sociocul-tural, na qual o sistema de relações económicas e sociais, as instituições locais e os valores servem de base ao processo de desenvolvimento; e outra política e administrativa, na qual as iniciativas locais criam um entorno local favorável a produção e impulsionam o desenvolvimento”.

Na perspectiva de Amaro, R. (1993), “o Desenvolvimento Local é um processo de mudança centrado numa comunidade territorial, que parte da constatação de necessidades não satisfeitas, às quais se procura respon-der prioritariamente a partir das capacidades locais, o que pressupõe uma lógica e uma pedagogia de participação, mas em articulação necessária e fertilizadora com recursos exógenos, numa perspectiva integrada e inte-gradora, o que implica uma dinâmica de trabalho em parceria, com um impacto tendencial em toda a comunidade e com grande diversidade de caminhos, protagonistas e soluções”. O autor enuncia os traços que carac-terizam os Desenvolvimento Local:

(i) processo de mudança que pressupõe rupturas e processos de criação;

(ii) enfoque numa comunidade territorial, onde se partilham os mes-mos valores e identidade;

(iii) baseado na ideia de satisfação das necessidades da comunidade, partindo do reconhecimento da fraquezas ou problemas por resolver;

(iv) uso das potencialidades e capacidades endógenas: mobilização de forças e potencialidades internas do grupo para responder às necessida-des não satisfeitas do grupo;

(v) pedagogia da participação, fazendo apelo ao protagonismo dos ac-tores, ao exercício de cidadania activa, levando-os a questionar o conceito de democracia existente e apelando a processos de empowerment, que consistem no reforço às capacidades de protagonismo e intervenção dos actores locais;

(vi) articular os recursos exógenos (humanos, financeiros, materiais, informação) com o meio envolvente para fertilizar as capacidades locais;

(vii) visão integrada e multidimensional das diferentes componentes da vida em sociedade e sua relação com os processos de mudança; e

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(viii) trabalho em parceria numa abordagem interdisciplinar e multi-sectorial em todo o ciclo de planificação de projectos, incluindo a avaliação.

A cooperação descentralizada representa um conceito recente na dinâ-mica de cooperação internacional para o desenvolvimento. A União Euro-peia foi a primeira a inserir esta modalidade de cooperação no seu progra-ma, a partir da inclusão do termo nos acordos da IV Conferência de Lomé, firmados em 1989, com países da Ásia, Pacífico e do Caribe.

Em 1992, a Comissão da Comunidade Europeia referia-se à Coope-ração Descentralizada como “Uma nova abordagem da cooperação que visa estabelecer relações directas entre instituições de representação local, além de estimular a capacidade dessas instituições para elaborar e execu-tar projectos de desenvolvimento com participação directa da população, levando em consideração os seus interesses e pontos de vista sobre desen-volvimento”.

Por Cooperação Descentralizada entende-se a cooperação internacio-nal levada a cabo não por governos centrais, mas por actores subnacionais. Estes são, de maneira geral, governos estaduais/provinciais, regionais ou municipais e seus homólogos internacionais, ou agentes e instituições pú-blicas e privadas, do Norte e do Sul, que realizam acordos, geminações, redes de cooperação e pactos. Trata-se de um novo enfoque da Cooperação caracterizado pela descentralização de iniciativas, pela relação com o sul, pela incorporação de novos actores da sociedade civil e por uma maior participação dos actores da sociedade civil dos países em vias de desenvol-vimento, no seu próprio desenvolvimento.

A Cooperação Descentralizada (Sangreman, C. et al., 2009) permite:

(i) Procurar formas mais participadas, mais diversificadas e mais próxi-mas da população para a promoção do desenvolvimento;

(ii) Promover sociedades mais democráticas no Norte e no Sul;

(iii) Garantir, através de parcerias entre iguais, uma maior flexibilidade e maior rapidez de decisão;

(iv) Aumentar a capacidade de mobilizar recursos a custo reduzido (um dos seus critérios de eficiência é que não conta apenas com recursos finan-ceiros mas também sociais); e

(v) Possibilitar uma melhor adaptação às dinâmicas e contextos con-

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soante as diferentes conjunturas.

Os novos caminhos percorridos pelos actores/pensadores do processo de Cooperação em Portugal apresentam o conceito de cluster de Coopera-ção como um conjunto de projectos, executados por diferentes instituições numa mesma área geográfica e com um enquadramento comum (IPAD, 2005). Trata-se de uma formulação suficientemente ampla e vaga e ainda relativamente pouco especificada, onde se poderiam incluir outros mode-los de cooperação anteriores, nomeadamente os Programas Integrados de Cooperação.

2 – O IMvF NO MUNICÍPIO DA ECUNhA

2.1 – O município da Ecunha2

O Município do Ecunha é um dos onze municípios da província do Huambo. O Município do Ecunha é limitado a norte pelo município do Londuimbale, a leste pelo município do Huambo, a sul pelos municípios da Caála e do Longonjo e a oeste por último e pelo município do Ukuma. Localizado na parte Centro-oeste da província apresenta como limites os Municípios do Londuibale (Norte), Caála (Sul), Huambo (Este) e Ukuma e Longonjo (Oeste). A sua superfície é de 1.677 Km2 e a sua população é

estimada actualmente em 95.000 habitantes3. Administrativamente está dividido na comuna da Ecunha (Sede), que engloba sensivelmente a meta-

2 Este sub-ponto foi elaborado com recurso à informação escrita recolhida na AM da Ecu-nha, plasmada em dois documentos principais: o Diagnóstico do Município e o Perfil do Município, ambos elaborados em 2010, com apoio do IMVF.

3 Estimativa adiantada pelo responsável da Repartição Municipal de Estudos e Planea-mento da Administração Municipal da Ecunha. Os dados fixados pelo Perfil Municipal, em 2010, referem 73.858 habitantes para o município, dos quais 48.968 estabelecidos na Comuna sede e 24.890 na Comuna do Chipeio.

 

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de sul do território (797 Km2), e na comuna do Chipeio (ou Quipeio), que se situa na parte norte (880 Km2). Na comuna sede estão referenciados 14 bairros à volta da Vila do Ecunha e um total de 67 aldeias enquanto na Comuna do Chipeio, para além da Vila do mesmo nome, contabilizam-se 11 bairros e 73 aldeias.

O território do município é bastante montanhoso, pois situa-se na transi-ção da extensa aplanação central para as áreas subplanálticas através da “cadeia marginal de montanhas”, a qual percorre a parte centro-noroeste do município, fazendo com que o relevo seja bastante pronunciado, dese-nhando vales estreitos e profundos com encostas com declives pronuncia-dos, sobretudo na parte noroeste.

A maior parte do território drena para o rio Queve (ou Cuvo), no entanto a parte su-sudeste faz parte da bacia do Cunene. Aqui nascem numerosos cursos de água que vão alimentar as duas importantes bacias. Existe assim água em relativa abundância que possibilita a agricultura em pequenos esquemas de regadio.

O território correspondente à Província do Huambo, no qual se inclui o Município da Ecunha, é habitado por três grupos étnicos muito fraca-mente diferenciados: os Huambos, Bailundos e Sambos; havendo ainda a anotar pequenas manchas de Ganguelas e Quiocos, sem expressão demo-gráfica significativo. Na sua grande maioria a população pertence à co-munidade Umbundu: grande parte da comuna da Ecunha e uma pequena franja da comuna do Quipeio com o subgrupo Vauambu e a restante área com predomínio dos Vambalundu.

A economia do Município encontra-se actualmente numa situação de “economia de subsistência”. A maioria da população vive mesmo abaixo desse nível. As suas produções são basicamente para auto-consumo. Al-guns camponeses/agricultores, com alguma capacidade, em geral muito pequena, para a aquisição de factores de intensificação da produção, pro-duzem algumas culturas comerciais (batata-rena e hortícolas) que colo-cam nos mercados de Ecunha, na Caála e Huambo.

O território do Município é marcado por uma vocação agrícola pronuncia-da e por uma agricultura, em geral extensiva, com feição nitidamente co-mercial principalmente nas zonas irrigadas para a cultura da batata e das hortícolas, com particular significado na comuna do Chipeio. As principais produções comercializadas são a batata, a cebola e a cenoura. O milho, apesar de produzido numa quantidade considerável, não é normalmente

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

comercializado, destinando-se ao autoconsumo. O feijão, a couve, o repo-lho e outros hortícolas são produzidos em quantidades muito residuais. O escoamento da produção é efectuado nos mercados:

(i)Ecunha, Calenga e Alemanha (estes dois últimos localizam-se noutros municípios) onde, apesar de haver comércio a retalho, se faz ainda muito comércio por grosso. Os mercados da Ecunha e da Calenga são os pontos mais próximos da produção, e as trocas são muitas vezes efectuadas entre os produtores e intermediários ou entre o primeiro intermediário e o se-gundo ou uma candongueira (que vendem a retalho).

(ii) nas praças da cidade do Huambo (Himalaia, Mercado Central e Praça do Cruzeiro) onde se faz essencialmente comércio a retalho.

Outra fonte de rendimento para muitas das famílias do Chipeio é a pro-dução de carvão vegetal para vender nos centros urbanos e estradas de acesso aos mesmos: Ecunha e, sobretudo, Huambo, Caála e Chitatamela

Embora uma parte significativa das áreas do Município apresente condi-ções edafo-climáticas favoráveis à produção pecuária, a praticada actual-mente é de dimensão reduzida e incipiente. O Município dispõe ainda de três tipos de recursos com razoável potencial: Florestais, Silvícolas e Apí-colas.

No município estão operativas 2 Moageiras, 30 Moinhos de pedra e 2 Padarias, sendo a rede comercial no Município constituída por 30 esta-belecimentos comerciais, dos quais dois dedicam-se a venda a grosso e os restantes a retalho. Desses, 8 são estabelecimentos de comércio rural. Existe 1 pensão e 20 Lanchonetes cujo grau de organização e prestação de serviço é considerado como razoável.

Os sectores da Administração Municipal e Comunal, a educação e a saúde fornecem o emprego formal enquanto parte da população sobrevive com a realização de actividades informais, nomeadamente o comércio no merca-do da Ecunha e o transporte de mercadorias e passageiros, efectuado por táxis colectivos (candongueiros) e motorizadas (kupapatas).

2.2 O Instituto Marquês valle Flôr (IMvF)

O Instituto Marquês Valle Flôr é uma Organização Não Governamental

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para o Desenvolvimento (ONGD) criada em 1951 que tem por missão a promoção do desenvolvimento socioeconómico e cultural nos países de expressão portuguesa.

Conta actualmente com mais de 60 anos de actividade e mais de 30 pro-jectos em curso nas áreas da Cooperação para o Desenvolvimento e da Educação.

Possui delegações/escritórios em todos os países de expressão portugue-sa, formados maioritariamente por quadros técnicos nacionais.

3 – CARACTERIZAçãO DA INTERvENçãO DO IMvF NO MU-NICÍPIO DA ECUNhA

O IMVF está presente em Angola, na Província de Huambo desde 1998, com o foco da sua actividade centrado inicialmente na vertente da Ajuda Humanitária de Emergência. A intervenção do IMVF no município da Ecunha teve início em 2002. O Programa do IMVF assentou em dois ei-xos de intervenção, nomeadamente (IMVF, 2011):

(i) - Desenvolvimento Económico, estruturado em torno de 3 áreas de actividade principais: Agricultura, Pecuária e Recursos Naturais (silvicul-tura, apicultura, entre outros).

As acções realizadas neste sector contribuíram para a criação de vínculos entre a economia local e mercados mais amplos, diminuindo o isolamento económico e social do Município, com integração de actividades econó-micas nas áreas da agricultura, pecuária e recursos naturais (silvicultura e apicultura) numa óptica de gestão empresarial dos recursos disponíveis, com uma forte ligação ao sector privado e os mercados locais (IMVF, 2011).

Neste domínio, o foco foi colocado na promoção de boas práticas em ter-mos de associativismo e/ou cooperativismo, como:

(i) Apoio ao reforço de capacidades dos cidadãos e das suas organizações promovendo os seus interesses em prol da luta contra a pobreza e para uma boa governação ao nível local;

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(ii) Apoio a promoção de redes, alianças, plataformas entre actores com os mesmos interesses, tendo em conta por exemplo lógicas temáticas (agri-cultura, pecuária, recursos florestais).

Resultados concretos das intervenções produzidas foram, por exemplo, a criação da Coopecunha – Cooperativa Agrícola da Ecunha ou mais recen-temente da GadoEcunha – Criadores de Gado da Ecunha.

A Coopecunha foi criada em 31/08/2005 no âmbito do Projecto de De-senvolvimento Rural Sustentado no Município da Ecunha (PDRSME). Em termos de funcionamento, a Coopecunha proporciona aos associados:

(i) Uma estrutura de apoio à produção que gere tractores, atrelados, alfaias e o sistema de apoio aos sócios em adubos, sementes e produtos de com-bate a pragas;

(ii) Uma loja destinada aos sócios com bens de primeira necessidade e produtos agrícolas a preços inferiores aos do mercado;

(iii) Moagem que funciona para o público em geral ao preço do mercado e para os sócios a preços inferiores aos do mercado; e

(iv) Sector de comercialização recentemente criado visando maior ligação entre produtores e os mercados com recursos próprios de transporte (fi-nanciado pelo IPAD em 2009).

De acordo com o seu Presidente, Sr. Félix, a Coopecunha é uma cooperati-va agrícola que, em 2012, enquadrava um total de 373 agricultores sendo 221 da Comuna Sede da Ecunha e 152 da Comuna do Chipeio. Em 2011, a Coopecunha empregava 14 assalariados, entre os jovens que trabalham na moagem, as senhoras que trabalham nas lojas, os guardas (entrevista realizada em 1/12/2011). Dispõe de uma sede no Município da Ecunha constituída por um escritório, uma loja, um armazém, um hangar e uma casa de banho, existindo também uma estrutura similar na Comuna do Chipeio. Dispõe ainda de um edifício onde funciona o escritório do sector da comercialização.

A cooperativa desenvolve actividades de apoio a produção agrícola dos seus sócios, nomeadamente nos domínios da formação, aquisição de insu-mos, acesso a máquinas agrícolas e comercialização dos produtos.

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«...um dos beneficios é alugar os tractores com um preço acessível, tam-bém há benefícios da moagem, os sócios pagam 3 kzs por kilo e os não só-cios pagam 5 kz, a cooperativa também fornece fertilizantes a preços mais acessíveis...» (Félix, Presidente da Coopecunha, 1/12/2011).

A Coopecunha gere um viveiro já com uma razoável capacidade de pro-dução de plantas, viveiro esse que é sustentado pela venda das plantas produzidas. As receitas cobrem as despesas de funcionamento (pessoal e materiais) e ainda as necessidades de algum investimento que se venha a revelar como necessário. O viveiro já está a produzir plantas de citrinos, abacates, morangos, eucaliptos, pinheiros cedros, leucaenas e outros que já estão a ser comercializadas. Alguns dos membros da cooperativa estão também envolvidos na exploração do mel, realizada em apiários experi-mentais e em regime extensivo, que é posteriormente comercializado pela Coopecunha, com uma marca exclusiva (Mbambi).

A lógica de sustentabilidade dos produtos dos projectos e os mecanismos da respectiva interacção foram assim descritos pelo, à época, responsável local do IMVF, M. Barcelos (29/11/2011): «...a intenção foi intervir pri-meiro no sector produtivo na perspectiva de promoção do desenvolvimen-to...um primeiro projecto foi desenhado para apoiar a actividade agrícola. Dele resultou a criação e capacitação da Coopecunha...ao fim de 3 anos a cooperativa já era autónoma, já não temos qualquer responsabilidade ou intervenção na respectiva gestão...por vezes somos solicitados a fornecer algum apoio técnico...um outro projecto foi direccionado para a explora-ção de recursos naturais (florestas e apicultura)...nesse projecto a Coo-pecunha entrou como parceira...numa primeira fase criamos um viveiro para produção de plantas (árvores e frutícolas), e temos estado a apoiar campanhas de reflorestação...o viveiro também foi criado numa lógica de sustentabilidade, o viveiro vive com os recursos que produz, produz plan-tas, vende plantas...o viveiro ainda gera recursos para a cooperativa, uma vez que ao fim de 3 anos entregámos o viveiro à cooperativa que já assume a respectiva gestão... as plantas são pagas na cooperativa, é lá que as pes-soas as vão buscar...».

A missão de avaliação da UE, realizada entre os dias 27 de Agosto e 2 de Setembro de 2006, no quadro da supervisão dos projectos de segu-rança alimentar nas províncias de Huila, Huambo e Benguela observou

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que «...A cooperativa criada pelo projecto (Coopecunha) é uma realidade muito promissora, com estatutos claros que definem responsabilidades, funções e mecanismos de financiamento viáveis e efectivos. Neste contex-to este projecto constitui actualmente um válido exemplo para os outros projectos nas questões ligadas ao associativismo... A estrutura de gestão da Coopecunha está bem estabelecida e a passagem progressiva das res-ponsabilidades para a equipa local em fase avançada. A rentabilidade das actividades geradoras de rendimento (moinhos, tractores, lojas) é prova-da e as condições para a sustentabilidade financeira da cooperativa foram criadas. A abordagem para o apoio à comercialização agrícola tem contudo que ser bem definida. O apoio do projecto aos membros da cooperativa é essencialmente relacionado à produção agrícola (insumos, crédito de cam-panha).» (extractos do relatório de missão da UE - 27/8-2/9/2006)

Os produtores de gado foram igualmente enquadrados numa estrutura associativa criada pelo IMVF em 2008 – Gadoecunha – Cooperativa de Criadores de Gado, a quem a instituição tem fornecido apoio técnico per-manente. A Gadoecunha é uma cooperativa de criadores de gado com 29 associados. Possui uma sede na Sede do Município e tem como objectivo promover o desenvolvimento do sector pecuário empresarial no Municí-pio. Desenvolve actividades de apoio aos seus sócios, nomeadamente no aumento do número de animais, assistência sanitária, melhoramento da alimentação, formação e comercialização.

Na concepção do IMVF, «...apresentámos um projecto para o sector da pecuária pois constatamos a existência de pessoas que tinham gado, pes-soas já com 10, 20, 30 cabeças...a ideia foi transformá-los de pessoas que tinham gado em criadores de gado, dar uma perspectiva de melhorar ra-ças, de ter gado como negócio...apoiamos a criação de uma cooperativa... a cooperativa está estabelecida, os resultados são razoáveis, do grupo inicial de 29 temos 10, 12 razoáveis...introduzimos gado de raça melhorada...o projecto criou também capacidade de assistência sanitária veterinária, que não havia e que serve não só os sócios da cooperativa, os sócios pagam menos e os outros pagam o preço de mercado pelos serviços prestados...colaboramos com os serviços de Veterinária do Huambo nas campanhas de vacinação, a Veterinária dá as vacinas e a vacinação é paga por cabeça, agora a cooperativa está envolvida num programa de desparasitação, que também é pago...todo o gado adquirido é vendido a crédito ou a pronto de pagamento a sócios e não sócios e o dinheiro arrecadado entra para o fundo da cooperativa de modo a que tenham recursos para comprar mais gado...ocasionalmente temos comprado pintos e suínos que depois são

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vendidos a sócios e não sócios, revertendo o lucro a favor da cooperativa...neste, como em todos os projectos, incluímos sempre a formação, nomea-damente na área da capacitação técnica e administrativa...» (Manuel Bar-celos, 29/11/2011)

(ii) - Reforço Institucional e Capacitação, orientados para:

- Assistência técnica, reforço institucional e capacitação de Autoridades Locais e Actores Não Estatais;

- Elaboração de Planos de Desenvolvimento e monitorização da sua im-plementação.

As acções nesta área visaram reforçar o diálogo, a concertação e o espírito de parceria entre a Administração Municipal da Ecunha e a Administra-ção Comunal do Chipeio (Autoridades Locais) e os Actores Não Estatais.

«...O IMVF ajudou-nos a organizar o que são agora os CACs...con-tribuiu para incluir na estrutura representantes da sociedade civil, como as igrejas e os sindicatos...para além da capacitação, o apoio fornecido foi mais prático, por exemplo no acompanhamento das reuniões, na forma de organizar, no apoio à elaboração das actas, das resoluções, acompanha-mento das decisões...» (Administradora Municipal Adjunta da Ecunha, 30/11/2011)

O fortalecimento das capacidades destes actores em domínios cruciais, e a melhoria das competências, em termos de organização, representação e criação de mecanismos de consulta, incluindo canais de comunicação e de diálogo, movimentos e redes sociais que possam emergir da base e que representem os interesses dos cidadãos a nível dos órgãos de auscultação e concertação social foram elementos chave no processo (IMVF, 2011).

Este eixo tem concentrado esforços visando a promoção do diálogo e par-ceria entre Actores Não Estatais e Autoridades Locais:

(i) Apoio à Administração Municipal na elaboração de Planos de Desen-volvimento e monitorização da sua implementação;

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(ii) Apoio ao processo de descentralização com a melhoria das organiza-ções locais do governo, aproveitando o valor acrescentado do trabalho em parceria com a sociedade civil;

(iii) Apoio à promoção de espaços/encontros de concertação e/ou auscul-tação (Fóruns, Conselhos temáticos, outros).

Este conjunto de intervenções foi inspirado num Plano de Reabilitação e Desenvolvimento Municipal (PRDM) elaborado pelo IMVF em parceria com a Administração Municipal em 2005.

A Estratégia de Desenvolvimento Municipal (cujas primeiras acções fo-ram desenhadas em finais de 2002) tem sido avaliada periodicamente em ordem ao ajustamento das prioridades de desenvolvimento do Município, privilegiando o eixo de desenvolvimento económico

No âmbito da sua intervenção, o IMVF implementou no município da Ecunha os seguintes projectos (IMVF, 2011):

Designação do Projecto Duração Período Financiador Eixo

Reforço do Sector da Comercialização da Coopecunha – Município da Ecunha – Província do Huambo (PRSCC)

18 MesesFevereiro 2009 a Julho 2010

  Económico

Promoção da Governação Democrática Local: Dina-mização dos Conselhos de Auscultação e Concerta-ção Social do Município da Ecunha e da Comuna do Chipeio (PGDL)

34 Meses

Fevereiro 2009 a Novembro 2011

 

 Reforço Institucio-nal

Relançamento Sustentável da Produção e Comercia-lização do Sector Pecuário Privado, Familiar e Em-presarial no Município da Ecunha (RSPC)

45 Meses Janeiro 2008 a Setembro 2011

 

  Económico

Desenvolvimento dos Re-cursos Naturais (PDRN) Concluído

39 MesesJaneiro 2007 a Março 2010

 

  Económico

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Projecto de Gestão Sustentável dos Recursos Naturais Florestais: Con-solidação e Alargamento (PGSRN)

32 MesesMarço 2011 a Outubro 2013    

Económico

Fonte: IMvF (2011)

O diagrama seguinte sintetiza a intervenção do IMVF no município da Ecunha, identificando os principais eixos de intervenção, os actores mobilizados e os principais resultados obtidos:

Fonte: elaborado pelo autor

Ao longo do seu ciclo de intervenção no município da Ecunha, a actua-ção do IMVF sustentou-se em dois princípios (IMVF, 2011):

(i) O princípio da sustentabilidade, entendido como a garantia que os resultados obtidos no processo de desenvolvimento tenham um carácter permanente, preservando a capacidade produtiva dos recursos, potencia-lizando seus efeitos sobre a criação e distribuição de rendimento e asse-gurando o apoio político do Governo Provincial do Huambo que possibi-litem a continuidade das acções e dos seus resultados sobre o bem-estar social, económico e ambiental da população;

(ii) O princípio da Complementaridade e Sinergias com outras Estra-

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tégias, reflectindo o alinhamento dos objectivos promovidos com as priori-dades definidas pelos principais parceiros de desenvolvimento, plasmados em documentos de referência como a Estratégia de Combate à Pobreza (ECP) do Governo de Angola, o Programa Indicativo de Cooperação da Comissão Europeia para Angola, o Programa Indicativo da Cooperação Portuguesa para Angola e os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio - Nações Unidas (ODM´s).

Na perspectiva da organização, o Programa do IMVF assumiu a for-ma de Cluster Geográfico, ao adaptar uma estratégia de desenvolvimento, para uma área geográfica, com um horizonte temporal de 15 anos (IMVF, 2011). A aproximação ao Município assentou na convicção da multidi-mensionalidade do desenvolvimento sustentável e na adopção de uma vi-são holística para as questões da pobreza no meio rural, reconhecendo-se que a melhoria das condições de vida das populações da Ecunha só seria possível através do crescimento sustentável dos seus activos produtivos, sociais e ambientais (IMVF, 2011).

Finalmente, importa referir que a não aprovação de projectos de con-tinuidade e o atraso na aprovação e financiamento de novos projectos pe-las instituições financiadoras comprometeu a continuidade da intervenção do IMVF no município da Ecunha, com a agravante de se terem verifica-do circunstâncias colaterais, nomeadamente o inesperado falecimento do Coordenador local (com tudo o que implicou a nível do seu processo de substituição, de perdas de capital social e da necessidade de refazer cone-xões com os outros actores, uma vez que se tratava de uma personalidade de invulgar prestígio local e com grande capacidade de mobilização) e o de-sajolamento do edificio onde estava instalada a sede local da organização.

4 – cluster OU PROGRAMA INTEGRADO DE COOPERAçãO?

Em termos lógicos e conceptuais, a abordagem do IMVF no município da Ecunha no período em referência apresenta várias semelhanças com o modelo referencial dos clusters/APLs de inovação.

A intervenção do IMVF foi conceptualizada e implementada com a fi-nalidade de estimular a cultura da cooperação e da aprendizagem coopera-tiva e colectiva, de promover processos de geração, aquisição e difusão do

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conhecimento, bem como a partilha do conhecimento adquirido, de incen-tivar a construção e o fortalecimento de capacidade de governação local, a construção e fortalecimento da identidade local e a elaboração de parcerias de âmbito nacional, regional e local. A concentração geográfica da inter-venção, a exploração das sinergias entre projectos, a criação de condições que assegurassem a sustentabilidade dos resultados obtidos, a orientação para a capacitação, a exploração dos recursos locais e a preocupação de consensualizar as prioridades dos projectos com as prioridades nacionais e provinciais constituiram outros traços característicos da intervenção da organização.

Em termos de finalidades e de metodologia, a intervenção do IMVF na Ecunha é similar à que caracteriza o modelo dos Clusters/APLs.

A observação realizada permitiu constatar que, dos pressupostos que o modelo dos Clusters/Apls requisita (naturalmente adaptados às caracterís-ticas associadas à área da cooperação) a abordagem do IMVF no município da Ecunha preenche alguns deles: a concentração territorial (todos os pro-jectos foram desenvolvidos no espaço territorial do município da Ecunha), a liderança (o IMVF impulsionou a realização do diagnóstico e do perfil do Município, esteve na origem da criação da Coopecunha e da Gadoecunha e liderou o processo que conduziu à organização e à realização dos CACs municipais), a cooperação e a confiança interna (constatou-se uma rela-ção de grande proximidade entre a representação do IMVF e os represen-tantes das instituições, administrativas e da sociedade civil, presentes no município, particularmente ilustrado pela permanência de portas abertas na sede do IMVF e pela disponibilidade para colaborar na resolução de qualquer tipo de problema), a capacidade de inovação e a exploração de sinergias (por exemplo, o desenho do modelo de articulação entre produtos – armazém conjunto, loja de inputs, moagem, viveiro, comercialização de mel - como factor de sustentabilidade da Coopecunha). Outros requisitos, como a intensidade e natureza das conexões (nomeadamente, no plano da articulação com o nível de poder provincial e com a actividade de outras ONGs operativas em municípios vizinhos), o nível tecnológico (necessaria-mente adaptado aos recursos locais e à natureza das actividades, com uma base técnica de carácter rudimentar) e a especialização produtiva (apesar da concentração da promoção do desenvolvimento económico se circuns-crever ao sector primário, a diversidade de actividades abrangidas com-portava uma relativa amplitude) só parcialmente são verificados enquanto o pressuposto da competição (no município, o IMVF era a única ONG em actividade), que é um dos elementos fundamentais do modelo, está ausente.

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Um outro requisito, a capacidade de exportação, entendido no contexto como a capacidade de escoamento da produção realizada nas diferentes actividades para outros municípios da Província e para outras Províncias, fixava-se a níveis reduzidos por força da inexistência ou pelo deficiente estado de manutenção das infra-estruturas indispensáveis (estruturas de armazenagem e conservação e vias de circulação),

Nesse sentido, não se pode, com propriedade, considerar a abordagem do IMVF no município da Ecunha como um cluster.

Mas se nos cingirmos à perspectiva ampla do IPAD, a intervenção do IMVF poderia ser classificada como Cluster de Cooperação: um conjunto de projectos (PRSCC; RSPC; PDRN; PGDL), executados por diferentes ins-tituições (IMVF, Administração Municipal e Comunal, Coopecunha) numa mesma área geográfica (município da Ecunha) e com um enquadramento comum (promover o desenvolvimento do município)

A abordagem do IMVF ocorreu no quadro de uma tendência recente que tem apontado no sentido de que os projectos passem, gradualmen-te, e sempre que possível, a integrar múltiplas componentes que permi-tam abordar diferentes dimensões. Esta opção centra se na ideia de que as sinergias obtidas permitem alcançar um impacto superior e surge como consequência natural da conceptualização de que fenómenos como o bem estar, a pobreza e o desenvolvimento são complexos e apresentam um ca-rácter multi-dimensional. E sugere-nos uma significativa proximidade com o modelo dos Projectos Integrados de Desenvolvimento Comunitário, constituídos com base em subprojectos, articulados em torno da lógica do ciclo de vida e criados para dar resposta a problemas específicos da popula-ção. Do nosso ponto de vista, o upgrade criativo da intervenção do IMVF no município da Ecunha situa-se na transformação implementada ao nível do fio condutosr dos subprojectos (a lógica do ciclo de vida foi substituida pela articulação entre o desenvolvimento do sector primário e o reforço institucional e capacitação).

5 – CONCLUSõES

O modelo do Cluster/APL poderá ser adaptado, com os indispensáveis ajustamentos, enquanto grelha analítica ao contexto da Cooperação e, em particular, da Cooperação descentralizada.

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O caso do IMVF no município da Ecunha, apesar de não contemplar to-dos os pressupostos requeridos apresenta uma significativa proximimidade com a filosofia, lógica e métodos de intervenção associados à abordagem de Cluster/APL de inovação. E está alinhado com o modelo proposto pelo IPAD para identificar os Clusters de Cooperação.

Uma lição que importa reter remete para a concepção de intervenções integradas, constituídas por projectos que geram complementaridades e sinergias.

No caso da intervenção do IMVF no município da Ecunha, o seu resul-tado de maior sucesso – a Coopecunha - reenvia para o desenho de modelos orientados para a construção de bases de sustentabilidade e de mecanismos de saída que possibilitam que os efeitos da intervenção perdurem no tempo. O processo de criação e de crescimento da Coopecunha tem sido referen-ciado como um exemplo de boas práticas (destacado pela UE enquanto en-tidade financiadora e procurado por outros actores, nomeadamente ONGs que, por variadas vezes, se deslocaram à Ecunha para conhecer melhor a experiência e dela retirarem ensinamentos).

O processo de geração múltipla e articulada de rendimentos, obtidos através da moagem, do viveiro e da comercialização do mel, e a explora-ção de sinergias, decorrentes do funcionamento do armazém conjunto e da loja de inputs agrícolas, conjugam-se para produzir os recursos financeiros que, combinados com acções de capacitação técnica-administrativa, garan-tem autonomia e sustentabilidade à cooperativa. Um outro dado signifi-cativo refere-se à importância dos estatutos e à sua relação com o modelo de gestão da cooperativa: a liderança da cooperativa já mudou de mãos, na sequência de um processo eleitoral, sem qualquer intervenção do IMVF e sem que essa rotatividade colocasse dificuldades acrescidas ao seu funcio-namento regular. Acresce que, finalizado o projecto que levou à institucio-nalização da Coopecunha, se manteve uma relação estreita de comunicação e cooperação entre a cooperativa, os seus associados e o IMVF.

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ANEXOS

Anexo 1 – Lista das Instituições entrevistadas

1 Administração Municipal da Ecunha

2 Administração Comunal do Chipeio

3 Associação das Autoridades Tradicionais (ASSAT) *

4 Cooperativa Agrícola da Ecunha (Coopecunha)

5 Cooperativa de Criadores de Gado (Gadoecunha)

6 Estação de Desenvolvimento Agrário (EDA)

7 Igreja Evangélica Congregacional em Angola (IECA)

8 Instituto Marquês Valle Flôr (IMVF)

9 Repartição municipal de Educação

10 Repartição Municipal de Saúde

11Sindicato dos Trabalhadores da Educação, Cultura e Comunicação Social (STECCS)

12União Nacional das Associações de Camponeses e Cooperativas Agro-Pecuá-rias de Angola (UNACA)

13 União Europeia - Luanda

*No caso da ASSAT o contacto estabelecido efectuou-se no formato de entrevista colec-tiva/grupo focal, uma vez que, para além dos representantes da associação, estiveram presentes 17 Autoridades Tradicionais (entre Sobas e Adjuntos)

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Anexo 2 – Registo Fotográfico

Moagem nas instalações da Coopecunha

O responsável do IMvF na Ecunha, Manecas Barcelos, e o presidente da Coopecunha, Sr. Félix

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O cluster DA COOPERAçãO PORTUGUESA EM MAUBARA, TIMOR-LESTE

Carlos Sangreman João Carvalho

com a colaboração de Daniela Subtil

Resumo

Neste capítulo da investigação procura-se explicitar a conceção, ativi-dades e modelo de gestão do Cluster da Cooperação Portuguesa em Mau-bara, distrito de Liquiça, Timor-Leste e analisar a sua evolução e relação com os critérios de harmonização, alinhamento e coerência incluídos nas boas práticas da cooperação internacional.

Salienta-se a adoção de um modelo de gestão de criação de valor par-tilhado – utilizando o Balanced Scorecard (BSC) como instrumento – que introduziu uma lógica de criação de valor partilhado sustentável, através da integração dos diferentes programas/projetos de desenvolvimento, exe-cutados pelos distintos atores, num espaço geográfico definido e em que os objetivos e resultados são sistematizados, partilhados e correlacionados.

Tal modelo de gestão do Cluster pode e deve ser visto como uma prática inovadora que responde à evolução da Cooperação Portuguesa e interna-cional na necessidade de uma gestão mais eficaz e eficiente, com resultados sustentáveis, medíveis e avaliados, com um peso crescente de apropriação/participação da população dos países de destino.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Conclui-se que o Cluster tem enormes potencialidades, mas as exigências de monitorização, registos e prosseguimento de resultados rentáveis eco-nomicamente que implica, fazem com que ainda esteja longe de conseguir obter uma aceitação e uma transformação no país de origem da iniciativa – Portugal – e defronta-se com dificuldades no país de destino – Timor-Leste – junto de autoridades e de outras cooperações, embora as populações dire-tamente beneficiárias tenham uma avaliação muito positiva.

Palavras-chave: cooperação portuguesa, modelo de valor partilhado, ba-lance scorecard

O PROJETO “clusters DA COOPERAçãO”

Este texto faz parte da produção teórica do projeto sobre o novo ins-trumento da Cooperação para o Desenvolvimento portuguesa que são os “Clusters da cooperação”, no contexto das atuais transformações estratégi-cas e financeiras do sector em Portugal.

O seu objetivo central é a confirmação ou não da hipótese de o conceito e a prática dos Clusters da Cooperação para o Desenvolvimento em Mau-bara-Timor-Leste ser uma resposta positiva à questão de como ter uma melhor coerência, harmonização e alinhamento, de acordo com o consenso internacional atual. E como essa resposta pode ter um efeito “boomerang” na Cooperação Portuguesa influenciando a sua prática e processos de fun-cionamento.

Vamos analisar o Cluster de Maubara - Timor-Leste a partir do mesmo referencial teórico sobre os Clusters em geral, fazendo um ensaio de aplica-ção da metodologia SSM.

A INOvAçãO EM MAUBARA

A inovação no Cluster de Maubara-Timor centra-se na conceção de um modelo, como se detalha no ponto seguinte, que procura construir um processo de desenvolvimento a partir de uma estratégia de criação de va-lor partilhado com um envolvimento e empowerment da população da área,

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motivada por um objetivo concreto e compreensível por todos, do reforço/criação da identidade social dos beneficiários diretos, de um conjunto de valores, de uma metodologia centrada na criação desse valor partilhado aplicável a atividades económicas e sociais, de um instrumento de gestão empresarial adaptado permitindo o acompanhamento da parte financeira, das atividades e de avaliação.

É essa conceção holística de um projeto de desenvolvimento articula-do com a perspetiva empresarial que nos permite dizer que o Cluster de Maubara vai para além da filosofia dos projetos integrados de desenvol-vimento.

O instrumento de gestão referido, o Balanced Scorecard adaptado, foi formulado por Robert Kaplan e David Norton em 1992, e é uma forma conjunta de medir o desempenho da estratégia financeira e da não-finan-ceira, equilibrando as duas variáveis na avaliação da organização.

Deste então, o Balanced Scorecard tem sofrido alterações e os próprios criadores da metodologia têm vindo a readaptá-la, pois deixou de ser visto apenas como um mecanismo de avaliação de desempenho para passar a assumir-se como uma ferramenta de planeamento e gestão de estratégias.

A metodologia do Balanced Scorecard prevê que se aborde a organiza-ção segundo quatro perspetivas diferentes: financeira; de clientes; de pro-cessos internos; e de aprendizagem e crescimento. Por sua vez, cada uma destas perspetivas incorpora objetivos, respetivos indicadores e metas, bem como as iniciativas a serem levadas a cabo para alcançar essas metas.

Para cruzar os objetivos das várias perspetivas, utiliza-se o diagrama de causa-efeito, de modo a obter uma relação entre esses objetivos e para que daí resultem os objetivos estratégicos da organização, isto é, aqueles que melhor se enquadram com a missão e o eixo estratégico. A partir des-se diagrama, elabora-se o mapa estratégico que deve expor: os objetivos estratégicos (a longo prazo); a criação de valor da organização para os seus clientes e para os seus stakeholders; ou a relação entre as várias com-ponentes da estratégia, isto é, estabelece os termos operacionais em que se deve executar a estratégia. Nesta altura, os indicadores estratégicos que visam avaliar o desempenho global devem ser também definidos em concordância com os objetivos estratégicos. Consequentemente, a infor-mação do mapa estratégico deve estar disponível, para que o “processo de cascata” funcione como é previsto, isto é, que todos os departamentos da organização, bem como os indivíduos que os compõem, fiquem a par da

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estratégia, alinhando os seus esforços e os objetivos – quer dos departa-mentos, quer dos indivíduos – com os objetivos da organização.

Para além disso, os autores preveem que a este processo se siga o pla-neamento da estratégia ou o planeamento de negócios, em que se devem estabelecer metas e alinhar iniciativas estratégicas, o que permite à orga-nização estabelecer prioridades, focando a sua energia e recursos na ob-tenção de resultados. Por último, considera-se ainda fundamental a apren-dizagem e o feedback obtido através da articulação da visão partilhada, tal como por via de uma cultura de report.

De modo geral, esta explicação do Balanced Scorecard define os pila-res fundamentais da metodologia, que, tendo sido inicialmente elaborada para ser aplicada no universo empresarial, rapidamente transitou para ou-tras áreas, tais como os serviços públicos (Pinto, 2009) ou organizações do Terceiro Sector (Fonseca, 2007). Nessa evolução, a sua aplicação não respeitou as diretrizes originais da ferramenta, tendo sofrido algumas adaptações, nomeadamente na relevância que cada “perspetiva” assume nos objetivos estratégicos. No caso da Cooperação Portuguesa, e como se verá nos pontos seguintes, tal instrumento foi importado para a realidade da cooperação internacional, apenas no caso do Cluster de Maubara, cons-tituindo um caso de estudo piloto donde o sistema geral de cooperação poderá ou não tirar aplicações para generalizar a outros programas.

O MODELO DO cluster DA COOPERAçãO DE MAUBARA

O Cluster é visto como uma intervenção complementar no contexto do PIC de Timor-Leste, e previa-se que viesse a ser implementado nos distri-tos de Ermera e de Liquiça, onde

o cluster terá como elemento central a intervenção estratégica do PADR-TL1 em torno da qual se desenvolverão diversos projetos, de diferentes escalas, que se articulam e complementam e que fornecem uma abordagem integrada, geradora de emprego e de criação de novas empresas promoto-ras de um desenvolvimento endógeno auto-sustentado. Serão favorecidas intervenções que potenciem uma presença portuguesa integrada e multifa-

1 Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural de Timor-Leste.

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cetada em programas com intervenção de outros doadores, multilaterais e bilaterais. As parcerias público-privadas com e entre instituições e empresas portuguesas e timorenses serão objecto de atenção particular (IPAD, 2006).

O modelo de Cluster aprovado em 2008 propunha uma definição que procurava dar uma maior precisão à existente nesse documento de es-tratégia:

modelo de criação de valor sustentável, através da integração dos dife-rentes programas/projetos de desenvolvimento, executados pelos distintos actores sociais, num “espaço” definido e em que os objectivos e resultados são sistematizados, partilhados e correlacionados, centrado numa cultura de resultados, promove a cooperação, a capacitação, a diferenciação e a inovação, através da melhoria contínua, partilha de conhecimento e op-timização dos recursos, potenciando tendências e boas práticas indutoras de valor de marca, reconhecida e validada num contexto externo multi--stakeholder (Carvalho, 2008a).

Atendendo ao facto de o Cluster constituir uma intervenção comple-mentar na abordagem estratégica do PADRTL, a escolha da localização para a sua implementação acabou por estar diretamente relacionada com o programa, pois este previa, no contexto do PIC 2007-2010, o desenvolvi-mento da agricultura e das populações rurais de Timor-Leste na região de Ermera e Liquiçá. Ainda que inicialmente a intervenção tenha sido proje-tada para esses dois distritos, acabou por ser o subdistrito de Maubara, no distrito de Liquiçá, o eleito para a implementação do programa. O IPAD atribui as razões para tal a: i) a dificuldade na identificação de prioridades geográficas em Timor-Leste, ii) a possível dispersão de recursos humanos e materiais por numerosos pequenos projetos, iii) uma previsível ausência de nexo entre os projetos ou a inexistência de uma estratégia global visí-vel, iv) a falta de continuidade ou de sustentabilidade devido à escala ou à conceção técnica dos projetos, v) a falta de impacto em termos de desen-volvimento para Timor, e vi) a falta de visibilidade política ou física. Esta intervenção da Cooperação Portuguesa é denominada de Programa Mós Bele2, em que se promove a cooperação, a coopetitividade, a capacitação,

2 Mós Bele significa “Nós também podemos”, reforçando os princípios de empowerment, capacitação, liderança e apropriação.

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a diferenciação, a qualificação, a inovação e o acesso aos mercados, tendo como lógica um modelo de gestão em que se integram os vários projetos e várias atividades desenvolvidos sob a alçada do programa, de forma a potenciar um polo de desenvolvimento local integrado.

Para o desenvolvimento das suas atividades, o Programa Mós Bele é estruturado por princípios que orientam a sua intervenção, entre os quais destacam-se: a promoção do desenvolvimento sustentável, a promoção dos Direitos Económicos, Ambientais, Sociais e Culturais3; a promoção da redução da vulnerabilidade, isto é, empowerment dos indivíduos e das organizações locais; a criação de valor partilhado; a valorização da respon-sabilidade ambiental e da responsabilidade social. Além destes princípios estratégicos, o programa procura implementar um modelo de governance que se oriente pela equidade, liberdade, liderança, empreendedorismo e responsabilidade, destacando-se pela transparência e por uma cultura de reporte e de prestação de contas (accountability).

Clube desportivo, atividades como reforço da identidade local, 2014

Este modelo de criação de valor partilhado articula-se com o critério do alinhamento e de harmonização na cooperação internacional ao expli-citar as relações entre atividades, resultados e objetivos do Cluster com os DEASC, Direitos Económicos, Ambientais, Sociais e Culturais e com os ODM, Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, com a estratégia dos

3 Refere-se a: direito à vida e à segurança; direito aos serviços sociais básicos; direito a um modo de vida sustentável; direito à identidade própria; direito à participação: cidadania política e social.

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governos parceiros e respetivos objetivos sectoriais na integração dos ei-xos estratégicos da Cooperação Portuguesa com Timor-Leste, adotando mesmo a ligação, na conceção de políticas, estabelecida pelo governo local com o Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento (Figura 1 - Matriz de Materialidade, Carvalho, 2011).

Sousa (2011), que teve o apoio de um técnico superior do Camões com acesso a toda a documentação, afirma na pág. 22, nota 10, que:

O Mós Bele tem a sua actuação alinhada também com a Coopera-ção Americana USAID, na dinamização conjunta de uma feira anual de artesanato em Maubara; com o PNUD, ao nível da colaboração técnica no âmbito da partilha de boas práticas e estratégias de intervenção pro-motoras de desenvolvimento económico sustentável para mulheres e jovens; com a Care International – Local Initiatives for Food Security Trans-formation, projectos na área da agricultura e nutrição e com presença em 46 aldeias de 7 sucos no sub-distrito de Maubara; com a Cooperação Espanhola AECID – Programa de Desenvolvimento Rural Liquiçá II, PDRL II; com a Cooperação Australiana – Australian Centre for Inter-national Agricultural Research; com a ACIAR – Seeds for Life; e ainda com a Cooperação Alemã GTZ.

Mas no período desta investigação não registámos a presença de ne-nhum destes parceiros internacionais.

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Figura 1. Matriz de Materialidade - Intervenção do Programa Mós Bele

Correlação das prioridades:Cooperação Portuguesa, Governo de Timor-Leste, WB e ADB

muito elevado

gestão das finan-ças públicas

infra-estruturas

petróleoenergia

administraçãosector público

turismo

saúde

educaçãoformação

agriculturadesenvolvimento

sector privado

elevado

veteranos

ambiente e re-cursos naturais

abastecimento água e sanea-

mento

PPP

género

juventude

alterações climáticas

modelo desen-volvimento rural

sustentável

cluster cooperação

médio

comunicaçãotelecomunicações

transportes

integração multi-sectorial programa de cooperação

baixo

sistematização dos modelos de gestão e

de reporte da Cooperação Portuguesa

baixo médio elevado muito elevado

Cooperação Portuguesa em Timor-Leste

Governo de Timor-Leste e WB ADB

prioridade elevada

prioridade média

prioridade reduzida

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Explicitamente o Cluster procedeu a alterações nas suas atividades para corresponder ao documento “Plano Estratégico de Desenvolvimento de Timor-Leste para 2010-2030” (Ferreira, 2011).

Tendo por base este conjunto de princípios, a Cooperação Portuguesa estabelece como:

• Visão do Cluster, a erradicação da pobreza e eliminação da injustiça em Timor-Leste, onde todos os timorenses tenham um desenvolvimento humano equitativo e sustentável, vivendo com dignidade;

• Missão do Cluster “Maubara Mós Bele” como representação de digni-dade, identidade e qualidade de vida, através da corresponsabilização e da criação sustentável de um bem comum inserido num modelo participativo, que culmina na oferta integrada de Turismo Responsável e Sustentável.

• Ambição do Cluster, reconhecimento do Programa como uma “boa prática mundial” a replicar, relativamente à inovação social, à criação de valor partilhado e ao combate às alterações climáticas.

Da missão do Cluster, retira-se o carácter multissectorial deste instru-mento da Cooperação Portuguesa, não se cingindo à abordagem de pa-râmetros sociais e culturais, mas propondo uma intervenção ao nível das atividades económicas promovidas em Maubara com um peso superior à generalidade dos programas de cooperação. Desta forma, os sectores prio-ritários da intervenção são a saúde, a educação, o desenvolvimento rural, o ambiente e as atividades que proporcionem crescimento económico, desta-cando o turismo e a agricultura – prioridades do Governo de Timor-Leste – como sectores prioritários de intervenção económica. O Programa Mós Bele considerou a sua área chave um Turismo Responsável e Sustentável, sendo que para isso deve construir os devidos alicerces, nomeadamente o desenvolvimento rural integrado e sustentável e a promoção de qualidade de vida e criação de bem comum em Maubara.

Dada a complexidade e o vasto leque de temáticas implicadas na inter-venção do Programa Mós Bele, esta foi planeada para dois momentos, o da instalação (de junho de 2008 a dezembro de 2010) e o da consolidação do Cluster Mós Bele (de janeiro de 2011 a dezembro de 2013). Todavia, esses dois momentos distintos partilham as mesmas componentes de in-tervenção do programa, através do qual se desenvolvem, pois contemplam

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os eixos e as temáticas, as atividades e materiais necessários para a sua execução. As dez componentes são:

I. Fortalecimento das competências relacionais e cívicas, em termos de educação, saúde, nutrição, direitos e deveres;

II. Fortalecimento das competências laborais chave para o desenvolvi-mento das cadeias de atividades económicas, potenciadoras de uma espe-cialização local/regional;

III. Desenvolvimento de atividades económicas ao nível do sector pri-mário: agricultura, floresta e pesca;

IV. Desenvolvimento de atividades económicas, ao nível do sector se-cundário e de serviços, potenciando a criação de cadeias de valor que pos-sibilitem a equidade e a inclusão social dos grupos-alvo mais vulneráveis, nomeadamente das mulheres e dos jovens;

V. Promoção de serviços de educação e saúde integrados e de proximi-dade;

VI. Qualificação do espaço “urbano”, no contexto rural de Timor-Leste;

VII. Responsabilidade ambiental, ecoeficiência e combate às alterações climáticas;

VIII. SIGMB – sistema integrado de gestão do PMB;

IX. Biti Bot Maubara – primeira pousada oficial do Turismo de Timor--Leste;

X. Oecussi – aplicação de “boas práticas” da intervenção em Maubara.

Aquando da sua construção, o desenho inicial do Cluster demarcou seis âmbitos de criação de valor partilhado – um dos eixos centrais deste ins-trumento da Cooperação Portuguesa – de forma a facilitar o entendimen-to dos objetivos estratégicos, das atividades do Cluster e dos stakeholders e respetiva intervenção. Desta feita, retomamos essa divisão, de modo a articular os pressupostos teóricos de construção com as atividades de-correntes de cada componente do Cluster Mós Bele. Esses dividem-se em valor estruturante, valor institucional, valor intelectual, valor ambiental, valor social e valor económico.

Para a criação do valor estruturante, o promotor (Cooperação Portu-

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guesa), os doadores/financiadores, a coordenação e a gestão executiva do programa devem assegurar uma governação transparente, implementan-do um modelo de governance que integre e envolva stakeholders, bem como incentive à produção de relatórios integrados e suscetíveis de validação externa. Tendo em conta o carácter participativo, de corresponsabilização e de autonomia operacional do Cluster, a visão de como este deve ser geri-do passa por uma estruturação por níveis (institucional, gestão do Cluster, gestão dos programas e gestão operacional), consultando órgãos como (Figura 2):

• O conselho consultivo de acompanhamento estratégico, composto por três elementos indicados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação da República Democrática de Timor-Leste e por três ele-mentos indicados pelo Instituto Camões, em que o presidente é timorense;

• O conselho de desenvolvimento local, que é integrado pelo adminis-trador do distrito, o administrador de Maubara, os chefes de suco e de aldeia e membros das comunidades-alvo que devem representar os seus pares;

• A equipa de coordenação e gestão executiva do Cluster, que é consti-tuída pelo coordenador-geral executivo que, assegurando a direção técni-ca do programa e gestão de todas as atividades, é apoiado pelos coordena-dores de área. Estes dividem-se nas áreas: de intervenções de capacitação e artesanato (I, II, IV e V); da restauração, hotelaria e turismo (componen-tes IV e IX); agrícola, intervenção ambiental e qualificação urbana (com-ponentes III, VI e VII); e de intervenção em Oecussi (componente X);

• Os responsáveis operacionais – do Pólo de Maubara, do Centro de Recursos Partilhados de Maubara, da Intervenção Biti Bot e da Praça Co-mercial –, que devem traduzir a apropriação e a capacitação como valores centrais da estratégia do programa, e devem ser de nacionalidade timo-rense.

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Figura 2

O conjunto das boas práticas promovidas pela dimensão anterior in-fluenciam a criação de valor institucional, pois considerando o envolvi-mento dos governos, da sociedade civil e do poder local, estes atores de-vem ser capazes de se apropriar, liderar, garantir a estabilidade e uma posição de anticorrupção, ao mesmo tempo que por eles também passa a descentralização, o reforço das instituições locais, o fortalecimento e a participação da sociedade civil local. Assim, ambas as dimensões, es-truturante e institucional, beneficiam das atividades já levadas a cabo no contexto da componente VIII, como a conceção do modelo de gestão do Cluster, a identificação e normalização das identidades do universo relacio-nal do Cluster, o registo da “marca” do Programa Mós Bele, a construção da sede em Maubara e a implementação do Sistema Integrado de Gestão e sobretudo a criação da Associação Maubara Mós Bele (AMMB). Esta associação é o organismo político criado pelos beneficiários do Progra-ma em março de 2012 para “assegurar a continuidade da intervenção do Programa Mós Bele – Cluster da Cooperação Portuguesa em Timor-Leste logo que a Cooperação Portuguesa transfira integralmente a gestão deste programa para Timor-Leste” (Associação Maubara Mós Bele, 2014) e as suas funções são detalhadas como se pode ver nos Estatutos para que a po-voação da vila de Maubara se organize e seja a proprietária e a gestora das atividades que lhe alteraram a vida que tinha anteriormente; como afirma um dos entrevistados, “Em 2008 não havia nada, só mar e animais, estava tudo sujo” (fonte oral recolhida pela equipa de projeto).

O Cluster de Maubara inovou também quando instaurou um processo de certificação de qualidade independente que não existe em nenhum ou-

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tro projeto da Cooperação Portuguesa, realizado de acordo com a norma NP EN ISO 9001:2008 e com o relatório de sustentabilidade, segundo o referencial de reporte de sustentabilidade GRI:G3, validado pela SGS Portugal, para alinhar os aspetos não financeiros da sustentabilidade com os relatórios financeiros e respetiva verificação4. Os métodos utilizados para as auditorias realizadas foram: entrevista; observação/simulação das atividades; avaliação de recursos humanos, materiais e infraestruturas; e revisão de registos e documentação do sistema, tendo produzido relató-rios com avaliações positivas e sugestões de melhoria.

Quanto à criação de valor intelectual, o modelo inicial considera a edu-cação formal e não-formal, a formação e a promoção do empreendedoris-mo elementos centrais para alcançar a inovação e o conhecimento, através de redes de aprendizagem, escolas e entidades certificadoras. Esta dimen-são enquadra-se nas atividades executadas para:

• capacitação das comunidades locais ao nível da alfabetização e litera-cia funcionais (componente I);

• desenvolvimento de competências laborais nas áreas de produção abrangidas pelo Cluster (componente II);

• incentivar o aproveitamento e redução do abandono escolar, através de atividades extracurriculares junto dos sucos-alvo (componente V);

• criação da biblioteca comunitária e do Clube Desportivo de Maubara (componente V);

• promoção do ensino pré-primário, do espaço social da escola primária e do programa de alfabetização DNENF (componente V);

• desenvolvimento de atividades de educação física nas escolas públicas de Maubara e Valviquínia (componente V).

No que diz respeito à criação de valor ambiental, no contexto da com-ponente VII, os princípios estruturantes do Cluster da responsabilidade

4 A primeira edição da AA1000 Assurance Standard, publicada em 2003, foi, a nível mun-dial, a primeira norma de assurance em sustentabilidade. Foi desenvolvida para assegurar a credibilidade e a qualidade do desempenho sustentável e da elaboração de relatórios de sustentabilidade. Resultou de uma abrangente consulta mundial, com a duração de dois anos, que envolveu centenas de organizações, nomeadamente laborais, empresariais, de profissionais liberais, da comunidade de investidores e de organizações não governamen-tais não lucrativas.

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ambiental, da ecoeficiência e de combate às alterações climáticas servem para a consciencialização da comunidade de Maubara. Além disso, par-ticular atenção tem sido dada à gestão sustentável das matérias-primas na produção de cestaria, enquanto já foi assumido um compromisso no combate às alterações climáticas, por via de uma política de gestão das emissões de gases com efeito de estufa.

Placards com as atividades do cluster no jardim do forte, 2013

Para promover o sentido de responsabilidade social entre os cidadãos, as comunidades, os jovens, os deslocados, os veteranos e demais stakehol-ders, a criação de valor social tem-se reproduzido através de atividades ligadas:

• À construção e reabilitação de infraestruturas (componente VI), através da criação de um sistema piloto de gestão de água nas unidades Mós Bele e em Maubaralissa e Valviquínia, da elaboração e aprovação de uma estratégia de qualificação do espaço “urbano” de Maubara, da criação do projeto “Casa Maubara” e da promoção de espaços como a “frente do mar de Maubara”, os monumentos ou a praça República Democrática de

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Timor-Leste de Maubara/Fatin Sérgio Vieira de Mello e a criação da So-ciedade de Veteranos;

• À dinamização da sociedade civil (componente I), instalando e di-namizando o Centro de Recursos Partilhados de Maubara, fomentando competências relacionais em parâmetros de organização comunitária, re-lacionamento e participação dos atores sociais, assim como capacitando e consciencializando as comunidades locais para o exercício dos direitos e deveres cívicos e dos seus direitos de saúde.

Por último, o valor económico pretende-se através da concretização de negócios sustentáveis e autónomos, em que se espera que as entidades sectoriais, os parceiros de negócio na cadeia de valor local e na cadeia de valor global deem forma ao conceito de coopetitividade5. Para a realização desta dimensão contribuem as componentes III, IV e IX, como é exemplo no sector primário a criação da frutaria de Maubara e de uma empresa agro/horto com uma loja de agricultura “Fini Diak”, parte integrante do Projeto de Dinamização dos Mercados e dos Circuitos de Comercializa-ção Locais, que já beneficia diretamente 52 agricultores, organizados em três agrupamentos (Varcão, Lebotelo e Loes), num total de 6000 m2 de plantação.

Relativamente ao sector secundário e de serviços, a produção e co-mercialização de compotas é uma fonte de geração de rendimentos com-plementar importante desde que a comercialização esteja assegurada em instituições como os hotéis, a Escola Portuguesa, o Pateo, o Kmaneg, para além dos tradicionais mercados e bazares. Também o artesanato de ces-taria tem garantido o reforço da identidade cultural e de fornecimento a cadeias de produto mais evoluídas, potenciando a participação oficial de Timor em feiras internacionais, a criação de uma cadeia de lojas “Kioske Timor” e a criação e promoção de um atelier de artesanato no Parque Co-mercial de Maubara. Este, por sua vez, traduz-se também na execução de outra atividade prevista, conseguindo albergar um cabeleireiro, um atelier de confeções para a produção de materiais necessários para a futura pou-sada – o Biti Bot. Ainda relativo aos serviços, destaca-se a criação de: uma oficina de mecânica de motos e venda de combustível em Maubara que se tornou rapidamente autónoma; um centro comunitário de Timor com Internet e um quiosque de turismo em Maubara.

Ainda relacionado com os valores de negócio sustentável, o modelo

5 Isto é, cooperar para competir.

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de gestão da pousada “Biti Bot – Maubara” já foi criado, como a primeira pousada oficial do turismo de Timor-Leste.

Adicionalmente, esta componente potenciou a autoconstrução nas comunidades-alvo, o que teve por base a apropriação do conhecimento e tecnologia utilizados no “Biti Bot – Maubara”, para além de provocar a criação de empresas para os pedreiros envolvidos no processo de recons-trução.

Não obstante, existem ainda atividades cujo processo de execução se tem apresentado mais lento ou de difícil concretização. As componentes que se têm revelado com menor taxa de atividades executadas na totali-dade são a III (as atividades económicas do sector primário) e a VII (res-ponsabilidade ambiental e ecoeficiência). Contudo, é de ressalvar que para a execução de atividades mais ambiciosas, como a criação de uma unidade de transformação ligada à produção e diversificação de produtos agrícolas, o programa criou sinergias com outras organizações e programas gover-namentais – o Instituto Marquês de Valle Flôr e o Plano Estratégico de Desenvolvimento do governo timorense, respetivamente.

Acrescenta-se também que a componente X, relacionada com a repli-cabilidade das práticas do Cluster para o enclave de Oecussi, ainda que inicialmente prevista, não tem apresentado desenvolvimentos nos docu-mentos que consultámos.

O processo de criação de um município em Liquiça fez com que os timorenses que constituem a Comissão Instaladora se interessassem pelo Cluster a partir do desenvolvimento que constatam ter-se verificado em Maubara e é possível que haja algum grau de replicação do modelo pra-ticado.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

A GESTãO DO CLUSTER DE MAUBARA

O projeto da Cooperação Portuguesa denominado Cluster de Maubara pode ser considerado um Cluster da cooperação de acordo com a definição da “Visão estratégica da cooperação” de 2005, por ter a sua localização geográfica concentrada no distrito de Liquiça, por ter um conjunto de atividades, já referidas no ponto anterior, centradas na procura de valor acrescentado partilhado e sustentável, embora não tenha uma participa-ção permanente de outros financiadores além da Cooperação Portuguesa e apenas mais um parceiro/executor num projeto que o IPAD apelida de complementar (Projeto de dinamização dos circuitos de comercialização local implementado pelo IMVF, IPAD, 20116) e outro para atividades des-portivas (a Federação Portuguesa de Atletismo). Os documentos da Coo-peração veem o Cluster como estando articulado (integrado) no PADRTL embora seja nossa convicção que tal articulação não funcionou.

Como se afirma em Ferreira (2009), o carácter inovador e estruturante da iniciativa do Cluster de cooperação coloca desafios na construção de um Sistema Integrado de Gestão, quer ao nível da identificação/definição de processos, quer na avaliação da eficácia, eficiência, impacto e visibilidade que o mesmo pretende gerar. É igualmente pressuposto do atual paradig-ma da Cooperação para o Desenvolvimento a capacitação dos atores bene-ficiários e a sua autonomização sustentável. Para o Cluster os pilares dessa capacitação têm de assegurar uma sustentabilidade assente em modelos de governance claros e transparentes, na associação de responsabilidade dos atores à criação de valor, na definição de responsabilidade ambiental e numa responsabilidade social partilhada pelos membros da comunidade de Maubara.

A organização da gestão do Cluster, para responder a esses requisitos, adotou a metodologia do Balance Scorecard, criando um Sistema Integrado de Gestão do Programa Mós Bele – Cluster da Cooperação em Timor-Les-te, SIGMB, “transpondo para a realidade da cooperação a qualidade total e excelência associadas aos modelos de gestão e competitividade do sector privado” (Carvalho, 2011), inovando na adaptação desse instrumento de gestão a um projeto de cooperação e indo ao encontro7 da operacionaliza-ção de orientações que só surgem explícitas na Cooperação Portuguesa na definição da estratégia de 2014 (Governo de Portugal, 2014).

6 Ver http://www.imvf.org/index.php?noticia=651 (acedido em março de 2014).

7 Aliás com uma antecipação temporal que é notória e que se deve assinalar como uma capacidade de inovação rara na Cooperação Portuguesa.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Os objetivos estão organizados em mapas estratégicos estabelecendo entre si relações de causa e efeito (Figura 4). Estes mapas pretendem que os atores envolvidos entendam a estratégia seguida e a sua coerência mas não são de fácil compreensão para quem tenha uma fraca capacidade de abstração. Correspondem aos modelos dinâmicos que a metodologia SSM considera como podemos ver no capítulo II.

No Cluster de Maubara, nas entrevistas realizadas, com timorenses e mesmo com pessoal da embaixada de Portugal em Dili, ficámos com a convicção de que a estratégia e as relações causa-efeito eram entendidas parcialmente pelos entrevistados, melhor pelos timorenses com alguma capacidade de chefia e pouco pelos restantes. Note-se que os timorenses de Maubara mais envolvidos no Cluster têm uma representação mental geral das funções e das atividades do programa, mas pensamos que globalmente só o responsável permanente da Cooperação Portuguesa pela dinamização do Cluster consegue ter mentalmente todo o quadro presente de forma coerente e articulada entre as componentes. Tal compreensão global tem vindo a evoluir e percebemos pelas entrevistas que hoje a compreensão é maior do que quando o projeto começou, seja para os técnicos do Camões, da embaixada ou dos timorenses que contactam diretamente com as ativi-dades desenvolvidas.

As “perspetivas” teóricas do BSC foram adaptadas da seguinte forma:

Balanced scorecard Adaptado ao Cluster de Maubara – Timor-Leste

Perspetiva financeira Perspetiva financeira

Perspetiva de cliente/mercado Perspetiva de beneficiário

Perspetiva de processos internosPerspetiva institucional de consolidação de regras e transparência

Perspetiva de aprendizagem e crescimento

Perspetiva de inovação partilhada

Os objetivos estratégicos são a tradução quantitativa e qualitativa da estratégia da cooperação, tomando como referência as perspetivas, e são expressos nos pontos:

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Perspetiva institucional

- envolvimento dos órgãos de governação dos sucos e aldeias;

- incentivo à responsabilidade social com serviços de educação e saúde integrados e de proximidade;

- potenciar a responsabilidade ambiental.

Figura 4: Mapa Estratégico

Perspetiva do beneficiário

- priorizar a capacitação das pessoas de Maubara, em especial os jovens, através do fortalecimento dos atores sociais locais e do desenvolvimento de competências relacionais, laborais e cívicas;

- atividades económicas;

- foco nas atividades económicas principais;

- potenciar atividades económicas complementares;

- identificar produtos/serviços chave;

- promover cadeias de fornecimento.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Todo o processo tem presente a “perspetiva de inovação” na criação de instituições locais, nas iniciativas económicas, nas regras adotadas, etc., mas sobretudo no objetivo de capacitar a população local para o valor da iniciativa privada económica, construída atendendo à cultura de partilha e de envolvimento em todos os níveis das organizações da área.

A Figura 5, que é uma “rich image” (utilizando a terminologia de Pe-ter Checkland na formulação da Soft System Methodology, que se analisou no Capítulo II) do Cluster, permite ver globalmente o modelo de criação de valor partilhado com a relação entre as perspetivas e o conteúdo das mesmas.

Figura 5

Este modelo tem subjacente a ideia de que os projetos de cooperação têm de permitir direta ou indiretamente a criação de valor nas atividades que

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

desenvolvem. Como vimos no ponto anterior, esse modo de pensar os pro-jetos de cooperação é uma inovação que João Carvalho sintetiza na frase “cooperar para competir – COOPETITIVIDADE” (Carvalho, 2008b) e que está coerente com as atuais opções de articulação com o sector pri-vado que a nova estratégia da Cooperação Portuguesa adota (Governo de Portugal, 2014) promovendo a “eficiência coletiva”, alavancada a par-tir da aprendizagem e competitividade partilhada, através das relações de interdependência entre os agentes do sector público, privado e sociedade civil, contribuindo para a diminuição dos custos de transação entre os agentes, do grau de risco nos processos negociais e na definição e obten-ção de resultados, formando os beneficiários do projeto para adquirirem capacidades de utilização de vantagens competitivas através do aumento da produtividade, da rivalidade local por melhores resultados, da pressão na busca de resultados positivos, da melhoria dos processos utilizados e da procura permanente da diferenciação da oferta.

Como afirma João Carvalho,

promovemos um continuum de intervenção, através do trabalho em rede, da capacitação e do empoderamento dos diversos actores sociais en-volvidos, com particular relevância para as organizações e para os líderes das comunidades locais, potenciando a criação de cadeias de valor sustentáveis, assentes em dinâmicas de criação de valor partilhado, transformação social, de parcerias tri-sectoriais e coopetitividade para o desenvolvimento de comunidades locais e regionais, competitivas e respon-sáveis (Carvalho, 2011, p. 10) (sublinhado nosso).

Tal opção propõe-se servir para operacionalizar, gerir e monitorizar a es-tratégia que pretende “transformar uma orientação redistributiva ou as-sistencial numa lógica de criação de fontes endógenas de desenvolvimento, capazes de estimular crescimento económico, criar emprego e melhorar a qualidade de vida” (Carvalho, 2008b) a partir de atividades de base lógica para o contexto local e potenciadoras de uma especialização regional de produtos/serviços como a agricultura, pesca e floresta, que correspondem em 2011 a 78,89 % das atividades económicas, sendo que o governo timo-rense afirma que o desenvolvimento da atividade empresarial privada na agricultura é vital para o futuro do país.

Esse modelo de governance (ou modelo de gestão) próprio respeita os prin-

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

cípios enunciados, sobretudo a necessidade de envolvimento de beneficiá-rios e de ter indicadores para prestação de resultados.

O envolvimento dos beneficiários, para responder ao critério da coope-ração da apropriação, desenvolve-se por um processo através do qual as pessoas, as organizações e as sociedades obtêm, fortalecem e mantêm as competências necessárias para estabelecer e alcançar os seus próprios ob-jetivos de desenvolvimento a longo prazo (Krick et al., 2005), focados na sua zona local de habitação.

É evidente que as condições físicas da zona de Maubara, propícias ao turis-mo, podem atrair com facilidade investidores privados que não tenham in-teresse em ter uma relação deste tipo com as pessoas da zona, mas apenas uma relação de assalariamento em busca de um lucro que seja apropriado por pessoas de fora, sejam ou não timorenses. Ou seja, criar emprego para os locais mas sem lhes dar acesso à gestão dos projetos empresariais onde são apenas assalariados, sendo o conjunto constituído pelo antigo forte e jardim (onde se encontra o restaurante Tia Janer o Tasi Café [foto 2]), mesmo em frente à praia, e a pousada (uma vez terminada), que mais fa-cilmente podem ser sujeitos a um processo de “privatização” desse tipo.

Tasi Café, Cluster de Maubara – Timor-Leste

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

A adoção de um modelo de gestão que satisfaça as indicações interna-cionais de eficácia implica que seja feita uma avaliação através de indica-dores e metas construídos de forma a equilibrar aqueles que se destinam a avaliar resultados e aqueles que procuram detetar a evolução que vai existindo. No modelo do Cluster explicita-se claramente que “as atividades, resultados e objetivos do cluster deverão ser alvo de uma monitorização e avaliação que promova um processo de aprendizagem e melhoria contínua e uma cultura de reporte e accountability” (Carvalho, 2008a, p. 33).

Ao nível da dimensão de atividade/grupo-alvo, a intervenção foi avalia-da pelo Governo de Timor, Comunidade-Alvo e pelo IPAD, no âmbito do Conselho Consultivo de Acompanhamento Estratégico, em novembro de 2010, como “um enorme sucesso, comprovado pelos resultados obtidos”, que “os representantes de Maubara poderiam atestar a evolução verificada na localidade” e que “o esforço constante em capacitar a comunidade irá contribuir para a sustentabilidade do Programa” (Carvalho, 2011, p. 1).

Os pontos fortes apontados são: a) uma evolução positiva do rendimen-to líquido mensal de várias atividades (frutaria de Maubara, produção e comercialização de compotas, artesanato - Loja Kioske Timor, Restauran-te Tia Janer); b) a capacidade de ter atividade desportiva e Educação Físi-ca, com monitores timorenses, para as escolas primária e pré-secundária de Maubara; c) promoção de entidades de/em Maubara prestadoras de serviços ao nível da construção, canalização, eletricidade, formação/ca-pacitação, gestão e contabilidade, telecomunicações e acesso à Internet, lazer, informação e programas turísticos de turismo e cultura com 39,11% do valor total de aquisição de materiais e serviços a ser diretamente afeta-do/promovido pela comunidade de Maubara entre 2009 e 2011.

As fragilidades situam-se ao nível da intervenção ao nível da saúde, nos meses de atraso sobretudo na recuperação do edifício da futura pousada Biti Bot Maubara e da necessidade de melhorar o envolvimento e coorde-nação com os parceiros da Cooperação Portuguesa no terreno como por exemplo com o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural/PADRTL, o Programa de Consolidação da Língua Portuguesa/PCLP, o Programa do MTSS, etc.); a outra fragilidade de todo o processo é a lentidão siste-maticamente referida da disponibilização de verbas orçamentadas, levando a atrasos de pagamento que só não tiveram consequências no Programa pelo adiantamento das mesmas para salários feito pelo próprio coordena-dor. Como seria de esperar as atividades quando se iniciam levam tempo a criarem sustentabilidade, sendo o caso mais recente o Tasi Café, com ano

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

e meio de existência. Note-se que há atividades que não foram tão bem sucedidas como os promotores esperavam – como a frutaria e o cabelei-reiro – sendo uma prova de boa gestão a deteção de tais dificuldades e a execução de alterações como a diminuição de pessoas ou mesmo o fecho. Combate-se assim a ideia de que nos projetos de cooperação é aceitável ter atividades não rentáveis de cariz empresarial que vivem de sucessivas doações de um ou mais financiadores.

Figura 6Apreciação do SGMB

horwath & Associados, SROC, Lda., 2012

O CLUSTER DE MAUBARA, TIMOR-LESTE E A METODOLOGIA SSM

A leitura do Cluster utilizando a Soft System Methodology (SSM) como foi explicitada no capítulo II leva-nos a verificar se temos ou não os ele-mentos que essa metodologia requer. Temos assim que para a leitura da situação de base ser coerente, os conceitos e variáveis necessários são sin-tetizados na mnemónica CATWOE e são:

(C) Clientes, beneficiários, parceiros: os moradores de Maubara (1.013 famílias dos sucos de Valviquínia e Maubaralissa; beneficiários finais: 19.589 pessoas do subdistrito de Maubara), as autoridades locais, o go-verno central em Dili, a Cooperação Portuguesa (pelo efeito boomerang);

(A) Atores, intervenientes: a Cooperação Portuguesa em Maubara, a embaixada portuguesa em Dili, o IPAD e depois o Camões-ICL em Lis-boa, as organizações de timorenses em especial a Associação Mós Bele, o governo central timorense;

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

(T) Transformação, evolução: as atividades desenvolvidas demonstram as transformações existentes;

(W) Visão sociopolítica do sistema, incluindo valores éticos: os valores que o PMB defende como seus e que estão expressos também nos estatu-tos da Associação incluindo a sua visão e missão de promoção de desen-volvimento humano tendo por base turismo criativo de base comunitária;

(O) Atores centrais com capacidade de configurar a situação base: o ator central real é a Cooperação Portuguesa, sobretudo a coordenação lo-cal; em teoria também as autoridades centrais poderiam ser atores confi-guradores mas não foi isso que se passou com o papel central a ser assu-mido pela Cooperação Portuguesa por intermédio do coordenador a viver em Maubara.

A root definition que a metodologia requer, constituída pelos dados CA-TWOE e pela resposta a questões PQR (O que faz o sistema? Como faz? e Porque faz? Ou “Fazer P através de Q para obter R”) completa os ele-mentos necessários à análise da situação de base ou A1. A resposta a estas questões é dada a partir da conceção holística do modelo de programa, como se pode ver expresso numa rich image na Figura 5 deste capítulo. A análise do ambiente social e cultural externo (A2) e do ambiente social interno, ou seja, a relação entre si de poder dos intervenientes mais diretos no sistema em análise (A3) não foram expressas em documentos que co-nheçamos na fase de conceção do PMB, tomando como aplicáveis a Mau-bara as análises de todo o país já existentes. O que é curioso pois, como já se disse, a formação da Associação Mós Bele cria um tipo de estrutura al-ternativa às tradicionais, e era de esperar que a aposta no sucesso que tudo indica estar a verificar-se tivesse suporte numa análise social do país e do papel dos sucos no futuro próximo do modelo de Estado timorense. Na prática estamos convictos que tal análise esteve e está presente na mente do coordenador e dos principais dirigentes associativos timorenses, mas a delicadeza política do tema não permite que seja explicitado.

Com estes elementos podemos avaliar a situação que se desenvolveu ao longo da existência do Cluster utilizando para avaliação seja os critérios do CAD (ver capítulo II e bibliografia indicada [OCDE, 1991; Proença, 2009; Oliveira, 2014]) seja a avaliação feita pela certificação dos procedi-mentos segundo a norma internacional ISSO, seja relatórios produzidos ao longo da sua existência no âmbito do PIC Portugal-Timor ou internos ao Cluster.

As conclusões dessa análise são as do ponto seguinte.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

CONCLUSõES

Se utilizarmos os critérios da UNIDO para a definição de Cluster para analisarmos o Programa Mós Bele, temos:

• a intervenção por um lado foi desenhada inicialmente a partir da experiência de cooperação já existente entre Portugal e Timor--Leste, e por outro, foi sendo desenhada por interação entre o representante do financiador e os beneficiários individuais ou organizados como autoridades administrativas tradicionais – os sucos – ou organizações da sociedade civil como uma associação de moradores em Maubara, os grupos desportivos, os veteranos da resistência ou outros, tendo havido a sensibilidade de todas as partes para alterar aquilo que se revelou inadequado ao longo da execução ou adotando novas atividades quando se revelam úteis de acordo com os objetivos;

• as autoridades administrativas de âmbito geográfico – os sucos – ou sectorial – como saúde e educação –, foram sempre envol-vidas na definição dos projetos e atividades a desenvolver numa rede permanente de intervenientes motivados para implementar o Cluster, tendo tido sucesso na relação com as primeiras e pouco com as segundas;

• a Associação Maubara Mós Bele é o garante da apropriação pelos líderes locais das atividades do Cluster, uma forma organizativa de poder local diferente dos sucos tradicionais8, e que, pelas entre-vistas realizadas, demonstra capacidade de resolução de conflitos laborais ou outros entre a população local. Resta saber se terá a sabedoria e o poder para manter a orientação que os seus estatutos definem, em caso de desacordo com o poder central em Dili;

• a presença permanente em Maubara do representante da Coope-ração Portuguesa assegurou uma procura persistente de boas prá-ticas e um ritmo de execução que, por outras experiencias no país, seria improvável ser atingido;

• o investimento público não é significativo para as atividades do Cluster, exceto aquele que é financiado pela Cooperação Portu-guesa, não havendo nenhuma combinação público (Estado de

8 O processo de criação de municípios em Timor-Leste ainda está no início, sendo aliás Liquiça (onde se inclui Maubara) um dos três primeiros escolhidos para ser constituído.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Timor-Leste) – privados;

• a lógica de um modelo de valor partilhado tendo como eixo central as atividades de Turismo Sustentável e de produção para o merca-do com critérios de rentabilidade económica foi prosseguida desde o início do projeto, tendo algumas atividades desaparecido para que o projeto não criasse dependência de subsídios para entidades que não conseguiram criar valor de troca;

• os critérios de avaliação foram estabelecidos a partir do Balanced Scorecard adaptado e as consequências podem-se constatar quan-do a auditoria de 2011 regista uma evolução significativa no que respeita a: “a) Autonomia na execução das atividades/tarefas; b) Competências funcionais relevantes para a execução das ativida-des; c) Responsabilização funcional assumida de forma sistemática; d) Sistemática aplicação de regras de operação e controlo da ati-vidade; e) Implementação sistemática de atividades de avaliação de conformidade/controlo de qualidade com base em critérios de qualidade formais e/ou informais; f) Rastreabilidade da atividade assegurada por prática sistemática de registo” (Ferreira, 2011, pág. 6), salientando ainda que esta evolução se reflete na sustentabilida-de financeira autónoma das atividades económicas desenvolvidas.

Há assim uma conformidade com os critérios da harmonização, apro-priação e coerência da cooperação, sendo que o critério da sustentabilidade para a maioria das atividades que geram rendimentos também se mos-tra seguro. A gestão global do Programa esteve só com timorenses entre dezembro de 2013 e maio de 2014 e nas entrevistas realizadas tivemos afirmações de dirigentes da Associação de Maubara e de promotores de atividades económicas como o restaurante, o café e a loja de artesanato de que o Programa funcionou na mesma, assinalando dificuldades na manu-tenção quando alguma coisa se avariava e no nível de limpeza, mas todos salientaram que tudo continuou a funcionar.

Note-se que as relações com as autoridades centrais do país são vistas pelos dirigentes da associação como necessárias mas com alguma descon-fiança, tendo introduzido nos Estatutos a frase: “Salvaguardando sempre a sua autonomia, a AMMB manterá relações de cooperação com as ins-tâncias governamentais e intergovernamentais, nacionais, estrangeiras e internacionais, cuja missão seja o desenvolvimento e a cooperação entre os povos (artigo 4º)”, ao mesmo tempo que nas entrevistas nos disseram

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

“Se se entregar ao Governo ele não vai saber gerir e vai estragar” ou “O problema é o Governo, tem interesses diferentes que põem de lado a nossa ideia de coordenação”; também acrescentam “Interessa-nos ter apoio do Governo para garantir a confiança do povo” (entrevista a dirigentes da AMMB).

Ou seja, os moradores têm consciência de que podem existir decisões das autoridades timorenses centrais que originem ou permitam alterações nessa sustentabilidade e apropriação intensificando a exploração econó-mica ou que haja variações de mercado que alterem a rentabilidade que se vem verificando nas atividades. Mas também pode vir a verificar-se o reforço das mesmas.

Mesmo aquelas iniciativas de futuro próximo que o coordenador da Cooperação Portuguesa identificou com os moradores em 2014 depen-dem ainda de muitas condições para além da disponibilidade financeira: - continuidade na execução da estratégia integrada de Turismo Criativo de Base Comunitária; - finalizar a construção da pousada Biti Bot (turis-mo histórico); - continuidade na execução da estratégia qualificação da frente-de-mar criando o Maubara Beach Bungalows, Maubara Adventure e Clube Náutico de Maubara. Essas condições para além das financeiras podem resumir-se à de concessão pelo Governo de Timor dos espaços de intervenção à Associação Maubara Mós Bele.

O efeito “boomerang”, ou seja o efeito no IPAD/Camões das inovações deste instrumento de cooperação não nos parece existir, não tendo dete-tado no período de investigação nas entrevistas com técnicos do IPAD e do Camões, nos documentos consultados ou mesmo nas conversas com os dois embaixadores portugueses em Timor-Leste deste período e com técnicos de outros ministérios portugueses da área nenhuma intenção ou sequer reflexão de como esta experiência pode servir para melhorar a Cooperação Portuguesa.

A lógica de Direção Geral que ainda preside à administração do or-ganismo coordenador e o funcionamento típico do MNE são propensos a evitar, e se necessário combater, tudo o que traga mudanças. No caso de serem processos com sucesso, ainda mais perigosos são, pois demonstram a ineficácia e o amadorismo dos que se mantêm dentro de “fazer este ano como se fez o ano passado”, não entendendo os tempos em que estamos já há uns bons anos. A tal tendência de longo prazo somou-se a partir de 2011 uma instabilidade expressa na sucessão de três Secretários de Estado

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da Cooperação e numa fusão entre o Camões e o IPAD, com redução de pessoal e reenvio para os seus ministérios de origem de funcionários do IPAD.

A insegurança criada nesse processo nos técnicos levou a uma ainda maior inação face a tudo o que poderia significar riscos para a carreira profissional. A revisão da estratégia da Cooperação Portuguesa finalmen-te aprovada em 2014 e as decisões da cimeira África-Europa de abril do mesmo ano contêm, na nossa opinião, os elementos suficientes para al-terar bastante a prática vigente, recuperando mesmo intenções da estra-tégia de 2005 que não avançaram e aproveitando inovações como as que foram ensaiadas no Cluster de Maubara, Timor-Leste. Como é natural que o Camões-ICL se vá estabilizando pouco a pouco, os fatores novos de in-segurança referidos tenderão a diminuir com uma maior estabilidade da equipa diretiva – que passou a incluir como vice para a Cooperação o Dr. Gonçalo Marques, ex-consultor do presente projeto – e um SENEC pelo menos até às próximas eleições legislativas. E esperemos que este projeto de investigação possa contribuir para uma reflexão sobre os Clusters e o seu possível aproveitamento para a evolução da Cooperação Portuguesa.

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

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ANEXO

Mapa e dados Maubara -Timor-Leste

 

Dilí        

População Total 18510

Sexo Masculino 9380

Sexo Feminino 9130

Agregados Familiares 3299

Dimensão (média de pessoas por agregado familiar)

5,6

Distribuição Etária

< 14 anos15 – 29 anos30 – 44 anos45 – 64 anos> 65 anos

76144416270025351245

Alfabetização 15681

Tétum (escrito, leitura e falado)

5509

Português (escrito, leitura e falado)

1878

Taxa de Emprego* 88,8%

Nº de Empregados 5471

Taxa de Participação* 47,2%

Nº de Inativos 6882

Principal fonte de energia**

Para cozinhar Madeira

Para iluminação Querosene

% de Água limpa usada** 69,6%

Produção de Colheitas** 2477

Criação de Gado** 3159

Indicadores de bem-estar

Valviquínia Liquiça Timor

Viaturas 2,5 % 3,4% 5,4%

Motocicletas 11,8% 9,5% 14,3%

Bicicletas 11,2% 8,2% 11,6%

Frigoríficos 12,3% 7,2% 10,5%

Telemóveis 66,9% 57,4% 54,3%

Televisão 23.9% 16,3% 24,2%

Rádio 40,5% 36,0% 32,7%

*Consideram-se as pessoas com mais de 10 anos (13044 habitantes)** Análise com base no número de agregados familiares

Fonte: NSD & UNFPA

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A COOPERAçãO PORTUGUESA NUM PEQUENO PAÍS DEPENDENTE DAS AJUDAS INTERNACIO-

NAIS: O CASO DE SãO TOMé E PRÍNCIPE

Gerhard Seibert

Resumo

Quarenta anos depois da independência, São Tomé e Príncipe continua muito dependente das ajudas dos seus diversos parceiros internacionais. Contudo, não existe um organismo nacional operacional e eficaz de coor-denação das ajudas internacionais para melhorar a eficácia das interven-ções. Por várias razões, uma coordenação de projetos e programas não tem prioridade nem para o governo nem para os parceiros de desenvol-vimento. Desde sempre, Portugal foi um dos principais destes parceiros de desenvolvimento, sobretudo nas áreas de defesa e segurança, educação e saúde. Em São Tomé e Príncipe a Cooperação Portuguesa não aplicou o conceito de cluster como instrumento de cooperação para melhorar a eficácia dos seus projetos e programas. Também não existe outro ins-trumento de coordenação permanente entre as várias organizações não--governamentais de desenvolvimento (ONGD) portuguesas que operam no país. Os projetos da Cooperação Portuguesa, dominados pelo Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF), são geridos por um representante resi-dente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.

Palavras-chave: São Tomé e Príncipe, cooperação portuguesa, desen-volvimento, coordenação de ajudas, organizações não-governamentais de desenvolvimento

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Quarenta anos depois da sua independência, São Tomé e Príncipe con-tinua a depender em grande escala das ajudas internacionais. Apesar do declínio da monocultura do cacau depois da independência, o país não con-seguiu diversificar as suas exportações agrícolas, enquanto o desenvol-vimento de outros setores da economia considerados promissores ficou muito aquém das expectativas do governo e dos diversos parceiros de de-senvolvimento. Nos últimos anos, o turismo tem registrado algum cresci-mento, mas este de longe não se aproximou das metas estabelecidas pelo governo. Pior ainda é a situação do setor petrolífero, que em 1997 sur-giu com expectativas muito elevadas. O apogeu deste grande otimismo, partilhado pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, foi o primeiro leilão de blocos petrolíferos da Zona de Desenvolvimento Con-junta (JDZ) com a Nigéria, em 2003, que resultou em promessas de bônus de assinatura de cerca de US$500 milhões para sete blocos petrolíferos. Na altura, pensava-se que o início da produção de petróleo seria apenas uma questão de poucos anos. Contudo, desde então o início da produção de petróleo foi constantemente adiado. De facto, várias perfurações ex-ploratórias em quatro blocos da JDZ, executadas entre 2006 e 2012, não conseguiram provar a existência de petróleo em quantidades comercial-mente viáveis. Também a perspetiva de descoberta de petróleo na Zona Económica Exclusiva (ZEE) do arquipélago é incerta, pois ali ainda não foram realizadas quaisquer perfurações em blocos petrolíferos.

Consequentemente, pelo menos por enquanto, São Tomé e Príncipe fica muito dependente das ajudas dos seus diversos parceiros internacio-nais. O valor das ajudas que o país recebeu ao longo dos anos é conside-rável. Enquanto alguns dos projetos implantados, como por exemplo a campanha de erradicação da malária, financiada por Taiwan e o Fundo Global, devem ser considerados sucessos, o conjunto das ajudas não teve o resultado esperado para o desenvolvimento do arquipélago. Apesar de todos os investimentos, entre 2001 e 2010, a percentagem da população que vive na pobreza ficou quase inalterada. Os chamados doadores não tradicionais como Taiwan, Angola, Congo-Brazzaville e Nigéria têm con-tribuído diretamente para o financiamento do orçamento do Estado, en-quanto os doadores tradicionais, como Portugal, mas também o Brasil, cuja ajuda ao desenvolvimento é oficialmente designada cooperação Sul--Sul ou horizontal, dão as ajudas através de projetos e programas, acorda-dos bilateralmente com os respetivos ministérios setoriais. Em São Tomé e Príncipe não existe um organismo nacional operacional e eficaz de coor-denação das ajudas internacionais para evitar a duplicação de projetos e

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melhorar a eficácia das intervenções. Por várias razões, uma coordenação de projetos e programas não tem prioridade nem para o governo nem para os parceiros de desenvolvimento.

Tal como o Brasil, Portugal concentra a sua cooperação em África nos cinco Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Em São Tomé e Príncipe, Portugal sempre foi um dos principais parceiros de de-senvolvimento, sobretudo nas áreas de defesa e segurança, educação e saú-de. Por um lado, os projetos e ações da Cooperação Portuguesa são carac-terizados por um grande número de atores diversos. Por outro lado, desde anos são dominados por uma única instituição, o Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF), que tem as suas raízes na época colonial em São Tomé. Ao contrário de Angola, Moçambique e Timor-Leste, em São Tomé e Príncipe a Cooperação Portuguesa não aplicou o conceito de cluster como instrumento de cooperação para melhorar a eficácia dos seus projetos e programas. De facto, não existe nenhum outro instrumento de coordena-ção permanente entre as várias organizações não-governamentais (ONG) portuguesas e os seus profissionais e voluntários que trabalham neste pe-queno país. A Cooperação Portuguesa é gerida por um representante resi-dente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua. Este artigo visa analisar como as ações e projetos de Portugal são orientados e conduzidos sem nenhum instrumento de coordenação estabelecida.

CONTEXTO SOCIOECONóMICO E POLÍTICO DA COOPERAçãO PARA O DESENvOLvIMENTO

São Tomé e Príncipe é, depois das Seychelles, o segundo menor país africano, com uma superfície total de 1.001 km² e 187.000 habitantes, dos quais 7.500 na ilha do Príncipe (142 km²). São Tomé está dividido em seis distritos, enquanto a pequena ilha do Príncipe constitui uma Região Autónoma desde 1994. A população urbana cresceu de 54,5% em 2001 para 67% em 2012 e está concentrada no distrito de Água Grande (73.000 habitantes ou 39% da população total), que abrange a cidade de São Tomé. Quase metade da população (48,1%) tem menos de 17 anos de idade. À igreja católica pertencem 55,7% da população, enquanto 23% são fiéis das diversas igrejas protestantes e pentecostais e 21,2% não têm religião. A taxa de mortalidade infantil desceu de 54,2‰ em 2001 para 30,2‰ em 2012, enquanto a esperança de vida aumentou de 63,9 anos em 2001 para

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

65,3 anos no mesmo período. De 2001 a 2012, a percentagem das famílias que têm acesso à rede pública de água (inclusive chafariz) cresceu ligeira-mente, de 73,9 para 83,6. Quanto à instalação sanitária, 57,4% dos lares não têm casa de banho nem latrina (74,9% em 2001). O combustível mais utilizado para cozinhar é a lenha (49,5%), seguido pelo petróleo (36,6%), carvão (8,1%) e gás (2%). A energia elétrica existe em apenas 57,9% dos lares (47,7% em 2001). Oitenta por cento das casas do país são predo-minantemente construídas de madeira. O setor primário emprega 24,2% da população (30,2% em 2001), o setor secundário 17,0% (16,7%) e o se-tor terciário 52,1% (53,1%). A taxa de desemprego é de 13,6% (14,5% em 2001) (INE, 2012).

No contexto da descolonização das antigas colónias portuguesas depois do 25 de abril de 1974, seguindo o exemplo dos outros quatro PALOP, São Tomé e Príncipe optou pela implantação de um regime de partido único de orientação soviética depois da sua independência conce-dida em 12 de julho de 1975. Em 1990, o país introduziu uma democra-cia multipartidária com um regime semipresidencial baseado no modelo português. Desde então eleições legislativas e presidenciais realizaram-se regular e pacificamente. Contudo, nos últimos anos o chamado “banho”, como se chama a compra de voto no arquipélago, tem-se tornado parte in-tegrante do processo eleitoral. Além disso, o regime democrático tem sido caracterizado por instabilidade política devido às mudanças frequentes de governo. Desde as primeiras eleições livres em 1991, nenhum dos gover-nos conseguiu chegar ao fim da legislatura de quatro anos. As mudanças frequentes de governo resultaram numa elevada rotatividade dos quadros dos ministérios que por sua vez prejudicou as capacidades institucionais a todos os níveis. Num relatório recente sobre o país, o FMI afirma que “as instituições são fracas, carecem de recursos humanos qualificados, são mal geridas e corruptas” (IMF, 2014, p. 47).

São Tomé e Príncipe tem a economia mais fraca de África, com um PIB de 307 milhões de dólares americanos em 2013. No período de 2002 a 2011 a setor primário contribuiu com 17,2% para o PIB, enquanto o setor secundário e o setor terciário representaram 16,4% e 66,4% do PIB respetivamente (ibidem, p. 31). Desde há mais de cem anos o cacau é o principal produto de rendimento, representando mais de 90% da expor-tação de bens. Contudo, nos últimos cinco anos a produção anual nem sequer tem atingido 3.000 toneladas, apenas cerca de um quarto da pro-dução na altura da descolonização. Desde a independência, tentativas de vários governos para acabar com a monocultura do cacau e diversificar as

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exportações agrícolas falharam – apesar do apoio financeiro de organiza-ções internacionais. Nos últimos anos, o turismo tem registrado algum progresso, contudo, o seu desenvolvimento ficou muito aquém das metas estabelecidas pelo governo, tanto em termos de receitas como do número de visitantes. Em 2010 o país recebeu 7.100 visitantes em vez de 25.000, objetivo programado pelo governo em 2001 num dos inúmeros planos estratégicos de desenvolvimento setoriais, elaborados com a assistência de consultores internacionais. Em 2012 o turismo representou receitas de US$11,8 milhões (4,4% do PIB), enquanto a exportação de cacau nesse ano ascendeu apenas a US$5 milhões (1,9% do PIB).

Quando, nos fins da década de 1990, São Tomé e Príncipe começou a desenvolver o seu sector petrolífero com o envolvimento de empresas sís-micas e petrolíferas estrangeiras, a exportação de petróleo apareceu logo como panaceia dos problemas económicos do país. São Tomé e Príncipe esperava tornar-se produtor de petróleo dentro de poucos anos. Porém, desde 2006 perfurações exploratórias consecutivas em blocos da Zona de Desenvolvimento Conjunta (JDZ) com a Nigéria (estabelecida em 2001) não resultaram na descoberta de petróleo em quantidades comercialmente viáveis. Consequentemente, entre 2007 e 2013, várias grandes empresas petrolíferas como ExxonMobil, Chevron, Sinopec e Total abandonaram consecutivamente a JDZ. As perspetivas na Zona Económica Exclusiva (ZEE) do país não são melhores, pelo menos por enquanto. Desde 2011, foram assinados apenas contratos de partilha de produção para quatro blocos petrolíferos. Nenhuma das quatro pequenas empresas estrangeiras envolvidas realizou perfurações exploratórias na ZEE. Todo este insuces-so do seu desenvolvimento económico reforçou ainda mais a dependência do país das ajudas internacionais. Cerca de 90% do Orçamento Geral do Estado de 2014 são financiados por instituições multilaterais e países es-trangeiros, sobretudo por parceiros não tradicionais como Taiwan, Índia, Angola, Nigéria e Congo-Brazzaville (Ministério do Plano e Finanças, 2014).

Ao contrário destes parceiros não tradicionais, geralmente os parcei-ros de desenvolvimento tradicionais não dão ajuda direta ao orçamento, visto que não confiam na capacidade das instituições governamentais de gerir adequadamente os recursos financeiros disponibilizados em termos de transparência e eficácia. Em vez disso, estes doadores, como Portugal, mantêm a gestão direta dos seus projetos realizados no país e depois in-formam as autoridades nacionais dos respetivos valores para inserção no orçamento. Muitos destes projetos são intervenções nas áreas da saúde,

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educação, formação profissional, segurança alimentar, saneamento básico que normalmente correspondem a funções e a atividades que deveriam ser asseguradas pelas instituições do Estado são-tomense (Quintaneiro, 2012).

Quadro 1. São Tomé e Príncipe: Ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) concedida pelos membros do CAD/OCDE, média anual/valor anual

em milhões de dólares americanos

1980-89 1990-99 2000-09 2010 2011 2012

36 75 48 52 72 51

Fonte: OECD (www.oecd.org)

Quadro 2. São Tomé e Príncipe: Ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) recebida, per capita, em dólares americanos

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

144 313 281 176 277 395 259

Fonte: Banco Mundial (http://data.worldbank.org/indicator/ DT.ODA.ODAT.PC.ZS)

Oficialmente, um dos principais objetivos do governo e dos parceiros de desenvolvimento era a redução da pobreza que atinge mais de metade da população são-tomense. Em 2002 o país aprovou uma primeira Estraté-gia Nacional de Redução da Pobreza (ENRP), elaborada com a assistência das instituições financeiras internacionais. O governo comprometeu-se a reduzir a população que vive na pobreza (53,8% em 2000) em metade em 2010 e em dois terços em 2015, assim como a reduzir a percentagem da população que vive na extrema pobreza de 15,1% para 4,9%. Contudo, a ENRP financiada pelos países doadores não conseguiu realizar os seus objetivos, pois a pobreza foi reduzida apenas para 49,6% em 2010 (confor-me o método do rendimento médio). Segundo o método de despesas das necessidades básicas, esta taxa até aumentou para 66,2% da população, que vive com menos de 30.000 dobras/dia (€1,25). A apresentação da ENRP foi uma das condições para o cancelamento da dívida externa do país no âmbito da Iniciativa HIPC. Em 2007 a dívida foi reduzida de US$359,5 milhões para US$110 milhões (IMF, 2014, p. 35). Parece que depois do cancelamento da dívida, a concretização da ENRP foi praticamente aban-donada, tanto pelo governo como pelos doadores (Freitas, 2012; Quinta-neiro, 2012). Depois de anos de inatividade, pressionado pelas institui-

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ções financeiras internacionais, São Tomé decidiu elaborar uma segunda ENRP para o período de 2012 a 2016, uma dimensão temporal mais re-duzida. Desta vez, o objetivo foi um crescimento económico anual de 6% e uma redução da percentagem da população que vive na pobreza em apenas 10%. Contudo, não está garantido que a segunda ENRP terá mais sucesso do que a primeira. Certo é, porém, que todos os recursos disponibilizados pelos países doadores ao longo dos anos não se traduziram numa redução expressiva da pobreza ou em outros resultados significativos em termos de desenvolvimento económico do país. Como acima referido, houve ape-nas alguns melhoramentos nas áreas da saúde e das infraestruturas. Esta situação reflete-se no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em que São Tomé e Príncipe ocupa o 142º lugar em 2014, um menos do que em 2012 (UNDP, 2014).

Apesar dos problemas da eficácia das ajudas em São Tomé e Príncipe, não existem formas eficientes de coordenação dos vários parceiros bilate-rais e multilaterais para evitar duplicação de projetos e um desperdício de recursos. Criada por insistência dos parceiros tradicionais, uma Unidade de Coordenação das Ajudas existe; contudo, esta instituição não se mos-trou capaz de desempenhar adequadamente a função atribuída (Freitas, 2012; Quintaneiro, 2012). Ao nível do Ministério da Saúde existe uma coordenação setorial das ajudas internacionais desde 2011, o Gabinete Técnico de Assessoria, Cooperação e Coordenação de Parcerias, mas é prematuro avaliar a sua eficiência. No setor da saúde, São Tomé coopera com Brasil, Cuba, Índia, Portugal, Marrocos, Moçambique, Taiwan, Fun-do Global, OMS, Banco Mundial (Informação de Cíntia Lima, Ministério da Saúde e Assuntos Sociais, janeiro de 2013). Além disso, existe alguma coordenação dos parceiros nacionais e internacionais no caso específico de determinados programas, como por exemplo o plano nacional de luta contra o paludismo.

A coordenação da cooperação não é apenas uma questão de capacida-des técnicas, mas também de motivação política. Nesta perspetiva, São Tomé não está necessariamente interessado numa melhor coordenação das ajudas, visto que uma maior eficácia podia resultar numa mudança ou redução das intervenções da cooperação internacional em certos setores. Para São Tomé, quanto mais ajudas e quanto mais parceiros, é melhor, pois trazem investimentos e oportunidades de emprego bem remunerado. Todavia o problema da coordenação das ajudas não se deve apenas à falta de motivação política e às deficiências operacionais das instituições são--tomenses, mas também à falta de vontade política dos países doadores.

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Geralmente, a cooperação de um país doador é parte integral do Ministé-rio dos Negócios Estrangeiros. Consequentemente, prioridades da coope-ração são os interesses da política externa bilateral do respetivo país e não necessariamente a eficácia da sua ajuda. De facto, muitos países parceiros de cooperação em São Tomé e Príncipe preferem interagir diretamente com os diversos ministérios setoriais (Freitas, 2012).

Portugal, antiga potência colonial, sempre foi um dos principais parcei-ros tradicionais de cooperação de São Tomé e Príncipe. Esta posição difi-culta a sua participação num quadro mais multilateral da cooperação in-ternacional, visto que Portugal já não podia dialogar e articular-se apenas bilateralmente com as autoridades são-tomenses, correndo o risco de per-der importância e visibilidade. Por outras razões, também Taiwan prefere relações de cooperação bilateral com o governo são-tomense. Desde 1997, quando São Tomé reconheceu oficialmente Taiwan, este país tornou-se um dos principais doadores do arquipélago. Os projetos financiados por Taiwan ao longo dos anos são bem visíveis em São Tomé, nomeadamente a iluminação pública da capital, a Biblioteca Nacional, a reabilitação do Estádio Nacional e do Cinema Marcelo da Veiga, a construção da central elétrica em Santo Amaro e de vários blocos habitacionais. A campanha de erradicação da malária realizada com o apoio de Taiwan é considerada um dos projetos mais bem-sucedidos em São Tomé e Príncipe. Detalhe curio-so é que Taiwan disponibiliza anualmente US$400.000 ao governo são--tomense para pagar os médicos cubanos que trabalham no país. Ao con-trário de São Tomé, a comunidade internacional já não reconhece Taiwan desde 1971, quando as Nações Unidas declararam a República Popular da China como único representante legítimo da China e expulsaram Tai-wan. Consequentemente, por motivos jurídicos e diplomáticos, pelo me-nos oficialmente os outros parceiros de São Tomé e Príncipe não podem participar em reuniões com representantes de Taiwan, embora seja um dos principais financiadores de São Tomé e Príncipe (Quintaneiro, 2012).

Também o Brasil prefere o contato direto com as autoridades são-to-menses. O Brasil define a sua ajuda ao desenvolvimento como cooperação Sul-Sul, uma relação horizontal, guiada pelo princípio de não interferência nos assuntos internos dos países parceiros, não envolvendo condicionalis-mos políticos. Não é reembolsável, não oferece recursos financeiros para o orçamento, baseia-se em demandas dos países parceiros e é descentraliza-da. A sua cooperação técnica é coordenada pela Agência Brasileira de Coo-peração (ABC), que é um departamento do Ministério das Relações Ex-teriores. Os projetos da cooperação técnica concentram-se em áreas onde

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o Brasil acredita ter vantagens comparativas, nomeadamente agricultura tropical, saúde, educação, formação profissional, energia, proteção social e administração pública. Muitos projetos baseiam-se em experiências com programas que já foram realizados com sucesso no Brasil. Os projetos coordenados pela ABC são executados por entidades diferentes, públicas, privadas e não-governamentais. Geralmente são pequenos projetos com uma duração de dois anos renováveis. Como Portugal, Brasil concentra a sua cooperação em África nos PALOP. Depois de Moçambique, São Tomé e Príncipe é o segundo maior parceiro da ABC em África, tanto em termos financeiros como relativamente ao número de projetos. Considerado um espelho da cooperação técnica do Brasil em África, visto que o país repre-senta todas as áreas principais da cooperação técnica brasileira, em 2012 o arquipélago acolheu 16 projetos que envolveram um financiamento total da ABC de cerca de US$11 milhões.

Quadro 3Lista dos projetos da ABC em São Tomé e Príncipe,

com as entidades executoras (2012)

1- Construção Institucional e Metodologia da Extensão Rural como Estratégia de De-senvolvimento Sustentável da Agricultura Familiar (Universidade Federal Viçosa - UFV; Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais - EMATER/MG)

2- Implantação do Programa Nacional de Extensão Rural (PRONER) (UFV; EMA-TER/MG)

3- Alfabetização Solidária (Associação Alfabetização Solidária AlfaSol, São Paulo-SP)

4- Apoio ao Controlo e à Prevenção da Malária (Ministério da Saúde; triangulação com EUA)

5- Construção de um Centro de Formação Profissional; Serviço Nacional de Aprendi-zagem Industrial (SENAI)

6- Fortalecimento Institucional da Gestão de Águas (Instituto de Gestão das Águas e Clima - INGÁ / Governo do Estado da Bahia)

7- Implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, Ministério da Educação - MEC, Universidade Federal da Bahia - UFBA)

8- Auxílio Técnico na Implementação da Política de Salário Mínimo (Ministério do Trabalho e Emprego)

9- Apoio ao Desenvolvimento Urbano – Componente Capacitação na Estruturação e Gestão de Fundos de Desenvolvimento Social (Caixa Económica Federal - CEF)

10- Apoio ao Desenvolvimento Urbano – Componente Ordenamento Territorial (CEF)

11- Apoio ao Desenvolvimento Urbano – Componente Política Habitacional e Metodo-logias Não-convencionais de Construção (CEF)

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12- Apoio ao Programa da Luta contra a Tuberculose (Ministério da Saúde)

13- Apoio ao Desenvolvimento da Produção de Artesanato (triangulação com a CPLP) (ONG Instituto Mazal, Brasília)

14 - Capoeira: Formação Técnico-Profissional e Cidadania (Centro Cultural de Capoei-ra Raízes do Brasil, Brasília DF)

15- Projeto Capacitação Técnica para a Polícia de Investigação Criminal (Departamen-to da Polícia Federal)

16- Apoio ao IV Recenseamento Geral da População (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE)

Fonte: ABC, Brasília

COOPERAçãO PORTUGUESA

Como as outras ex-colónias em África e Timor-Leste, São Tomé e Príncipe sempre foi um dos poucos países alvos da Cooperação Portugue-sa, sobretudo nas áreas da educação, saúde e defesa. Também neste país a Cooperação Portuguesa realiza-se no âmbito de Programas Indicativos de Cooperação (PIC) acordados entre os dois países, conforme documentos estratégicos nacionais seguindo as diversas orientações internacionais em matéria de cooperação para o desenvolvimento. Os PIC são concretizados em programas e projetos executados com a colaboração de ministérios setoriais, municípios e a chamada sociedade civil, em particular as organi-zações não-governamentais para o desenvolvimento (ONGD) portugue-sas. As ONGD portuguesas mais conhecidas no arquipélago são o Insti-tuto Marquês de Valle Flôr (IMVF), Assistência Médica Internacional (AMI), Médicos do Mundo, Juventude, Leigos para o Desenvolvimento e a Associação para a Cooperação entre os Povos (ACEP). Não todos os in-vestimentos em recursos financeiros e humanos destes intervenientes são contabilizados nas estatísticas da Cooperação Portuguesa, visto que vêm também de outras fontes.

Como já referido, não existe uma instância operacional em São Tomé que coordena os programas e projetos da Cooperação Portuguesa com os de outros parceiros bilaterais e multilaterais que atuam neste país. Além disso, em São Tomé e Príncipe a Cooperação Portuguesa não aplicou o conceito de cluster, nem outro instrumento de coordenação dos interve-nientes portugueses para tentar melhorar a eficácia dos vários projetos e programas. Uma vez, por volta de março de 2013, a embaixadora de Portugal convidou os representantes de todas as ONGD portuguesas que

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executam projetos em São Tomé e Príncipe. Então foi anunciado realizar tais reuniões trimestralmente, contudo, nunca mais voltou a acontecer. Aliás, o IMVF não se fez representar naquela reunião.

Em 2012, a ajuda oficial ao desenvolvimento de Portugal para São Tomé e Príncipe foi de €16,7 milhões, uma ligeira descida em compara-ção com os dois anos anteriores. A média durante o período 2008-2012 somou €15,4 milhões. No mesmo período verificou-se uma concentração no agrupamento setorial “Infraestruturas e Serviços Sociais” (Educação, Saúde, População e Saúde Reprodutiva, Água e Saneamento, Governo e Sociedade Civil, Outras Infraestruturas e Serviços Sociais), o qual recebeu em média €8,7 milhões, representando 57% do total da ajuda portuguesa àquele país. Segundo o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, o PIC 2012-2015, assinado em novembro de 2013, prevê um montante de €43,5 milhões, constituindo como eixos prioritários das ajudas a boa governação, participação e democracia e o desenvolvimento sustentável e a luta contra a pobreza. Na realidade, uma parte dos montantes contabi-lizados não entra em São Tomé e Príncipe, visto que se referem a remu-nerações dos quadros portugueses envolvidos na cooperação, missões de monitorização ou avaliação de projetos ou equipamentos adquiridos em Portugal (Quintaneiro, 2012).

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Quadro 4

Fonte: Camões – Instituto da Cooperação e da Língua (http://www.instituto-camoes.pt/)

Quadro 5

O PIC 2012-2015 integra os seguintes projetos de cooperação:• Apoio ao Instituto Diocesano de Formação João Paulo II (IDF), escola privada

ligada à Diocese de São Tomé e Príncipe, fundada em 1989, com cerca de 350 alunos.

• Apoio à candidatura da Ilha do Príncipe a Reserva da Biosfera da UNESCO, apro-vada em julho de 2012.

• Escola+ Projeto de Dinamização do Ensino Secundário em São Tomé e Príncipe - “Educação para Todos”, projeto realizado pelo IMVF, fase I de 2009 a 2012 e fase II de 2013 a 2017.

• Desenvolver competências técnicas e operacionais das forças e serviços de segu-rança de São Tomé e Príncipe, designadamente a Polícia Nacional, a Unidade de Proteção de Dirigentes do Estado e o Serviço de Migração e Fronteiras.

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• Projeto de Descentralização e Participação Comunitária na Gestão de Resíduos Sólidos da Cidade de São Tomé, executado pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA).

• Projeto Decentralizado de Segurança Alimentar (PDSA). Promoção da segurança alimentar através do reforço das capacidades de produção, transformação e valo-rização de produtos agrícolas. Projeto gerido pelo IMVF. A segunda fase deste projeto começou em março de 2013.

• Saúde para Todos - Especialidades. Consolidar o sistema nacional de saúde através da prestação de cuidados médicos especializados em São Tomé e Príncipe. Deslocação periódica de médicos especialistas portugueses para o arquipélago. Projeto do IMVF.

• Saúde para Todos - Alargamento e Consolidação. Objetivo Global: Garantir a qualidade na prestação universal e na gestão de um conjunto integrado de cuida-dos de saúde.

Instituto Marquês de Valle Flôr

De longe a maior ONGD portuguesa em São Tomé e Príncipe é o Ins-tituto Marquês de Valle Flôr (IMVF). Foi fundada em Lisboa, em 1951, por Maria do Carmo Constantino Ferreira Pinto, a viúva de José Luís Constantino Dias (1855-1932), o Marquês de Valle Flôr. Constantino Dias era proprietário da Sociedade Agrícola Valle Flôr, uma das maiores empresas da época colonial em São Tomé e Príncipe. Possuía grandes ro-ças de cacau, nomeadamente Bela Vista, Diogo Vaz e Rio do Ouro (rebati-zada Agostinho Neto, em 1979, em homenagem ao primeiro presidente de Angola) que, como todas as roças pertencentes a empresas portuguesas, foram nacionalizadas pouco depois da independência, em 30 de setembro de 1975. Constantino Dias, de origem social humilde, chegou a São Tomé aos 16 anos como assistente de loja, em 1871, e mais tarde tornou-se ro-ceiro rico, o que lhe valeu o título de visconde de Valle Flôr, em 1890, e o de marquês, em 1907. Naquela altura, a sua empresa tinha centenas de quilómetros de linha férrea nas suas plantações, possuía a sua própria fro-ta de navios a vapor, empregava 4.000 contratados africanos e produzia 12 por cento do cacau do arquipélago (Clarence-Smith, 1990, p. 110). Ainda hoje, prova visível da riqueza do Marquês de Valle Flôr é o palácio que ergueu no início do século XX no Alto de Santo Amaro em Lisboa, lá onde se encontra instalado desde 1992 o Hotel Pestana Palace.

Inicialmente o objetivo do IMVF era o apoio à investigação na área das doenças tropicais e a assistência à população mais carenciada, espe-cialmente em São Tomé e Príncipe. Nos anos de 1980 o IMVF iniciou as suas atividades de cooperação para o desenvolvimento. Atualmente a ins-

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tituição está presente em todos os países de língua portuguesa, inclusive Portugal e Brasil. Em São Tomé e Príncipe iniciou a sua intervenção em 1988 e desde 2008 está presente em todos os seis distritos em São Tomé e no Príncipe. Atualmente o IMVF concentra a sua cooperação em projetos de saúde, educação, saneamento e segurança alimentar. São todas inter-venções em áreas que em circunstâncias normais são funções e atividades que são asseguradas pelo governo nacional. Contudo, devido à carência de recursos humanos adequadamente formados, insuficiência de meios financeiros e fracas capacidades institucionais e organizativas, o Estado são-tomense não quer nem pode assumir estas funções.

O programa “Saúde para Todos” é o mais antigo e conhecido do IMVF em São Tomé e Príncipe. O programa tem financiamento do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e da Fundação Calouste Gulbenkian. É um programa integrado que inclui o projeto de cuidados primários e o projeto de especialidades. Na sua fase atual o projeto de cuidados primá-rios visa a prestação de cuidados de saúde preventivos e primários para toda a população através dos centros de saúde espalhados pelas duas ilhas e a formação e capacitação dos cerca de 770 profissionais de saúde na-cionais em áreas ainda deficientes e fragilizadas. Este projeto funciona exclusivamente com profissionais nacionais. Apenas as missões regulares de supervisão e a gestão central do programa são efetuadas por respon-sáveis do IMVF em Lisboa. O coordenador local do projeto é um médico e ex-ministro da Saúde são-tomense. De facto, “Saúde para Todos” é uma estrutura paralela do sistema nacional de saúde que faz o que o Ministério da Saúde são-tomense não consegue: funcionar. O IMFV paga aos seus funcionários salários mais elevados do que o Ministério da Saúde e, como compensação, até paga um subsídio aos profissionais de saúde deste minis-tério para evitar maiores desigualdades salariais entre o pessoal do IMVF e os funcionários do Ministério.

O projeto de cuidados especializados e de telemedicina procura me-lhorar os cuidados especializados no Hospital Ayres de Menezes em São Tomé através de missões de curta duração de médicos portugueses de 22 especialidades. Alguns destes especialistas deslocam-se até à ilha do Príncipe para fazer consultas que não necessitam de intervenções médicas mais complexas. Atualmente o país dispõe apenas de quatro especialidades médicas, enquanto 28 são inexistentes. Muitos médicos são-tomenses que se formaram desde a independência em universidades estrangeiras não voltaram ao seu país, preferindo trabalhar no estrangeiro, sobretudo em Portugal, onde encontram melhores condições salariais e laborais. O pro-

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jeto não visa apenas preencher parte desta lacuna, mas também contribuir para a capacitação e formação on the job dos profissionais de saúde são-to-menses na área dos cuidados especializados. No âmbito deste projeto, ge-ralmente as equipas de especialistas portugueses vêm três vezes por ano a São Tomé para fazer tratamentos e operações nos dois blocos operatórios existentes no hospital. Em 2011 o sistema de telemedicina foi introduzido em São Tomé como parte deste projeto. Esta técnica possibilita fazer uma ecografia ou outros diagnósticos a distância a partir de Portugal. Um re-sultado das missões de especialidade de otorrinolaringologia foi em 2014 a publicação de um Dicionário da Língua Gestual de São Tomé e Prínci-pe pelo projeto “Sem Barreiras”, uma iniciativa conjunta da Universidade Católica Portuguesa, Hospital CUF Infante Santo e IMVF, com o apoio da Fundação Gulbenkian, Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e do Ministério da Educação são-tomense. O dicionário visa facilitar a aprendizagem da língua gestual para melhorar a qualidade de vida e com-bater o isolamento social da comunidade surda no arquipélago, que é es-timada em cerca de 5.000 pessoas. Como as missões dos especialistas por-tugueses em São Tomé evitaram a evacuação de doentes para tratamento em Portugal no âmbito da Junta Médica, estima-se que o projeto ajudou o Estado português a poupar €1 milhão por ano1. Antes anualmente cerca de 200 doentes são-tomenses eram evacuados para Portugal, o que con-sumia ainda 40% do orçamento do Ministério da Saúde são-tomense, que tem de financiar uma parte destas evacuações (Téla Nón, 2011).

Em julho de 2009 o IMVF iniciou o projeto “Escola + Educação para Todos”, que visa melhorar a qualidade do ensino secundário es-tabelecendo um modelo de ensino mais adaptado às necessidades do arquipélago. O projeto surgiu como resposta a um pedido à Cooperação Portuguesa, feito pelo Ministro de Educação, Jorge Bom Jesus. Na al-tura da formulação do pedido do projeto existiam oito escolas secundá-rias, número que aumentou para catorze até 2013. O ensino secundário abrange cerca de 4.000 alunos cada no primeiro ciclo (7º a 9º ano) e no segundo ciclo (10º a 12º ciclo). No primeiro ciclo há ainda professores que têm apenas o 11º ano concluído, enquanto no segundo ciclo todos os professores têm formação. Um problema do ensino no país é a gran-de flutuação dos professores, que frequentemente deixam a escola de-pois de alguns anos à procura de empregos com melhores condições. A maioria dos seis distritos em São Tomé tem o ensino secundário apenas até ao 9º ano, o fim do primeiro ciclo. Devido à falta de espaço físico as

1 Reportagem da SIC “Médicos de São Tomé”.

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escolas funcionam em três turnos, de manhã, à tarde e à noite.

A Cooperação Portuguesa financia este projeto do IMVF através do Fundo da Língua, com cerca de €4,6 milhões. Não existem outros projetos de cooperação internacional ao nível do ensino secundário. O projeto não se articula com qualquer outro projeto educacional, mas responde dire-tamente ao Ministério da Educação. As atividades do projeto incluíram novos equipamentos para as escolas, formação de professores e melhoria das suas condições de trabalho, elaboração e produção de manuais de en-sino e uma melhoria da articulação com o ensino profissionalizante. Em três escolas em São Tomé2 e uma no Príncipe foi introduzido o ensino profissional no 8º e 9º ano (1º ciclo), nomeadamente nas áreas de mar-cenaria-carpintaria, costura e informática. Foi também no âmbito deste projeto que, em 2011, foi introduzido pela primeira vez o 12º ano pro-fissionalizante no Liceu Nacional, 36 anos depois da independência. Em 2013 começou o ensino pré-universitário no 12º ano, no mesmo estabele-cimento de ensino secundário. Devido à falta de investimentos no ensino, até 2011 o Liceu Nacional, construído nos anos de 1960, foi o único liceu do país. Naquele ano, um segundo liceu com capacidade para 720 alunos, financiado por Taiwan, foi inaugurado na Trindade, no distrito de Mé--Zóchi, o segundo mais populoso do arquipélago. O Instituto Diocesano de Formação (IDF), uma instituição escolar ligada à Diocese de São Tomé e Príncipe, que também recebe financiamento da Cooperação Portuguesa, era o único estabelecimento no país a integrar o 12º ano pré-universitário (desde 1993). Consequentemente, quase todos os jovens são-tomenses que iam estudar em Portugal, primeiro tinham de concluir o 12º ano em esco-las secundárias naquele país.

A segunda fase do projeto Escola+ abrange o período de setembro de 2013 a agosto de 2017. As prioridades nesta fase são o melhoramento do desempenho dos professores e da capacidade de gestão e acompanhamen-to dos serviços centrais do Ministério da Educação. Devido a constrangi-mentos financeiros provocados pela redução do orçamento da Cooperação Portuguesa, o projeto viu-se forçado a suspender três outras vertentes inicialmente incluídas, nomeadamente o melhoramento do parque escolar, do ensino técnico-profissional e do ensino recorrente. Contudo, o IMVF esperava que fosse possível encontrar fontes alternativas para o finan-ciamento em falta para a realização destas intervenções no decorrer do projeto.

2 Santana, Bom Bom e Neves.

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Além das áreas de saúde e educação, o IMVF intervém na área da agricultura através do Projeto Descentralizado de Segurança Alimentar (PDSA), cuja segunda fase tem uma duração de trinta meses (março de 2013 a setembro de 2015). O projeto apoia 600 pequenos agricultores, transformadores e a Rede da Sociedade Civil para a Segurança Alimentar e Nutricional - RESCSAN, constituída por vinte organizações locais. Os objetivos são contribuir para a segurança alimentar e nutricional da po-pulação em geral e garantir uma alimentação adequada a cerca de 40.000 crianças nas creches e escolas primárias do país através do Programa de Alimentação e Saúde Escolar em particular. Segundo dados do PNUD, os níveis de subnutrição registrados em São Tomé e Príncipe são seis vezes superiores aos considerados normais3. Os pequenos agricultores recebem sementes e outros insumos para a produção de hortícolas tradicionais e novas a fim de diversificar e aumentar a produção agrícola para o abaste-cimento do mercado local. Este projeto é realizado em parceria com a Fe-deração das Organizações Não-Governamentais de São Tomé e Príncipe (FONG) e financiado pela Comissão Europeia.

O “Programa de Reforço dos Atores Descentralizados” é executado em parceria com a Câmara Municipal de Loures, com financiamento da Comissão Europeia e do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua. O projeto, que começou em janeiro de 2011 e tem uma duração de quatro anos, apoia o Município da Ilha de Maio (Cabo Verde) e a Câmara Distrital de Água Grande (São Tomé). Em São Tomé, este projeto visa reduzir a pobreza e melhorar a vida da população no principal distrito do país atra-vés do fortalecimento do poder local, da promoção e dinamização de um tecido social consciente e participativo e da capacitação e dinamização do setor económico local.

Médicos do Mundo

A ONGD fundada em Portugal em 1999 como filial nacional da orga-nização internacional Médicos sem Fronteiras, criada na França, em 1971, está presente em São Tomé e Príncipe desde 2003. A sua intervenção con-centra-se na área da saúde sexual e reprodutiva. De janeiro de 2011 a julho de 2013, Médicos do Mundo realizou o projeto “Viver Positivo”, que visava o apoio psicossocial a pessoas com VIH/SIDA. Conforme Médicos do Mundo, o número de pessoas que em São Tomé e Príncipe vivem com

3 Reportagem da SIC “Médicos de São Tomé”.

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VIH estima-se entre 3.925 e 7.825, equivalente a 2% a 5% da população em 2008. Outras fontes indicam que, em 2012, 1% da população vivia com o vírus (CIA, 2014). Não existem números mais exatos sobre a prevalên-cia desta doença no país. O objetivo do projeto foi melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem com o vírus através de apoio psicossocial e atenção domiciliária. O parceiro local deste projeto financiado pelo Ca-mões – Instituto da Cooperação e da Língua e fundos próprios da ONGD foi o Programa Nacional de Luta contra o SIDA (PNLS). A ONG chegou às pessoas com VIH através das consultas no PNLS, onde receberam um inquérito para saber se estariam ou não interessadas em ser beneficiárias de determinadas atividades do projeto. Consequentemente o projeto rea-lizou uma série de atividades, como a criação de um grupo de autoajuda de quinze portadores do VIH que funcionava de quinze em quinze dias e era facilitado por uma psicóloga com ações de cuidados domiciliários. Uma equipa de uma psicóloga e uma enfermeira dirigia-se a casa destas pessoas que já têm mais dificuldade de mobilidade para administrar me-dicamentos ou conversar sobre os problemas de cada uma. Inicialmente o projeto queria estabelecer dois grupos de autoajuda em São Tomé e um terceiro no Príncipe. Contudo, conseguiu apenas criar um grupo em Água Grande, pois era difícil encontrar os portadores do VIH fora da capital. Também foi feito um estudo qualitativo sobre a discriminação, visto que este projeto, logicamente, tendo estes beneficiários também tinha que to-car nesta temática. Realizou-se uma série de grupos focais para perceber as determinantes da discriminação em São Tomé. Também foi concretiza-do um workshop de artesanato, para capacitar as pessoas com VIH de al-guma forma numa fonte geradora de rendimentos, porque algumas estão desempregadas e são muito discriminadas. Neste workshop participaram quinze formandos, durante dois meses, três vezes por semana, e no final realizou-se uma exposição das peças de artesanato feitas no Centro Cul-tural Português.

Outro projeto designado “Saber é Poder”, iniciado em março de 2011 e concluído em fevereiro de 2014, teve como objetivo reduzir a percentagem da gravidez precoce e aumentar o acesso a meios de planeamento familiar, através de campanhas e ações de sensibilização entre jovens e adolescentes de 11 a 24 anos. Nas escolas, a Médicos do Mundo trabalha através dos Centros de Interação Jovem (CIJ), que existem em alguns estabelecimen-tos do ensino secundário. Além disso, o projeto formou 40 enfermeiros dos centros e postos de saúde em São Tomé. Também publicou um manual de saúde sexual e reprodutiva. Inicialmente este projeto sofreu algumas alte-

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rações por se sobrepor no aspeto da educação sexual com o projeto “Esco-la+” do IMVF, que também incluía manuais de educação sexual previstos pela Médicos do Mundo. Na fase de preparação dos projetos não havia ne-nhuma concertação entre as duas ONGD portuguesas. Consequentemen-te Médicos do Mundo substituiu a elaboração de manuais escolares sobre saúde sexual e reprodutiva por fichas pedagógicas de apoio aos manuais escolares. Este projeto foi financiado pelo Camões – Instituto da Coopera-ção e da Língua, Comissão Europeia e fundos próprios da ONGD. Os par-ceiros locais do projeto “Saber é Poder” foram o Instituto da Juventude, a Associação Santomense de Planeamento Familiar (ASPAF) e o Programa Nacional de Saúde Reprodutiva (PNSP) do Ministério da Saúde. A Médi-cos do Mundo participa na Rede VIH/SIDA São Tomé, uma plataforma criada pelo PNLS que congrega as cerca de dez organizações ativas nesta área, contudo, nunca manteve uma cooperação com o IMVF.

Assistência Médica Internacional (AMI)

Em São Tomé e Príncipe desde 1988, a AMI sempre centrou o seu trabalho em Caué, o maior distrito de São Tomé e também o mais pobre, com uma população de apenas cerca de 6.900 habitantes (3,4% do total) (INE, 2012). Apenas nos anos de 1989 a 1993 a AMI alargou a prestação de assistência médica ao Príncipe, onde também recuperou o Hospital Dr. Manuel Quaresma Dias da Graça. A população de Caué é maioritariamen-te constituída pela comunidade dos angolares, descendentes de escravos fugitivos das plantações de açúcar, no século XVI. A atividade económica dominante dos angolares foi sempre a pesca artesanal e a comercialização do peixe. Inicialmente o trabalho da AMI foi em primeiro lugar a presta-ção direta de cuidados de saúde e a promoção de ações de educação para a saúde dirigida à população local. Desde 2007 a organização mudou o foco da sua atividade para a capacitação dos agentes sanitários e a formação de ativistas comunitários locais em Caué. São os profissionais locais que prestam os cuidados de saúde primários e envolvem as ações educativas de saúde pública e da prevenção de doenças, enquanto a equipa da AMI limita a sua intervenção ao acompanhamento e a supervisão. Além disso, foram reabilitados os postos de saúde comunitária e o centro de saúde em Angolares, a localidade principal do distrito. A AMI também trabalha nas escolas com os professores, cantineiros e os alunos na área da segurança alimentar para ensinar questões de nutrição adequada e estimular a pro-dução de hortícolas nas hortas escolares a fim de completar os alimentos

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que o Programa Alimentar Mundial (PAM) ainda distribui às escolas para que a refeição diária seja mais diversificada. Esta ação encontrou algumas dificuldades devido a roubos frequentes nestas hortas.

Em 2010 a AMI associou-se à Rede da Sociedade Civil para a Segu-rança Alimentar e Nutricional (RESCSAN). A AMI tem um contato dire-to com o delegado de saúde, o representante do Ministério da Saúde em Caué. Com a delegação da Organização Mundial da Saúde em São Tomé não existe nenhum contato. O IMVF faz consultas de especialidade no centro de saúde em Angolares. Então não existe sobreposição com a inter-venção da AMI, mas também não há colaboração ou diálogo regular entre as duas organizações portuguesas. Os dois médicos locais que trabalham neste centro de saúde não são especialistas. A médica da equipa da AMI trabalha na formação dos agentes de saúde comunitários e dá apoio à ges-tão dos postos de saúde comunitários, particularmente na organização dos medicamentos. A AMI compra os medicamentos do Fundo Nacional de Medicamentos em São Tomé, entregando-os ao centro de saúde em Ango-lares. Por sua vez, o centro distribui os medicamentos básicos aos postos de saúde comunitários. Estes vendem os medicamentos à população a um preço fixo. Com as receitas compram novos medicamentos para repor o estoque e fazem a manutenção dos postos. Isso pelo menos é o objetivo da intervenção da AMI nesta área. No distrito a AMI tem uma colaboração na área da nutrição com os voluntários dos Leigos para o Desenvolvi-mento, uma associação católica de inspiração jesuíta, fundada em Lisboa em 1986. O primeiro grupo de seis voluntários que vivem pelo menos durante um ano com as comunidades locais chegou a São Tomé em 1989. Em Caué os leigos dão apoio às comunidades de Porto Alegre, Malanza e Ponta Baleia, onde desenvolvem ações nas áreas de educação, alimentação, comercialização de produtos, associativismo e ecoturismo. A AMI queria terminar a sua intervenção em Caué em dezembro de 2013 com a entrega das responsabilidades aos profissionais de saúde que trabalham nos postos de saúde comunitários para que no futuro desempenhem autonomamente as suas funções nas áreas de cuidados de saúde primários e de nutrição.

A FONG-STP

As ONG portuguesas são membros da Federação de Organizações Não-Governamentais de São Tomé e Príncipe (FONG-STP), que integra quase todas as ONG nacionais e internacionais existentes no arquipélago. Criada dez anos depois da democratização do país, em 2001, com 44 só-

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cios, atualmente a FONG-STP alega ter 98 ONG filiadas. Contudo, num estudo realizado em 2010, apenas 72 ONG, das quais 62 nacionais, foram diagnosticadas. Mais de metade destas ONG não tinha sede própria, e ape-nas pouco mais de metade desenvolveu um projeto (Cravo, Londaitzbehe-re, Diogo & Sousa, 2010, p. 44). Um dos objetivos da FONG-STP é uma melhor cooperação e coordenação entre todas as ONG que trabalham no país, o governo e os doadores internacionais4. Contudo, no referido estudo sobre os filiados da federação consta que:

A falta de coordenação das políticas de desenvolvimento implementa-das no país, aliada à insuficiente comunicação entre as associações sobre os projetos e missões que desenvolvem e à inexistência de um enquadramento legal que regule e clarifique o âmbito e atuação das organizações não--governamentais, conduziram à difusão do movimento sem atender às es-pecificidades e particularidades do conceito que acabou por ser largamente adoptado, muitas vezes para além do esperado (Cravo et al., 2010, p. 43).

Contudo, ao nível da sua direção, a FONG-STP participa regularmen-te em reuniões sobre o desenvolvimento do país, seja com o governo ou com parceiros internacionais.

Na entrevista, o responsável da FONG-STP confirma que, regra ge-ral, as ONG buscam individualmente financiamento de terceiros e não favorecem a colaboração com outras ONG. Contudo, devido a uma impo-sição da Comissão Europeia para o financiamento de projetos não estatais e de autoridades locais, as ONG têm de estabelecer parcerias com outras congêneres. Assim, em parceria com a FONG-STP, a ACEP desenvolveu o projeto “Sociedade Civil pelo Desenvolvimento” mediante um conjunto de atividades de comunicação, capacitação e advocacia. O projeto, com a duração de três anos, foi financiado pela Comissão Europeia com cofinan-ciamento da UNICEF e do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua. O projeto publicou um estudo intitulado “Sociedade Civil, Comunicação e Advocacia em São Tomé e Príncipe”, o guia “Orçamento e Direitos das Crianças”, um “Manual de Advocacia para a Promoção de um Ambiente Favorável às Organizações da Sociedade Civil”, um boletim trimestral e uma compilação de notícias sobre políticas públicas no país. Além disso, o projeto realizou programas radiofónicos, seminários e ateliês sobre te-mas relacionados com políticas públicas. O objetivo principal do projeto é formar os agentes das ONG locais para que tenham competências para monitorizar as políticas públicas, particularmente quanto às finanças pú-

4 Portal da FONG-STP (http://fong-stp.net).

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blicas. Além disso, a FONG-STP participa no Projeto Descentralizado de Segurança Alimentar (PDSA II), em parceria com o IMVF e a RESCSAN – Rede Nacional de Segurança Nacional Alimentar e Nutricional.

CONCLUSõES

Ao nível do governo são-tomense existe uma Unidade de Coordenação das Ajudas, contudo, na realidade, nunca funcionou adequadamente. Além de uma tentativa setorial ao nível do Ministério da Saúde, não existe uma eficaz coordenação das ajudas internacionais em São Tomé. Não é apenas uma questão das capacidades técnicas e organizativas do governo, mas também da sua vontade política. Para o país a eficácia das ajudas não é necessariamente uma prioridade, visto que a sobreposição e duplicação de projetos também podem trazer vantagens em termos de fluxos finan-ceiros, investimentos e oportunidades de emprego. Também da parte da Cooperação Portuguesa não existe nenhum mecanismo de coordenação institucionalizado entre as várias ONGD portuguesas que operam no ar-quipélago. O cluster da Cooperação, oficialmente lançado em 2006, nunca foi aplicado em São Tomé e Príncipe. De facto, a grande maioria dos en-trevistados em São Tomé nunca ouviu falar do cluster da Cooperação. Alguns responsáveis das ONGD portuguesas neste país acham que uma maior coordenação entre os vários intervenientes seria desejável e vanta-josa. Contudo, uma primeira tentativa da embaixadora portuguesa neste sentido não teve seguimento. O representante local do Camões também acredita que, no caso de São Tomé, o instrumento cluster não faz muito sentido, visto que o país é pequeno e consequentemente é fácil consultar cada um sempre que necessário. Um outro aspeto que dificulta uma maior coordenação dos intervenientes portugueses em São Tomé e Príncipe é a posição dominante do IMVF, que privilegia o diálogo direto com o poder político local e o Camões e os demais financiadores em detrimento da co-laboração com outras ONGD portuguesas ativas no arquipélago.

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REFERêNCIAS

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Clarence-Smith, G. (1990). O terceiro império português (1825-1975). Lis-boa: Teorema.

Cravo, C., Londaitzbehere, L., Diogo, O., & Sousa, S. (2010). Estudo diag-nóstico das ONG em São Tomé e Príncipe. Lisboa: ACEP & FONG-STP.

Freitas, R. (2012). A eficácia da ajuda e a definição das políticas de de-senvolvimento em S. Tomé e Príncipe. Actas do Colóquio Internacional São Tomé e Príncipe numa perspectiva interdisciplinar, diacrónica e sincrónica (pp. 485-503). Lisboa: ISCTE-IUL.

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Quintaneiro, L. (2012). São Tomé e Príncipe e a cooperação internacio-nal: O seu impacto no desenvolvimento e nas finanças públicas. Actas do Colóquio Internacional São Tomé e Príncipe numa perspectiva interdisciplinar, diacrónica e sincrónica (pp. 553-568). Lisboa: ISCTE-IUL.

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UNDP (United Nations Development Programme). (2014). Human deve-lopment report 2014. In http://hdr.undp.org/en/data

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ANEXO FOTOGRáFICO

Ação de cooperação com operações oftálmicas

viveiros em São Tomé e Príncipe

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CONCLUSõES

por toda a equipa

Apesar do conjunto dos capítulos reunidos neste livro apresentar al-guma diversidade temática e analítica indissociável, por um lado dos ob-jetivos específicos que presidiram à elaboração dos mesmos – uns mais teóricos e de enquadramento, outros essencialmente centrados em análise empíricas de contextos de cooperação – e, por outro lado, das diversas pertenças disciplinares e experiências de investigação dos autores, é pos-sível extrair, do conjunto das reflexões desenvolvidas, algumas conclu-sões que permitem aferir se a questão que este projecto colocou e que constituiu o fio condutor das investigações aqui apresentadas, tem ou não uma resposta positiva. Ou seja, saber se os Clusters da Cooperação para o Desenvolvimento constituem uma resposta eficaz à questão, de como tornar melhores a coerência, a harmonização e o alinhamento das práticas da cooperação.

Porém esta questão só poderá ser cabalmente respondida, partindo da análise da existência, ou não, das condições de partida que o próprio conceito de Clusters da Cooperação pressupõe. Isto é, antes de saber se através dos Clusters da Cooperação foi possível atingir a coerência, a har-monização e o alinhamento das práticas da cooperação, é necessário saber se estes foram efetivamente implementados.

Para a sua implementação num país parceiro, foi definido que os Clus-ters da Cooperação Portuguesa pressupunham e/ou requeriam:: i) a iden-tificação de uma área geográfica; ii) a criação de uma parceria; iii) o esta-belecimento dos termos de referência para a intervenção (master plan); iv)

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a definição de uma estrutura de coordenação; e v) a identificação cuidadosa e pensada de forma alargada de diferentes intervenientes.

Analisando estes diferentes pressupostos e requisitos em relação aos diferentes contextos da cooperação que este livro analisa, podemos con-cluir o seguinte:

Ao nível da identificação de uma área geográfica, todos os clusters ana-lisados cumpriram este requisito. Note-se que no caso de Timor-Leste se apontou para uma área maior do que aquela em que finalmente se centrou o cluster e que em São Tomé a área corresponde ao país uma vez que o cluster é temático. É uma prática herdada dos projectos de desenvolvi-mento integrado que se sabe ter vantagens para o impacto que os projec-tos de Cooperação podem causar.

Em termos da criação de uma parceria há que referir que este requisito supõe um entendimento entre Portugal e o país onde se situa o cluster para a implementação do mesmo. Ora a análise das várias experiencias de clusters aponta para a existência de diferentes níveis de entendimento entre os países em causa. Desde logo com Moçambique onde esse entendi-mento se foi arrastando no tempo, devido ao Governo central em Maputo não aprovar nem reprovar o master plan com as atividades a desenvolver elencadas e priorizadas. Esta atitude do Governo central contrastou com a atitude das autoridades locais da Ilha que se mostraram favoráveis ao cluster desde o primeiro momento. Igualmente em Timor-Leste o apoio do Governo timorense foi e é muito pontual, e mais mediático do que prático, também em contraste com o apoio das organizações locais. Em Angola também se pode concluir que as autoridades locais funcionavam em permanente contacto com o coordenador (antes de este falecer); mas fica também a ideia que as autoridades centrais em Luanda ignoram pura e simplesmente a existência do projecto no Huambo, não por não estarem informadas mas sim por considerarem suficiente o comportamento do go-vernador local.

Em relação ao terceiro requisito - O estabelecimento dos termos de referên-cia para a intervenção (master plan) concluiu-se que a implementação dos clusters foi precedida pela elaboração de estudos prévios e documentos de projeto. Para STP a experiência já existente da organização executora – o IMVF – com muitos anos de Cooperação na área da saúde permitiu que a função desse “master plan” fosse feita a partir de documentos já existentes. Em Moçambique foi elaborado pela CESO um plano de desenvolvimen-

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to integrado com grande detalhe e que necessitaria de um investimento contínuo durante vários anos com montantes elevados. Como já se referiu, esse relatório nunca foi aprovado pelo Governo Moçambicano e foi objec-to de debates e polémicas mais ou menos públicas, ficando a constituir um estudo importante sobre a área da Ilha mas com pouca aplicação. O Clus-ter acabou por adoptar um programa mais simples e limitado mas também mais possível de ser executado.

Em termos da definição de uma estrutura de coordenação, ; o modelo de gestão seguido nos clusters só foi feito de forma inovadora em Mauba-ra (Timor-Leste). Nos restantes contextos, reproduziu-se um modelo or-ganizacional já ensaiado por diversas vezes em projectos de maior volume de verbas, onde um coordenador residente expatriado responde perante o IPAD/Camões e a Embaixada ou perante a entidade executora (como em Angola e São Tomé perante o IMVF e que dinamiza as actividades). Em Timor o coordenador, escolhido directamente pelo então Secretário de Estado João Gomes Cravinho, implementou um modelo de gestão orien-tado para a criação de valor económico e social de mercado procurando permanentemente uma articulação com as organizações locais existentes ou dinamizadas pelo próprio cluster, e utilizando referenciais organizati-vos e de planeamento estratégico inspirados directamente na prática em-presarial privada.

Que a equipa de investigação tivesse conseguido perceber, das múl-tiplas entrevistas realizadas e documentos analisados, nunca a estrutura central em Portugal promoveu uma reflexão aprofundada e com conse-quências sobre qual o modelo de gestão a adoptar neste novo instrumento da Cooperação, incluindo a avaliação do cluster da Ilha no estudo geral encomendado ao ISCTE de avaliação do PIC com aquele país.

Para que o seu desenvolvimento como instrumento da Cooperação te-nha consequências também a nível das organizações centrais – o efeito boomerang -, estas teriam de considerar os clusters como uma inovação e organizar-se para que tal correspondesse a um modelo de funcionamento que não se diluísse naquilo que já se faz actualmente. E tal não sucedeu, tendo a equipa ouvido referências contínuas à falta de atenção que os coor-denadores obtinham da estrutura central e da embaixada portuguesa, que para São Tomé referiu expressamente a falta de interesse em considerar a existência de um cluster da cooperação. Igualmente, a estrutura central não assumiu que os Clusters são uma área dinamizadora da produção de conhecimento na Cooperação, não pesquisando o que se fez no passado, o

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que os investigadores do projecto e outros fazem no presente e aprovei-tando criativamente num processo de benchmarking o que se faz de me-lhor. Que conseguíssemos perceber não houve nenhum efeito boomerang.

Por último, em termos da identificação cuidadosa e pensada de forma alargada de diferentes intervenientes a posição da equipa de investigação é que este requisito nunca foi conseguido se considerarmos os interve-nientes como sendo os países potencialmente financiadores. A concorrên-cia entre financiadores expressou-se sobretudo na Ilha de Moçambique, onde claramente o interesse manifestado ao longo do tempo por diversas cooperações nunca levou a uma coordenação prática. Ou seja cada país continua a ter a sua própria política de Cooperação que encara como fa-zendo parte da sua afirmação no mundo e não está, portanto disposto, a diluir-se seja em que estrutura for a não ser que tal lhes traga vantagens. Embora estivesse bem explícito no documento de projeto inicial a neces-sidade de coordenação dos doadores internacionais é nossa convicção que nem mesmo a condição necessária (e não suficiente) de empenhamento forte da embaixada portuguesa em Maputo foi cumprida.

Ao nível dos intervenientes locais, em todos os países analisados se constatou haver um leque de organizações em geral beneficiárias directas ou indirectas do cluster que ao longo do tempo foram tendo uma interven-ção progressiva constituindo o “espaço” cluster um campo comum, pensa-do ao ritmo das actividades, das verbas envolvidas e da credibilidade que a Cooperação portuguesa foi capaz de desenvolver nesses países.

Para concluir sobre a coerência, a harmonização e o alinhamento da Coo-peração para o Desenvolvimento e os clusters da Cooperação, tomemos a Lei da Coerência1 quando esta refere o seguinte:

“A criação de sinergias entre os objectivos da política de desenvol-vimento e os objectivos de outras políticas europeias, e evitando que as decisões tomadas noutras esferas políticas possam ter impacto negativo nos países em desenvolvimento. No plano nacional, é igualmente importante desenvolver mecanismos de coordenação actualizados com vista a aumen-tar a eficácia das políticas públicas portuguesas em termos de promoção do desenvolvimento dos países parceiros.”

Ora os Clusters da Cooperação na sua formulação teórica correspondem exactamente a este objectivo da União tomado como seu por Portugal

1 Diário da República, 1.ª série — N.º 214 — 4 de Novembro de 2010, Presidência do Con-selho de Ministros Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2010

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em 2010 em Resolução do Conselho de Ministros. Mas a análise que a presente investigação permitiu, leva-nos a concluir que para cumprir essa legislação os Clusters existentes teriam de ter um enquadramento for-mal na Cooperação Portuguesa para além da referência em PIC, e tal não existe nem nunca existiu. Ou seja, os Clusters em todos os países anali-sados, contribuem claramente para uma maior coerência da Cooperação Portuguesa nas zonas onde estão implantados mas o contributo para uma coerência global, seja nesses países específicos, seja em geral, não existe, dado não terem nenhum estatuto como instrumento aglutinador de todas as práticas de Cooperação.

No “Plano de Acção de Portugal para a Harmonização e Alinhamento” elaborado pelo IPAD em 20052 destinado a operacionalizar os compromis-sos assumidos em Roma, 2003, e com referência ao documento do CAD de 20033:

“A Harmonização refere-se “aos esforços dos doadores na uniformi-zação e simplificação da concessão da ajuda. Nesse sentido, os doadores devem: harmonizar as suas políticas, procedimentos e práticas; intensifi-car a cooperação delegada; dar maior flexibilidade e poder de decisão às representações no terreno; e desenvolver incentivos, ao nível interno das instituições da Cooperação Portuguesa, fomentando um reconhecimento geral dos benefícios decorrentes da harmonização.”

Para o IPAD, na altura, as boas práticas e a sua divulgação abrangiam três áreas - Boas Práticas entre doadores e governos parceiros; - Boas Práticas entre as agências doadoras; - Boas Práticas nos sistemas dos doa-dores. O IPAD considerava que:

“Estas Boas Práticas são um ponto de referência e não uma obrigação para todas as agências de desenvolvimento, em todos os países. Adotá-las em diferentes circunstâncias de diferentes países, requer uma grande fle-xibilidade nas políticas e procedimentos dos doadores, de forma a acomo-dar várias capacidades institucionais, tradições e histórias de parceria”. (IPAD, 2005).

Não conseguimos perceber nesta investigação se a Cooperação Portu-guesa teve ou não preocupação de aplicação concreta aos Clusters destas orientações. Aliás continua a verificar-se uma diferença significativa en-

2 IPAD (2005), “Plano de Acção de Portugal para a Harmonização e Alinhamento” Lisboa

3 CAD/OCDE (2003), Harmonising Donor Practices for Effective Aid Delivery Good Practice Papers, A DAC Reference Document

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tre financiadores mesmo entre países europeus e a Comissão Europeia no que respeita a formulários, procedimentos e normas administrativas. Não detetámos que houvesse unidade entre os relatórios a que tivemos acesso dos diferentes clusters e, no próprio debate realizado no final do projeto com o coordenador do cluster de Timor-Leste, o consultor para o cluster de Huambo presentes e vários técnicos do Camões, foi evidente que a con-ceção de boas práticas eram pensadas localmente atendendo sobretudo à apropriação por parte das populações beneficiárias mas não tomando em conta nenhum outro projeto existente no país.

Assim, e como se menciona no texto sobre São Tomé e Príncipe, se a Cooperação Portuguesa nunca procurou aplicar nesse país o conceito de cluster também não procurou promover “boas práticas” em “harmoniza-ção com outros doadores e com os nacionais”, para além daquilo que já fazia e faz, considerando implicitamente que já cumpria aquilo a que se tinha comprometido.

“O Alinhamento diz respeito à articulação da ajuda dos doadores com as estratégias e prioridades de desenvolvimento do país parceiro. Pres-supõe que no fornecimento da ajuda, os doadores utilizarão, de forma progressiva, os sistemas desses países, promovendo, inclusive, a capacitação dos mesmos, sempre que necessário, em detrimento do recurso a sistemas paralelos dos doadores.” (IPAD, 2005).

Como vimos nos capítulos deste livro, a investigação detetou que os Clusters nunca tiveram nenhum tratamento específico nos programas de cooperação entre Portugal e os países de destino. Mesmo em Moçambique onde foi considerado um dos eixos da cooperação desenvolvida, não vimos que tal tivesse alguma consequência diferenciadora de outros projetos. Como tal, os Clusters enquadraram-se na prossecução do Alinhamento que o país já fazia, articulando a aprovação de projetos com os ciclos ad-ministrativos dos países parceiros, embora tal se faça de forma pouco ní-tida quando os projetos bilaterais não estão incluídos nos PIC. Podemos também considerar que a ausência de resposta positiva ou negativa em Moçambique ao “master plan”, como já foi referido, que teve como con-sequência uma longa demora no arranque e afetou sempre o ritmo dos projetos do Cluster da Ilha foi uma falha de aplicação deste critério de Alinhamento.

Para pensar as conclusões desta investigação utilizando a metodologia do Soft System Methodology de Peter Checkland, como explicitada no Capí-tulo II, temos de começar por considerar que os Clusters da Cooperação

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estão integrados num sistema soft (ou seja com um paradigma definido de forma muito instável podendo sofrer alterações com facilidade). A nos-sa tese nestas conclusões é que esse sistema para evoluir, ou seja para responder às situações problemáticas que se lhe levantam pelo ambiente social e politico onde se insere, encontrando sempre um novo ciclo de ati-vidade, necessita de um polo de inovação que permita pensar os diversos elementos do sistema. Com efeito tendo uma análise estabilizada dos des-tinatários beneficiários ou parceiros (clientes na linguagem dos autores do SSM) como sendo os PALOP e Timor-Leste, dos atores intervenientes em Portugal nos outros países financiadores4, nos valores prosseguidos e no ambiente envolvente da Cooperação, já não nos parece claro que as enti-dades públicas portuguesas tenham um consenso sobre a evolução preten-dida no futuro próximo5. Igualmente as questões sintetizadas nas letras PQR (O que faz o sistema? Como faz? e Porque faz? Ou “Fazer P através de Q para obter R”) pode dar origem a diferentes respostas.

Não podemos tirar outra conclusão senão que a situação (ou questão) problemática sobre se a Cooperação Portuguesa deve ou não continuar com os Clusters, colocada nessa situação sistémica, passa por decidir se esse instrumento pode ser um núcleo que leve a um novo ciclo de coo-peração ou se é simplesmente um passo numa evolução que tem avanços e recuos conforme a instabilidade do ator configurador do sistema que é o SENEC/Camões a partir do conceito de Programa Integrado de De-senvolvimento como coloca claramente a investigação feita no Huambo, Angola. A conclusão que podemos tirar da investigação desenvolvida é que os clusters não cumpriram essa função de motor da inovação no sis-tema da Cooperação Portuguesa. A sua conceção, financiamento e execu-ção deparou desde o início com uma falta de aceitação como instrumento central da Cooperação, seja da parte de Portugal seja da parte dos países de destino. Tal não permitiu que os clusters passassem de uma prática que cumpre os requisitos internacionais, para outra onde fosse um motor de transformação/ inovação com efeito de alteração sobre todo o sistema. Os Clusters são assim programas integrados de desenvolvimento de uma nova geração mas é só nesse sentido que constituem uma inovação.

4 Embora nos pareça que o papel da China e possivelmente da India num futuro próximo esteja ainda pouco articulado com a estratégia da Cooperação Portuguesa. Para os interve-nientes ver a lista no Capitulo II.

5 Basta pensarmos se o próximo governo estará ou não de acordo em manter a fusão Ca-mões + IPAD para se consciencializar que esse tipo de decisões não são tomadas de forma consensual pelos partidos que exercem o poder.

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ANEXOS

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Anexo 1

Os Secretários de Estado que tutelaram a Cooperação e os dirigentes dos organismos coordenadores da área em Portugal

• Secretários de Estado da Cooperação (SEC)

• Jorge Sampaio (IV Gov Prov - Mar75 –Ago75 – SEC Externa)

• José Gomes Mota (VI Gov Prov - Set75-Jul76 – SEC)

• João Vieira de Lima (II Gov Const – Jan78-Ago78 – SENE e Emi-gração)

• Paulo Ennes (III Gov Const. – Ago78-Nov78 – SENE e Emigração)

• Luís de Azevedo Coutinho (VI Gov Const – Jan80-Jan81 – SENE)

• Leonardo Mathias (VII Gov Const – Jan81-Set81 – SENE)

• Leonardo Mathias (VIII Gov Const – Set81-Jun82 – SENE)

• Luis Fontoura (VIII Gov Const – Jun82-Jun83 – SECooperação e De-senvolvimento)

• Luís Gaspar da Silva (IX Gov. Const. – Jun83-Fev85 – SEC)

• Eduardo Âmbar (IX Gov Const. – Fev83-Nov85 – SEC)

• Azevedo Soares (X Gov Const. – Nov85–Ago87 – SENEC )

• Durão Barroso (XI Gov. Const. – Ago87–Out91 – SENEC)

• Briosa e Gala (XII Gov. Const. – Out91-Out95 – SEC)

• José Lamego (XIII Gov. Const. – Out95-Nov97 – SENEC)

• Luis Amado (XIII Gov Const. – Nov97-Out99 – SENEC)

• Luis Amado (XIV Gov Const. – Out99-Abr02 – SENEC)

• Lourenço dos Santos (XV Gov. Const. – Abr02-Out03 – SENEC)

• Manuela Franco (XV Gov Const. – Out03-Jul04 – SENEC)

• Henrique de Freitas (XVI Gov. Const. – Jul04-Mar05 – SENEC)

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• João G. Cravinho (XVII Gov. Const. - Mar05 – Nov09 - SENEC)

• João G. Cravinho (XVIII Gov. Const. – Nov09 – Jun11 - SENEC)

• Luís Brites Pereira (XIX Gov. Const. - Jun11 – Abril13 - SENEC)

• Francisco Almeida Leite (XIX Gov. Const. – Abril 13 – Julho 13 - SENEC)

• Luis Campos Ferreira (XIX Gov. Const. – Julho 13 -… - SENEC)

Directores Gerais ou Presidentes dos organismos centraisda Cooperação

• Gabinete Coordenador da Cooperação

• Matos Parreira (1977)

• Direcção Geral da Cooperação

• Gaspar da Silva

• Cornélio da Silva (…- 1988)

• Rocha Paris (1988 – 1991)

• Andersen Guimarães (1991-1992)

• Vieira Branco (1992- 1980)

Instituto da Cooperação Económica

• Costa Oliveira (1980 – 1993)

• Fernando Oliveira Neves (1993 - 1994)

Fundo para a Cooperação Económica

• Isabel Pinto Correia (1991-1999)

Page 290: Carlos Sangreman (coord.) · 2018-04-30 · (ISCTE-IUL), 2008-2014. Atualmente é professor adjunto da Universida-de da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB),

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Instituto para a Cooperação Portuguesa

• José Luiz Gomes (1994-1996)

• Neves Ferreira (1996 -1999)

• Eugénio Anacoreta Correia (1999 -2000)

• João Gomes Cravinho (2001 -2002)

• Paula Santos (interina) (2002 -2003)

Agência Portuguesa de Apoio ao Desenvolvimento

• Isabel Pinto Correia (1999)

Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento

• Almeida Sampaio (2003 -2004)

• Iglésias Soares (2004 -2005)

• Inês Rosa (interina) (Agosto-Setembro 05)

• Ruth Albuquerque (2005 – 2006)

• Manuel Augusto Correia (2007- 2011)

Camões — Instituto da Cooperação e da Língua, I. P

• Ana Paula Laborinho (2012 - )

SOFID – Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento

• Álvaro Pinto Correia

• António Rebelo de Sousa

Page 291: Carlos Sangreman (coord.) · 2018-04-30 · (ISCTE-IUL), 2008-2014. Atualmente é professor adjunto da Universida-de da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB),

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O cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento portuguesa

Anexo II

Quadro síntese das datas dos Diários da República com quadros de subsídios concedidos pelo organismo coordenador da Cooperação Portuguesa

Datas Listagem

06-08-1996 (DR II Série n.º 181) s.d.

15-10-1996 (DR II Série n.º 239) s.d.

22-04-1997 (DR II Série n.º 94) s.d.

26-11-1997 (DR II Série n.º 274) Mapa n.º 18/1997

01-04-1998 (DR II Série n.º 77) Mapa n.º 18/1998

26-09-2008 (DR II Série n.º 223) Mapa n.º 35/1998

07-04-1999 (DR II Série n.º 81) Mapa n.º 14/1999

17-08-1999 (DR II Série n.º 191) Mapa n.º 31/1999

31-03-2000 (DR II Série n.º 77) Mapa n.º 15/2000

30-09-2000 (DR II Série n.º 227) Mapa n.º 27/2000

01-10-2001 (DR II Série n.º 228) Mapa n.º 38/2001

06-07-2002 (DR II Série n.º 154) Mapa n.º 19/2002

26-03-2003 (DR II Série n.º 73) Mapa n.º 12/2003

30-07-2003 (DR II Série n.º 174) Mapa n.º 20/2003

24-07-2004 (DR II Série n.º 173) Mapa n.º 164/2004

24-11-2004 (DR II Série n.º 276) Mapa n.º 16/2004

28-04-2005 (DR II Série n.º 82) Mapa n.º 9/2005

30-09-2005 (DR II Série n.º 189) Mapa n.º 17/2005

24-03-2006 (DR II Série n.º 60) Mapa n.º 8/2006

01-09-2006 (DR II Série n.º 169) Mapa n.º 184/2006

10-05-2007 (DR II Série n.º 90) Mapa n.º 12/2007

13-08-2008 (DR II Série n.º 156) Mapa n.º 24/2008

2-04-2008 (DR II Série n.º 65) Mapa n.º 178/2008

9-04-2009 (DR II Série n.º 70) Mapa n.º 13/2009

25-09-2009 (DR II Série n.º 187) Mapa n.º 17/2009

31-03-2010 (DR II Série n.º 63) Mapa n.º 8/2010

6-04-2010 (DR II Série n.º 66) Mapa n.º 9/2010

5-08-2010 (DR II Série n.º 151) Listagens n.º 118 e 119/2010

18-04-2011 (DR II Série n.º 76) Listagens n.º 77 e 78/2011

5-08-2011 (DR II Série n.º 150) Listagem n.º 112/2011

26-04-2012 (DR II Série n.º 82) Listagens n.º 46 e 47/2012

25-06-2013 (DR II Série n.º 120) Listagens n.º 36 e 37/2013

Page 292: Carlos Sangreman (coord.) · 2018-04-30 · (ISCTE-IUL), 2008-2014. Atualmente é professor adjunto da Universida-de da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB),

O projeto designado abreviadamente por “Os Clusters” como desafios da co-operação portuguesa: Ilha de Moçambique (Moçambique), Huambo (Angola), São Tomé e Príncipe e Maubara (Timor-Leste) foi executado por uma equi-pa constituída por investigadores, bolseiros e consultores ligados de alguma forma ao Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina, do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa e ao Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa, anterior CEA/ISCTE, com financiamento da Fundação para Ciência e para a Tecnologia e apoio a nível documental e pessoal de técnicos e direções do Camões - Insti-tuto para a Cooperação e Língua e do seu antecessor Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento. Conseguiu cumprir uma boa parte dos objetivos a que se propôs na candidatura, apesar das dificuldades resultantes das mudan-ças operadas na vida dos investigadores da equipa decorrentes do contexto socioeconómico atual; conseguiu nomeadamente progredir na construção de instrumentos teóricos de leitura da Cooperação portuguesa utilizando a Soft System Methodology como metodologia internacional de referência, na análise concreta dos diferentes clusters, apoiar teses de doutoramento e de mestrado, construir bases de dados sobre Cooperação online e no debate que levou a conferências internacionais e nacionais através de várias comunicações dos investigadores participantes e da edição em inglês de um e-book.

O livro que aqui se apresenta contém os resultados a que a equipa chegou e que se podem expressar em texto. Para além disso fica o gosto pelo conheci-mento de todos aqueles que colaboraram de alguma forma connosco.

um projecto

financiamento apoio